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Um Diálogo entre os Paradigmas da Teoria Crítica e Interpretativista no Contexto das

Organizações: Uma Proposta Baseada no Conceito de Prática


Autoria: Marcelo de Souza Bispo

Resumo

A partir do trabalho de Burrel e Morgan (1979) no qual foi jogada luz sobre a importância da
discussão epistemológica sobre os paradigmas existentes nos estudos organizacionais,
sobretudo, a predominância do funcionalismo, surgiu muita discussão sobre o tema para o
desenvolvimento de pesquisas no âmbito das organizações que implicam em como enxergar a
organização e os métodos de pesquisas utilizados para o avanço científico da área. Os debates
sobre a epistemologia para estudos organizacionais caminharam para uma polarização entre o
realismo-objetivista em uma visão moderna com a predominância do funcionalismo
positivista como defendido por autores como Donaldson (1997, 2003) e o neo-idealismo
subjetivista com uma visão pós-moderna como é discutido no trabalho de Hatch e Yanow
(2003). O presente ensaio tem como objetivo investigar pontos convergentes e divergentes
entre os paradigmas da teoria crítica e o interpretativista à luz do conceito epistêmico-
normativo de práticas como uma forma de utilizar uma abordagem multiparadigmática nos
estudos organizacionais. O conceito epistêmico-normativo de prática tem uma base
sociológica construtivista com o foco nas formas de construção e reprodução social de
maneira situada a partir de processos de aprendizagem e geração de conhecimento gerado a
partir de negociação. Ao adotar abordagens multiparadigmáticas, em virtude das
possibilidades de enxergar os fenômenos nas organizações por múltiplas visões, pode ser para
o pesquisador, um caminho de melhor compreender e se aproximar dos fenômenos estudados.
Apoiando-se no referencial teórico de Gioia e Pitre (1990), Lewis e Grimes (2007), Geiger
(2009) e Gherardi (2009) o ensaio se propõe a identificar teoricamente elementos que seriam
componentes da zona de transição entre os dois paradigmas e que possibilitariam estudos
empíricos que envolvessem teoria crítica e interpretativismo. Uma das principais premissas
para propor o diálogo entre os paradigmas é que eles não são abordagens teóricas
necessariamente conflitantes, mas dão ênfases diferentes para os fenômenos acessados por
meio das práticas. Ao invés de considerar as estruturas como esta zona de transição entre os
paradigmas como propõem Gioia e Pitre (1990), o ensaio sugere utilizar as práticas como
lente para esta zona de transição considerando como elementos a própria estrutura, a
interpretação, o sentido e o indivíduo. Como principais reflexões, o ensaio traz a provocação
de iniciativas de estudos empíricos que a partir das práticas possam contemplar os principais
fundamentos pressupostos da teoria crítica e do interpretativismo.

Palavras-chave: Teoria crítica; interpretativismo; multiparadigmatismo; práticas;


epistemologia.

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1. Introdução

A partir do trabalho de Burrel e Morgan (1979) no qual foi jogada luz sobre a
importância da discussão epistemológica sobre os paradigmas existentes nos estudos
organizacionais, sobretudo, a predominância do funcionalismo, surgiu muita discussão sobre
o tema para o desenvolvimento de pesquisas no âmbito das organizações que implicam em
como enxergar a organização e os métodos de pesquisas utilizados para o avanço científico da
área.
Os debates sobre a epistemologia para estudos organizacionais caminharam para uma
polarização entre o realismo-objetivista em uma visão moderna com a predominância do
funcionalismo positivista como defendido por autores como Donaldson (1997, 2003) e o neo-
idealismo subjetivista com uma visão pós-moderna como é discutido no trabalho de Hatch e
Yanow (2003).
Tal polarização fez com que os estudos organizacionais fossem divididos entre
positivistas e interpretativistas, contudo, esta simplificação das possibilidades epistemológicas
existentes, esconde que há outras formas de entendimento dentro destes paradigmas e até
entre eles, ou seja, em uma abordagem multiparadigmática para estudar as organizações.
Ainda sobre a discussão da polarização entre positivismo e interpretativismo, há que
se considerar também a corrente dos estudos críticos que não se encaixa em nenhum dos
paradigmas anteriores. Paes de Paula e Alcadipani (2004) colocam a importância e o avanço
de estudos com a utilização da teoria crítica para pesquisa em organizações.
A partir destas colocações sobre a existência de multiparadigmas para o estudo e
pesquisa em organizações, este ensaio se propõe a investigar pontos convergentes e
divergentes entre os paradigmas da teoria crítica e o interpretativista à luz do conceito de
prática como uma forma de utilizar uma abordagem multiparadigmática nos estudos
organizacionais.
Contudo, o que são estudos multiparadigmáticos? Lewis e Grimes (2007) dizem que
os estudos desta natureza são aqueles que buscam combinar paradigmas distintos para ter uma
visão mais holística do que se quer investigar, isto possibilita revelar disparidade e
complementaridade entre os paradigmas adotados. Gioia e Pitre (1990, p.585) dizem que o
paradigma “é uma perspectiva geral ou forma de pensar que reflete fundamentalmente
crenças e pressupostos sobre a natureza das organizações”.
Abordagens multiparadigmáticas já são encontradas em pesquisas na área de
administração como os estudos realizados por Meirelles e Gonçalves (2005) no campo de
estratégia, assim como Antonello e Godoy (2007) em aprendizagem.
Ao adotar abordagens multiparadigmáticas, em virtude das possibilidades de enxergar
os fenômenos nas organizações por múltiplas visões, pode ser para o pesquisador, um
caminho de melhor entender e se aproximar dos objetos de estudo.
O ensaio está dividido em cinco partes que além desta introdução, apresenta as idéias
gerais sobre os paradigmas da teoria crítica e interpretativista, uma discussão teórica sobre as
aproximações e distanciamentos entre as duas abordagens com uma sugestão de diálogo entre
elas que engloba uma proposta metodológica para investigação empírica a partir dos estudos
baseados em prática e as considerações finais.

2. O Paradigma da Teoria Crítica nas Teorias Organizacionais

Alvesson e Deetz (1999) apresentam duas vertentes de crítica nos estudos


organizacionais, uma delas é o pós-modernismo em que as críticas estão contra o projeto
modernista e a outra que é chamada de teoria crítica em que o foco está em identificar
assimetrias de poder, dominação e alienação com o objetivo da emancipação do indivíduo,

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idéias que vão de encontro ao modernismo. Para este ensaio, a referência para buscar as
proximidades e distanciamentos em relação ao paradigma interpretativista será com base na
teoria crítica.
A origem dos estudos da teoria crítica é da Escola de Frankfurt, Horkheimer, foi o
primeiro a utilizar o termo “teoria crítica” no livro teoria tradicional e teoria crítica em
1937 (VIEIRA; CALDAS, 2006). A tradição dos estudos críticos da Escola de Frankfurt
também teve como protagonistas Adorno, Marcuse, Benjamin e mais recentemente Habermas
(PAES DE PAULA, 2008).
Do ponto de vista epistemológico, a teoria crítica é entendida por autores
organizacionais como sendo do paradigma humanista radical no modelo de Burrell e Morgan
(BURRELL; MORGAN, 1979; ALVESSON; DEETZ, 1999; PAES DE PAULA, 2008) em
virtude da subjetividade e do posicionamento radical em que se baseiam suas premissas.
Os estudos com base em teoria crítica são aqueles que buscam identificar formas de
exercício do poder sobre os indivíduos que causam dominação e alienação, o intuito dos
estudos críticos é possibilitar a emancipação das pessoas ao reconhecer as forças que agem
sobre elas (VIEIRA; CALDAS, 2006; PAES DE PAULA, 2008; ALVESSON; DEETZ,
1999).
Para Vieira e Caldas (2006) a base da teoria crítica é de colocar como as coisas
deveriam ser e não necessariamente como são; nas palavras dos autores “é impossível mostrar
as coisas como elas realmente são, senão a partir da perspectiva de como elas deveriam ser”
(p. 60). Os autores esclarecem que buscar discutir como as coisas deveriam ser, não é,
necessariamente, um pensamento utópico, mas uma maneira de identificar potencialidades
para entender como o mundo funciona. No campo da administração, como as organizações
funcionam.
A teoria crítica não busca neutralidade em seus posicionamentos teóricos, pelo
contrário, ela se posiciona em favor de práticas que possibilitam a emancipação do indivíduo,
isto implica em embates políticos e ideológicos que são centrais nesta abordagem (VIEIRA;
CALDAS, 2006).
Nesta perspectiva, os teóricos críticos entendem o projeto modernista como doente e
necessitado de uma nova configuração para o futuro a partir das partes consideradas boas do
próprio modernismo (ALVESSON; DEETZ, 1999). Este posicionamento sugere uma
reconstrução do projeto modernista.
Alvesson e Deetz (1999, p. 236) fazem uma síntese de qual é a essência da teoria
crítica ao dizer que

a meta central da teoria crítica nos estudos da organização tem sido


criar sociedades e lugares de trabalho livres de dominação, em que
todos os membros têm igual oportunidade para contribuir para a
produção de sistemas que venham ao encontro das necessidades
humanas e conduzam ao progressivo desenvolvimento de todos.

Os autores complementam colocando que para os estudos críticos aumenta a


importância de gerar conhecimento que possibilite a melhoria dos processos de decisão e
implique em aprendizagem e adaptação. Dentro dos estudos organizacionais Alvesson e Deetz
(1999) apontam dois tipos de estudos críticos: os de crítica ideológica e os de ação
comunicativa.

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2.1. Crítica Ideológica

A vertente da ideologia crítica tem origem nos estudos de Marx que envolvem a
exploração econômica por meio das relações de trabalho, os temas de dominação e exploração
por proprietários e gerentes de negócios são percebidos por trabalhadores como legítima
(ideologia), o que impossibilita o reconhecimento da exploração. Entretanto, não é apenas em
assuntos de classe que aparece a crítica ideológica, estudos buscam por meio da análise da
cultura, ações de controle sobre empregados e, inclusive, gerentes (ALVESSON; DEETZ,
1999).
A crítica ideológica possui quatro temas que são recorrentes nos estudos
organizacionais críticos que Alvesson e Deetz (1999, p. 238) descrevem como:

1. a naturalização da ordem social, ou o modo como um mundo construído


socialmente / historicamente seria tratado como necessário, natural, racional
e auto-evidente;
2. a universalização de interesses administrativos e a supressão de interesses
conflitantes;
3. o domínio pelo instrumental e o eclipse dos processos de racionalidade, pela
competição;
4. a hegemonia, o modo como o consentimento é orquestrado.

Como principais limitações à crítica ideológica os autores apresentam a característica


de ela ser reativa (pós-fato), além da aparência elitista e simplista.

2.2. Ação Comunicativa

Esta abordagem dos estudos críticos é baseada nas idéias de Habermas que busca
equacionar as possibilidades de comunicação para uma ação política equilibrada entre os
indivíduos.
Habermas coloca duas formas de aprendizagem e racionalidade como maneira de
entender as possibilidades de crítica, elas são o tecnológico-científico-estratégico que possui
relações com o mundo do sistema e o comunicativo-político-ético que está associado ao
mundo vivido. Habermas defende o mundo vivido com a idéia de expansão da racionalidade
que possibilita a criação e recriação de padrões de significado (ALVESSON; DEETZ, 1999).
Habermas destaca que a ação comunicativa é importante aspecto da interação social na
vida diária e em instituições sociais, ela deve ser capaz de proporcionar oportunidades
equivalentes de fala entre as pessoas sem que haja algum tipo de constrangimento entre os
participantes. Esta abordagem de Habermas é criticada por valorizar em demasia a linguagem
e a interação como forma de racionalidade o que implica em uma visão benigna e benevolente
da espécie humana (ALVESSON; DEETZ, 1999).
A abordagem de Habermas remete a um entendimento de emancipação relacionado a
possibilidade igualitária de participação nas interações, ou seja, uma idéia de consenso, isto
descaracteriza, de alguma forma, a existência de poder assimétrico e a influência nas ações
comunicativas nos momentos de interação.

2.3. Teoria crítica e humanismo

Os estudos organizacionais críticos possuem um conflito interno entorno da relação


administração e o humano. Esta tensão se dá em virtude das características da racionalidade
instrumental e tecnocrata das organizações e seus gestores que, a priori, é conflitante com as

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premissas de emancipação do indivíduo. Nesta discussão surgem duas posições dentro dos
estudos críticos, a critical management studies e aqueles que podem ser considerados
humanistas organizacionais (PAES DE PAULA, 2008).
Na perspectiva da critical management studies, não há uma ruptura entre a
administração e o modelo capitalista dominante, seu posicionamento é de conciliação entre a
emancipação e as formas de gestão organizacional (PAES DE PAULA, 2008).
Por outro lado, os humanistas organizacionais sugerem modelos alternativos de
sobrevivência humana que rompem com o capitalismo e as formas de gestão atuais. Guerreiro
Ramos sugere isonomias e fenonomias em contraposição as economias, por outro lado,
Maurício Tragtenberg aponta os modelos de autogestão, ou seja, formas alternativas de
compreensão e ação humana que implicam em uma nova maneira de entender negócios
(PAES DE PAULA, 2008).
Estas tensões dentro da abordagem de estudos organizacionais críticos representam a
dificuldade de um consenso nas maneiras de enxergar e entender gestão, tal situação se repete
dentro de outros paradigmas, inclusive o interpretativista que é discutido a seguir. Desta
maneira, a pluralidade dentro dos paradigmas pode sugerir que a abordagem
multiparadigmática seja mesmo uma forma de compreender melhor os fenômenos estudados
nas organizações, por assumir o caráter complexo e complementar entre as várias visões
apresentadas dentro dos paradigmas e entre eles.

3. O Paradigma Interpretativista nas Teorias Organizacionais

Assim como na teoria crítica, o paradigma interpretativista também possui múltiplas


abordagens e suas inconsistências internas, entretanto, contempla uma raiz norteadora que o
caracteriza enquanto paradigma e que está relacionado à interpretação e a criação de sentido.
O paradigma interpretativista cresce nos estudos organizacionais deste 1970 como
uma opção a hegemonia funcionalista que vem dominado as pesquisas na área de
administração durante muitos anos. O ponto central da crítica do interpretativismo em relação
ao funcionalismo é o objetivismo exagerado que em alguns momentos torna o funcionalismo
limitante. Para os funcionalistas as organizações são objetos tangíveis, concretos e objetivos,
já para os interpretativistas, as organizações são processos que ocorrem a partir das interações
entre as pessoas para interpretar ou dar sentido as coisas, ou seja, é uma construção subjetiva
(VERGARA; CALDAS, 2007).
O principal ponto do paradigma interpretativista é que o mundo social não deve ser
entendido como o mundo natural (físico), ou seja, no mundo social são os significados
atribuídos pelas pessoas para objetos e as situações que recebem importância. Assim, são as
interpretações dadas que recebem maior valor (HATCH; YANOW, 2003).
Ao tomar como base esta premissa, no paradigma interpretativista a realidade não é
dada a priori, mas construída a partir das interações dos indivíduos que entendem a realidade
com base nas interpretações feitas das situações vividas (HATCH; YANOW, 2003).
O paradigma interpretativista pode ser considerado um grande guarda-chuva como
colocam Burrell e Morgan (1979) no seu trabalho no qual os autores apresentam
possibilidades epistemológicas de como entender as organizações. Dentro deste paradigma
são encontrados a abordagem fenomenológica, hermenêutica e o solipsismo.

3.1. Solipsismo, fenomelnologia e hermenêutica

O solipsismo é a perspectiva mais extrema no trabalho de Burrell e Morgan, no


solipsismo o mundo é uma criação da mente humana, ou seja, não há nada que não seja uma
percepção da mente ou do corpo (VERGARA; CALDAS, 2007).

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A fenomenologia possui várias abordagens a partir do trabalho de Edmund Husserl,
contudo, duas correntes se destacam nesta abordagem, o transcendentalismo e o
existencialismo. No transcendentalismo a transcendência é vista como um potencial para a
libertação do cotidiano, já no existencialismo o ser é visto como real e constitutivo
(VERGARA; CALDAS, 2007).
Na hermenêutica, a preocupação é compreender e interpretar os produtos da mente
humana. São estes produtos que constroem o mundo social e cultural. As duas escolas de
pensamento que mais orientam os pressupostos metodológicos do paradigma interpretativista
são a etnometodologia e o interacionismo simbólico (VERGARA; CALDAS, 2007).

3.2. Etnometodologia e interacionismo simbólico

Tanto a etnometodologia quanto o interacionismo simbólico possuem raízes na escola


de Chicago do início do século XX em que a sociologia não é mais vista como o estudo de
uma realidade dada a priori, em que estruturas estáveis orientam o comportamento humano
em sociedade, pelo contrário, o comportamento humano é uma construção coletiva a partir
das interações sociais que influenciam as estruturas assim como são influenciadas por elas
(COULON, 2005).
A etnometodologia tem como sua principal referência e iniciador do movimento o
sociólogo Harold Garfinkel que elabora suas idéias a partir de elementos encontrados no
interacionismo simbólico a partir da obra de Parsons e na fenomenologia de Husserl e Schutz.
Sua obra mais famosa é Studies in Ethnomethodology publicada em 1967 (COULON, 2005).
Ao buscar realizar uma síntese sobre a etnometodologia o autor (2005, p. 34) aponta que

No lugar de formular a hipótese de que os atores seguem as regras, o


interesse da Etnometodologia consiste em colocar em dia os métodos
empregados pelos atores para “atualizar” ditas regras. Isto as faz
observáveis e descritivas. As atividades prátícas dos membros, em
suas atividades concretas, revelam as regras e os procedimentos. Dito
isto de outra forma, a atenta observação e análise dos processos
levados a cabo nas ações permitiriam colocar em dia os procedimentos
empregados pelos atores para interpretar constantemente a realidade
social para inventar a vida em uma bricolagem permanente.

Coulon (2005) baseado no significado da palavra etnometodologia complementa ao


dizer que o fazer científico nesta perspectiva é o resultado do conhecimento prático, assim,
não há um recorte epistemológico entre prático e o conhecimento erudito. Nota-se que a
etnometodologia se trata de uma abordagem metodológica que tem como foco do seu
processo investigativo das práticas cotidianas de um determinado grupo em que o
conhecimento é, justamente, este fazer prático e que o seu acesso só se dá por meio do
compartilhamento deste saber socialmente construído e situado.
O termo interacionismo simbólico foi atribuído por Herbert Blumer (1986) seguidor
de George Mead a quem Blumer considera o principal idealizador do movimento.
Tal terminologia de acordo com Blumer surgiu para destingir a vida humana em grupo
(interacionismo simbólico) e a conduta humana (estudos de Mead). Blumer (1986), ainda cita
como outros autores importantes para o movimento, além de Mead, John Dewey, W. I.
Thomas, Robert E. Park, William James, Charles Horton Cooley, Florian Znaniecki, James
Mark Baldwin, Robert Redfield e Louis Wirth.

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No entendimento do autor, apesar das diferenças entre os estudiosos citados, existe
algo comum em suas pesquisas que justamente como eles viam e estudavam a vida humana
em grupo. O conceito de interacionismo simbólico foi construído em meio esta similaridade.
Blumer (1986) coloca que o movimento do interacionismo simbólico está alicerçado
em três premissas:
- Os seres humanos agem em relação as coisas baseando-se no significado que estas
coisas têm para eles. Elas incluem tudo que os seres humanos podem notar como objetos
físicos, outros seres humanos, categorias de seres humanos como amigos ou inimigos,
instituições, ideais, atividades dos outros e situações que os indivíduos encontram no seu
cotidiano;
- O significado das coisas é derivado ou surge da interação social que um membro tem
com o outro;
- Os significados das coisas são apropriados e modificados por um processo
interpretativo usado pela pessoa para lidar com as coisas que ele defronta.

3.3. Interpretação organizacional

No contexto organizacional a interpretação é entendida como as leituras que os


membros da organização fazem dos eventos que ocorrem no ambiente interno e externo que
ganham um sentido que é compartilhado. A interpretação está relacionada a criação de sentido
(DAFT; WEICK, 2007).
Daft e Weick (2007, p. 239) definem a interpretação como “o processo de tradução
desses eventos, de desenvolvimento de modelos para compreendê-los, de desvendamento de
sentido e de montagem de esquemas conceituais entre os gestores-chave”. Os autores
complementam dizendo que a interpretação organizacional é definida como

o processo de traduzir eventos e de desenvolver um entendimento


compartilhado e esquemas conceituais entre os membros da
administração superior. A interpretação dá sentido aos dados, mas isso
ocorre antes da aprendizagem e da ação da organização.

Daft e Weick (2007) colocam que apesar das interpretações serem realizadas no nível
individual, as organizações também possuem memória em relação as interpretações, isto
porque nas organizações são construídos modelos mentais compartilhados que fazem com que
a organização permaneça com as interpretações e significações assumidas mesmo com a
mudança de membros da organização ao longo do tempo.
Como meio de buscar o diálogo entre os paradigmas da teoria crítica e o
interpretativista, nossa posição é esta conciliação deve ser feita à luz do conceito epistêmico-
normativo de prática. Para facilitar o entendimento dos argumentos desta construção teórica,
faz-se necessário uma apresentação do conceito de prática.

4. O Conceito Epistêmico-Normativo de Prática

O surgimento da discussão sobre o conceito de práticas em uma perspectiva


epistêmico-normativa tem suas origens nos estudos de aprendizagem organizacional e geração
de conhecimento com o trabalho de Lave e Wenger (1991) em que os autores cunham o termo
“comunidades de prática” para investigar como ocorria o processo de transmissão de
conhecimento nas organizações. Os autores desenvolveram o conceito de comunidades de
prática a partir das idéias de que o conhecimento é uma construção coletiva e que ocorre de
forma situada.

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Para Geiger (2009) o conceito de práticas pode ser classificado em duas perspectivas
dentro dos estudos organizacionais, uma delas de caráter mais processual com discussões
entorno de rotinas, em que as práticas são vistas como maneira de unir estrutura e agência, o
termo “prática” é entendido de maneira mais coloquial em que processos simples tem um fim
em si mesmos, as principais contribuições são oriundas dos estudos da área de estratégia e
utilizam a idéia de “strategy-as-practice”. A segunda perspectiva apontada pelo autor é
entendida como epistêmico-normativa na qual o entendimento do termo “prática” é ampliado
a partir de uma base sociológica construtivista com o foco nas formas de construção e
reprodução social de maneira situada a partir de processos de aprendizagem e geração de
conhecimento.
Geiger (2009) coloca que a perspectiva processual das práticas que está associada a
rotinas e possui um posicionamento com orientação positivista a partir de observações
empíricas do micro-funcionamento das rotinas. Por outro lado, a perspectiva epistêmico-
normativa é crítica no contexto dos estudos organizacionais ao positivismo, cognitivismo e a
concepção racionalista das organizações, defendendo que as organizações, os processos de
aprendizagem e geração de conhecimento são construídos socialmente.
Segundo Nicolini, Gherardi e Yanow (2003) a noção de prática está baseada em três
grandes áreas do saber, a tradição marxista, a fenomenologia e o interacionismo simbólico,
além do legado de Wittgenstein. Entretanto, é preciso ressaltar que não há uma visão
unificada sobre os estudos baseados em prática, o que existe é apenas um grupo de pesquisas
e pesquisadores aproximados por um legado histórico e um conjunto de referencial teórico
comum. Fenômenos como o conhecimento, significado, a atividade humana, poder,
linguagem, organizações, transformações históricas e tecnológicas assumem lugar e são
componentes do campo das práticas para os que compartilham desta abordagem.
Nicolini, Gherardi e Yanow (2003) sugerem uma classificação com quatro tradições
dentro dos estudos baseados em prática. Os autores colocam que esta é apenas uma maneira
de enxergar as perspectivas existentes no campo que utilizam as práticas como lentes,
contudo, ela contribui para que seja possível um melhor entendimento e uma ampliação dos
estudos nesta área. Para facilitar e resumir as principais características de cada uma das
tradições foi elaborado o quadro 1.

Quadro 1 – Tradições nos estudos baseados em prática


Autores
Abordagem Base teórica Descrição genérica
Relevantes
Mostra como os artefatos e as
interações sustentam os significados e
Julgamento aestético o conhecer na prática sem um
Cultural
/ Transmissão Yanow e Strati processo de intervenção. O julgamento
Interpretativa
cultural aestético é realizado a partir de alguém
que faz considerações sobre as práticas
com o "olhar" de um insider.

Comunidades surgem e crescem da


interação entre competência e
experiência pessoal em um contexto
Wenger e Gomez, de engajamento com uma prática
Comunidades de Interacionismo
Bouty e Drucker- comum, ou seja, as práticas sustentam
prática simbólico / habitus
Godard as comunidades e o novos membros
são admitidos em um processo de
legitimação periférica. As práticas são
entendidas como estruturas (habitus).

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Nesta abordagem as atividades são
culturalmente situadas e mediadas pela
Psicologia cultural de
linguagem e artefatos tecnológicos. As
Teoria da Vygostsky / Praxis Engeström, Puonti e
atividades são sempre desenvolvidas
atividade cultural de Marx / elementos Seppänen, Blackler,
em comunidades e implica em divisão
e histórica do interacionismo Crump e McDonald
do trabalho entre os membros. O
simbólico
trabalho orienta as práticas e a
mudanças destas.

Uma interpretação sensitiva e um


gênero baseado na noção de que o
Combina elementos social não é nada mais do que um
das outras padrão de rede de materiais
abordagens com a heterogêneos que incluem não apenas
Law, Singleton e
Sociologia da distribuição do poder pessoas, mais também máquinas,
Suchman, Gherardi e
tradução / de Foulcault e a animais, textos, moeda, arquiteturas,
Nicolini
Teoria ator-rede construção de entre outros elementos que se ligam
significado de por um processo de ordenação. O foco
Wittgenstein está em como é construído o
conhecimento assim como ele é
mantido e perpetuado.

Fonte: elaborado pelos autores com base em Nicolini, Gherardi e Yanow (2003).

A perspectiva da sociologia da tradução ou teoria ator-rede é, em nossa opinião, entre


a abordagem que se apresenta como a mais promissora para o estabelecimento do diálogo
entre os paradigmas da teoria crítica e interpretativista utilizando a lente das práticas.
Gherardi e Nicolini (2003) apontam que a idéia de tradução está calcada no trabalho
do filósofo Michel Serres em que esta palavra implica em criar convergências e homologias
de coisas que são, a princípio, diferentes. No contexto das práticas, a tradução está presente
quando um conhecimento abstrato está conectado a um conhecimento prático de uma
condição genérica para uma situada ou o contrário. A sociologia da tradução é a sociologia da
mediação, os intermediários representam delegações e registros das ações já iniciadas em
algum lugar, eles não repetem ações, mas transformam e modificam as ações de maneiras
surpreendentes e inesperadas. Assim, um modelo de tradução-registro implica em outro
modelo de interpretação-leitura. A partir de uma visão foulcaultiana pós-estruturalista, o
poder é entendido nesta perspectiva da sociologia da tradução ou teoria ator-rede como algo
recursivo, ambíguo e de efeito contingencial relacional, desta forma, conhecimento e poder
são elementos inseparáveis da ação em rede. Este entendimento difere da idéia de poder como
capacidade ou como posse e controle de recursos. Assim, a aprendizagem e o conhecimento
podem ser entendidos como “viajantes” no tempo e no espaço e que assumem as formas
locais de acordo com as características da rede de poder-conhecimento.
A partir das descrições dos paradigmas da teoria crítica, interpretativista e o conceito
epistêmico-normativo de prática, o próximo passo é a busca do estabelecimento de um
diálogo entre os paradigmas apontando suas aproximações e distanciamentos como maneira
de evidenciar formas de estudo empírico que possa contemplar uma abordagem
multiparadigmática utilizando as duas perspectivas a partir das práticas.

5. Um Diálogo entre os Paradigmas da Teoria Crítica e Interpretativista a Partir do


Conceito de Prática

A busca por abordagens multiparadigmáticas está crescendo entre os estudos


organizacionais, autores como Gioia e Pitre (1990), Lewis e Grimes (2007) destacam as
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vantagens deste tipo de pesquisa e sugerem técnicas de como realizar pesquisas adotando
múltiplos paradigmas.
Para Lewis e Grimes (2007) aqueles pesquisadores multiparadigmáticos valorizam
heuristicamente os paradigmas. Assim, podem explorar a complexidade teórica e
organizacional de cada um deles, ampliando o escopo, a relevância e a criatividade da teoria
organizacional.
Ainda segundo estes autores, os estudos multiparadigmáticos devem buscar zonas de
transição entre paradigmas, isto porque existem áreas cinzentas em cada paradigma que
permitem encontrar processos mutuamente influentes nos fenômenos estudados.
Além da discussão de estudos multiparadigmáticos, Gioia e Pitre (1990), Lewis e
Grimes (2007) apresentam a possibilidade de abordagens metaparadigmáticas, ou seja,
estudos que denotam um nível de abstração superior com o objetivo de construir um campo de
visão mais rico, holístico e contextualizado, portanto, a idéia é ir além de combinações
teóricas, é uma busca de compreender diferenças, similaridades e inter-relações
paradigmáticas. Neste ensaio, o objetivo não é discutir relações entre o interpretativismo e a
teoria crítica no nível metaparadigmático, mas buscar as zonas de transição existentes entre
eles ao utilizar a lente das práticas.
A base para esta reflexão será a partir do trabalho de Gioia e Pitre (1990) que sugerem
“pontes” entre os paradigmas, funcionalista, interpretativista, estruturalista e humanista
radical.
A ponte entre os paradigmas interpretativista e humanista radical (no qual os autores
organizacionais incluem a teoria crítica), tem seu ponto comum na estrutura, contudo, com
entendimentos e abordagens diferentes sobre o papel da estrutura em relação aos indivíduos
(GIOIA; PITRE, 1990).
No paradigma interpretativista o objetivo é descrição da estruturação do sistema de
significados e os processos de organização dos indivíduos. No humanismo radical, o foco é
nas estruturas profundas, com vistas a libertar os membros da organização de fontes de
dominação, alienação, exploração e repressão, pela crítica de uma estrutura social existente e
com o intuito de mudá-la (GIOIA; PITRE, 1990).
Apesar de concordar com o posicionamento de Gioia e Pitre (1990) em colocar a
estrutura como ponto comum entre os paradigmas interpretativista e humanista radical, nosso
entendimento sobre a questão possui um olhar distinto sobre esta questão, isto porque em
nossa interpretação sobre a zona de transição entre os paradigmas, a estrutura seria apenas o
lócus de onde ocorrem as ações e não, necessariamente, a ponte entre as duas abordagens.
Para apresentar nossa idéia de combinação multiparadigmática, primeiro iremos utilizar os
termos interpretativismo e teoria crítica, tal opção se dá em alinhar com a proposta do ensaio e
por entender que no humanismo radical há possibilidade de outros enquadramentos que não
seja apenas a teoria crítica, como, por exemplo, os múltiplos entendimentos sobre o pós-
modernismo apontados por Alvesson e Deetz (1999), Vieira e Caldas (2006).

5.1. Uma proposta com base na interpretação e construção de sentido

Apesar de muitos estudiosos organizacionais buscarem desenvolver suas pesquisas e


estudos tomando como base um paradigma (GIOIA; PITRE, 1990; LEWIS; GRIMES, 2007),
no que refere a abordagens multiparadigmáticas, em especial, com a utilização dos
paradigmas interpretativista e teoria crítica.
No campo da aprendizagem organizacional, Silvia Gherardi (2009) que é conhecida
tradicionalmente por desenvolver estudos interpretativistas, em trabalho recente, apresenta a
discussão do processo simbólico da aprendizagem com lentes de poder apoiando-se na teoria
crítica. A autora coloca que não se pode ignorar que as relações de poder estão presentes nos

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processos de construção simbólica, para ela, o surgimento das práticas nas organizações é
resultado das interações sociais em processos de aprendizagem que são sempre negociados e
que as assimetrias de poder estão presentes.
Tanto no paradigma interpretativista quanto na teoria crítica, a idéia de realidade não é
entendida a priori, mas a posteriori, ou seja, a realidade não existe por si só, ela é construída
por meio dos processos de interação entre os indivíduos (BERGER; LUCKMANN, 2001).
Entretanto, é preciso pontuar que a forma e o resultado desta construção da realidade possuem
focos distintos nas duas abordagens.
O quadro 2 com base em Alvesson e Deetz (1999) apresenta os dois paradigmas
enquanto características de discurso.

Quadro 2- Características prototípicas do discurso


TÓPICO INTERPRETATIVO CRÍTICO
Objetivo básico Exibição de uma cultura unificada Desmascarar a dominação
Método Hermenêutica, etnografia Crítica cultural, crítica ideológica
Recuperação de valores
Esperança Reforma da ordem social
integrativos
Metáfora de relações sociais Social Político
Metáfora organizacional Comunidade Estado
Falta de significado, falta de
Problemas a que se dirige Dominação, consentimento
legitimidade
Aculturação social, afirmação do Reconhecimento distorcido,
Preocupações na comunicação
grupo distorção sistemática
Estilo Narrativo Romântico, envolvente Terapêutico, diretivo
Identificação temporal Pré-moderno Moderno tardio
Comprometimento, qualidade de Participação, expansão do
Benefícios organizacionais
vida no trabalho conhecimento
Clima Amigável Suspeita
Temor social Despersonalização Autoridade
Fonte: Adaptado de Alvesson e Deetz (1999, p. 236).

Na nossa opinião, ao analisar o quadro 2, não estão presentes elementos conflitantes


ou ambíguos acerca dos discursos do interpretativismo e da teoria crítica. O que há é uma
diferença nas formas de enxergar as estruturas nas quais os indivíduos estão inseridos, o que
reforça a idéia de que a interpretação e a construção de sentido são elementos da zona de
transição entre os dois paradigmas. É justamente na observação das práticas para a descrição
de situações organizacionais cotidianas em que tanto o compartilhamento de significado
(interpretativismo) ou a suspeita deste compartilhamento (teoria crítica), mostram que as
diferenças entre os paradigmas estão nas ênfases, que é maior na construção de sentido no
interpretativismo, assim como é a postura emancipatória na teoria crítica. Entretanto, ambos
estão presentes na mesma prática.
O processo de emancipação na teoria crítica seja pela ideologia crítica oriunda do
marxismo em que o objetivo é reconhecer forças de poder que promovem dominação,
alienação e sofrimento, ou da ação comunicativa de Habermas que entende a emancipação
como participação equilibrada na comunicação para um consenso (ALVESSON; DEETZ,
1999; PAES DE PAULA, 2008), implicam em interpretações do mundo vivido e a criação de
sentido sobre o que é a emancipação.
Já no interpretativismo a preocupação não está, no primeiro momento, em buscar ou
entender o exercício de poder e dominação sobre as pessoas, mas identificar como as pessoas
vivem em grupo a partir de uma identidade, ou seja, o que dá sentido para as pessoas do grupo
(HATCH; YANOW, 2003; VERGARA; CALDAS, 2007).
Como colocam Vieira e Caldas (2006), o interpretativismo está mais preocupado em
descrever os processos de construção de significados, enquanto a teoria crítica busca agir
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sobre as forças que podem gerar sentidos alienantes e dominadores, em outras palavras, o
primeiro tem foco em descrever e o segundo em agir.
Assim, uma releitura do quadro 2 com as idéias de Alvesson e Deetz (1999) poderia
ser reescrito tomando como base as semelhanças entre a teoria crítica e o interpretativismo a
partir da interpretação e da construção de sentido olhados a partir das práticas. Esta análise é
apresentada no quadro 3.

Quadro 3 – Pontos comuns entre teoria crítica e interpretativismo


Pontos comuns Interpretativismo Teoria crítica
Interpretação O que dá sentido O que dá sentido
Idéia de unidade,
Sentido É o que estimula a crítica
compartilhamento
Membro da construção de Membro construtor e vítima do
Indivíduo
significado significado
Base para um sentido
Estrutura Base para exercício da dominação
compartilhado
Meio de observação do sentido Resultado de negociação entre os
Práticas
construído membros de um grupo
Fonte: elaborado pelos autores

Para explicar melhor as idéias apresentadas no quadro 3, é importante apresentar com


mais detalhes os cinco pontos comuns levantados entre os paradigmas.

• Interpretação: é a base para a construção de sentido de ambos os paradigmas, ou


seja, é uma premissa para que seja possível conhecer uma “realidade” e discutir os
significados e sentidos atribuídos a uma situação ou contexto;
• Sentido: no paradigma interpretativista é o que configura uma idéia de unidade e
compartilhamento entre os seus membros, na teoria crítica é a base de referência para
iniciar o processo de crítica;
• Indivíduo: é o elemento fundamental para a construção de sentido e significados em
ambos os paradigmas. Entretanto, na teoria crítica ele tanto pode exercer poder e
dominação como pode ser vítima dela;
• Estrutura: é o lócus onde ocorrem as interações dos indivíduos e possibilita que
sejam criadas as situações de interpretação e atribuição de significado e sentido pelos
indivíduos, no interpretativismo a estrutura é entendida como importante para
interação dos seus membros, na teoria crítica é considerado o espaço de dominação;
• Práticas: é a forma de acessar como os membros de um grupo constroem sentido e
interpretam as suas atividades a partir de um processo de negociação.

Uma questão que pode surgir a partir da defesa de estudos multiparadigmáticos, em


especial, com uma combinação de interpretativismo e teoria crítica, será como operacionalizar
e realizar processos metodológicos que possam apresentar estudos empíricos com a proposta
deste ensaio. Na próxima seção será discutida uma idéia de metodologia que possa dar conta
de estudos que queiram observar os fenômenos a partir de uma perspectiva crítica-
interpretativista.

5.2. Uma discussão metodológica crítico-interpretativista

Para abrir esta discussão metodológica sobre a possibilidade de realizar estudos


empíricos com uma abordagem crítico-interpretativista, adotamos como os estudos baseados
em prática (GEIGER, 2009; GHERARDI, 2001, 2009).

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A idéia de utilizar as práticas como referência é uma maneira de acessar o fenômeno
que possui um caráter altamente subjetivo, ou seja, as práticas é a forma de tangibilizar o
objeto de estudo (GHERARDI, 2001).
Gherardi (2009) sugere que as práticas sejam não apenas uma forma de entender como
as pessoas atribuem significado para seus processos de aprendizagem, a autora acrescenta que
por meio delas é possível também acessar estruturas mais profundas destas práticas que
podem sinalizar ações de exercício de poder e dominação.
Assim, ao mesmo tempo em que as práticas possuem uma representação simbólica
dotadas de sentido e significado, elas também externalizam ações de dominação e poder sobre
os indivíduos (GHERARDI, 2009).
Ao entender que as práticas podem ser um referencial metodológico de cunho crítico-
interpretativista, é possível apontar como técnicas de pesquisa a observação participante,
entrevistas em profundidade individuais e em grupos, além da análise de documentos. Todas
estas técnicas de pesquisa se enquadram em métodos qualitativos de pesquisa que segundo
Godoy (1995) busca entender em profundidade um determinado fenômeno sem preocupações
com generalizações.
Desta maneira os estudos crítico-interpretativistas podem ser baseados em técnicas da
metodologia qualitativa utilizando como referência as práticas organizacionais que
possibilitam acessar significados e ações de poder e dominação sobre os indivíduos.

6. Considerações Finais

Os estudos em administração apesar de continuarem com forte predominância do


paradigma funcionalista estão cada vez mais apresentando alternativas de pesquisar os
fenômenos no contexto organizacional (GIOIA; PITRE; 1990; VERGARA; CALDAS, 2006),
entre estas alternativas é preciso destacar as abordagens multiparadigmáticas (GIOIA; PITRE,
1990; LEWIS; GRIMES, 2007).
Neste ensaio o objetivo foi investigar pontos convergentes e divergentes entre os
paradigmas da teoria crítica e o interpretativista à luz do conceito de práticas como uma forma
de utilizar uma abordagem multiparadigmática nos estudos organizacionais. Durante a
discussão foi possível apontar alguns pontos (zonas de transição) comuns entre os dois
paradigmas que são a interpretação, o sentido, o indivíduo, a estrutura e as práticas.
As zonas de transição sugeridas partem do princípio que tanto na teoria crítica quanto
no interpretativismo a realidade não é dada a priori, mas é construída socialmente como
colocam Berger e Luckmann (2001). A partir deste pressuposto comum, é possível associar a
interpretação e a criação de sentido como algo inerente das duas abordagens e que de alguma
forma as aproxima.
O maior distanciamento entre os dois paradigmas está na maneira e nos objetivos de
enxergar as interações sociais, enquanto a teoria crítica busca elementos de assimetria de
poder, dominação e alienação (ALVESSON; DEETZ, 1999; VIEIRA; CALDAS, 2006;
PAES DE PAULA, 2008), o interpretativismo está interessado em entender e descrever como
são construídos os significados compartilhados e a atribuição de sentido por parte dos
indivíduos (HATCH; YANOW, 2003; VERGARA; CALDAS, 2007).
Desta forma é possível dizer que não é necessariamente o fenômeno que é distinto,
mas as lentes utilizadas para acessar cada um dos paradigmas que as são. Isto implica em
sugerir que não há uma oposição entre teoria crítica e interpretativismo, deste modo, são
possíveis utilizá-los simultaneamente para pesquisa de uma mesma prática.
Do ponto de vista metodológico, Gherardi (2009) é uma referência de que como
métodos qualitativos com base nas práticas possibilitam articular estudos crítico-
interpretativos. Como limitações, o ensaio não contemplou todas as abordagens críticas e

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interpretativistas existentes na literatura de estudos organizacionais em virtude do seu grande
número e elevado grau de complexidade para serem tratados em apenas um ensaio. A partir
disso, sugere-se que além de discussões que envolvam outras abordagens dos dois paradigmas
eleitos neste trabalho, seja testada empiricamente a proposta de pontos comuns entre os
paradigmas da teoria crítica e interpretativista a partir das práticas para verificar se eles dão
conta de sustentar um estudo multiparadigmático que envolva as duas abordagens.

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