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INTRODUÇÃO1

O ASSUNTO E SUA IMPORTÂNCIA


O assunto que me proponho a considerar com os irmãos nos próximos domingos é o governo eclesiástico
reformado. Isto é: a forma pela qual as igrejas reformadas devem ser organizadas e governadas. Trata-se de um
capítulo do departamento da teologia sistemática denominado de eclesiologia (a doutrina da igreja), que inclui entre
outras coisas, o estudo da sua natureza, governo, culto e função.
No passado, o assunto já foi exaustivamente estudado. A literatura sobre o assunto publicada especialmente
nos séculos XVI e XVII é abundante. Só no século XVI, estima-se que mil e oitocentos títulos foram publicados
sobre o assunto.2 Contudo, essa literatura tem sido geralmente desconsiderada. Para Iain Murray, “o desprezo a esta
literatura pode ser atribuído à rejeição explícita por parte do protestantismo moderno do princípio segundo o qual a
Escritura é uma regra suficiente e perfeita para a organização da Igreja de Cristo.”3
O fato é que nas últimas décadas, o assunto tem recebido pouquíssima atenção. Eu, pelo menos não conheço
nenhum livro nem lembro de haver lido um só artigo em português sobre governo eclesiástico. A idéia que muitos
parecem ter, é que se trata de um assunto ultrapassado e pouco relevante, ou uma matéria que depende apenas da
preferência pessoal ou da sua funcionalidade.
A atitude que parece prevalecer hoje com relação a questão é um misto de tradicionalismo e pragmatismo.
Boa parte dos líderes religiosos parece simplesmente seguir, de modo geral, o costume que recebeu sobre questões
relacionas ao governo eclesiástico. Sem muita consideração bíblica, teológica, ou mesmo histórica, eles apenas
adaptam, de modo mais ou menos empírico, essas noções gerais às sua preferências pessoais, tendo em vista,
principalmente questões pragmáticas subjetivas, relacionadas a eficácia dessa ou daquela prática eclesiástica.
É evidente que esta atitude com relação a governo eclesiástico decorre de um problema maior. O que tem
acontecido, como observou Robert Decker,4 é que, “acompanhando o afastamento generalizado das doutrinas e
práticas bíblicas, há, entre muitos na igreja, uma rejeição dos princípios reformados de governo da igreja.” 5 Como
resultado, têm-se reconhecido que os “presbiterianos na América do Norte têm perdido cada vez mais contato com
suas raízes históricas no culto e governo presbiteriano puritano britânico... com a adaptação da administração
eclesiástica aos modelos comerciais corporativos, os presbiterianos americanos estão abdicando rapidamente da sua
convicção de que as Escrituras Sagradas prescrevem particularidades de governo de igreja e formas de culto.” 6
Alguém ousa pensar que esta tendência tem se manifestado apenas no presbiterianismo americano?
O fato é que poucos, hoje, consideram o assunto realmente importante e demonstram ter convicções e clareza
com relação à fundamentação bíblico-teológica do sistema de governo que praticam — muitos nem acham isso
necessário ou mesmo possível. Contudo, como observou Robert Dabney, conhecido teólogo presbiteriano do século
passado (século XIX – século passado agora é o XX):
Cada geração precisa pensar por si mesma, e aprender por si mesmas as suas próprias lições com relação à
verdades fundamentais e princípios gerais. Se insistirmos que esta geração de presbiterianos sustente os
princípios que nossos pais sustentaram apenas por confiança neles e mera prescrição, o resultado será que eles
não os sustentarão sinceramente de modo algum.7
Com ou sem convicções, julgando ou não importante o assunto, todos os crentes são profundamente afetados
como conseqüência da forma pela qual as igrejas são organizadas e governadas. De fato, muitos dos mais agudos

1
Ler 1 Timóteo 3:14-15.
2
Cf. Segundo H. M. Daxter, The Congregationalism of the Last Three Hundred Years, p. vi (Citado por Iain H.
Murray, The Reformation of the Church; A Collection of Reformed and Puritan Documents on Church Issues,
p. 7).
3
Iain H. Murray, The Reformation of the Church; A Collection of Reformed and Puritan Documents on Church
Issues, p. 8.
4
Professor de Teologia Prática e Novo Testamento no Protestant Reformed Seminary, em Michigan (EUA).
5
Robert D. Decker, The Biblical Basis of Reformed Church Government.
6
Sherman Isbell, Introduction to Samuel Rutherford’s “The Due Right of Presbyteries”, Part I.
7
Robert L Dabney, Discussions Evangelical and Theological, vol. II, p. 119. Citado por Murdo A. MacLeod,
Presbyterianism.
problemas eclesiásticos, não decorrem de diferenças doutrinárias (especificamente falando), mas de práticas e
questões relacionadas à forma e ao exercício do governo eclesiástico.
Se recorrêssemos todos às Escrituras em busca do modelo bíblico para a organização e governo da igreja, e
com a graça de Deus nos submetêssemos ao seu ensino, sem dúvida muitos destes problemas seriam evitados, pois a
vontade de Deus é agradável, sábia e perfeita, também com relação a esta matéria. Não estou sugerindo que, com
isto, todos os problemas estariam resolvidos. Questões circunstanciais e diferenças de interpretação permaneceriam.
Mas o reconhecimento e aplicação prática, das doutrinas reformadas da autoridade suprema e suficiência das
Escrituras na esfera do governo eclesiástico, certamente possibilitaria substancial unidade e solucionaria muitos
problemas.
Em questões relacionadas ao governo eclesiástico, assim como em outras áreas da vida da igreja, permanece
válida a admoestação de Lutero. Em um sermão pregado em 1538, expondo o Evangelho de João, ele disse:
“...tomem a pedra de toques das Escrituras nas mãos de vocês. Deixem que este seja o critério de vocês para avaliar,
testar e julgar tudo o que os pais da igreja pregaram, escreveram e disseram, bem como todos os preceitos e
ordenanças humanas que têm sido promulgadas. De outro modo, uma pessoa será facilmente extraviada e
enganada.”8
DELIMITAÇÃO, METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO
DO ASSUNTO
Não tenciono ser profundo no tratamento do assunto. Algumas questões (tais como ofícios e dons) já foram
tratadas mais detalhadamente em outras ocasiões. Também não pretendo fazer um investigação detalhada de outros
sistemas de governo eclesiástico. Está fora do escopo deste estudo, também, o governo eclesiástico teocrático da
antiga dispensação. O meu propósito, portanto, é simplesmente fornecer um esboço geral sistemático do sistema de
governo eclesiástico reformado (presbiteriano), investigando sua base bíblica e apresentando algumas evidências
históricas.
Havendo introduzido o assunto, demonstrado sua relevância, e indicado sua delimitação, metodologia de
estudo e apresentação, trataremos neste estudo: 1) das formas e princípios gerais de governo eclesiástico, 2) da
concepção reformada de igreja, 3) da membresia da igreja local, 4) da autonomia da igreja local, 5) dos ofícios
eclesiásticos, 6) dos concílios eclesiásticos, e 7) da disciplina eclesiástica.

8
Martin Luther, “Liberation from Human Authority.” In Iain H. Murray (ed.), The Reformation of the Church; A
Collection of Reformed and Puritan Documents on Church Issues, p. 10.

2
FORMAS E PRINCÍPIOS GERAIS
DE GOVERNO ECLESIÁSTICO

PRINCIPAIS FORMAS DE GOVERNO ECLESIÁSTICO


Na reforma protestante do século XVI, a questão do governo eclesiástico teve que ser necessariamente
considerada, em virtude do rompimento com a igreja de Roma e o surgimento de novos ramos da igreja. Afinal, estas
igrejas teriam que ter uma organização e governo. Onde buscar este modelo? Resposta reformada: nas Escrituras.
A questão foi tratada de modo especial na Inglaterra, no século seguinte, em virtude da reforma eclesiástica
incompleta que caracterizou a Igreja Anglicana. Na Assembléia de Westminster havia defensores de quatro modelos
de governo eclesiástico:
Sistema Erastiano (o poder do Estado)
Forma de governo concebida por Erastus (1524-1583), já praticado pelas igrejas Anglicana na Inglaterra e
Escócia e Luteranas na Alemanha. Este sistema concebe a igreja como uma forma do estado, defendendo a primazia
da autoridade civil sobre a igreja. De acordo com este modelo de governo, é o estado quem deve organizar e regular a
administração eclesiástica, por meio de instrutores ou pregadores, assalariados pelo estado. Neste sistema, as funções
legislativa, executiva (de governo) e judiciária (de disciplina) pertencem ao estado.
Sistema Episcopal (o poder do clero)
É a forma de governo da Igreja Católica, da Igreja Anglicana, e creio que também da Igreja Universal do
Reino de Deus. Eles admitem uma estrutura de governo hierárquica, que atribui graus diferentes de autoridades,
umas sobre as outras, sendo que a autoridade deriva-se de uma autoridade central, que governa toda a igreja (o Papa,
na igreja católica; o Arcebispo, na igreja anglicana), que a comunicam, em menor grau, aos seus subordinados. Esta
forma hierárquica de governo enfatiza a unidade da igreja em detrimento da autonomia das congregações. A ênfase
recai na igreja institucional, no clero. Favorece o autoritarismo e a ditadura (o domínio exagerado do clero).
Sistema Congregacional (o poder formal do povo)
Forma de governo das igrejas independentes, batistas e pentecostais (Não conheço nenhuma igreja pentecostal
que adote governo congregacional. Nas Assembléias de Deus, na Casa da Bênção e até mesmo nas igrejas batistas
renovadas é o pastor que escolhe a liderança. Nunca ouvi falar de eleições numa igreja pentecostal). É um governo
essencialmente democrático, em que toda autoridade provem diretamente dos membros da igreja. Este sistema
popular de governo enfatiza a autonomia das congregações em detrimento da unidade da igreja. (Será? As igrejas
batistas são bem mais homogêneas doutrinariamente e bem mais eficientes na consecução de seus objetivos comuns
do que as denominações presbiterianas) Os concílios são meramente administrativos, executores da vontade soberana
da congregação. As associações de igrejas são voluntárias, não exercendo elas autoridade sobre as igrejas.
Sistema “Quakeriano” (o poder informal do povo)
É uma forma extrema de governo congregacional, empregada pelos quakers e pelas modernas igrejas locais,
que recusam-se a admitir qualquer organização formal de governo eclesiástico. Defensores desta forma de governo
informal em geral recusam-se a ter nome, não reconhecem oficiais ou forma externa de governo, a freqüência é livre,
e o exercício do ensino e disciplina é pessoal e individual. Não parece que tenha havido defensores desse “sistema” de
governo na Assembléia de Westminster.
Sistema Presbiteriano (o poder do povo e dos oficiais)
É o governo das igrejas reformadas e presbiterianas.
a) A igreja local é composta dos seus membros e oficiais; e, assim organizadas, são autônomas, mas não
independentes.
b) A autoridade não se concentra nos oficiais nem nos membros, mas é compartilhada por ambos,
recebidas diretamente de Deus, na medida necessária para o desempenho do ofício de cada um.
c) A igreja local não é governada por pessoas individualmente, mas por um concílio, por um colegiado de
presbíteros, eleito pela própria congregação e com a mesma autoridade (A sua experiência como presbítero mostra
que esta afirmação é correta? Nem na teoria nem na prática tem sido assim. Meu trabalho transcreve vários artigos

3
das constituições da IPB, IPI e IPCB que demonstram que o docente tem mais autoridade que os regentes. Para estas
constituições o ministro é o primeiro em qualidade e utilidade).
d) Busca o equilíbrio entre a autonomia das congregações e a unidade da igreja, por meio de concílios
regionais (presbitérios) e nacionais (sínodos), compostos por representantes das igrejas locais, os quais exercem
autoridade limitada sobre as igrejas locais e concílios menores em matérias litigiosas que não possam ser resolvidas
por estes, ou que extrapolem as suas jurisdições.
PRINCÍPIOS BÍBLICOS FUNDAMENTAIS E GERAIS
A discussão da questão do sistema de governo eclesiástico pressupõe alguns princípios gerais, sem os quais o
assunto não poderia ser tratado. Estes princípios gerais são fundamentais, devem ficar bem estabelecidos, e deles
devemos partir. Ei-los:
A igreja não é mera instituição divina (humana)
Não é produto da imaginação humana, mas da vontade soberana de Deus. Não é um clube ou associação que
possamos dirigir e governar ao bel-prazer, gosto ou preferência da direção ou dos associados. Em grande parte é
assim nas associações, sociedades, instituições e empresas humanas. Mas não na igreja.
Deve-se distinguir a igreja invisível da igreja visível
Não como duas igrejas, mas como manifestações diferentes de uma mesma igreja. A igreja invisível é
universal, sendo constituída de todos os eleitos de Deus, estejam onde estiverem. Esta igreja é diretamente governada
por Deus, e esta fora do governo humano. A igreja visível, entretanto, embora também universal, é composta de
crentes professos e seus filhos, que se congregam em um determinado lugar, para cultuarem a Deus e serem
edificados pela pregação da Palavra, pela oração, pela ministração dos sacramentos e pela comunhão com os irmãos.
Esta igreja é institucional, e, como tal, precisa de governo e organização formais.9
Cristo é o verdadeiro e único cabeça da igreja
Tanto invisível, como visível,10 tanto no sentido orgânico,11 como no desempenho do seu ofício real. Cristo não
é apenas profeta e sacerdote. Ele é Rei. E nesta condição, tem toda autoridade sobre a igreja invisível e visível. É ele,
portanto, em última instância, quem a organiza, governa e disciplina. A ele pertence o direito de legislar com relação
ao seu funcionamento, de aplicar esta legislação, de ensinar, de julgar e disciplinar o seu povo.
A autoridade de Cristo sobre a igreja visível é claramente ensinada em diversos texto do NT. Na grande
comissão, após a ressurreição, ele declarou solenemente: “Toda autoridade me foi dada no céus e na terra” (Mt
28:18). Em Mateus 23:8-10, ele adverte seus discípulos dizendo que não deveriam chamar-se mestres, “porque um
só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos”; nem chamar-se guias, “porque um só é vosso Guia, o Cristo.” 12 Em
Efésios 3: 5, o apóstolo Paulo afirma que “há um só Senhor, uma só fé, um só batismo.” Assim como “o marido é o
cabeça da mulher,” e esta deve ser submissa a ele, assim “também Cristo é o cabeça da igreja”, e esta lhe deve ser
submissa (Ef 5:23-24). Escrevendo aos Coríntios, Paulo teve que lembrá-los dessa verdade, dizendo: “Ora, os dons
são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo” (1 Co
12:4-5).13
É Cristo quem designa os governantes e a forma de governo
eclesiástico
Não estando fisicamente presente, como é que Cristo organiza e governa a sua igreja visível? Pelo seu
Espírito, falando nas Escrituras (a legislação eclesiástica), especialmente pela instrumentalidade de oficiais (por ele
mesmo chamados), os quais devem governar a igreja de acordo com a forma de governo que ele mesmo prescreveu
nas Escrituras.14

9
Confissão de Fé de Westminster, XXV:i-ii.
10
Confissão de Fé de Westminster, XXV:vi. Conferir também a Confissão Belga, Art. 29; Os Cânones de Dort,
I:7; e o Catecismo de Heidelberg, perguntas 19 e 21.
11
Cf. Ef 2:20-22; 4:15-16; 5:30; Cl 1:18; 2:19.
12
Cf Jo 13:13.
13
Cf. também Ef 1:20-23.
14
Cf. Confissão de Fé de Westminster, XXV:iii.

4
Jesus havia prometido conferir autoridade eclesiástica à igreja, quando disse a Pedro (na condição de
apóstolo): “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: o que ligares na terra, terá sido ligado nos céus; e o que desligares
na terra, terá sido desligado nos céus” (Mt 16:19). 15 Após a sua ressurreição, havendo declarado a sua absoluta
autoridade, delegou autoridade espiritual aos apóstolos, dizendo: “Ide, portanto, e fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar tudo o que vos tenho ordenado.
E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século” (Mt 28:19-20). E o restante do NT ordena e
registra o exercício do governo eclesiástico de Cristo sobre a igreja, por intermédio dos oficiais por ele escolhidos.
Lê-se, por exemplo, em Efésios 4:11-12, que “Ele mesmo (Cristo) concedeu uns para apóstolos, outros para profetas,
outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o
desempenho do seu serviço (), para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4:11-12).

15
É nesse contexto de poder espiritual para o exercício da governo eclesiástico que, deve ser entendido João
20:19-23, quando, após a ressurreição, Jesus apareceu aos discípulos, e disse-lhes: “Assim como o Pai me
enviou, eu também vos envio. E, havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo.”
Acrescentando, a seguir: “Se de alguém perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são
retidos.”

5
CONCEPÇÃO REFORMADA DE IGREJA

DISTINÇÃO ENTRE IGREJA VISÍVEL E INVISÍVEL


Já mencionei a distinção reformada fundamental entre igreja visível e igreja invisível. Esta distinção não se
refere à duas igrejas diferentes ou classes de igrejas distintas, mas apenas a dois aspectos ou manifestações da igreja:
a igreja visível como manifestação externa (imperfeita) da igreja invisível perfeitamente conhecida apenas por Deus.
O Novo Testamento emprega o termo igreja16 para designar a igreja invisível,17 universal e ideal, um corpo
orgânico e vital, constituído de todos os eleitos de Deus, de todos os que foram ou ainda serão convencidos do
pecado, levados ao arrependimento e a conversão, estejam onde estiverem, incluindo a igreja triunfante (ecclesia
triunphans), que já se encontra com Cristo, aguardando a ressurreição, a igreja militante (ecclesia militans), em
pleno combate neste mundo, e a igreja latente (ecclesia latens), incluindo os que ainda estão por nascer e os que já
nasceram mais ainda não foram convertidos. Cristo é o cabeça orgânico da igreja invisível, que é o seu corpo.18
Mas também emprega o termo, com referência à igreja visível, igualmente universal, contudo manifesta neste
mundo de modo imperfeito, composta de crentes professos e seus filhos, os quais se congregam em determinados
lugares, para cultuarem a Deus e serem edificados pela pregação da Palavra, pela oração, pela ministração dos
sacramentos e pela comunhão com os irmãos. Exemplo: “Não vos torneis causa de tropeço, nem para judeus, nem
para gentios, nem tão pouco (tampouco) para a igreja de Deus” (1 Co 10:32).19
ATRIBUTOS DA IGREJA INVISÍVEL
Os principais atributos ou qualidades da igreja invisível são a unidade, a universalidade e a santidade.20
Unidade
A igreja católica concebe a unidade da igreja principalmente no sentido é institucional: a sua estrutura clerical
hierárquica, que tem o papa como o sumo pontífice da igreja. Para a fé reformada, entretanto, a unidade da igreja
(assim como os demais atributos) diz respeito especialmente à igreja invisível, à congregação dos eleitos de Deus: a
unidade espiritual e mística de todos os eleitos formando um só corpo.
Nesta condição, a igreja tem um só cabeça que é Cristo, é animada pelo mesmo Espírito Santo, professa uma
só fé, é ligada pelo mesmo amor, movida pelo mesmo propósito de glorificar a Deus, e compartilha da mesma e
gloriosa esperança: a consumação da redenção da cosmo. Com o Credo Apostólico, nós cremos na comunhão dos
santos.
É neste sentido que professamos a unidade da igreja nas duas dispensações. Embora manifesta de modo
peculiar na antiga e na nova dispensação, cremos que todos os eleitos de Deus estão espiritual, orgânica e vitalmente
unidos entre si, como membros de um mesmo corpo, cujo cabeça é Cristo.
A unidade da igreja é, portanto, objeto de fé na revelação bíblica. Tratando da questão dos dons espirituais, o
apostolo Paulo demonstra este atributo da igreja invisível, em algumas das suas cartas:
...assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função; assim
também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros (Rm 12:5).
Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros e todos os membros, sendo muitos, constituem um
só corpo, assim também com respeito a Cristo. Pois, em21 um só Espírito, todos nós fomos batizados em22 um
16
Grego  (tradução de  na Septuaginta). A palavra , que também é empregada na
Septuaginta como tradução de , só é empregada no NT com relação à assembléias judaicas. Todos
estes termos significam, assembléia, congregação, reunião.
17
Especialmente em Efésios e Colossenses. Ex.: Ef 3:10,21; 5:23-25, 27, 32; Cl 1:18,24.
18
Ver Confissão de Fé de Westminster, XXV:i; Catecismo Maior, perguntas 61 e 64; Catecismo de Heidelberg,
pergunta 54.
19
Cf. também 1 Coríntios 11:22 e 12:28.
20
Cf. Confissão Belga, Artigo 27.
21
A preposição () aqui traduzida como um locativo metafórico: em, também pode ser traduzida como
instrumental de meio: com (cf. Mt 3:11), ou agente intermediário: por, pelo, pela instrumentalidade de
(cf. At 4:12 e 17:31).
22
A preposição aqui traduzida por em () enfatiza o ingresso de cada crente no corpo de Cristo.

6
só corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito
(1 Co 12:12-13).
Há somente um corpo e um só Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação;
há um só senhor, uma só fé, um só batismo... (Ef 4:4-5).23
Embora a eclesiologia reformada enfatize a natureza espiritual da unidade da igreja, insiste em que a unidade
do corpo deve manifestar-se externamente, na igreja visível. Rejeita, contudo, a idéia de que esta unidade externa seja
de natureza meramente institucional ou externa, não podendo ser alcançada, em detrimento da verdade, mas na
verdade. O movimento ecumênico dos nossos dias, persegue esta manifestação visível da unidade da igreja, limitando
cada vez mais o conteúdo da fé, abrindo espaço para que professos de todos os credos possam unir-se em uma
grande instituição cristã, como o Concílio Mundial de Igrejas.24
Herman Hoeksema descreve esta tendência, dizendo:
Há muitos em nossos dias que encontram a causa de todas as dissensões e divisões na igreja, na muita
doutrina, e nos credos específicos demais nas suas declarações doutrinárias. Conseqüentemente, advogam que
todas estas declarações de fé específicas pelas quais cada igreja erige um muro de separação em torno de si
mesmas devem ser esquecidas, apagadas, eliminadas, a fim de que as confissões se tornem menos específicas
e mais gerais.25
Martin Lloyd-Jones denunciou esta tendência inclusivista moderna, numa conferência do Concílio Evangélico
Britânico, em 1968, afirmando que a estratégia atual não é negar formalmente as antigas e boas confissões de fé, mas
colocá-las num museu, e praticar uma fé apenas genérica, que possa abranger todos os credos e não ofender a
ninguém.26
Entretanto, a fé reformada rejeita esta pseudo unidade externa institucional que se dá em detrimento da
doutrina. E professa que a unidade da igreja só pode manifestar-se externamente, como conseqüência da maturidade
dos seus membros no conhecimento e submissão à vontade de Deus revelada na sua Palavra. “Um apego às
Escrituras e uma determinação de buscar graça para resolver dificuldades à luz delas é a única base segura de
unidade eclesiástica.”27
A unidade externa da igreja, na concepção bíblica, é descrita em termos de “aperfeiçoamento dos santos”
“seguindo a verdade em amor”. Ela só pode ser alcançada (e de modo imperfeito nesta vida), mediante a, (sem
vírgula)
...edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de
Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como
meninos, agitados de um lado para o outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos
homens, pela astúcia som que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo
naquele que é o cabeça, Cristo... (Ef 4:12-15).
Catolicidade
A igreja invisível é também católica, isto é, universal. A igreja de Roma apropriou-se indevidamente deste
atributo da igreja, aplicando-o a sua instituição externa mundial. A fé reformada, professa a catolicidade ou
universalidade da igreja, principalmente com relação à igreja invisível, ao reconhecer que os membros do corpo de
cristo não se limitam a esta ou aquela nacionalidade, raça, cor, condição social, capacidade intelectual, sexo ou idade.
A igreja visível, no decurso da sua história, pode ter sido mais ou menos católica, mais ou menos universal.
Na antiga dispensação, por exemplo, por causa da corrupção do gênero humano, ela esteve consideravelmente
limitada à nação judaica, como instrumento de revelação e preservação da vontade de Deus. Naquela época, a igreja
visível era nacional, identificada com a nação de Israel.28 E todas as instituições religiosas eram apropriadas para esta
organização nacional: sacerdotes, sacrifícios, tabernáculo/templos, etc.
23
Cf. também Ef 1:22-23 e 5:23.
24
A palavra doutrina tornou-se um palavrão para considerável parcela do evangelicalismo moderno.
25
Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 606.
26
Martin Lloyd-Jones. Que é a Igreja?, p. 15.
27
Iain H. Murray, The Reformation of the Church; A Collection of Reformed and Puritan Documents on Church
Issues, p. 11.
28
Antes do chamado de Abraão, a igreja visível era familiar. O chefe da família era o sacerdote e a família a
congregação.

7
Mesmo assim, sempre houve lugar para os prosélitos e o caráter universal da igreja foi frequentemente
profetizado, desde especialmente o chamado de Abraão: “em ti serão benditas todas as nações da terra” (Gn 12:3).29
Vindo, porém a plenitude do tempo, a nova dispensação, toda distinção de raça, cor, condição social, sexo e
idade foi eliminada, e o caráter universal da igreja invisível passou a se manifestar de forma mais evidente na igreja
visível:
Portanto, lembrai-vos de que outrora vós, gentios na carne... naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel... Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo
sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um; e, tendo derrubado a parede de
separação que estava no meio, a inimizade, aboliu na sua carne a lei dos mandamentos na forma de
ordenanças, para que dos dois fizesse um novo homem, fazendo a paz e reconciliasse ambos em um só corpo
com Deus... (Ef 2:11-16).
Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os
mortos, serás salvo... Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos...
(Rm 10:10,12).
Não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois
um em Cristo (Gl 3:28)
Este atributo da igreja invisível deve manifestar-se na igreja visível no reconhecimento e abolição das
distinções mencionadas. Discriminações e preconceitos de nacionalidade, raça, condição social, sexo e idade são
inadmissíveis na igreja de Cristo na atual dispensação.
Santidade
A fé reformada aplica este atributo especialmente à igreja invisível. Na concepção reformada, a igreja invisível
é absoluta e relativamente santa. É absolutamente santa, como vista por Deus em Cristo. A expiação de Cristo e a
justiça de Cristo, expurgaram dos eleitos de Deus toda a culpa do pecado e conferiram a eles perfeita retidão. Através
do sangue de Cristo, a igreja é vista como perfeitamente santa e sem mácula. É também relativamente santa, no
sentido em que, quando da conversão, o princípio vital de santidade é definitivamente implantado no coração de cada
eleito pelo Espírito Santo, e este princípio de desenvolverá progressivamente em suas vidas, até o dia em que, com a
glorificação do corpo, toda semente de corrupção e pecado será objetivamente eliminada.
Mas este atributo também deve se revelar na igreja visível. Embora de modo imperfeito (em virtude da
natureza corrompida que ainda persiste no crente nesta vida), o desenvolvimento desta semente de santidade
implantada no coração do crente deve manifestar-se externamente, na sua conduta moral e espiritual, demonstrando
que, embora no mundo, a igreja foi separada deste e consagrada a Deus.
Nem sempre é evidente qual desses aspectos da santidade da igreja os autores bíblicos têm em mente em cada
um dos inúmeros textos sobre o assunto. Mas todos são, numa ou noutra passagem, abundantemente revelados. Eis
apenas alguns dos muitos textos bíblicos que atestam esse atributo da igreja invisível.
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de
proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pd 2:9).
Tais fostes alguns dentre vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados, em o
nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus (1 Co 6:11).
Ora, todo sacerdote se apresenta dia após dia a exercer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos
sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados; Jesus, porém, tendo oferecido para sempre, um único
sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus... Porque com uma única oferta aperfeiçoou para
sempre quantos estão sendo santificados (Hb 10:11-14).
Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para
que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si
mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito (Ef 5:25-27).
Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.... É a favor deles que eu me santifico a mim mesmo, para
que eles também sejam santificados na verdade (Jo 17:17,19).
Paulo, apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos santos que vivem em Éfeso (Ef 1:1).
29
Cf. também Gl 3:8; Sl 66:4, 72:11,17 e Is 45:22,23.

8
Paulo, chamado pela vontade de Deus, para ser apóstolos de Jesus Cristo, e o irmão Sóstenes, à igreja de
Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos, com todos os que em
todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso (1 Co 1:1-2).30
Conclusão
No futuro, quando da consumação da obra da redenção, a presente distinção entre igreja invisível e visível
desaparecerá, estes atributos espirituais da igreja invisível se manifestarão plenamente na igreja visível, e a unidade,
universalidade e santidade da igreja será conhecida em toda a sua perfeição e glória. João descreve o vislumbre que
teve da igreja glorificada, dizendo:
Depois destas coisas vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos e povos
e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos...
(Ap 7:9).
Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu passou e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. Vi
também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva para o
seu esposo... Nela nunca jamais penetrará cousa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e
mentira, mas somente os inscritos no livro da vida do Cordeiro... Bem-aventurados aqueles que lavam as suas
vestiduras no sangue do cordeiro, para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas
portas (Ap 21;1-2,27; 2:14).
A IGREJA VISÍVEL NO NOVO TESTAMENTO
Já foi mencionado (mencionada) a forma nacional que caracterizava a igreja visível na antiga dispensação. Na
nova dispensação, a igreja visível deixa de se manifestar em forma nacional, para tornar-se universal. E nesta
condição, as unidades eclesiásticas passam a ser locais.
Michal Horton, editor chefe da revista Modern Reformation, escreveu num recente artigo nesta revista, que
‘Em nossos dias, quase não há vestígios da doutrina da Igreja visível no Evangelicalismo (para quem “a igreja”
significa “todo mundo que nasceu de novo” e não uma instituição oficial).’31 Ele chegou a comparar esta atitude com
o docetismo Cristológico que a igreja primitiva teve que enfrentar: “Enquanto a igreja primitiva teve que lutar
repetidamente contra aqueles que negavam a realidade do corpo físico visível de Cristo, hoje a igreja tem que pelejar
em defesa da sua própria existência institucional visível.”32
Contudo, o fato é que o uso mais freqüente, da palavra igreja no NT, diz respeito às igrejas locais
externamente instituídas, à uma congregação de crentes professos e seus filhos, de um determinada localidade,
dirigida por um grupo de oficiais chamados por Deus e escolhidos pela igreja. Estas igrejas constituem-se
manifestações visíveis, autônomas e completas da igreja. Eis apenas três dos muitos textos em que a palavra é
empregada neste sentido:
E partiu Barnabé para Tarso à procura de Saulo; tendo-o encontrado, levou-o para Antioquia. E por todo um
ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram numerosa multidão (At 11:25-26).
Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo, e por
Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos, e todos os irmãos meus companheiros, às igrejas da Galácia (Gl
1:1-2).
João, às sete igrejas que se encontram na Ásia: Graça e paz a vós outros, da parte daquele que é, que era, e
que há de vir... (Ap 1:4).33
Visto que o termo igreja só é aplicado com relação à igreja universal (visível ou invisível) ou às igrejas locais,
e nunca a grupos de igrejas locais ou denominações,34 o ponto de partida do estudo do governo eclesiástico

30
Cf. Rm 1:7
31
Michael S. Horton, “Time for a Commercialism Break.” Modern Reformation, 6:5 (1997), p. 6.
32
Ibid, p. 8.
33
Cf. ainda Rm 16:4,5; 1 Co 11:18; 14:19,28,35; 16:1,19; Cl 4:15; 1 Ts 2:14; Ap 1:11,20; 2:1,7,8,12,18, etc.
Convém observar que embora a nossa tradução de 1 Co 11:18; 14:19,28,35 possa parecer designar um
lugar (na igreja), isso não ocorre no original, que não tem artigo ().
34
A única aparente exceção, em At 9:31, onde na nossa versão é empregado o termo igreja, no singular,
referindo-se a diversas congregações locais na Palestina, se baseia no texto eclético que representa um
pequeno grupo de manuscritos, e não no texto majoritário, que representa a grande maioria dos

9
reformado deve ser (e é) a igreja local, as congregações autônomas, as quais são tidas no NT, como completa
manifestação da igreja visível universal.
MARCAS DA IGREJA VISÍVEL
Os atributos que estivemos considerando dizem respeito, de modo absoluto, à igreja invisível e, de modo
apenas relativo, à igreja visível. Por causa da natureza pecaminosa da raça humana, a manifestação externa da
unidade, catolicidade e santidade da igreja invisível é necessariamente imperfeita. Daí os cismas, as discriminações
raciais, sociais, etc. e a impureza que se manifestam em maior ou menor grau na igreja visível.
Significa isto, que é impossível distinguir na prática a verdadeira igreja visivelmente instituída de falsas
igrejas? Não. De acordo com a fé reformada, a igreja visível manifesta o seu caráter através de marcas visíveis, as
marcas da verdadeira igreja, que são: verdadeira pregação (doutrina), verdadeiro ministração dos sacramentos (culto)
e verdadeira disciplina (governo).35 Entendendo-se por verdadeiro, a conformidade com o ensino claro, autoritativo e
suficiente das Escrituras. Sendo que compete a cada crente, identificar, por essas marcas, a verdadeira igreja de
Cristo, e unir-se a ela.
Ensino das Confissões Reformadas
Diversos símbolos de fé reformados professam estas marcas da verdadeira igreja visível. A Confissão de Fé
Belga, por exemplo, de 1561, afirma no Artigo 29:
Cremos, que por meio da Palavra de Deus deve-se distinguir diligentemente e com bastante prudência, qual é
a verdadeira igreja... Os sinais para se conhecer a igreja verdadeira são estes: a pregação pura do evangelho; a
administração pura dos sacramentos, tais como foram instituídos por Cristo; a aplicação da disciplina cristã,
para castigar os pecados. Resumindo: se se observa uma conduta de acordo com a Palavra pura de Deus...
E no artigo 28, enfatiza o dever do crente de unir-se à esta igreja,36 dizendo:
...é dever de todos os crentes — segundo a Palavra de Deus — separar-se daqueles que não são a Igreja, e
unirem-se a esta congregação em qualquer lugar onde Deus a tenha estabelecido; ainda que em circunstâncias
nas quais os magistrado e leis dos príncipes estejam contra eles, e ainda que corram o risco de vida ou outro
castigo físico.37
A Confissão de Fé Escocesa, de 1560, de modo semelhante, declara:
...nós cremos, confessamos e declaramos que as marcas da verdadeira Igreja são, primeiro e antes de tudo, a
verdadeira pregação da Palavra de Deus, na qual Deus mesmo se revelou a nós, como nos declaram os
escritos dos profetas e apóstolos; segundo, a correta administração dos sacramentos de Jesus Cristo, os quais
devem ser associados à Palavra e à promessa de Deus para selá-las e confirmá-las em nossos corações; e,
finalmente, a disciplina eclesiástica corretamente administrada, como prescreve a Palavra de Deus, para
reprimir o vício e estimular a virtude. Onde quer que essas marcas se encontrem e continuem por algum tempo
— ainda que o número de pessoas não exceda de duas ou três — ali, sem dúvida alguma, está a verdadeira
Igreja de Cristo...38
Outras símbolos de fé reformados, tais como a Confissão da Igreja Inglesa em Genebra, de 1556; a
Confissão de Fé Francesa, de 1559 (artigos 26-28); e a Segunda Confissão Helvética, de 1566 (capítulo 17),
afirmam todas as mesmas marcas da igreja visível.
Evidências Bíblicas
Que estes são, de fato, sinais bíblicos da verdadeira igreja, infere-se de textos como os seguintes: Com relação
a pregação:
Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a
verdade vos libertará... Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso não me dais ouvidos, porque não
sois de Deus (Jo 8:31:32).39

manuscritos.
35
Confissão de Fé de Westminster, XXV:iv.
36
Com base em textos tais como Is 52:11, Ap 18:4, Hb 10:25; e At 4:17,19.
37
Cf. também, a Confissão de Fé Francesa (artigo 27) e a Confissão Escocesa (capítulo 18).
38
Artigo XVIII.
39
Cf. também Jo 14:23

10
Mas ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos
pregado, seja anátema (Gl 1:8).40
Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece, não tem Deus; o que permanece na
doutrina, esse tem assim o Pai, como o Filho (2 Jo 9).
Com relação aos sacramentos:
Batismo: A grande comissão (Mt 28:19); Há somente um corpo e um só Espírito, como também fostes
chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só senhor, uma só fé, um só batismo... (Ef 4:4-5).
Ceia: Mt 26:26ss; 1 Co 11:23ss; At 2:42.
Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que comeis... Por isso, aquele que comer o
pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor (1 Co 11:20,27).
Com relação à disciplina:
Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que ande
desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes... Caso alguém não preste obediência à
nossa palavra dada por esta epístola, notai-o; nem vos associeis com ele... (2 Ts 3:6,14).
...Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?... Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai,
pois, de entre vós, o malfeitor (1 Co 5:6b,13)
Exortamo-vos, também, irmãos, a que admoestais os insubmissos... (1 Ts 5:14).
Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez, pois sabes que tal pessoa está
pervertida e vive pecando, e por si mesma está condenada (Tt 3:10).
[carta a igreja de Pérgamo] Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a
doutrina de Balaão... também tu tens os que da mesma forma sustentam a doutrina dos nicolaitas... [carta a
igreja de Tiatira] Tenho, porém, contra ti o tolerares que essa mulher, Jesabel, que a si mesma se declara
profetiza, não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a praticarem a prostituição e a comerem
coisas sacrificadas aos ídolos(Ap 2:14,15).
A Marca Principal: a Pregação Verdadeira da Palavra
As três marcas da igreja são importantes. Mas os teólogos reformados em geral reconhecem que a pregação é,
dentre elas, a mais importante, por duas razões. Primeiro, porque inclui as outras duas: na concepção reformada, os
sacramentos não podem ser dissociados da Palavra, nem o exercício da disciplina. Segundo, porque é através da
pregação verdadeira da Palavra, que os eleitos são congregados e edificados.
Berkhof, por exemplo, afirma que,
Estritamente falando, pode-se dizer que a pregação verdadeira da Palavra e seu reconhecimento como o
modelo da doutrina e da vida é a única marca da igreja. Sem ela não há igreja, e ela determina a reta
administração dos sacramentos e o exercício fiel da disciplina eclesiástica.41
Herman Hoeksema, outro conhecido teólogo reformado, escreveu:
...podemos dizer que a única marca importante distintiva da verdadeira igreja é a pura pregação da Palavra de
Deus. Onde a Palavra de Deus é pregada e ouvida, ai está a igreja de Deus. Onde esta Palavra não é pregada,
aí a igreja não está presente. E aonde esta Palavra é adulterada, a igreja deve ou arrepender-se ou morrerá.42
A razão da primazia da verdadeira pregação como marca distintiva da verdadeira igreja visível, explica
Hoeksma, é a seguinte:
A igreja é edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, do qual Jesus Cristo é a principal pedra
angular. Outro fundamento homem algum pode edificar. Este fundamento é precisamente a Palavra de Deus,
como contida nas Sagradas Escrituras. Quem quer que, embora ocupe o lugar de um ministro da Palavra,
proclame outro Evangelho, a palavra de mero homem, não edifica sobre o único fundamento. E o que ele

40
Cf. também 2 Co 10:2-4.
41
Louis Berkhof, Teologia Sistematica, p. 689
42
Herman Hoeksma, Reformed Dogmatics, p. 620.

11
edifica não é a verdadeira igreja de Cristo, mas mera instituição humana. Além disso, apraz a Cristo chamar,
preservar e edificar sua igreja através da pregação da Palavra.43
Congregados pela Pregação da Palavra
O termo igreja, , designa uma congregação chamada do mundo, para constituir um
povo à parte: no mundo, mas distinto do mundo. O mundo, como um todo, jaz no maligno, é corrompido,
governado pelo príncipe deste mundo, é inimigo de Deus, e está debaixo da Sua ira.
É Deus, em Cristo, por meio do seu Espírito, pela Palavra, por instrumentalidade da pregação, quem chama
os seus eleitos do mundo, e os congrega como nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, governado
por Cristo, e objeto do seu amor e cuidado especiais.
É este o meio Divinamente instituído pelo qual seus eleitos são extraídos do mundo e incluídos na igreja
visível: pelo chamado ou vocação divina, que na concepção reformada é de dupla natureza: externo e interno.
Pelo chamado externo, todos, em geral, são convocados ao arrependimento e à fé, por meio da pregação da
Palavra. Pelo chamado interno (a vocação eficaz), o Espírito Santo, também pela pregação da Palavra,
converte o coração dos eleitos de Deus, convencendo-os do pecado, produzindo neles arrependimento e fé,
arrancando-os eficaz e graciosamente do mundo, incluindo-os no seu corpo (a igreja invisível) e na igreja
visível, para ser discipulado e servi-lo.
Segundo as Escrituras, ‘‘aprouve a Deus salvar aos que crêem pela loucura da pregação’’ (1 Co 1:21). É por
isso que o Apóstolo Paulo exclama: ‘‘Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo. Como, porém,
invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há
quem pregue?’’ (Rm 10:13-14). Qual a conclusão? ‘‘E assim, a fé vem pela pregação (pelo ouvir) e a pregação (o
ouvir), pela palavra de Cristo’’ (Rm 10:17).
A obra da redenção não se consumará enquanto o último eleito de Deus não for eficazmente chamado e
congregado: (talvez fique mais claro fazer a afirmação positiva: a obra da redenção só se consumará quando o
último eleito de Deus for eficazmente chamado e congregado)
Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para
convosco não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento (2 Pe 3:9).
Edificada pela Pregação da Palavra
Pela pregação, a igreja de Cristo também é edificada, instruída na verdadeira fé; é confortada e
consolada diante dos infortúnios, aflições e tribulações desta vida; exortada a viver de modo digno do Senhor;
e encorajada a servi-lo, servindo a igreja e promovendo o seu reino neste mundo; e, assim, preservada, nutrida,
mantida.
Por isso os apóstolo tomaram a importante decisão em Atos 6, de dedicarem-se especialmente à oração
e ao ministério da Palavra. Por isso Apóstolo Paulo insta Timóteo a pregar a Palavra a tempo e fora de tempo
2 Tm 4:2). Por isso, ele declarou ser merecedores de dobrada honra (remuneração), os presbíteros que se
afadigam na Palavra e no ensino (1 Tm 5:17). Por isso Cristo mesmo,
...concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e
mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do
corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à
perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos,
agitados de um lado para o outro, e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens,
pela astúcia som que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o
cabeça, Cristo... (Ef 4:11-15).
Conclusão
É obrigação fundamental de cada crente identificar a verdadeira igreja de Cristo, e unir-se a ela.
As marcas da verdadeira igreja não são o número, a conformação a um estereótipo ou tradição (veste, corte de
cabelo, etc.), a prática de determinadas metodologias evangelísticas ou coisas do gênero. Cristo mesmo declarou que
“estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida, e são poucos o que acertam com ela” (Mt 7:14); e que
“onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18:20).

43
Ibid, 621.

12
Pregação e conformação à Palavra de Deus são os sinais fundamentais da verdadeira igreja de Cristo. Aonde
houver isto, haverá verdadeira doutrina, culto que agrada a Deus, e santidade de vida. É isto, portanto, mais do que
tudo, o que deve ser buscado e perseguida na igreja, se é que esta quer ser coluna e baluarte da verdade.
INGRESSO NA IGREJA VISÍVEL
Na concepção reformada, o ingresso na igreja visível universal, se dá pelo batismo. Como já estudamos, 44 o
batismo não é prova de salvação (sinal visível de conversão), como concebem nossos irmãos batistas; nem meio de
salvação (não opera a salvação), como professa a igreja católica com a doutrina da regeneração batismal. O batismo
é o rito substituto da circuncisão, o selo do pacto da graça, o sinal externo de admissão na igreja visível. Pelo batismo
uma pessoa é recebida como membro, não apenas de uma igreja local, mas da igreja visível universal.
Visto que não nos é possível conhecer o coração, as evidência exigidas para o ingresso na igreja visível são
externas: profissão de fé, pureza de vida, desejo e determinação de se unir à igreja visível e de desfrutar dos
privilégios e deveres de membros da igreja de Cristo.
Por causa disso, a fé reformada reconhece que a igreja visível e as igrejas locais são compostas de crentes
verdadeiros (os quais amam uma mesma e verdadeira doutrina, a comunhão dos santos, e estão determinados a viver
de modo digno da vocação cristã), de filhos de crentes (membros não professos), e de falsos crentes (professos, mas
não convertidos). Isto é inevitável, como indica a parábola do joio, em Mateus 13:24-30. Contudo a fidelidade a
Palavra, a prudência e a paciência dos oficiais da igreja na ministração do batismo e a mesma fidelidade e firmeza no
exercício da disciplina eclesiástica, podem impedir que o joio se multiplique a ponto de sufocar o trigo e
descaracterizar a igreja, podendo esta vir a transformar-se em sinagoga de Satanás, como tem ocorrido com
freqüência em nossos dias.45
O PODER DA IGREJA
Visto que o nosso tema é o governo eclesiástico, há mais um assunto relacionado à concepção reformada de
igreja que precisa ser considerado: o poder ou autoridade da igreja.
A Fonte do Poder Eclesiástico
A autoridade eclesiástica é de origem divina, porque se origina e fundamenta em Cristo, que a confere na sua
palavra à igreja, autorizando-a a exercê-la.
A Forma de Governo Eclesiástico Presbiterial, preparada pela Assembléia de Westminster, começa,
declarando:
Jesus Cristo, sobre cujos ombros está o governo... tendo-lhe sido dado todo poder nos céus e na terra, pelo
Pai... o deu para ser o cabeça sobre todas as coisas à igreja, a qual é o seu corpo... ele, sendo elevado acima de
todos os céus... recebeu dons para dar a igreja, e instituiu oficiais necessários para a edificação da igreja, e
aperfeiçoamento dos seus santos.46
Já mencionei47 alguns textos bíblicos que atestam a origem divina da autoridade eclesiástica, tais como
Mateus 16:19: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: o que ligares na terra, terá sido ligado nos céus; e o que
desligares na terra, terá sido desligado nos céus”; Mateus 28:19-20: “Ide, portanto, e fazei discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar tudo o que vos tenho
ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século”; e Efésios 4:11-12: “Ele mesmo
(Cristo) concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e
mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço (), para a
edificação do corpo de Cristo.”
Outros podem ser acrescentados, como 1 Coríntios 12:28, onde é dito explicitamente que Deus estabeleceu
(ou instituiu)48 ofícios, dons e governo eclesiástico: “A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em
segundo profetas, em terceiro lugar mestres, depois operadores de milagres, depois dons de curar, socorros,

44
Paulo Anglada, Batismo Infantil (Belém: Igreja Presbiteriana Central do Pará, 1993).
45
Ver Confissão de Fé de Westminster, XXV:v.
46
Cf. também a Confissão de Fé de Westminster, XXV:vi e iii, e Jus Divinum Regiminis Ecclesiastici, Parte I,
Capítulo 1.
47
Quando tratei dos Princípios Gerais e Fundamentais de Governo Eclesiástico.
48
 no original.

13
governos,49 variedade de línguas”;50 e 2 Coríntios 10:8, quando o Apóstolo Paulo, defendendo o seu ofício apostólico,
mencionando a “...autoridade (), a qual o Senhor nos conferiu para edificação, e não para
destruição vossa...”51
Todos estes textos comprovam que a autoridade eclesiástica não é invenção humana, mas instituição divina: é
Cristo quem, havendo recebido toda autoridade, a delega à igreja, para fazer cumprir a sua vontade.
O Exercício do Poder Eclesiástico
O exercício do poder eclesiástico é ministerial e declarativo, ou “administrativo”, como admite a Constituição
da Igreja Presbiteriana do Brasil,52 porque Cristo não conferiu a igreja autoridade para legislar, mas apenas para
declarar, executar e fazer cumprir a vontade de Deus revelada na Sua Palavra. O Segundo Livro de Disciplina, de
1578, reflete perfeitamente a concepção reformada com relação ao exercício do poder eclesiástico, ao afirmar que o
“poder e política da igreja deve sustentar-se diretamente na Palavra de Deus, como seu único fundamento, e deve ser
extraído da pura fonte das Escrituras, ouvindo a voz de Cristo, o único rei espiritual e sendo regida pelas leis dele.53
A Igreja Católica e a Igreja Anglicana conferem ao clero o direito de legislar sem fundamentação bíblica, com
relação a práticas eclesiásticas não apenas circunstanciais, obrigando a consciência dos crentes, com base exclusiva
na autoridade eclesiástica. O governo reformado, rejeitando esta pretensão, defendendo apenas a autoridade
reguladora da igreja, que é somente ministerial ou declarativa, tendo como escopo apenas os detalhes (circunstâncias)
dos princípios e práticas fundamentadas nas Escrituras.54
John L. Girardeou, conhecido ministro presbiteriano americano do século passado (século XIX), resumiu a
posição presbiteriana histórica quanto ao assunto, com base no princípio maior da suficiência das Escrituras. Em um
sermão pregado por ocasião da Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, no dia 20 de maio de
1875, ele lembrou os ouvintes, que embora seja “comum fazer-se forte distinção entre doutrina e governo,” a
distinção mais acurada seria entre:
...a doutrina com relação ao modo como os indivíduos podem ser salvos, e a doutrina com relação ao modo
como a igreja deve ser governada; ou seja, a doutrina da salvação e a doutrina do governo eclesiástico. Ambos
são matéria de revelação; o governo da igreja é uma doutrina revelada, tanto quanto a salvação da alma.
À luz desse fato, ele declara a posição presbiteriana típica, afirmando:
Em ambos os casos, portanto, a nossa obrigação é a mesma: crer e obedecer... O Rei da igreja não deixou nas
suas mãos a autoridade para esboçar uma forma de governo com base em princípios pragmáticos de acordo
com a sabedoria humana. Ele revelou extraordinariamente a ela, na condição de um organismo sobrenatural, a
sua constituição, ofícios e cortes (concílios). Não é mais permitido à igreja imaginar seu governo do que
conceber seu evangelho...
Este, portanto, é o escopo da poder decisório da igreja na esfera de governo: Ela não pode acrescentar nem
subtrair nada ao que Cristo ordenou nas Escrituras. Todas as suas necessidades estão ali providas. Ela precisa
ter autorização divina para cada elemento da sua política e cada função distintiva de governo. Suas leis estão
estabelecidas; seus oficiais estão estabelecidos; e a maneira pela qual estas leis devem ser administradas e
estes oficiais devem agir são estabelecidas. Conseqüentemente, ela não pode fazer lei alguma — seu poder é
limitado a declarar e aplicar as leis de Cristo. Ela não pode criar nenhum ofício — seu poder é exercido na
eleição de pessoas para preencherem os ofícios que Cristo designou. Ela não pode instituir nenhum modo de
governo — seu único poder consiste em aplicar aquilo que Cristo ordenou. Seu poder e dever se resumem na
absoluta conformidade à Palavra Escrita.55

49
O termo grego aqui empregado é empregado somente nesta passagem no NT, e significa
governo, direção (Cf. Pr. 11:14).
50
Cf . 2 Co 10:8.
51
Cf. também 2 Co 13:10 e 1 Ts 5:12.
52
Capítulo I, Artigo terceiro.
53
Capítulo I:8. Cf. ainda Jus Divinum Regiminis Ecclesiastici, Parte II, Capítulo 9: “Governo eclesiástico é um
poder ou autoridade espiritual derivado de Cristo, nosso Mediador... exercido na administração da Palavra.”
54
Cf. Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 715; Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, p.566; Charles
Hodges, What is Presbyterianism?, p. 7.
55
John L Girardeau, The Discretionary Power of the Church.

14
É evidente que para implementar a revelação divina com relação ao governo eclesiástico, como ocorre com
relação ao culto público, a igreja tem que tomar algumas decisões que não estão especificamente prescritas na
Palavra. A própria Confissão de Fé de Westminster reconhece essa necessidade, ao tratar da doutrina da suficiência
das Escrituras, dizendo que “...há algumas circunstâncias, quanto ao culto a Deus e ao governo da Igreja, comuns às
ações e sociedades humanas, as quais têm que ser ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã.” Contudo,
esta ressalva diz respeito a questões relacionas a tempos, lugares, e ordem que se mostram necessárias à
implementação da lei de Cristo. Ainda assim, mesmo as questões circunstanciais, têm que ser ordenas “segundo as
regras da Palavra, que sempre devem ser observadas.”56
Deve ser lembrado ainda, que o exercício da autoridade eclesiástica, em virtude da sua natureza espiritual, não
pode ser levado a efeito pela espada (pela força, como o poder civil), mas por meios espirituais: pregação,
admoestação, e ministração ou negação dos sacramentos; tudo de conformidade com as Escrituras.
A natureza ministerial e declarativa do exercício da autoridade eclesiástica é reconhecida no Artigo 69 da
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, nos seguintes termos:
A autoridade dos concílios é espiritual, declarativa e judiciária, sendo-lhe vedado infligir castigos ou penas
temporais e formular resoluções, que, contrários a Palavra de Deus, obriguem a consciência dos crentes.
Os Detentores do Poder Eclesiástico
Na concepção reformada, o poder ou autoridade eclesiástica é conferido à congregação de modo geral e
particularmente aos seus oficiais. O catolicismo romano atribui todo o poder eclesiástico ao clero, que lhe é conferido
por seus superiores hierárquicos que têm como autoridade suprema o Papa, que por sua vez o recebeu diretamente de
Deus, na condição de sucessor de Pedro. O governo congregacional confere todo poder à congregação, que por sua
vez apenas delega poderes aos oficiais eleitos para exercerem a vontade da congregação. O presbiterianismo entende
que o poder eclesiástico é conferido tanto à congregação quanto aos oficiais.57
Um tratado clássico escrito em defesa do sistema presbiteriano de governo eclesiástico, intitulado Jus
Divinum Regiminis Ecclesiastici, de autoria desconhecida, mas geralmente atribuído à membros da Assembléia de
Westminster, explica esta concepção presbiteriana de poder eclesiástico, fazendo dupla distinção: Primeiro, entre o
poder público oficial concedido por Cristo aos oficiais eclesiásticos;58 e o poder popular privado conferido aos
membros da congregação para, entre outras coisas, “eleger seus próprios oficias.”59 Segundo, entre a igreja visível,
em geral e local, em particular, como objeto do poder eclesiástico;60 e os oficiais como sujeitos a quem este poder é
especifica e diretamente confiado por Cristo. Na concepção presbiteriana, a designação de pessoas para o exercício
do ofício é feito por meio da congregação; mas a autoridade do ofício é concedida diretamente por Cristo aos
oficiais.61
Louis Berkhof resume a concepção reformada com relação ao assunto, nos seguintes termos:
...poder eclesiástico é confiado por Cristo a igreja como um todo, isto é, aos membros ordinários e aos oficiais,
igualmente; mas em adição a isto, os oficiais recebem uma medida adicional de poder requerida para o
desempenho dos seus respectivos deveres na Igreja de Cristo. Eles compartilham do poder original conferido à
igreja, e recebem sua autoridade e poder na qualidade de oficiais, diretamente de Cristo. Eles são
representantes, mas não deputados do povo. Os teólogos antigos costumavam dizer: “Todo o poder, em actu
primo, ou fundamentalmente, reside na própria Igreja; em actu secundo, ou seu exercício, naqueles que são
especificamente chamados para o ofício.”62
O artigo terceiro da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil reconhece o poder da congregação,
afirmando: “O poder da Igreja é espiritual e administrativo, residindo na corporação, isto é, nos que governam e nos
que são governados.”

56
Confissão de Fé de Westminster, I:IV.
57
Defendida por documentos e teólogos reformados e presbiterianos, tais como no Primeiro Livro de
Disciplina, I:4-6; Voetius, George Gillespie, Bannerman, Bavinck, Geerhardus Vos, e outros.
58
Fundamentado em Mt 16:19; 18:18; Jo 20:21-23; Mt 28:18-20; 2 Co 10:8 e 13:10.
59
Sendo citado At 6:3-6.
60
1 Co 12:28; Rm 12:5-6.
61
Jus Divinum Regiminis Ecclesiastici, II:3:3 e II:10, Section 1:2-3.
62
Louis Berkhof, Reformed Dogmatics (citado por Herman C. Hunko, The Autonomy of the Local Church).

15
Natureza e Escopo do Poder Eclesiástico
A autoridade da igreja é de natureza espiritual, porque diz respeito à assuntos espirituais, relacionados à
igreja, em distinção e independência do governo civil. 63 A Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil,
reconhecendo a natureza espiritual da igreja, declara:
A Igreja Presbiteriana do Brasil tem por fim prestar culto a Deus, em espírito e em verdade, pregar o
Evangelho, batizar os conversos, seus filhos e menores sob a sua guarda e “ensinar os fiéis a guardar a
doutrina e prática das Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos, na sua pureza e integridade, bem como
promover a aplicação dos princípios de fraternidade cristã e o crescimento de seus membros na graça e no
conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.”64
Em virtude da natureza espiritual da igreja, a fé reformada distingue três classes ou áreas de poder ou
autoridade eclesiástica:
1) O poder dogmático ou docente (potestas dogmatica), que inclui a preservação, a interpretação, a
proclamação, o ensino e a sistematização das Escrituras.65 Esse poder está relacionado a função essencial da igreja. A
ministração dos sacramentos está incluído neste poder, em virtude de serem eles inseparável da Palavra da sua
instituição.
2) O poder de governo (potestas gobernans). Este poder inclui a autoridade para ordenar (potestas ordinans)
e para julgar (potestas iudicans).
O poder de ordenar (de manter a ordem), 66 inclui, a autoridade para aplicar a vontade de Deus revelada nas
Escrituras, e a autoridade para regular às circunstâncias de governo, culto, assistência, etc.
O poder judicial conferido a igreja é positivo e negativo. É o poder das chaves do reino. Inclui a autoridade
para receber como membros os que forem julgados preencher os requisitos bíblicos (o poder de abrir), e a autoridade
para disciplinar os que forem julgados faltosos, à luz das Escrituras (o poder de fechar), conferindo-lhes penas de
natureza espiritual, também segundo as Escrituras67
3) Além do poder docente e de governo, Cristo confere também a igreja o poder para o exercício de
misericórdia (potestas misericordiae), a autoridade assistencial, a competência para assistir especialmente os
membros da igreja, nas suas necessidades temporais.

63
Cf. Jus Divinum Regiminis Ecclesiastici, Parte II, Capítulo 9:3.
64
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, I:2.
65
1 Tm 1:3,4; 3:15; 4:16; 2 Tm 1:13; Tt 1:9-11; 2 Co 5:20; 1 Tm 4:13; 2 Tm 2:15; Tt 2:1-10; 2 Tm 2:2.
66
Cf. 1 Co 14:33 e 40,
67
Mt 16:19; 18:15-18; Jo 20:23; 1 Co 5:2; 7:13; 2 Ts 3:14,15; 1 Tm 1:20; Tt 3:10.

16
MEMBRESIA DA IGREJA LOCAL

DEFINIÇÃO
Por membresia da igreja local, me refiro aos membros professos e seus filhos de uma congregação, em
distinção aos seus oficiais. É evidente que os oficiais (diáconos e presbíteros) também são membros da igreja local.
Mesmo o pastor, também é considerado membro da igreja que estiver pastoreando.68 (Não é isso, em absoluto, o que
o Art. 27da CI/IPB afirma! O §2º é bem claro ao afirmar: “PARA ATENDER ÀS LEIS CIVIS, o ministro será
considerado membro da Igreja de que for pastor, CONTINUANDO, PORÉM, SOB A JURISDIÇÃO DO
PRESBITÉRIO.” É evidente que o pastor só é considerado membro da igreja para atender à lei civil. Perante a lei da
igreja o ministro não é membro da igreja local, mas do presbitério. O regente é membro da igreja local e pode ser
disciplinado pelo conselho, mas o docente não pode. Foi por isso que afirmei que o presbitério é, de fato, uma
“supra-igreja”, a “igreja dos melhores”. Os 3 presbitérios nos quais vivi durante os meus 20anos de IPB
funcionavam mais como uma espécie de “sindicato” que defendia os interesses dos “ministros”.
A fé reformada não faz nenhuma distinção essencial entre clero e laicato, como a igreja católica. Não há
sacerdotes nas igrejas reformadas: intermediários humanos através dos quais o povo possa ter acesso à presença de
Deus. O governo reformado professa e pratica o sacerdócio universal de todos os crentes, que elimina qualquer
distinção essencial ou fundamental entre os membros da igreja visível.
Contudo, há no NT uma evidente distinção funcional, entre membros e oficiais na igreja visível. É aos
primeiros que estou me referindo.
O SACERDÓCIO DE TODOS OS CRENTES
E O PODER ECLESIÁSTICO
É importante observar aqui, que o governo reformado reconhece certa participação da membresia em todas
estas áreas de poder eclesiástico. A doutrina reformada do sacerdócio de todos os crentes, libertou os membros
ordinários da igreja da condição de meros espectadores, assegurando-lhes legítima participação no poder eclesiástico.
Charles Hodges, inclui como o primeiro dentre três princípios de governo presbiteriano que menciona, o fato de que
“o povo tem direito a uma parte substancial no governo da igreja.”69
A concepção reformada de governo eclesiástico, embora reconhecendo que o poder docente, de governo, e de
misericórdia é conferido de modo especial aos oficiais da Palavra (os presbíteros que se afadigam na Palavra), da
supervisão (os presbíteros) e da assistência (os diáconos); admite algum tipo de participação da congregação em
todas estas áreas de poder eclesiásticos.
Primeiro, indiretamente, pelo exercício do seu direito inalienável de eleger os oficiais da igreja. 70 Segundo,
diretamente, quando chamados para opinar com relação a assuntos extraordinários, ou especialmente importantes.
William Cunningham, historiador reformado escocês do século passado século XIX, observou:
...presbiterianos tem normalmente sustentado que o consentimento ou aceitação dos membros ordinários da
igreja é necessário e indispensável na designação dos seus oficiais, de modo que a recusa deles em consentir
ou aceitar é uma barreira insuperável para a formação da relação pastoral... Eles de modo geral admitem que
em questões importantes, que afetam o bem e a paz da igreja, o povo deve ser consultado, e que o
consentimento e aceitação deles, deveria ser, se possível assegurada, pelo uso legítimo de argumentos bíblico
dirigido ao entendimento deles71
Ele consubstancia suas afirmativas, citando carta da Assembléia Geral da Igreja da Escócia de 1641, aos
presbiterianos da Inglaterra; e Alexander Henderson e George Gillespie (representantes da Escócia na Assembléia de
Westminster). Henderson, no tratado intitulado O Governo e Ordem da Igreja da Escócia, relata aos ingleses a
prática da Igreja Presbiteriana Escocesa, dizendo: “Nada costumava ser feito pelo presbitério menor ou maior — isto
68
Ver Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, Art. 27, § 2o. Embora seja também membro ex-fficio (por
força do regimento, por dever do cargo) do presbitério, e de concílios superiores quando eleito representante
(Art. 27).
69
Charles Hodges, What is Presbyterianism?, p. 6.
70
“Pertence ao povo e a cada uma das diversas congregações locais, eleger seus ministros” (John Knox, First
Book of Discipline, chapter III).
71
William Cunningham, Historical Theology, vol. 1, capítulo 2.

17
é, pelo conselho e pelo presbitério — com relação ao culto público, censura dos faltosos, ou para traze-los ao
arrependimento público, senão de conformidade com a ordem estabelecida da igreja, e com o consentimento implícito
da congregação.” E Gillespie, em um dos seus tratados, escreveu: “É objetado (pelos Independentes) que aquilo que
diz respeito a todos, deveria ser feito com o consentimento de todos. Resposta: Nós defendemos o mesmo; mas o
consentimento de todos é uma coisa, e o exercício de jurisdição por todos, é outra coisa.”72
O parágrafo primeiro do artigo já mencionado (terceiro) da Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil,
reconhece e assegura esses direitos da congregação, declarando: “A autoridade dos que são governados é exercida
pelo povo reunido em assembléia, para eleger pastores e oficiais da Igreja ou pedir a sua exoneração; pronunciar-se a
respeito dos mesmos, bem como sobre questões orçamentarias e administrativas, quando o Conselho o solicitar;
deliberar sobre a aquisição ou alienação de imóveis e propriedades...”
A base bíblica presbiteriana para estes exercícios do poder eclesiástico por parte da congregação é Atos 6:3-6;
14:23 e 15:22.
Além desse exercício formal da autoridade eclesiástica, a congregação ainda tem uma participação informal
efetiva no poder docente para proclamar e defender privadamente as verdades de Deus; no poder de governo, para o
exercício da supervisão mútua e até para participar do exercício do poder judicial, exortando irmãos faltosos (Mt
18:15ss); e no exercício da misericórdia, para verificarem-se e socorrerem-se mutuamente, em suas necessidades, ou
levando estas necessidades ao conhecimento dos oficiais.
O Novo Testamento contém instruções com relação ao exercício desses poderes informais mútuos dos
membros de igrejas locais. Eis apenas um exemplo:
Consolai-vos, pois, uns aos outros, e edificai-vos reciprocamente... Exortamo-vos, também, irmãos, a que
admoesteis os insubmissos, consoleis os desanimados, ampareis os fracos, e sejais longânimos para com todos
(1 Ts 5:11,14).
PRIVILÉGIOS DOS MEMBROS DA IGREJA
A resposta à pergunta 63 do Catecismo Maior de Westminster, resume os privilégios da igreja visível
universal com as seguintes palavras:
A igreja visível tem o privilégio de estar sob o cuidado e governo especiais de Deus; de ser protegida e
preservada em todos os tempos, não obstante a oposição de todos os inimigos; e de gozar da comunhão dos
santos, dos meios ordinários de salvação e das ofertas de graças feitas por Cristo a todos os membros dela, no
ministério do Evangelho, testificando que todo o que crer nele será salvo, não excluindo a ninguém que vier a
ele.
Aplicando Aplicados aos membros de um igreja local, estes privilégios, incluem:
1. O direito ao governo ou supervisão dos presbíteros (os ministros do governo) em primeiro lugar, mas
também da comunidade em geral, com vistas à sua proteção espiritual (contra o diabo, o mundo e a nossa própria
natureza) e preservação da alma.
2. O direito ao ensino ou instrução espiritual dos pastores (os ministros da Palavra) em primeiro lugar, mas
também da comunidade em geral, com vistas à edificação espiritual, ao crescimento no conhecimento da Palavra de
Deus.
3. O direito à assistência temporal dos diáconos (os ministros da assistência) em primeiro lugar, mas também
da comunidade em geral, com vistas ao alívio das suas necessidades temporais de qualquer natureza (financeira, de
saúde, educação, etc.)
4. A comunhão dos santos, por meio da qual cada um é edificado pelo exercício dos dons individuais dos
demais.
5. E principalmente, ao culto a Deus (individual, familiar e congregacional), tendo acesso direto à Sua
presença, e aos meios de graça que ele confere a igreja: leitura da palavra, pregação, oração e participação nos
sacramentos do batismo e da ceia. Ou, na linguagem de Atos 2:42, tem direito à participação “na doutrina dos
apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.”73

72
Ibid.
73
Trataremos desses privilégios dos membros com mais detalhes, quanto tratarmos dos deveres dos oficiais.

18
DEVERES DOS MEMBROS DA IGREJA
Os privilégios dos membros implicam em deveres para com os demais membros, para com os oficiais da
igreja, e para com o mundo em geral.
1. O dever mais fundamental de todo crente é “viver de acordo com a doutrina e prática da Escrituras
Sagrada”, como prescreve a nossa Constituição.74 Vivendo “de modo digno do Senhor, para o seu inteiro agrado,
frutificando em toda boa obra, e crescendo no pleno conhecimento de Deus”, como escreveu o Apóstolo Paulo aos
Colossenses (1:10). Andando “de modo digno da vocação a que fostes chamados”, conforme exortou aos crentes de
Éfeso (4:1). E este modo digno da vocação cristã é o prescrito nas Escrituras.
2. Na condição de membro de uma igreja (congregação, assembléia) local, também é dever fundamental de
cada membro da igreja, congregar-se, reunir-se para cultuar a Deus em todas as reuniões da igreja, desde que
possível. Deve procurar, ordenar suas obrigações, para que este compromisso maior não venha a ser negligenciado. A
membresia é livre no sentido em que nenhum crente é obrigado a freqüentar esta ou aquele congregação, mas é
obrigatória no sentido em que nenhum crente pode deixar de congregar-se (cf. Hb 10:24-25). Falhar neste dever
básico, significa privar-se de meios de graça, privar os demais irmãos dos benefícios que a sua comunhão traria a
eles e a igreja em geral.
3. De modo mais geral, é dever de todo crente lançar mão diligentemente dos meios de graça que Deus lhe
conferir, para a sua edificação pessoas e daqueles que estão sob a sua responsabilidade. Isto inclui especialmente a
participação aos cultos públicos, mas também a leitura da Palavra, a oração, a leitura de bons livros, a meditação,
etc. É indispensável nos alimentarmos diariamente da Palavra de Deus, recorrermos a presença de Deus em oração,
ocuparmos nossa mente com as coisas do alto e com tudo o que é agradável a Deus.
4. Também é dever de todo crente servir a igreja com os dons que Deus conferiu a cada um, com humildade,
na diversidade, mantendo a unidade, para a edificação da igreja (Rm 12, 1 Co 12, Ef 4, 1 Pd 4). A igreja local não é
mera instituição, é um organismo, um corpo, e como tal, seu crescimento e maturidade depende de cada membro. O
escopo primordial do serviço do crente é nas relações e circunstâncias em que Deus o colocar: marido, mulher, filhos,
trabalho, escola, etc.
A doutrina reformada do sacerdócio universal de todos os crentes implica em que toda vocação é sagrada, que
nossa vida é um culto, que todas as nossas relações são ministeriais. Sendo que devemos almejar as relações e
profissões nas quais podemos ser mais úteis. Contudo, Deus também confere dons espirituais a cada membro da
igreja, para a edificação mais direta do corpo de Cristo, e todos têm a obrigação de exercê-los diligentemente para o
crescimento espiritual da igreja, para a promoção do reino de Deus neste mundo, para a glória de Deus.
5. Finalmente, é dever de cada membro de uma igreja local, submeter-se, respeitar, encorajar e apoiar os
oficiais, desde que estes permaneçam fiéis às Escrituras. Diversos texto prescrevem este dever. Eis os dois principais:
Agora vos rogamos, irmãos, que acateis com apreço os que trabalham entre vós, e os que vos presidem no
Senhor e vos admoestam; e que os tenhais com amor em máxima consideração, 75 por causa do trabalho que
realizam (1 Ts 5:12-13).
Obedecei76 aos vossos guias, e sede submissos77 para com eles; pois velam por vossas almas, como quem deve
prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros (Hb
13:17).
Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os que presidem bem, com especialidade os que
se afadigam na palavra e no ensino. Pois a Escritura declara: Não amordaceis o boi, quando pisa o grão. E
ainda: O trabalhador é digno do seu salário (1 Tm 5:17).

74
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, Art. 14, alínea a.
75
A palavra grega expressa a “forma mais elevada de comparação imaginável” (W. F. Arndt & F. W.
Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and other Early Christian Literature). Só é
empregada aqui, em 3:10, e em Ef 3:20, “Ora, aquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que
tudo quanto pedimos ou pensamos...”
76
O original grego () é o presente do imperativo passivo de  (persuadir). O imperativo
presente indica uma ação continua. Sentido: deixando-se persuadir continuamente pelos vossos guias.
77
O termo grego aqui empregado ) também é o presente do imperativo, sendo que ativo de . A
palavra é empregada apenas aqui no NT, e com o sentido de submeter-se, sujeitar-se. Tradução:
submetendo-vos continuamente (a eles).

19
A Confissão de fé de Westminster resume os deveres dos membros da igreja na comunhão dos santos, nos
parágrafos primeiro e segundo do capítulo XXV, nos seguintes termos:
Todos os santos... estão obrigados ao cumprimento dos deveres públicos e particulares que contribuem para o
seu mútuo proveito, tanto no homem interior, como no exterior. Os santos são, pela profissão de fé, obrigados
a manter uma santa sociedade e comunhão no culto a Deus e na realização de outros serviços espirituais que
contribuam para a sua mútua edificação, bem como socorrer uns aos outros em coisas materiais, segundo as
várias habilidades e necessidades; esta comunhão, conforme Deus oferecer ocasião, deve estender-se a todos
aqueles que, em todo lugar, invocam o nome do Senhor Jesus.

20
OFÍCIOS ECLESIÁSTICOS

Embora reconhecendo a participação indireta e até certo ponto direta da congregação no poder eclesiástico, na
concepção reformada de governo, a autoridade eclesiástica é exercida especialmente por oficiais chamados por Deus
e escolhidos e ordenados pela igreja, para o exercício da supervisão, ensino e assistência.
A fé reformada reconhece no Novo Testamento ofícios temporários e ofícios permanentes. Os primeiros,
foram instituídos por Deus, para o estabelecimento da igreja na nova dispensação e, em virtude da sua própria
natureza, encerraram-se com o a inspiração do último do último livro da Bíblia. Os segundos, foram instituído por
Deus, através dos apóstolos, para o exercício regular e permanente do poder eclesiástico, até a inauguração do estado
eterno, com a segunda vinda de Cristo.
OFÍCIOS TEMPORÁRIOS
As igrejas reformadas de modo geral reconhecem três ofícios temporários no NT: apóstolos, profetas e
evangelistas. A Forma de Governo Eclesiástico Presbiterial, preparada pela Assembléia de Westminster, por
exemplo, afirma: “Os ofícios que Cristo instituiu para a edificação da sua igreja e aperfeiçoamento dos santos são,
alguns extraordinários, como apóstolos, evangelistas e profetas, os quais cessaram.”78
Apóstolos
A palavra apóstolo (mera transliteração do termo grego ) significa enviado da parte de
alguém (cf. Jo 13:16; 2 Co 8:23; Fp 2:25). Neste sentido genérico, qualquer pessoa legitimamente vocacionada por
Deus e enviada para o exercício de uma determinada função pode ser chamado de apóstolo. É neste sentido genérico
que o termo é aplicado a Barnabé (At 14:14) e talvez a Andrônico e Júnias (Rm 16:7).
No sentido específico, entretanto, o termo  designa um grupo específico de doze
pessoas diretamente chamados por Cristo,79 e divinamente inspirados para o estabelecimento da igreja, no que diz
respeito à doutrina, governo, culto, etc. Lê-se em Efésios 2:20, que a igreja foi ‘‘...estabelecida sob o fundamento dos
apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular.’’
As qualificações de um apostolado incluíam: ser chamados e comissionado diretamente por Cristo, 80 ter sido
testemunha da sua ressurreição,81 suprema autoridade em questões de doutrina, governo, culto, fundação e
organização de igrejas locais,82 e poder extraordinário para o exercício de sinais e prodígios.83
É evidente, portanto, que no sentido restrito do termo, o ofício apostólico não existe mais. No sentido mais
amplo, todo aquele que é vocacionado e enviado por Deus pode ser chamado de apóstolo. Mas não no sentido técnico
do termo no NT.
Profetas
Profetas e apóstolos são apresentados nas Escrituras como o fundamento da igreja, do qual, Cristo é a pedra
angular (Ef 2:20), o que demonstra a natureza especial e temporária desses ofícios. Dentre todos os ofícios bíblicos,
apenas o apostolado pode ser considerado mais importante do que o ofício profético (1 Co 12:28). A preeminência
desses ofícios sobre os demais de se deve, especialmente, porque ambos foram empregados como instrumentos de
revelação direta dos mistérios de Deus.
Os termos hebraico  e grego  designam um intérprete, uma pessoa que explica
e proclama uma mensagem divina, um porta-voz da vontade de Deus, pessoas que falam em nome de Deus, ou sob
sua influência (seja referente aos fatos e deveres presentes, seja referente à eventos futuros). Eis alguns textos que
demonstram claramente o sentido da palavra:

78
Cf. Segunda Confissão de Fé Helvética, XVII; Segundo Livro de Disciplina, II:6; Institutas, livro IV, III:4.
79
Paulo foi um apóstolo também chamado diretamente por Cristo, mas posteriormente (1 Co 15:8-9). Sendo o
chamado direto por Cristo uma das condições do apostolado, a iniciativa de Pedro em escolher um substituto
(Matias) para o lugar de Judas, pode ser interpretada como precipitada. Paulo seria aquele que preencheria o
lugar. Convém observar que nada é dito em Atos 15:26, Atos 1.26 que aprove o ato.
80
Cf. Mt 10:2-4; Lc 22:14-18; At 9:15; Rm 1:1; 11:13; 1 Co 1:1; Gl 1:1; etc.
81
Cf. 1 Co 9:1; 15:7-9; At 1:22
82
Cf. At 2:42; Gl 1:8-9.
83
Cf. At 5:12; 2 Co 12:12.

21
Então disse o Senhor a Moisés: Vê que te constituí como deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será teu
profeta. Tu falarás tudo o que eu te ordenar; e Arão teu irmão, falará a Faraó...(Êx 7:1)
Suscitar-lhe-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e
ele falará tudo o que eu lhe ordenar. De todo aquele que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu
nome, disso lhe pedirei contas. Porém o profeta que presumir falar palavra em meu nome que eu lhe não
mandei falar, ou o que falar em nome de outro deuses, esse será morto. (Dt 18:18-20). Cf. 4:16.
...o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando (1Co 14:3).
Os profetas da igreja primitiva, eram pessoas ocasional, mas costumeira e diretamente inspiradas pelo
Espírito Santo para comunicarem verdades de Deus aos homens, não importando se estas verdades estivessem
relacionadas ao passado, ao presente, ou ao futuro.
Deles é requerido que falem “segundo a proporção da fé” (Rm 12:6). Ou seja, de acordo com a analogia da fé
(), em harmonia com os oráculos de
Deus, em concordância com o depósito apostólico, com o corpo de verdades ensinadas pelos apóstolos.
A Bíblia adverte que muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora, auto-comissionados, falando em
nome de Deus a mensagem deles mesmos. Por isso, o Apóstolo João exorta a igreja a provar os espíritos para ver se,
de fato, procedem de Deus (1 Jo 4:1): ‘‘Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se
procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora.’’ E o padrão pelo qual os profetas
deveriam ser julgados era a analogia da fé, a comparação com o corpo de doutrinas ensinadas pelos apóstolos. Eis a
regra apresentada pelo apóstolo João: ‘‘Nós [apóstolos] somos de Deus: aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele
que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro’’ (1 Jo 4:6).
Para os reformadores, no sentido mais restrito, o ofício profético foi temporário, encerrando-se com a
conclusão do cânon. Eles estavam para a Igreja primitiva assim como o NT estão para nós hoje. Desde então,
portanto, para Calvino, ‘‘o dom de profecia não é outra coisa senão o dom de entender as Escrituras e explicá-las
com singular maestria.’’84
O termo profeta, hoje, portanto, só pode ser empregado no sentido geral, com relação aos ministros da
Palavra, os quais são porta-vozes de Deus, proclamando a vontade divina revelada nas Escrituras.
Evangelistas
O termo evangelista () deriva-se do verbo evangelizar
(- anunciar boas novas, proclamar o evangelho). Um evangelista, portanto,
no sentido genérico do termo, é aquele que proclama o evangelho. Todo aquele que prega a palavra pode ser
chamado, no sentido genérico, de evangelista.
No Novo Testamento a palavra só é empregada três vezes: 1) Em Atos 21:8, com referência a Filipe
(um dos sete que haviam sido eleitos e ordenados diáconos em Atos 6:5); 2) Em Efésios 4:11, aonde são
mencionados os ofícios relacionados à Palavra: ‘‘E ele mesmo (Cristo) concedeu uns para apóstolos, outros
para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres.’’ 3) E em 2 Timóteo 4:5, com
referência a Timóteo, auxiliar do Apóstolo Paulo, o qual havia sido comissionado para supervisionar a Igreja
de Éfeso, repreendendo os falsos mestres, elegendo presbíteros e diáconos, e orientando e exortando a igreja
com relação às diversas classes de pessoas: homens idosos, mulheres idosas, viúvas, presbíteros, senhores,
servos, ricos, etc.
A função que eles exerciam, parece ser a de auxiliares dos apóstolos, os quais eram comissionados com
a autoridade que lhes era conferida pelos apóstolos, para realizarem as funções destes, nas diversas igrejas.
‘‘Eles levavam a efeito o trabalho dos apóstolos.’’85 Eles não estavam, portanto, ligados a uma determinada
igreja local. Eram, sim, ministros itinerantes enviados pelos apóstolos, para proclamar o evangelho, organizar,
solidificar, doutrinar e orientar as igrejas locais, sob a supervisão apostólica, conforme a necessidade da igreja
e os dons destes auxiliares.

84
John Calvino, El Comentario de Juan Calvino; La Epistola del Apostol Pablo a Los Romanos, p. 323.
85
U. Becker, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, vol. II, p. 173.

22
Filipe havia sido eleito e ordenado para servir às mesas, mas ‘‘...tonou-se proeminente na pregação do
Evangelho em partes ainda não evangelizadas. Exemplo: At 8:5,12,35,40.’’ 86 Tornando-se mais conhecido pelo
exercício desta função.
Calvino considerava que este havia sido um ofício especial. Comentando 2 Timóteo 4:5, ele diz que
‘‘..em Efésios 4:11 se torna evidentemente claro que esta era uma classe intermediária entre os apóstolos e os
pastores, de modo que os evangelistas ocupavam um lugar como auxiliares depois dos apóstolos.’’87
É evidente que neste sentido específico de evangelistas como auxiliares apostólicos na fundação e
organização da igreja na nova aliança, este também foi um ofício temporário. O correspondente moderno desta
função são os missionários: ministros da palavra enviados e supervisionados por um conselho de igreja ou
colegiado de pastores, com autoridade para proclamar o Evangelho e organizar novas congregações em novas
regiões ou campos missionários.
OFÍCIOS PERMANENTES88
A fé reformada não é exatamente unânime com relação ao número de ofícios permanentes no NT; embora esta
falta de unanimidade seja mais aparente do que real.
Calvino,89 o Livro de Ordem de Genebra (de 1556),90 o Segundo Livro de Disciplina da Igreja da Escócia
(de 1578),91 e a Forma de Governo Eclesiástico Presbiterial, preparada pela Assembléia de Westminster, entre
outros, distinguem quatro ofícios: pastores, mestres ou doutores, presbíteros e diáconos. De acordo com esta
distinção, pastores e mestres são ambos ministros da palavra,92 sendo que enquanto a atribuição principal do pastor é
o cuidado espiritual da igreja, a atribuição principal do mestre ou doutor é a exposição, ensino e preservação da
Palavra.
Outros, distinguem apenas dois ofícios básicos:93 de governo (aqueles que o exercem são chamados de
presbíteros, pastores ou bispos) e de assistência (diáconos). Sendo que, dentre os oficiais de governo, há aqueles que
se dedicam especialmente à pregação e ao ensino, os presbíteros docentes, que podem ser identificados com os
mestres. O Diretório de Governo Eclesiástico da Igreja Presbiteriana Reformada da América do Norte, por
exemplo, afirma:
As Escrituras não indicam separação de ofício com relação ao governo e ensino que devem ser levados a
efeito na igreja de Cristo. De acordo com as qualificações e circunstâncias, os presbíteros exibirão dons que os
habilitarão a discernir e suprir as necessidades do rebanho pela supervisão (governo) e exortação. Entre eles
haverá aqueles mais qualificados para dedicarem-se ao estudo e proclamação pública das Escrituras. Esta
distinção de função garante a continuidade dos títulos geralmente feitos de presbítero regente e presbítero
docente, desde que se entenda o que foi dito acima.94

86
D. B. Knox, em O Novo Dicionário da Bíblia, vol. I, p. 572.
87
Juan Calvino, Comentários a las Epistolas Pastorales de San Pablo, p. 301.
88
Ler Atos 20:17-28; Tito 1:5-7; e 1 Pedro 5:1-4.
89
Comentando Efésios 4:11, Calvino escreveu: “Alguns supõem que pastores e mestres denotam um ofício,
porque o apóstolo não diz, como nas outras partes do versículo e outros, para pastores; e outros, para
mestres; mas ...e outros, para pastores e mestres. Eu concordo parcialmente com eles, que Paulo fala
indiscriminadamente de pastores e mestres como pertencendo a uma mesma classe, e que o nome mestre,
de certo modo se aplica a todo pastor. Mas isto não me parece razão suficiente para que dois ofícios, os
quais considero diferentes um do outro, devam ser confundidos. Ensinar é, sem dúvida, o dever de todo
pastor; mas para preservar a sã doutrina requer o dom para interpretar as Escrituras... Pastores, na minha
opinião, são aqueles que são responsáveis por um rebanho em particular; embora eu não faça objeção a que
eles recebam o título de mestres, desde que se entenda que há uma classe distinta de mestres, cujas
atribuições incluem tanto a educação de pastores como a instrução da igreja como um todo. Pode acontecer,
as vezes, que a mesma pessoa seja tanto pastor como mestre, mas as atribuições a serem efetuadas são
completamente diferentes” (John Calvin, Commentaries on Galatians and Ephesians, p. 279-280). Cf.
também Institutas, livro IV, III:4.
90
Ver os quatro primeiros títulos de The Genevan Book of Order; The Form of Prayers and Ministration of the
Sacraments, etc. Used in the English Congregation at Geneva (1556).
91
Capítulo II:6.
92
Ambos podem pregar e administrar os sacramentos.
93
Cf. Murdo A MacLeod, Presbyterianism; e Kevin Reed, Biblical Church Government.
94
Directory of Church Government of the Reformed Presbyterian Church of North America, chapter III.

23
E a Igreja Presbiteriana na América mantém o mesmo, ao afirmar:
As classes ordinárias e permanentes de ofício na Igreja são presbíteros e diáconos. Dentro da classe de
presbítero há as duas ordens de presbíteros docentes e presbíteros regentes. Aos presbíteros, em assembléia,
compete o governo e a supervisão espiritual da igreja, incluindo o ensino. Apenas os presbíteros que forem
especialmente dotados, chamados e treinados por Deus para pregar podem servir como presbíteros docentes.95
Enquanto que outros, distinguem três ofícios: ministros da Palavra (presbíteros docentes), ministros do
governo (presbíteros regentes), e ministros da assistência (diáconos). Sendo o primeiro, o ministro da palavra,
considerado mais uma especialização, uma função específica do segundo.
A Igreja Presbiteriana Reformada, por exemplo, afirma no seu livro de governo o seguinte:
O governo da igreja como um todo consiste de três coisas principais: em doutrina, em disciplina e distribuição.
Estando associado associada à doutrina a administração dos sacramentos. E, de acordo com as partes desta
divisão, surgem três tipos de oficiais na igreja, a saber: ministros ou pregadores, presbíteros ou governadores,
diáconos ou distribuidores. Nenhum outro ofício deve ser recebido ou admitido na verdadeira igreja de Deus
estabelecida de acordo com a sua Palavra. 96
A Igreja Presbiteriana do Brasil também reconhece três ofícios; embora admitindo, pelo menos na
terminologia que emprega, que o governo e o ensino, são ofícios relacionados:
A Igreja exerce as suas funções na esfera da doutrina, governo e beneficência, mediante oficiais que se
classificam em: ministros do Evangelho ou presbíteros docentes; presbíteros regentes; diáconos. 97
Presbíteros Regentes (Ministros do Governo)
Terminologia Empregada
Os termos pastor, presbítero e bispo são empregados no Novo Testamento para designar o mesmo ofício
geral de ministros do governo (ou presbíteros regentes) Parece-me que o autor quer fazer uma distinção entre os
presbíteros (ou bispos ou pastores) e os mestres (os “ministros” ou atuais pastores), como se pode perceber, do uso
intercambiável que deles é feito. Em Atos 20:17,28, por exemplo, os termos presbítero e bispo são empregados
para designar o mesmo grupo de pessoas cuja atribuição era pastorear a igreja de Éfeso:
De Mileto [Paulo] mandou a Éfeso chamar os presbíteros da Igreja... [e disse-lhes] Atendei por vós e por todo
o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele
comprou com o seu próprio sangue.
Em Tito 1:5-7, os termos presbítero e bispo são empregados com referência às mesmas pessoas:
Por esta causa te deixei em Creta para que pusesses em ordem as cousas restantes, bem como, em cada
cidade, constituísses presbíteros, conforme te prescrevi: alguém que seja irrepreensível, marido de uma só
mulher, que tenha filhos crentes que não são acusados de dissolução, nem são insubordinados. Porque é
indispensável que o bispo seja irrepreensível como despenseiro de Deus...
E em 1 Pedro 5:1-4, os presbítero são exortados a pastorear a igreja de Deus:
Rogo, pois, aos presbíteros que há entre vós, eu presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo,
e ainda co-participante da glória que há de ser revelada: Pastoreai o rebanho de Deus que está entre vós, não
por constrangidos, mas espontaneamente, como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade;
nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes tornando-vos modelo do rebanho. Ora, logo que o
Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível coroa de glória.
Os três termos, portanto, são aplicados a um mesmo grupo de homens, moralmente íntegros e espiritualmente
maduros, capacitados para governar e ensinar (repare a afirmação: um mesmo grupo governa E ensina), chamados
por Deus e escolhidos e ordenados pela igreja, como líderes responsáveis pelas igrejas locais, como supervisores
espirituais das congregações.98
95
The Book of Church Order of the Presbyterian Church in America, part I, 7:2.
96
The Form of Government and Book of Discipline of the Presbyterian Reformed Church, II:7.
97
Cf. Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, Art. 25.
98
Pedro e João se apresentam às igreja também como presbíteros (1 Pd 5:1; 2 Jo 1). De fato, os apóstolos e
evangelistas, em sentido geral, também eram ministros do governo. Mas distinguiam-se dos demais pela
natureza temporária do ofício que exerciam e por não terem seus ministérios restritos a uma comunidade

24
A palavra pastor () não é empregada tão freqüentemente como se poderia pensar, com sentido
figurado, designando um ofício eclesiástico — é mais freqüentemente usada com relação a Cristo, o “Supremo
Pastor” (), “o bom Pastor” (Jo 10:11), “o grande Pastor das ovelhas” (Hb 13:20), o Pastor
messiânico prometido que haveria de reunir as ovelhas perdidas da casa de Israel e salvá-las com a própria vida.99
O termo pastor só é usado para designar um ofício eclesiástico em Efésios 4:11, onde se lê que “Ele mesmo
[Cristo] concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e
mestres.” E o verbo pastorear, nos textos já mencionados (At 20:28 e 1 Pd 5:2).100
Em qualquer caso, o termo é usado com base em uma figura muito conhecida do povo de Israel: o pastor de
ovelhas. E denota a função dos líderes espirituais das igrejas locais: Pastorear, apascentar, as ovelhas de Cristo, com
vistas ao bem-estar espiritual do rebanho (1 Pd 5:2-4; At 20:28; Jo 21:15-17)
O termo presbítero (- mais velho, ancião) designa o mesmo grupo de homens, os
ministros do governo (por que ministros do governo se antes ele mesmo afirma que eles tem que ser capacitados para
governar E ENSINAR?), os líderes espirituais das igrejas locais, considerando-os do ponto de vista da idade, da
maturidade, e da sabedoria e honra que a posição requer.
À semelhança do que ocorria no AT (o Sinédrio) 101 e nas sinagogas (o conselho dos anciãos), 102 em cada
congregação local deveriam ser escolhidos e ordenados os homens mais maduros (e conseqüentemente mais sábios,
retos e piedosos), para pastorearem os demais membros da congregação (cf. At 11:30, 14:23; 15:2ss; 16:4; 20:17ss;
21:18; 1 Tm 5:19; e Tg 5:14).
A palavra bispo () é outro termo técnico para o ofício de ministro do governo. Designa,
portanto, a mesma classe de pessoas, o mesmo ofício. Sendo que enquanto o termo presbítero denota a qualificação
essencial destas pessoas: a maturidade espiritual; o termo bispo aponta para a sua função principal: a supervisão
espiritual da igreja.
A palavra grega - sobre + - observar) indica o
significado literal da palavra: alguém que está em posição de observador sobre outros, alguém que
inspeciona, fiscaliza, supervisiona, vigia, examina. Aqui pode-se observar a relação entre os termos pastor e
bispo: ambos apontam para esta função de supervisores (de vigias) do rebanho, com vista ao bem estar e
edificação espiritual da congregação.103
A palavra é empregada quatro vezes no NT neste sentido: Em Atos 20:28 e Tito 1:7 (já mencionados);
em Filipenses 1:1: “Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus, inclusive
bispos e diáconos, que vivem em Filipos”; e em 1 Timóteo 3:1-2: “Se alguém aspira ao episcopado,104
excelente obra almeja. É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher,
temperante, sóbrio...”
Natureza, Qualidades e Atribuições do Ofício
A terminologia empregada, e os textos mencionados indicam claramente a natureza, as qualificações
necessárias e as atribuições do ofício. As igrejas locais devem ser governadas, não por uma só pessoa, mas por um
grupo de homens moralmente íntegros e espiritualmente experimentados, chamados por Deus e eleitos pela igreja
para supervisionar ou pastorear o rebanho de Deus. É isso o que acontece na prática? O regente tem autoridade para
“pastorear”? Essa palavra é usada para descrever a atividade do regente?
Uma das características do governo presbiteriano é a pluralidade. As igrejas locais são governadas por um
colegiado, grupo ou concílio de presbíteros (pastores ou bispos), tendo todos a mesma autoridade, aos quais compete

local.
99
Cf. também Mt 2:6; 10:6; 15:24; 26:31-32.
100
Em João 21:16, o verbo é empregado com referência a Pedro; e em Judas 12, com referência a falsos
pastores.
101
Na época de Moisés (Êx 3:16; 24:1; Nm 11:16; Lv 4:15; Dt 21:19); na tempo dos juízes (1 Sm 16:4); na
época do reinado (1 Sm 16:4; 2 Re 19:2); no período do cativeiro (Ez 8:1; 14:1; 20:12); no período da
restauração, quando do retorno do cativeiro (Esdras 5:5,9; 6:7,8,14)
102
Cf. Mt 15:2; Mc 7:3; Lc 8:41; Jo 3:1; 7:26,48; At 19:8,17.
103
O termo é usado com relação a Cristo, o “Pastor e Bispo das nossas almas,” em 1 Pedro 2:25.
104
O termo aqui traduzido por episcopado () também é empregado em At:1:20, sendo aí traduzido por
encargo.

25
as decisões na igreja (Cf. At 14:23; 20:17ss; Tt 1:5; etc.). O concílio de presbíteros de um igreja local é chamado de
conselho, consistório ou presbitério menor.
As qualificações indispensáveis para o ofício de governo eclesiástico são descritas especialmente em 1
Timóteo 3:1-7; Tito 1:5-9a, e dizem respeito a três aspectos gerais: à integridade moral (conduta, santidade), ao
conhecimento da Palavra (doutrina), e às suas aptidões naturais (para governar e ensinar); qualidades que envolvem
a vida familiar (governar bem a própria casa) e a experiência cristã (não ser neófito). Daí o termo presbítero (o mais
velho).
OS TERMOS BISPO E PASTOR SUGEREM AS ATRIBUIÇÕES DOS MINISTROS DE
GOVERNO (mais uma vez, não posso comcordar que o NT esteja fazendo esta distinção) , OS PRESBÍTEROS
REGENTES: (!?! – O autor está descrevendo as atribuições dos regentes??? ) 1) Alimentar a igreja: instruindo,
ensinando, doutrinando (o autor está afirmando que são funções dos regentes!?) ; 2) Indicar a direção a igreja:
dirigindo, governando, vigiando; 3) Proteger a igreja dos perigos do caminho, tais como precipícios e armadilhas; e
dos inimigos, especialmente de lobos vorazes revestidos de cordeiros; identificando e enfrentando os inimigos; e
exortando, repreendendo e disciplinando as ovelhas, com amor e firmeza, para o bem delas mesmas; e 4) Cuidar
(apascentar) a igreja, o rebanho (espiritualmente): alimentando com a Palavra e com a ministração dos sacramentos
(regentes?!?) (os meios de graça para o crescimento). Curando as enfermas (diagnosticando as enfermidades
espirituais e prescrevendo o tratamento necessário). E confortando e encorajando as que estão sofrendo (motivando-
as a seguirem em frente), etc.
A Igreja Presbiteriana do Brasil define o presbítero regente nos seguintes termos:
O Presbítero regente é o representante imediato do povo, por este eleito e ordenado pelo Conselho, para,
juntamente com o pastor, exercer o governo e a disciplina e zelar pelos interesses da igreja a que pertencer,
bem como pelos de toda a comunidade, quando para isso eleito ou designado.105
E resume suas atribuições, dizendo:
Compete ao Presbítero: levar ao conhecimento do Conselho as faltas que não puder corrigir por meio de
admoestações particulares; auxiliar o pastor no trabalho de visitas; instruir os neófitos, consolar os aflitos e
cuidar da infância e da juventude; orar com os crentes e por eles; informar o pastor (aqui a palavra “pastor”
está sendo usada com o sentido anteriormente negado pelo autor) [ministro da palavra] dos caso de doenças e
aflições; distribuir os elementos da Santa Ceia; tomar parte na ordenação de ministros e oficiais; e representar
o Conselho no Presbitério, este no Sínodo e no Supremo Concílio.106
Samuel Miller, um dos mais influentes ministros presbiterianos do século passado século XIX,107 escreveu um
clássico sobre o ofício de governo, intitulado O Presbítero Regente. Neste livro ele classifica as atribuições dos
presbíteros regentes em duas esferas: públicas ou formais e privadas. A primeira esfera inclui a participação deles
no conselho da igreja:
Este corpo de presbíteros, com o pastor como cabeça e presidindo as reuniões (docente e regentes tem a
mesma autoridade? Por que a presidência não pode ser rotativa? O governo aí exposto não é presbiteriano,
mas sim episcopal – na realidade o pastor é um bispo. Veja como a afirmação é semelhante às de Inácio de
Antioquia: “Vosso presbitério (...) está unido ao bispo, assim como as cordas à cítara “De fato,
eu soube que vossos santos presbíteros (...) como gente sensata em Deus, se submetem a ele
[ao bispo], não a ele, mas ao Pai do bispo de todos, Jesus Cristo), formam um concílio judicial,
pelo qual todos os interesses espirituais da congregação devem ser supervisionados, regulados, e
autoritativamente determinados... Ao conselho da igreja, compete fechar e abrir; admitir à comunhão da igreja,
com todos os seus privilégios; tomar conhecimento de todos os desvios da pureza de fé ou prática; julgar,
censurar, inocentar, ou afastar da comunhão aqueles que forem culpados de ofensas; considerar e decidir
sobre todas as questões relacionadas a hora, lugar, e circunstâncias de culto, e outras questões espirituais...108
A segunda esfera de atividades, inclui:

105
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, Art. 50.
106
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, Art. 51.
107
Miller foi pastor de uma igreja presbiteriana em New York, moderador e membro da comissão de governo da
Igreja Presbiteriana da América, e professor de História Eclesiástica e Governo Eclesiástico por trinta e cinco
anos no Seminário de Princeton.
108
Samule Miller, The Ruling Elder.

26
...a supervisão e cuidado sobre todos os membros da congregação... É dever deles atentar para o caso
daqueles que estão seriamente dispostos a considerar o estado eterno deles — a conversar com eles,
fornecendo periodicamente informações sobre eles ao pastor (ao pastor, e não aos demais presbíteros). É
dever deles observar e admoestar em privado aqueles que parecerem estar se tornando descuidados e caindo
em hábitos faltosos. É dever deles visitar e orar com os enfermos, até onde as circunstâncias permitirem, e
solicitar a atenção do pastor sobre pessoas doentes, ou que estiverem morrendo, quando oportuno e
recomendável.
É incumbência deles assistir o pastor (o presbítero regente é um “auxiliar” do docente?) a manter reuniões
públicas de oração; a participar na condução de exercícios devocionais nestas reuniões; presidi-las, quando o
pastor estiver ausente; e, se tiverem dons para tal, dirigir ocasionalmente, sob a direção do pastor , uma
palavra de instrução e exortação ao povo nestas reuniões públicas...
Também é dever dos presbíteros regentes, visitar os membros da igreja e suas famílias,... conversar com eles;
instruir os ignorantes; confirmar os vacilantes; alertar os descuidados; recuperar os desviados; encorajar os
tímidos; e estimular e animar todas as classes de membros a desempenharem fiel e exemplarmente os seus
deveres. É obrigação deles consultarem freqüente e livremente o pastor com relação ao bem do rebanho a eles
confiados; ajudá-lo a planejar e executar planos com vistas ao bem-estar da igreja; informá-lo freqüentemente
de tudo o que possa ajudá-lo a desempenhar seus vários e monumentais deveres; aconselhá-lo
respeitosamente; apoiá-lo com a influência que tiverem; defender sua reputação; corroborar suas justas
admoestações; e, em resumo, de todos os modos ao alcance deles, promover o bem dele e estender a utilidade
dos labores dele.109 (Torna-se evidente pelos trechos sublinhados da citação que a vida da igreja orbita, em
última análise, em torno de um único homem: o pastor. Os presbíteros são, de acordo com o texto, meros
assistentes do Docente. São seus “auxiliares”. O conselho funcionaria, dessa forma, como uma espécie de
órgão de “staff” do pastor; Docentes e Regente não são co-iguais, mas assessores do presidente. Esta citação
não nega as afirmações anteriores do autor?)
É evidente, pelo que foi dito, a importância do ofício dos presbíteros regentes para a edificação da igreja local.
A supervisão, o cuidado e o ensino da igreja é um obra de fato monumental, e só por meio de uma pluralidade de
homens moralmente íntegros, espiritualmente qualificados e doutrinariamente capacitados pode ser levada a efeito.
Por isso mesmo, aprouve a Deus instituir na igreja não um pastor, mas um colegiado de pastores para a edificação
espiritual do seu rebanho (Afirmações extraordinárias! As igrejas locais tem, de fato, um colegiado de pastores?! O
autor fala de pluralidade. Há pluralidade de pastores? Há que se definir o significado desta palavra, pois ela está
sendo usada no texto de forma ambivalente). John Owen, o Príncipe dos Puritanos escreveu:
[Que] diferentes dons são necessários para o ensino pastoral, por um lado, e para o governo prático, por
outro, é evidente: 1) Pela luz da natureza, devido à natureza diversificada da obra; e 2) Pela experiência.
Algumas pessoas são habilitadas para a dispensação da Palavra e doutrina, os quais não têm habilidade para
governar; enquanto que outros, são habilitados para governar, mas não têm dons para a tarefa pastoral da
pregação. Sim, muito raramente estes dois dons existem, com alguma eminência, numa mesma pessoa, ou
sem alguma evidente deficiência. A maioria daqueles que tentarem desempenhar todas as tarefas, não
conseguirão desempenhar bem nenhuma delas.110 (Mas não é exatamente isso o que os docentes fazem?
Exercem tanto o ministério de governo quanto o ministério da palavra? Os regentes podem decidir alguma
coisa sem a presença do docente? Não deve haver um “ad-referendum” na reunião seguinte? Algum regente
pode presidir as reuniões dos presbíteros? Se o autor concorda com a a afirmação de que só muito raramente
os habilitados para a dispensação da Palavra têm também habilidade para o governo, porque a constituição da
IPB prescreve que só o Ministro da Palavra pode presidir as reuniões do Conselho? De acordo com a
distinção feita pelas denominações presbiterianas presidir é habilidade do docente ou do regente?
Evidentemente do regente. Mas nesse ponto, ignora-se o que a doutrina presbiteriana ensina e o docente
assume como função privativa uma atribuição que é claramente do regente.

109
Ibid.
110
Citado por Mudo A. MacLeod, Presbyterianism.

27
Presbíteros Docentes (Ministros da Palavra)111
Terminologia Empregada
Já vimos que a distinção geralmente feita entre pastores e presbíteros não se justifica biblicamente: os termos
presbíteros, pastores e bispos, são empregados de modo intercambiável no Novo testamento, designando um mesmo
ofício de governo ou supervisão espiritual do rebanho.
O mesmo, entretanto, não ocorre com o termo mestre ), empregado três vezes no NT
designando uma função pública exercida na igreja primitiva,112 nas seguintes passagens:
Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene,
Manaém, colaço113 de Heródes, o tetrarca, e Saulo (At 13:1).
A uns estabeleceu Deus na Igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro lugar
mestres, depois operadores de milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.
Porventura são todos apóstolos? Ou todos provetas? São todos mestres? Ou operadores de milagres?...
Entretanto, procurai com zelo os melhores dons (1 Co 12:28-31).
E ele mesmo [Cristo] concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros
para pastores e mestres (Ef 4:11).114
Poder-se-ia, daí, concluir que Calvino, o Livro de Ordem de Genebra (de 1556),115 o Segundo Livro de
Disciplina da Igreja da Escócia (de 1578),116 e a Forma de Governo Eclesiástico Presbiterial, preparada pela
Assembléia de Westminster, entre outros, estavam corretos ao considerarem o ofício de mestre um ofício distinto? Há
razões para crermos que não:
Primeiro, porque nenhum destes textos distingue claramente o ofício de mestre das demais terminologias
(presbítero, pastor, bispo) empregadas para designar o ofício de governo ou supervisão espiritual: O primeiro texto
faz referência apenas à profetas e mestres. O segundo, a ofícios temporários e dons em geral. E o terceiro, a
construção gramatical (outros para pastores e mestres), parece incluir os dois termos como funções de um mesmo
ofício.
Segundo, porque não há instruções distintas no NT com relação à instituição e qualificações exigidas desses
oficiais, como encontramos com referência aos bispos e diáconos.
O termo parece designar, portanto, mais propriamente uma função do ofício de governo ou supervisão
espiritual; especialmente quando consideramos que o apóstolo Paulo de fato distingue duas classes de presbíteros
dignas de especial honra, ou remuneração: os presbíteros que governam bem, e os presbíteros que se afadigam na
palavra:
Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários117 os presbíteros que presidem bem, com especialidade
os que se afadigam na palavra e no ensino (1 Tm 5:17-20). Se 1 Tm 5.17 dá margem para supor
distinção, 1 Ts 5.12 – “acateis com apreço (...) os que vos presidem no Senhor e
vos admoestam” – mostra que essa distinção não existe. Note que não se diz: “o
que vos preside e admoesta”, como se fosse uma única pessoa a ter ambas as
funções. Nem tampouco: “os que vos presidem e o que vos admoesta”, supondo
haver um grupo que preside e uma pessoa que ensina. O texto mostra um
mesmo grupo fazendo as duas coisas.

111
Ler Atos 18:1; 1 Coríntios 12:28-31; Efésios 4:11; 1 Timóteo 3:14-15.
112
O termo também é empregado com ralação aos mestres judaicos (Lc 2:46; Jo 3:10); a João Batista (Lc 3:12);
a Jesus (Jo 3:2,10; 11:18; 13:13,14; etc.); ao apóstolo Paulo (1 Tm 2:7; 2 Tm 1:11); e a falsos mestres (2 Tm
4:3).
113
Amigo íntimo, alguém criado juntamente com outra pessoa (grego: ).
114
Em Tiago 3:1 o termo também é empregado com relação aos membros da igreja primitiva, mas,
provavelmente no sentido genérico, e não técnico: “Meus irmão, não vos torneis, muitos de vós, mestres,
sabendo que havemos de receber maior juízo”.
115
Ver os quatro primeiros títulos de The Genevan Book of Order; The Form of Prayers and Ministration of the
Sacraments, etc. Used in the English Congregation at Geneva (1556).
116
Capítulo II:6.
117
Ou honra (.

28
Este texto parece indicar que a função do ensino da Palavra de Deus é mais uma especialização do ofício de
governo do que um ofício distinto. Dentre os presbíteros que pastoreiam a igreja, supervisionando o rebanho, são
dignos de dobrada honra os que governarem bem, especialmente os (repare ambos os plurais. É comum haver um
grupo de presbíteros numa igreja local que se dediquem à pregação?) que se afadigam na palavra e no ensino (os
mestres).
Retiro do meu texto: “... os termos que se referem à liderança estão sempre
no plural. Não há uma única palavra sobre qualquer tipo de ascendência de um
presbítero sobre os demais. Mesmo em 1 Tm 5.17 onde alguns parecem ver uma
distinção entre presbíteros que presidem e os que pregam e ensinam (se bem
que essa distinção pode ser ditada pela aptidão natural que fará uns se
destacarem mais na pregação, outros no ensino, outros na administração, etc.), a
única diferença é o honorário. Estes textos não suportam o peso da separação tão
grande e nítida, como a que é feita atualmente entre pastor e presbítero. O texto
não diz que aqueles presbíteros que venham a se distinguir por uma maior
aptidão à pregação e ao ensino terão algum tipo de privilégio no governo que os
demais não terão ou alguma ascendência sobre ou outros presbíteros, nem
mesmo algum tipo de atribuição exclusiva, como batizar ou presidir a ceia.”

Natureza, Qualidades e Atribuições


Seja considerado como ofício distinto, ou como uma função especial do ofício dos presbíteros, a terminologia
empregada: mestres, presbíteros que se afadigam na Palavra e no ensino, indica a natureza da função exercida por
esses oficiais na igreja: o ensino na Palavra de Deus. Por isso são chamados de presbíteros docentes, ou ministros
da Palavra (Verbi Domini Minister). Afirmação de Girardeau: “Este, portanto, é o escopo da poder decisório da
igreja na esfera de governo: Ela não pode acrescentar nem subtrair nada ao que Cristo ordenou nas
Escrituras.” Porém a igreja está acrescentando às escrituras quando usa uma nomenclatura que lá não existe para
distinguir fortemente os presbíteros e para atribuir a um presbítero uma imensa carga de autoridade (e autonomia) e
para conferir-lhe funções exclusivas. Deveria haver pelo menos a honestidade e clareza que MacArtur teve ao
afirmar que a igreja é governada pelos melhores e presidida pelo melhor entre os melhores.
Aos ministros da Palavra, compete especialmente, portanto, a difícil e honrosa função de estudar e ensinar a
Palavra de Deus à igreja, com vistas à edificação espiritual do corpo de Cristo (Ef 4:11ss). Na condição de
presbítero, pastor ou bispo, eles compartilham com os demais das mesmas obrigações: o governo (supervisão)
espiritual público e privado do rebanho. E tudo o que foi dito com relação aos presbíteros regentes (os ministros do
governo), se aplica aos presbíteros docentes (os ministros da Palavra). (Notável! Esta afirmação delimita a direção
da hierarquia. No contexto presbiteriano não há como fazer esta afirmação no sentido inverso, ou seja, tudo o que se
aplica aos docentes também se aplica aos regentes! Mas, ao mesmo tempo o autor afirmou, no início desta seção que
a distinção geralmente feita entre pastores e presbíteros não se justifica biblicamente).
Em adição à estas funções de supervisão espiritual do rebanho, compete-lhe, especialmente, o estudo, a
proclamação, o ensino e a preservação da Palavra de Deus. E esta é uma função que requer dedicação e tempo para
que seja bem desempenhada. Sendo tão importante, que mesmo os apóstolos não hesitaram em confiar a outras
pessoas (aos diáconos) o serviço de assistência, para poderem se dedicar especialmente à oração e ao ministério da
Palavra:
Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas. Mas, irmãos, escolhei dentre
vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço;
e, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra (At 2b-4).
A função de mestre é tão importante, que, nos textos que lemos, estão abaixo apenas dos ofícios
extraordinários (apóstolo, do profeta e, provavelmente do evangelista). Distinguia-se dos dois primeiros, por não
serem necessariamente inspirados; e do evangelista, por atuarem apenas no âmbito da congregação, especialmente na
edificação de igrejas já estabelecidas. (Outra afirmação extraordinária. A autoridade do presbítero limita-se à sua
congregação local. Sendo assim, como justificar presbitérios e sínodos permanentes? Qual a base bíblica para a

29
imposição da autoridade de um presbitério sobre as igrejas locais? A declaração de Savoy não parece estar mais
próxima do espírito do NT nesse ponto?
A tarefa dos ministros da Palavra, mesmo na igreja primitiva, era de ensinar à igreja as verdades que
aprendiam das Escrituras (não necessariamente recebidas diretamente da parte de Deus, como os profetas). E deles
se espera que se dediquem à sua função específica: o ensino, “o que ensina, esmere-se no fazê-lo” (Rm 12:7) e que o
façam ‘‘de acordo com os oráculos de Deus’’ (1 Pd 4:11).
As qualificações exigidas para o exercício da função de Ministro da Palavra, são as mesmas exigidas para os
presbíteros regentes; (Mais uma afirmação muito séria. Se as qualificações para o “Ministério da Palavra” são as
mesmas para os demais presbíteros (inclusive capacidade para ensinar), como não chegar a conclusão que o NT não
faz a distinção as denominações presbiterianas fazem entre docente (no singular) e regentes (no plural)? O NT
afirma que o presbítero tem que ter aptidão para ensinar. Esta aptidão é que faz a diferença entre presbíteros e
diáconos (e não entre “docente” e “regentes”). descritas especialmente em 1 Timóteo 3:1-7 e Tito 1:5-9a: integridade
moral (conduta, santidade), conhecimento da Palavra (doutrina), e aptidões naturais (para governar e ensinar);
qualidades que envolvem a vida familiar (governar bem a própria casa) e a experiência cristã (não ser neófito). Em
virtude da função específica que exercem, são indispensáveis: o dom da interpretação, do discernimento, o
conhecimento da Palavra, e a aptidão para o ensino: “Porque é indispensável que o bispo (autor havia ligado a
palavra “bispo” ao regente, agora a aplica ao docente) seja... apegado à palavra fiel que é segundo a doutrina, de
modo que tenham poder, assim para exortar pelo reto ensino como para convencer os que contradizem.’’ (Tt 1:9);
alguém que “maneja bem a palavra da verdade” (2 Tm 2:15). (Afinal, quem tem que ser apegado à palavra.? Quem
tem que manejar bem a palavra da verdade? O docente somente?)
A Igreja Presbiteriana do Brasil define o ministro da Palavra como:
...o oficial consagrado pela Igreja, representada no Presbitério, para dedicar-se especialmente à pregação da
Palavra de Deus, ministrar os sacramentos, edificar os crentes e participar com os presbíteros regentes, do
governo e disciplina da comunidade. (ou seja, o regente só pode governar, mas o docente pode fazer ambas as
coisas)118
Prezado irmão Manoel Canuto,
Você afirmou: “Se todos que desejarem fundar uma igreja, porque estão decepcionados com sua igreja, como
será? Uma em "cada esquina"? ”
Lembro que li em “Santos no Mundo” que o quadro eclesiástico entre eles principalmente na Inglaterra é o
que se poderia chamar “caótico”. Então se for uma igreja em cada esquina estaremos honrando a melhor
tradição puritana !
Mas trata-se de muito mais do que mera decepção: Trata-se da obrigação de deixar uma denominação onde as
marcas da verdadeira igreja não estão sendo vistas. E como diz a confissão escocesa: “Onde quer que essas
marcas se encontrem e continuem por algum tempo — ainda que o número de pessoas não exceda de duas ou
três — ali, sem dúvida alguma, está a verdadeira Igreja de Cristo...”
Então que haja uma verdadeira igreja em cada esquina. E possa haver entre elas a verdadeira unidade, que
provém de um apego à verdadeira doutrina.
Aqui em Maricá ao nos reunirmos para definir o nome da igreja decidimos por “Reformada” (ou seja, somos
calvinistas) e “Presbiteriana” (a forma de governo). Nesta ordem: 1º a doutrina calvinista e 2º o governo
presbiteriano. E, antes de tudo, “Igreja”. Cremos que a amplitude da doutrina calvinista é mais importante do
que a forma de governo (por isso não somos Presbiterianos Reformados, mas Reformados Presbiterianos). A
forma de governo é suficientemente importante para fazer parte do nosso nome, mas antes disso queremos ter
comunhão com todos os calvinistas, independentemente do fato da forma de governo que adotarem. Porém
sustentamos que nossa forma de governo é bíblica e queremos manter nossa autonomia como igreja
“Presbiteriana”. Lembrando Lloyd-Jones:
... a fé reformada rejeita esta pseudo unidade externa institucional que se dá em detrimento da doutrina. E
professa que a unidade da igreja só pode manifestar-se externamente, como conseqüência da maturidade
dos seus membros no conhecimento e submissão à vontade de Deus revelada na sua Palavra. “Um apego
às Escrituras e uma determinação de buscar graça para resolver dificuldades à luz delas é a única base
segura de unidade eclesiástica.
118
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil, Art. 30.

30
Repare que Paulo Anglada ao voltar-se para as escrituras somente, chegou às mesmas conclusões a que
cheguei. Porém quando se voltou para a Constituição parece que o peso da tradição manifestou-se. Há pouco
tempo vi um padre pregando na Rede Vida; exaltou a Cristo como um evangélico. No fim do sermão voltou-se
para Maria. Pesou a tradição. Claro que o erro do padre é muito mais grave. Mas, pelo menos os romanos
admitem claramente que a tradição para eles tem o mesmo peso que as Escrituras.
Não desdenho da nossa “tradição” protestante. Considero importantíssimos os catecismos e as confissões
produzidos por nossos antepassados. Mas essa mesma tradição afirma que não tem autoridade em si. Sua
autoridade é derivada das Escrituras. Fiquei preocupadíssimo quando me afastei do que dizem as confissões, a
respeito ao governo da igreja. Sempre penso que entre eu e aqueles santos do passado, o mais provável é que
eu esteja errado. Porém, como você esperava, esse trabalho “clareou” o meu pensamento. Soube também que
nos EUA existem igrejas calvinistas com o mesmo tipo de governo que advogo. Aqui no Brasil conheço uma
no Paraná, inclusive os presbíteros dessa igreja são freqüentadores do Simpósio.
Não desdenho a erudição. Quisera ser um deles. Saber grego e hebraico, ter mestrado e doutorado... Mas não
concordo que pelo fato de um presbítero ter feito seminário, ou ter doutorado, isso o torne “o principal”, “o
mais importante” (Art. 37 da constituição da Igreja Presbiteriana Conservadora: O
ofício de ministro é o primeiro da Igreja em dignidade e utilidade).
Você mesmo poderia estar sendo útil numa congregação local, pregando a palavra, instruindo os
cristãos. Certamente seria muito mais útil do que muitos ministros impregnados da doutrina liberal dos
seminários. Mas como é “regente”... Pertencia ao presbitério do Rio na época em que Neemias Marien
foi julgado por realizar um culto em memória de Glauber Rocha. Em que deu? Em nada. No meu último
presbitério (presbitério de Alcântara) apresentamos provas incontestáveis do comportamento desonesto,
desequilibrado e irascível do pastor. Lutamos durante 9 longos meses enquanto o Tribunal se arrastava
pachorrentamente sem nem ao menos afastar o pastor da igreja (que estava com o mandato vencido)
durante o julgamento. Por fim, quando ele foi despojado do ministério a igreja local estava praticamente
destruída. Alguns membros que foram atrás do pastor (um homem eloqüente e sedutor) fizeram um
abaixo-assinado ao presbitério pedindo a destituição dos presbíteros. Uma semana depois, sob o
argumento que a igreja “estava ingovernável” o presbitério a rebaixou a congregação presbiterial. Não
éramos mais presbíteros. Para disciplinar um pastor claramente nocivo: 9 meses. Para livrarem-se de 4
presbíteros incômodos: uma semana. Logo depois o Presbitério de Alcântara se desmembrou. Como
não havia nº de igrejas suficientes a congregação presbiterial de Maricá tornou-se novamente
“governável”. Providenciaram rapidamente a eleição de 3 novos “presbíteros” e a, agora, Igreja de
Maricá tornou possível o desmembramento. Quem fez isso? O presbitério? Conheço o presbitério. O
presbitério são os docentes. Os regentes são assistentes passivos e sem força que não decidem nada, só
dizem “amém” aos docentes.
Veja mais uma vez a citação de “Porque somos Presbiterianos”:
“Segundo nosso sistema de governo, e muito bíblico (sic) como estamos percebendo, não há distinção
alguma entre os oficiais em estudo, no que respeita a sua dignidade. Apenas a ordem dos presbíteros, à
semelhança do que se dava na Igreja primitiva, se desdobra em duas classes (presbíteros regentes e
docentes), para facilitar a consecução da obra.”
Infelizmente, meu irmão, quando há “apenas o desdobramento em duas classes” da ordem dos
presbíteros, o governo, na prática tende a deixar de ser presbiteriano para ser “reverendiano”.

Um abraço fraternal.
Túlio

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