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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO AO MERCADO FINANCEIRO

Este capítulo apresenta uma visão geral do mercado financeiro, suas principais divisões,
bem como uma noção histórica da unidade básica do mercado financeiro – a moeda.
Nesse sentido, os mercados monetário, cambial, de crédito e de capitais serão
identificados e discutidos brevemente, sendo mais aprofundados nos capítulos
seguintes. A evolução histórica e o papel da moeda como componente fundamental do
mercado financeiro também serão tratados neste tópico.

Os principais objetivos de aprendizagem deste capítulo podem ser resumidos nos


seguintes tópicos:

• O papel econômico da moeda

• A composição do mercado financeiro e a sua relação com a moeda

• A inflação e a taxa de juros como resultantes da moeda

• A evolução histórica da moeda brasileira


1. Conceitos e definições iniciais
Pode-se chamar de mercado financeiro ou bancário o conjunto de instituições e
operações ocupadas com o fluxo de recursos monetários entre os agentes econômicos.
Basicamente, é o mercado de emprestadores e tomadores de empréstimos, sendo que o
valor da remuneração desses empréstimos é chamado de juros ou, em termos
percentuais, de taxa de juros. Essa taxa representa, em dado período, a remuneração
relativa que os emprestadores obterão e o custo relativo com que os tomadores de
empréstimos terão de arcar.

As instituições que desempenham essa função de criação de mercado, reunindo


tomadores e emprestadores, ou operadores, são denominadas intermediários
financeiros. Os corretores e os bancos são exemplos de intermediários financeiros no
mundo moderno. Os depositantes de um banco lhe emprestam dinheiro, e este, por sua
vez, faz empréstimos com os fundos nele depositados. Essencialmente, o banco é um
intermediário entre os depositantes e os tomadores finais de recursos. Para fazer o
mercado, é preciso assegurar que este último se equilibre. Para haver equilíbrio do
mercado, é necessário igualar o volume total que as pessoas desejam emprestar ao
volume total que as pessoas desejam tomar emprestado.

Também é fundamental compreender que o equilíbrio do mercado está ligado ao valor


das taxas de juros, ou seja, taxas de juros mais elevadas incentivam os emprestadores
(poupadores) a depositar mais recursos nos bancos com o objetivo de receber a
remuneração proporcionada por essa taxa. Por outro lado, se as taxas de juros caírem de
forma representativa, esses emprestadores (poupadores) não serão estimulados a
depositar seus recursos no banco por saber que seus rendimentos são, agora, menores.
Portanto, o mercado precisa encontrar a taxa de juros de equilíbrio, isto é, a taxa que
os emprestadores desejam fornecer precisa ser exatamente igual à taxa que os tomadores
desejam captar.

Essa intermediação financeira se desenvolve de forma segmentada, com base, pelo


menos, em quatro subdivisões estabelecidas para o mercado financeiro:

• Mercado monetário

• Mercado de crédito

• Mercado de câmbio

• Mercado de capitais

• Mercado de derivativos

• Outros mercados

Apesar de respaldarem o estudo do mercado financeiro, esses segmentos costumam se


confundir na prática, permitindo que as várias operações financeiras interajam por meio
de um amplo sistema de comunicações.
O mercado financeiro apresenta uma referência comum para as diversas negociações
financeiras: a taxa de juros, entendida como a moeda de trocas desses mercados.

O mercado monetário envolve as operações de curto e curtíssimo prazo,


proporcionando um controle ágil e rápido da liquidez da economia e das taxas de juros
básicas pretendidas pela política econômica das autoridades monetárias. É o mercado de
títulos de alta liquidez.

O mercado de crédito engloba as operações de financiamento de curto e médio prazo,


direcionadas aos ativos permanentes e ao capital de giro das empresas. Esse mercado é
constituído, basicamente, pelos bancos comerciais e sociedades financeiras.

O mercado de câmbio abrange as operações de conversão (troca) de moeda de um país


pela de outro, determinada por diversas modalidades de transferência de recursos, como
empréstimos, investimentos, remessa de lucros e comércio internacional, e por
operações especulativas em moeda estrangeira.

O mercado de capitais assume papel dos mais relevantes no processo de


desenvolvimento econômico. É – ou deveria ser – o grande municiador de recursos
permanentes para a economia, em virtude da ligação que efetua entre os que têm
capacidade de poupança – os investidores – e aqueles carentes de recursos de longo
prazo, isto é, que apresentam déficit de investimento. O Mercado de Capitais está
estruturado de modo a suprir as necessidades de investimentos dos agentes econômicos
através de diversas modalidades de financiamento de médio e de longo prazo para
capital de giro e capital fixo. É constituído por instituições não bancárias, instituições
componentes do sistema de poupança e empréstimo (SBPE) e diversas instituições
auxiliares.

O mercado de derivativos é formado por contratos privado, entre duas ou mais partes,
cujo valor é quase todo derivado do valor de algum ativo, taxa referencial ou índice-
objeto como uma ação, título, moeda ou commodity. Os contratos de derivativos
utilizam, portanto, um objeto de referência, do qual tais contratos derivam – daí o nome
derivativo – e funcionam somente em razão dessa referência. Dividido em Futuros e
Opções, o mercado de derivativos cresce de forma excepcional no Brasil por meio da
Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), principal ambiente de negociação.
2. A moeda e o dinheiro
There is nothing about money that cannot be
understood by the person of reasonable
curiosity, diligence and intelligence.

John Kenneth Galbraith

Este tópico é dedicado a explorar as primícias do sistema financeiro mundial, bem como
apresentar, sob a ótica do observador apaixonado por finanças e economia, a evolução
histórica do dinheiro desde os tempos em que não havia sequer a noção de papel moeda
até os dias de hoje, quando as transações são feitas eletronicamente ao apertar de um
botão.

Como ficará claro nas páginas a seguir, o homem inicia sua jornada na terra
prescindindo da moeda para realizar suas transações econômicas e evolui a um estágio
tal, que, neste início de século XXI, alguns anteveem uma economia mundial em que o
dinheiro, como é conhecido atualmente, não terá a importância preponderante dos
últimos séculos.

2.1 As formas de troca


Nos primórdios da civilização, cada ser humano dependia quase que integralmente de
seu próprio esforço para a satisfação de suas necessidades. Isto é, se o indivíduo
desejasse um sapato, teria de confeccioná-lo com as próprias mãos; no momento de
fome, sua satisfação dependia de sua capacidade de pescar, caçar ou coletar; suas lanças
dependiam de sua habilidade em talhar a pedra e, em um momento posterior, em sua
habilidade de forjar metais. Naturalmente, era muito difícil que um indivíduo pudesse
dominar todas as técnicas envolvidas nessas atividades.

Gradativamente, ficou evidente que, se o homem dominasse uma tarefa, como


agricultura, artesanato, construção de casas, pesca, sapataria, alfaiataria, ou qualquer
outra atividade específica, tanto ele quanto a coletividade teriam um salto qualitativo em
relação ao período em que um indivíduo realizava todas essas atividades sem, contudo,
ser especialista em nenhuma delas.

Aquele que se empenhasse apenas em construir arreios para cavalos poderia se dedicar à
sua especialidade com maior afinco, possibilitando a produção de arreios melhores ou a
confecção de mais unidades por intervalo de tempo. Em outras palavras, a
especialização proporcionava, aos agentes econômicos, ganhos de produtividade e, com
o passar do tempo, fez com que o total produzido excedesse as necessidades do
consumo familiar.

Entretanto, o ferreiro que produzia lanças precisava se alimentar, o agricultor


necessitava de calçados, o lenhador demandava carroças para transportar madeira,
pessoas interessadas em ornar suas casas com pequenas obras de arte necessitavam dos
artesãos, o pastor de ovelhas demandava móveis produzidos pelo carpinteiro e assim por
diante.
Porém, como cada um desses agentes econômicos poderia adquirir itens de sua
necessidade se, naquele momento da história, não existia dinheiro ou moeda em
circulação? Enfim, como um artesão que produzisse copos e pratos de argila pagaria o
agricultor para obter um saco de arroz?

2.2 O escambo
Ora, a solução natural para esse artesão era pagar com sua produção excedente de copos
e pratos de argila ao agricultor. De maneira similar, o alfaiate poderia adquirir lenha
para se aquecer no inverno pagando ao lenhador com roupas. Esse tipo de transação, por
meio do qual os agentes econômicos trocam mercadorias, é conhecido como escambo.

O escambo foi muito utilizado nas comunidades mais antigas e, em grau menor,
continua sendo praticado até hoje em sociedades de economias pouco sofisticadas, ou
naquelas com escassez de dinheiro.

Porém, esse tipo de transação comercial possui deficiências intrínsecas. A primeira


delas é que, para ocorrer o escambo, é necessário haver a coincidência de interesses. Por
exemplo, para que o artesão adquira o saco de arroz do agricultor, este precisa estar
disposto a receber pelo arroz, copos e pratos de argila.

Adicionalmente, o consumo de arroz, ao menos em tese, é muito mais recorrente que a


necessidade de se trocar utensílios domésticos, como pratos e copos, significando que
uma segunda compra de arroz do mesmo vendedor, sendo o artesão o comprador,
dificilmente vai se repetir. Isso já representa um custo de transação, pois o artesão terá
de despender esforços até encontrar outro agricultor disposto a aceitar copos e pratos de
argila como forma de pagamento por um saco de arroz.

O segundo inconveniente é a dificuldade de se estabelecer preços para os diversos bens


transacionados. Considerando uma situação em que o lenhador esteja acostumado a
pagar com uma carroça cheia de madeira cinquenta quilos de trigo e que o alfaiate
pague por igual quantidade de trigo com dez calças, conclui-se que, numa comunidade
como essa, vigoram os seguintes preços:

 cinquenta quilos de trigo equivalem a uma carroça cheia de madeira;

 cinquenta quilos de trigo equivalem a dez calças;

 uma carroça cheia de madeira equivale a dez calças.

Portanto, em uma economia baseada no escambo, que possua três tipos de mercadorias
transacionadas, há três preços vigentes no mercado.

Se o agricultor aceitar um par de botas em troca de cinquenta quilos de trigo, então,


nessa comunidade, vigorarão os seguintes preços:

 cinquenta quilos de trigo equivalem a uma carroça cheia de madeira;

 cinquenta quilos de trigo equivalem a dez calças;

 cinquenta quilos de trigo equivalem a um par de botas;


 uma carroça cheia de madeira equivale a dez calças;

 uma carroça cheia de madeira equivale a um par de botas;

 dez calças equivalem a um par de botas.

Ou seja, em uma economia baseada no escambo, com 4 tipos de mercadoria, há 6 preços


vigentes nessa pequena comunidade.

A complexidade no estabelecimento de preços decorre do fato de que cada mercadoria


deve ser precificada de acordo com as demais. Isso significa que, em um mercado com
N × ( N − 1)
N produtos, haverá preços. Portanto, em uma comunidade com 30
2
mercadorias transacionadas, vigorarão 435 preços. Se, contudo, a economia da
comunidade tiver 500 bens, vigerão 124.750 preços! Essa quantidade ainda assim é uma
estimativa modesta, pois, naquela época, assim como hoje, não havia uma padronização
das mercadorias ofertadas.

O terceiro grande problema de uma economia amparada no escambo é a impossibilidade


de se fracionar alguns bens. Como um fabricante de carroças fará para adquirir três
frangos? Ou, retomando o exemplo anterior, em que um par de botas comprava dez
calças, como o sapateiro poderia comprar apenas uma calça?
2.3 O surgimento do dinheiro

I understand the history of money.When I get


some, it's soon history.

Alan Greenspan

Conforme evidenciado, a especialização proporcionou aos agentes econômicos ganhos


de produtividade que, em certa altura, o total produzido já excedia as necessidades do
consumo familiar. Esses excedentes impulsionaram a adoção do escambo como forma
de viabilizar as transações econômicas. Essa elementar forma de comércio, encontrada
ainda hoje, foi fundamental para o desenvolvimento econômico nos primórdios da
civilização humana. Porém, os custos de transação, inerentes a essa forma de troca,
pressionaram a civilização a encontrar um meio mais eficiente para auxiliar nas suas
transações.

Não há dúvida de que o modo mais adequado de viabilizar as transações é o dinheiro,


que, imediatamente, elimina a necessidade de coincidência de interesses, reduz a
quantidade de preços em vigor na comunidade a um número idêntico à quantidade de
bens transacionados, além de ser utilizado como reserva de valor.

Naturalmente, a introdução do dinheiro na civilização não se deu sob a forma das


cédulas conhecidas hoje, mesmo porque isso não era tecnologicamente possível.
Naquela época, para um bem ser utilizado como dinheiro e ser aceito na troca por algum
produto, deveria reinar um clima de confiança na sociedade, de tal sorte que o dinheiro
recebido por uma transação poderia ser prontamente aceito pelos demais fornecedores
de bens ou serviços.

Nos primórdios da civilização, essa confiança era possível graças ao valor intrínseco do
material utilizado como dinheiro. Eis o motivo das moedas primitivas terem sido
cunhadas com ouro, prata, ou qualquer outro material de valor.

Além dos metais preciosos, há registros históricos de que algumas comunidades antigas
utilizaram outros materiais como dinheiro, tais como: conchas, pérolas, chá, couro,
gado, sal, açúcar e até mesmo fumo. No Brasil, o uso de mercadorias como moeda já
ocorreu, inclusive atendendo a determinações legais. Em 1614, o governador do Rio de
Janeiro estabeleceu que o açúcar fosse utilizado como moeda legal, obrigando os
comerciantes a aceitá-lo como pagamento. Em 1712, por força de lei, o algodão era a
principal moeda do Maranhão. Talvez, o exemplo mais contundente de exploração
humana tenha sido a utilização de escravos como moeda para o pagamento de dívidas e
compra de outros ativos. Segundo Darcy Ribeiro, o valor do índio escravo podia chegar
a 20% do preço de um negro.

O dinheiro de metal conseguiu reunir outras condições que tornaram seu uso corrente,
fazendo desaparecer aos poucos a troca de mercadorias. Propriedades, como o
entesouramento, permitiram que a moeda se tornasse reserva de valor; sua divisibilidade
foi possibilitada por moedas de pesos e dimensões distintas; a facilidade de transporte e
a beleza foram outras qualidades que fizeram com que os metais passassem,
paulatinamente, a ser o padrão de valor. Há registros de que, em 2.500 a.C., os egípcios
produziam anéis de metal utilizados como moeda.
O Código de Hamurabi, datado de cerca de 1.780 a.C., em seu artigo 17o, faz menção ao
dinheiro feito de prata quando prevê que, se alguém encontra um escravo ou escrava
fugitivos em terra aberta e devolvê-los a seus mestres, eles devem pagar à pessoa dois
shekels de prata.

Já em 700 a.C., um povo localizado na Lídia – onde hoje é a Turquia – se tornou o


primeiro do mundo ocidental a cunhar moedas. O historiador grego Heródoto,
escrevendo no século quinto a.C., exaltou o fato dos Lídios serem a primeira civilização
conhecida a cunhar moedas feitas de uma liga de prata e ouro. Essa liga, conhecida pelo
termo em latim – electrum –, foi utilizada para cunhagem de moedas que possuíam
inscrições em apenas um lado.

Moeda lidiana (Turquia Ocidental), 700-637 a.C.

Adicionalmente, as moedas de metal precioso e semiprecioso tinham seu apelo pela


durabilidade, facilidade de carregar e por serem visualmente atraentes.

Em síntese, a solução de utilizar a moeda de metal raro para auxiliar as transações


obteve sucesso porque agrupou as seguintes características:

• A moeda metálica podia ter sua qualidade padronizada. Nesse caso, uma moeda
de ouro tinha o peso e a pureza atestados por um agente que gozasse de
confiança, tal como o governo ou um banco;

• A moeda metálica era durável, ou seja, muito resistente, e podia conservar suas
características físicas por um grande intervalo de tempo;

• A moeda metálica tinha valor compatível com os atributos tamanho e peso;

• A moeda metálica era divisível, uma vez que era cunhada em diversos tamanhos,
pesos e medidas, possibilitando seu uso na aquisição de bens de grande e pouco
valor;

• E, acima de tudo, a moeda de metal possuía valor intrínseco.

Contudo, esse tipo de moeda apresentava sérios inconvenientes, particularmente os


relacionados com aspectos de segurança, pesagem, pureza e facilidade de transporte. Se
moedas de ouro são fáceis de transportar, por conseguinte, são fáceis de roubar. Quem
arriscaria transportar quilos de ouro em uma carroça com o objetivo de adquirir um bem
de grande valor? Na hora de se fechar o negócio, o vendedor teria que pesar o ouro e
atestar sua pureza. Ainda que moedas de ouro ou, até mesmo ouro em barra, fossem
ótimas reservas de valor, não era aconselhável guardá-las em casa.

Surgiram, então, instituições especializadas em guardar ouro de pessoas ou empresas


preocupadas com aspectos de segurança. Essas instituições funcionavam da seguinte
maneira: seus clientes depositavam ouro e, em troca, adquiriam um recibo comprovando
o depósito. Portanto, era muito mais seguro manter um recibo de um depósito de ouro
do que transportar ou guardar ouro em casa.

Uma consequência natural desse avanço foi a utilização desses recibos para aquisição de
mercadorias ou pagamento de contas. Ora, como o recibo não passa de um pedaço de
papel assinado por uma instituição, conclui-se que, a partir desse momento, surgiu um
tipo de dinheiro sem valor intrínseco.

Na verdade, a instituição em questão é o que se chama hoje de banco, e o recibo


consiste em uma cédula de dinheiro lastreado totalmente em ouro. A única premissa a
ser satisfeita é de que o vendedor que adquirir o recibo como forma de pagamento
acredite na veracidade do documento, bem como na solidez e reputação do banco que o
emitiu. Os bancos, portanto, tinham interesse em dizer aos quatro ventos o valor em
depósitos nos seus cofres com o objetivo de transmitir solidez. Nesse período, além de
cobrarem taxas para custodiar o ouro, os bancos auferiam receitas de juros ao emprestar
para clientes que necessitassem de dinheiro.

Portanto, um avanço formidável da história monetária foi a utilização das cédulas que
emergiram como um meio de troca e continuam sendo empregadas até hoje.

Os registros históricos indicam que a China foi a primeira a usar dinheiro de papel, o
que passou a ocorrer durante a Dinastia Tang (618-907). No período da Dinastia Ming,
em 1.300, os chineses puseram o selo e a assinatura de seus imperadores em um papel
feito de mulbery bark, tal como se vê na figura a seguir:

Cédula chinesa do tamanho de uma folha de caderno (1368-1399)

Nos tempos modernos, as cédulas são criadas de acordo com as necessidades detectadas
pelas autoridades monetárias dos países, representadas pelos respectivos bancos centrais
(assunto a ser discutido detalhadamente nos capítulos seguintes).
Recentemente, o Banco Central do Brasil passou a emitir notas de dois reais. Conhecido
como FED, o Banco Central americano, logo após sua criação, emitiu notas que iam de
um dólar até dez mil dólares!

Nota de dez mil dólares emitida em 1918

As cédulas e moedas, tanto no passado como atualmente, refletem a cultura e os valores


de um povo. É comum que haja efígies em homenagem a personalidades que marcaram
época, como é o caso de Santos Dumont, Barão do Rio Branco, Clarice Lispector e
Juscelino Kubitschek, no Brasil.

Apenas por curiosidade, nos Estados Unidos, a primeira moeda a apresentar a inscrição
In God We Trust data de 1864, sendo que, em 1955, foi aprovada uma lei determinando
que todo o papel-moeda a ser emitido devesse conter tal dizer.

2.4 Condições para aceitação da “moeda sem valor intrínseco”


Tanto as cédulas antigas quanto as atuais são desprovidas de valor intrínseco. Note que
a aceitação de cédulas ou moedas sem valor intrínseco é baseada exclusivamente na
confiança de que aquele objeto representa um bem de valor – tal como ouro –, ou uma
promessa de pagamento ao seu portador com a garantia de uma instituição confiável
como o governo ou um banco.

Atualmente, o dinheiro em circulação não é provido de valor intrínseco. Contudo, a


sociedade moderna espera que outras condições básicas sejam satisfeitas para que ele
tenha boa aceitação.

Essas condições exigem que o dinheiro sirva como:

• meio de troca: as moedas devem ser aceitas universalmente pelos agentes


econômicos em troca de mercadorias e serviços;
• unidade de conta: o valor dos bens e serviços pode facilmente ser expresso em
termos monetários. A unidade de conta serve também como denominador
comum para expressar o valor dos bens. É por esta propriedade que se pode
saber o valor monetário de bens totalmente diversos, tais como um avião, uma
tonelada de ouro, duas horas em uma seção de análise etc.;

• reserva de valor: os agentes econômicos devem sentir-se confortáveis guardando


sua riqueza na forma de moeda;

• pagamentos diferidos no tempo: a moeda deve ser capaz de ser utilizada como
medida para pagamentos futuros.

2.5 As várias formas do dinheiro


Muitos aspectos relacionados ao dinheiro já foram discutidos, porém, antes de avançar,
cabe perguntar: o que é dinheiro?

O Federal Reserve System apresenta a seguinte definição para dinheiro:

Anything that serves as a generally accepted medium of


exchange, a standard of value, and a means of saving or
storing purchasing power. In the United States, currency
(the bulk of which is Federal Reserve notes) and funds in
checking and similar accounts at depository institutions
are examples of money.

Pela definição do FED, nota-se que dinheiro é qualquer coisa aceita prontamente como
meio de troca e que sirva como padrão e reserva de valor. Uma definição mais sucinta
seria: dinheiro é um objeto que as pessoas estejam propensas a aceitar em contrapartida
de receber um bem ou serviço.

2.5.1 Moeda fiduciária e moeda-mercadoria


Foi visto que, nos seus primórdios, o dinheiro possuía valor intrínseco, o que exigia que
as moedas fossem feitas de ouro, prata ou qualquer outro bem valioso.

O dinheiro com valor intrínseco tinha seu poder de compra alterado dependendo das
circunstâncias. Na prática, seu valor nunca poderia ser inferior ao valor da commodity
da qual era feito e, frequentemente, coincidia com o valor da sua respectiva commodity.

Também foi mostrado que promessas de pagamento que gozavam de confiança


passavam a ser utilizadas como dinheiro. Essa confiança permitiu que bens com pouco
ou nenhum valor intrínseco, como papel, couro e moedas de metais ordinários
passassem a ser empregados como dinheiro.

Pelo exposto, conclui-se que é possível enquadrar o dinheiro presente nas economias em
duas categorias distintas:

• Dinheiro com valor intrínseco: conhecido como moeda-mercadoria ou


commodity money;
• Dinheiro sem valor intrínseco: conhecido como moeda fiduciária (fiat money).

Ambas as modalidades servem igualmente como meio de troca, reserva de valor e


unidade de conta.

Tanto a moeda fiduciária quanto a moeda-mercadoria podem ser tangíveis, tal como
uma moeda metálica ou uma cédula de papel ou plástico. Contudo, apenas a moeda
fiduciária, isto é, sem valor intrínseco, poderá ser intangível à medida que se tornar um
crédito em uma conta bancária ou poder de compra advindo de um cartão de crédito.

Atualmente, todo o sistema monetário moderno baseia-se em dinheiro sem valor


intrínseco. A viabilidade desse sistema repousa na política e nas ações do emissor da
moeda, normalmente representado pelo Banco Central do país.

No passado, virtualmente, qualquer banco que gozasse de boa reputação e conseguisse


transmitir uma idéia de solidez poderia emitir dinheiro. Nos modernos sistemas
financeiros, a única instituição habilitada a emitir dinheiro – license to print – é o banco
central do país.

Da mesma maneira que, nos primórdios do fiat money, a confiança na moeda repousava
na reputação do banco que o emitiu. Atualmente, a confiança e o real valor da moeda
dependem da capacidade dos Bancos Centrais em estabelecer políticas monetárias
consistentes.

2.5.2 Moeda conversível e totalmente lastreada


Foi visto que, no passado, os agentes econômicos utilizavam metais preciosos como
meio de pagamento. Ocorre que o transporte e a pesagem desses metais eram imprecisos
e perigosos. Então, as pessoas passaram a depositar quantidades de ouro sob a
responsabilidade de indivíduos de confiança, os quais entregavam recibos do ouro
depositados sob sua guarda, como comprovante dos depósitos.

Evolução foi a utilização dos recibos como forma de pagamento para compra de bens e
serviços. Daí surgiu a moeda fiduciária conversível e totalmente lastreada em ouro. Sob
essas circunstâncias, tem-se que:

• A moeda é conversível porque, a qualquer momento, seu detentor pode se dirigir


ao banco que emitiu o recibo e trocá-lo por ouro;

• A moeda é totalmente lastreada em ouro porque a soma do valor dos recibos


emitidos pelo banco corresponde exatamente à quantidade de ouro detida por
ele.

Em um regime monetário em que a moeda fiduciária é totalmente lastreada em ouro, ou


qualquer bem de valor, se todos os correntistas se dirigirem ao banco com o intuito de
trocar suas cédulas por ouro, o estabelecimento não terá problemas em fazê-lo.

2.5.3 Moeda conversível e fracionariamente lastreada


Os guardadores do ouro, isto é, os bancos, perceberam que poderiam utilizar o ouro
inativo sob sua custódia para multiplicar suas operações de empréstimo. Também
notaram que, do total do ouro depositado, apenas uma fração era requisitada por seus
donos. Dessa maneira, se o banco soubesse que, do total de depósitos em ouro, 10% em
média era requisitado em determinado intervalo de tempo, poderia emprestar o
equivalente a dez vezes o total de depósitos sob sua custódia.

Sob essas circunstâncias, tem-se que:

• A moeda é conversível porque, a qualquer momento, seu detentor pode se dirigir


ao banco que emitiu o recibo e trocá-lo por ouro;

• A moeda é fracionariamente lastreada em ouro porque a soma do valor dos


recibos emitidos pelo banco supera a quantidade de ouro que o estabelecimento
detém consigo.

Em um regime monetário no qual a moeda fiduciária é fracionariamente lastreada em


ouro, ou em qualquer bem de valor, se todos os correntistas quiserem trocar suas
cédulas por ouro, o banco não disporá de reservas suficientes para fazê-lo.

2.5.4 Moeda escritural


Hoje não mais vigora o padrão ouro, e apenas o banco central de cada país tem
permissão para imprimir o papel-moeda. Ou seja, os bancos centrais têm o monopólio
na emissão de moeda.

Ainda assim, os bancos comerciais conservaram a habilidade de criar dinheiro. Quando


um cliente deposita dinheiro (reserva) em sua conta corrente, este é denominado de
depósito à vista, que não é remunerado. Como os bancos sabem que apenas parte de
toda reserva a ele confiada nos depósitos à vista será utilizada pelos clientes, poderá
empregar essa reserva não utilizada como empréstimo para outros clientes, o que, por si
só, constitui a criação de moeda pelo banco. Portanto, diz-se que os depósitos à vista
confiados aos bancos e a outras instituições creditícias constituem moeda escritural, que
também é conhecida por moeda bancária.

Atualmente, com o auxílio da tecnologia, os correntistas dos bancos não necessitam


carregar dinheiro, uma vez que a maioria das transações são eletrônicas – via cartões de
débito, débito automático, transferências eletrônicas, DOCs e por intermédio de
cheques. Essas novas modalidades de transações, eletrônicas ou não, intensificaram o
uso da moeda escritural.

Já o cheque é uma ordem de transferência de depósito e não pode ser considerado


moeda. A primeira referência do cheque no Brasil apareceu em 1845, sob a
denominação de cautela por ocasião da fundação do Banco Comercial da Bahia. O
cheque só foi regulamentado pelo decreto n. 2.591, de 7 de agosto de 1912.

O emprego de cheque tem grandes vantagens em relação ao porte de moeda física, a


saber:

• Os cheques são mais difíceis de ser roubados e muito mais discretos. Imagine
como seria a situação do comprador de um carro de luxo se tivesse que efetuar o
pagamento carregando notas de dinheiro?
• Ainda que um cheque seja roubado, é possível contatar as autoridades e o banco
e cancelar os efeitos do roubo.

• No Brasil, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos1, graças ao moderno


sistema de compensação bancária, um cheque se transforma em reserva com
extrema rapidez, não interessando em que parte do país tenha sido emitido. Com
a introdução do sistema de pagamentos brasileiro, a ser discutido em capítulos
posteriores, o tempo que levará para compensar um cheque será ainda menor.

• O cheque pode ser emitido em qualquer quantia, dispensa o troco e economiza o


tempo da contagem do dinheiro.

• A utilização de cheques dá maior segurança a quem o emitiu na medida em que


pode ser utilizado para comprovar a realização de transações.

2.5.5 Moeda, meio de pagamento e meio circulante


Considerando o conceito de moeda, pode-se dizer que meio de pagamento consiste na
soma do papel-moeda em poder do público acrescida da moeda escritural ou bancária.

Outra visão igualmente interessante que envolve o meio de pagamento é considerar a


disponibilidade de moeda de um país como a soma da moeda pública – cédulas e
moedas metálicas em poder da população – com a moeda privada constituída dos
depósitos à vista nos bancos comerciais – moeda escritural ou bancária.

Outro conceito afim é o meio circulante, que consiste no conjunto de cédulas e moedas
com poder liberatório (inclusive comemorativas) de posse do público e dos bancos. O
poder liberatório nada mais é que a capacidade da cédula, ou moeda, de liberar débitos e
efetuar pagamentos.

Ora, uma vez que o meio de pagamento de um país é a soma da moeda pública –
cédulas e moedas metálicas em poder da população – acrescido dos depósitos à vista,
surge a necessidade de um organismo independente controlar o estoque de moeda em
circulação.

Note que o excesso de moeda em circulação pode criar inflação, tal como ocorreu no
Brasil por muitos anos. Por outro lado, a falta de moeda em circulação, como aconteceu
na Argentina no ano de 2001/2002, gera efeitos muito negativos.

O organismo com o dever de controlar a emissão de papel moeda e também de


estabelecer limites para a utilização da moeda escritural por parte dos bancos é
justamente o banco central do país. Ao conjunto de instrumentos que o banco central
utiliza para regular o estoque de moeda, dá-se o nome de política monetária, cujos
instrumentos clássicos são: assistência à liquidez, depósito compulsório e open market,
os quais serão explorados no capítulo 3.
1
Em 1927, por força do McFadden Act aprovado pelo congresso americano, foram estabelecidas muitas
restrições à expansão interestadual dos bancos. Dessa forma, ficou muito difícil para os bancos
americanos expandirem nacionalmente, tal como ocorre no Brasil. Portanto, a compensação de um
cheque emitido no norte ou leste dos Estados Unidos pode demorar uma semana ou mais se o banco
emissor for do sul ou oeste do país. As restrições do McFadden Act foram abrandadas por ocasião do
Branching Efficiency Act de 1994.
2.6 Os agregados monetários
Contudo, enxergar a moeda apenas como meio de pagamento é uma visão limitada da
realidade econômica. Os economistas encontraram uma definição mais ampla do que
vem a ser moeda e meio de pagamento. Para eles, o conceito latu senso de meio de
pagamento é encontrado nos agregados monetários M1, M2, M3, M4.

Nessa linha de pensamento, o Banco Central (Bacen) do Brasil considera os agregados


monetários por intermédio dos meios de pagamentos: M1, M2 M3 e M4. Nas suas
definições, o Bacen adota conceitos e definições internacionalmente aceitos e
fundamentados na teoria econômica. Adicionalmente, o próprio Bacen salienta a
existência de particularidades na abrangência, mensuração e convenções contábeis de
cada uma das variáveis que compõe cada tipo de agregado.

Em 2001, o Bacen atualizou e revisou os critérios de classificação dos meios de


pagamento: M1, M2, M3 e M4. Até esse mesmo ano, o Bacen utilizava, como critério
de ordenamento, o grau de liquidez e, a partir de então, passou a empregar como critério
os sistemas emissores dos meios de pagamento.

Critérios adotados antes de 2001

• O M1 compreende os passivos de liquidez imediata. É composto pelo Papel-


Moeda em Poder do Público (PMPP) e pelos Depósitos à Vista (DV).

– O PPMP é o resultado da diferença entre o papel-moeda emitido pelo


Banco Central do Brasil e a disponibilidade de “caixa” do sistema
bancário.

– Os DVs são aqueles captados pelos bancos criadores de moeda e


transacionáveis por meio de cheques. Compõem o grupo dos bancos
criadores de moeda, os bancos comerciais (inclusive o Banco do
Brasil), os bancos múltiplos e as caixas econômicas. Nesse segmento,
não são incluídas as cooperativas de crédito, em razão da
insignificância de seus depósitos, como também pela dificuldade de
obtenção global dos dados diários e mesmo de balancetes mensais. Os
depósitos do setor público estão incluídos nos depósitos à vista, com
exceção dos recursos do Tesouro Nacional, depositados no Banco do
Brasil.

• O M2 engloba, além do M1, os Fundos de Aplicação Financeira (FAF), os


Fundos de Renda Fixa de Curto Prazo (FRF-CP), os Fundos de Investimento
Financeiro de Curto Prazo (FIF-CP), os Depósitos Especiais Remunerados
(DER) e os Títulos Públicos (TP) da União, dos Estados e dos Municípios, que
se encontram em poder do público não-financeiro. Quanto aos Títulos Federais,
são considerados o total de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional e pelo Banco
Central do Brasil, excetuando-se o estoque desses títulos mantidos em carteira
no Banco Central, no sistema financeiro e nos fundos. No componente Títulos
Estaduais e Municipais, são considerados o total da emissão, subtraindo-se
aqueles em poder dos próprios emissores, em decorrência de operações de
recompra temporária comandadas pelo próprio governo, e aqueles mantidos
pelas instituições do sistema financeiro.

• O M3 inclui o M2 acrescido dos depósitos de poupança (integram esse


componente os recursos de associações de poupança e empréstimo).

• No M4 são incorporados, além do M3, os títulos privados compostos pelos


depósitos a prazo, letras de câmbio e letras imobiliárias e hipotecárias. Exclui-se
desse componente aqueles mantidos em carteira nas instituições do sistema
financeiro e nos fundos mútuos.

Critérios adotados após 2001

• O M1 não sofreu mudança conceitual, mantendo os mesmos critérios descritos


anteriormente.

• O M2 engloba o M1, além dos depósitos especiais remunerados, dos depósitos


de poupança (integram esse componente os recursos de associações de poupança
e empréstimo) e dos títulos emitidos por instituições depositárias.

• O M3 inclui o M2, acrescido dos fundos de renda fixa e das operações


registradas no Selic.

• No M4 são incorporados, além do M3, os títulos públicos de alta liquidez.

O Bacen aponta que os dados publicados sobre os agregados monetários referem-se ao


universo de instituições componentes do panorama bancário e provêm da contabilidade
do Banco Central do Brasil e da consolidação das informações dos bancos criadores de
moeda e das outras instituições bancárias, as quais são extraídas do Plano Contábil das
Instituições do Sistema Financeiro Nacional (Cosif).

2.7 A inflação
A inflação é um fenômeno monetário. Apesar de gerar certo debate acadêmico em
economia, essa afirmação é geralmente aceita como verdadeira pela maioria dos
autores. Em outras palavras, a inflação está intrinsecamente ligada à moeda e à política
monetária de uma economia.

A inflação pode ser definida, de forma sintética, como o aumento generalizado dos
preços de determinada economia. Em qualquer economia, alguns preços aumentam ao
longo de certo período de tempo, enquanto outros diminuem no mesmo período. A
inflação se caracteriza quando a maioria dos preços aumenta. Por outro lado, quando a
maioria dos preços diminui, observa-se uma inflação negativa, também conhecida
como deflação.

Diversas podem ser as causas da inflação, mas as três mais comuns são:

• Inflação de oferta: é gerada por significativo aumento de preços de algum


insumo de uso bastante relevante para certa economia, ocasionando aumento de
custos aos empresários, que, por sua vez, repassam, pelo menos em parte, essa
elevação de custos para os preços finais, produzindo inflação. Os insumos que
normalmente causam inflação de oferta são: petróleo, energia elétrica e taxa de
câmbio. No Brasil, houve inflação de oferta em 2002 provocada pela
desvalorização cambial da ordem de 53% entre janeiro e dezembro deste ano.
Essa desvalorização aumentou os custos das matérias-primas e bens importados
para as empresas nacionais, custo este pelo menos parcialmente repassado para
os preços finais.

• Inflação de demanda: é gerada pelo excesso de demanda na economia para o


qual não há possibilidade de ser totalmente atendido pela oferta. Esse fenômeno
geralmente ocorre por um aumento repentino do consumo na economia, muitas
vezes decorrente da elevação de renda. O Brasil sofreu esse fenômeno em alguns
planos econômicos, tais como o Plano Cruzado, em 1986, e no início do Plano
Real, em fins de 1994 e início de 1995. Devido à queda brusca da inflação,
grande parte da população brasileira auferiu um aumento de renda,
majoritariamente convertido em expansão de consumo, gerando pressão de
demanda que não poderia ser imediatamente atendida pela oferta. Em 1986, essa
foi uma das principais causas do fracasso do Plano Cruzado. No caso do Plano
Real, esse excesso de demanda foi atendido com o aumento das importações.

• Inflação crônica: é gerada pelo aumento contínuo da quantidade de moeda na


economia. Geralmente, essa situação é provocada por um significativo déficit
fiscal do setor público que, não tendo outra forma de financiá-lo, utiliza sua
prerrogativa de único emissor da moeda, emitindo moeda para cobrir seu déficit.
Uma vez que estes últimos normalmente são recorrentes, o setor público
usualmente amplia a quantidade de moeda na economia, fazendo com que esta
enfrente uma espiral inflacionária, ou seja, uma inflação crescente ao longo do
tempo. O Brasil passou por esse fenômeno de forma mais acentuada na década
de 1980 e no início da década de 1990, sendo que só foi definitivamente
debelado com o Plano Real, em 1994.

2.7.1 Os efeitos da inflação nas funções da moeda


A inflação tem um efeito deletério sobre a moeda, em especial sobre as suas funções
mais básicas, tornando-a uma representação sem valor ou aceitação.

Inicialmente, a inflação destrói a sua função de reserva de valor. A moeda só pode ser
utilizada como reserva de valor, sem considerar, claro, o custo de oportunidade de
entesourar moeda, se a inflação for igual ou menor a zero. Caso contrário, a inflação
fará com que a moeda perca poder de compra ao longo do tempo, não servindo,
portanto, como reserva de valor.

Em um segundo momento, a inflação destrói a sua função de unidade de cálculo. Esta


última faz com que a moeda seja o grande referencial para se comparar os preços de
bens na economia. Quando a inflação se torna bastante alta, por exemplo, 10%, 20% ou
30% ao mês, fica difícil utilizar a moeda da economia para se fazer qualquer
comparação de preços, pois, de um dia para outro, os preços aumentam
significativamente em moeda nacional. Esse fenômeno ocorreu, no Brasil, na década de
1980 e início da década de 1990, quando a moeda nacional perdeu sua função de
unidade de cálculo da economia, sendo substituída por indexadores como a ORTN,
OTN, BTN e BTN-F2 e, em alguns casos, pelo dólar americano.

Em um terceiro momento, a inflação destrói a mais básica e significativa função da


moeda, o seu uso como meio de troca. Quando a inflação se torna absurdamente alta,
tendendo ao infinito, a moeda nacional perde completamente o seu poder de compra e
para de ser aceita nas transações cotidianas. Esse fenômeno também é denominado
hiperinflação. O Brasil, felizmente, nunca passou por tal situação, apesar de ter chegado
próximo a isso em fevereiro de 1990, no último mês do governo do presidente José
Sarney e logo antes da posse do presidente Fernando Collor de Mello, quando a
inflação chegou a 84% ao mês. Apenas alguns poucos países passaram por tal
fenômeno, como a Alemanha na década de 1920.

2.8 Aplicação de conceitos: colapso do currency board argentino

Neste ponto, é possível compreender melhor as contradições do regime monetário


argentino predominante na década de 1990, cujas consequências custaram o cargo de
quatro presidentes da república em um intervalo inferior a trinta dias!

O sistema introduzido na Argentina, em 1991, pelo então presidente Carlos Menem,


sob a batuta do ministro das finanças, Domingo Cavallo, lastreou a moeda local, o peso,
ao dólar norte-americano em um sistema conhecido como currency board. Sob esse
sistema, todos os depósitos bancários efetuados na moeda local poderiam prontamente
ser convertidos em dólar, na razão de um para um.

Isso, no linguajar dos economistas, consiste em um regime de câmbio fixo pelo fato de
o valor do peso não se alterar em relação ao dólar. Contudo, a agudização da crise
argentina, verificada na virada do milênio, comprometeu a confiança da população no
sistema financeiro, levando a uma corrida bancária: correntistas aflitos para trocar seus
pesos por dólares na razão de um para um.

Ora, se o regime cambial fosse efetivamente de um currency board, haveria dólares


suficientes na economia para que a troca fosse efetuada, pois, em tese, os pesos em
circulação estavam totalmente lastreados em dólar americano.

Na verdade, a deterioração da economia argentina, nos últimos anos da década de 1990,


drenou os dólares para fora do país, fazendo com que os pesos ficassem parcialmente
lastreados em dólar.

2.9 Aplicação de conceitos: índices de inflação no Brasil

O Brasil, por seu histórico inflacionário, possui uma grande diversidade de índices que
tem por objetivo medir a inflação. Contudo, esses índices basicamente se dividem em
duas famílias:

2
Títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, respectivamente, obrigações reajustáveis do Tesouro Nacional,
obrigações do Tesouro Nacional, Bônus do Tesouro Nacional e Bônus do Tesouro Nacional – série F.
• Os Índices Gerais de Preços (conhecidos genericamente pela sigla
IGP) que, entre os mais famosos, destacam-se o IGP-M (mercado) e
o IGP-DI (disponível), ambos divulgados pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV).

• Os Índices de Preço ao Consumidor (conhecidos genericamente pela


sigla IPC) que, entre os mais famosos, destacam-se o Índice de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e o Índice Nacional de Preços
ao Consumidor (INPC), ambos divulgados pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e o IPC-Fipe, divulgado pela
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ligada à
Universidade de São Paulo (USP).

Para fins de simplificação, serão analisados o IGP-M, como representativo dos Índices
Gerais de Preços (IGP), e o IPCA, como representativo dos Índices de Preços ao
Consumidor (IPC).

2.9.1 A metodologia do IGP-M


O IGP-M tem por objetivo medir a inflação de uma forma ampla na economia, ou seja,
considera não somente a variação dos preços finais ao consumidor – também conhecida
como variação dos preços no varejo e que reflete nos preços dos bens consumidos
diretamente, como, por exemplo, gasolina, alimentos, remédios, vestuário,
eletrodomésticos –, mas também os preços no atacado – preços entre produtores e
atacadistas, importadores e exportadores – e os preços da construção civil. O IGP-M é
calculado pela seguinte metodologia:

• 60% de sua composição é o Índice de Preços no Atacado (IPA), que


reflete os preços entre produtores, atacadistas, importadores e
exportadores e outros.

• 30% de sua composição é o Índice de Preços ao Consumidor (IPC),


que reflete os preços dos bens finais nos pontos-de-venda ao
consumidor, como, por exemplo, combustíveis nos postos de
revenda, alimentos, vestuário, eletrodomésticos nos supermercados e
lojas varejistas, energia elétrica, mensalidades escolares etc. Esses
preços também são conhecidos como preços no varejo.

• 10% de sua composição é o Índice Nacional da Construção Civil


(INCC), que reflete os preços do mercado imobiliário, em especial
da construção civil.

O objetivo desse índice é espelhar os preços da economia em um sentido amplo, os


preços no atacado, ou seja, o IPA, dominam a composição do índice.

2.9.2 A metodologia do IPCA


O IPCA tem por finalidade medir somente a variação de preços ao consumidor, ou seja,
os preços dos bens diretamente consumidos, também conhecidos como preços no
varejo. Diferentemente do IGP-M, a metodologia do IPCA privilegia a inflação
“sentida no bolso do consumidor” e não aquela da economia como um todo, em sentido
amplo.

Comparando-se o IPCA e o IGP-M, o primeiro seria correspondente exclusivamente ao


Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que forma 30% da composição do IGP-M,
apesar de os índices não serem idênticos. Portanto, analogamente ao IPC, que compõe
30% do IGP-M, o IPCA reflete os preços no ponto final de venda dos bens aos
consumidores. Contudo, enquanto no IGP-M tal índice reflete apenas 30% de sua
composição, no caso do IPCA, a metodologia dos preços no varejo corresponde a 100%
da composição do índice.

2.10 Aplicação de conceitos: breve histórico das mudanças de moeda no Brasil

O Brasil, por sua inflação crônica durante muitos anos, sofreu diversas mudanças de
moedas em sua história recente. A seguir, é apresentado um breve relato dessas
mudanças.

a) Império do Brasil (Padrão Real de 1833 a 1888)


b) República (Padrão Mil Réis de 1889 a 1942)

c) Criação do Cruzeiro (5 de outubro de 1942)

O Cruzeiro foi criado no dia 5 de outubro de 1942. Contudo, somente a partir do dia 31
de outubro de 1942, começou a valer como unidade monetária. O cruzeiro substituiu o
padrão Mil-Réis, com dois objetivos principais:

• Eliminar os problemas da divisão por mil;

• Unificar o meio circulante, já que na época existiam 56 tipos


diferentes de cédulas, sendo 35 do tesouro nacional, 14 do Banco do
Brasil e 7 da Caixa de Estabilização.

A conversão foi realizada a $1000 = Cr$ 1,00


d) Criação do Cruzeiro Novo (13 de fevereiro de 1967)

O Cruzeiro Novo foi implantado em 13 de fevereiro de 1967. Padrão monetário desde


1942, o Cruzeiro teve três zeros cortados e se transformou no Cruzeiro Novo, que foi o
único padrão monetário que não teve cédulas próprias.

O Banco Central reaproveitou as cédulas do Cruzeiro, carimbando-as para convertê-las


em Cruzeiros Novos. O carimbo utilizado era formado por dois círculos concêntricos,
com o valor expresso no centro e as palavras BANCO CENTRAL e CENTAVOS ou
CRUZEIROS NOVOS no espaço entre os círculos.

A conversão foi realizada a Cr$ 1.000,00 = NCr$ 1,00


e) Criação do Cruzeiro substituindo o Cruzeiro Novo (15 de maio de 1970)

O Cruzeiro Novo foi substituído pelo Cruzeiro em 15 de maio de 1970, sem corte de
zeros.

A conversão foi realizada a NCr$ 1,00 = Cr$ 1,00


f) Criação do Cruzado substituindo o Cruzeiro (28 de fevereiro de 1986)

A partir de 28 de fevereiro de 1986, mil cruzeiros passaram a valer um cruzado. Para


implantar o Cruzado, o governo aproveitou as cédulas de 10 mil, 50 mil e 100 mil
cruzeiros, carimbando-as para o novo padrão. O Carimbo era circular, com as palavras
“Banco Central do Brasil” e “Cruzado” com o valor no centro.

Cr$ 1.000 = Cz$ 1,00

g) Criação do Cruzado Novo substituindo o Cruzado (15 de janeiro de 1989)

O Cruzado Novo entrou em circulação em 15 de janeiro de 1989, na segunda reforma


monetária do presidente José Sarney. A nova moeda substituía o Cruzado, sendo que
um Cruzado Novo valia 1.000 Cruzados.

Foram aproveitadas as cédulas de mil, 5 mil e 10 mil Cruzados, que receberam um


carimbo para o novo padrão monetário. O carimbo adotado era um triângulo com as
palavras “cruzado novo” em duas linhas próximas à base do triângulo.
Cz$ 1.000,00 = NCz$ 1,00

h) Criação do Cruzeiro substituindo o Cruzado Novo (16 de março de 1990)

Uma nova moeda, novamente chamada de Cruzeiro, foi introduzida como padrão
monetário, em substituição ao Cruzado Novo como parte do “Plano Collor”, sem
ocorrer a perda de três zeros.

NCz$ 1,00 = Cr$ 1,00


i) Criação do Cruzeiro Real substituindo o Cruzeiro (1o de agosto de 1993)

O Cruzeiro Real foi implantado em 1o de agosto de 1993, substituindo o Cruzeiro, e


foram cortados três zeros. Foram aproveitadas as notas de 50 mil, 100 mil e 500 mil
Cruzeiros, devidamente carimbadas para o novo padrão.

Cr$ 1.000,00 = CR$ 1,00

j) Criação do Real, substituindo o Cruzeiro Real (1o de julho de 1994)

O Real foi lançado em 1o de julho de 1994, no bojo do Plano Real do governo Itamar
Franco, com o objetivo de criar uma moeda forte e acabar com a inflação. Primeiro, foi
estabelecido um índice paralelo para efeito de transição, a Unidade Real de Valor
(URV). A Conversão de Cruzeiros Reais para Reais foi feita mediante a divisão do
valor em Cruzeiros Reais, pelo valor da URV de CR$2.750,00.

CR$ 2.750,00 = R$ 1,00

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