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DIREITO ADMINISTRATIVO I

autor
JOSÉ MARIA PINHEIRO MADEIRA

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
Conselho editorial  roberto paes e gisele lima

Autor do original  josé maria pinheiro madeira 

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gisele lima , paula r. de a. machado e aline karina


rabello

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  bfs media

Revisão de conteúdo  andrine oliveira nunes

Imagem de capa  andrey burmakin | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M181d Madeira, José Maria Pinheiro


Direito administrativo I / José Maria Pinheiro Madeira.
Rio de Janeiro: SESES, 2017.
192 p: il.

isbn: 978-85-5548-512-1.

1. Administração Pública. 2. Princípios da administração pública.


3. Direito administrativo. 4. Licitação pública. I. SESES. II. Estácio.
cdd 351

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 9

1. Princípios constitucionais da administração


pública no Sistema Jurídico Brasileiro 11
Introdução 12

Princípio da legalidade administrativa 14


Princípio da impessoalidade 16
Princípio da moralidade administrativa 19
Princípio da publicidade 22
Princípio da eficiência 25
Princípio da supremacia do interesse público 28
Princípio da autotutela 29
Princípio da motivação 31
Princípio da continuidade dos serviços públicos 35
Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade 37

Súmulas do STF/STF 43

2. Poderes administrativos 47
Introdução 48

O abuso do poder 49
O abuso de poder por omissão 50
As medidas cabíveis ao abuso de poder 52
Questão terminológica 52

Poder vinculado 53

Poder discricionário 54
O discricionário e o arbitrário 55
A apreciação do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário 56

Poder hierárquico 57
Considerações 57
Ordem manifestamente ilegal 57
Âmbito de incidência da hierarquia 58

Poder disciplinar 59
Discricionariedade do poder disciplinar 59
A indispensabilidade da motivação 60
A prevalência da Independência dos Poderes 60

Poder regulamentar 63
A independência da norma legal perante o poder regulamentar 64
A omissão do Poder Executivo em editar regulamentos 64

Poder de polícia 65
Considerações iniciais 65
Conceituando o poder de polícia 65
Polícia administrativa e polícia judiciária 66
Natureza jurídica do poder de polícia 67
Competência 67
Poder de polícia originário e poder de polícia delegado 70
Formas de atuação do poder de polícia e seus meios de execução 70
Delegação do poder de polícia 74

Atributos ou características definidoras do poder de polícia 74


Proporcionalidade 75
Discricionariedade/(ou vinculação) 75
Autoexecutoriedade 76
Coercibilidade 77

Súmulas do STF/STJ 77
Súmulas do STF 77
Súmulas do STJ 78

3. Atos administrativos 81
Considerações iniciais 82

Conceito 83
Elementos ou requisitos do ato administrativo 88
Competência 88
Forma 93
Objeto 95
Motivo 96
Finalidade 99

Atributos 100
Imperatividade 101
Presunção de legitimidade, legalidade e veracidade. 102
Autoexecutoriedade / Executoriedade 104

Desfazimento/extinção do ato 105


Cumprimento de seus efeitos 105
Extinção objetiva 106
Extinção subjetiva 106
Cassação 106
Caducidade ou decaimento 107
Renúncia 107
Contraposição 108

Classificação dos atos quanto à formação/origem 115


Ato simples 115
Ato composto 115
Ato complexo 116

Súmulas do STF/STJ 117


Súmulas vinculantes 117
STF 118
STJ 119

4. Licitação e contratos administrativos


– Lei 8666/93 121
Introdução 122

Contrato administrativo 135

Modificação unilateral do contrato 136

Fatos que podem concorrer para revisão do contrato 137


Fato do príncipe 138
Fato da Administração 138
Fatos imprevistos 139
Exceção do Contrato não cumprido - Exceptio non adimpleti
contractus 139
Rescisão unilateral do contrato 140
Ocupação temporária 143
Aplicação das penalidades 143

5. Administração pública direta/indireta e


espécies de prestação de serviços públicos 149
Introdução – administração pública direta e indireta 150

Administração indireta 153


Autarquia 154
Agências autárquicas reguladoras 159
Natureza jurídica das agências reguladoras 159
A questão da deslegalização 159
Independência decisória 160
Autonomia econômico-financeira 160
A investidura dos membros diretores 161
Fiscalização sobre a agência de regulação 161

Fundações públicas 162


Natureza 162
Regime do Pessoal 162

Finalidade 163

Controle 163
Privilégios fiscais 163
Privilégios processuais 163
Natureza jurídica dos bens 164
Licitação 164
Responsabilidade 164

Empresas estatais 164


Considerações 164
Empresas Estatais com personalidade jurídica de
direito privado: 165
Personalidade jurídica 166
Regime do pessoal 166
Finalidade 166
Forma 168
Privilégios fiscais e processuais 168
Responsabilidade 169
Natureza jurídica dos bens das estatais 169
Pode haver penhora de bens das estatais? 169
Formação do capital 170
Licitação - Artigo 37, XXI e artigo 173, §1º, III, da Constituição
Federal de 1988 c/c artigos 28 ao 67, da Lei 13.303/2016. 171
Teto máximo de remuneração 171
Forma de Admissão e Demissão de Pessoal das Estatais 172

Considerações iniciais 173

Natureza jurídica da concessão e da permissão 174

Como se fixa a tarifa? 174

É possível fazer subconcessão? É possível fazer concessão a terceiros? 176

Responsabilidade objetiva 177

Extinção da concessão e permissão de serviço público 178


Reversão 178
Encampação e Caducidade 179
Rescisão do contrato de concessão (Artigo 39 da
Lei n.º 8.987/1995) 181

Administração Pública 181


Súmulas Vinculantes 181
STF 182
STJ 182

Sobre serviços públicos 182


Vinculantes 182
STJ 182
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

Trata-se de um conteúdo indispensável à formação profissional do bacharel


em Direito, seguindo rigorosamente o conteúdo programático da Universidade
Estácio de Sá.
É destinada ao esclarecimento e à orientação dos que anseiam por ensina-
mentos, sobretudo práticos. Portanto, um livro que visa capacitar o teórico a so-
brevivência de muita prática. Afinal de contas, hoje, não basta memorização da
doutrina, vivemos na era do ativismo judicial.
Tivemos o máximo cuidado em usar uma linguagem simples de modo a per-
mitir uma assimilação rápida, adotando uma sistemática de desenvolvimento gra-
dual, sem fracionamento do raciocínio.
Seguimos essa linha de exposição, tecendo uma análise crítica da doutrina e da
jurisprudência existentes sobre temas que suscitam controvérsias.
O presente livro não perde tempo com dissertações inúteis, destinadas a exibir
erudição ou a engordar o seu volume. Cada tópico recebe o tratamento justo, com
a extensão necessária. É simples manual, mero instrumento de utilização imediata
na busca de solução para os casos de maior frequência.
Neste trabalho se conjugam os termos do binômio teoria versus casos con-
cretos, os quais são estribados em casos que acontecem no dia-a-dia, sem perder
de vista, por um único instante, o sentido, a utilidade, a razão de ser dos estudos
teóricos.
Graças a isto, a leitura destes casos é palpitante, cheia de vida, rica em adver-
tências, descarnando as controvérsias entre tendências doutrinárias e noticiando a
orientação jurisprudencial ilustrativa dos vários subtópicos focalizados.
No decorrer da explanação, há grifos e uso de cores para despertar a atenção
de vocês, alunos, no tocante a exemplos de casos concretos.
Súmulas, tanto do STF quanto do STJ, são mencionadas por ocasião do térmi-
no de cada capítulo, com destaque próprio.No primeiro capítulo, serão abordados
os princípios constitucionais (explícitos e implícitos) aplicáveis à Administração
Pública. Através da leitura, compreenderemos que são princípios de vital impor-
tância, face à ausência de um sistema legal codificado, funcionando como pilares
de sustentação desta disciplina.

9
O segundo capítulo trataremos de identificar as características predominantes
dos poderes e deveres do agente público, utilizados obrigatoriamente para satisfa-
zer o interesse público em benefício da coletividade, bem como as formas de uso
e abuso de poder na atuação do administrador público.
No terceiro capítulo, enfocaremos os atos administrativos, seu conceito, ele-
mentos estruturais, classificação, seus atributos, suas principais formas de extin-
ção, destacando a grande pertinência no mundo jurídico, na medida que, será por
meio deste que a Administração Pública se movimenta basicamente no exercício
de suas funções principais.
A seguir, explanaremos o instituto palpitante da licitação pública, suas normas
legais, modalidades, tipos e procedimento licitatório, além das formas de invalida-
ção e revogação. Ainda nesse capítulo, vamos discorrer questões concernentes aos
contratos administrativos e suas variadas cláusulas exorbitantes, desde o regime
jurídico aplicado às suas mais variadas peculiaridades e vantagens significativas,
colocando o Poder Público em uma posição de superioridade em relação ao parti-
cular que com ele contratar.
No quinto e último capítulo, focalizaremos, em visão ampla, os processos de
criação da estrutura administrativa pública brasileira em seus dois grandes pro-
cessos: o processo de descentralização e o processo de desconcentração, além das
espécies de entidades que compõem a Administração Pública indireta.

Auguramos, assim, a obra tenha uma acolhida desejável, e que seus frutos se
enriqueçam e se propaguem.

Bons estudos!
1
Princípios
constitucionais
da administração
pública no Sistema
Jurídico Brasileiro
Princípios constitucionais da administração
pública no Sistema Jurídico Brasileiro

O estudo do Direito Administrativo, no Brasil, até hoje não foi codifica-


do. Temos, na realidade, legislação esparsa. Daí que os princípios são de vital
importância na ausência de um sistema legal codificado, prevalecendo legisla-
ções esparsas.

OBJETIVOS
•  Compreender a importância do estudo dos princípios administrativos como instrumento de
integração das regras e compreensão de lacunas consoante as últimas interpretações dos
nossos Tribunais Superiores (STF e STJ). Identificar na CRFB/88 os princípios expressos e
reconhecidos, como materialização dos valores éticos e morais da sociedade brasileira.

Introdução

O princípio jurídico é norma de hierarquia superior a das regras. É in-


correta a interpretação da regra, quando dela se choca contra os princípios. E tem
mais: na ausência de regra específica para regular determinada situação, utilizam-
se os princípios.
Há um caso interessantíssimo, julgado recentemente pelo TJ/RJ. Caso de pro-
babilidade de “cola” em concurso público da Polícia Civil. A título de ilustração,
segue recente decisão do STJ:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA. COLA OU FRAUDE. NÃO CONS-


TATAÇÃO. EXCLUSÃO DO CERTAME. IMPOSSIBILIDADE. Se a Administração, durante
a realização das provas, não constatou a existência de fraude ou cola, verifica-se a im-
possibilidade de excluir candidatos do certame, pelo fato de coincidência de acertos e er-
ros nas questões. Sentença reformada”. (0001348-88.2004.8.19.0008) - APELAÇÃO

Probabilidade de cola não tem nada a ver com PROVAS INEQUÍVOCAS.


Fere os Princípios da Presunção de Inocência, da impessoalidade, da Moralidade,
da Motivação. Como pode a Administração Pública eliminar discricionariamente

capítulo 1 • 12
um candidato diante de tal circunstância? Os dois candidatos eram concurseiros,
sempre estudavam juntos, frequentavam os mesmos cursinhos.
É com base nos princípios que podemos equacionar situações concretas.
Caros alunos, nunca se invocaram tanto os princípios como hoje. Estamos,
sem sombra de dúvida, vivendo a era princípio lógica do Direito. Por isso mesmo,
na atualidade, é bastante fácil encontrar decisões judiciais, do próprio STF e do
STJ, unicamente fundamentada em princípios. Violar um princípio é muito mais
grave que transgredir uma regra.
Solicito a atenção de todos que, às vezes, a só utilização de uma norma- regra
pode levar a uma tremenda injustiça e estaríamos condenados a viver numa socie-
dade fechada.
Um bom exemplo vale mais do que mil palavras! Vejamos, pois, na pratici-
dade: um particular prestou um serviço para a Administração Pública, via contra-
to verbal, mas não recebe a remuneração.

ATENÇÃO
Pela leitura do Art. 60, da Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93), é estabelecida
a norma pela qual não é possível a celebração de contrato verbal com a Administração (sal-
vo as exceções previstas no §único, do mencionado artigo), sendo nulo e não produzindo
efeitos.
Quais efeitos? Um dos efeitos é exatamente o pagamento. Como fica essa situação? A
doutrina e o STJ entendem que a Administração tem que pagar ao particular. Nesse caso
prático, há a colisão do artigo da lei versus princípio da moralidade. Questionamos: é justo
o Estado se beneficiar às custas do particular? De certo, que não, pois haveria o enriqueci-
mento ilícito do Estado. O Estado tem que prezar pela moralidade, tem que ser o exemplo, o
modelar, o protótipo. Portanto, havendo colisões entre dispositivo da lei e um princípio, numa
situação concreta, significa que princípio prevalecerá.
Princípio é a base, é o alicerce, é o que sustenta todo edifício jurídico. Princípios são di-
retrizes e vetores a serem seguidos. Princípio é uma autêntica bússola. Princípio serve como
método interpretativo. Então, pelos exemplos dados, verifica-se que o princípio define a
lógica, a racionalidade. Os princípios se diferenciam das meras regras por serem mais
abrangentes. Princípios traduzem valores a serem seguidos. Nos princípios, há alto nível de
abstração; nas regras, baixo nível de abstração.
Não esqueçamos que os princípios que regem a Administração Pública configuram-na
no seu aspecto funcional ou objetivo, isto é, demonstram como deve ser o funcionamento

capítulo 1 • 13
das diversas estruturas administrativas constituídas nos níveis federal, estaduais, distrital e
municipais de nosso país.
Afora isso, tais a observância de tais princípios, entre outras vantagens, cria a necessária
uniformidade para o funcionamento dessas administrações, o que facilita o relacionamento
do administrado com o Estado brasileiro, pois as regras a serem acatadas terão como funda-
mento exatamente esses princípios.
Finalizando, como se observa facilmente, violar um princípio é muito mais grave de que
se violar um artigo de determinada lei, a ponto que a Lei de Improbidade Administrativa faz
alusão de que transgredir, infringir e violentar um princípio, está cometendo conduta de Im-
probidade Administrativa, nos termos do Art 11, da Lei 8429/92. Portanto, improbidade ad-
ministrativa não é só desvio de verba ou intentos corruptíveis contra a Administração Pública.
A doutrina costuma dividir os princípios em: Princípios Expressos (ou Específicos) e Prin-
cípios Implícitos (ou Inespecíficos ou Reconhecidos).
Princípios Expressos são aqueles taxativamente previstos no texto normativo, como
aqueles elencados no caput do Art. 37, da Constituição. Já os Princípios Implícitos são aque-
les que não constam isoladamente do texto normativo, sendo reconhecidos a partir de uma
elaboração doutrinária ou mesmo jurisprudencial.
Há livros utilizando a expressão “Princípios Fundamentais”, o que é um pleonasmo, re-
dundância. Se são princípios, de certo que são fundamentais, pois fundamental é aquilo que
já possui valoração própria, tal qual ocorre com os princípios. Havendo colidência entre os
princípios, o máximo que poderá ser feito será a ponderação entre os princípios conflitantes,
conforme o caso concreto.

Princípio da legalidade administrativa

O princípio da legalidade, um dos principais ideais da Revolução Francesa,


que acabou por justificar a criação do próprio Direito Administrativo, é enuncia-
do na Constituição Federal, geográfica e topograficamente falando, duas vezes: a
primeira encontra-se no art. 5o, II, cuja enunciação é oriunda da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de que legalidade consiste em que ninguém
está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei; e,
pela segunda vez, no Art. 37, caput, que o repete como um dos princípios da
Administração – o princípio da legalidade administrativa.
Mas, se já mencionado no Art. 5o, II, qual então o sentido dessa repetição no
Art. 37, caput? Tal se justifica pelo fato de que o enunciado no Art. 5o, II, se aplica

capítulo 1 • 14
aos particulares, sendo certo que a eles é permitido fazer tudo o que a lei não veda,
enquanto que a Administração deve agir conforme a lei.
O Estado, hoje, só pode agir quando autorizado por lei. Somente a lei pode
criar deveres e obrigações ao particular. Logo, a Administração não pode, por
simples ato administrativo, impor obrigações a terceiros, extinguir e criar direitos.
Ato administrativo não é lei. O ato administrativo tem um papel secundário. Ao
haver uma colisão entre a lei e um ato administrativo, a lei prevalecerá e o ato
administrativo deverá ser declarado nulo.
Caso concreto 1 - Casas invadidas pelas enchentes tiveram isenção do IPTU
por decreto. O prefeito só poderia ter praticado tal ato se estivesse respaldado por
lei. O que fez um cidadão? Em nome da moralidade pública, postulou e prosperou
em uma ação popular, anulando tal benefício.
Caso concreto 2 - Prefeito que impediu, por meio de decreto municipal,
o uso de minissaia nas ruas desse município, atendendo a pressão da Igreja.
Consequentemente, o ato foi anulado.
Caso concreto 3 - Para se estabelecer o rodízio de veículos, deve ser elaborada
uma lei nesse sentido e jamais por decreto poderia ser estabelecida essa proibição,
porque somente a lei pode extinguir, criar direitos e impor obrigações ao particu-
lar. Ato administrativo não é lei.

A vontade da Administração Pública é a vontade da lei. No direito


Administrativo não há espaço para a liberdade, autodeterminação, arbítrio e bel
prazer das partes, exatamente porque o poder público está enclausurado e amarra-
do ao estrito cumprimento da norma.
Diferentemente do que ocorre no direito privado, no qual não havendo proi-
bição legal, pode prevalecer a autonomia da vontade das partes. Em decorrência
disso, a Administração não pode, por simples ato administrativo, conceder direi-
tos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações.
E, por fim, cabe mencionar que o princípio da legalidade não significa
somente que a Administração só pode agir de acordo com a reserva da lei. Hoje, a
concepção atual determina que o princípio da legalidade está intimamente ligado
à vedação da ofensa aos demais princípios.
Os termos "legal" e "legítimo" não significam a mesma coisa, embora, de um
modo geral, o que é legal é possivelmente e supostamente legítimo. Legalidade
está ligado ao direito positivado, enquanto que a Legitimidade está intimamente
ligada à aceitação social do ato, não contrariando o interesse público. Portanto,

capítulo 1 • 15
o Estado de Direito está ligado à Legalidade. O Estado Democrático liga-se à
Legitimidade, ou seja, deve-se, por exemplo, respeitar o limite do razoável.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Art. 37 da CRFB

ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA
PREVISTA EM LEI

ATO ATO
VINCULADO DISCRICIONÁRIO

ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA
PODER JUDICIÁRIO tem competência constitucional para
controlar a legalidade dos atos administrativos

Art. 5o, XXXV da CRFB

Princípio da impessoalidade

O segundo princípio constitucional enunciado à Administração Pública é o


princípio da Impessoalidade que, em última análise, visa a dar tratamento igua-
litário a todos que se encontrem em idêntica situação jurídica. Mas, no Direito
Administrativo, em especial, impessoalidade tem duas acepções distintas.
A primeira acepção é justamente a da impessoalidade como projeção da
isonomia, isto é, impessoalidade no sentido de não pertencer a uma pessoa em
particular, ou seja, aquilo que não pode ser aplicado, especialmente, a pessoas
determinadas. É uma característica genérica da coisa que não pertence à pessoa
alguma e é isso que a atividade da Administração Pública deve fazer: destinar-se
a todos os administrados, à sociedade em geral, sem determinação ou discrimi-
nações que tenham o conteúdo de um privilégio odioso, não fundamentado em
valores constitucionais.
Como regra, portanto, toda ação administrativa deve dispensar trata-
mento igual a todos os administrados, não podendo a Administração Pública,

capítulo 1 • 16
evidentemente, estabelecer tratamentos diferenciados, beneficiando determinadas
pessoas ou empresas.
Então, seriam decorrências do Princípio da Impessoalidade regras, mesmo
constitucionais, como a regra do concurso público, prevista no Art. 37, II; a regra
da licitação prevista também no Art 37, XXI; e a regra no sistema de precatórios
prevista no Art. 100, que impõe um dever de pagamento das dívidas judiciais da
Fazenda Pública, tendo como critério exclusivo o critério cronológico de apresen-
tação dos precatórios.
A segunda acepção do princípio da impessoalidade não tem a ver com o prin-
cípio da isonomia, mas com a estrutura interna da Administração. Impessoalidade,
nesse sentido, significa que os atos da Administração Pública não são imputáveis,
não são atribuíveis aos agentes públicos que os praticam.
Portanto, dizer-se que ato administrativo é impessoal. Nessa acepção, signi-
fica dizer que ele é praticado, em última análise, do ponto de vista jurídico, pela
pessoa jurídica a que o agente público pertence, e não pela pessoa natural – agen-
te público.
Importante também é ressaltar que o princípio da Impessoalidade se encontra
demonstrado internamente, ou seja, na própria gestão administrativa, quando o
Art 37, § 1o, da CR, dispõe que atos de propaganda oficial de governo, como
programas, obras, serviços e campanhas devem ter caráter educativo, informa-
tivo ou de orientação social, mas que dessa publicidade não podem constar no-
mes dos governantes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pes-
soal, podendo ser colocado, quando muito, por exemplo, “obra patrocinada pelo
Governo do Estado”.
Portanto, conclui-se que, além de legal e moral, o ato administrativo deve ser
também impessoal, sendo vedada, portanto, a publicidade por parte da entidade
pública que implique promoção pessoal de autoridades ou servidores. Logo, o
administrador não poderá se autopromover com seus atos, mesmo em caráter
educativo, informativo.
O Art 37, § 1o, biparte-se: a) “a publicidade dos programas devem ter caráter
educativo”; b) “não podendo constar nome, símbolos, imagens”. Isto é uma proi-
bição porque a Constituição entendeu que incluir nomes, símbolos, imagens não
é nada educativo.
Há uma presunção da Constituição nesse sentido, pois o ato é do Estado e não
de um determinado Governo. Estado é diferente de Governo. O Estado tem força
permanente, enquanto o Governo é algo passageiro. Então se, por exemplo, o ato
de inauguração de um prédio público ou de uma ponte é ato do Estado, e não do

capítulo 1 • 17
Governo, como é que se pode admitir que o Governo se promova? O Governo
tem a força de meramente gerir o patrimônio público e não de se autopromover.
O princípio da Impessoalidade, por outro lado, admite atenuações, como,
por exemplo, no tocante à possibilidade de imposição de limite de idade e sexo,
para concorrer a concurso público, que é sempre tormentosa. Não se havendo de
ignorar, como regra, que os cargos públicos são acessíveis àqueles que preencham
os requisitos estabelecidos em lei (Art. 37, I, CR).
De um lado, destacando-se a regra do Art. 7o, XXX, da CR, aplicável aos
servidores públicos por força do Art 39, § 3o (redação da EC 19/98), que veda
qualquer tipo de discriminação por motivo de idade, no processo de admissão a
cargo ou emprego público, muito embora possa a lei estabelecer critérios diferen-
ciados quando a natureza do cargo o exigir.
Caso concreto 1 - Outro caso que merece destaque, dentro deste mesmo
princípio, é a limitação da publicidade em obras públicas ou entidades que, a
qualquer título, recebam subvenção ou auxílio dos cofres públicos federais, como
salienta o Art. 37, caput e § 19, da CR e os artigos 1º, 2º e 3º da Lei 6.454/77.
Ou seja, em tais obras não podem constar nomes, símbolos ou imagens capazes
de promover autoridades ou servidores públicos, sendo vedado, em todo território
nacional, atribuir nome de pessoas vivas aos referidos bens, não estando presente a
mesma regra nos casos envolvendo capital exclusivamente privado.
Caso concreto 2 - Em homenagem ao princípio da Impessoalidade, as ques-
tões de concursos públicos, sendo anuladas em virtude de estarem incorretas as
suas formulações, causando a alteração de notas e, via de consequência, na classifi-
cação dos candidatos, tais questões anuladas atingirão indiscriminadamente todos
os participantes, alterando a nota para todos os participantes.
Equivocado seria o entendimento da Administração Pública se anulasse deter-
minada questão e somente considerasse o equívoco em benefício do candidato que
a tivesse reclamado. Portanto, verificado o erro na formulação das questões, deve
a Administração proceder a sua correção, pois, caso contrário, seria legitimar o
equívoco e possibilitar que os candidatos com menor conhecimento fossem apro-
vados em detrimento de outros, mais aptos e mais preparados. Em sendo assim,
obviamente que, atribuindo a pontuação exclusivamente ao reclamante, estariam
sendo feridos os princípios da Isonomia e da Impessoalidade.

capítulo 1 • 18
PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE
Art. 37 da CRFB

SINTETIZA O PRINCÍPIO DA
IGUALDADE OU ISONOMIA

Atuação da
ADMINISTRAÇÃO deve ser impessoal,
não importando a pessoa interessada

CONCURSO PÚBLICO PRECATÓRIO LICITAÇÃO


Art. 37, II da CRFB Art. 100 da CRFB Art. 37, XXI da CRFB

Princípio da moralidade administrativa

A moral administrativa não tem liame com a moral comum, mas sim com a
moral jurídica.
A moralidade administrativa ampara e protege alguns bens jurídicos. Quais
são eles? Lealdade, boa-fé, decoro. Portanto, ao se ferir a lealdade, a boa-fé, o
decoro, estamos ferindo a moralidade pública com a utilização de qualquer mo-
dalidade de cargo e função, independentemente de importarem enriquecimento
ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público.
Moralidade Administrativa tem a ver com honestidade, dignidade no desem-
penho das atividades administrativas ou em razão delas. No Brasil, especialmente
a partir da Constituição de 1988, passou à condição de princípio autônomo em
relação ao Princípio da Legalidade, o que pode ser claramente identificado no
artigo 37, caput e seu § 4º; no artigo 14, § 9º; no artigo 15, inciso V e no artigo
5º, LXXIII, todos da Carta de 1988.
A Moralidade é o princípio que obriga não a Administração Pública, como
também aos particulares que tratem com ela, a agir segundo padrões éticos de
probidade, decoro e boa-fé.
Assim, pode-se dizer que a Moralidade Administrativa impõe, enquanto prin-
cípio, que o comportamento da Administração Pública e dos administrados que
com ela se relacionam juridicamente, não só a observância da lei (em sentido am-
plo), como também à moral, aos bons costumes, as regras de boa administração,
os princípios de justiça, equidade e honestidade.

capítulo 1 • 19
Obs. – É fato público e notório, que vivemos no Brasil, nesses últimos anos,
variados e sucessivos escândalos pelos quais são tornadas públicos a sociedades
diversas condutas atentatórias à Moralidade Administrativa, sem prejuízo da tipi-
ficação como crimes, atos de improbidade administrativa, infrações funcionais e
danos ao erário e a outros particulares. Isso tudo não ofusca, nem descredencia a
Moralidade Administrativa como princípio aplicável à Administração Pública. Ao
contrário, faz demonstrar que ela é um poderoso filtro que deixa bem claro o que
se espera e o que se repudia em termos de condutas estatais de um modo geral.

A moralidade administrativa ampara e protege alguns bens jurídicos. Quais


são eles? Lealdade, boa-fé, decoro. Portanto, ao se ferir a lealdade, a boa-fé, o
decoro, estamos ferindo a moralidade pública com a utilização de qualquer mo-
dalidade de cargo e função, independentemente de importarem enriquecimento
ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público.
Caso concreto 1 - Imagine-se o seguinte exemplo: se o presidente do sindi-
cato dos delegados de um determinado Estado é um reconhecido inimigo detra-
tor do chefe da Polícia Civil e este chefe da Polícia Civil, ao assumir, transfere o
presidente do sindicato dos delegados de uma delegacia da capital para delegacia
regional que, por exemplo, fica na Zona da Mata. Em princípio, do ponto de vista
da legalidade estrita, esse ato de relotação é legal. É legal porque há uma vaga na
mencionada delegacia, e há outro delegado para ser provido na vaga aberta na
capital com a relotação daquele delegado no interior. E a escolha de onde os dele-
gados serão lotados, na falta de outro critério legal específico, é ato discricionário e
constitui porção discricionária do ato do chefe da Polícia Civil, que é a autoridade
administrativa hierarquicamente superior.
Porém, conhecendo os fatos subjacentes a essa relotação, é possível dizer que
o chefe da Polícia Civil se valeu de um meio lícito, que era discricionariamente
lotar e relotar delegados, para atingir um fim ilícito, imoral do ponto de vista
administrativo, que contraria em sentido amplo a finalidade da lei, que é utilizar
a relotação para punir inimigos políticos, detratores políticos, ou para punir até
servidores que tenham praticado algum tipo de infração. E relotação ou remoção
não é meio de punição. A relotação é um meio de distribuir servidores de forma a
atender o interesse do serviço. Tanto ainda que, se do ponto de vista da legalidade
estrita o ato fosse inatacável, seria inválido, por imoral.
Nesse caso, então, note-se que existe uma norma específica que foi violada,
qual seja, o princípio da Finalidade. Todo ato administrativo, além de ter um

capítulo 1 • 20
agente competente, uma forma, um objeto e um motivo, tem que ter uma finali-
dade. E esta finalidade do ato de relotação, que seria atender o melhor interesse do
serviço, foi contrariada aqui. Portanto, o ato seria ilegal e não imoral em sentido
amplo. O problema é que o princípio da Legalidade nem sempre se apresenta de
forma tão explícita, ele nem sempre delineia toda a sua finalidade.
Em termos de autofixação, à luz da jurisprudência pátria, segue rol exemplifi-
cativo de condutas que demonstram infringência a tal princípio:
a) Realização de gastos excessivos, a pretexto de outorga de títulos e honrarias,
com bebidas, comestíveis, peças de vestuário etc.;
b) Resolução de Câmara de Vereadores que fixou os subsídios destes, em época de
congelamento de preços e salários instituído no plano federal, em quantia exorbitante;
c) Custeio, pela municipalidade, das despesas de viagem ao exterior da esposa
do Prefeito, em companhia dele, o que não representa nenhum benefício para o
Município, ainda que ela dirigisse algum órgão público; sendo idêntica a conclu-
são em relação às despesas com viagens do Prefeito não autorizadas pela Câmara
Municipal; e
d) Abertura de conta corrente em nome de particular para movimentar recursos
públicos, independentemente da demonstração de prejuízo material aos cofres
públicos.

Moralidade - Art. 37, caput, da CRFB

Bens jurídicos tutelados

LEGALIDADE DECORO BOA-FÉ

Sem previsão de Lei

Consequências

Ressarcimento ao
Suspensão de direito Perda de função Indisponibilidade de
Erário - Art. 37, 5o,
políticos pública bens
da CRFB

capítulo 1 • 21
Princípio da publicidade

A Administração Pública não pode atuar secretamente.


Como é que você poderá saber se determinado prefeito está agindo corre-
tamente? É somente pela publicidade é que podemos controlar seus atos, certo?
O administrador, ao cultivar o sigilo, ofende frontalmente o princípio democrático.
Na Publicidade, a palavra-chave, aqui, é a transparência. A Publicidade visa a
proteger a transparência, para que se possa exercer o controle sobre a Administração
Pública. Metaforicamente, a Administração deve ser vista como uma casa de vi-
dro onde a coletividade poderá enxergar o que está sendo realizado no seu inte-
rior. E é a partir dessa noção de Publicidade que se podem trazer algumas discus-
sões concretas.
Publicidade é a divulgação oficial do ato administrativo para conhecimento
público e início de seus efeitos externos, porquanto a Administração, afinal, não
pode atuar, em regra, secretamente, “por baixo dos panos”, isto é, ela tem que
se mostrar para a sociedade, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo, como por
exemplo, assuntos ligados à defesa nacional, segurança pública, intimidade, vida
privada, honra, sigilo da fonte, e alguns outros valores que devem ser sopesados e
resguardados, mesmo diante da regra da Publicidade dos atos da Administração.
A Publicidade visa possibilitar que se alcance a Transparência. Esta, seja consi-
derada subprincípio da Publicidade ou mesmo princípio autônomo, é o fim maior
da Publicidade, com a qual pode haver maior e melhor controle sobre as condutas
da Administração Pública, controle esse, inclusive, social.
Quanto à Transparência, como dito anteriormente, há quem a considere su-
princípio da Publicidade. Talvez melhor será considerada como um princípio au-
tônomo, que passou a ganhar peso, pois complementa e instrumentaliza a ideia da
Publicidade, estando presente na legislação infraconstitucional, como por exem-
plo, na Lei de Acesso à Informação (Lei federal nº 12.527/2011).
A Transparência instrumentaliza a Publicidade, porque não bastaria à
Administração Pública divulgar os seus atos. Necessário também se faz que os
atos do Poder Público sejam acessados e conhecidos pelos administrados de ma-
neira clara, inequívoca, compreensível, atualizada, íntegra, verossímil, facilitada
e participativa. Exemplo conhecido da aplicação do Princípio da Transparência
é o Portal da Transparência, serviço de informação eletrônica mantido pelo
Executivo Federal.

capítulo 1 • 22
Metaforicamente, a Administração deve ser vista como uma casa de vidro
onde a coletividade poderá enxergar o que está sendo realizado no seu interior.
E é a partir dessa noção de Publicidade que se podem trazer algumas discus-
sões concretas.
Assim sendo, tratando-se a Publicidade de mais um dos princípios reitores da
Administração Pública explícitos na Constituição Federal, este estabelece que a
Administração está obrigada a dar conhecimento ao público, pelos mais variados
meios de comunicação previstos em lei, de todos os seus atos, decisões e ativi-
dades, a fim de permitir não só o controle interno, bem como o externo, de sua
obediência aos demais princípios de Administração, o que faz com que os admi-
nistradores atuem às claras, permitindo aos cidadãos gozarem de pleno exercício
do Estado Democrático de Direito. Daí, pelo princípio da Publicidade, torna-se
obrigatória a divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses
de sigilo legal, quando a própria Publicidade pode causar lesão a finalidade de
interesse público a ser atendido.

FIQUE DE OLHO
A Publicidade é, inegavelmente, um pressuposto de eficácia do ato administrativo. Isto
significa que o ato administrativo, como qualquer ato jurídico, pelo menos como regra, passa
por aqueles planos da existência, da validade e da eficácia. E isso não é uma mera afirmação
doutrinária, pois ela tem consequência relevantíssima na prática, quais sejam: no plano da
existência, para saber se existe no mundo jurídico; da validade, para saber se é correspon-
dente com a ordem jurídica; e da eficácia, para saber se o ato tem capacidade para produ-
zir efeitos.

Caso concreto 1 - Seguindo essa afirmação, uma questão concreta, por exem-
plo, seria a da exoneração de um servidor ou da aposentadoria deste, supondo-se o
seguinte: um servidor pede a exoneração de seu cargo, a contar do dia 1o de abril,
ou pede a aposentadoria (aposentadoria a pedido), a contar do dia 1o de abril.
Só que, chegando à casa, depois de protocolar esse pedido na Administração, ele
se arrepende, não quer mais ser exonerado ou não quer mais se aposentar, quer
continuar trabalhando.
O servidor pode se arrepender ou esse arrependimento tem eficácia? Ele pode
evitar a exoneração ou aposentadoria, nessa situação? Nesse caso, então, consi-
derando-se que a exoneração ou a aposentadoria ainda não tenha sido publicada,

capítulo 1 • 23
ele poderá, então, retratar-se. Diferentemente da situação desse servidor acordar
no dia seguinte e o ato já se encontrar publicado no Diário Oficial, mesmo que o
servidor manifeste seu desejo de desistência, esta não mais poderá ser concretizada
porque, se o ato foi publicado, já produziu sua eficácia.
Em regra, todos os atos administrativos são publicados, porque pública é a
Administração que os realiza, exceto os que a lei ou o regulamento eximam dessa
imposição, em razão de segurança nacional, investigação criminal ou interesse
público, o que exige prévia declaração e motivação em processo regular.
Assim, a Constituição restringe a publicidade dos atos processuais, por exem-
plo, quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5o, LX);
para a retificação de dados, quando não prefira o cidadão fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo (art. 5o, LXXII, “b”).

ATENÇÃO
É de fundamental importância ressaltar que a mera veiculação da notícia, pela imprensa
falada, escrita ou televisada, do ato praticado pela Administração Pública não atinge a es-
sência do princípio da Publicidade, mesmo que a divulgação do ato ocorra em programas
dedicados a noticiar, especificamente, assuntos relativos ao dia-a-dia administrativo, como é
o caso de a Voz do Brasil, conforme já decidiu o STF.
Nos casos dos atos individuais (atos com destinatários certos), a publicação só vale se for
feita pessoalmente, como é o caso de intimação pessoal para quem responde a processo
administrativo disciplinar, bem como aprovação em concursos públicos.

Caso concreto 2 – É legal a determinação, a título de ilustração, da


Administração Pública no sentido de designar nova data para a realização da prova
de aptidão física para a candidato, aprovado no exame intelectual , mas que perdeu
a prova de exames físicos, porque não teve acesso à convocação feita pela internet.
Caso concreto 3 – João, objetivando adquirir determinado imóvel no bair-
ro X, fica sabendo, por meio de amigos, que, nessa região, será construída uma
nova linha do metrô e, consequentemente, diversos imóveis serão desapropriados.
Tendo em vista referido fato, pede informações à Companhia do Metrô, que se re-
cusa a fornecê-las. Com tal atitude, restou preterido o princípio da Administração
Pública denominado da Publicidade.

capítulo 1 • 24
PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
Art. 37 da CRFB

DIVULGAÇÃO DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Art. 5, XXXIII da CRFB

PARA FINS PARA FINS


DE EFICÁCIA DE CONTROLE

Sua publicação deve ser resumida


salvo os atos administrativos normativos CONTROLE INTERNO CONTROLE EXTERNO

TRIBUNAL DE PODER
CONTAS JUDICIÁRIO

Princípio da eficiência

Em tese, a eficiência não seria nem princípio e, sim, o resultado de uma ativi-
dade administrativa.
O quinto e último princípio explícito no caput do Art 37, também reitor
da função administrativa, é o princípio da Eficiência, que passou a integrar a
Constituição da República com a edição da EC nº 19, de 1998, denominada de
Reforma Administrativa do Estado, e cuja ideia básica é orientar toda a atividade
administrativa no sentido de que ela seja desempenhada não só com legalidade,
moralidade e impessoalidade, mas também com presteza, perfeição e funcionali-
dade, de modo que a Administração tem o dever de ser eficiente quando da prática
de seus atos, não podendo o administrado ser punido ante a inoperância injustifi-
cada do órgão administrativo.
É importante ficar registrado que o princípio da eficiência é o que determina
que a Administração Pública tem a obrigação, como sempre teve, de otimizar os
recursos de pessoal e material de que dispõe, em razão da carência de seus recursos
financeiros, para aplicá-los equitativamente no atendimento das várias finalidades
de interesse público a serem atendidas, para permitir o atendimento gradual de
todas elas.
Assim, partindo-se da premissa de que princípio é um mandamento fun-
damental que inspira a atuação administrativa, não se pode dizer, então, que
a Eficiência seja um mandamento inspirado de sua atuação. A Eficiência é o

capítulo 1 • 25
resultado da própria atuação, podendo ser medida objetivamente através de pare-
ceres, peças técnicas, perícias, etc. No princípio da Eficiência, a palavra-chave está
na busca da perfeição, no rendimento funcional. É o que se espera de toda boa
administração, um dever.

PERGUNTA
Eficiência é gastar menos? É atender ao interesse público, mesmo gastando mais? Hoje,
a doutrina majoritária vem afirmando que o princípio da Eficiência está intimamente ligado
com a economicidade. Mas, a nosso ver, a economicidade não é a pedra angular do princípio
da Eficiência. A eficiência gira em torno de um controle de resultados e não obrigatoriamente
econômico. Resultado não significa lucro e, sim, a melhor satisfação em prol do interesse da
coletividade. Na real verdade, o princípio da Eficiência envolve uma análise prévia, na qual se
busca equilibrar a relação custo/benefício.

Caso concreto 1 - Entre construir uma ponte ou construir um terminal de


barcas para atravessar determinado riacho, a Administração deve levar em conta o
custo dos investimentos e o benefício em termos de desenvolvimento econômico,
de geração de empregos, geração de impostos. Então, como se observa facilmente,
o princípio da Eficiência tem como objetivo um maior grau de racionalidade eco-
nômica nos gastos públicos.
Ainda pelo princípio da Eficiência, é reprovável que um juiz, por exemplo,
afirme que fez concurso para juiz e não para administrador de cartório. O perfil
do juiz, hoje, também é o de supervisor e administrador, pois o juiz titular da
Vara é o responsável pela condução das atividades desenvolvidas no âmbito de
seu cartório. De forma que não vá o juiz só tomar conhecimento dos problemas
que ali ocorrem, inviabilizando a prestação jurisdicional eficiente, quando estes se
tornam manchete de jornais. Absurdo, por exemplo, as petições que são juntadas
oito meses após a entrada do requerimento. A cada ano, há um milhão e duzen-
tos mil processos novos e os juízes têm compromisso com a qualidade. A grande
morosidade da justiça dá margem à perda de sua credibilidade; daí dizer-se que a
justiça é lenta e cara.
Atualmente, um caso que merece destaque em nossos tribunais, no tocante
ao princípio da Eficiência, é a situação envolvendo o sistema penitenciário bra-
sileiro, onde ocorrem diversas violações de direitos fundamentais previstos na

capítulo 1 • 26
Constituição Federal, sendo a população carcerária submetida a situações extrema-
mente vexatórias e desumanas, enfrentando superlotação em presídios, torturas,
homicídios, violência sexual, celas insalubres, proliferação de doenças infectocon-
tagiosas, alimentação inapropriada, falta de água potável, de produtos higiênicos
básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem
como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do
controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gêne-
ro e de orientação sexual, características incompatíveis com os recursos disponibi-
lizados pela Administração Pública.
Pautando-se no princípio supramencionado, determinou o STF, recentemen-
te, a liberação do saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para uti-
lização com a finalidade pertinente ao mesmo, bem como abster-se de realizar
novos contingenciamentos, sendo a mesma compelida, junto ao Estado de São
Paulo, a fornecer informações sobre a situação do sistema prisional. Ou seja, tal
decisão, pautada em dados da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara
dos Deputados.

PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Art. 37 da CRFB

ACRESCENTADO PELA
E. C no 19/98

O DEVER DE RESULTADO NA GESTÃO PÚBLICA PODE


SER MEDIDO OBJETIVAMENTE

FORTALECE O CONTROLE JURISDICIONAL IMPORTANTÍSSIMO PARA APLICAÇÃO


DO ATO DISCRICIONÁRIO DA TEORIA DA RAZOABILIDADE

Figura 1.1  –  Outros princípios informadores do direito administrativo.

Embora não explicitados pelo legislador no Art. 37, caput, da Constituição


Federal, há outros princípios igualmente fundamentais a serem observados pela
Administração Pública, pois que já se encontram enraizados por todo o Direito
Administrativo, especificamente, nele incidindo com a mesma força jurídica da-
queles formalmente inscritos, orientando o administrador público no seu proceder.
Eis, então, alguns desses preceitos.

capítulo 1 • 27
Princípio da supremacia do interesse público

De acordo com a doutrina clássica, que hoje tem como representante mais
ilustre no Direto brasileiro o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, o prin-
cípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular é não apenas um
princípio jurídico de aplicação a diversos casos concretos, ele é mais do que isso:
é um postulado de todo o Direito Público e, consequentemente, também do
Direito Administrativo, cujo sistema se delineia, se constrói, segundo esse autor,
exatamente em função da consagração dos princípios da Supremacia do Interesse
Público sobre o Interesse Privado e o da Indisponibilidade dos Interesses Públicos
pela Administração, que seriam as “pedras de toque”, as “pedras angulares”, os
pilares do Direito Administrativo moderno1.
E isto se justifica, porque o primeiro proclama a superioridade do interesse
da coletividade, firmando sua prevalência sobre o interesse do particular, como
pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-
se garantidos e resguardados; e o segundo, porque parte do pressuposto de que a
Administração possui poderes-deveres, ou seja, a ela são concedidos determinados
poderes como meios para alcançar uma finalidade previamente estabelecida pela
ordem jurídica, que é defesa do interesse público, da coletividade como um todo,
e não da entidade governamental em si mesma considerada. São poderes que a
Administração Pública não pode deixar de exercer, portanto, sob pena de respon-
der pela omissão, ao mesmo tempo em que devem ser exercidos sem excessos, o
que, contrariamente a isto, caracterizar-se-ia em abuso.
É o princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, portanto,
que justifica a própria existência do Direito Administrativo, enquanto ramo do
Direito Público que rege as relações da Administração com os administrados e que
tem como norte a persecução e consecução do bem comum.

Caso concreto 1 - Partindo-se de um exemplo no campo do poder de polícia,


imagina-se a atuação da polícia de trânsito não agindo para bloquear determina-
das áreas. A presunção é sempre de que o interesse público não foi renunciado pela
inação, e isto porque se pressupõe que a omissão, o não agir, foi a melhor maneira
de preservar o interesse público naquelas circunstâncias.
Contudo, não havendo justificativa para essa omissão, pode o servidor público
responder administrativamente, e até criminalmente em algumas circunstâncias,
1  BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 22ª. Ed.. São Paulo: Malheiros, p. 46.

capítulo 1 • 28
e a Administração responder civilmente perante os administrados. Isto signifi-
ca dizer que, mesmo no campo das competências discricionárias, o princípio da
Indisponibilidade do Interesse Público impõe uma avaliação de que a omissão, ou
seja, que a inação seja a conduta da Administração que melhor atende ao interesse
público e, portanto, ela precisa ter uma justificativa à vista das circunstâncias do
caso concreto.

Supremacia do Interesse Público

Disponível

Transigir / Renunciar I – Arbitragem - STF

Princípio da autotutela

Um dos mais importantes corolários do princípio da legalidade é a autotu-


tela, que vem a ser um princípio informativo do Direito Administrativo de fácil
entendimento, vez que já traz em sua própria nomenclatura a noção básica de
seu significado, qual seja: se tutela é sinônimo de controle, logo, quando se fala
em Autotutela, fala-se em autocontrole. Daí partindo, Autotutela administrativa
significa o controle interno que a Administração Pública exerce sobre a sua própria
atuação, sobre os seus próprios atos.
Assim, por ser o Estado o guardião da legalidade, ao se deparar com algum
vício de legitimidade, seja uma ilegalidade expressa, seja um vício de moralidade,
ou até mesmo um equívoco de interpretação da lei, não pode a Administração
Pública andar de braços dados com a ilegalidade, ou ficar de braços cruzados, se
assim se preferir dizer, sob pena de ferir o Art 37 da Constituição Federal.
Então, ao exercer uma fiscalização interna quanto à sua atuação, seja de ofício
ou por provocação do particular, a Autotutela possibilita à Administração Pública,
de um lado, reapreciar seus atos e anular os que forem ilegais – nesse caso fala-
se até em dever-poder de anulação, e não apenas em faculdade (em princípio é
um dever, que não é absoluto, porque ainda teria a convalidação, assunto a ser

capítulo 1 • 29
estudado, mais detidamente, quando se começar a apreciar a teoria geral do ato
administrativo) – e, de outro, como segunda prerrogativa nesse autocontrole, a
Administração também pode revogar os atos legais, por se apresentarem inconve-
nientes e inoportunos, e sem precisar de interferência do Judiciário.

Caso concreto 1 - Exemplo semelhante é com relação ao INSS, que concedeu


aposentadoria a uma pessoa e, posteriormente, a própria previdência percebeu
que aquela tal pessoa está recebendo R$ 800,00 a mais do que deveria. No caso,
o INSS pode diminuir o rendimento do aposentado? Sim, porque o princípio da
Autotutela é de caráter obrigatório, ou seja, sendo detectado um vício de legitimi-
dade no ato, a Administração não pode perpetuá-lo, devendo assim anular o ato
em decorrência do princípio da legalidade. Portanto, não cabe direito adquirido
diante de um ato anulado, diante do desfazimento daquele erro, porque a anula-
ção produz efeitos ex tunc. Nesse caso, no entanto, tem que ser garantido o devido
processo legal.

FIQUE LIGADO
Mas, e quanto à devolução do que foi recebido a mais? Nesse sentido, mister se faz
salientar que, até pouco tempo, havia aquele entendimento de que os servidores ativos e
inativos, e os pensionistas, tinham que devolver à União, por força de lei, os valores que inde-
vidamente a eles foram pagos, mesmo reconhecida a boa-fé dos mesmos, e isto de acordo
com a Súmula 235 do TCU.
Recentemente, essa súmula acabou sendo revogada através de uma decisão do STF, via
Recurso Extraordinário. E o que isso significa, concretamente? Significa que os servidores
ativos e inativos, e os pensionistas, continuam obrigados, por força de lei, a restituir ao erário,
em valores atualizados, as importâncias que lhes forem pagas indevidamente, mas só no
caso de má-fé, assegurando aos interessados o contraditório e a ampla defesa.

capítulo 1 • 30
Princípio da Autotutela
Administrativa

Intimamente ligado ao Princípio


da Legalidade

Conceito Doutrinário

Súmula 437 dos STF

Palavra-chave: sem interferência


do Judiciário

Princípio da motivação

É um dos mais revolucionários do Direito Administrativo, sendo intensamen-


te utilizado como garantia contra arbitrariedades dos governantes, porquanto seu
conteúdo principiológico exige, em regra, que todo administrador público dê sa-
tisfação aos administrados das razões jurídicas e fáticas que justificam a prática de
todos os atos e decisões administrativas.
Tal postulado foi desenvolvido primeiramente no Direito Administrativo ale-
mão, visto que, por lá, a motivação consta em cláusulas do rol constitucional
de direitos e garantias individuais. Assim, de acordo com o Direito alemão, esse
princípio estaria implícito na ideia de que todo cidadão deve ter conhecimento das
razões pelas quais os direitos lhe são conferidos ou negados. E mais do que isso:
do ponto de vista da defesa desses direitos, individuais e coletivos, seria um desdo-
bramento das cláusulas do devido processo legal e das garantias do contraditório
e da ampla defesa.

capítulo 1 • 31
Caso concreto 1 - Exemplifique-se, hipoteticamente, com o fechamento da
Avenida Rio Branco, uma das mais movimentadas do centro de uma cidade. Mas,
quais os motivos? Quais as razões? É preciso ter motivo e motivo idôneo. Então,
o administrador tem que pensar nas consequências do fechamento da Av. Rio
Branco, porque ele, administrador, serve ao interesse público, e o interesse da
Administração não pode superar o interesse da coletividade, o que obriga ao Poder
Público motivar os seus atos. Desse modo, a motivação serve principalmente para
controlar os atos discricionários. A permissão de uso sem motivação, por exemplo,
é ato arbitrário. E isto é muito bem vindo, pois os atos discricionários com moti-
vação facilitam o controle no Judiciário.
No tocante ao dever de motivar, todavia, a doutrina é divergente, existindo
diferentes entendimentos sobre essa obrigatoriedade, mas não sem antes aqui des-
tacar-se uma curiosidade: em relação à Administração Pública como um todo,
o constituinte pátrio foi extremamente técnico no Art 37, caput, simplesmente
dizendo que os princípios da Administração Pública se aplicam verticalmente a
todos os entes federativos da União até os municípios e horizontalmente a todas
as administrações públicas dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
No entanto, no que se refere ao princípio da Motivação, o constituinte o inse-
riu como princípio cogente da administração do Poder Judiciário, genericamente
dizendo que as decisões administrativas dos tribunais devem ser necessariamente
motivadas, o que poderia ou deveria ter dito em relação à Administração Pública
como um todo, fazendo alusão a essa exigência nos incisos IX e X do art. 93, am-
bos com redação dada pela EC nº 45, de 2004, como se pode apreciar, in verbis:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o
Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamen-
tadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em de-
terminados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos
nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique
o interesse público à informação;
X – as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública,
sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros

A esse respeito, contudo, divergem os autores quanto a esse princípio, assim


formando-se quatro vertentes de entendimento.

capítulo 1 • 32
A primeira delas, majoritária na doutrina moderna, parte do raciocínio de
que todos os atos devem ser motivados em virtude do princípio da Moralidade,
da Finalidade. Só com a Motivação o destinatário do ato e a própria população
vão poder exercer o controle popular sobre as decisões administrativas, com fun-
damento no art. 93, X, da Constituição Federal.
Corrente capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello dirá que, embora
seu caput só se refira ao Poder Judiciário, literalmente, tal artigo, porém, não pode
ser interpretado ipsis verbis, assim afirmando que ele deve ser aplicado a todo e
qualquer exercício de atividade administrativa. Trata-se, portanto, de uma inter-
pretação ampliativa, pois, se, para a função atípica do Judiciário, a administrativa,
ele tem que julgar, quem exercer essa mesma função administrativa de maneira
atípica terá também que motivar; em outros termos, se o Judiciário, quando exer-
ce atipicamente a função administrativa, tem que motivar a decisão, com muito
mais razão o Poder Executivo, que tipicamente exerce essa função.
No entanto, parece não prevalecer ainda essa visão mais moderna; pode ser até
uma tendência, mas hoje não prevalece essa corrente na doutrina.
A segunda corrente, porém, que é minoritária, tem uma visão completamente
oposta à primeira, ou seja, nenhum ato precisa ser motivado se não houver previ-
são legal, já que a motivação não é princípio constitucional. Então, como regra, a
motivação não é obrigatória.
Já a terceira corrente é mais tradicional, tendo como seu maior defensor o sau-
doso professor Hely Lopes Meirelles, cujo entendimento, e de seus seguidores, é no
sentido de que os atos vinculados devem ser motivados, mas os discricionários não
necessitam, obrigatoriamente, de Motivação, a não ser quando a lei assim o exigir.
Porém, se eles forem motivados ficariam vinculados aos motivos alegados para todos
os fins de direito, o que em doutrina se chama de teoria dos motivos determinantes.
Essa posição, todavia, é muito criticada, pois se os atos vinculados são aqueles
em que não há liberdade de agir, ora, para quê então estes atos precisam de mo-
tivação, se a própria lei já fornece os motivos? Mas é justamente nos atos discri-
cionários, em que há certa liberdade de agir do administrador, uma liberdade nos
limites da lei, que se necessita saber as razões, a fundamentação à atuação estatal,
não se equivocando em afirmar, inclusive, que quanto maior a discricionariedade
outorgada à autoridade, maior a necessidade dessa motivação.
Por fim, tem-se a quarta corrente cujo entendimento é no sentido de que só
os atos administrativos decisórios devem ser motivados, ou seja, não é qualquer
ato administrativo que será motivado, mas qualquer ato administrativo que tenha
cunho decisório.

capítulo 1 • 33
É claro que, já de início, acena certa dificuldade dizer o que é um ato deci-
sório e o que não é um ato decisório, pois, na prática, é difícil falar-se de algum
ato administrativo que, de alguma maneira, não afete direito de alguém. Mas, na
definição do professor Diogo de Figueiredo, basicamente, ato decisório é o que
restringe ou condiciona o direito de alguém; é o ato que afeta direito ou interesse
de alguém. Se levado esse conceito ao pé da letra, porém, quase todo ato admi-
nistrativo tem cunho decisório e, assim, praticamente, fica-se com a regra geral
de Celso Antônio. Mas, em tese, Diogo frisa que só o ato decisório precisa ser
motivado. Então, frente à banca da PGE/PGM, se for esquecida a definição de ato
decisório, resta a “dica” do art. 50, I, da Lei nº 9.784/99, pois quando o professor
Diogo define ato decisório, ele se vale das expressões que estão neste dispositivo da
lei, ainda que não o cite.
Por que então essa última corrente só vai exigir motivação nos atos decisórios?
Para isso, ela traz dois fundamentos constitucionais: o primeiro fundamento seria o
princípio da Ampla Defesa e do Contraditório. Só com a motivação, a defesa, do
cidadão em geral, poderia ser considerada ampla e efetiva; sem saber o porquê de um
ato administrativo, o cidadão não conseguiria se defender de maneira ampla e efetiva,
argumento este do professor Diogo que parece já ter sido reconhecido pelo STF, in-
clusive nas relações privadas, cujo leading case consta no Informativo nº 405 do STF.

Princípio da motivação

Obrigatoriedade

Ato Vinculado Ato Discricionário

Doutrinariamente

1o Corrente 2o Corrente 3o Corrente 4o Corrente

Atos Todos atos


Motivação com Dominante -
Sancionatórios tem que ser
Previsão legal STF
Art. 93 da CRFB Motivados

capítulo 1 • 34
MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 36ª. edição, 2016,
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 34ª. Edição, 2014, pág 84

Princípio da continuidade dos serviços públicos

Os serviços públicos essenciais não podem ser interrompidos. Uma Delegacia


de Polícia tem que funcionar 24 horas, por dia, assim como os plantões de emer-
gência, os transportes e outros serviços essenciais.
Partindo-se da noção mais estrita de serviços públicos, que tradicionalmente
a doutrina concebe como sendo todas as atividades administrativas prestadas pelo
Estado, ou por seus delegatários, no sentido de oferecer utilidades ou comodidades
materiais destinadas a satisfazer não só os administrados em geral, como também
a cada particular, singularmente, a exemplo do fornecimento de água, luz, gás,
dentre outros, a expressão serviço público presente no princípio da Continuidade
significa mais que isso: ao englobar todas as atividades administrativas desempe-
nhadas pelo Estado em seu conceito, por continuidade do serviço público enten-
de-se que essas atividades estatais devem ser dotadas de uma organização tal, e
cercadas de um conjunto de garantias legais, que não possam ser paralisadas em
prejuízo de direitos dos cidadãos.
Uma outra projeção do princípio da continuidade do serviço público está
relacionada à questão da greve, que é vedada em serviços de natureza essencial
e naqueles considerados, por lei, como imprescindíveis ao desenvolvimento e à
segurança da sociedade, prevendo o Art 37, VII, da CF/88, que o direito de greve
dos servidores públicos será regulamentado por lei específica, mas observando que
é expressamente vedado o exercício desse direito aos militares (Art 142, § 3o, IV).
Caso concreto 1 - Um caso interessante, manchetes de jornais, girando em
torno da situação fática. A empresa COMÉRCIO e IMPORTADORA XYZ, que
trabalha com produtos comestíveis importados, apesar de ter pago todos os im-
postos devidos, não obteve a liberação de sua mercadoria pelo Delegado da Receita
Federal em virtude de greve levada a efeito pelos fiscais daquele órgão. Preocupado
com o perecimento dos produtos e, com o consequente prejuízo iminente, posto
que não poderia aguardar o término da greve, diante da natureza das mercadorias,
a empresa recorreu ao Judiciário. Pergunta-se: a alegação de greve e consequente
impossibilidade de prestar o serviço embasam legalmente a omissão do Delegado?

capítulo 1 • 35
A alegação de greve e consequente impossibilidade de prestar o serviço não
embasam legalmente a omissão do Delegado. Muito embora o serviço esteja seria-
mente comprometido em virtude da greve, deve o mesmo ser prestado, ainda que
em condições não muito favoráveis e satisfatórias, não prevalecendo a omissão do
Delegado sob este argumento, devido ao fato que o serviço público, por essencial,
deve ser mantido mesmo no decorrer da greve.
O mandado de segurança, com o fundamento de violação a direito líquido e
certo da impetrante em ter liberadas suas mercadorias, sob risco de ocorrência de
lesão irreparável. Foi acertadamente concedida a segurança na ação mandamental
impetrada, haja vista que o particular não pode sofrer as consequências advindas
da paralisação do serviço público, ainda mais no caso de risco de dano irreparável,
como no caso em tela, em homenagem ao princípio administrativo, que deve
nortear a prestação de serviços públicos, que é o princípio da permanência ou
continuidade do serviço público.
Outras consequências importantes que decorrem do princípio da continuida-
de estão ligadas ao serviço público em si, como, por exemplo, a impenhorabilida-
de de bens públicos afetados ao serviço. A possibilidade desta penhora constitui,
como se sabe, o ato processual pelo qual o juiz reserva um bem do patrimônio do
devedor para a satisfação do credor e poderia comprometer a continuidade do
serviço. E isto, como princípio geral, se aplica não só aos bens da Administração
Pública direta e indireta, mas também aos bens de concessionárias e permissioná-
rias diretamente usados na prestação do serviço.
Mais uma advertência. Não se pode fazer a penhora de bens das concessioná-
rias, pois, do contrário, estar-se-ia dissolvendo o serviço público. Assim, a penho-
rabilidade tem que estabelecer um limite, que é não comprometer o interesse pú-
blico; no entanto, pode-se requerer a penhora da receita, mas desde que também
não vá afetar a continuidade do serviço público.
Também decorre do princípio da continuidade a possibilidade de interven-
ção no serviço público, utilizando-se o maquinário do concessionário e respecti-
vo pessoal.

capítulo 1 • 36
Decorrem do princípio da continuidade
dos serviços públicos

Consequências importantes

A execução do contrato não


Impenhorabilidade dos bens das Possibilidade de intervenção
cumprido (art. 39, parágrafo único
concessionárias no serviço público concedido
Lei no 8987/95)

Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

A aplicação da razoabilidade e da proporcionalidade só tem espaço, funda-


mentalmente, nas decisões discricionárias da Administração como um instrumen-
to, vislumbrando-se no princípio da Proporcionalidade esta função instrumental,
um instrumento que deve guiar a ponderação dos diversos interesses públicos e
particulares que emergem em um dado caso concreto.
Partindo-se dessa premissa, então, o que é ser razoável? Significa agir confor-
me a razão, ser moderado, comedido, aceitável, ponderado, sensato, sendo nesse
sentido que o agente público, no desempenho de suas funções, deve buscar solu-
ções dentro daqueles valores considerados razoáveis, compatíveis com os critérios
lógicos que se pode exigir do bom administrador, ao visar ao interesse público.
Então, há que se reconhecer que a conduta do administrador público se situa
obrigatoriamente dentro dos padrões de aceitabilidade. Assim, todo ato será ra-
zoável quando houver adequação entre meios e fins, e somente os atos manifes-
tamente absurdos devem ser controlados pelo Poder Judiciário com fundamento
na razoabilidade.

Caso concreto 1 - Por exemplo, caso seja exigido em um edital de concurso


público o nível técnico para determinada área, é possível candidatos com o nível
superior, da mesma área, concorrerem para estas vagas? A título de ilustração: téc-
nico de administração e graduados em Administração. Existe algum princípio que
ampare neste caso? Sim, o princípio da Razoabilidade. Se a formação superior na
mesma área englobar os conhecimentos abrangidos pelo ensino técnico da mesma

capítulo 1 • 37
área, a recusa do candidato com formação superior à mínima exigida não é razoá-
vel. O candidato que tenha nível superior e que se interesse por uma vaga de nível
médio pode prestar o concurso para a oportunidade; já o contrário é que não seria
razoável (formação/escolaridade mínima).

Na adequação entre meios e fins, o que se procura ver é em que medida sacri-
ficar o interesse individual em nome do interesse público, ou vice-versa, constitui
fator adequado da sua composição, do seu atendimento recíproco, sem que um
exclua o outro completamente.
Há alguma distinção entre Razoabilidade e Proporcionalidade? Na real verda-
de, trata-se de uma distinção conceitual, mas que não acrescenta nada na aplicação
cotidiana desses princípios; aplica-se a razoabilidade e a proporcionalidade indis-
tintamente, da mesma forma, que é o que está prevalecendo nos dias atuais, como
o próprio STF vem fazendo, usando tais princípios como se fossem sinônimos.
Então, possível verificar que diversas são as oportunidades em que a jurisprudên-
cia se utiliza dos termos razoabilidade e proporcionalidade indistintamente, assim
como a doutrina a eles se referem.
Outra particularidade do princípio da Razoabilidade está em que, para o
Superior Tribunal de Justiça, com a edição da Súmula 266, é vedada a exigência
do diploma do curso superior ao candidato para que ele possa fazer as provas, o
que afronta os princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, traduzindo-se
em discriminação, que é repudiada pelo Direito. A apresentação do diploma para
demonstrar que o candidato tem conhecimentos necessários ao desempenho da
função ou cargo só pode ser exigida para os efeitos da posse (o candidato só passa a
ser servidor público com a posse – Art 2o c/c Art. 7o, da Lei nº 8.112/90). Assim,
tendo a parte interessada apresentado o diploma para o ato de posse, logo, satis-
feito estará o requisito da capacitação profissional exigida no edital. Arbitrário é o
ato da Administração Pública que a impede de tomar posse sob o argumento de
que o diploma deveria ser apresentado no instante da inscrição.
Uma das restrições editalícias mais polêmicas, e que tem sido tema de diversas
lides, é, inquestionavelmente, a que se refere à exclusão sumária de candidato em
concurso público por constar seu nome em “cadastros de restrição ao crédito”,
tais como os conhecidos SPC e/ou SERASA, de maneira generalizada. Trata-se,
muitas vezes, de uma restrição imposta à própria participação em si do candidato
nas etapas do concurso; noutras, no ingresso ao cargo, após a aprovação em todas
as etapas.

capítulo 1 • 38
Já no que tange à segunda hipótese, que se refere a candidato regularmente
aprovado em concurso público em todas as etapas, mas cuja exclusão antecede a
posse por motivo de investigação social e constatação de que seu nome consta em
algum cadastro de restrição ao crédito, imposição esta contida no respectivo edital
do concurso, também se entende que persiste a ilegalidade na restrição taxativa;
todavia, outros argumentos pendem para tal constatação.
Não é à toa que, diferentemente do particular, seja este pessoa física ou jurí-
dica, a Administração Pública deve observar, na prática de seus atos, vários princí-
pios que a regem e que a impõem postura de preponderância diante do particular,
tendo sempre como foco o interesse público, sob pena de não observar, dentre ou-
tros princípios, o da impessoalidade. Noutras palavras, não existe a Administração
Pública para a realização de seus próprios interesses, mas tão somente para o alcan-
ce do interesse público, daí a sua obrigação de observar os princípios que a regem
e os quais controlam e limitam o seu poder, a fim de evitar excessos ou desvios no
que alude ao interesse colimado.
No caso em foco, em que um candidato ao ingresso a cargo público é excluído
e considerado reprovado por ter, à época da posse, seu nome inscrito em cadastros
de restrição ao crédito, parece ser esculpido de total falta de razoabilidade por
parte do administrador, característica esta que esboça o princípio da razoabilidade,
dando-lhe a consequente configuração da ilegalidade.
Pecará o administrador se, na prática de seus atos e imbuído do poder que
detém, agir de maneira indiscriminada e reprovar todo e qualquer candidato que
tiver seu “nome sujo”, conforme o termo vulgarmente utilizado, constatado por
meio de certidões que são exigidas no edital do certame. A este propósito, há que
se distinguir – e aqui entra o dever do administrador de aplicar o princípio da
Razoabilidade – entre o devedor contumaz, que reiteradamente deixa de cumprir
suas obrigações e compromissos os quais assumiu, mesmo sabedor de que não
detém recursos para honrá-los, e que muitas vezes já se configura um verdadeiro
estelionatário, e aquele outro devedor que, independentemente de sua vontade
e/ou por razões momentâneas, deixou de honrar alguns pagamentos, talvez pelo
próprio fato de encontrar barreiras no mercado de trabalho e, por isso mesmo, ter
se empenhado e obtido uma difícil aprovação em um emprego público. Ou seja,
desclassificar esse candidato, seja no ato da inscrição ou no ato da posse, seria uma
maneira abusiva e totalmente infundada por parte do administrador, que ignorou
a sua obrigação de observar os princípios que regem a Administração Pública,
sobretudo o da Razoabilidade.

capítulo 1 • 39
O princípio da Proporcionalidade decorre da materialização de um ato admi-
nistrativo ao caso concreto que motivou sua expedição, reputando arbitrário todo
aquele cujos meios utilizados para realizá-lo sejam desproporcionais aos fins que a
Administração Pública quer alcançar. Ou seja, o princípio da Proporcionalidade
impede a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior ao es-
tritamente necessário para o interesse público. O Poder Público, quando intervém
nas atividades sob seu controle, deve atuar porque a situação reclama realmente
a intervenção, mas esta deve se processar com equilíbrio, sem excessos e propor-
cionalmente ao fim a ser atingido. Portanto, a Proporcionalidade é um grande
instrumento de frenagem para coibir, principalmente, a imperatividade do poder
de polícia.
Caso contrário, suponha-se que a Administração Pública tenha determina-
do que feirantes, ocupantes de área pública, deveriam ser transferidos para outro
local que lhes foi destinado, fixando prazo para que se procedesse à transferên-
cia. Expirados todos os prazos fixados, foi dada ordem para que a Polícia Militar
providenciasse a desocupação da área pública. Porém, os ocupantes, em número
de quinze, resistiram, usando paus e pedras, às tentativas de desocupação. A po-
lícia, por sua vez, com um efetivo de trinta homens, usou de força para cumprir
as ordens recebidas. Terminado o confronto, dois feirantes foram mortos e vá-
rios sofreram lesões corporais graves provocadas por tiros disparados pela polícia.
Em face dessa atuação hipotética, não há dúvidas que o denominado “poder de
polícia” é autoexecutório, não necessitando de autorização judicial, e é também
coercível, na medida em que poderá se valer da força física para realizá-lo, uma vez
que a coercibilidade é característica do poder de polícia. Contudo, para ser lícita,
a atuação da Administração deveria ter obedecido ao princípio da Razoabilidade
e da Proporcionalidade. No caso objeto da questão, a polícia agiu desarrazoada e
desproporcionalmente ao desferir disparos com arma de fogo, provocando mortes
e ferimentos dos manifestantes, que não portavam arma de fogo, mas pedras e
paus, e estavam em número menor do que o de policiais envolvidos.
Ainda no tocante ao tema, com ampla repercussão na imprensa nacional e in-
ternacional, o Judiciário brasileiro, com os avanços tecnológicos e o surgimento de
aplicativos que possibilitam a comunicação entre indivíduos (WhatsApp), viu-se
diante de um grande impasse e uma grave ofensa ao Princípio da Proporcionalidade.
No caso em tela, os magistrados, buscando a quebra de sigilos de dados do apli-
cativo supramencionado para fins de investigação criminal, determinaram o

capítulo 1 • 40
bloqueio do serviço em todo o território nacional, afetando diretamente milhares
de usuários de forma generalizada e irrestrita.
Buscando combater as referidas decisões, os Desembargadores Xavier de
Souza, da 11ª Câmara Criminal do TJ/SP e Raimundo Nonato da Costa Alencar,
do TJ/PI, com base no princípio constitucional da Proporcionalidade, determina-
ram a revogação das suspensões impostas, uma vez que tais decisões estenderam
seus efeitos muito além dos limites aceitáveis, atingindo, de forma generalizada
e irrestrita, toda a sociedade. Houve violação ao princípio da Proporcionalidade,
pois, a pretexto de interceptar apenas uma linha telefônica brasileira, milhões de
usuários em todo o país foram afetados pela medida, acarretando ônus a pessoas
que não estão diretamente ligadas à investigação criminal. Milhões de usuários
sejam afetados em decorrência da inércia da empresa em fornecer informações
à Justiça. Tal decisão pune mais de 100 milhões de brasileiros que dependem do
nosso serviço para se comunicar, administrar os seus negócios.
Concluindo-se, portanto, que uma medida ou um ato estatal tem que passar
pelas seguintes apreciações:

99 Adequação
A adequação significa dizer que toda ação administrativa, toda a medida esta-
tal só se justifica na medida em que ela for apta, idônea, adequada e suficiente para
promover uma finalidade prevista na norma jurídica.
Há também exemplo concreto, acontecido no Brasil há alguns anos, quando
a Administração Pública, por uma de suas inúmeras agências reguladoras, deter-
minou, como medida de polícia administrativa de trânsito, que todo condutor
de veículo deveria portar um kit de primeiros socorros, contendo luvas, como as
usadas em procedimentos hospitalares, esparadrapo e mercúrio cromo. Essa ação,
num primeiro momento, representa uma imposição ou uma restrição à proprie-
dade individual.
É preciso que se despenda recurso com esse kit, como condição do exercício
do seu direito de locomoção, no seu direito de conduzir o veículo automotor.
Essa medida administrativa não se mostrava apta, idônea para atingir os fins que
a Administração pretenderia. Há comprovação estatística que a maior parte das
lesões ocorridas em acidentes de trânsito é de natureza ortopédica, de alta gravida-
de, e aquele kit de primeiros socorros não se mostrava como instrumento apto a
garantir maior segurança no trânsito. Às vezes até incentivava pessoas não habili-
tadas a prestarem cuidados não adequados para aquele necessitado.

capítulo 1 • 41
Mas essa medida, do ponto de vista da proporcionalidade, não se mostrou
adequada a atingir o fim a que Administração Pública se propôs com a sua adoção;
portanto ela é desproporcional e, consequentemente, inválida.
Reforce-se, então, que para uma medida ser razoável, proporcional, esta tem
que ser adequada ou compatível com a finalidade perseguida pelo Poder Público.
Em outras palavras, os meios utilizados pelo Poder Público têm que ser adequados
para o alcance das finalidades perseguidas pelo próprio Poder Público, porque, se a
medida for utilizada, e ela não for, naturalmente, um meio adequado para atingir
aquela finalidade perseguida, tal medida será irrazoável ou desproporcional.

99 Necessidade ou Exigibilidade
O segundo teste do princípio da Proporcionalidade, que se soma ao anterior
numa gradação, como uma espécie de segundo degrau da Proporcionalidade, en-
volve a apreciação da necessidade, também chamada exigibilidade ou subprin-
cípio da vedação do excesso da medida estatal.
Por esse subprincípio, dentre os meios adequados para a consecução de um
determinado fim eleito pela Administração, deve a Administração escolher aquele
que restringe no menor grau possível os direitos individuais. Ou seja, a atuação do
agente deve ser aquela unicamente necessária quando não há outra forma menos
gravosa, menos restritiva, para alcançar o fim perseguido, daí justificar-se a princi-
pal função dos juízes, que é aplicar as normas jurídicas de acordo com a gravidade
do ato e o grau de importância do bem jurídico constitucionalmente protegido.
Exemplo hipotético que também se pode trazer aqui, por ser bastante signifi-
cativo, é o de uma fábrica, que produz seus bens, gera renda, empregos a muitas
pessoas de um determinado município, mas cuja chaminé, com o decorrer dos
tempos, começou a emitir poluentes acima do normal na atmosfera. Sendo as-
sim, supõe-se que um fiscal vai a essa fábrica, verifica que a emissão de poluentes
está, de fato, um pouco acima do permitido pela legislação, chegando à conclu-
são de que, para essa irregularidade, há necessidade de o Poder Público aplicar
uma medida para tentar evitar a poluição ao meio ambiente, e assim alcançar esse
fim perseguido.
Então, o que pode o fiscal fazer no caso? Dentre as medidas que podem ser
adotadas no caso, ele verifica que pode determinar a colocação de um filtro na-
quela chaminé e, assim, a questão estaria resolvida, fazendo com que não houvesse
mais qualquer violação ao ordenamento, voltando tudo ao normal. Entretanto,
esse fiscal resolve interditar a fábrica, que tem 15.000 empregados, que incluem

capítulo 1 • 42
famílias que precisam daqueles empregos, e que também é importante para o
município, em virtude da circulação de bens e da produção de riquezas, mas que
o fiscal simplesmente determinou seu fechamento.
Nesse caso, mesmo que o ordenamento abra, em tese, essa hipótese ao fiscal,
poder-se-ia dizer que a medida adotada pelo Poder Público foi desproporcional,
considerando-se a finalidade perseguida pela atuação do Poder Público, porque
havia dois meios que poderiam ser empregados: a colocação do filtro ou a inter-
dição da fábrica. Assim, se o fiscal tivesse adotado a primeira medida, que seria a
colocação do filtro, esta seria menos restritiva, menos gravosa aos direitos funda-
mentais, e atingindo a mesma finalidade, que é a preservação do meio ambiente,
é proteger a sociedade contra a poluição. Com essa atuação, ninguém seria pre-
judicado, nem o meio ambiente, que estaria protegido, nem as pessoas, que não
estariam desempregadas com o fechamento da fábrica.
Percebe-se, desse modo, que a proporcionalidade pressupõe adequação entre
os atos e as necessidades, e cuja ideia é a medida que necessariamente será adotada,
é aquela medida menos gravosa, menos restritiva aos direitos fundamentais e que
alcançará o fim previsto na norma, na legislação.

Súmulas do STF/STF

Súmula Vinculante 3
Nos processos perante o tribunal de contas da União asseguram-se o contradi-
tório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de
ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalida-
de do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Súmula Vinculante 13
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral
ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de
servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou as-
sessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda,
de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos

capítulo 1 • 43
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreen-
dido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Súmula 14/STF
Não é admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da idade, inscri-
ção em concurso para cargo público.

Súmula Vinculante 44
Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a
cargo público.

Súmula Nº 346
A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.

Súmula Nº 473
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada,
em todos os casos, a apreciação judicial.

Súmula Nº 654
A garantia da irretroatividade da Lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da
Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a te-
nha editado.

Súmula 683/STJ
O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face
do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das
atribuições do cargo a ser preenchido.

Súmula 684/STJ
É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concur-
so público.

Súmula 266/STJ
O diploma de habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na
posse, e não na inscrição para o concurso público.

capítulo 1 • 44
ATIVIDADE
Leia o texto a seguir e responda a questão formulada.
Márcio ingressou com processo administrativo na Prefeitura de seu Município com a
finalidade de ver aprovada a reforma de seu prédio residencial. Após análise, o Município ex-
pediu ato decisório com, simplesmente, o seguinte teor: “indefiro”. Tal ato foi oficialmente pu-
blicado no jornal local, que funciona como o diário oficial municipal. Márcio protocola pedido
de vistas do processo, o qual lhe é negado sob o argumento de que o princípio da publicidade
já foi devidamente atendido com a feitura da publicação oficial Márcio, então, ingressa com
medida judicial reivindicando a invalidação dos dois atos administrativos (indeferimento do
projeto e do pedido de vistas) por serem contrários ao direito.
Diante do caso concreto em tela, discorra fundamentadamente sobre a correção ou ile-
galidade da medida.

RESUMO
Diante do exposto, você, com certeza, compreendeu e percebeu o perfil dos Princípios da
estrutura da Administração Pública à luz da Constituição, envolvendo os conceitos de direitos
do homem, direitos humanos, o bem-estar social, direitos fundamentais e procuramos valo-
rizar a praticidade, repleto de casos concretos, com posições consolidadas da doutrina e das
mais atuais jurisprudências, o que facilita imensamente a compreensão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2013.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pública centralizada e descentralizada, Tomo I.13ª.
ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.

capítulo 1 • 45
capítulo 1 • 46
2
Poderes
administrativos
Poderes administrativos
Introdução

É milenar o fato de que o poder fascina o homem, que sempre o buscou desde
a mais remota civilização. Vem de longínqua data, portanto, a existência do domí-
nio de uns sobre os outros e que, em certas ocasiões, o poder perpassa os limites do
justo e do razoável, criando um cenário de submissão, com contornos autoritários.
Por isso, imperioso se faz dizer que o poder deve ser vigiado, pois, quando
este tem total soberania e independência, tende a desencadear em abuso, excesso
e consequente injustiça. Deve, pois, ser exercido com ponderação e com objetivos
recobertos de legalidade.
Atualmente, num Estado Democrático, tem-se maior capacidade de vigiar o
poder e denunciar o seu desvio e excesso, embora, contraditoriamente, seja cada
vez mais comum a constatação de casos em que o poder é desviado de sua verda-
deira função, sendo utilizado para a consecução de benefícios próprios daqueles
que o executam, o que se vê quase diariamente nos noticiários.
Como se não bastasse, além disso, notória tem sido também a omissão de
muitas autoridades, sobretudo quando deveriam atuar, caracterizando-se as suas
inércias em relação ao poder que lhes é outorgado e que deveriam utilizá-lo em
prol do bem comum. Ou seja, a liberdade aumentou e, em consequência, na mes-
ma proporção, os abusos dela decorrentes, que lhe seguiram os passos.
Da mesma forma, contudo, a democracia também concede aos cidadãos o
direito de cobrar das autoridades públicas a fiel aplicação do poder, através da
pontual atuação em benefício do bem comum, nos mais diversos fatores que en-
volvem a vida em sociedade, e que este poder está pautado.

OBJETIVOS
•  Assimilar que os Poderes Administrativos são irrenunciáveis, destinando-se única e ex-
clusivamente a instrumentalizar o administrador público para que este atenda à satisfação
do interesse público, o bem comum da coletividade, em razão da supremacia especial que o
Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração Pública;
•  Identificar nas atividades do Estado o poder de polícia e suas peculiaridades, inerente ao
ordenamento e ao Estado de Direito, em razão da supremacia do interesse coletivo.

capítulo 2 • 48
O abuso do poder

Numa definição bastante sumária, o abuso de poder é a violação formal ou


ideológica da lei e, segundo a doutrina vigente, admite duas modalidades básicas:
o excesso de poder e o desvio de poder ou de finalidade, como é mais conhecido.
O excesso de poder não enseja grandes discussões, pois é a violação de uma
regra de competência. Ocorre quando o agente, embora competente, atua fora da
determinação legal ou do ato normativo. Assim, se a lei dita quais são as atribui-
ções do agente e, mesmo assim, ele excede os limites da competência que lhe foi
conferida pela Administração para agir em seu nome, utilizando o poder de forma
abusiva, portanto, consequentemente há uma violação formal da lei.
Caso concreto - A ilegalidade conhecida por excesso de poder ocorre, por
exemplo, quando a lei prescreve que a permissão de uso de bem público só pode
ser outorgada a título precário, mas o agente a outorga por certo prazo. Da mesma
forma, ocorre esse vício quando a lei estabelece que qualquer concessão de serviço
público só pode ser outorgada sem exclusividade, mas o agente público celebra o
contrato de concessão com essa cláusula. Mais um exemplo: pela Lei nº 8.112/90,
a comissão de inquérito se encerra com o relatório. No entanto, a comissão, num
determinado caso, aplica a sanção. A comissão de inquérito extrapolou os limites
de sua atribuição em, por acaso, demitir o servidor de sua atribuição legal. E ain-
da, a lei permite a entrada de qualquer pessoa em dado recinto público, enquanto
um determinado ato, no entanto, veda o ingresso de mulheres.
Há de se observar, todavia, que o excesso de poder é considerado pelo STJ
menos grave que o desvio do poder (ou de finalidade). No excesso de poder, o ato
não é nulo por inteiro; naquilo que não exceder, aproveita-se. Ou seja, há a nuli-
dade de, apenas, uma parte. É o que ocorre, por exemplo, quando da penetração
no imóvel, no decreto de desapropriação, que há de ser feita com cautelas, que
constitui um dos efeitos do decreto. Só que, ao ingressar em bem imóvel, o abuso
de poder não vai anular todo o ato de desapropriação.
Já a segunda espécie de abuso consiste no desvio de poder ou desvio de fina-
lidade. Neste caso, não é a competência que se excede, mas se trata do adminis-
trador praticar ato divorciado do interesse público, agindo de modo a afastar-se
dos objetivos previstos, explícita ou implicitamente, na regra da competência,
apartando-se, dessa forma, do princípio da impessoalidade ou da finalidade. O
agente extrapola os limites da lei, valendo-se de sua suposta obrigação em agir nos

capítulo 2 • 49
ditames legais e voltado ao interesse público, mas pretendendo um fim diverso do
qual lhe é lícito agir, assim violando ideológica ou moralmente a lei.
Caso concreto - Tal desvio acontece, por exemplo, quando o agente desa-
propria um bem para perseguir ou se vingar de um desafeto político ferrenho ou
para favorecer um parente, como foi um caso ocorrido em Magé, cujo prefeito
desapropriou um imóvel de um particular e, posteriormente, o vendeu para um
sobrinho instalar uma escola particular, embora, neste caso, haja a retrocessão,
sendo o direito do expropriado de exigir de volta seu imóvel, porquanto o mesmo
não teve o destino para o qual foi desapropriado. Note-se, assim, que a atuação
do agente, nessa hipótese, está sendo de maneira pessoal, afastando-se, portanto,
do interesse público para dar atendimento ao interesse privado, diferentemente
quando se desapropria um imóvel para fazer uma escola e, posteriormente, muda-
se a finalidade, ali se construindo um hospital, mesmo porque o interesse público
muda a todo instante.
Caso concreto - Interessante julgado pelo STF foi o caso de um determinado
Estado que, semestralmente, determinava a troca das cédulas de identidade, cuja
finalidade seria questões relacionadas ao aperfeiçoamento da segurança pública,
mas mediante o pagamento de uma taxa, visando aumentar a receita pública. Este
ato administrativo, contudo, é ilegal por inteiro; o ato é nulo e não há como apro-
veitá-lo. Repetindo-se, então: no desvio de finalidade, o ato é ilegal por inteiro,
não havendo como aproveitá-lo em parte. Nesse mesmo sentido, ocorre quando
se institui a zona azul, cuja finalidade é a ordenação do tráfego e do trânsito, mas
também com o fito de aumentar a arrecadação pública.

O abuso de poder por omissão

De fato, quando se fala em abuso de poder, a ideia que se tem é que a conduta só
pode ser cometida através de atos, condutas comissivas da Administração Pública.
Ocorre que há também a forma omissiva de abuso de poder, que a Administração
o faz, e com muita frequência, cometendo abusos através de omissões.
Mas, em que momento se configura o abuso de poder por omissão? A partir
de que momento surge o abuso de poder? A partir de que momento tem o parti-
cular o direito de agir contra a Administração para compeli-la a se pronunciar ou
a motivar a eventual negativa?
Para responder tais questões, bom é lembrar-se de um entendimento dou-
trinário que diz o seguinte: enquanto perdurar o silêncio, estando obrigada a

capítulo 2 • 50
Administração a se manifestar a respeito de determinado tema, o administrado
não perde o seu direito subjetivo; por isso, afirma-se que, no silêncio, não flui o
prazo do mandado de segurança. É claro que, se há prazo estabelecido em lei ou
em regimento interno ou em outro ato normativo qualquer, ultrapassado aque-
le prazo, já há abuso de poder, começando, assim, a fluir o prazo do mandado
de segurança.
Caso concreto - Como exemplo, tem-se o daquele empresário que requer a
renovação da licença de funcionamento de sua empresa e, passados seis meses da
protocolização desse requerimento, nada foi decidido pela autoridade adminis-
trativa competente. Que medidas e argumentos jurídicos poderiam ser deduzidos
em favor da empresa? Nesse caso, cabe ação judicial, especialmente o mandado de
segurança, para compelir a autoridade competente a se pronunciar. O Judiciário
não pode substituir à Administração para deferir a licença, mas pode ordenar que
ela aprecie o pedido, deferindo-a ou indeferindo-a, pois todo pedido administra-
tivo deve ser respondido (dever de decidir) por força do direito constitucional de
petição (Art 5o, XXXIV, “a”, CF). A decisão deve ser proferida dentro do prazo
fixado pela legislação (no âmbito federal, na ausência de lei específica, o prazo é de
cinco dias – Art. 24, da Lei 9784/99, que trata do processo administrativo fede-
ral). Fora do âmbito da União, inexistindo lei específica, a resposta deve ser dada
em prazo razoável, que certamente deve ser inferior a seis meses para uma licença
de funcionamento.
Questão polêmica, porém, em relação à última hipótese aventada, é quando
o Poder Público não tem prazo para se manifestar, surgindo daí a complicação,
tendo-se que aplicar o conceito do prazo razoável. Ultrapassado tal prazo, estará
havendo, com certeza, o abuso do poder. Alguns autores dizem até que esse prazo
razoável é o próprio prazo decadencial de 120 dias, necessário para a interposição
tempestiva do mandado de segurança.
Mas, então, o que é prazo razoável? Como ele se configura? Para estas res-
postas não existem uma regra rígida, pois o conceito jurídico de prazo razoável é
indeterminado, dependendo do requerimento, dependendo do local entre outros.
É o magistrado, portanto, que vai analisar, casuisticamente, se o prazo razoável
já escoou. A título ilustrativo, o juiz pode, simplesmente, afirmar: “Diante da
dificuldade deste requerimento, já que o direito postulado é complexo, entendo
que não existe ainda a fluência do prazo razoável que daria ensejo à impetração
do mandado de segurança. Não havendo, portanto, ato abusivo de poder, por
omissão, indefiro a inicial”.

capítulo 2 • 51
Em sentido contrário, pode ser que seja um requerimento bastante simplório,
como uma certidão de tempo de serviço, mas que, após seis meses, a Administração
não se manifeste. A certidão por tempo de serviço é um ato vinculado e, ultrapas-
sado aquele prazo razoável, surge o abuso de poder.

FIQUE LIGADO
O grande problema é quando o silêncio da Administração incidir sobre um ato discricio-
nário, porque o juiz não pode se intrometer no mérito administrativo, isto é, no aspecto relativo
à conveniência e à oportunidade dos atos discricionários, que só podem ser valoradas pelo
administrador público.
Então, como exemplo, tem-se o seguinte: um circo quer se instalar na cidade, mas, após
requerimento visando tal objetivo, a Administração Pública não tem prazo para se manifestar.
Porém, após 45 dias sem resposta, o circo impetra mandado de segurança, daí surgindo um
problema para o juiz, pois ele não pode conceder uma coisa que está sujeita ao poder dis-
cricionário da Administração Pública. Nesta hipótese, o direito líquido e certo do postulante
não é o próprio ato, mas a motivação do ato. O juiz poderá, tranquilamente, determinar à
Administração Pública que motive o ato ou para que se expresse em tantos dias, sob pena
de multa diária.

As medidas cabíveis ao abuso de poder

Com efeito, o abuso do poder tem merecido sistemático repúdio da doutrina


e da jurisprudência, e, para seu combate, o constituinte armou-nos com o remédio
heroico do mandado de segurança, cabível contra ato ilegal ou abusivo de qual-
quer autoridade (Art 5o, LXIX, da CF).

Questão terminológica

Conforme já mencionado no início, anteriormente, no Direito Administrativo,


Abuso do (de) Poder é um gênero, cuja doutrina esmagadora, subdivide em duas
espécies: excesso de poder e desvio de poder (ou desvio de finalidade).
Todavia, interessante distinguir o termo “Abuso de Poder” de “Abuso de
Autoridade”. A distinção feita pela doutrina administrativista, nesse sentido, in-
dica que o Abuso de Poder, seja na forma de excesso de poder, como de desvio de

capítulo 2 • 52
finalidade, poderá configurar algum dos crimes de Abuso de Autoridade, descritos
em sua tipicidade, nos artigos 3º e 4º, da Lei federal nº 4.898/65.
Assim, não será mero “jogo de palavras” afirmar que “todo abuso de autoridade
será um abuso de poder, mas nem todo abuso de poder será abuso de autoridade”.
Contudo, a fim de que não pairem dúvidas outras, faz-se necessário alertar que
o Direito Penal brasileiro ao se referir a essas duas expressões (Abuso de Autoridade
e Abuso de Poder), adota ainda significados distintos dos acima explicitados, e que
não coincidem com os postulados do Direito Administrativo.
Com base no Art 61, inciso II, letras “f ” e “g”, do Código Penal brasileiro e na
doutrina penalista pátria, a diferença é a seguinte:
– Abuso de poder – abuso no exercício de uma função pública – Art 61, II, g, CP.
– Abuso de autoridade – abuso no campo do direito privado – Art 61, II, f, CP.

Poder vinculado

Há poder vinculado, também denominado competência vinculada, quando


a autoridade, ante a determinada circunstância, é obrigada a tomar certa decisão,
pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica. Portanto, a atuação do
administrador está vinculada à lei. A lei retira o poder de decisão do administrador
e decide no seu lugar, impondo a prática do ato.
Caso concreto - Ilustrando-se hipóteses de poder vinculado, verifica-se que a
Lei nº 8.112/90 prevê que o funcionário público, faltando ao serviço por mais de
30 (trinta) dias consecutivos ou 60 (sessenta) dias interpolados, durante o período
de doze meses, tem de ser demitido (Art. 132, II e III). Constatadas essas hipóte-
ses (requisitos legais), a lei não oferece alternativa ao administrador, nem mesmo
em se tratando de um funcionário exemplar, não havendo que se falar, portanto,
em perdão. Logo, constata-se que a autoridade administrativa está vinculada aos
comandos da lei.
Outra hipótese se encontra no Art. 117, XI, da mesma Lei, a qual proíbe
terminantemente que o servidor atue como procurador ou intermediário junto a
repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assis-
tenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro, comporta-
mento aquele que é punível com demissão. E tem mais: a demissão por infringên-
cia do mencionado artigo incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em
cargo público federal pelo prazo de 5 (cinco) anos.

capítulo 2 • 53
Destarte, poder vinculado ou poder regrado é aquele que o Direito Positivo
– a lei – confere à Administração para a prática de ato de sua competência, deter-
minando os elementos e requisitos necessários à sua formalização, repete-se, não
existindo, portanto, liberdade operacional nem análise de conveniência e opor-
tunidade no poder vinculado. O administrador age como mero executor da lei,
porque atos vinculados são o reflexo da própria lei.

Poder discricionário

Na essência, poder discricionário é a faculdade conferida à autoridade admi-


nistrativa de escolher, ante a certa circunstância, uma entre várias soluções possí-
veis. Mas, como se pode identificar se um ato é discricionário ou não?
Toda vez que a lei utiliza o verbo “poder” ou, da mesma forma, expressões do
tipo “é facultado”, “a critério”, “de acordo com o juízo de conveniência e opor-
tunidade”, e outras correlatas, ela estará se referindo a atos discricionários, estará
enfocando o poder discricionário, e que pode ser demonstrado com o seguin-
te exemplo: uma determinada pessoa mora num lugar que não tem iluminação;
ela reclama e requer a prestação deste serviço. Pois bem, a autoridade irá pres-
tar o serviço, se entender ser oportuno e conveniente, exercendo, assim, o po-
der discricionário.
Esse poder de escolha que, dentro dos limites legalmente estabelecidos, tem
o agente do Estado, entre duas ou mais alternativas, na realização da ação estatal,
é que se chama poder discricionário. Poder discricionário é poder, mas poder sob
os limites da lei e que só será válido e legitimamente exercido dentro da área cuja
fronteira a lei demarca. O poder ilimitado é arbítrio, noção que briga com a do
Estado de Direito e com o princípio da legalidade que é dele decorrente.
Caso concreto - Outro exemplo do poder discricionário, no parâmetro da lei,
é o fechamento de boates. Assim, se o fundo de comércio tinha autorização para
funcionar como restaurante, mas funcionava como boate, apesar do alvará constar
ser para restaurante, diz a legislação que, uma vez descumprida a finalidade do
alvará, a Administração Pública pode: a) advertir; b) fixar um prazo para regulari-
zação; c) suspender temporariamente as atividades; d) cassar o alvará.
No caso, quando a lei abre esse leque de opções, o administrador vai poder
escolher a punição. Esta possibilidade de escolha, dentro do âmbito da lei, é exer-
cício do poder discricionário, pois a lei não previu um só comportamento, mas
vários. Contudo, tem a Administração que motivar a sua escolha, ou melhor, terá
que mencionar porque escolheu uma opção e não a outra, tendo que ser a punição

capítulo 2 • 54
adequada ao caso, e cuja última saída é cassar o alvará. Há que preponderar, por-
tanto, o princípio da proporcionalidade da sanção em relação aos meios.
Caso concreto - Nesse mesmo sentido, agora com relação ao funcionário
público, a Lei nº 8.112/90 prevê, ao lado da demissão, que o atraso do servi-
dor “poderá” ser punido com advertência, suspensão, multa, tratando-se, por-
tanto, de uma escolha; logo, é uso do poder discricionário do administrador,
no entanto, recebendo como limite desse poder o emprego da razoabilidade e
da proporcionalidade.

FIQUE LIGADO
Há que se observar, porém, que um ato discricionário, por natureza, pode se transformar
num ato vinculado, desde que a autoridade administrativa motive a sua ação. Motivando-a, o
administrador fica preso à existência e à comprovação daqueles motivos, passando a ser um
ato vinculado. Assim, na punição, a Administração vai ter que motivar o ato, para fim de defesa
no processo administrativo, no chamado “devido processo legal” e o “direito à ampla defesa”.

O discricionário e o arbitrário

Pelo que se acaba de expor, seria desnecessário dizer que poder discricionário
não se confunde com poder arbitrário, pois arbítrio não se confunde com dis-
crição, que é a faculdade de agir ou não agir de acordo com uma norma jurídica
prévia. Arbítrio, ao contrário, é justamente a ação em desacordo com a norma
jurídica de um determinado sistema, uma ação antijurídica, portanto.
Caso concreto - Determinada lei prevê a possibilidade de suspensão punitiva
por um mínimo de 30 (trinta) dias e, no máximo, de 90 (noventa) dias, e o ad-
ministrador utiliza, por exemplo, uma suspensão por 100 (cem) dias. Ora, isso se
caracteriza como arbitrariedade. Discricionariedade é liberdade para atuar dentro
dos limites da lei, enquanto a arbitrariedade é a atuação do administrador fora dos
limites da lei. Por isso, o ato arbitrário é ilegal, ilegítimo, inválido, e, portanto,
nulo.

A apreciação do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário

capítulo 2 • 55
Todos os atos administrativos podem submeter-se à apreciação judicial de sua
legalidade, e este é o natural corolário do princípio da legalidade. No que se refere
aos atos discricionários, todavia, é mister distinguir dois aspectos: podem eles so-
frer controle judicial em relação a todos os elementos vinculados, ou seja, aqueles
sobre os quais não tem o agente liberdade quanto à decisão a tomar. Assim, dá-se
como exemplo: se o ato é praticado por agente incompetente; ou com forma di-
versa da que a lei exige; ou com desvio de finalidade; ou com o objeto dissonante
do motivo.
O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz
se substitua ao administrador. Vale dizer, portanto, que não pode o juiz entrar no
terreno que a lei reservou aos agentes da Administração, perquirindo os critérios
de conveniência e oportunidade que lhe inspiraram a conduta. A razão é simples:
se o juiz se atém ao exame da legalidade dos atos, não poderá questionar critérios
que a própria lei defere ao administrador, sob pena de se macular o grandio-
so Sistema dos Freios e Contrapesos, atualmente conhecido como princípio da
Separação dos Poderes, insculpido no Art 2º de nossa Lex Mater.
Cabe ressaltar que, modernamente, os doutrinadores têm considerado os prin-
cípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade como valores que podem ensejar o
controle da discricionariedade, enfrentando situações que, embora com aparência
de legalidade, retratam verdadeiro abuso de poder.
O referido controle, entretanto, só pode ser exercido à luz da hipótese con-
creta, a fim de que seja verificado se a Administração portou-se com equilíbrio,
no que toca aos meios e fins da conduta, ou se o fator objetivo de motivação não
ofende algum outro princípio, como, por exemplo, o da igualdade, ou, ainda, se
a conduta era realmente necessária e gravosa sem excesso. Não é tarefa simples,
porém, porque a exacerbação ilegítima desse tipo de controle reflete ofensa ao
princípio republicano da Separação de Poderes, anteriormente referido, cujo axio-
ma fundamental é o do equilíbrio entre tais poderes.

Poder hierárquico

capítulo 2 • 56
Considerações

Quando se pensa em qualquer tipo de empresa bem organizada, pressupõe-


se que dentro de sua estrutura haja uma hierarquia, além de disciplina aos seus
funcionários. E, em se tratando da Administração Pública, isto não é diferente.
Sendo assim, dentro da estrutura hierárquica, a autoridade superior vai poder
exercer sua influência decisória sobre a autoridade inferior a ela subordinada, ten-
do-se, portanto, uma hierarquia dentro da estrutura administrativa.
Poder hierárquico, então, é o de que dispõe o Estado para distribuir e escalo-
nar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabele-
cendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal. É
ela o alicerce, a base da própria estrutura administrativa, pois sem hierarquia na
atividade administrativa não seria possível seu funcionamento e seria o caos.
O poder hierárquico tem por objetivos ordenar, coordenar, controlar e cor-
rigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública.
Nesse âmbito, então, o poder hierárquico ordena as atividades da Administração,
repartindo e escalonando as funções entre os agentes do Poder, de modo que cada
um possa exercer eficientemente seu encargo; coordena, entrosando as funções,
no sentido de obter o funcionamento harmônico de todos os serviços a cargo
do mesmo órgão; controla, velando pelo cumprimento da lei e das instruções e
acompanhando a conduta, o cumprimento das obrigações e o rendimento de cada
servidor; e corrige os erros administrativos, pela ação revisora dos superiores sobre
os atos dos inferiores, verificando a legalidade de seus atos, podendo anular os atos
ilegais ou revogar os inconvenientes ou inoportunos, seja ex officio, seja mediante
provocação dos interessados, por meio dos recursos hierárquicos.

Ordem manifestamente ilegal

A título comparativo, verifica-se que, no sistema francês, um funcionário nun-


ca pode questionar a legalidade de uma ordem, e quem vai responder, na hipótese
de abuso, será quem expediu a tal ordem. Já no sistema vigente no Brasil, o fun-
cionário tem a obrigação de questionar a ilegalidade da ordem. Assim sendo, as
ordens manifestamente ilegais não são passíveis de cumprimento.
Quando o subalterno, servidor público, está cumprindo uma ordem supe-
rior, ilegal, a responsabilidade da ordem é do superior, respondendo o servidor,
ao cumprir tal ordem ilegal, como coparticipante na responsabilidade por aquele
ato, significando dizer que ele aderiu à ilegalidade, é coautor. Entretanto, caso o

capítulo 2 • 57
servidor não cumpra ordem legal da Administração, ele responderá a uma sanção
administrativa, que constará em seus assentamentos funcionais.

Âmbito de incidência da hierarquia

A hierarquia é cabível apenas no âmbito da função administrativa. Nos Poderes


Judiciário e Legislativo não existe hierarquia no sentido de coordenação e subor-
dinação, no que diz respeito às suas funções institucionais, tanto assim que não
há hierarquia entre juiz e desembargador, entre o vereador e o deputado estadual.
Mas, importante é lembrar que, tanto o Legislativo quanto o Judiciário, quando
exercem suas funções administrativas, serão abraçados pela hierarquia.
No Poder Legislativo, a distribuição de competências entre Câmara e Senado
também se faz de forma que haja absoluta independência funcional entre uma e
outra Casa do Congresso. Vigora o princípio da Partilha das Competências cons-
titucionais, peculiar às federações como a brasileira, em função do qual o poder
legiferante já se encontra delineado na Constituição. Assim, não há poder de man-
do, por exemplo, do Legislativo federal em relação ao estadual, quando a matéria
é suscetível de ser disciplinada por este, nem do Legislativo estadual sobre o mu-
nicipal, quando se trata de competência atribuída ao Município.
Também é válido afirmar que não há hierarquia administrativa nas funções
consultivas (pois um parecer, por exemplo, não pode ser revogado ou anulado
por outro), bem como não pode haver hierarquia nas funções institucionais dos
membros do Ministério Público, eis que esses agentes atuam sob os auspícios do
Princípio da Independência Funcional.
Questão que desperta interesse, no estudo da hierarquia, é que não há subor-
dinação entre as entidades da Administração Indireta e a Administração Central.
Assim, não se pode falar em recurso hierárquico dos atos destas entidades para a
Administração Direta. Logicamente, se não existe hierarquia, não se pode falar em
recurso hierárquico.
O poder hierárquico configura, assim, instrumento para que as atividades de
um órgão ou ente sejam realizadas de modo coordenado, harmônico, eficiente,
com observância da legalidade e do interesse público, podendo ser esquematizado
da seguinte maneira:

capítulo 2 • 58
PODER HIERÁRQUICO

ENCONTRADA EM TODA PESSOA


JURÍDICA QUE COMPÕE A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ORDENAR COORDENAR CONTROLAR CORRIGIR

ADMITE A AVOCATÓRIA QUE


PODE SER

CHAMAR PARA SI COMPETÊNCIA TRAZER DE VOLTA A


DE SUBALTERNO COMPETÊNCIA DELEGADA
Art. 15 da Lei no 9.784/1999 § 2o, art. 14 da Lei no 9.784/1999

Poder disciplinar

Poder disciplinar é o poder que tem a autoridade competente de averiguar


infrações funcionais praticadas por agentes públicos e para aplicar, se for o caso, a
respectiva sanção disciplinar.
Assim, a autoridade administrativa, ao tomar ciência de que o servidor pra-
ticou uma falta, tem o dever de instaurar o processo disciplinar administrativo,
sob pena de recair no crime de Condescendência Criminosa (Art 320, do Código
Penal) ou mesmo, conforme as elementares e circunstâncias, configurar o crime de
Prevaricação (Art. 319, do Diploma Legal brasileiro).

Discricionariedade do poder disciplinar

Característica do poder disciplinar é seu discricionarismo, no sentido de que


não está vinculado a prévia definição da lei sobre a infração funcional e a respec-
tiva sanção. Não se aplica ao poder disciplinar o princípio da pena específica que
domina inteiramente o Direito Criminal comum, ao afirmar a inexistência da
infração penal sem prévia lei. O administrador, no seu prudente critério, tendo
em vista os deveres do infrator em relação ao serviço e verificando a falta, aplicará

capítulo 2 • 59
a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enu-
meradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas.
A discricionariedade existe, limitadamente, nos procedimentos previstos para
apuração da falta, uma vez que nos estatutos funcionais não se estabelecem regras
rígidas como as que se impõem na esfera criminal.
Além disso, a lei costuma dar à Administração o poder de levar em considera-
ção, na escolha da pena, a natureza e a gravidade da infração e os danos que dela
provierem para o serviço público.

A indispensabilidade da motivação

Para a imposição da sanção disciplinar, é preciso haver motivação, isto é, a des-


crição das razões de fato e de direito que levaram a Administração a punir o servi-
dor, uma justificativa fundamentada à prática do ato, que pode ser resumida, sim,
mas não dispensada totalmente, por ser meio de controle do ato administrativo.

A prevalência da Independência dos Poderes

Aqui há que se fazer algumas abordagens da mais alta relevância, e a primeira


delas é com relação ao Poder Judiciário, que não poderá sindicar a decisão admi-
nistrativa proferida, pois, do contrário, haveria violação ao princípio constitucio-
nal da Separação dos Poderes, como foi abordado anteriormente.
Compete à Administração Pública, portanto, avaliar se as condutas pratica-
das pelos seus agentes guardam incompatibilidade com os valores ético-funcionais
que exigem a função pública. Trata-se de mérito administrativo, não cabendo ao
Judiciário substituir a vontade do administrador.
As sanções penais e administrativas, que se qualificam como respostas autô-
nomas do Estado à prática de atos ilícitos cometidos por agentes públicos. Assim,
caso ocorra a absolvição em sede penal, isto não significa que a sentença não sur-
tirá efeitos sobre a decisão administrativa, ou seja, elas não se condicionam, reci-
procamente, de modo que é possível a imposição de punição disciplinar indepen-
dentemente de prévia decisão da instância penal.
Portanto, o que se vê, dessa forma consagrada, é a Teoria da Separação Tripartite
de Funções Estatais, mais conhecida no linguajar jurídico diário como Separação
dos Poderes, cláusula pétrea fundeada no Art 2º, da Constituição da República de
1988. Por este preceito, a penalidade imposta legalmente pelo Estado, no exercício

capítulo 2 • 60
de sua função administrativa, por intermédio do poder disciplinar, possui autono-
mia em relação às penalidades estatais decorrentes da função jurisdicional do Estado.
Entretanto, não se deve olvidar que a penalização administrativa deve estar ba-
seada nos limites da legalidade, sob pena de a respectiva decisão punitiva imposta
pela Administração ser reformada pelo Poder Judiciário, caso tal questionamento
seja levado ao magistrado, por aquele que foi punido administrativamente, seja ele
agente público ou mesmo um particular nos casos deste se submeter à disciplina
administrativa, como é o caso dos contratados pelo Poder Público, em regime de
contratos administrativos.
Caso concreto - Como exemplo, tem-se o seguinte caso concreto: certo servi-
dor foi demitido do cargo de policial civil por violação de deveres funcionais apu-
rados em três inquéritos administrativos. A autoridade administrativa constatou
que, ao longo de cinco anos de exercício da função, o ex-policial participou de as-
salto, extorquiu família de ex-presidiário, desacatou autoridade superior, desviou
produtos de crimes, alterou dados de documentos policiais, invadiu domicílio
em horário interdito. Em processo administrativo disciplinar, foi regularmente
citado e constituiu advogada. Somente quanto ao crime de desacato à autoridade
o ex-servidor foi processado judicialmente e condenado, mas, em segundo grau,
a pena deste crime foi reduzida, o que demonstrou, em sede administrativa, que
sua conduta não incorrera em violações graves a ponto de justificar a sua demis-
são. Contudo, o relatório do processo administrativo disciplinar concluiu que:
“Dúvida não temos em propor que lhe seja aplicada a penalidade máxima, na for-
ma da indiciação, tendo em vista ser impossível manter nos quadros do Estado um
funcionário cujo comportamento e atitudes demonstram ser ele um policial insu-
bordinado, arbitrário e violento, inadequado, portanto, para o cargo que detém”.
Então, neste caso concreto, a redução de pena em processo judicial criminal é
suficiente para que o policial civil obtenha a reintegração ao cargo?
Examinando-se essa questão, inicialmente verifica-se que, das penalidades
previstas ao servidor público pela Lei no 8.112/90 (Art. 127, III), a demissão é a
mais extrema, aplicável quando fortes são a natureza e a gravidade da infração por
ele cometida, bem como os danos causados ao serviço público, sobretudo porque
as razões que levam a essa penalidade se devem aos casos arrolados no Art. 132,
I a XIII, da Lei (praticamente todos estão tipificados como figuras do Direito
Penal, crimes praticados por servidor contra a Administração Pública), estando
as circunstâncias e os possíveis antecedentes do servidor assentados em sua pasta
funcional, concorrendo para a aplicação da penalização máxima, que não poderia
deixar de ser outra se não a demissão do serviço público.

capítulo 2 • 61
Será por meio do instrumento do processo administrativo disciplinar que a au-
toridade competente irá apurar a responsabilidade do servidor, através de comissão
de inquérito formada para esse fim. Instaurado com a publicação do ato que consti-
tuiu a comissão, o inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório,
assegurada ampla defesa ao servidor, que poderá utilizar todos os meios de provas
admitidos em direito, conforme determina a Constituição da República (Art. 5o,
LV), apresentando peças defensivas, acompanhando a oitiva de testemunhas etc.
Peça importante de informação na instrução do processo disciplinar, no en-
tanto, são os autos da sindicância, uma vez que, caso o relatório concluir que o
servidor cometeu, de fato, a infração ou infrações a ele imputadas, sendo as mes-
mas capituladas como crimes, a autoridade competente encaminhará cópia dos
autos ao Ministério Público para a instauração da ação penal (Art. 171 da Lei no
8.112/90), independentemente da imediata instauração do processo disciplinar.
Julgada motivada e fundamentada a culpabilidade do servidor, deve a imputa-
ção corresponder ao volume da culpa do agente em relação ao evento infracional.
Contudo, para que isto ocorra, o servidor deverá ser submetido a processo-crime,
sendo-lhe assegurados o contraditório e a ampla defesa, e só depois de condenado,
à vista de provas concludentes, assim como ocorre com qualquer outro cidadão,
é que poderá o servidor ser punido administrativamente com a demissão, ciente
de que, em virtude desta não se comunicar com a punição de natureza criminal,
ele deverá cumprir pena, de reclusão ou detenção, se for o caso, conforme o crime
praticado contra a Administração.
No caso em tela, o servidor cometeu várias faltas disciplinares, alvo de pro-
cedimentos sindicantes e de três inquéritos, e registrava antecedentes de graves
violações de seus deveres funcionais. Sua demissão decorreu, portanto, de ato
motivado, fundado em apuração regular, que colheu provas suficientes, de cuja
produção participou o indiciado, assistido por advogada de sua escolha, caracteri-
zando conduta inconciliável com os valores da função policial.
O fato de o ex-servidor ter sido processado e judicialmente condenado apenas
a uma das imputações apuradas na instância administrativa (desacato à autoridade
superior) e, em segundo grau, a pena ter sido reduzida, não socorre a pretensão re-
integratória. A autonomia entre as esferas de responsabilidade civil, administrativa
e penal, consagrada em nosso sistema jurídico positivo, afasta influências recíprocas
entre as respectivas decisões, salvo se a força preclusiva da coisa julgada declarar
inocente o acusado por negar a autoria de crime ou a sua existência. E, mesmo
assim, a responsabilização funcional pode decorrer de resíduo administrativo incon-
fundível com a matéria penal. No caso em questão, da apuração resultou resíduo

capítulo 2 • 62
administrativo bastante para sustentar o ato demissório, de sorte que nenhum vício
deslustra o ato, que se reveste de razoabilidade e proporcionalidade à vista da gravi-
dade das faltas, e que deveria mesmo corresponder à máxima severidade da sanção.

TOME NOTA
Assim, as decisões criminais somente repercutirão na esfera administrativa quando a
absolvição proclamar inexistência de autoria ou de crime, caso em que não poderá ser im-
posta punição administrativa. De modo diverso, quando se fundar em falta ou insuficiência de
provas, poderá a Administração Pública analisar a possível punição administrativa.

DICA DA HORA
Outro aspecto que também não se pode deixar de abordar, por sua relevância, diz respei-
to à legislação que dispõe sobre as sanções aplicáveis ao servidor, que se for modificada no
futuro, de forma a não mais apontar a demissão como sanção aplicável, por exemplo, a de-
cisão anterior não poderá ser revista. Mesmo que se admita ação rescisória, a legalidade da
decisão rescindenda é enfrentada à luz da legislação vigente à época de sua proclamação, e
a modificação da legislação posterior não implica ilegalidade do julgado.

Poder regulamentar

É uma prerrogativa da Administração Pública de editar atos gerais, normas


gerais para complementar as leis, assim permitindo “sua fiel execução” (Art.
84, IV, da CF/88). Cabe frisar, porém, que o exercício dessa prerrogativa pela
Administração é voltado apenas para complementar os vazios da lei, para dar à
máquina administrativa condições de materializar a lei, não podendo, pois, a
Administração alterá-la, modificá-la, inovando na ordem jurídica, a pretexto de
estar regulamentando algo mais.
O fundamento constitucional do poder regulamentar, em relação à União,
é o inciso IV do Art 84, da CF/88, ao dispor que ao Presidente da República
compete expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis – o que
pressupõe, portanto, a existência de uma lei. No que diz respeito aos Estados-
Membros e Municípios, por sua vez, são os dispositivos semelhantes consignados

capítulo 2 • 63
nas Constituições estaduais e nas Leis Orgânicas municipais, até porque, pelo
princípio da simetria constitucional, o mesmo poder é conferido aos Chefes do
Poder Executivo (governadores, prefeitos, interventores) para os mesmos fins.
Quanto às justificativas do poder regulamentar, elas vêm frequentemente assim
apontadas: a lei não pode abrigar todas as minúcias da matéria que disciplina. Só
o Executivo tem conhecimento pleno dos mecanismos e meios administrativos ne-
cessários à fiel execução da lei, por vezes sendo necessário indicar, adaptar ou criar
órgãos administrativos para o cumprimento da lei; por outras, a execução da lei de-
pende de procedimentos administrativos, da elaboração de formulários etc. Todavia,
o poder regulamentar é subjacente à lei e pressupõe a existência desta, sendo com
este enfoque que a Constituição autorizou o Chefe do Executivo a expedir decretos
e regulamentos para viabilizar a efetiva execução das leis. Nesse sentido, então, só se
considera poder regulamentar típico a atuação administrativa de complementação
de leis, ou atos análogos a elas, visando à sua execução, na prática; daí o caráter deri-
vado desse ato normativo, que, por excelência, é o regulamento.

A independência da norma legal perante o poder regulamentar

Reforça-se que à Administração não cabe contrariar a lei (contra legem) e nem
ir além do permitido (extra legem), ou seja, o exercício do poder regulamentar
somente pode se dar secundum legem, só pode se dar em conformidade com o
conteúdo da lei e nos limites que ela impuser, decorrendo daí que não podem
os atos formalizadores criar direitos e obrigações, porque tal é vedado num dos
postulados fundamentais que norteiam o sistema jurídico brasileiro, qual seja:
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei” (Art 5o, II, CF). Se assim o fizer, a Administração estará cometendo abuso
de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo, podendo o ato
sofrer invalidação pelo denominado Poder de Sustação, estabelecido no Art 49, V,
da Carta Magna, que autoriza o Congresso Nacional a sustar atos normativos que
extrapolem os limites do poder de regulamentação.

A omissão do Poder Executivo em editar regulamentos

A lei deve prever o prazo para a sua regulamentação, sob pena de ser consi-
derada formalmente inconstitucional. Expirado este prazo em branco, a lei deve
tornar-se exequível para que a vontade do legislador não se figure inócua e eter-
namente condicionada à vontade do administrador. Nesse caso, os titulares de

capítulo 2 • 64
direitos previstos na lei passam a dispor de ação com vistas a obter do Judiciário
decisão que lhes permita exercê-los, com o que estará sendo reconhecido que a lei
deve ser aplicada e observada. As leis que trazem a recomendação de serem regula-
mentadas não são exequíveis antes da expedição do decreto regulamentar, porque
esse ato é condição da atuação normativa da lei. Em tal caso, o regulamento opera
como condição suspensiva da execução da norma legal, deixando seus efeitos pen-
dentes até expedição do ato do Executivo.

Poder de polícia

Considerações iniciais

O poder de polícia é uma prerrogativa outorgada pela Administração Pública


a seus agentes, que lhes dá o poder-dever de agir em nome dela. É através dessas
ações que o Estado intervém nas relações sociais, sendo este o seu real objetivo.
Nesta relação, o homem, então, é destituído de seu poder individual suposta-
mente absoluto e passa a figurar como coadjuvante num cenário maior, que é o
interesse público.
Relevante é ressaltar, portanto, que não há direito individual absoluto. Os
direitos são todos relativos em prol do interesse público, o que significa dizer
que a Administração pode limitar, condicionar e restringir os direitos individuais
em prol do interesse coletivo, mas sem poder jamais retirar o próprio direito do
cidadão, hipótese em que não seria poder de polícia, e sim arbítrio, configura-
dor do abuso de poder. Assim, em nossos dias, predomina a ideia da relatividade
dos direitos.
Nesses moldes, o poder que é conferido aos agentes públicos é irrenunciável,
não cabendo a eles a discricionariedade de usá-lo ou não. Ao contrário do que
ocorre na esfera particular, no âmbito público o poder será obrigatoriamente exer-
cido, tendo sempre em vista os interesses da coletividade, sendo então esse poder-
dever outorgado ao agente público denominado poder de polícia.

Conceituando o poder de polícia

Pode-se afirmar, então, que poder de polícia é o mecanismo de que dispõe a


Administração Pública para frear os abusos do direito individual, detendo a ati-
vidade daqueles que, porventura, se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao

capítulo 2 • 65
bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional. Trata-se, portanto, da
atuação do Estado que consiste em limitar, restringir ou mesmo condicionar direitos
individuais quando seu exercício redundar em prejuízo para o interesse público.

Polícia administrativa e polícia judiciária

A primeira diferença que todos os autores enfocam é que a polícia administra-


tiva atua de forma preventiva, dizendo que ela é uma “atividade-fim”, que ela é um
fim em si mesma ou se exaure em si mesma, em uma única fase, enquanto a po-
lícia judiciária atua de forma repressiva, sendo considerada uma “atividade-meio”
porque ela é preparatória, isto é, ela prepara o terreno para uma futura atuação
estatal ou para um outro órgão ou ente estatal qualquer. No entanto, vimos que
esse critério de distinção torna-se esvaziado quando se identifica entre ambas os
efeitos preventivo e repressivo, como se demonstrou no exemplo anterior e que
também veremos a seguir.
É evidente que, em princípio, toda atuação da polícia administrativa é pre-
ventiva, mas entendimento este que hoje em dia perdeu força, pois a ela não se
nega uma atuação repressiva. Senão, vejamos que: quando o fiscal da salubridade
visita um supermercado, por exemplo, ou um restaurante, ele vai preventivamente
(fazer uma fiscalização) para avaliar as condições gerais do estabelecimento. Mas,
se o órgão ou entidade de fiscalização sanitária ingressa naquele estabelecimento
comercial e lá encontra alimentos com validade vencida, alimentos fora da refrige-
ração adequada, enfim, impróprios para o consumo, em más condições de higiene
na sua conservação, problemas sanitários, insetos, vestígios de roedores, o que
pode fazer essa entidade ou esse órgão fiscalizador?
Aplicar imediatamente as sanções àquele estabelecimento e, se for o caso,
ao seu proprietário, apreendendo os alimentos impróprios para o consumo, por
exemplo, inutilizando-os depois, além de aplicar a multa equivalente ao ilícito,
assim abandonando a atuação preventiva para atuar repressivamente, lavrando o
auto de infração bem como o auto de destruição, para dar ampla defesa e o con-
traditório ao dono do estabelecimento, sob pena de ser um ato arbitrário.
Portanto, no caso da polícia administrativa, verifica-se que, muito embora
a ação do agente público seja, a princípio, fiscalizatória, meramente preventiva,
nada impede que sua atuação se converta em repressiva, a fim de que seja garantida
a salubridade, embora seja óbvio que esta não é a sua atividade principal.

capítulo 2 • 66
Outro exemplo de polícia administrativa é o caso em que o indivíduo cons-
truiu uma casa em área pública, de forma irregular e clandestina, tendo o Superior
Tribunal de Justiça decidido que a edificação, em tal circunstância, está sujeita à
demolição, não tendo o invasor direito à retenção nem à indenização por even-
tuais benfeitorias.
Já a polícia judiciária, por seu turno, embora também seja uma atividade ad-
ministrativa, ela é a primeira fase para a função jurisdicional penal, e é executada
por órgãos de segurança pública (polícia civil ou militar), sendo preparatória, por-
tanto, para a repressão, que se dará pelo Poder Judiciário.

Natureza jurídica do poder de polícia

A polícia administrativa funda-se em um vínculo geral entre a Administração


Pública e os administrados, que autoriza a imposição de condicionamentos ou
limitações ao uso, gozo e disposição da propriedade e ao exercício da liberdade, em
benefício do interesse público: a propriedade, porque deve cumprir sua função so-
cial, e a liberdade, por se compatibilizar com o princípio da prevalência do interes-
se público, condicionamentos estes relacionados ao bem-estar público ou social.
A razão do poder de polícia é, portanto, o interesse social, e o seu fundamento
está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pes-
soas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucio-
nais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e
restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder
Público o seu policiamento administrativo.

Competência

Como o Brasil é uma Federação com três espécies de entidades jurídicas com
capacidade política, a saber, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, é importante
abordar, de maneira ampla, a competência do poder de polícia, esclarecendo como
cada uma dessas esferas, na medida de suas competências constitucionais, exerce o
seu poder de polícia administrativa sobre os seus respectivos administrados.
É importante atentar para a seguinte regra: será competente para exercer
o poder de polícia administrativa a entidade que tem competência para legislar
sobre a matéria, segundo a repartição constitucional de competências, e o nos-
so sistema constitucional de competências discrimina, por exemplo, quais são os

capítulo 2 • 67
assuntos de competência legislativa privativa da União, que estão contemplados
no Art 22 da Carta da República.
Mas, já no art. 21, por exemplo, que trata das competências materiais da
União Federal, há uma referência, no inciso VI, sobre a autorização e a fiscaliza-
ção da produção e comércio de material bélico, e esta competência é exclusiva da
União. Por isso, quando o Município do Rio de Janeiro quis regular a compra e
venda de material bélico, tal pretensão foi-lhe negada porque, na real verdade, a
Constituição estabelece à União o poder de legislar sobre essa matéria.
Então, na prática, como se dá o exercício desse poder de polícia? Uma or-
dem legal, contida em uma lei federal, vai disciplinar as atividades de produção
e comércio de material bélico, e, por acaso, produção e comércio são atividades
expressamente enumeradas no art.78 do CTN. A lei federal vai então definir as
áreas em que são possíveis a produção e o comércio de material bélico, as circuns-
tâncias em que se tornará possível essa produção e comércio, e vai delegar a um
órgão interno da União, que é o Ministério da Defesa, que também através dos
seus órgãos internos, os Comandos Militares (Exército, Marinha e Aeronáutica),
vão fiscalizar e aplicar as normas legais referentes ao comércio e produção desse
material. Portanto, por esta conformação constitucional, chega-se à conclusão que
à União compete o exercício do poder de polícia na área de produção e comércio
de material bélico.
Da mesma forma, o inciso XXIV do art. 21 diz que à União compete orga-
nizar, manter e executar a inspeção do trabalho, e pelo art. 22, inciso I, à União
compete legislar privativamente sobre direito do trabalho. Através desta compe-
tência legislativa, então, editam-se normas legais disciplinando as relações entre
trabalhadores e empregadores. Portanto, com base no art. 21, XXIV, à União
compete exercer a polícia administrativa no campo do trabalho, ou seja, fiscalizar
o cumprimento das normas trabalhistas pelos empregadores, verificar as condições
de trabalho, os equipamentos para a proteção individual nas áreas de insalubridade
e periculosidade, enfim, se as normas de segurança no trabalho estão sendo obser-
vadas, se todas as obrigações pecuniárias do empregador em relação ao empregado
estão sendo cumpridas e sancionar os empregadores pelo seu descumprimento. E
nisso consiste o exercício da polícia administrativa de trabalho, conforme previsão
do inciso XXIV do art.21, da Constituição Federal.
Em outras áreas, no entanto, vai haver competência comum (art. 23 da CF)
entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, ou seja, cada entidade exer-
cerá o poder de polícia dentro do respectivo território, e, conforme o art. 24, esta

capítulo 2 • 68
competência é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Para isto,
porém, existe uma regra geral, prevista no § 1o desse art. 24, de que à União vai
competir editar normas gerais. Assim, a União traça as diretrizes gerais e essenciais
do tema legislado, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal editar normas espe-
cíficas adequadas a sua realidade, suplementando, enfim, aquelas normas gerais
de acordo com as suas peculiaridades. Nestas leis, federais e estaduais, vai haver,
então, uma distribuição de competências, em matéria de polícia administrativa,
entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Já os demais parágrafos desse
artigo estabelecem outras regras para o sistema de competências concorrentes.
Aos Estados, a competência é residual, segundo dispõe o § 1o do art. 25 da
Carta Republicana, estabelecendo como competência dos Estados aquelas que não
lhes sejam vedadas pela Constituição. Mas, naquelas áreas em que não há compe-
tência concorrente, no campo administrativo, evidentemente, só o Estado legisla
e só ele exerce poder de polícia.
Já a competência legislativa dos Municípios é conferida pelo inciso I do art. 30
da CF. A regra deste inciso confere competência ao Município para legislar sobre
assuntos de interesse exclusivamente local, fazendo coro a doutrina ao dizer que o
interesse há de ser predominantemente local, ou seja, entre interesses de dois entes
diferentes, o interesse preponderante deve ser o do Município, para que seja sua
a competência para legislar sobre o assunto, bem como suplementar a legislação
federal e estadual, no que couber, segundo o inciso II do mesmo artigo anterior-
mente mencionado.
Nesse contexto, vale citar que havia uma lei do Município de São Paulo esta-
belecendo que as drogarias não poderiam ter menos de cem metros de distância
de uma para outra, para evitar a aglomeração de farmácias. Em princípio, seria
uma lei de interesse local, relacionada à atividade econômica no Município, con-
dicionando ou restringindo o uso de bens. Trata-se, portanto, de uma limitação:
pode-se construir o que quiser, menos uma farmácia. O STF, no entanto, consi-
derou essa lei inconstitucional, porque compete apenas à União legislar sobre essa
matéria, pois interfere na livre iniciativa, no princípio da ordem econômica e uma
série de elucubrações sobre livre concorrência (art. 170 da Constituição). Mas, em
outras oportunidades, embora pareça estranho, o próprio STF tem o entendimen-
to de que a lei municipal que dispõe sobre o funcionamento de estabelecimentos
comerciais aos domingos é constitucional, pois é assunto de interesse local.
Agora, no que tange ao funcionamento de bancos, curiosamente, o STF enten-
deu de maneira contrária dos estabelecimentos comerciais em shopping centers,

capítulo 2 • 69
considerando constitucional a lei municipal que trata do assunto, como já dito,
mas, quanto ao funcionamento de agências bancárias, a competência é da União,
que privativamente pode legislar sobre sistema monetário e política de crédito e
câmbio (aplicação extensiva do art. 22, VI e VII, da CF), não prevalecendo, no
caso, o interesse local, mas o nacional.

Poder de polícia originário e poder de polícia delegado

Se o poder de polícia, como já dito, é conferido a todas as Pessoas Políticas


da Federação, a elas cabendo atuar editando leis e atos administrativos, coerente é
que se lhes confira, também, em decorrência, o poder de expor minuciosamente as
restrições, atuação esta que caracteriza o poder de polícia originário, o qual nasce,
portanto, com a entidade que o exerce, sendo pleno o seu exercício, subordinado
unicamente à Constituição; melhor dizendo, é exercido pelo próprio Estado –
pela administração pública direta. Então, a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios têm competência para exercer poder de polícia dentro daquele sistema
de partilha de competências estabelecido na Constituição.
Existe, ainda, o poder de polícia delegado é o que se transfere a outras pes-
soas administrativas vinculadas ao Estado – administração pública indireta –, para
atuarem através de lei formal, caracterizando-se por serem atos de execução. É o
poder que, embora limitado, as pessoas recebem através de um ato próprio para
isso, mas cuja delegação não é outorgada a pessoas de direito privado desprovidas
de vinculação real com os entes públicos, pois estas não possuem o ius imperii ne-
cessário ao desempenho do poder de polícia, ou seja, não têm competência legal,
atribuída originalmente a elas, para fazer determinadas fiscalizações, como foi na
época dos vários planos econômicos, quando vários órgãos da Administração mu-
nicipal e estadual receberam competência para fiscalizar o tabelamento de preços,
e como no caso do IBAMA, uma autarquia federal que, na área de meio ambiente,
exerce poder de polícia derivado ou delegado.

Formas de atuação do poder de polícia e seus meios de execução

Afirmar que o poder de polícia não pode ser delegado por ser uma atividade
adstrita à soberania estatal e o Estado não poder delegar aquilo que é ligado a sua
soberania, trata-se de um posicionamento superado. Nem tudo ligado ao poder
de polícia é vinculado à soberania do Estado, ou seja, ao poder de império, pois

capítulo 2 • 70
existem atividades ligadas ao poder de polícia que correspondem ao poder de
gestão, que são justamente aquelas praticadas sem que o Estado utilize de sua su-
premacia sobre os destinatários. Por isso, hoje predomina a posição intermediária,
isto é, que o poder de polícia é parcialmente delegável.
Pois bem, partindo-se dessas premissas, seguindo a orientação didática do
professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto, que nesse ponto é praticamente
repetida por quase todos os autores, existe um ciclo de fases que vão ser adotadas
no exercício do poder de polícia, que ele denomina de ciclo de polícia, elencando
quatro modos de atuação administrativa: pela ordem de polícia, pelo consenti-
mento de polícia, pela fiscalização de polícia e, por fim, eventualmente, pois nem
sempre necessária, pela sanção de polícia, momentos importantes que agora serão
detidamente analisados, detalhando-se seus meios de execução.
Ordem de polícia – O primeiro momento ou fase do exercício do poder de
polícia é a ordem de polícia, que é qualquer norma consubstanciada no princípio
da legalidade, pois ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei; logo, a ordem de polícia é matéria sujeita a reserva legal
e só por lei se pode veicular ordem de polícia. Um exemplo de ordem de polícia é
quando o Código de Trânsito Brasileiro menciona os requisitos para que seja ob-
tida a Carteira Nacional de Habilitação, uma norma genérica e também abstrata,
dirigida a todos os casos e também a todas as pessoas, que restringe a liberdade de
conduzir um veículo automotor em prol da segurança de terceiros.
Portanto, o ciclo de polícia se inicia guiado, necessariamente, por uma previ-
são legal dotada de generalidade e abstração que promove a limitação da liberda-
de individual, assim ocorrendo justamente para o Estado cumprir sua finalidade
precípua, que é atender ao interesse público. Por isso, as restrições ou condicio-
namentos estatais a direitos fundamentais estão nesse primeiro momento, estão
exatamente na ordem de polícia.
Consentimento de polícia – É ao lado da ordem de polícia que se encontra
esse segundo momento do exercício, o consentimento de polícia, que se manifesta
através de autorizações e licenças, basicamente. Nessa fase, então, o que o Estado
vai fazer? Ele vai restringir o exercício de algumas atividades privadas, geralmente
da livre iniciativa, que só poderão ser executadas com um consentimento prévio
do Poder Público, e quem vai destacar quais são essas atividades que precisam
desse consentimento é o legislador.
Assim, quando a lei confere à Administração apenas o poder-dever de aferir
os requisitos legais sem nenhuma margem de deliberação sobre a conveniência e

capítulo 2 • 71
oportunidade de se permitir ou não permitir o desempenho da atividade, está-se
diante de um consentimento vinculado, classificado pela lei como licença, que é o
primeiro momento de concretização administrativa da vontade legal de limitar a
vontade do particular em prol do interesse público maior.
Licença, então, é o ato administrativo vinculado pelo qual o Poder Público,
verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, possibilita-
lhe a realização de atividades ou de fatos materiais, vedados sem tal apreciação.
Portanto, a licença pressupõe apreciação do Poder Público no tocante ao exercício
de direito que o ordenamento reconhece ao interessado, por isso não pode ser
negada quando o requerente atende a todos os requisitos legais para sua obtenção.
Logo, se o titular do direito comprova que atendeu a todas as exigências es-
tabelecidas para a concessão da licença, a Administração Pública é obrigada a
concedê-la; há o dever da Administração de deferira licença – ato vinculado da
Administração Pública. Uma vez expedida, ela traz o pressuposto da definitivida-
de, embora possa estar sujeita a prazo de validade e ser anulada ante a ilegalidade
superveniente. Mas, além disso, a licença ainda se desfaz por cassação, quando o
particular descumprir requisitos para o exercício da atividade, e por revogação, se
advier motivo de relevante interesse público que exija a não mais realização da ati-
vidade licenciada, cabendo, neste caso, indenização ao particular, concessa vênia
de balizado entendimento em contrário com fundamento de que ato vinculado só
pode ser anulado e não revogado, pois revogação está ligada a critérios de oportu-
nidade e conveniência, ou seja, de mérito administrativo.
Da mesma maneira acontece com a licença para dirigir veículos automotores:
se o administrado fez a prova teórica, a prova técnica, passou em tudo, atendeu a
todas as exigências legais, o Poder Público tem o dever de dar a licença ao particu-
lar, não podendo negar-lhe a carteira de habilitação.
Hipóteses há, no entanto, em que a lei, ao invés de estabelecer que o consen-
timento da Administração será manifestado de forma vinculada pela mera aferição
do preenchimento dos requisitos legais pelo particular, ao contrário, ela transfere à
Administração uma margem de liberdade para a autorização ou não da realização
de atividade particular submetida ao Poder Público, e isto por causa da discricio-
nariedade legislativa. Nesta hipótese, então, a lei diz que, pelas circunstâncias de
certas atividades específicas, o administrador deve poder avaliar, no caso concre-
to, se é conveniente e oportuno ao interesse público permitir que elas se realizem,
estando-se diante, nesse caso, de um consentimento discricionário, parcialmente
vinculado (pois nenhum ato administrativo é totalmente discricionário), chamado

capítulo 2 • 72
pela doutrina de autorização, que seria o segundo momento do consentimento de
polícia, mas que pode haver ou não, de acordo com o predisposto na norma legal.
Em sendo assim, se ela não submeter a atividade particular a um consentimento pré-
vio da Administração, esse segundo momento não existirá. Mas, de regra, ele existe.
Então, por ser ato discricionário, como se observou, o Poder Público não é
obrigado a consentir, a autorizar o particular para certas atividades, tendo liberda-
de para conceder ou não uma autorização, por isso podemos afirmar que a auto-
rização é discricionária e constitutiva: discricionária porque o particular não tem
um direito preexistente, não tem direito subjetivo à autorização, e constitutiva
porque, quando o Estado resolve, através de uma conveniência e oportunidade,
conceder aquela autorização, ele está constituindo o direito do particular de exer-
cer aquela atividade.
Fiscalização de polícia – O terceiro momento do exercício do poder de polí-
cia é a fiscalização, que é atividade material típica de polícia consistente na verifi-
cação do cumprimento ou não, pelo particular, das normas legais que estabeleçam
proscrições (vedações) ou das condições estabelecidas pela Administração para
consentir o desempenho de atividades, pois há determinadas circunstâncias que,
por exemplo, a licença é concedida sob condição, e essas condições vão ser aferi-
das exatamente no momento da fiscalização. Assim, aquelas restrições ou condi-
cionantes que foram colocadas primeiramente pela lei, secundariamente por atos
normativos administrativos ou até pelo consentimento de polícia, elas têm que ser
cumpridas, e o Poder Público tem que verificar isso, fazendo uso da fiscalização.
Isso é poder de polícia, poder de polícia fiscalizatório.
Caso ocorrido frequentemente é o fechamento de uma churrascaria pelo
Município e a imposição de multa, devido às péssimas condições de estocagem e
armazenamento das carnes, sem falar das que já estavam em estado de decomposi-
ção, o que vem a se encaixar nitidamente no poder de polícia fiscalizatório.
E essa fiscalização pode ser atividade terceirizada? Bem, segundo o raciocí-
nio tradicional, não, porque é apenas um momento do exercício da polícia ad-
ministrativa, mas há quem sustente que sim, pois a mera aferição pode levar a
Administração a ter os indícios e, aí, será feita a comunicação à autoridade com-
petente investida legalmente, com vínculo estatutário, pertencente a uma pes-
soa jurídica de direito público, de que há um determinado ilícito administrativo
praticado, por exemplo, na polícia das construções, onde alguns dos requisitos
da licença não estão sendo observados e a partir daí, com a comunicação à au-
toridade competente, a licença poderia ser cassada – modalidade de extinção de

capítulo 2 • 73
ato administrativo causado por descumprimento pelo particular das condições
estabelecidas no ato de consentimento.
Sanção de polícia – A última fase do exercício do poder de polícia é a sanção,
que é uma penalidade aplicada pelo Poder Público àquele que, ao descumprira
ordem ou o consentimento de polícia, comete uma infração, um ilícito adminis-
trativo, que será sancionado de acordo com o que dispõe a lei.
Cabe destacar que as referidas sanções são executáveis independentemente de
autorização judicial, em virtude da autoexecutoriedade dos atos de polícia, que é
uma de suas características, como se verá mais adiante, devendo estar presente, a
cada sanção a ser aplicada, a correta medida punitiva entre ela e a infração cometi-
da, sob pena de afronta ao princípio constitucional da proporcionalidade.

Delegação do poder de polícia

A atividade material prévia ao poder de polícia, como, por exemplo, radares


eletrônicos, os famosos “pardais”, para fiscalizar as rodovias, é plenamente aceitá-
vel a delegação, por óbvio.
Contudo, no que diz respeito à ordem de polícia e à sanção, não se admite
a delegação dessas atividades a entidades privadas, porque na ordem de polícia
prevalece o princípio da legalidade, ou seja, só a lei pode restringir, condicionar
primariamente direitos, e, portanto, o particular não poderia criar direitos e obri-
gações para outros particulares.
O consentimento de polícia e a fiscalização de polícia são atividades admi-
nistrativas delegáveis, bem como as atividades materiais necessárias ao exercício
do poder de polícia, pois estão ligadas ao poder de gestão. Assim, a vistoria de
veículos (fiscalização), como já foi observada, pode a Administração Pública exer-
cê-la diretamente, mas, às vezes, por não dispor da tecnologia, da técnica e do
equipamento necessário à verificação dos automóveis, contrata com terceiros as
atividades instrumentais. E isto não é o poder de polícia que está sendo delegado.

Atributos ou características definidoras do poder de polícia

Embora não seja uma característica peculiar apenas aos atos de polícia admi-
nistrativa, a submissão ao princípio da proporcionalidade é de extrema relevância,
daí valendo tecer algumas considerações a respeito.

capítulo 2 • 74
Proporcionalidade

– A medida utilizada deve ser, portanto, o único meio eficaz para alcançar a
finalidade pretendida e não pode ser exercida de modo excessivo, com rigor maior
que o necessário. O princípio da proporcionalidade caminha, enfim, no mesmo
passo que os princípios da supremacia do interesse público, da legalidade, da fina-
lidade e da razoabilidade.
Exemplo elucidativo de ofensa ao princípio da proporcionalidade é o de reunião
desautorizada pela lei que, embora pacífica, é dissolvida com o uso da violência.

Discricionariedade/(ou vinculação)

O poder de polícia, na maioria dos casos, é exercido sobre o impulso do poder


discricionário, pois, ao editar a norma jurídica sobre matéria sujeita ao poder de
polícia, o legislador nem sempre tem condições de regrar, de maneira explícita e
objetiva, o comportamento do agente público ante às situações concretas. Nestes
casos, que são a maioria, já se teve a oportunidade de apreciar anteriormente que
ao agente é conferida, pela lei, uma certa liberdade para, de acordo com a conve-
niência e oportunidade, optar pela atuação da polícia administrativa mais adequa-
da. Desse modo, a fiscalização do comércio de gêneros alimentícios ou da pesca,
por exemplo, é feita de acordo com a escolha, meios e condições estabelecidos pelo
órgão ou entidade encarregado desse mister.
É essa característica da discricionariedade que permite à Administração, por
exemplo, escolher o melhor momento para fiscalizar determinada atividade; o
local mais estratégico para se montar uma blitz de trânsito; a gradação de uma
sanção a ser aplicada a um particular etc. Em todas essas situações, e em inúmeras
outras, o Poder Público tem a possibilidade de efetuar um juízo de valor sobre a
conveniência e oportunidade de se praticar o ato, dentro dos limites estabelecidos
pela lei e desde que observado o princípio da Proporcionalidade.
Essa discricionariedade, contudo, como se sabe, não é absoluta. A liberdade
do agente cinge-se a motivos e finalidade de acordo com a vontade da lei, ainda
que implícitos. Assim, existem casos em que o comportamento do agente encar-
regado do poder de polícia vem regrado na lei que disciplina a matéria e, nesta
situação, não há escolha: o agente está jungido à conduta prescrita na lei, que já
diz, de antemão, por exemplo, que há alguns requisitos a serem preenchidos para
o exercício de certas atividades, não sendo necessário dar uma margem maior de
liberdade ao administrador para fazer outras exigências. Ou seja, a lei estabeleceu

capítulo 2 • 75
de per si tudo o que era necessário para garantir a segurança das pessoas, por isso
definiu que a atividade administrativa que se seguiria à previsão legal seria uma
atividade plenamente vinculada.
Exemplo dessa vinculação é a polícia que cuida da postura relativa à cons-
trução, instrumento materializador da licença para construir, de competência do
Município, que é obrigatória se o interessado atender às condições e às exigências
emanadas da lei. Nessa hipótese, o poder de polícia é vinculado ou regrado, ou
seja, o agente não encontra espaço para escolha. Tendo o particular preenchido os
requisitos legais para construir, ele tem o direito subjetivo à obtenção do alvará.

Autoexecutoriedade

Desde o momento de sua expedição, os atos de polícia se revestem de executo-


riedade, que é a qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente
o administrado ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu, com a caracte-
rística de que não precisa buscar, previamente, as vias judiciais. Então, quando a
Administração apreende bens, interdita um estabelecimento e destrói os alimentos
nocivos ao consumo público, ela o faz com base na prerrogativa da autoexecuto-
riedade, assegurados o contraditório e a ampla defesa, ressalvados nos casos de
urgência e flagrância, hipótese em que se lavra o auto de infração. Nesses moldes,
então, poderá a Administração empregar meios diretos de coerção, compelindo
materialmente o administrado a fazer alguma coisa, utilizando-se, inclusive, da
força, se necessário.
Pode-se deduzir, então, que os atos providos de autoexecutoriedade visam evi-
tar o dano social, que sobreviria sem a medida preventiva, a exemplo da destruição
de alimentos impróprios para o consumo público, das requisições de bens para
socorrer a perigo público iminente, dentre outras situações, daí ser a autoexecu-
toriedade, no direito público, a regra geral, mesmo quando não expressamente
prevista no ordenamento jurídico.
Adverte-se, contudo, que o contraditório e a ampla defesa jamais podem ser abo-
lidos, ainda que eles possam ser postergados naqueles casos de urgência e flagrância
que justifiquem esta postergação. Nessas hipóteses, o que deve fazer o Poder Público
é lavrar o auto de infração e assegurar o contraditório a posteriori. É como aconte-
ce, por exemplo, com a Secretaria de Fiscalização de guardas municipais em que a
Administração Pública utiliza o famoso “rapa”. E por que o “rapa” é autoexecutório?

capítulo 2 • 76
Porque existe uma situação de urgência. Posteriormente, lavra-se o auto de infração,
discrimina-se cada bem que está sendo apreendido e dá-se o auto de infração para o
camelô, a fim de possibilitá-lo o contraditório e a ampla defesa.

Coercibilidade

Todo ato de polícia é imperativo, isto é, obrigatório para o seu destinatário,


admitindo-se até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando este
opõe resistência. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles
admitem a coerção estatal para torná-los efetivos, e essa coerção também indepen-
de de autorização judicial; é a própria Administração que determina e faz executar
as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato ou apli-
cação da penalidade administrativa, justificando-se, portanto, o emprego da força
física quando houver oposição do infrator. Porém, nos casos em que a força física
exceder os limites da razoabilidade e for aplicada com violência desproporcional,
caracterizar-se-á o excesso de poder e o abuso de autoridade, que serão passíveis
de reparação e consequente punição dos agentes que o excederam. Daí estarem os
atos de poder de polícia submissos ao princípio da Proporcionalidade.

Súmulas do STF/STJ

Súmulas do STF

55 – Militar da reserva está sujeito a pena disciplinar.


419 – Os Municípios têm competência para regular o horário do comércio
local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas.
645 - É competente o município para fixar o horário de funcionamento de
estabelecimento comercial.
646 – Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a
instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.
649 – Inconstitucional a criação, por constituição estadual, de órgão de con-
trole administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de ou-
tros poderes ou entidades.

capítulo 2 • 77
Súmulas do STJ

19 – A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da com-


petência da União.
127 – É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de
multa, da qual o infrator não foi notificado.
312 – No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são ne-
cessárias as notificação da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração.
434 – O pagamento da multa por infração de trânsito não inibe a discussão
judicial do débito.
467 – Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administra-
tivo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por
infração ambiental.

ATIVIDADE
Um determinado fiscal de vigilância sanitária do Estado, ao executar uma
operação de fiscalização em alguns restaurantes situados no centro de uma de-
terminada cidade, acabou por destruir todo o estoque de gêneros alimentícios
perecíveis que se encontravam na câmara frigorífica de um dos estabelecimentos
fiscalizados. A destruição do estoque, alegou o fiscal posteriormente, deveu-se à
impossibilidade de separar os produtos que já estavam com o prazo de validade
vencido, daqueles que, ainda, se encontravam dentro da validade.
O dono do estabelecimento fiscalizado, um restaurante, procura um advoga-
do com o objetivo de se consultar acerca de possíveis medidas judiciais em face do
Estado, em virtude dos prejuízos de ordem material sofrido.
Na qualidade de advogado do dono do estabelecimento comercial, indique
qual seria a medida judicial adequada e se ele possui o direito a receber uma inde-
nização em face do Estado, em razão da destruição dos produtos que se encontra-
vam dentro do prazo de validade.
Resposta Sugerida: A questão trabalha com o conceito de poder de polícia
da atribuído à Administração Pública. O aluno deve explicitar, inicialmente, o
conceito de poder de polícia a fim de enquadrar juridicamente a hipótese de fato
trazida na questão.

capítulo 2 • 78
A seguir, é prudente expor que se trata de um poder discricionário, porém,
não arbitrário. E deve indicar todas as características do poder de polícia, tais
como: autoexecutoriedade, legitimidade e presunção de legalidade.
Logo, como não se trata de um poder arbitrário, deve o aluno expor que a
conduta do fiscal em destruir os produtos que, ainda, estavam dentro do prazo de
validade, extrapolou os limites da razoabilidade e da proporcionalidade que devem
informar a Administração Pública e seus agentes ao praticar atos que constituam
poder de polícia.
E desta forma, deve indicar que o dono do estabelecimento comercial deverá
ajuizar uma ação judicial com o objetivo de postular o pagamento pelos prejuízos
materiais, consistente no valor de todos os produtos destruídos e que se encontra-
vam dentro do prazo de validade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2013.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pública centralizada e descentralizada, Tomo I.13ª.
ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.

capítulo 2 • 79
capítulo 2 • 80
3
Atos
administrativos
Atos administrativos

OBJETIVOS
Nesse capítulo, você deverá ser capaz de:
•  Compreender o ato administrativo como instrumento jurídico de atuação do gestor público;
seus limites e características;
•  Identificar as diversas espécies de desfazimento dos atos administrativos e sua classificação.

Considerações iniciais

Antes de adentrarmos em ato administrativo, vamos estabelecer a diferença


entre Ato Administrativo e Fato Administrativo.
Fato Administrativo, sem dúvida, como o próprio nome induz, gira em torno
de um acontecimento, mas que terá repercussão no direito administrativo. A títu-
lo de ilustração, um servidor sofre um acidente e fica definitivamente incapaz para
qualquer atividade, sendo aposentado por invalidez. Temos, aí, um caso típico de
fato administrativo. No entanto, a invalidez trará consequência jurídica para o
direito administrativo, porque vai gerar a vacância do cargo.
Agora, se o fato não gera consequência jurídica para o direito administrativo,
não estamos diante de um fato administrativo. Por exemplo, um vendaval sem
repercussão na esfera do direito administrativo.
Já o ato administrativo é diferente. O ato administrativo diz, anuncia alguma
coisa. E os fatos administrativos são acontecimentos. Vamos visualizar, mais uma
vez, via praticidade.

Caso concreto - Um prédio está prestes a desabar correndo risco à integri-


dade física de pessoas. A autoridade administrativa ordena que o agente público
proceda à derrubada do prédio, com fundamento no princípio da predominância
do interesse público sobre o particular. Estamos diante de um ato administrativo
em função do fato corrido. E o exercício material seria a explosão, via dinamites.

capítulo 3 • 82
Conceito

Infelizmente, não se tem uma lei definindo o ato administrativo. Por isso,
defini-lo torna-se uma tarefa bem complicada. Na real verdade, os atos admi-
nistrativos nada mais são do que uma subespécie, um submodelo, standard de
ato jurídico.
É de suma importância frisar que nem todos os atos que a Administração
Pública realiza, expede, pratica, concretiza são considerados atos administrativos,
como , por exemplo na compra e venda, uma doação, pois são atos sob a égide de
direito privado.
O ato administrativo é toda vontade do Estado, praticado pela Administração
no exercício da função administrativa. O ato administrativo não é qualquer ato
jurídico. É um ato especialíssimo porque possui prerrogativas especiais, sob a égi-
de de direito público.
Como não há lei definindo o que vem a ser ato administrativo, vamos traba-
lhar, no mínimo, com os cinco pilares básicos para conceituarmos corretamente.

Primeiro pilar ou vigamento:


Não é necessária uma concordância, uma aquiescência do particular, para que
o ato administrativo produza os seus efeitos, bastando, para tanto, a vontade da
Administração. Por isso que nós chamamos a atenção, para a necessidade da im-
peratividade, que é a principal característica do ato administrativo e, sem exageros,
podemos chamá-la de característica-mãe do ato porque manifesta-se, unilateral-
mente, a vontade da Administração Pública.
Como seria uma manifestação unilateral, sem o poder de impor? Na prática, o
Poder Público estaria “falando com a parede”. Então, enfatizando, mais uma vez,
no ato administrativo, temos a manifestação unilateral, regrada de imperatividade
e acompanhada de coercibilidade.
Por outras palavras, há uma só voz capaz de produzir resultados jurídicos, e
essa voz é a da Administração Pública.
O tombamento é uma manifestação unilateral de vontade. A União tem uma
autarquia, o IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Então, a União pratica ato através dessa autarquia. Ora, se o IPHAN percebe
que o bem de um particular tem característica de patrimônio histórico, artístico,
nacional, e quiser tombá-lo, o proprietário só tem uma forma de evitar o tomba-
mento, licitamente falando. Qual é? Provar que seu bem não tem característica de

capítulo 3 • 83
patrimônio histórico? Olha, a imperatividade! E ainda tem mais: o proprietário é
obrigado a conservar o bem tombado, sob pena de multa, porque o Poder Público
tem imperatividade para defender o interesse coletivo.
Outro caso concreto bastante significativo de ato com imperatividade é a re-
quisição. Frequentemente, nos filmes policiais americanos, o policial para o carro
de um particular para fazer a requisição do seu veículo, objetivando perseguir um
bandido, em função de um iminente perigo público imediato. Ao motorista, só
resta uma alternativa: entregá-lo, sob pena de praticar crime de desobediência.

FIQUE LIGADO
Não são todos os atos administrativos que têm imperatividade. Quer ver um exemplo?
Não há que se falar em imperatividade nos atos enunciativos e os atos negociais ou naqueles
atos vinculados que tutelam direitos. Entre os atos enunciativos, um exemplo importante para
quem pretende passar em um concurso público, é o Parecer.
Como termina o Parecer? O parecer sempre termina com essas expressões: “Esse é
o meu Parecer, salvo o melhor juízo”. Não se está impondo nada a ninguém. Em havendo
posição contrária, “Eu me rendo”, ou seja, “se gostou, aprova!”; “se não gostou, reprova!”. En-
tão, o parecer não quer impor nada a ninguém, o parecer é uma opinião do servidor público
investido numa função.

DICA DA HORA
Agora, cuidado! Vamos imaginar que o Procurador-Geral do Estado, ao ler um parecer de
alguém, ache que é exatamente o que o Governador quer. E o Governador diz que quer que
todos os casos sejam resolvidos com base neste parecer. Aí, o Procurador-Geral diz para o
Governador que o parecer é um ato enunciativo, que não tem imperatividade.
O que deve fazer o Governador? Para dar imperatividade a esse parecer, o Governador
tem que baixar um decreto, que é ato administrativo que tem imperatividade, e transforma
esse parecer em parecer normativo. Então, esse parecer nasce sem imperatividade, mas se
precisar, edita-se um decreto, para transformar em Parecer em um parecer normativo, pas-
sando a gozar de imperatividade.
Se você passar em concurso público em quadragésimo quarto lugar. A parte interessada
pode requerer, junto a uma repartição pública, uma certidão com sua colocação, informando
que você foi habilitado no concurso tal, que isso é título para o próximo concurso. Pergunta-

capítulo 3 • 84
se: essa certidão está impondo alguma coisa a alguém? Não. É só uma certidão, como um
atestado, que não possui imperatividade.

Segundo Pilar ou Vigamento:


Quem pratica o ato administrativo? É realizado pela Administração Pública,
maciçamente a manifestação de vontade unilateral que produz o ato administrati-
vo, representado pelo meio do agente público competente e, normalmente, vindo
do Poder Executivo.
É bom lembrar aquelas lições ministradas na disciplina Introdução ao Estudo
do Direito, no início da faculdade de Direito, bem como desde criancinha que você
escuta falar que as funções não são rigidamente distribuídas entre os poderes, isso
quer dizer então que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário também praticam atos
administrativos, também podem realizá-los, mas como função atípica, isto é, uma
função imprópria, que não é a atividade normal no dia-a-dia daqueles poderes.
Quem faz o ato administrativo? É Administração Pública. Quem faz ato normati-
vo? É o Legislativo. Quem faz o ato jurisdicional? É o Poder Judiciário. Mas o Judiciário
e o Legislativo podem atos administrativos, são aqueles atos atípicos, impróprios.
Quando se dá férias ao servidor lá no Legislativo, não é ato normativo, ou
quando se faz a remoção de um servidor de uma comarca para outra, dentro do
Judiciário, não é ato jurisdicional, e sim ato administrativo.

FIQUE LIGADO
Hipoteticamente, o Poder Judiciário publica um edital licitatório para a construção de um
novo fórum. Nesse caso, o Judiciário, atipicamente, está praticando ato administrativo, pois a
função própria do judiciário é julgar.
O mais importante para você caracterizar um ato como ato administrativo, é considerar
a função administrativa exercida no caso concreto. Não importa quem editou o ato – se
particular ou se o Estado. Isso porque se o ato foi editado materialmente no exercício de uma
função pública, sob a égide de Direito Público, teremos a presença do ato administrativo,
pouco importando se é o Estado, uma estatal ou uma delegatória de serviço público (conces-
sionárias, permissionárias), quem o praticou.

capítulo 3 • 85
TOME NOTA
Para confirmar o que estamos afirmando, anotem a Súmula 333 do STJ. Olha, o que
vai dizer!

Súmula 333 - Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida
por sociedade de economia mista ou empresa pública.

Cabe Mandado de Segurança contra ato praticado em licitação no âmbito


das empresas estatais. Seria ato administrativo quando uma estatal pratica atos de
direito público, como por exemplo, quando realiza concursos públicos.
Em regra, as pessoas jurídicas de direito privado, por exemplo, as estatais ou
concessionárias, editam atos privados. No entanto, quando as mesmas estiverem
no exercício da função pública, esses atos serão equiparados materialmente a atos
administrativos e serão passíveis de controles. E, se assim são, podem ser impug-
nados pela via adequada, como é o Mandado de Segurança.
Há, por fim uma advertência: a Súmula, acima mencionada, só faz alusão à
licitação. Contudo, pode ser utilizado esse raciocínio no caso de concurso público
realizado pela estatal. No STJ, há dezenas de acórdãos admitindo Mandado de
Segurança, por exemplo, contra o ato da concessionária que suspende o forneci-
mento do serviço público delegado. Quando o funcionário do serviço público,
no exercício da função pública delegada, edita um “ato de autoridade”, esse ato é
equiparado a ato administrativo e enseja Mandado de Segurança.
Então, cabe, tranquilamente, Mandado de Segurança contra ato da concessio-
nária que suspende o fornecimento de serviço público. Em geral, os atos das con-
cessionárias são privados, mas, em função do caso específico, eles são equiparados
aos administrativos materialmente falando.

Terceiro pilar ou vigamento


Uma terceira parte do conceito que nós temos em relação ao ato administra-
tivo está na colocação de onde ele visa travar relações jurídicas. Portanto, estão
excluídos atos de normas, regulamentos, exatamente por traduzir generalidade
e abstratividade.

capítulo 3 • 86
Quarto pilar ou vigamento
O ato administrativo é sempre direcionado e produzirá efeitos a um caso con-
creto, praticado pela Administração Pública, fazendo valer sua autoridade, aten-
dendo sempre aos interesses determinados pela lei. Será de efeito imperativo, bas-
tando à vontade, a manifestação unilateral do Poder Público.
A título de ilustração, uma portaria para instaurar um processo administrativo
em face de um servidor. Estamos diante de uma situação que tem, como alvo cer-
to e específico, o servidor X, característica marcante do ato administrativo. Cabe
mencionar que ainda que se trate de uma pluralidade de indivíduos, previamente
estabelecido, definido, deliberado, delimitado e fixado, estamos, também diante
de um ato administrativo. À guisa de esclarecimento, poderíamos falar de um
decreto de desapropriação, que atinge os imóveis de Fulano, Beltrano e Ciclano,
proprietários de imóveis na Rua Rio Branco.
No entanto, uma portaria que determina mudança de funcionamento de ór-
gão público para o atendimento do público, não poderá ser considerada um ato
administrativo, porque vai atingir a todos indiscriminadamente. Estamos diante
de ato de mera atuação do estado.
Portanto, nem todos os atos praticados pela Administração são atos adminis-
trativos, embora possam até ser consequentes daqueles. Atos da administração ou
de mera atuação do Estado são aqueles praticados pelo Poder Público no exercício
da função administrativa normal, como, por exemplo, ao conceder aposentadoria
ao servidor por ter preenchido os requisitos legais.
Essa concessão, devidamente publicada, não é ato administrativo, mas sim ato
de mera atuação do Estado, pois a Administração está, por lei, obrigada a conceder
tal aposentadoria, ao passo que atos administrativos são aqueles em que o Poder
Público atua com seu poder de império, usando de prerrogativas administrativas.

Quinto pilar ou vigamento


O quinto vigamento importante para a confecção do ato administrativo reside
no fato de que todo ato administrativo visa atender ao interesse coletivo, sob pena
de o administrador praticar o famoso desvio de finalidade e, como consequência,
será processado penalmente, administrativamente, civilmente, até por violação ao
princípio da moralidade, da improbidade etc.

capítulo 3 • 87
Com base nos pilares anteriores, poderíamos conceituar ato administrativo,
temos que:
Ato administrativo é toda manifestação unilateral do Estado, ou de quem
faça seu uso no exercício da função administrativa, que produza efeitos jurídicos
individuais e imediatos em prol do bem comum.
Finalizando, podemos admitir, sustentar e atestar que todo ato administrativo
é ato jurídico, mas nem todo ato jurídico é ato administrativo.

CONCEITO DE ATO
ADMINISTRATIVO

MANIFESTAÇÃO REALIZADA PELA VISANDO TRAVAR PARA ATENDER


UNILATERAL ADMINISTRAÇÃO RELAÇÕES INTERESSE
DE VONTADE PÚBLICA JURÍDICAS PÚBLICO

Impõe obrigações Também nas Art. 81 do C.C. é o Sob a pena de desvio


aos administrados funções atípicas resultado do ato de finalidade
(IMPERATIVIDADE)

Elementos ou requisitos do ato administrativo

Competência

A competência é um dos requisitos a ser observado para a validade do ato.


Veja inicialmente o quadro a seguir.

Competência

Art. 2o da Lei 4.717/65

ATRIBUIÇÕES CONFERIDAS PELA LEI

ELEMENTO VINCULADO

DELEGAÇÃO E - AGENTE DE FATO


AVOCAÇÃO DE - USURPADOR DA FUNÇÃO PÚBLICA
COMPETÊNCIA - AGENTE COM DESEQUILÍBRIO PSÍQUICO/MENTAL

capítulo 3 • 88
Competência é o círculo definido pela lei, dentro do qual podem os agentes
exercer legitimamente suas atividades. Esta denominada competência administra-
tiva muito se assemelha à capacidade no Direito Privado.
A fonte da competência decorre, exclusivamente, da lei. No dizer dos dou-
trinadores, a lei é a fonte normal da competência. É nela que se encontram os
limites e a dimensão das atribuições cometidas às pessoas administrativas, órgãos
e agentes públicos. No que alude à competência administrativa, frise-se que a lei
não é a sua fonte exclusiva. Nesta hipótese, ela há de se originar de texto expresso
contido da Constituição Federal, nas leis e nas normas administrativas. Com isso,
a competência será sempre elemento vinculado da atuação administrativa.
Com referência aos agentes, a competência é o poder atribuído a estes para
o desempenho de funções específicas. A competência sempre advém da lei ou de
atos que regulamentem essas leis. São específicas pelo fato de haver entre elas uma
divisão. Esta acepção repousa no princípio da especialidade, que se traduz no fato
de que a competência dos órgãos e de seus agentes é sempre específica e se vincula
ao respectivo poder de atuação.
Em suma, entende-se por competência administrativa o poder atribuído por
lei, e por ela delimitado, ao agente da Administração para o desempenho específi-
co de suas funções. O ato administrativo, quando praticado por agente incompe-
tente, é inválido. A competência administrativa, como requisito de ordem pública,
é intransferível e improrrogável pela vontade dos interessados. Pode, porém, ser
delegada e avocada, desde que em conformidade com as normas reguladoras da
Administração Pública.
A delegação de competência está conceituada nos artigos 6o e 11, sendo que
no art. 12, parágrafo único, do Decreto-lei no 200/67 (o Estatuto da Reforma
Administrativa federal) são apresentados os requisitos para a delegação de com-
petência. Então, para que ocorra delegação de competência, será necessário que
o ato de delegação indique a autoridade delegante, a autoridade delegada e as
atribuições objeto da delegação.
A delegação é uma forma de desconcentração de serviço, visando eficiência
da Administração e não pura comodidade da autoridade delegante, devendo ser
autorizada por lei.
O art. 13 da Lei no 9.784/99 traz o rol taxativo de hipóteses que não podem
ser objeto deste instituto. Por delegação, entende-se a circunstância em que a nor-
ma pode autorizar que um agente transfira a outro, normalmente de plano hie-
rárquico inferior, funções que originariamente lhe competem por lei. Se, porém,
o delegante atrair para a sua esfera decisória a prática de ato objeto de delegação,

capítulo 3 • 89
dar-se-á o fenômeno inverso, ou seja, a avocação. E é muito legítima a avocação
quando houver recusa da autoridade inferior em praticar o ato, ou a sua omissão
possa provocar prejuízo ao poder público ou ao administrado.
Quem exerce competência delegada não pode subdelegá-la, salvo por previsão
legal. Importante registrar, ainda, se a autoridade delegante continua competente,
em conjunto, com a autoridade delegada. Ou seja, aquele que delegou tem com-
petência, ainda, junto com a autoridade que recebeu a delegação, para decidir so-
bre aquela matéria? A resposta é positiva. Isso pode acontecer porque a delegação
não afasta a competência da autoridade delegante. Portanto, aquele que delegou,
continuará competente em relação àquela matéria objeto da delegação, em função
do poder hierárquico.
Desse modo, o art. 84 da CF/88 admite, no parágrafo único, a delegação
aos Ministros de Estado de algumas das funções originariamente atribuídas ao
Presidente da República. O fato, por conseguinte, significa que a competência
para as demais funções se configura como indelegável.
É oportuno mencionarmos três assuntos a respeito de competência, que de-
nominamos de patologia de competência, assunto sempre exigido no Exame de
Aferição, junto à OAB.

Agente de fato
Agente de fato é o oposto de agente de direito, ou seja, é aquele que não tem com-
petência legal para a prática de ato administrativo, nem possui nenhum vínculo
com a Administração, posto que não tem título algum que o legitime para tal, mas
ainda assim realiza atividade administrativa. Não obstante, tem o espírito público,
não logrando obter proveito próprio. Nesta circunstância, o cidadão quer colaborar
com a Administração Pública, porém, não está adequadamente investido, nem
possui atribuição concedida por lei. Pratica o ato mesmo sem competência legal,
mas imbuído de boa vontade e boa-fé.
Caso concreto - Supõe-se o caso de um servidor inativo que, mesmo após se
aposentar, comparece todos os dias à repartição a qual era vinculado e, ainda que
destituído de função pública, age como se a tivesse, praticando atos corriqueiros
no âmbito administrativo, tais como assinando formulários, atendendo ao público
etc., em síntese, praticando ato administrativo. Ocorre nesta ocasião que o ato,
por si só, não pode existir.

capítulo 3 • 90
O ato do agente de fato produz efeito?
Em regra, esse ato administrativo será nulo. Internamente, contudo, desde
que ratificado, produzirá efeitos. Isto se dá porque, externamente, a Administração
Pública deve adotar a teoria da aparência e a culpa in vigilando, pois permitiu que
uma pessoa sem a devida competência praticasse ato administrativo, abrindo pre-
cedentes à irregularidade. Com isso, somando-se à boa-fé do cidadão, há o enten-
dimento majoritário de que o ato praticado pelo agente de fato é válido perante
terceiros de boa-fé, tendo a Administração de arcar com os efeitos deste ato.
Trata-se, na real verdade, de um agente de fato putativo, encontrado no inte-
rior da própria Administração, e agindo como se agente de direito fosse protagoni-
zando o papel de servidor público, mas agindo de boa-fé. Sobre este caso, aplica-se
a teoria da aparência. Internamente, no entanto, quanto ao conteúdo, estando
perfeito e tendo como único problema o vício de competência, a Administração
deverá tomar providências para proceder à regularização deste ato, suprindo-lhe
o vício da falta de competência, sob pena de ferir o princípio da legalidade. É
necessário sanar, convalidar, ratificar o ato administrativo, como por exemplo nos
casos em que o agente exerce funções após a idade limite para a aposentadoria
compulsória; ou nos casos em que o servidor está suspenso do cargo.
A Administração convocará a autoridade competente para ratificar o ato,
retirando-lhe o vício de competência. Após a ratificação, este produzirá efeitos
ex tunc.

FIQUE LIGADO
O efeito do ato se dará independente dessa medida sanatória, em função de três argu-
mentos válidos, quais sejam:
1. Teoria da aparência;
2. Presunção de boa-fé; e
3. Culpa in vigilando da Administração.

E se o ato praticado pelo agente de fato causar danos a terceiros?


Presume-se a boa-fé do cidadão, e com base na teoria da aparência os atos
são válidos perante terceiros. Neste caso, a Administração responderá pelos atos –
responsabilidade objetiva – e, posteriormente, promoverá ação regressiva contra o
agente administrativo causador do dano (agente de fato).

capítulo 3 • 91
Usurpador da função pública
A usurpação da função pública ocorre quando um sujeito que não tem víncu-
lo algum com a Administração Pública, nem um título que o legitime a praticar
qualquer ato dentro desta, venha a praticar um ato supostamente administrativo.
É o caso de um determinado cidadão que, dizendo-se fiscal, multa estabelecimen-
to comercial e desencadeia a prática de uma série de extorsões. Posteriormente,
descobre-se que aquela pessoa não era fiscal, mas usurpador da função pública.
Aqui, tem-se um caso que difere do agente de fato, visto que o usurpador não visa
atender ao interesse público, mas tão somente interesse próprio e pessoal. Trata-
se de crime contra a Administração Pública, e o ato praticado pelo usurpador
da função pública, juridicamente falando, é inexistente, não incidindo qualquer
espécie de responsabilidade sobre o Estado. Este ato supostamente administrativo
será nulo.

Ato administrativo editado por agente da Administração acometido de


loucura: validade ou invalidade?
Entende a melhor doutrina que, para gerar validade a seus atos, ao agente pú-
blico não basta ser competente, mas tem que ser capaz. Se este deixou de ser capaz,
consequentemente perderá a sua competência. Portanto, se um agente público
pratica um ato administrativo acometido de loucura, mas a motivação (vontade,
motivo) estiver compatível com a vinculação do ato e em conformidade com o
fato que gerou o dever de agir da Administração, o ato será válido.
Fique afiado - O STJ opina no sentido da validade do ato administrativo
vinculado, expedido por agente público que teve perda da capacidade, desde que
praticado nos ditames da lei.
No entanto, o ato será inválido quando estiverem presentes os elementos
da conveniência e oportunidade (discricionariedade), pois a toda evidência, um
agente público incapacitado mentalmente não possui condições de vislumbrar,
através de seu mérito, dentre as opções legais, um discernimento que melhor aten-
da ao interesse público.
Na questão anterior enfocada, o ato será válido perante terceiros, e a
Administração indenizará por eventuais danos causados por este agente, em
face da teoria da aparência, presunção de boa-fé de terceiros e culpa in vigilando
da Administração.

capítulo 3 • 92
Forma

No Direito Administrativo, vigora um princípio oposto ao Direito Civil.


Enquanto neste existe uma liberdade de forma, sendo a formalidade uma exceção,
para o Direito Administrativo a regra é que a forma deve ser prescrita em virtude
do ato perfeito a ser atingido. Ou seja, entre os particulares, as vontades podem
se manifestar livremente, enquanto que na esfera pública, a Administração exige
procedimentos especiais e forma legal para que se expressem validamente. Assim,
a inexistência de forma torna o ato administrativo inexistente, enquanto que a es-
colha de forma diversa da legalmente exigida torna o ato administrativo inválido.
Apesar de a forma escrita ser a regra no Direito Administrativo, admite-se
também, em caráter excepcional, a forma não escrita, como a oral ou a gesticula-
ção (v.g. sinais de trânsito), em razão da urgência na manifestação de vontade de
quem atua no interesse público. Admite-se até mesmo o silêncio como forma de
manifestação do interesse público.
Então, a forma é, em regra, escrita. Aliás, o simples pressuposto para que a for-
ma seja escrita acrescenta a esta o elemento da vinculação. Há exceções, conforme
já explanado, tais como o sinal de trânsito, que é um ato administrativo visual;
o apito do guarda, ato administrativo sonoro; o gesto do guarda de trânsito, ato
administrativo visual, entre outros. Estes atos se caracterizam por não possuir uma
forma escrita, apesar de esta ser a exceção.
Ainda concernente ao elemento da forma do ato administrativo, insurgem-se
os estudos quanto ao seu rigor e à sua concepção.

Quanto ao rigor
Quanto ao rigor, questiona-se se a forma seria essencial ou facultativa, ou seja,
se incide uma forma rígida para cada forma de agir.
Inobstante a liberdade de que dispõe o administrador para a escolha da forma,
ressalta-se que este não é um elemento discricionário, mas vinculado, por exigir
que seja, como regra, escrito. Mas, qual é a forma escrita? Esta é facultativa, pre-
valecendo a não essencial. O mais importante é que a forma seja escrita, eis que “a
forma” da forma escolhida não afeta o interesse público.
Contudo, existem alguns atos administrativos cuja forma será essencial para
a sobrevivência do ato. Majoritariamente, a doutrina tem entendido que, quan-
do direito de terceiros estiverem em jogo, a forma passa a ser essencial, rígida.

capítulo 3 • 93
Por exemplo: desapropriação atinge direito de propriedade. O Decreto-lei no
3365/41, art. 6o, assim reza: “A declaração de utilidade pública far-se-á por de-
creto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito”. Assim,
desapropriação por ofício gera anulação.
Outro exemplo é o concurso público, cujo pontapé inicial é o edital, forma
essencial e obrigatória, uma vez que estamos diante de direito de terceiros, do
cidadão, da coletividade. Vigora o princípio da impessoalidade, pelo qual todos
têm capacidade de se tornar agentes públicos. Nesta hipótese, a convalidação não
é possível, pois a forma é essencial à qualidade do ato, não sendo possível qualquer
outra, já que se trata de direito de terceiros.

Quanto à concepção
Quanto à concepção: questiona-se se esta forma seria ampla ou restrita, o que
equivale saber se interessa somente o ato final, ou todo o procedimento realizado
até a feitura do ato final. Se interessar apenas à parte final, a forma é restrita. Se
interessar tudo o que foi feito até a exteriorização do ato, a forma é ampla.
Ao observar-se o disposto do art. 2o, parágrafo único, alínea “b”, da
Lei no 4.717, constata-se que, no Brasil, é adotada a forma ampla, isto é, que se
preocupa com todos os atos preparatórios do ato final, a exemplo do procedi-
mento administrativo de licitação, cujos atos são: edital, habilitação, julgamento,
homologação e adjudicação.
Quando se realiza um procedimento licitatório, o objetivo é atingir a adjudi-
cação. Depois, materializar esta adjudicação através do contrato administrativo.
Então, quando analisarmos a adjudicação, não bastará analisar tão-somente tal
fase. Necessário se faz analisar todo o procedimento licitatório, já que um vício
anterior comprometerá o ato final, que é a adjudicação. Esta é a forma ampla,
quanto à concepção do ato administrativo, a qual se descortinam todos os atos
que o integram.
Nos atos internos da Administração Pública (atos ordinários), a forma é escri-
ta, mas não essencial. Nos atos externos, a forma geralmente é essencial. Aqui, há
de se ressaltar, mais uma vez, a importante questão do silêncio como manifestação
da forma do ato.
Normalmente, é dever da Administração Pública o pronunciamento sobre os
requerimentos a serem realizados pelos administrados, quando em defesa de seus
próprios interesses, ou por outros órgãos, seja do Judiciário ou do Executivo, den-
tro da função de controle, por prazo estabelecido no ordenamento jurídico. Caso

capítulo 3 • 94
esta manifestação não se efetive, tem-se o silêncio da Administração Pública (ou o
silêncio administrativo).
Assim sendo, a ausência de pronunciamento por parte da Administração
Pública, dentro de um limite temporal legalmente estabelecido, pode significar
o deferimento ou indeferimento de um pedido ou a concordância ou oposição a
um ato.
Se a lei nada estabelecer sobre o silêncio administrativo, deve o interessado
recorrer ao Judiciário a fim de satisfazer seu direito. Deve, também, apurar esses
fatos e responsabilizar quem lhe tiver dado causa, pois o servidor que é negli-
gente ou omisso não está exercendo corretamente suas funções, devendo sofrer
punição, se comprovada sua inércia ou descaso, nos termos do art. 37, § 4o, da
Constituição Federal.
Dessa forma, o silêncio administrativo não pode ser considerado como ato da
administração, em razão da ausência de pronunciamento desta, sendo considera-
do, portanto, um fato jurídico administrativo.
Em relação ao administrado, porém, quer a lei defira ou não o seu pedido, sua
pretensão está concretizada, visto que a lei, ao dispor de determinada forma, su-
priu a ação do agente competente. É importante ainda ressaltar que o deferimento
do pedido do administrado ou a ratificação do ato administrativo controlado,
quando a norma houver atribuído ao silêncio da administração esses efeitos, não
acarretará na confirmação ou deferimento do ilegal contido no pedido.

Objeto

O objeto tem íntima relação com o conteúdo do ato administrativo, por en-
tendê-lo em um conjunto, ou seja, por tratar-se da situação jurídica por ele criada,
modificada, declarada ou extinta no que concerne a pessoas, coisas, ou atividades
sujeitas à atuação do Poder Público.
Trata-se, portanto, do conteúdo do ato, através do qual a Administração ma-
nifesta seu poder e sua vontade, ou simplesmente atesta situações preexistentes.
Objeto, como se observa facilmente, é aquilo que o ato almeja alcançar. Um
ato de nomeação para cargo público tem como essência, a ocupação de um car-
go público.
É assim o resultado no mundo jurídico, ora o objeto é determinado, ora é de-
terminável (indeterminado), sendo certo que só será válido se reconhecidamente
estiver sob o prisma da licitude, moralidade e possibilidade. É o fim imediato do

capítulo 3 • 95
ato administrativo, verificado no momento do ato, ao contrário do motivo, que é
anterior. É o que deseja a Administração Pública, isto é, é a realização de relações
jurídicas, é a materialização do ato administrativo.
Quando for determinado, o elemento será vinculado, e como exemplo tería-
mos a desapropriação do art. 243 da CF, que diz o que será expropriado. Já quan-
do for indeterminado, o elemento será discricionário e teremos, como exemplo,
a desapropriação do Decreto-lei no 3.365/41, quando o administrador escolhe.
Em suma, pode-se observar que os requisitos da competência, finalidade e
forma devem, impreterivelmente, estar prescritos em lei, ao passo que o motivo e
o objeto são passíveis de valoração pelo administrador, reduzidos ao seu poder dis-
cricionário para dispor sobre sua aplicação. É de se destacar, no entanto, que, mes-
mo discricionária, a vontade do agente deve encontrar os limites na lei, de modo
a afastar o desvio de finalidade ou o abuso de autoridade, repudiados pelo Direito.
Para o ato administrativo ser válido, o objeto deve ser licito, possível e deter-
minado ou determinável. A licitude é o requisito fundamental. A possibilidade se
dá quando é suscetível de ser realizado. Hoje, o atual Código Civil é mais preciso,
exigindo que o objeto seja além de licito e possível, determinado ou determinável.
Cabe ressaltar ainda que, em se tratando de atividade vinculada, o objeto de-
verá ser o mesmo que a lei previamente estipulou. Aliás, diz-se vinculada porque
a lei já determinou o objeto a ser alcançado. Porém, quando se tratar de discricio-
nariedade, onde a lei dá margem de escolha para o Administrador, é permitido ao
agente traçar as linhas que limitam o conteúdo de seu ato, mediante a avaliação
dos elementos que constituem critérios administrativos.

Motivo

O motivo do ato administrativo diz respeito à causa que originou a prática


daquele ato, ou seja, a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza
a prática do ato administrativo. É o “porquê” do ato administrativo, o que leva a
Administração Pública a emitir o ato. O motivo é obrigatório, indispensável.
A existência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em
que se fundamenta o ato, é materialmente existente ou juridicamente adequada
ao resultado obtido, que nada mais é do que a execução do objeto para atender
efetivamente a finalidade.

capítulo 3 • 96
FIQUE DE OLHO
Assim, o motivo ora será de fato, ora será de direito. Quando o motivo for deixado a crité-
rio do administrador para decidir se pratica ou não o ato (discricionário), será ele, motivo de
fato; quando o motivo for fixado em lei, que obriga o administrador a praticar um ato adminis-
trativo (vinculado) determinado, será ele motivo de direito.

Exemplo do motivo de fato é a desapropriação comum, onde a decisão


cabe ao administrador. Já o motivo de direito teria como exemplo a desapropria-
ção contida no art. 243 da Constituição Federal, pois aqui a lei está impondo à
Administração o dever de agir daquela maneira determinada.
Então, motivo é a circunstância de fato ou de direito que autoriza ou impõe
ao agente a prática do ato administrativo, que pode ser identificada como aque-
las situações reais que devem ser levadas em conta para o agir da Administração
Pública competente. Uma construção irregular, por exemplo, pode ensejar a edi-
ção de um ato (que nesse caso, será o embargo de obra) que imponha a imediata
paralisação da obra, da mesma forma que a necessidade de um veículo para servir
a Administração gera a edição de ato que determine a abertura de licitação. Vemos
assim que, nos dois casos, os motivos levaram a Administração Pública a praticar
os referidos atos.
Há, portanto, uma relação de causa e efeito entre motivo e finalidade.
Finalidade é uma razão genérica, motivo é uma razão específica. Ocorrido o mo-
tivo, aquilo que, em abstrato, é a finalidade, torna-se necessário de se atender.
Exemplo disto: não há vagas em escola, então, desapropria-se para prestar educa-
ção pública. Desapropriação é objeto e educação pública é a finalidade. Mas cabe
observar que a educação pública só surgiu nessa história porque não há vagas na
escola (motivo).
Observa-se daí que partimos sempre do concreto para o abstrato, ou seja,
o motivo gera a finalidade. Então, motivo é anterior, é a exteriorização do ato.
Finalidade, por sua vez, é posterior, é a consequência de toda atuação. É o que
leva a Administração a editar o ato administrativo. Motivo poderá ser sempre
identificado por ser uma coisa concreta, vai ser sempre um fato que levará o admi-
nistrador à feitura do ato, ao passo que finalidade é uma coisa abstrata, genérica,
geralmente ligada a princípios.

capítulo 3 • 97
Podemos dar como exemplo um Governador de Estado que resolve desapro-
priar uma área para a construção de um hospital. O motivo do ato será a falta de
hospital, que tem por finalidade a melhoria da situação de saúde da população
daquele Estado.
A propósito, caberia então perguntar: por que razão de fato ou de direito?
Para responder a essa pergunta temos que observar o objeto do ato adminis-
trativo, que pode ser vinculado (quando determinado) ou discricionário (quando
indeterminado). É claro que todo motivo fundado na realidade é uma razão de
fato, mas a partir do momento que o legislador elabora a lei e imagina, como real,
a razão, colocando-a no texto legal, esta razão se torna de direito, embora conti-
nue sendo uma razão de fato que ocorre na realidade, mas, se está no texto legal, é
razão de direito. Será uma hipótese de motivo vinculado, motivo previsto no ato.
O caso de ato disciplinar, como o abandono de cargo, por exemplo, é um
dado da realidade, mas é um motivo descrito em lei. Assim, se cometido um crime
funcional (ofensa ao chefe, por exemplo), este será um motivo que, neste caso, é
uma razão de direito e, portanto, um motivo vinculado.
Mas há que se destacar, em contrapartida, o art. 78, XII, da Lei no 8.666/93,
que trata da matéria de contrato administrativo, dispondo que constituem motivo
para rescisão do contrato razões de interesse público, devidamente justificadas pela
máxima autoridade que nos autos do processo o contrato foi firmado.
Mas, quais as razões de interesse público? O dispositivo não expressa, apenas
faz menção ao “interesse público”. Contudo, na sequência, o art. 79, I, afirma que
esse ato (contrato administrativo) é unilateral da Administração Pública contra-
tante. O que ocorre, neste caso, é que a lei confiou na autoridade máxima daquele
órgão da Administração para determinar a rescisão do contrato por uma razão de
interesse público, embora não descreva a razão de fato.
Na verdade, a lei confiou na autoridade para que ela verifique, na realidade,
uma razão que gere a necessidade da rescisão sem culpa do contratado, sem que
ele tenha que concordar. Ainda que ele discorde, o contrato vai ser rescindido, mas
pelo princípio da supremacia do interesse público.
O motivo e o objeto são os únicos elementos que podem comportar o mérito
administrativo, pois podem ser discricionários. O mérito é a oportunidade do
motivo e a conveniência do objeto.

capítulo 3 • 98
Observemos as seguintes situações fáticas:
– Insuficiência dos transportes marítimos entre as cidades do Rio de Janeiro
e Niterói (motivo). O administrador não está obrigado, por lei, a praticar um ato
administrativo de que resulte a construção de uma ponte entre as duas cidades
(discricionariedade).
– Se um servidor público preencheu o seu período aquisitivo de férias, o ad-
ministrador tem o dever de colocá-lo de férias (vinculação).
Sendo vinculado o motivo ou a causa do ato administrativo, o administrador,
ao praticá-lo, deverá justificar a existência do referido motivo previsto em lei.
Portanto, repita-se, motivo gera a necessidade de atender a finalidade, por ser
ele submisso a ela. Embora valha a finalidade, o motivo é insanável, porque ele é
um só. Uma vez expresso o motivo, a autoridade está vinculada a ele, ainda que
tenha escolhido discricionariamente.
A obrigatoriedade da existência no mundo real dos motivos alegados e que de-
terminam a prática do ato administrativo como requisito de sua validade acabou
por dar origem à teoria dos motivos determinantes.

MOTIVO + OBJETO = FINALIDADE

ANTERIOR MOMENTO POSTERIOR


AO ATO DO ATO DO ATO

INTERESSE
FATO DIREITO DETERMINADO
PÚBLICO

D V V V
INDETERMINADO

Finalidade

Ao se conceituar a finalidade do ato administrativo, este elemento é associa-


do de imediato à satisfação do interesse público, que, por seu turno, se consuma
com o alcance do bem comum. Já o bem comum será o resultado final que se
sucederá aos atos praticados pelo agente público no âmbito de sua competência

capítulo 3 • 99
administrativa, de acordo com previsão de norma legal expressa. Com efeito, uma
vez alcançado o interesse público e atingido o bem comum, poder-se-á considerar
que a finalidade do ato foi atingida e consumada.
O sentido de “interesse público” diretamente relacionado ao termo “bem co-
mum” arrastar uma concepção sem a atualizar seria condenar sociedade, como
um todo, a ver congelado o seu direito de receber da Administração a prestação
de serviços pontuais e renovados, à medida que as necessidades humanas não são
estáticas, mas são majoradas em razão da própria evolução humana.
Diante da possibilidade de que dispõe o agente público para adequar o conceito
indeterminado de interesse público à melhor forma que atenda aos anseios da co-
munidade, surge uma questão que se impõe seja apreciada sob a ótica da moralidade
pública, que é a prática de atos discricionários pelo administrador em face à margem
de liberdade de escolha de que este dispõe, devidamente respaldada por lei.
Por isso mesmo, os diversos contextos a serem apreciados em cada caso espe-
cífico pelo agente público, quando este dispõe de discricionariedade, já pressupõe
a dificuldade de prever qual solução ou decisão seria a mais adequada a todas as
situações em que tem de intervir. Não resta dúvida de que a inequívoca pretensão
da lei, em vista da qual foi conferida maior discricionariedade ao agente público, é
que seja tomada a decisão ideal, a mais justa e adequada, isto é, a que mais satisfaça
ao interesse público.

FIQUE DE OLHO
Não se pode vislumbrar o alcance do bem comum se nele não se incluir a plenitude da
justiça social. Caso contrário, não se estará, de fato, alcançando o “bem comum”, mas tão
somente o “bem relativo” ou o “bem parcial” em favor de alguns.

Atributos

Em razão da supremacia do interesse público, cuja satisfação incumbe, por obri-


gação política e constitucional, à Administração Pública, os atos administrativos
são dotados de alguns atributos não comuns, e mesmo inexistentes, nos atos regi-
dos pelo Direito Privado.
Tais atributos se constituem em decorrência natural da diferença de tratamen-
tos jurídicos dispensados aos interesses públicos e privados, e se apresentam em

capítulo 3 • 100
face aos particulares como prerrogativas públicas, como meios jurídicos aptos à
necessária e impostergável satisfação das necessidades políticas, que reclamam do
Estado, por vezes, uma postura enérgica, rápida e eficiente. Em face de tais neces-
sidades, são atributos específicos dos atos administrativos: a presunção de legitimi-
dade, a imperatividade e a autoexecutoriedade.
Para fins didáticos, nada obstante outros serem apontados. A doutrina majo-
ritária reconhece os seguintes atributos do ato administrativo, que os diferencia
do ato submetido ao regime privado: imperatividade, presunção de legitimidade,
legalidade e veracidade, e autoexecutoriedade.

Imperatividade

Em princípio, no Direito Privado, a relação jurídica só é afetada se o titular


dessa relação concordar com isto, como, por exemplo, ninguém pode obrigar ou-
trem a contratar. Já no Direito Público, o que vai caracterizar o ato administrativo
é exatamente a imperatividade, ou seja, a possibilidade de afetar a esfera jurídica
dos administrados sem a anuência destes.
Portanto, a imperatividade permite à Administração Pública impor a sua von-
tade ao particular, mesmo que este não concorde com o ato administrativo. Esta
acepção permite-nos afirmar, então, que a imperatividade é uma manifestação
unilateral de vontade que pode criar obrigações a terceiros, porque há a suprema-
cia do interesse público em jogo, passando a Administração figurar numa posição
superior em relação aos particulares. E essa posição de supremacia vai fazer com
que os atos administrativos sejam revestidos desse atributo da imperatividade.
Todo ato administrativo dispõe de coercibilidade (obrigatoriedade) para seu
cumprimento ou execução, como decorrência da própria existência do ato admi-
nistrativo, posto que as manifestações de vontade do Poder Público trazem em si
a presunção de legitimidade. Como consequência da imperatividade, temos que
todo ato administrativo deve sempre ser cumprido, sob pena de se sujeitar à exe-
cução forçada pela Administração ou pelo Judiciário. Daí ser a imperatividade, a
nosso ver, a principal característica do ato.
A presunção de veracidade diz respeito ao conteúdo dos atos administrativos.
Tal conteúdo tem presunção de veracidade, ou seja, até prova em contrário, deve
ser tido e considerado como verdadeiro. Trata-se, também, de presunção relativa.
Neste sentido, o art. 19, inciso II, da Constituição, veda à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios recusar fé aos documentos públicos.

capítulo 3 • 101
De fato, os atos administrativos, tendo em vista o exercício regular das fun-
ções administrativas, que, em muitos casos, não pode sofrer interrupção, têm em
favor de si a presunção de legitimidade, a presunção de constituírem exercício
legítimo de poder, por parte da autoridade administrativa. Por conseguinte, toda
resistência a tais atos, toda invocação de nulidade contra eles deve ser necessaria-
mente alegada e provada em juízo, quando tal alegação não é aceita na própria
esfera administrativa.
Assim, ao contrário do que ocorre com os atos jurídicos comuns, sempre que
confrontados, a legitimidade dos atos administrativos, instrumento de trabalho
da Administração, não necessita ser declarada por autoridade judicial ou adminis-
trativa de hierarquia superior. Uma ordem de interdição de um restaurante, por
exemplo, sob alegação de insalubridade, tem a seu favor a presunção de legitimi-
dade. O titular do estabelecimento não pode opor resistência privada a tal ordem,
como poderia fazê-lo se se tratasse de um título particular, como um contrato. Se a
ordem for ilegítima, deverá o referido titular desconstituí-la na via administrativa,
ou, no seu malogro, na via judicial.

FIQUE LIGADO
Fique ligado – A consequência mais direta dessa presunção que milita em prol dos atos
administrativos é que as decisões administrativas podem ser executadas imediatamente, e
têm, ademais, a possibilidade de criar obrigações para o particular, independentemente de
sua concordância.

Presunção de legitimidade, legalidade e veracidade.

Como a Administração está sujeita ao princípio da legalidade e, ao menos em


tese, atua desinteressadamente, os atos administrativos gozam de presunção de
legitimidade. Ou seja, eles são presumidos como tendo sido praticados de acordo
com o Direito. O particular é que deverá comprovar que aquele ato não corres-
ponde à verdade, que aquele ato deve ser anulado.
Portanto, até prova em contrário, presumem-se legais todos os atos emanados
do Poder Público. Daí se dizer que prevalece a presunção juris tantun, por ter sido
realizado o ato em conformidade com o Direito. Essa característica decorre do
próprio ato administrativo, não dependendo de lei expressa.

capítulo 3 • 102
Caso concreto - Exemplo de legalidade e legitimidade seria o caso de um
cidadão ter sido multado por dirigir com o braço para fora do carro. Entrando
ele com um recurso administrativo, alega que seu carro possui ar condicionado
e que nunca dirigira de vidro aberto, muito menos com o braço para fora. Não
logrará efeito, contudo, seu argumento, pois o Poder Público tem a presunção de
legalidade e legitimidade. Ademais, a viabilidade de êxito do seu recurso estaria
condicionada à apresentação de provas e não somente a argumentos.
Caso concreto - Uma ordem de interdição de um restaurante, por exemplo,
sob alegação de insalubridade, tem a seu favor a presunção de legitimidade. O
titular do estabelecimento não pode opor resistência privada a tal ordem, como
poderia fazê-lo em se tratando de um título particular, como um contrato. Se a
ordem for ilegítima, deverá o referido titular desconstituí-la na via administrativa,
ou, no seu malogro, na via judicial.
Há um caso interessante, julgado pelo nosso Superior Tribunal de Justiça,
onde julgou-se o fato de o Tribunal de Contas ter baixado uma deliberação, por
meio da qual o Estado do Rio de Janeiro só poderia fazer dispensa de licitação
se, antes, submetesse o ato de dispensa de licitação, à apreciação do Tribunal de
Contas, ou seja, teria que passar pelo crivo do Tribunal de Contas. Em juízo, a
Procuradoria Geral do Estado derrubou essa deliberação, exatamente por estar
ferindo a presunção de legalidade e legitimidade.
A presunção de veracidade diz respeito aos atos praticados serem tidos como
verdadeiros; a presunção de legalidade, da mesma forma, no tocante ao amparo
legal; e, por fim, a presunção de legitimidade refere-se ao atingimento do inte-
resse público. Assim, entendemos que, data vênia, cabe àquele atingido pelo ato
o apontamento da ilegitimidade. Note-se que não se está, aqui, a retirar a pre-
sunção relativa (juris tantun) que informa o ato, permitindo-se ao interessado a
declaração de sua ilegitimidade. De todo modo, sempre haverá a possibilidade de
arguição do vício (salvo nos casos em que a presunção é explicitamente “juris et de
juris”, tal como na impossibilidade de impetração de habeas corpus no atinente a
punições disciplinares militares – art. 142, § 2o, CF). Caso contrário, perderia a
Administração o princípio de autoridade que lhe é inerente no poder de império.
Sendo assim, esta presunção produz consequências fundamentais, tais como: a
possibilidade da Administração Pública, no caso da multa, poder realizar a execu-
ção de forma imediata, independentemente da apreciação do judiciário, uma vez
que se presume a aplicação como verdadeira; e a produção obrigatória de efeitos
do ato administrativo, mesmo quando inválido, praticado em desconformidade

capítulo 3 • 103
com a lei como se válido fosse, até o momento em que o Poder Judiciário ou a
própria Administração anule o referido ato.

O efeito da presunção de legitimidade, então, é a autoexecutoriedade que,


como veremos, admite que o ato seja imediatamente executado. Outro efeito é a
inversão do ônus da prova, cabendo a quem alegar não ser o ato legítimo a com-
provação da ilegalidade. Ou seja, a presunção de veracidade e legitimidade diz
respeito ao conteúdo dos atos administrativos, presume-se que o ato foi expedido
de acordo com a lei e visou atender o interesse público.

Autoexecutoriedade / Executoriedade

A autoexecutoriedade complementa a imperatividade.


Enquanto que a autoexecutoriedade no Direito Civil é exceção, no Direito
Administrativo é a regra. Ou seja, como o ato administrativo tem presunção de
que foi praticado de acordo com o Direito, tem imperatividade (é imposto ao
particular independentemente de sua vontade), e a própria Administração pode
executar seus atos. Exemplos: apreensão de veículo, que é um ato administrativo
sancionatório, interdição de estabelecimento.
Alguns entendem que, salvo nos casos em que realmente não for possível, a
autoexecutoriedade não pode levar a ausência do contraditório e da ampla defesa.
Então, a Administração até pode auto executar, o que equivale a não recorrer ao
Judiciário, mas se obriga a oferecer, antes, contraditório e ampla defesa. Contudo,
se o risco público iminente, que já deu respaldo à autoexecutoriedade, for con-
siderado muito grave, exime-se a Administração da imediata apresentação do
contraditório e da ampla defesa, podendo, logo, executar o ato e posteriormente
oferecer-lhes.
O fato de a Administração ter a autoexecutoriedade não isenta o administrado
de buscar a tutela jurisdicional, como poderá fazê-lo numa ação cautelar. Como
exemplo, no caso de um prédio que precisa ser demolido, poderá a Administração
valer-se dessa prerrogativa e auto executar o ato.
Caso concreto - Um aglomerado de pessoas, numa segunda-feira, bem
cedo, ao dirigir-se para seu local de trabalho, depara-se, em plena via públi-
ca, com uma pessoa louca, totalmente despida que, a princípio, encontrava-se
perambulando na via pública e, num súbito relâmpago, dirigiu-se, de forma
agressiva, ao grupo de pessoas. Sem expressa autorização legal, a Administração

capítulo 3 • 104
Pública interna compulsoriamente essa pessoa. Considerando a situação hipote-
ticamente narrada, assinale o atributo do poder de polícia pertinente ao caso de
autoexecutoriedade/executoriedade.
Destituída está a Administração Pública do poder de auto executar os valores
pecuniários, pois a este fato não se aplicam os princípios que condicionam a autoe-
xecutoriedade – previsão legal ou risco público iminente. Por exemplo, não há que
se falar em risco público iminente no pagamento de um tributo. Tampouco existe
amparo legal que justifique a Administração auto executar valores pecuniários.
Com isso, descaracterizada está a autoexecutoriedade administrativa no tocante a
valores pecuniários, sendo certo que a sua cobrança deverá se submeter ao que dis-
põe a Lei de Execução Fiscal, que estabelece o procedimento de cobrança judicial
que disciplina a execução fiscal, e a qual está obrigada a Administração Pública.

Desfazimento/extinção do ato

Vamos trabalhar com as formas de se retirar os atos administrativos do mun-


do jurídico.
Na vida, nada é eterno, perene. E assim acontece com os atos. A gente nasce,
vem a juventude, que é linda, mas que fenece rapidamente e depois a gente morre,
igualmente acontece com os atos administrativos.
O ato administrativo pode se desfazer de várias maneiras.

Cumprimento de seus efeitos

É a forma natural que o ato administrativo se extingue.


O ato administrativo deixa de produzir seus efeitos e morre com a implemen-
tação de uma condição resolutória (ex.: término do evento) ou com a chegada do
termo final (ex.: data de validade).
Por exemplo, uma determinada prefeitura autoriza a utilizar uma rua para
realizar um evento até domingo. Domingo é o termo final do ato. O prazo do ato
se extinguiu.
Quer dizer, o ato tem um prazo para acabar, e expirado esse tempo acabou, o
ato exauriu em si mesmo pelo lapso temporal.

capítulo 3 • 105
Extinção objetiva

É quando o objeto do ato desaparece. Imaginem um ato de interdição que


o Poder Público ia realizar. O Poder Público interdita um estabelecimento. E aí,
no dia seguinte, o estabelecimento pega fogo e vem ao chão, vira cinzas. Não tem
mais o que ser interditado. O objeto desapareceu.

Extinção subjetiva

Desaparece o sujeito beneficiário do ato. Imaginem lá uma permissão de uso


de bem público, o particular recebeu a permissão de uso para explorar um bem
público qualquer. Esse ato de permissão de uso, para a doutrina, é um ato perso-
nalíssimo; discricionário, mas personalíssimo. É um ato editado em virtude das
condições daquela pessoa. Se o ato é personalíssimo, como regra, e, naquele caso
concreto, a pessoa que recebeu a permissão para usar o bem público morre, desa-
pareceu o sujeito, o que acaba acontecendo com o ato? O ato desaparece também.

Cassação

Na cassação, o beneficiário-destinatário é o único responsável pela sua extinção,


ou seja, o particular é que deu margem à ilegalidade. Trata-se de ato sancionatório
punindo aquele que deixou de cumprir as condições para a subsistência do ato.
O que você tem, então, na cassação? Aquele ato ele era válido, ele era legal.
Foi editado de acordo com a ordem jurídica. Mas, o particular, na execução desse
ato, acabou contrariando a ordem jurídica e, portanto, você vai ter o quê? Uma
ilegalidade superveniente que vai ser imputada ao particular.
Caso concreto - A licença profissional. Imagina um médico que tem a licença
profissional para exercer a Medicina e eventualmente esse médico mata de propó-
sito as pessoas para ganhar algum dinheiro com funerárias, como aconteceu no
Rio de Janeiro, com relação àquele enfermeiro, denominado “Anjo da Morte”. E
aí? Será que esse médico pode continuar exercendo a profissão? Ele é um assassino
disfarçado de médico.
O que vai fazer o Conselho Profissional no caso concreto? Vai cassar a licença,
que era legal, válida, só que o particular, na execução da profissão, ele acabou con-
trariando as normas em vigor e, portanto, o particular cometeu uma ilegalidade
superveniente que pode gerar, eventualmente, a cassação.

capítulo 3 • 106
Caducidade ou decaimento

Caducidade é a quarta modalidade de extinção do ato administrativo. Ocorre


quando o ato administrativo é extinto em razão de uma alteração superveniente
na legislação. Digamos que um particular tenha um consentimento estatal para
comercializar soja transgênica. Posteriormente, surge uma legislação supervenien-
te proibindo tal comercialização. Observa-se que o ato de retirada precisa estar
calcado em alguma lei (precisa ter um fundamento de validade). A caducidade
ocorre, portanto, por fatores estranhos à vontade do particular, ou até mesmo da
administração Pública.
Caso concreto - Determinada cidade, marcada por grave poluição visual,
principalmente pelo excessivo número de outdoors e placas de estabelecimentos
comerciais. Esses elementos visuais eram permitidos pela legislação. Todavia, mais
tarde, foi editada uma lei, a denominada Lei Cidade Limpa, proibindo a existência
de outdoors na cidade. Com a entrada em vigor dessa lei, todas as licenças que
os interessados possuíam restaram extintas. A caducidade pode ser conceituada,
então, como a extinção de um ato porque a lei não mais o permite, o que exata-
mente ocorreu na questão hipotética. (Concurso Público SEJUDH/MT - Nível
Superior).
Caso concreto - (Oficial da Polícia Militar/RJ). A permissão de serviço pú-
blico dada a alguém para exercer o transporte coletivo urbano por meio de vans.
Imaginemos que, depois de conferida a permissão, advenha uma lei municipal
criando uma nova modelagem no serviço de transporte coletivo para o fim de
abolir o transporte por meio de vans, admitindo apenas o transporte por meio de
micro-ônibus. Estamos diante da extinção do ato em virtude de norma jurídica
superveniente contrária àquela que respaldava a prática do ato. O desfazimento
do ato ocorreu, portanto, por caducidade.
No entanto, nos Exames de Aferição, junto à OAB e em concurso público só
se fala em anulação ou revogação.

Renúncia

Ocorre quando o próprio beneficiário do Ato abre mão de uma vantagem de


que desfrutava em razão do ato administrativo praticado, demonstra não desejar
mais a continuidade dos efeitos daquele Ato Administrativo.
Exemplificando, alguém que tem uma permissão de uso de bem público e
não quer mais explorá-la.

capítulo 3 • 107
Contraposição

Quando é emitido ato com fundamento em competência diversa que gerou o ato
anterior, mas cujos efeitos são contrapostos aos daqueles. Ocorre quando existem dois
atos com fundamentos diferentes, onde o segundo elimina os efeitos do primeiro. A
título de ilustração, o ato de exoneração, que tem efeitos contrapostos ao da nomeação.

EXISTEM VÁRIAS FORMAS


DE EXTINÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO

CUMPRIMENTO
REVOGAÇÃO ANULAÇÃO CONTRAPOSIÇÃO
DE SEUS EFEITOS

ATO LÍCITO ATO ILÍCITO

ADMINISTRAÇÃO PODER JUDICIÁRIO


PÚBLICA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

EX NUNC EX TUNC

Vamos detalhar a extinção do ato administrativo e suas consequências.


Utilizaremos a seguinte metodologia: as mesmas perguntas que faremos para
a revogação, faremos também para a anulação, por razão didática e que é de fácil
compreensão. Vamos, agora, realizar um passeio agradável.
Trata-se de uma matéria de cunho doutrinário. Na real verdade, não há lei es-
pecífica sobre essa matéria. A Lei de processo administrativo federal, Lei 9784/99,
fala alguma coisa sobre revogação e anulação, mas muito de forma bem tímida.

Qual é o objeto, o fundamento jurídico da revogação e da anulação? O


que é que pode ser anulado e revogado?

Na anulação, a extinção do ato se dá por uma ilegalidade originária.


Importantíssimo observar logo de saída que só se anula ato ilegal. Anulação vai
incidir em cima de atos inválidos. Então, a anulação é quando o Estado age, prati-
cando atos ilegais. O fundamento da anulação é que o ato foi praticado em desa-
cordo com a lei, em desacordo com o ordenamento jurídico. Portanto, a anulação
atinge ato ilícito, ilegal, atinge um ato podre.

capítulo 3 • 108
FIQUE DE OLHO
Se fosse anulada uma nomeação para o cargo vitalício, magistrado, todos os atos deci-
sórios e as sentenças serão revistas pelo Tribunal, cabendo aos terceiros de boa-fé a indeni-
zação pelos danos daí resultantes.

Qual é a natureza jurídica da anulação e da revogação?

A revogação atinge ato administrativo lícito, que não tem arrepio a lei, válido,
cristalino, discricionário, perfeito e legítimo e sem defeitos, mas que se tornou
inconveniente, inoportuno porque deixou de atender o interesse público. Então,
o fundamento da revogação é critério de pura Conveniência e Oportunidade
Administrativa. Na revogação, não há qualquer ilegalidade. Em síntese, a revoga-
ção é a reavaliação do mérito.
Caso concreto - Foram concedidas legalmente férias para o servidor, por ter
preenchido o período aquisitivo. Durante a concessão dessas férias, alguns servi-
dores são acometidos de dengue. Então, a Administração Pública, assoberbada
de serviço, o que faz? Revoga parcialmente as férias concedidas ao mencionado
servidor. A continuidade do gozo das férias concedidas ao servidor se tornou in-
conveniente ao interesse público.
Indagamos: o ato ilegal pode ser revogado? Não!!! Pode ser somente anulado.
Trata-se de juízo de valor.

Quem tem legitimação para anular e para revogar atos administrativos?

Essa questão deve ser trabalhada inicialmente para a anulação, pois, por força
do princípio da jurisdição una ou única, originariamente adotado no sistema bri-
tânico, caberá sempre ao Poder Judiciário brasileiro analisar a legalidade dos atos
administrativos, é o Poder Judiciário, mas quando provocado.
Então, pacificamente, temos o entendimento de que tanto o Judiciário, como
a Administração podem anular os atos administrativos. Em razão do princípio
da autotutela, a Administração não precisa esperar o Judiciário para anular os
seus atos.
Na revogação, o sujeito ativo da revogação é a própria Administração que
praticou o ato. Então, a Administração Pública anula o ato ilegal de ofício,

capítulo 3 • 109
ao reconhecer uma ilegalidade ou provocada. A revogação é ato privativo da
Administração Pública, pois, a revogação é reavaliação de mérito, porque ela que
possui legitimidade para dizer se o ato legítimo tornou-se inoportuno e inconve-
niente ao interesse público, é ato discricionário.
Portanto, a revogação de ato do Poder Executivo nunca poderá ser realizada
pelo Poder Judiciário, por ser seara de mérito, sob pena de invasão na atividade
administrativa. O Judiciário não pode apreciar a conveniência e a oportunidade,
por ser reservada apenas à Administração Pública.
Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, na edição dos atos ad-
ministrativos, "o critério político e razões técnicas, desde que lícitos, são estranhos
à prestação jurisdicional" (Ementário do STJ 9/412). Então, o critério político
não poderá ser examinado pelo Judiciário, a não ser por garantia e previsão consti-
tucional, por exemplo, o menor abandonado tem tutela constitucional.

PEGADINHA
Pode o Poder Judiciário revogar ato administrativo? Pode. Em que situação? Quando o
próprio Poder Judiciário exercer atividade administrativa atípica no âmbito do judiciário. A
título de ilustração, o Tribunal de Justiça abre uma licitação, mas, com o decorrer do tempo,
entende ser inoportuno o procedimento licitatório. O mesmo raciocínio utiliza-se ao Poder
Legislativo.

Nunca esquecer de que os poderes Legislativo e Judiciário expedem atos admi-


nistrativos. Ora, se o Judiciário faz ato administrativo, e se fizer ato administrativo
discricionário, é claro que ele vai poder revogar o seu ato administrativo.
Quem, no Executivo, pode revogar o ato administrativo? Nós vimos que é
a Administração. Quem pode revogar ato administrativo, mas quem dentro da
máquina pode revogar?
Temos duas respostas: a primeira é a própria autoridade que fez o ato, pois se
ela tem competência para fazer o ato, ela tem competência para desfazê-lo, para
revogá-lo. A segunda resposta, caminha pelo poder hierárquico, que ladeia toda a
máquina administrativa, ou seja, a hierarquia nos permite afirmar que toda auto-
ridade superior pode rever atos de seus subalternos. Então, a revogação pode ser
feita por toda e qualquer autoridade superior àquela que fez o ato, que é a posição
do STF.

capítulo 3 • 110
Quais os efeitos da anulação e da revogação dos atos administrativos?

A ideia é que a anulação, em regra, tem sempre efeito ex-tunc, ou seja, vai apa-
gar todas as consequências jurídicas produzidas anteriormente pelo ato, desde a
sua origem, porque se o ato é ilegal não pode gerar direitos. Então, desfaz tudo que
foi feito com base na ilegalidade. Retroage porque é como não estivesse existido.
Tanto os efeitos futuros, como os já verificados, são atingidos pela anulação, que
fulmina o ato administrativo e seus efeitos desde o nascedouro.
Súmula 473 do STF - a administração pode anular seus próprios atos eivados
de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá
-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adqui-
ridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Revogação e indenização
O que pode complicar é colocar a seguinte pergunta: cabe indenização com a
revogação ou com a anulação? Revogação do ato administrativo e dever de inde-
nizar: a revogação, em regra, não gera o dever de indenizar.
Ato nulo não gera direitos, não produz efeitos, ou seja, há possibilidade de
retroagir no ato nulo e desconstituir aqueles efeitos.
Cabe ou não indenização referente a atos nulos? Pode-se responder com fun-
damento no art. 59, da Lei no 8.666/93, embora este disponha sobre a regra de
anulação de contrato, mas que é a mesma para anulação do ato.
Como se depreende, a regra é que a anulação só gera indenização para os
prejudicados que não deram causa à ilegalidade. Protege apenas os prejudicados
de boa-fé. Se o administrado é de boa-fé, e sempre há comprovação de prejuízos,
jamais poderia ser prejudicado pelas torpezas dos outros, tendo direito adquirido
ao usufruir daqueles efeitos.
O STF já decidiu que, quando forem afetados interesses individuais, a anu-
lação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de
processo administrativo que enseja a audição daqueles que terão modificada situa-
ção já alcançada.
Não cabe indenização em face de revogação, mas somente se for condiciona-
do um prazo determinado. Por exemplo: autorização para se fechar uma rua por
uma semana. Com a inserção de prazo, o ato deixa de ser precário, passando a
gerar estabilidade. E se a Administração Pública resolver revogar antes? Neste caso,

capítulo 3 • 111
cabe indenização, mas desde que se comprove prejuízo (já se investiu na compra
de produtos para serem vendidos no evento, hipoteticamente). Observe-se que a
indenização não se justifica automaticamente pela incidência de prazo, visto que
se deve atentar, da mesma forma, para os pressupostos: boa-fé e comprovação
dos prejuízos.
Podem existir casos, no entanto, em que o ato de revogação causa um prejuízo
ao particular, que tinha a expectativa de que o ato administrativo, gerando os seus
efeitos próprios.
O dever de indenizar não decorre do fato de o particular ter direito subjeti-
vo à situação jurídica decorrente do ato, ou ter apenas simples interesse em sua
manutenção. Decorre do fato de que não é dado à Administração causar prejuízo
aos particulares. Figure-se o exemplo de um pedido de autorização para utilização
privativa de uma praça para ali realizar um evento esportivo. Trata-se de ato pre-
cário, que pode ser revogado pela Administração, e que é expedido no exclusivo
interesse do particular. Imagina-se que, fundados na autorização, os promotores
do evento realizem despesas de monta para a sua realização. Ao depois, verifican-
do que a autorização não atende ao interesse público, a Administração a revoga,
restando inviabilizado o evento esportivo, o qual os seus promotores já realizaram
gastos. Não seria justo ou jurídico que o particular suportasse o prejuízo. Resulta
claro o dever de indenizar, sem que este dever restrinja o dever da Administração
de revogar os atos que não se revelem mais adequados ao interesse público.
Na revogação, a ideia base é dizer que não cabe indenização, porque o cida-
dão-beneficiário, antecipadamente, recebe o Termo de Permissão, mencionando
de que se trata de ato discricionário e precário. Por exemplo, a feira Hippie, em
Ipanema, em que acabou a Praça Osório, para as obras do Metrô. A revogação não
tem indenização porque ela respeita o direito adquirido, já que não retroage. No
entanto, cuidado com as pegadinhas de concurso: pois se admite, sim, a possibi-
lidade de indenização aos particulares prejudicados pela revogação, desde que te-
nha ocorrido a extinção antes do prazo fixado pela Administração Pública. Agora,
a revogação de atos precários ou de vigência indeterminada não gera, porém, o
dever de indenizar. Já a anulação, como ela desfaz o que foi feito, ela pode trazer
prejuízo com esse desfazimento a prejudicados de boa-fé e, aí, eles deverão ser in-
denizados. E não digo apenas terceiros de boa-fé, porque o próprio envolvido no
ato pode estar prejudicado. Os prejudicados de boa-fé terão direito à indenização
com a anulação.

capítulo 3 • 112
Quanto à revogação, você até tem doutrina falando que não cabe indenização.
No entanto, quanto à anulação, a doutrina se cala. Já a anulação, como ela desfaz
o que foi feito, ela pode trazer prejuízo com esse desfazimento aos prejudicados de
boa-fé, e aí, eles deverão ser indenizados. Os prejudicados de boa-fé terão direito
à indenização com a anulação.
Esse posicionamento pode ser sustentado com fundamento na lei 8.666/93,
que possui tem um artigo que fala sobre contratos administrativos, cujo conteúdo
é igual ao que acabamos de falar para a anulação do ato: é o Art. 59. Ainda que
esse artigo se refira a contrato, é utilizado também para os atos administrativos,
conforme reiteradas decisões do STJ.
Art. 59 - Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever
de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for
declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe
seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
Então, a anulação do contrato tem efeito ex tunc e o contratado se não deu
causa, tem direito a ser indenizado. E o mesmo raciocínio acontece com o ato
administrativo.

Posso revogar ato vinculado? Ato vinculado pode ser revogado?

Não posso revogar ato vinculado, porque ato vinculado não tem as duas pa-
lavras mágicas – conveniência e oportunidade. Eu não posso revogar ato admi-
nistrativo vinculado, pois neste não há se falar em mérito administrativo. O ato
administrativo vinculado é o poder de decisão do administrador, ele não tem juízo
de valor, então, no ato vinculado não tem mérito, e revogação, como já vimos,
é reavaliação de mérito, então, não tem nada para ser reavaliado. Isso é pacífico.
É lógico que anulado ele pode ser, se houver ilegalidade, mas revogado não,
porque não tem mérito no ato vinculado.
Ato administrativo vinculado, licitamente concedido e que se torna inconve-
niente, o que fazer com ele?
O ato é vinculado, então eu não posso revogá-lo. E como foi concedido lici-
tamente, eu não posso anulá-lo, porque ele não foi ilegal. Mas ele se torna incon-
veniente, o que fazer?

capítulo 3 • 113
FIQUE LIGADO
Por exemplo, um alvará de licença concedido para fulano para construir um prédio. A
obra acontece, e aí a população percebe que a construção vai tampar o único pedaço de
sol que bate na areia da praia onde as crianças brincam no playground, e criança brincar em
areia que não bate sol é complicado, por causa das bactérias da areia. Aí, os pais fazem pas-
seatas, os jornais abraçam a causa, e chega de passar inclusive na televisão. O prefeito vendo
a repercussão, pede para o procurador-geral do Município anular aquele ato. O procurador-
geral fala para o prefeito que a licença é lícita, então, não pode anular e, por ser ato vinculado,
não pode ser revogado. Então, o prefeito vira para o procurador e diz: “Se vira, quero que você
resolva e acabe com aquela obra”.

Aí, temos uma alternativa. Quanto ao conteúdo, é lógico que o interesse pú-
blico vai prevalecer sobre o individual, e aí haverá a reavaliação. Mas, como no
caso é um ato vinculado, é irretratável, e que gera direito adquirido, esse ato só
poderá ser reavaliado se for indenizado. Então, reavalia, porém, com indenização
porque o ato é irretratável, e aí, para tirar do mundo jurídico, só pagando inde-
nização, porque gerou direito adquirido para o particular. O nome para isso seria
desapropriação do direito.

CUIDADO
Porque não estou falando da desapropriação do terreno para evitar a obra, e sim, na
desapropriação do direito de construir, já que tudo que tem valoração econômica pode ser
desapropriado, e alvará de licença tem valoração econômica, já que você sabe o bairro onde
vai ser construído, o tamanho da construção, entre outras coisas. Há quem, na doutrina, dê a
denominação incorreta de cassação expropriatória.

capítulo 3 • 114
Classificação dos atos quanto à formação/origem

ATO SIMPLES ATO COMPOSTO ATO COMPLEXO

1 AGENTE OU 2 ou mais 2 ou mais AGENTES


ÓRGÃO AGENTES OU ÓRGÃOS
OU ÓRGÃOS
1 ATO 1 ATO

PORTARIA APROVAÇÃO + CONVÊNIO


DO MINISTRO NOMEAÇÃO do E
Procurador Geral CONSÓRCIO
DISPENSA
DE
LICITAÇÃO

Ato simples

Emana de um só órgão ou agente. Por exemplo, expedição de uma carteira de


motorista, decreto de desapropriação que vem assinado pelo Chefe do Executivo.
O ato administrativo praticado por um colegiado é também ato simples porque
representa a manifestação de vontade de um só órgão.

Ato composto

Caso concreto - caso de dispensa de licitação em virtude de a mesma ser de-


serta (1o ato). Ocorre que a lei de licitação dispõe que, para a dispensa produzir
seus efeitos, é necessário que seja ratificada (2o ato), pela autoridade superior (art.
26 da Lei no 8.666/1993). Há dois agentes na realização de dois atos: um princi-
pal e outro acessório. Logo, todo e qualquer ato que depender de homologação,
aprovação, referendo, aquiescência, visto, parecer, laudo técnico etc., em geral,
funcionam como atos compostos.
Em caso de o ato ser composto, haverá um controle pelo órgão superior, a fim
de constatar se aquela primeira manifestação de vontade estava de acordo com os
parâmetros da lei. Todo ato em que a lei obriga a homologação será composto, ou
seja, a última manifestação será sempre do órgão superior, controlando o inferior.
Um órgão pratica e o outro ratifica.
No ato composto, tem-se um ato principal e um ato acessório de verificação.

capítulo 3 • 115
EXEMPLO
– Aposentadoria do servidor seria um ato composto, pois depende da aprovação do
Tribunal de Contas.
– Nomeação de um dirigente da Agência reguladora (o Chefe do Executivo nomeia, mas
deverá ser sabatinado e aprovado pelo Legislativo, em havendo previsão na lei).
O ato composto é um ato originariamente simples. Como exemplo, uma comissão de
concurso público aprova os candidatos, mas o Conselho Superior do Ministério Público ho-
mologa o ato de aprovação. Significa que este último exerce um controle de legalidade sobre
o ato praticado anteriormente. Observa-se que o ato composto tem uma condição suspensiva
de exequibilidade, que é um “algo a mais”, isto é, só será exequível se houver homologação.
No procedimento licitatório, necessariamente, a homologação surge antes da adjudicação.
Há possibilidade de o ato acessório vir antes do principal. Tem-se um exemplo de ato
composto dado pela própria Constituição Federal, que é a nomeação do Procurador-Geral da
República (art. 128, § 1o). O primeiro ato é a aprovação do Senado Federal (ato acessório),
e o segundo ato é a nomeação pelo Presidente da República.
Igual tratamento é a nomeação de Ministro do Supremo Tribunal Federal: aprovação pelo
Senado federal (ato acessório) e nomeação pelo Presidente da República (ato principal).
Todo ato administrativo que fique com sua eficácia dependente de uma condição, que vai
ser atendida por outro órgão, cuja vontade se funde para formar uma só vontade autônoma,
é denominado de ato composto e não complexo.
Vamos ilustrar, com exemplo bem prático de uma comissão de concurso público que
aprova os candidatos objetivando o ingresso para Promotor de Justiça, mas o Conselho
Superior do Ministério Público homologa o ato de aprovação. Significa que este último exer-
ce um controle de legalidade sobre o ato praticado anteriormente. “Observa-se que o ato
composto tem uma condição suspensiva de exequibilidade, que é um “algo mais”, isto é, se
houver homologação” (Administração Pública – Tomo I - José M. P. Madeira – Ed. Freitas
Bastos - 13a. Ed. - pág. 546/547). Logo, todo e qualquer ato que depender de homologa-
ção, aprovação, referendo, aquiescência, visto, parecer etc, funcionam como ato composto.

Ato complexo

O ato complexo será formado por dois ou mais órgãos ou agentes, realizando
um só ato administrativo. A grade diferença do ato complexo para o ato composto
é que neste último são dois atos e naquele, apenas um ato.

capítulo 3 • 116
No ato complexo, não há partes e não há interesses diversos, uma operação
encadeada de atos, uma operação conjunta. Não há uma vontade principal e uma
acessória.
Um exemplo clássico de ato complexo, que já recebeu, inclusive, a manifesta-
ção do Supremo Tribunal Federal, é a investidura do servidor público. Decorre da
nomeação do Chefe do Poder Executivo, do Chefe do Departamento de Recursos
Humanos (posse) e do exercício (lotação). Então, o candidato que só foi nomea-
do, ainda não está investido.
Alguns candidatos consideram que nomeações, aposentadorias e pensões
são atos complexos, por serem submetidos à apreciação por parte do Tribunal de
Contas, o qual tem a palavra final acerca da legalidade do ato sujeito o registro. Só
que essa decisão do STF é bastante antiga, equivocada, superada, já há um certo
tempo. Trata-se, na real verdade de um ato composto.
A grande diferença do ato complexo para o ato composto é que neste último
são dois atos e naquele, apenas um ato.
São exemplos de atos complexos os convênios, os consórcios administrativos
e a cessão de uso.
No ato complexo não há hierarquia. Isso é fundamental. Como identificar se
em um órgão há hierarquia e em outro não? Normalmente, há hierarquia quando
a lei obriga que a manifestação de dois órgãos seja dentro de um mesmo Poder.
Mas, quando a manifestação for feita por órgãos diferentes, de diferentes poderes,
como um do Legislativo e outro do Judiciário, não haverá hierarquia, eis que esta
não existe entre poderes diferentes.
No ato composto, os órgãos que vão se manifestar têm discricionariedade. É
um juízo político. O Senado federal pode não aprovar o candidato a ser sabatina-
do. Igualmente, o Presidente da República pode sancionar ou vetar uma lei. Não
há controle de legalidade. É um controle político, porque a lei assim o exigiu.

Súmulas do STF/STJ

Súmulas vinculantes

2 - É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que dispo-


nha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

capítulo 3 • 117
3 - Nos processos perante o tribunal de contas da União asseguram-se o con-
traditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revoga-
ção de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da
legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
13 – A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral
ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de
servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou as-
sessoramento, para o exercício de cargo em comissão dou de confiança ou, ainda,
de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreen-
dido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

STF

6 - A revogação ou anulação, pelo poder executivo, de aposentadoria, ou qual-


quer outro ato aprovado pelo tribunal de contas, não produz efeitos antes de apro-
vada por aquele tribunal, ressalvada a competência revisora do judiciário.
14 - Não é admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da idade,
inscrição em concurso para cargo público.
15 – Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem di-
reito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.
21 – Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demi-
tido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade.
248 - É competente, originariamente, o Supremo Tribunal Federal, para man-
dado de segurança contra ato do Tribunal de Contas da União.
346 - A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
347 - O tribunal de contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do poder público.
473 - A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los,
por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos,
e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
510 – Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada,
contra ela cabe o Mandado de Segurança ou a medida judicial.

capítulo 3 • 118
STJ

280 – O art. 35, do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, que estabelece a prisão ad-
ministrativa, foi revogado pelos incisos LXI e LXVII do artigo 5º, da Constituição
Federal de 1988.
333 - Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promo-
vida por sociedade de economia mista ou empresa pública.

ATIVIDADE
Nicodemus, contribuinte da Receita Federal, foi autuado pelo Fisco por ter sido apurado,
em procedimento denominado “malha-fina”, que deixou de declarar, no exercício-financeiro
de 2004, rendimentos auferidos de pessoa jurídica. Mesmo após a inscrição em dívida ativa
e notificação de lançamento fiscal, Nicodemus não paga o imposto devido, em razão do que
a Fazenda Nacional ajuíza ação de Execução Fiscal. Em embargos à execução, Nicodemus
alega que a conduta da Administração está errada, pois ainda não há título executivo, o que
só aconteceria se a União propusesse Ação de Conhecimento a fim de declarar o direito
(existência ou não de crédito fiscal) e só depois partir para ação de execução fiscal na
hipótese de ser julgado procedente o pedido da Fazenda Federal. Considerando a situação
hipotética descrita anteriormente, analise, justificadamente a pretensão de Nicodemus.

RESUMO
Nesta aula, estudamos os atos administrativos materializados pela Administração Pública
em sua doutrina, sua conceituação, requisitos, formas de desfazimento, atributos e classifi-
cação. Certamente, percebemos a grande relevância desse assunto, pois o Poder Público se
movimenta e exerce, sua indispensável, imprescindível, relevante, substancial, vital e crucial
função, exatamente pelos atos administrativos na atribuição da defesa das prerrogativas do
direito público.

capítulo 3 • 119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2013.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pública centralizada e descentralizada, Tomo I.13ª.
ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.

capítulo 3 • 120
4
Licitação e
contratos
administrativos
– Lei 8666/93
Licitação e contratos administrativos –
Lei 8666/93

Introdução

Sabemos que a Administração Pública, por suas entidades estatais, autárquicas


e paraestatais, realiza obras e serviços, faz compras, alienações e locação de bens e,
como qualquer pessoa que pretende fazer algum negócio, notadamente procura a
melhor proposta para concretizar tais tarefas.
Porém, ao contrário do particular e das entidades privadas, que são dotadas
de grande liberdade no que tange à aquisição, alienação e locação de bens ou à
contratação e execução de obras ou serviços, bastando cumprir as regras impostas
pelo Direito Civil, Comercial e Tributário, a Administração Pública é obrigada a
se utilizar de um procedimento preliminar, hodiernamente chamado de licitação,
que nada mais é do que uma das formalidades que antecedem à elaboração de um
contrato administrativo para tais objetivos, em conformidade da lei.
A diferença de conduta exigida entre um ente da Administração Pública e
um ente privado é bem clara se observarmos o princípio da legalidade, que es-
tabelece o império da lei, e que está consubstanciado no inciso II do art. 5o, da
Constituição Federal de 1988, que diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Isto quer dizer que somente poderá
ser feito o que a lei autoriza, submissão esta que não só atinge as regras do Direito
Positivo que foram emanados do processo legislativo, mas que também alcança as
próprias regras e normas editadas pela Administração, desde que estas se dirijam
ao fim de proteger e assegurar o interesse público
Porém, se tal preceito constitucional permite ao indivíduo qualquer ação des-
de que não contrária à Lei, em se tratando de Administração Pública, o sentido
é oposto, ou seja, é-lhe vedada qualquer ação sem o devido calço legal, sob pena
de anulação.
Assim sendo, para realizar uma obra, um serviço, uma compra ou uma alie-
nação, sempre visando o interesse público, repisa-se, a Administração Pública
é obrigada a realizar licitação, um instrumento básico pelo qual ela seleciona a
proposta mais vantajosa, evitando o desperdício nos gastos públicos, atendendo,
dessa forma, ao princípio da economicidade. Importante é destacar que o único
motivo que justifica a instauração desse procedimento é aquele que configura uma

capítulo 4 • 122
necessidade pública, e somente esta é o suporte fático juridicamente sustentável
de toda a licitação.

OBJETIVOS
•  Entender o funcionamento do procedimento administrativo licitatório por meio da percep-
ção de suas modalidades;
•  Identificar os casos de contratação direta, como exceções ao princípio licitatório;
•  Identificar as cláusulas exorbitantes em cada contrato administrativo, compreenden-
do sua inserção e sua importância, bem como captar a Teoria da Imprevisão e interferên-
cias imprevistas.

ATENÇÃO
Quem está obrigado a licitar?
Art. 37, XXI, CF c/c Art 1º, Lei 8.666/93.
De acordo com o art. 37, XXI, CF, toda a estrutura administrativa brasileira é forçada a
licitar. Há que se observar a inclusão dos fundos especiais — que não são pessoas jurídicas
mas são administrados por pessoas jurídicas que têm obrigação de licitar. E o caso, por
exemplo: Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) — administrado pela CEF, Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) — é o seguro desemprego.

FIQUE DE OLHO
As empresas estatais, por sua vez, só estarão obrigadas a licitar, quando exercerem ati-
vidade meio, que não é aquela atividade para a qual foram criadas. A atividade fim é a venda
do produto final, não precisa de licitação, porque tem que competir com entidades privadas
— art. 17, II, e, da Lei 8.666/93.
Ao propósito de mencionarmos as estatais, foi promulgada a Lei 13.306, de 30 de junho
de 2016, conhecida como o Estatuto da Estatal, que dispõe sobre o estatuto jurídico da em-
presa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Tal lei, entre os seus artigos 28 ao 67, trata das licitações e, entre os artigos 68 ao 84,
disciplina os contratos celebrados pelas estatais

capítulo 4 • 123
TOME NOTA
Os conselhos que controlam as profissões são autarquias corporativas, porque estariam
defendendo, em especial, a categoria de seus associados e, indiretamente, defenderem inte-
resse coletivo, no controle do exercício das profissões, como é o caso do CRM, CRO, CREA etc.,
submetem-se aos ditames da Lei de Licitações. No entanto, a Lei 9.649/98, parágrafo 9º, do
art. 58, isenta a OAB do procedimento licitatório, constituindo a única exceção a esse respeito.

O que deve ser licitado, qual o objeto da licitação?


art. 37, XXI/CF c/c art. 2º da Lei 8.666/93: Obras, serviços, compras e alie-
nações. O rol é exemplificativo, pois todo e qualquer contrato deve ser precedido
de licitação. Ex.: compra e venda; financiamento; seguro; concessão de direito real
de uso, concessão de uso.
Modalidades de licitação - Licitação é gênero, do qual temos as seguintes
espécies: Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Concurso, Leilão e Pregão.
Tipos de Licitação - estes estão no parágrafo primeiro do art. 45: Menor
preço, Melhor técnica, Técnica e preço e Maior oferta. Concurso e Leilão são
modalidades pouco utilizadas pelo poder público porque não têm por objeto
compras, obras ou serviços (trilogia básica).

Concurso – art. 22, § 4º c/c 52, Lei 8.666/93


Caso concreto - Tem por objeto a escolha de trabalho técnico, científico e
artístico. Como exemplo podemos citar o projeto de reformulação de uma deter-
minada orla marítima , que poderá abrir a modalidade de licitação por concurso,
onde qualquer arquiteto pode apresentar seu trabalho arquitetônico livremente,
submetido à uma comissão para analisar o melhor deles. Ao escolher o melhor
projeto, acaba o concurso. É frequente a escolha de logotipo por ocasião, o que
ocorreu nas Olimpíadas recentemente, utilizando a modalidade de concurso. O
concurso serviu apenas para a escolha do melhor trabalho artístico.

FIQUE LIGADO
A comissão que realiza a modalidade de Concurso é a única que pode ser formada sem a
presença de servidores públicos. É uma exceção. A regra é que a comissão tenha, no mínimo,

capítulo 4 • 124
3 membros, sendo 2 deles servidores (art. 51). Mas, para o concurso, poderão ser os 3 de
área estranha à Administração (art. 51, § 5º).

Leilão — art. 22, § 5º c/c 53 da Lei 8.666/93


Apesar de ser mais utilizado do que o concurso, a lei também não lhe deu
grande atenção. Tem por objeto a venda de bens móveis inservíveis, produtos le-
galmente apreendidos ou penhorados, ou para alienação de bens imóveis. Na ver-
dade o termo "penhorado" foi indevidamente utilizado. O certo é "empenhado",
pois bens penhorados são aqueles leiloados pelo Poder Judiciário. A Administração
Pública é Poder Executivo, e os bens empenhados são aqueles dados em garantia
em contratos com ela celebrados.
É uma das raras modalidades de licitação que não tem comissão, podendo ser
conduzida por um único servidor ou, até mesmo, por um leiloeiro oficial — a mo-
dalidade convite também pode ser conduzida por um único servidor. Além dessa,
há outra peculiaridade: é a única modalidade que aceita a substituição de uma
proposta por outra. De regra, a proposta é colocada em um envelope e lacrada,
não podendo ser alterada. Mas no leilão, se um concorrente oferece determinado
preço, que vem a ser posteriormente elevado por outro participante, o primeiro
pode modificar e melhorar o preço ofertado, quantas vezes lhe for conveniente.

Concorrência, Tomada de Preços, Convite


São as modalidades mais importantes: art. 22, I, II e III, todas se referindo
à trilogia básica de “compras, obras e serviços”. Para saber qual delas usar, basta
seguir o que dita o art. 23 da Lei de Licitações, que se baseia no porte ou valor do
contrato. Antes de abrir a licitação, já existe um valor estimado, mesmo porque a
verba orçamentária já tem que ter sido prevista. E feita uma pesquisa de mercado
para fazer a estimativa do valor do objeto a contratar — bem ou serviço. A partir
disso, consulta-se a tabela do art. 23 e chega-se à modalidade adequada.
Para contratos de pequeno porte, tem-se a possibilidade de utilizar o convi-
te; nos de médio porte, a tomada de preços; e, por fim, nos de grande porte, a
concorrência.
O parágrafo 4° do art 23 nos diz que, nos casos em que couber convite, a
Administração poderá utilizar a tomada de preços, e, em qualquer caso, a concor-
rência. A lei permite ao participante modificar, usando a maior em detrimento da
menor. Deve-se ter cuidado, porque sendo um valor estimado, se o valor revelado

capítulo 4 • 125
pela pesquisa de mercado indica a modalidade convite, mas está muito próximo
da tomada de preços, deve-se optar por esta última (superior). Com isto evita-se
perda de tempo e dinheiro.
Na concorrência, tem-se o maior número possível de participantes. O pa-
rágrafo primeiro do art. 22 conceitua: "entre quaisquer interessados". Diz tam-
bém que a habilitação vem depois do edital. Significa que a concorrência é uma
modalidade de licitação que respeita o procedimento normal de toda e qualquer
licitação, ou seja, primeiro vem o edital. Em seguida, com base no preenchimento
de seus requisitos, tem-se a habilitação. Posteriormente, vem o julgamento, a ho-
mologação e, finalmente, a adjudicação.
A tomada de preços, por sua vez, permite, em regra, cadastramento prévio.
Isto porque esta modalidade de licitação foi criada para agilizar o procedimento.
O edital exige uma série de documentos para que o licitante venha a ser habilita-
do. A habilitação consiste na verificação de como está a saúde da empresa, se tem
ou não condições de contratar com a Administração. Analisa-se o contrato social,
o CNPJ, exigem-se certidões negativas das Fazendas (para saber se está pagando
os impostos em dia), do INSS (Certidão Negativa de Débitos) etc. É um traba-
lho demorado, que requer atenção. Na tomada de preços, esta documentação é
exigida para o cadastramento da empresa, e terá validade de um ano (art. 34).
Com o cadastramento elimina-se a análise diária dos documentos, agilizando-se o
procedimento todo. É emitido o CRC (Certificado de Registro Cadastral). Então
a habilitação, em regra, na tomada de preços, é realizada antes do edital.
O CRC é válido por um ano, mas há alguns documentos que tem validade
menor. Nesta hipótese, encontramos o CND, exigido junto ao INSS, e o CRS —
Certificado de Regularidade Social. que é exigido perante o FGTS, ambos com
validade de 6 meses.
O Convite, apesar de ser modalidade de licitação de pequeno porte aparente-
mente mais simples, é, na verdade, a mais complicada. Seria, teoricamente, para
convidados. É a única em que o instrumento convocatório não é edital, e sim
carta-convite. São enviadas cartas às empresas convidando-as a participar, mas,
note-se que, também as não convidadas poderão fazê-lo, desde que manifestem
seu interesse até 24 horas antes da apresentação das propostas. Isso, por si só, fo-
menta a manutenção do registro cadastral, enfraquecido na tomada de preços. O
convidado, por sua vez, pode ser cadastrado, ou não. O mais comum é chamar o
cadastrado, já que este tem sua documentação em dia.

capítulo 4 • 126
De acordo com o art. 29, IV da Lei 8.666/93 e art. 195, § 3º, CF, o CND é
obrigatório, bem como o CRS (Lei 9.021/95, art. 29).

TOME NOTA
A lei exige, pelo art. 22, § 3º, no mínimo 3 escolhidos ou convidados para o convite. Mas
prevê que, desde que seja justificada a ocorrência, seja admitida a hipótese de participarem
menos do que este número (art. 22, § 7°).

Pregão
Configurar o pregão como uma modalidade licitatória significa adotar um
novo procedimento para seleção da proposta mais vantajosa, com observância do
princípio da isonomia. Uma modalidade de licitação consiste em um procedi-
mento ordenado segundo certos princípios e finalidades. O que diferencia uma
modalidade de outra é a estruturação procedimental, a forma de elaboração de
propostas e o universo de possíveis participantes. Em primeiro lugar, a estrutu-
ra procedimental do pregão é absolutamente peculiar, com duas características
fundamentais. Uma consiste na inversão das fases de habilitação e julgamento.
Outra é a possibilidade de renovação de lances por todos ou alguns dos licitantes,
até chegar-se à proposta mais vantajosa. Em segundo lugar, o pregão comporta
propostas por escrito, mas o desenvolvimento do certame envolve a formulação
de novas proposições ("lances"), sob forma verbal (ou, mesmo, por via eletrônica).
Em terceiro lugar, podem participar quaisquer pessoas, inclusive aqueles não ins-
critos em cadastro. O pregão visa à aquisição de bens ou contratação de serviços,
pelo menor preço.
O pregão poderá ser utilizado nas hipóteses em que seria cabível concorrên-
cia, tomada de preços ou convite. A opção pelo pregão é facultativa, o que evi-
dencia que não há um campo específico, próprio e inconfundível para o pregão.
Não se trata de uma modalidade cuja existência se exclua a possibilidade de ado-
tar-se convite, tomada ou concorrência, mas se destina a substituir a escolha de
tais modalidades, nos casos em que assim seja reputado adequado e conveniente
pela Administração.
O cabimento do pregão não se relaciona com o valor da contratação porque
se configura outro modelo. Cabe o pregão para contratações que versam sobre ob-
jetos destituídos de maior complexidade. O pregão é adequado para contratação
de objeto comum, padronizado, simples, disponível no mercado. Portanto, não há

capítulo 4 • 127
cabimento de questionar o valor da contratação. Daí a irrelevância do critério de
valor para fixação do cabimento do pregão.
O pregão é um procedimento de seleção aberto à participação de qualquer
interessado, em que não se impõem requisitos mais aprofundados acerca da habi-
litação do fornecedor nem exigências acerca de um objeto sofisticado. Bem ou ser-
viço comum é aquele que pode ser adquirido, de modo satisfatório, através de um
procedimento de seleção destituído de sofisticação ou minúcia. Em última análise,
"comum" não é o bem destituído de sofisticação, mas aqueles para cuja aquisição
satisfatória não se fazem necessárias investigações ou cláusulas mais profundas.
Bem ou serviço comum — Não demanda alguma circunstância especial.
Assim, por exemplo, suponha-se serviço de vigilância para instalações que manu-
seiam produtos altamente perigosos (minerais nucleares e seus derivados), compra
de lâmpadas, transporte de mudança, bens permanentes, serviços de apoio admi-
nistrativo, de assinaturas de revistas e periódicos, de assistência, de atividades auxi-
liares etc. A contratação de obras e serviços de engenharia, as locações imobiliárias
e as alienações em geral não podem ser licitadas por pregão. Os equipamentos,
programas e serviços de informática — exceto os de digitação e manutenção de
equipamentos — também não estão incluídos na classificação de bens e serviços
comuns. Para as contratações de serviços de informática e automação de normas
em vigor estabelecem a obrigatoriedade da licitação do tipo "técnica e preço".
O pregão, quer seja presencial ou eletrônico, só é válido para a aquisição dos
chamados bens e serviços comuns, entendidos estes como como aqueles com pa-
drões de qualidade que podem ser definidos objetivamente pelo edital de licitação,
através de especificações usuais no mercado. Neste caso, é fácil identificar o menor
preço, o único critério de julgamento do pregão.

DICA DA HORA
Afastamento da licitação
A regra é que todo o contrato exige prévia licitação. O afastamento é exceção, e consti-
tui-se em gênero que possui como espécies: licitação dispensada: art. 17; licitação dispen-
sável: art. 24; licitação inexigível: art. 25; licitação vedada: art. 79, § 5º
A dispensável e a inexigível são as mais conhecidas. Não confundir licitação dispensada
com dispensável (dispensa de licitação), cada uma prevista em dispositivo legal próprio.
Outro comentário necessário à licitação vedada diz respeito à escolha da marca. Apesar
do artigo mencionar "salvo nos casos em que for tecnicamente justificável", não há impedi-

capítulo 4 • 128
mento. Se for provado que escolha de determinada marca (havendo outras similares) é justi-
ficável porque torna o projeto viável, não se estará ferindo a lei. É o caso, por exemplo, de um
projeto de padronização, onde uma marca é escolhida para ser utilizada em todas as obras.
Não é uma escolha arbitrária, foi feito um estudo que justificou esta decisão. Isto vale não
somente para o art. 7º, § 5º, mas também para qualquer outro dispositivo desta lei. É possível
a escolha da marca, o que é vedado é a escolha arbitrária, sem motivação, sem fundamento
técnico que o justifique.

Dispensa e inexigibilidade têm duas diferenças básicas. A primeira, quanto à


utilização, e a segunda, quanto ao rol dos dispositivos legais. Quanto à utilização
porque enquanto a dispensa tem uso facultativo, a inexigibilidade é obrigatória. A
dispensa é uma faculdade do administrador. O fato de que a lei elenca situações de
dispensa, não significa que, em momento algum, esteja forçando o administrador
fazê-lo. O próprio caput do art. 24 nos leva a esse raciocínio porque não diz tex-
tualmente que seja obrigatória. O administrador goza de discricionariedade. Se,
mesmo dispensado, achar que deve licitar, nada o impedirá. Na inexigibilidade, é
diferente. Existe uma obrigatoriedade expressa no caput do art. 25, quando dispõe
sobre "inviabilidade de competição". Qual a alma da licitação, por que se faz a li-
citação? Para estimular uma competição, e diante desta competição, conseguir um
preço mais favorável à Administração. Então licitação significa competição. Se a
licitação é inexigível quando houver inviabilidade de competição, então a licitação
é inviável. O exemplo clássico está no inciso I do art. 25: produtor exclusivo. Se é
exclusivo, é porque só existe um. Então para que licitar? Contrata-se diretamente.
Outras situações existem que também justificam a inexigibilidade, mesmo em
se tratando de várias pessoas. É o caso da inauguração de uma obra, no qual se
deseja contratar um grande artista para fazer o show. Não há critério objetivo nessa
escolha, pode ser Gil, Caetano, Chico Buarque, não há competição. Conclui-se
que a inexigibilidade não está necessariamente ligada à presença de apenas uma
pessoa que faça o serviço, mas sim à inviabilidade da competição.
A segunda diferença está no elenco de situações. O rol do art. 24 é taxativo. Já
o rol do art. 25 é exemplificativo. Assim, em qualquer situação em que se compro-
ve ser inviável a competição, mesmo que não prevista em nenhuma delas, é caso
de inexigibilidade, podendo-se contratar diretamente.

capítulo 4 • 129
FIQUE LIGADO
Vale frisar que, tanto a dispensa quanto a inexigibilidade, necessitam de auto-
rização da autoridade superior (art. 26 e parágrafo único), como também de pro-
cessos administrativos que as justifiquem. Uma comissão analisará esse processo e,
após sua aprovação, remeterá para ser ratificado pela autoridade superior. Ambos
abrem mão da competitividade, mas não significa que a habilitação seja liberada.
Toda documentação há de se exigida, em especial, CND (perante o INSS) e CRS
(perante o FGTS).

Comentários sobre dispensa


Outro inciso que merece ser comentado é o inciso V do art. 24: licitação deserta.
A licitação é aberta, marca-se o prazo para apresentação das propostas, e não aparece
nenhum interessado. A lei faculta, neste caso, a contratação direta com o primeiro
que aparecer. Mas todas as condições preestabelecidas pelo edital devem ser fielmen-
te mantidas, sob pena de se refazer toda a licitação. Licitação deserta não se confunde
com licitação fracassada (ou frustrada). Nesta última, aparecem interessados, só que
ou são todos inabilitados, ou são todos desclassificados. Ex.: todos os participantes
estão em débito com o INSS (inabilitados) — art. 24, VII — ou, ao se abrirem os
envelopes, todos os preços estão superfaturados, acima do valor de mercado (des-
classificados) — art. 48. O parágrafo terceiro deste último indica como poderá ser
salva a licitação nestes dois casos: apresentando, dentro de oito dias, os documentos
faltantes ou os preços ajustados. Caso isto não ocorra, poderá ser contratada direta-
mente a primeira empresa que oferecer o valor de mercado.
A última situação de dispensa a ser analisada, é a contratação de empresas
estatais. Ou seja, é o Estado contratando empresas também do Estado. Não há
necessidade de licitação — art. 24, incisos VIII e XVI, desde que a contratada
tenha sido criada com esta finalidade.

Comentários sobre inexigibilidade


Caso concreto - Por exemplo, um determinado município desejava comprar
quatro Vectras, e só havia uma concessionária Chevrolet em seu território. A pre-
feitura foi lá e contratou diretamente. Segundo o art. 20, parágrafo único, este
procedimento foi ilegal porque a licitação não se limita ao local de sua sede, pois o
valor da compra extrapola o limite do convite, cabendo tomada de preços, e, neste

capítulo 4 • 130
caso, a exclusividade seria regional, não impedindo a participação da concessioná-
ria do município vizinho.
O inciso II do art. 25 é o mais questionado, pois se refere à contratação de
profissional de notória especialidade. Primeiramente, deve se ressaltar que, o que
é exclusivo não é o profissional, e sim o serviço, que tem natureza singular. Como
exemplo pode-se citar a feitura do Aterro do Flamengo. É um serviço de natu-
reza singular, que não pode ser dado a qualquer um dos muitos jardineiros da
Fundação Parques e Jardins (que pertence ao Município). Tem-se que procurar
um profissional especializado para uma obra de tal porte.

FIQUE LIGADO
Como se chega a este profissional de natureza especializada? O conceito está no pará-
grafo primeiro do art. 25: "que permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivel-
mente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato". O mais adequado, e não
o único. Depreende-se, com isto, que pode-se escolher entre diversos profissionais de na-
tureza especializada, desde que se prove, em razão de sua experiência anterior, sua técnica,
estudo, aparelhamento etc., que o trabalho dele é o mais adequado para satisfazer o objetivo
almejado. Muitos alegam que não se faz licitação quando se trata de notória especialidade
porque os concorrentes são muito vaidosos, não vão oferecer o menor preço. Pode ser ver-
dade, mas não é um argumento jurídico. Logo, tem-se que comprovar, no procedimento de
inexigibilidade, que houve análise de diversos profissionais de natureza especializada, mas
que o escolhido é o melhor devido aos argumentos elencados. Há, necessariamente, um
juízo de valor. Mas este está amarrado à uma motivação que prove a escolha adequada de
um entre vários.

Finalmente, o inciso III do referido artigo menciona a contratação de profis-


sionais artísticos, consagrados pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Aqui, mais do que nunca, existe um juízo de valor, uma discricionariedade. Não
há critérios objetivos. Escolher Chitãozinho e Xororó ou Henrique e Juliano?
Qual é o critério? Qual das duas duplas causa mais comoção entre as mulheres?
Se o critério for o menor preço, vai ser contratado um desconhecido, e o objetivo
não é oferecer um cachê baixo, e sim escolher um profissional que atraia muita
gente para a inauguração da obra. Note-se que a inexigibilidade de licitação tem
natureza singular, não vale para empresas de eventos. Estas têm que se submeter
à competição.

capítulo 4 • 131
Procedimento licitatório
Toda licitação tem início através de um instrumento convocatório: edital ou
carta-convite. O edital é para concorrência, tomada de preços, concurso e leilão.
A carta-convite é somente para a modalidade convite, ou seja, das cinco modali-
dades, quatro começam com edital.
Publicado o edital, ele poderá ser impugnado dentro de cinco dias úteis antes
da abertura dos envelopes da habilitação (art. 41), tanto pelo cidadão (parágrafo
1º) quanto pelo licitante (parágrafo 2º). O parágrafo 1º nos remete ao art. 113,
§1°, o que significa que, feito o edital, qualquer cidadão pode, concomitantemen-
te, entrar com impugnação e encaminhar ao Tribunal de Contas, na mesma repre-
sentação. Hipoteticamente, o licitante, ao ler o edital, entende que a exigência de
determinado documento é desnecessária, pois foi dirigida apenas a uma empresa,
pois só ela que poderá cumpri-la.
O art. 21 refere-se à publicação do edital, e isto merece alguns comentários.
Observa-se que o convite é a única modalidade de licitação em que não há obri-
gatoriedade de publicação no Diário Oficial. O convite é publicado no quadro de
avisos da repartição, apenas.

Habilitação
O interessado em participar da licitação, em regra, terá que entregar dois en-
velopes lacrados à Administração: o primeiro conterá a documentação relativa à
habilitação da empresa (CND, CRS, Contrato Social da empresa, Balanço) e o
segundo, os documentos relativos à proposta (preço).
O aspecto mais interessante da habilitação refere-se ao art. 43, § 6º: uma vez
habilitado, o licitante estará realizando uma promessa de contrato, ou seja, caso seja
o vencedor, não poderá mais desistir — salvo exceções a cargo da Administração.
Até quando a Administração pode impor ao habilitado a obrigação de aceitar o
contrato? Até 60 dias da data da entrega da proposta (anterior à habilitação), e não
do resultado da habilitação (art. 64, § 3º). Em regra, os editais reduzem este prazo
para 30 dias. E se o licitante for chamado dentro do prazo e não assinar o contra-
to? Sofrerá sanções administrativas: advertência, multa, suspensão temporária de
participação em licitação (impedindo-o de contratar com a Administração por 2
anos) e, a mais grave, declaração de inidoneidade para contratar com o poder pú-
blico (que é por prazo indeterminado). O art. 81 diz que tal fato caracteriza o des-
crumprimento total da obrigação assumida, e as penalidades constam do art. 87.

capítulo 4 • 132
Caso alguém recorra (Art. 109, I, a), tem-se que esperar o julgamento do re-
curso para encerrar a fase da habilitação. Assim, somente os licitantes habilitados
irão à fase do julgamento. Os não habilitados recebem de volta seus envelopes
contendo as propostas lacrados e vão embora.

Julgamento - É presidido pela comissão de licitação, e se divide em duas:


Análise formal, em que se analisam as propostas individualmente, segundo as exi-
gências do edital. Análise material, em que se comparam as propostas, a fim de
que se chegue a que melhor satisfaz a Administração. Para que ele ocorra, o edital
apresentará critérios, fatores e tipos. Mas a lei só define o que são tipos de licitação
(art. 45, §1°), não se referindo nem a critérios, nem a fatores. Talvez a justificativa
para isto seja porque o tipo eleito para licitação é o de menor preço, ou seja, será
vencedor aquele que apresentar a proposta dentro das especificações do edital ou
convite e ofertar o menor preço. Deve-se ressaltar que, com esta redação, não se
eliminou a qualidade porque o legislador diz que tem-se que descrever o objeto
no edital. A proposta deve seguir àquela qualidade nele exigida. Depois, no julga-
mento, será analisado o melhor preço. A Administração, desta forma, adquire um
produto com o padrão de qualidade necessário, mas pagando o preço mais barato.
Quando o art. 46 diz que os tipos "melhor técnica" ou "técnica e preço" são
exclusivamente para serviços, pode-se concluir que para obras e compras valerá
sempre o tipo menor preço? Não, pois também existem obras que exigem pro-
fissionais altamente especializados, podendo ser incluídos em serviços de nature-
za intelectual.
No caso do art. 46, sim, critérios e fatores tornam-se importantes pois a quali-
dade técnica tem que ser estabelecida. (Art. 46, §1°, I, parte intermediária: "e que
considerem a capacitação ..."). Serão então definidos os critérios de julgamento,
como por exemplo, a qualidade, o rendimento, a metodologia e o prazo.

FIQUE AFIADO
O mesmo inciso, entretanto, diz que "... e a negociação das condições propostas, com
a proponente ... e etc." Ora, se o julgamento é objetivo, não há que se falar em negociação,
pois esta seria subjetiva. O legislador se defende sob o argumento de que se três propostas
atingem a pontuação mínima exigida, tem-se que escolher uma delas, já que todas estão em
condições de cumprir o que a Administração deseja. O certo seria chamar a empresa com
o maior número de pontos, abrir o envelope de preço apenas dela, e verificar se é razoável,

capítulo 4 • 133
se está dentro do preço de mercado etc. Satisfeito isso, contratar com ela. Mas o que se
observa com a negociação é que abrem-se os envelopes de preços dos três licitantes, e,
mesmo tendo pontuação técnica menor, a empresa poderá ser contratada se oferecer um
preço mais barato. Ou seja, a licitação foi feita com o intuito de obter qualidade técnica, mas
será contratada uma proposta que não ofereceu a melhor técnica. O dispositivo, portanto, é
incoerente. A Administração acaba impondo à empresa que ofereceu a melhor técnica, que a
execute com o menor preço, que foi dado por outra de qualidade inferior.

No tipo de licitação “técnica e preço”, só existem dois envelopes e, portanto,


não acontece o mesmo problema do tipo “melhor técnica”. É feita uma média
ponderada nos termos do art. 46, §2º, II, onde o preço entra como mais um fator.
Vimos, então, a diferença entre critérios e fatores, que só existem nesses dois
tipos de licitação, ou seja, “melhor técnica” e “técnica e preço”.

Homologação e adjudicação
A homologação se assemelha muito ao despacho saneador em um processo. A
autoridade superior analisa todas as propostas, vê tudo o que foi feito para trás, a
fim de verificar se houve algum problema, alguma irregularidade, algum ilícito. Se
encontra um ilícito, anula. Se houve problema, devolve à comissão solicitando o
cumprimento de diligências.
Ficando satisfeito com tudo o que foi feito, ocorre a homologação. E parte-se
para adjudicação, que nada mais é do que a análise se aquela proposta vencedora
realmente é conveniente e adequada para a Administração. O fato de ser a me-
lhor proposta, não significa, necessariamente, que ela é boa para a Administração.
Por isso diz-se que no julgamento não se resolve nada. É na adjudicação que isto
vai ocorrer.
Caso concreto - A Administração deseja comprar um imóvel para nele ins-
talar uma repartição. Há a habilitação, o julgamento, não há superfaturamento e
chega-se à melhor proposta. A autoridade superior recebe a ordem de classificação
e faz a homologação. Tudo está correto e pronto para a adjudicação. Na hora de
assiná-la, chega uma carta informando que a Administração ganhou, através de
herança jacente, um imóvel que é adequado para a instalação da repartição. A lici-
tação, então, será revogada, pois não se justifica mais. Não é questão de legalidade,
mas sim de conveniência. Não se anula, se revoga.

capítulo 4 • 134
Contrato administrativo

Contrato administrativo: no singular, espécie regulada rigorosamente pelas


normas de direito público. É a que está contida na Lei 8.666/93, e que possui as
chamadas cláusulas exorbitantes.
Contrato de direito privado celebrado pela Administração: a Administração
poderá pactuar com o particular com base em normas predominantemente pri-
vadas. Neste caso, não há cláusulas exorbitantes. Há normas públicas e privadas,
sendo que as do direito privado preponderam. Neste caso, apesar de ser um con-
trato de direito privado, também deverá ser precedido de licitação, que é regra de
direito público.
A Lei 8.666/93 não regula apenas o contrato administrativo de norma pública.
O art. 62, § 3º, inciso I , expressamente admite a possibilidade da Administração
assinar contratos de direito privado. Então a própria norma pública (com cláusula
exorbitante) permite que a Administração possa celebrar contratos regulados pelo
direito privado, e elenca os três tipos clássicos: contratos de seguro, financiamento
e locação, em que o poder público é o locatário.

Análise das Cláusulas exorbitantes - Cláusula exorbitante de modificação


unilateral de contrato (Art. 58,1 — Art. 65, l e alíneas, Lei 8.666/93).
Por que o contrato administrativo apresenta diferença tão relevante e tão pro-
fundamente diferente do contrato sob a égide do direito privado? O Contrato
Administrativo é caracterizado pelas cláusulas exorbitantes, que são cláusulas que
exorbitam, extrapolam do comum em prol do Estado. Cláusula exorbitante en-
contra-se à disposição do interesse público. Na verdade, são regras que conferem
poderes especiais para a Administração Pública diante do particular contratado.
Elas são necessárias, a Administração Pública defende o interesse da coletivida-
de, de todo mundo. Hipoteticamente, se a Administração Pública celebra um
contrato, hoje, e amanhã acontece algo inesperado, por exemplo, uma enchente,
deixando as pessoas desobrigadas, é lógico que a Administração Pública pode e
deve mudar as condições do contrato, podendo, inclusive, acabar com o contrato,
fazendo rescisão com o particular sem indenização. No contrato administrativo,
a Administração Pública encontra-se em posição de superioridade, posição privi-
legiada. Por que a lei concede a Administração Pública essa supremacia? É exata-
mente por encarnar o interesse da coletividade.

capítulo 4 • 135
Modificação unilateral do contrato

FIQUE LIGADO
Modificação unilateral e rescisão unilateral do contrato, mesmo sem culpa do particular.
Olha a desigualdade! É isso que dá um destaque especial para o contrato administrativo,
diferente do direito privado.
Todo contrato administrativo tem duas cláusulas: Cláusula regulamentar- são as cláu-
sulas que regulamentam a quantidade, da prestação de serviço e a Cláusula econômica,
também denominada monetária – vai dispor o quantum o contratado vai receber da Adminis-
tração Pública pela obra.

1ª parte: Art. 65, I, “a”: cláusula de serviço (regulamentar).


A modificação pode ser qualitativa ou quantitativa, porque o interesse público
não é estático (art. 65, § 1º da lei 8666/93). O contratado fica obrigado a aceitar,
nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem
nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial
atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipa-
mento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
Caso concreto - Vamos imaginar que a Administração contrate uma firma de
segurança para prestar serviços por 40 horas semanais, pelo preço de 20.000,00.
A Administração não deseja mais 40 horas, pretende aumentar para 50 horas.
Lógico que a empresa será restabelecida economicamente.

FIQUE LIGADO
2ª parte: A cláusula econômica não pode ser alterada unilateralmente. Art. 65, I, “b”
– cláusula econômica. Se você mexe nas cláusulas de serviço, consequentemente a cláu-
sula econômica vai ser alterada em decorrência dessa modificação unilateral da cláusula de
serviço. A Administração Pública não pode entrar no contrato administrativo e modificar uni-
lateralmente, apenas as cláusulas econômicas. A Administração Pública não pode dizer, por
exemplo: “Agora, vamos fazer a alteração do valor em decorrência da modificação unilateral
do serviço”. Isoladamente, não pode mexer na cláusula econômica.

capítulo 4 • 136
Chamamos a atenção de todos que a Administração Pública pode fazer vários
aditamentos, sem licitação, desde que não ultrapasse os 25%. Faço um aditamento
agora da ordem de 5%, três meses após, peço outro aditamento na ordem de 12%
e, assim por diante.
A revisão do contrato terá que acontecer porque é um direito ser reequilibrado
economicamente o particular (consultar art. 65 § 6º da lei 8666/93).
Preço unitário – quilômetro construído: 100 quilômetros. Fica estabelecido o
preço unitário por quilômetro.
Caso concreto - Uma determinada prefeitura realiza uma obra pública para
construção de uma estrada de 100 km, pelo valor de 1.000.000,00. No meio da
obra, percebe-se que foi esquecido de construir abrigo de proteção, para os usuá-
rios, de sol e chuvas. É possível fazer aditamento no contrato? Vai depender do
aumento. O aumento deve ser o valor do contrato e não do objeto. Se o aumento
ultrapassar a 250.000,00 haverá impedimento porque superou o limite de 25%
do valor do contrato.

PEGADINHA
A grande dor de cabeça é quando o contrato administrativo não trabalhar com preços
unitários. É o chamado preço integral ou global, ou seja, foi fixado um preço “X” por toda obra
pronta. A solução é partir para um acordo, uma negociação para fixar o valor do reequilíbrio.
Por ex.: constrói-se um hospital municipal de cinco pavimentos. No meio da obra, vem o
censo mostrando a necessidade da construção de mais um andar. Como o contrato foi ce-
lebrado a obra integral num determinado valor, a única saída é estabelecer um acordo. Em
não havendo acordo, o contratado particular terá que realizar a obra, não podendo, portanto,
paralisar o serviço, ingressando judicialmente, ocasião em que o perito de inteira confiança
do juízo vai estabelecer o quantum a receber.

Fatos que podem concorrer para revisão do contrato

O que é fato do príncipe? É uma medida geral adotada pelo Estado que vai
ter impacto no contrato administrativo, provocando um desequilíbrio financeiro
no contrato.

capítulo 4 • 137
Fato do príncipe

Não tem nada a ver com a alteração unilateral do contrato. É uma outra his-
tória. Fato do príncipe quebra o equilíbrio financeiro inicial do contrato. Quebra,
mas de forma diferente da alteração unilateral do contrato. Na alteração unilateral
do contrato, o Poder Público mexe no contrato. No fato do Príncipe, o ente da
federação contratante não mexe nas cláusulas de serviço. Fato do príncipe é um
ato genérico do Poder Público que vai repercutir no contrato administrativo, inci-
dindo mesmo até a quem não faz parte do contrato.
É importantíssimo ler o art. 65 § 5º da lei 8666/93 que traz o conceito legal
do fato do príncipe, embora a lei de licitação não utilize tal expressão.
Caso concreto - Licitação do tipo menor preço e o vencedor terá que entregar
uma frota de veículos. O imposto de importação, por ocasião da entrega dos en-
velopes das propostas, possuía alíquota zero. Na época do então Presidente Collor,
este dizia que os nossos carros eram verdadeiras “carroças”. Talvez, ele utilizasse de
tal expressão para estimular a melhoria da indústria automobilística. Nessa mesma
época, para estimular o aperfeiçoamento da indústria brasileira de automóveis,
acirrando a competitividade, foi reduzida a alíquota de importação dos carros
estrangeiros a 0%.
Todavia, digamos que, com o decorrer do tempo, após a entrega da propos-
ta de uma licitação para a aquisição de carros importados vem o Ministério da
Fazenda e aumenta a alíquota de importação para 20%, quebrando o equilíbrio
econômico e financeiro do contrato. Com o aumento desse imposto, ocasiona-se
o aumento dos encargos do contratado. Esse aumento da taxa de importação é
chamado de “fato do príncipe”.
Em função desse aumento, o contratado fará jus a revisão do contrato para
que ele possa manter o equilíbrio financeiro originário do contrato. Nesse caso, o
ente contratante tem o dever de restabelecer o licitante vencedor, não estando pre-
so ao percentual da alteração unilateral do contrato. Se a alíquota de importação
aumentou em 20%, eu terei que ser restabelecido efetivamente nos 20% e não no
patamar de até 25% como consta a alteração unilateral do contrato.

Fato da Administração

O que seria? É uma medida adotada pelo estado contratante, diferente do fato
do príncipe em que a medida geral é adotada não pelo estado contratante.

capítulo 4 • 138
Caso concreto - A Administração Pública contrata uma empreiteira para rea-
lizar uma obra. Durante a execução da obra, a Administração Pública interrom-
pe durante 30 dias. Essa interrupção vai impactar o contrato, pois os custos da
empreiteira aumentaram (os empregados ficam propriamente parados, mas rece-
bem). Essa interrupção caracteriza como fato da Administração Pública.

Fatos imprevistos

O que seriam fatos imprevistos? Seriam fatos materiais ligados diretamente


à execução do contrato que acaba por onerar o contratado e, consequentemente,
esse contratado fará jus a revisão de preços.
Caso concreto - O contratado começa a executar o serviço e surge uma cama-
da rochosa que não apareceu no estudo de sondagem. Haverá a elevação do custo
da execução do serviço.

Exceção do Contrato não cumprido - Exceptio non adimpleti contractus

Exceção do contrato não cumprido é outra cláusula exorbitante.


Nos contratos administrativos, somente pode ser invocada a exceção após 90
dias de inadimplemento por parte da Administração Pública. É só ler o art. 78,
XV, da Lei 8.666/93 – “Constituem motivos para rescisão do contrato: XV- o
atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração Pública
decorrentes de obras, serviços, salvo em caso de calamidade pública, grave per-
turbação da ordem interna”, assegurando ao contratado o direito de optar pela
suspensão do cumprimento de suas obrigações. Logo, a exceção do contrato não
cumprido não é aplicada integralmente.

ATENÇÃO
O contratado não poderá fazer a rescisão unilateral do contrato. Ele terá que fazer o dis-
trato, de forma amigável e, em não conseguindo, terá que ir a juízo, porque cláusulas exorbi-
tantes só em favor da Administração pública e jamais contra ela. Se a Administração Pública
for a parte errada, descumpridora do contrato, o contratado não pode rescindir unilateralmen-
te o contrato. No entanto, a lei admite que, vencidos os 90 dias de atraso, o contratado fica
autorizado UNILATERALMENTE a suspender a execução do contrato. Só haverá o retorno

capítulo 4 • 139
após o pagamento, mas não pode ser feita a rescisão (é importante ler o art. 78 inc. XV da
lei). Mas terá que esperar os 90 dias.

Rescisão unilateral do contrato

É outra cláusula exorbitante de grande importância.


Quem pode fazer a rescisão unilateral do contrato? Só a Administração Pública
poderá rescindir unilateralmente o contrato.
Caso concreto - A Administração assina um contrato para construir uma
escola pública. Depois, essa edificação não se torna mais interessante para a
Administração Pública. Ao tomar conhecimento que a União vai construir uma
escola técnica profissionalizante bem nas proximidades do estabelecimento de en-
sino do Estado. Para que ter duas escolas, uma “dando cabeçada na outra”? Haverá,
provavelmente, salas de aula subutilizadas. Nesse caso, o que faz a Administração
Pública? Vai rescindir o contrato, mesmo sem culpa do particular.
Rescisão unilateral (artigo 58, II)
Rescisão do contrato é o desfazimento do contrato durante sua execução por
inadimplência de uma das partes, pela superveniência de eventos que impeçam ou
tornem inconveniente o prosseguimento do ajuste ou pela ocorrência de fatos que
acarretem seu rompimento de pleno direito. É a extinção do contrato por mani-
festação de vontade superveniente à sua formação.
De acordo com o art. 79 da Lei de Licitação e Contratos, a rescisão poderá ser:

a) Rescisão unilateral ou administrativa, determinando o inciso I que esta


ocorrerá “por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos
incisos I a XII e XVII do artigo anterior”.
A rescisão administrativa é a efetivada por ato próprio e unilateral da
Administração, por inadimplência do contratado ou por interesse do serviço pú-
blico; é exigido procedimento regular, com oportunidade de defesa e justa causa,
pois a rescisão não é discricionária, mas vinculada aos motivos ensejadores desse
excepcional distrato. Opera efeitos a partir da data de sua publicação ou ciência
oficial ao interessado (ex nunc).
Abre-se aqui parêntese para verificarmos o que dizem os dispositivos mencio-
nados no art. 79, inciso I, da Lei no 8.666/93.

capítulo 4 • 140
Os incisos I a XI do art. 78 tratam das hipóteses de rescisão por comporta-
mento culposo do contratado. Os incisos I a VIII trazem os casos de inadimplên-
cia e os incisos IX ao XI, por sua vez, falam do desaparecimento do contratado,
casos que irão acarretar determinadas consequências gravosas, aplicando-se, então,
o art. 80 da Lei. Em todos esses casos, a rescisão se dá por culpa do contratado, e
não há que se falar em indenização.
As medidas previstas no art. 80, apesar de contundentes e autoexecutórias,
não possuem caráter de sanção, valendo conferir:
Art. 80. A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguin-
tes consequências, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei:

I. assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar,


por ato próprio da Administração;
II. ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal em-
pregados na execução do contrato, necessários à sua continuidade, na forma do inciso
V do art. 58 desta Lei;
III. execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valo-
res das multas e indenizações a ela devidos;
IV. retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados
à Administração.

§ 1o A aplicação das medidas previstas nos incisos I e II deste artigo fica a


critério da Administração, que poderá dar continuidade à obra ou ao serviço por
execução direta ou indireta.
§ 2o É permitido à Administração, no caso de concordata do contratado, man-
ter o contrato, podendo assumir o controle de determinadas atividades de servi-
ços essenciais.
§ 3o Na hipótese do inciso II deste artigo, o ato deverá ser precedido de au-
torização expressa do Ministro de Estado competente, ou Secretário Estadual ou
Municipal, conforme o caso.
§ 4o A rescisão de que trata o inciso IV do artigo anterior permite à
Administração, a seu critério, aplicar a medida prevista no inciso I deste artigo.
Como a rescisão se deu por culpa do contratado, também deve ser aplicado o
art. 87, que contempla as sanções para este caso.

capítulo 4 • 141
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá,
garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I. advertência;
II. multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III. suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar
com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV. declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública
enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida
a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida
sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após
decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Entretanto, nestes casos, quando não há culpa do contratado, terá a Administração que
ressarci-lo dos prejuízos sofridos e mais encargos (só danos emergentes, o que se gas-
tou até então; lucros cessantes não entram), assim prevendo o § 2o do art. 79, que trata
do que deve entrar nos cálculos da indenização.

b) Rescisão amigável: estabelece o inciso II que esta rescisão feita “por acordo
entre as partes, reduzida a termo no processo da licitação, desde que haja conve-
niência para a Administração”, dizendo ainda o § 1o do art. 79 que “A rescisão
administrativa ou amigável deverá ser precedida de autorização escrita e funda-
mentada da autoridade competente”.
A rescisão é amigável quando se realiza por mútuo acordo das partes, para a
extinção do contrato e acerto dos direitos dos distratantes. Esta modalidade de
rescisão opera efeitos a partir da data em que foi firmada (ex nunc), não haven-
do retroatividade.
Razões de interesse público O art. 78, inc. XII, é importante, surge em razão
do interesse público. A AP reavaliou razões de interesse público, não sendo mais
conveniente permanecer com o contratado. Não há culpa do contratado. É lógico
que essa rescisão unilateral sem culpa do contratado tem que ter motivação obri-
gatória. A consequência da rescisão unilateral do contrato é que vai dar margem à
indenização. Só que essa indenização não alcança lucros cessantes, só danos emer-
gentes (art. 79 § 2º II da lei 8666/93). Esse dispositivo é criticado pela doutrina
porque, às vezes, uma empresa séria não participa de outras licitações só para dar
assistência de perto à Administração Pública.

capítulo 4 • 142
Ocupação temporária

Ocupação temporária é outra cláusula exorbitante (art. 58, V, Lei 8666/93). A


Administração Pública pode ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis e pes-
soal no caso de rescisão do contrato, sob pena de prisão. A ocupação temporária é
muito comum no caso de rescisão, no caso de apuração de faltas administrativas.
Portanto, a Administração pode ocupar o pessoal e os bens da empresa, que deu
causa ao rompimento do contrato.

Aplicação das penalidades

É outra cláusula de grande importância porque as sanções previstas no art.


87 da Lei 8666/93 são autoaplicáveis, portanto, sem necessidade de ir a juízo, na
hipótese de inexecução total ou parcial do contrato.
Atenção: A lei admite somente acumulação da pena de multa com outra san-
ção (as demais sanções não podem ser cumuladas umas com as outras). No entan-
to, antes de aplicar tais sanções, a Administração Pública terá que dar obrigatoria-
mente o contraditório e ampla defesa para o contratado.

A exigência de Garantias Contratuais para Execução de Obras


Desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação
de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. Caberá ao contratado
optar por uma das seguintes modalidades de garantia: caução em dinheiro ou
títulos da dívida pública; seguro-garantia; fiança bancária.
A previsão contida no § 3º do artigo 56 é uma inovação trazida pela Lei nº
8.883. A lei estabelece demonstração técnica para a elevação da garantia e tal
exigência – que prevê a garantia proporcionalmente mais elevada - deverá constar
expressamente do edital. Constitui-se exceção ao § 2º do mesmo artigo que deter-
mina que a garantia não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu
valor atualizado nas mesmas condições daquele.

Agora, vamos fazer algumas considerações sobre a publicação do contrato.


Registro do contrato: O contrato administrativo não é levado para registro
em cartório, em face da presunção de legalidade e legitimidade dos atos adminis-
trativos. É só registrado na Administração Pública (art. 60 da lei 8666/93,) salvo

capítulo 4 • 143
o contrato que diz respeito ao direito real, lavrado em cartório. A publicação é
requisito de eficácia. Está contido no parágrafo único do art. 61:

Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus adita-


mentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será provi-
denciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura,
para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda
que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº
8.883, de 1994).

Às vezes, o particular está fazendo uma obra, sem a publicação do contrato.


Alerto que o contrato só produz efeitos após a publicação. Pagamento só após a
publicação. Nenhum pagamento pode ser feito sem a publicação. A publicação é
resumida. A publicação é de responsabilidade da Administração Pública, o extrato
do contrato até o quinto dia útil ao do mês subsequente. Ex.: imaginem que o
contrato foi assinado no dia 20 de março de 2017. O Administrador terá até o
quinto dia útil do mês seguinte, vale dizer do mês de novembro.

Duração do contrato administrativo


Pergunta-se: é possível o contrato administrativo por prazo indeterminado?
Não é possível, com previsão na lei 8666/93, art. 57 § 3º, que veda a contratação
de contrato por prazo indeterminado.
Qual a duração de um contrato administrativo? Um, dois, três anos?... Ao
Poder Público é vedada a celebração de contrato com prazo indeterminado, de-
vendo a sua duração, via de regra, ficar adstrita à vigência dos respectivos créditos
orçamentários (art. 57, da Lei 8666/93 e art. 167, 1,11 e § l° da Carta Magna).
Então, não poderá exceder a vigência dos créditos orçamentários.
É possível a celebração de contrato com o prazo superior a um ano do crédito
orçamentário? Vamos imaginar o seguinte cenário. A Administração Pública con-
trata uma empreiteira para construir um presídio. Vamos supor que a construção
desse presídio conste no plano plurianual e que a construção levaria três anos para
o seu término. Então, nesse caso a Administração Pública pode firmar contrato
por três anos. A própria Lei n° 8.666/93, nos incisos do seu art. 57, elenca algumas
exceções à vinculação ao crédito orçamentário anual, admitindo a duração dos
contratos administrativos por período superior a este quando se referirem: a proje-
tos cujos produtos estejam inseridos nas metas estabelecidas no Plano Plurianual.

capítulo 4 • 144
Há uma outra exceção prevista no art. 57 que permite que a Administração
Pública assine um contrato por mais de um ano. Seria a prestação de serviços
contínuos que poderá ter o prazo de contrato de até 60 meses. O que seriam ser-
viços contínuos? São aqueles serviços indispensáveis ao funcionamento do órgão
sem os quais o órgão não tem como funcionar. Por exemplo, serviço de limpeza,
serviço de segurança etc. Vale observar que esse contrato pode excepcionalmente
ser prorrogado por mais 12 meses, chegando até o prazo de 72 meses. A última
possibilidade de o contrato ser superior a um ano são os contratos que envolvam
aluguel de equipamento ou programa de informática, podendo atingir o prazo
máximo de 40 meses.

Responsabilidade civil na execução do contrato de obras


O tema é polêmico, pois a lei é propriamente omissa. Vamos examinar agora
os três posicionamentos do STF.
1º – A simples presença da obra já causa prejuízo a terceiros. De quem é a
responsabilidade? Ex.: Na construção da linha vermelha, para construir o elevado
na rua Bela em São Cristóvão. A Rua Bela ficou inteiramente fechada para cons-
trução do elevado. Os comerciantes da Rua Bela tiveram prejuízos por seis meses.
Cabe indenização por parte do ente da federação contratante, aplicando-se o art.
37 § 6º da CF – Responsabilidade objetiva.
2º – Má execução da obra é a parte mais interessante. (o art. 70 da lei 8666/93.)
Quem responde, segundo esse artigo, é o empreiteiro, o contratado. O emprei-
teiro na execução do contrato, hipoteticamente, deixa cair um vergalhão e amassa
o veículo de um particular. Pelo art. 70 da lei de licitação, o contratado responde
subjetivamente por danos causados a terceiros durante a execução do contrato.

FIQUE AFIADO
O STF diverge desse artigo, dizendo: O empreiteiro está agente do Estado,
logo a responsabilidade é do Estado. O art. 70 da lei de licitação atropela o art.
37 § 6º da CF. Segundo o STF o prejudicado pode entrar com uma ação contra
o ente da federação que contratou o empreiteiro e, depois, se o ente da federação
perder a ação, entra com ação regressiva contra o empreiteiro. Vale fazer uma
grande observação. Se for uma grande empreiteira, que tem ótima situação econô-
mica, você escolhe em cima de quem irá mover a ação, se é contra o Estado ou se é
contra o empreiteiro. Se for uma empreiteira bem saneada economicamente, aí, é

capítulo 4 • 145
preferível mover uma ação contra ela porque você foge do famigerado precatório.
Portanto, vai depender de cada caso concreto.

Outra particularidade: contrato de labor ou contrato integral?


Há outro detalhe importante a se fazer. Se o contrato for de labor, ou seja,
o contratado só entra com a mão de obra, e ficando provado que a má execução
da obra é resultante do péssimo material fornecido pela Administração Pública,
o contratado fica isento de responsabilidade. No entanto, o contratado tem, por
obrigação, recusar o péssimo material fornecido pela Administração Pública, sob
pena de responsabilidade solidária.

Encargos trabalhistas e fiscais


Se a empresa contratada pelo ente da federação deixa de pagar os encargos
trabalhistas, previdenciários e fiscais, o Poder contratante é que é responsável? O
patrão da empresa contratada hipoteticamente deixou de pagar o salário dos tra-
balhadores. Eu posso mover uma ação contra o Poder Público para que ele pague
o salário? (o art. 71 da lei 8666/93 que traz a resposta). A lei está dizendo que a
responsabilidade é somente do contratado.

§ 1o A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais


e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu paga-
mento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das
obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº
9.032, de 1995)

Art. 71 § 1º, da lei 8666/93 não trabalha com encargos previdenciários, traba-
lha apenas com encargos trabalhistas, fiscais e comerciais e não há como transferir
para o ente da federação contratante. Só que esse § 1º do art. 71 da lei entra em
choque com o Enunciado 331 do TST, que diz que há responsabilidade subsidiá-
ria do ente da federação. O art. 71 diz uma coisa e o Enunciado diz outra. Qual
vai prevalecer?
Posição do STF: Segundo o STF, nenhum enunciado pode prevalecer sobre o
texto legal. Recentemente houve a declaração de constitucionalidade do § 1º do
art. 71 da CF. Por votação majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
(STF) declarou a constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666, de
1993 (Lei de Licitações). O dispositivo prevê que a inadimplência de contratado

capítulo 4 • 146
pelo Poder Público em relação a encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não
transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem
pode onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e
edificações, inclusive perante o Registro de imóveis. A decisão foi tomada no jul-
gamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16, ajuizada pelo
governador do Distrito Federal em face do Enunciado da súmula 331 do Tribunal
Superior do Trabalho (TST), que, contrariando o disposto no § 1º artigo 71, da
Lei 8.666/93, responsabiliza subsidiariamente tanto a Administração Direta quan-
to a indireta, em relação aos débitos trabalhistas, quando atuar como contratante
de qualquer serviço de terceiro especializado. Ao decidir, a maioria dos Ministros
se pronunciou pela constitucionalidade do artigo 71, § 1º da lei nº 8.666/93.
Art. 71 § 2º da lei 8666/93 diz que a Administração pública responde solida-
riamente. A Administração Pública ao fazer o pagamento de uma parcela contra-
tual, tem que tomar o seu devido cuidado. A Administração vai reter a dívida que
o empreiteiro tem junto ao INSS.
Súmulas do STF/STJ
As duas únicas súmulas do STF/STJ que tratam de licitações e contratos são:
Súmula 7/STF – Sem prejuízo de recurso para o Congresso, não é exequível
contrato administrativo a que o Tribunal de Contas houver negado registro.
Súmula 333/STJ – Cabe mandado de segurança contra ato praticado em lici-
tação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública.

ATIVIDADE
O prefeito do município “A”, buscando aumentar o turismo na festa de Ano Novo de sua
cidade, decidiu contratar músicos renomados e uma agência de publicidade para realizar a
propaganda do evento, procedendo de referidas contratações diretamente, sem proceder à
realização de licitação.
Com base no caso anterior, responda fundamentadamente, aos itens a seguir.
a) Pode o prefeito realizar as referidas contratações sem licitação? Sob qual fundamento
legal?
b) Pode o administrador realizar contratação direta em casos que não estejam taxativa-
mente arrolados na lei de licitações?

capítulo 4 • 147
RESUMO
Nesta aula, estudamos o instituto da licitação pública e contratos administrativos e que,
por sinal, palpitante, as suas normas legais, modalidades, tipos e procedimento licitatório,
além das formas de invalidação e revogação. Ainda nesse capítulo, discorremos questões
concernentes aos contratos administrativos e suas variadas cláusulas exorbitantes, desde
o regime jurídico aplicado às suas mais variadas peculiaridades e vantagens significativas,
colocando o Poder Público em uma posição de superioridade em relação ao particular que
com ele contratar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2013.
GASPARINI, Diógenes. . 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pública centralizada e descentralizada, Tomo
I.13ª.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.
Para maior aprofundamento no estudo envolvendo licitação, ver a excelente obra do Prof. MADEIRA,
José Maria Pinheiro. Administração pública centralizada e descentralizada. Tomo I. 13ª ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2014, p. 603/781 e PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Políticas Públicas
nas Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2015, 9a ed. rev. atual. e ampl.

capítulo 4 • 148
5
Administração
pública direta/
indireta e espécies
de prestação de
serviços públicos
Administração pública direta/indireta e
espécies de prestação de serviços públicos

Introdução – administração pública direta e indireta

1. Como a Administração Pública se organiza?

Processo de criação da estrutura administrativa brasileira

DESCENTRALIZAÇÃO DESCONCENTRAÇÃO

divisão interna

A estrutura da Administração Pública brasileira é criada por dois grandes pro-


cessos, o processo de descentralização e o processo de desconcentração.
Em sentido orgânico, será exercida de forma centralizada (quando o próprio
Estado é titular do serviço e o executa por conta própria, por meios dos seus
órgãos) ou descentralizada (quando cria uma nova pessoa jurídica ou delega, via
contrato administrativo). Portanto, observa-se facilmente que desconcentração e
descentralização não são expressões equivalentes.
Imagine você se seria possível que todas as atribuições que, de acordo com o art.
21 da Constituição da República, estão no âmbito de competência da União, fossem
desenvolvidas pelo Presidente da República. Nem com a divisão das tarefas entre os
Ministros de Estado se viabilizaria o desenvolvimento das atividades administrativas.
Por mais capacitado que seja o chefe do Executivo não conseguiria dar conta
do serviço sozinho. Daí a distribuição de competência para os órgãos, o que cha-
mamos de desconcentração.

Como se cria o órgão público?


Órgão público é um centro de competência, criado e extinto por lei (Art. 48,
XI da Constituição Federal), que organiza uma pessoa jurídica de Direito Público,
através do processo de desconcentração. Tanto a criação quanto a extinção dos ór-
gãos públicos não derivam livremente da mera vontade da Administração Pública,
não lhe sendo lícito criar ou extinguir órgãos ao seu bel prazer.

capítulo 5 • 150
Na desconcentração, faz nascer os órgãos públicos que não são pessoas jurí-
dicas, mas estão em uma pessoa jurídica, não gerando uma nova pessoa jurídica.
Órgão é uma subdivisão interna de uma pessoa jurídica já existente.
Os entes da federação são pessoas jurídicas de direito público. Os órgãos po-
dem ser encontrados tanto na Administração Pública Direta quanto na Indireta.
Na desconcentração, temos subordinação e hierarquia.
Exemplo de desconcentração ocorre quando a pessoa jurídica, como, por
exemplo. a União, para melhor exercer a sua função, cria ministérios, secretarias,
departamentos. O mesmo se dá com os Estados e com os Municípios.

FIQUE DE OLHO
O órgão não é uma pessoa jurídica, ele está numa pessoa jurídica. Por exemplo, os mi-
nistérios e secretarias não são pessoas jurídicas, por ser órgãos da pessoa jurídica União.

OBJETIVOS
•  Entender a sistemática de execução dos serviços públicos, de forma direta e indireta;
•  Visualizar a dinâmica contratual das concessões, sua natureza jurídica e modalidades.

FIQUE LIGADO
Você pode processar judicialmente uma secretaria? Não, pois se é órgão não tem vida
própria, não possui personalidade jurídica. Quem responde é o ente federativo ao qual per-
tence esse órgão.

É importante deixar bem claro, no que se refere à capacidade processual dos


órgãos públicos, são pessoas despersonalizadas (não possuem personalidade ju-
rídica). Logo, constituem parte integrante de uma determinada pessoa jurídica.
Como regra geral a capacidade processual é a esta atribuída, e não aos órgãos em
si. Por isso, podemos afirmar que órgão funciona, apenas, como um centro de
competência ou uma universalidade reconhecida.

capítulo 5 • 151
TOME NOTA
No entanto, há órgãos que, mesmo não possuindo capacidade postulatória para figurar
como autor ou réu numa relação processual, podem possuir personalidade judiciária, como
é o caso das câmaras municipais, que podem ingressar em juízo para defender os seus inte-
resses constitucionais.

DICA DA HORA!
No Art. 129, da Constituição Federal, verificamos a competência do Ministério Público
para atuar em juízo. Igualmente acontece com a Procuradoria do Estado, onde a Constituição
Estadual atribui essa competência, adquirindo a capacidade processual-judiciária para atuar
em juízo.

Portanto, mesmo não sendo pessoa jurídica, mesmo não possuindo perso-
nalidade jurídica própria, atuam, porque a legislação atribui a eles a personalida-
de judiciária.
Caso concreto - Exemplificando melhor: o Ministério Público, a Defensoria
Pública, as Procuradorias (Municipal, Estadual, da República, da Fazenda), entre
outros, todos são órgãos públicos e, consequentemente, estão em uma pessoa ju-
rídica. Aqueles, porém, por si só, não são pessoas jurídicas. Diante disso, há uma
pergunta interessante: se os órgãos mencionados não possuem personalidade jurí-
dica, como justificar a Procuradoria do Estado atuar em juízo? Como se justifica
o Ministério Público postular uma ação civil pública, se não possui personalidade
jurídica própria? Como pode a Defensoria Pública defender os menos favorecidos
economicamente se não é pessoa jurídica?
A justificativa é a seguinte: para atuar em juízo não é preciso ser pessoa jurí-
dica, aí se fala em Teoria da Personalidade Judiciária, que é o suficiente para que
seja exercida a atribuição de estar em juízo. Logo, precisa ter apenas personalidade
judiciária, expressão utilizada pelo próprio Superior Tribunal de Justiça e pelo
Supremo Tribunal Federal, ou seja, capacidade processual.
As Assembleias Legislativas são órgãos públicos, não possuindo personalidade
jurídica. Logo, quem responde por seus atos é o Estado, que tem personalidade
jurídica de direito público. Mas acontece que as Constituições estaduais confe-
rem personalidade judiciária para atuar em Juízo em defesa de suas prerrogativas,

capítulo 5 • 152
quando tiverem seus direitos violados por outro Poder. Por exemplo, o Chefe do
Executivo se nega terminantemente em repassar uma verba que a Câmara faz jus
a receber
Podemos concluir, então, que os órgãos da Administração Pública Direta
apresentam, como traços marcantes:
– Ausência de personalidade jurídica. Logo, não podem adquirir direitos e
contrair obrigações, possuindo esta capacidade a pessoa política a que o órgão
estiver vinculado;
– Ausência de patrimônio próprio. Se os órgãos não têm personalidade jurídi-
ca, por uma questão de lógica, não possuem condições de gerir patrimônio, pois
todos os seus bens são dos entes da federação vinculativos. Consequentemente, no
prédio onde funciona o órgão Ministério da Justiça pertence à União.
– Como regra geral, ausência de capacidade processual. Não há possibilidade
do órgão figurar como autor ou réu numa determinada ação, em função de sua
despersonificação. Cumpre frisar que tal incapacidade processual há exceções.

Administração indireta

Vamos enfocar, agora, a estrutura da Administração Pública brasileira.


Falar em Administração Direta é falar em entes da Federação. Consiste na
estrutura que executa o serviço diretamente, por conta própria e risco próprio.
Por outro lado, é possível que cada ente federativo crie outras pessoas jurídicas,
transferindo a estas determinadas competências administrativas, tudo com o objetivo
de, mediante a descentralização, melhorar o funcionamento dos serviços públicos.
Há, portanto, uma transferência da execução de determinadas atividades pú-
blicas do ente federativo para uma pessoa jurídica de direito público ou de direito
privado, isto é, a transferência de atividades de uma pessoa jurídica para outra.
Cabe destacar, portanto, que a descentralização pode ocorrer por colaboração,
transferindo-se, mediante contrato, apenas para a execução de uma atividade pú-
blica, de um serviço público, não obstante a titularidade permaneça com o Estado,
como ocorre nas permissões e nas concessões.

Como são criadas as entidades da administração indireta?


A resposta está contida no art. 37, XIX da Constituição Federal de 1988:
“somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição
de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei
complementar, neste último caso, definir as áreas de atuação”.

capítulo 5 • 153
Lei específica apenas para autarquia e lei autorizativa para as demais entidades
da administração indireta.

CRIAÇÃO
Autarquias → Lei específica
Fundações Públicas
Sociedades de Economia Mista Lei autorizativa Lei autorizativa
Empresas Públicas

As entidades da Administração Indireta são criadas para prestarem serviços


públicos ou exercerem atividade econômica (esta mais de forma excepcional, con-
siderando o Art 173, caput, da CR, que restringe a atuação estatal aos casos de
imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme defi-
nidos em lei).
Passemos, enfim, à análise de cada uma das entidades da Administração
Indireta.

Autarquia

Considerações

Na realidade, as autarquias são quase que um prolongamento personalizado


da Administração Pública direta, funcionando como apêndice do Estado, um pro-
longamento do Estado.
O art. 5.º, I, do Decreto-lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, traz o con-
ceito de autarquia: “Art. 5.º - Para os fins desta lei, consideram-se Autarquia
- o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e
receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que
requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financei-
ra descentralizada”.
Na data que a lei instituidora entrar em vigor, a autarquia começa a existir
como pessoa jurídica.
Autarquia, sendo um sujeito auxiliar direto do Poder Público, funciona como uma
parcela, um apêndice do Estado. Deve executar somente serviços próprios/típicos do
Estado, em condições idênticas às do Estado, gozando, por consequência, os mesmos

capítulo 5 • 154
privilégios e vantagens da Administração Pública. Realiza qualquer serviço público
essencial, mas é indicada especificamente para aquele que requeira mais especialização,
que apenas por questões de eficiência e maior economicidade é autarquizada, por isso
exatamente é dotada de autonomia administrativa, financeira e pessoal especializado,
liberto da burocracia comum das repartições centralizadas. É independente, mas não é
autônoma. Administra-se a si mesma. Age por interesse próprio.
A essência do Estado não é visar lucros, raciocínio extensivo, também, às
autarquias. Logo, serviços bancários ou de fabricação de produtos industriais ja-
mais podem ser prestados por autarquias. A autarquia é uma mão extensa do
Estado, longa manus, portanto, nunca terá a forma de empresa, pois não tem
fins lucrativos.

Criação, extinção, organização e transformação

É prudente mencionar que a iniciativa da criação da lei específica é de compe-


tência, única e exclusiva, do Chefe do Executivo, sendo indelegável, como reza o
art. 61, § lº, II, e, do Texto Constitucional.
A transformação de uma autarquia também deverá ocorrer por lei específica
e se operando por decreto, por ser entendida como criação. O BNH, que já foi
autarquia, para se transformar em empresa pública, não houve impedimento, me-
diante lei. Outro exemplo significativo, o CADE, que era um mero órgão público,
não possuía, consequentemente, personalidade jurídica, foi transformado em au-
tarquia. Aí, o CADE ganhou mais liberdade de ação e, como pessoa jurídica, con-
trai direitos e obrigações em seu nome, tendo mais força de atuação, em especial,
porque a Lei nº 8.884/94, definiu, com mais clareza, os crimes contra a ordem
econômica. E qual o fundamento da criação dessa autarquia, pois, como órgão
tinha as mesmas características? Logicamente, para maior liberdade administrativa
e financeira, liberdade de ação e, até mesmo, para fugir do rigor hierárquico.

Forma

A Lei não fala da forma que é estabelecida para a autarquia. Trata-se de uma
pessoa jurídica autônoma e independente, em relação ao Estado. É intra-estado,
ou seja, está dentro do Estado, possuindo uma capacidade de gestão administrati-
va e financeira autônoma.

capítulo 5 • 155
Diogo Figueiredo faz a seguinte colocação.

ADM. DIRETA AUTARQUIA

Sendo os Conselhos Federais criados por autorização legislativa, com atri-


buições delegadas do poder público, encontram-se perfeitamente delineados na
definição própria das autarquias, sendo, portanto, mais consentâneo que tenham
natureza jurídica de direito público e não privado.
Por derradeiro, os Conselhos Regionais, obrigatoriamente, sujeitam-se à pres-
tação de contas ao Tribunal de Contas da União por força do disposto no inciso II
do art. 71 da atual Constituição.

Prerrogativa fiscal

As autarquias têm imunidade tributária recíproca, ou seja, o Estado não pode


cobrar tributo dele próprio ou de entes federativos diferentes. A União não pode
cobrar tributos federais dos estados e municípios, assim como não pode cobrar tri-
butos das suas autarquias nem das autarquias estaduais ou municipais e vice-versa.
Além disso, sobre os bens das autarquias não podem incidir quaisquer impostos,
dada a extensão da imunidade recíproca pelo art. 150, § 2.º, da Constituição da
República, desde que não sejam empregados em atividades de natureza econômi-
ca, hipótese em que a imunidade não protege os bens autárquicos da tributação
por meio de impostos.

FIQUE LIGADO
Pelo preceito constitucional, o instituto da imunidade decorre de limitações ao poder de
tributar do Estado, impondo a si mesmo criar impostos entre as entidades políticas. Somente
não vão incidir os impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as
finalidades essenciais da autarquia. Portanto, não incidirão sobre o patrimônio das autarquias
o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Trans-
missão Causa Mortis ou Doação de Bens e Direitos (ITCD), o Imposto sobre transmissão
Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA), todos de competência dos Estados e do Distrito Federal (previstos, respectivamente,

capítulo 5 • 156
nos arts. 155 e 156 da Constituição). Também não incidirão sobre a renda recebida pelas
entidades o Imposto sobre a Renda e Proventos de qualquer natureza (IR), de competência
da União e previsto no art. 153, inciso III, da nossa Constituição. A isenção contamina os
serviços prestados pelas entidades, o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços
(ICMS) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza , impostos de competência dos
Estados e do Distrito Federal, previstos, respectivamente, no art. 155, II e no art. 156, III, da
Constituição Federal. Urge ressaltar, contudo, que o que se refere à imunidade não alcança
as taxas e as contribuições de melhoria.

Prerrogativas processuais

As prerrogativas processuais são importantíssimas, pois estas prerrogativas são


privativas da Fazenda Pública, não sendo prerrogativas exclusivas das autarquias.
Fazenda Pública, em termos técnicos, significa pessoa jurídica de direito público
em juízo. Só abraça como Fazenda Pública a Administração Pública Direta, as
autarquias e as fundações públicas de direto público (também conhecidas como
fundações autárquicas, ou, por outros, como autarquias fundacionais).
São exemplos dessas prerrogativas processuais, as seguintes:
– Quando é credora, tem a seu favor o processo de execução fiscal, previsto
na Lei 6830/80;
– Quando é devedora, seus bens não poderão ser penhorados, e caso conde-
nada, suas dívidas devem ser pagas no sistema de precatórios, conforme Art 100,
CR e Art 534 e 535, CPC/15;
– Prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais em juízo, cuja
contagem terá início a partir da intimação pessoal, conforme Art 183, CPC;
– Duplo grau de jurisdição obrigatório (ou reexame necessário ou remessa
necessária), no caso de decisões proferidas contra a autarquia, na forma do Art
496, I, CPC;
– Despesas processuais são pagas ao final do processo, de acordo com o Art
91, CPC;
– Não está sujeita ao concurso de credores. Na qualidade de fazenda pública,
não participa da falência (concurso de credores empresariais) nem da insolvência
civil (concurso de credores não empresariais). A fazenda pública só não tem privi-
légio com relação aos créditos trabalhistas.

capítulo 5 • 157
Justiça competente para as causas judiciais

Gozando de todos os privilégios atribuídos à Fazenda Pública, isto em razão


da personalidade jurídica de direito público que lhe é atribuída pela legislação,
as autarquias também têm privilégio de foro, tal qual os entes federativos que as
criam. Se se tratar de uma autarquia federal, a competência para processar e julgar
a causa em que a mesma seja parte será da Justiça Federal, nos termos do art. 109,
I, da Constituição da República. Em se tratando de autarquias estaduais ou mu-
nicipais, a Justiça Estadual será a competente para processar e julgar as respectivas
causas, com exceção de matérias especializadas tais como questões trabalhistas,
militares ou eleitorais.

Atos e contratos

Os contratos administrativos, salvo as exceções legalmente estabelecidas, com


respaldo na Constituição, firmados pelas autarquias serão precedidos de procedi-
mento licitatório, de modo a garantir igualdade de oportunidade aos interessados
e a viabilizar a escolha da melhor proposta à Administração Pública.

Responsabilidade civil

Não responde pelas obrigações da autarquia a Administração Pública Direta a


que ela pertence, e sequer pelos danos causados pela autarquia a terceiros, decor-
rentes da sua atuação ou de comportamento lesivo de seus servidores. A autarquia
é pessoa de direito, e como tal deve responder pelas responsabilidades assumidas
e pelos danos que causar a alguém. Assim, não há se falar em responsabilida-
de solidária da Administração Pública por atos ou negócios da autarquia por ela
criada. Responde, porém, nos casos de extinção, mas somente até o montante do
patrimônio recebido, pois esse era o único garantidor de suas obrigações, salvo
em relação ao dano decorrente da prestação do serviço público a seu cargo. Nesta
hipótese, a responsabilidade é total.

Dirigentes

São investidos nos respectivos cargos, na forma estabelecida por lei ou por
disposições estatutárias.Normalmente, são de livre nomeação e livre exoneração,
escolhidos pelo chefe do Poder Executivo competente.

capítulo 5 • 158
O tema suporta o verbete 25, do Supremo Tribunal Federal, estabelecendo,
inclusive, que “A nomeação a termo não impede a livre demissão, pelo Presidente
da República, de ocupante de cargo dirigente de autarquia”.
Destaque-se, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal vem decidindo
que é inconstitucional a aprovação prévia dos nomes dos dirigentes autárquicos
pela Assembleia Legislativa do Estado, por afrontar a independência dos poderes.

Agências autárquicas reguladoras

As agências reguladoras surgem com o firme propósito de controlar, através


do planejamento e normalização, as atividades privadas na execução dos serviços
de caráter público, sendo órgão imprescindível no processo de descentralização es-
tatal vivido pelo Estado. Possuem a função de regular segmentos do mercado, ati-
vidades econômicas e serviços públicos, protegendo o consumidor, garantindo a
livre escolha, o abastecimento (garantia da oferta dos serviços) e preços acessíveis.
As Agências Reguladoras possuem uma série de poderes, que podem ser me-
lhor entendidos, desembrando-se em:
– Poder de fiscalizar empresas sob seu poder de polícia e que permite a impo-
sição de sanções à eventual conduta violadora de normas e obrigações específicas;
– Poder de regular, que possibilita emitir normas a incidir sobre fatos e atos
próprios do curso da atividade verificada no âmbito de sua jurisdição;

Natureza jurídica das agências reguladoras

Como se disse, a regulação deve ser atribuída à autoridade independente, que,


no entanto, exerce poderes típicos do Estado, legitimado que está para intervir no
domínio econômico. Em sendo, portanto, a agência reguladora uma autarquia, isto
significa dizer que se trata de uma pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica
de direito público, que não desempenha atividade econômica em sentido restrito.

A questão da deslegalização

O instituto da deslegalização traz em seu bojo a possibilidade de outras fontes


normativas, estatais ou não, regular por atos próprios determinada matéria, ou seja
é a retirada do âmbito da lei propriamente dita o condão de reger determinada
matéria. É a transferência da função normativa (sobre matérias determinadas) da
sede legislativa estatal a outra sede normativa.

capítulo 5 • 159
FIQUE AFIADO
A deslegalização legal será sempre possível no ordenamento constitucional vigente des-
de que a Constituição não a proíba expressamente. No caso das agências reguladoras, trata-
se de uma delegação legislativa, que ocorre quando o ato emanado pelo poder legislativo
fixa parâmetros (standards) adequados e satisfatórios para se pautar a atuação do órgão
delegado, ou seja é a fixação de limites à atuação do poder delegado.

Exemplo - São deslegalizações constitucionais, os casos da Lei 9427/96 que


instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, onde possibilita a
agência de regular, entre outras, a produção, transmissão e comercialização de
energia elétrica (art. 2º). Essa é a espécie de delegação que as agências reguladoras
deverão possuir. A lei determina seu âmbito de atuação e os atos normativos pro-
duzidos pelas agências regerão o mercado de atuação específica de cada agência.
A celeridade das decisões é imprescindível para a gestão eficaz do negócio e essas
normas direcionaram rapidamente o rumo a ser tomado sem a morosidade que
impera no poder legislativo seja pela desídia de seus parlamentares, seja pelo devi-
do processo legal, normalmente longo e lento.

Independência decisória

É possível a agência reguladora normatizar, fiscalizar e julgar seus próprios atos.

Autonomia econômico-financeira

FIQUE DE OLHO
Outro aspecto digno de nota é a autonomia financeira das Agências Reguladoras, pois
suas receitas advém da cobrança de um percentual incidente sobre o faturamento das con-
cessionárias, em razão da atividade regulatória desenvolvida, liberta, portanto, dos repasses
orçamentários do Poder Executivo.

capítulo 5 • 160
A investidura dos membros diretores

PEGADINHA
No que tange à forma de investidura, as Agências Reguladoras possuem nor-
malmente em sua direção um Conselho Diretor, compondo um órgão Colegiado,
cujos dirigentes são indicados pelo Poder Executivo e aprovados pelo Poder
Legislativo, com mandato fixo que lhes assegura uma autonomia decisional, não
sendo demissíveis ou exoneráveis ad nutum do Chefe do Poder Executivo.

CUIDADO
A lei pode criar e estabelecer a forma de investidura de determinados membros.

Fiscalização sobre a agência de regulação

Como entidade integrante da Administração Pública, a agência reguladora


fica sujeita aos termos do art. 70 da Constituição Federal, que submete as pes-
soas físicas e jurídicas gestoras de bens e recursos públicos ao controle financeiro
interno e externo, prevendo-se, assim, a participação do Tribunal de Contas na
apreciação dos valores apresentados.

ATENÇÃO
É fora de dúvida, assim, que o Tribunal de Contas não pode avançar sua atividade fisca-
lizatória sobre a atividade- fim da agência reguladora, em clara violação ao princípio funda-
mental da Separação dos Poderes. Logo, não pode o Tribunal de Contas questionar decisões
político-administrativas da Agência Reguladora.

capítulo 5 • 161
Fundações públicas

DECRETO-LEI Nº 200/67,
FUNDAÇÃO
ART. 5.º
PERSONALIDADE JURÍDICA DIREITO PÚBLICO ou DIREITO PRIVADO

REGIME DO PESSOAL ESTATUTÁRIO ou CELETISTA

FINALIDADE ORDEM SOCIAL

FORMA AUTARQUIA ou PARTICULAR

DIREITO PÚBLICO
Fiscais– Art. 150, VI, “a” c/c §§ 2.º e 3.º Processuais– Art. 100
PRIVILÉGIOS FISCAIS E e 109, I da CF
PROCESSUAIS DIREITO PRIVADO
Fiscais– Art. 150, VI, “a” c/c §§ 2.º e 3.º Processuais– Não pos-
suem privilégios

FORMA DE ACESSO CONCURSO PÚBLICO, Art. 37, II CF

BENS PÚBLICOS DE USO ESPECIAL


NATUREZA DOS BENS
Código Civil.

OBRIGATORIEDADE
LICITAÇÃO Art. 37, XXI da CF e Art. 1.º,
parágrafo único da Lei n.º 8.666/93

TEORIA OBJETIVA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Art. 37, § 6.º da CF

A fundação que interessa ao Direito Administrativo é a fundação pública, que


ora será pessoa jurídica de direito público, ora será pessoa de direito privado.

Natureza

O próprio STF admite tanto a natureza de direito público, quanto a natureza


de direito privado para uma fundação pública. Se a atividade delegada for típica
do Poder Público, tem que ser fundação pública de direito público.

Regime do Pessoal

Vai depender da natureza jurídica da entidade, se for pessoa jurídica de direito


púbico o regime é, em regra, o estatutário, se for pessoa jurídica de direito privado
o regime é celetista.

capítulo 5 • 162
Exemplo – Se desempenhar poder de polícia, que é indelegável a particular, a
fundação será de direito público. Exemplo: FUNAI (poder de polícia de apreen-
der material de garimpeiro em reservas indígenas).

Finalidade

Não possuem fins lucrativos. Normalmente são seus fins: educacionais, assis-
tenciais, pesquisas, culturais.

Forma
O STF criou a forma, mencionando a forma da fundação pública de direito
público que é autárquica. A forma de uma fundação pública de direito privado é
a forma particular.

Controle

ATENÇÃO
A fundação pública quer de direito público, quer de direito privado não é controlada pelo
Ministério Público e sim pelo Tribunal de Contas. A Constituição atribui o controle de funda-
ção pública ao Tribunal de Contas, Artigo 71, II da Constituição Federal de 1988.

Privilégios fiscais

A resposta é única, seja a fundação pública (instituída por lei) de direito pú-
blico ou de direito privado, será abraçada pela imunidade tributária, com base no
artigo 150, VI, tendo como justificativa o exercício de atividade não econômica.

Privilégios processuais

Fundação Pública de Direito Público terá os mesmos privilégios adotados para


uma autarquia, pois por ser pessoa de direito público encontra-se no conceito da
Fazenda Pública.

capítulo 5 • 163
Já a Fundação Pública de Direito Privado não terá privilégios processuais,
porque deve ser tratada como pessoa jurídica de direito privado.
Lei nº 9.649/1997, Artigo 10 – “Aplica-se às autarquias e fundações públi-
cas o disposto nos Artigos 188 e 475, caput, e no seu inciso II, do Código de
Processo Civil”.
Fazendo-se a correspondência dos artigos citados com os respectivos artigos
no CPC de 2015, temos que a leitura deve ser a seguinte: “Aplica-se às autarquias
e fundações públicas o disposto nos arts. 180, caput e 496, caput e incisos I e II,
do Código de Processo Civil de 2015”

Natureza jurídica dos bens

Fundação Pública de Direito Público: bens Públicos, de acordo com o


Código Civil.
Fundação Pública de Direito Privado: a posição majoritária na doutrina en-
tende que seus bens são privados.

Licitação

Obrigatoriedade, por determinação do art. 37, XXI da Constituição Federal


de 1988, bem como a Lei nº 8.666/03, em seu art. 1º e parágrafo único.

Responsabilidade

Teoria objetiva para ambas as naturezas de fundação pública – Artigo 37, § 6.º
da Constituição Federal de 1988.

Empresas estatais

Considerações

Encerramos o estudo das pessoas jurídicas de direito público encontradas na


administração indireta.
Vamos estudar agora as pessoas jurídicas de direito privado que compõem a
estrutura da administração indireta, que são as empresas estatais (Empresa Pública
e Sociedade de Economia Mista).

capítulo 5 • 164
Empresas estatais é o gênero da qual empresa pública e sociedade de econo-
mia mista são espécies. Quando o Poder Público cria a administração indireta,
o principal objetivo é fugir do rigor hierárquico, mas aqui o objetivo é fugir de
outro rigor.
A sociedade de economia mista, por exemplo, consegue fugir do rigor orça-
mentário, dando a ela maior flexibilidade operacional, por possuir recurso público
e privado, não precisando de previsão orçamentária.

Empresas Estatais com personalidade jurídica de direito privado:

Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista: suas Semelhanças


e Diferenças
Decreto-Lei Nº 200/67, Art. 5.º
Empresa Pública Sociedade de Economia Mista

DECRETO-LEI Nº SOCIEDADE DE
EMPRESA PÚBLICA
200/67, ART. 5.º ECONOMIA MISTA
PERSONALIDADE
DIREITO PRIVADO
JURÍDICA
REGIME DO PESSOAL CELETISTA – Art. 173, § 1.º, II da CF/88
ATIVIDADE ECONÔMICA OU
FINALIDADE
SERVIÇO PÚBLICO
QUALQUER FORMA
FORMA S/A
ADMITIDA
PRIVILÉGIOS FISCAIS E NÃO TERÃO EM FUNÇÃO
PROCESSUAIS Do Art. 173, § 1.º e § 2.º da CF/88
CONCURSO PÚBLICO OBRIGATORIEDADE
BENS PÚBLICOS – Código Civil
NATUREZA DOS BENS
BENS PRIVADOS – Doutrina + Art. 141 da Lei nº 6.404/76
- Obrigatoriedade da licitação – para atividade-meio - Art. 37,
LICITAÇÃO
XXI CF e Art 28, da Lei 13.303/2016 – Estatuto da Estatal.
TEORIA OBJETIVA – quando presta serviço público - Art.
RESPONSABILIDADE 37, § 6.º da CF
CIVIL TEORIA SUBJETIVA - quando exerce atividade econômica -
Art. 43 do CC

capítulo 5 • 165
Personalidade jurídica

São pessoas jurídicas de direito privado, Decreto-Lei nº 20/67, incisos III e


IV. São criadas por autorização do legislativo, bem como suas subsidiárias que não
ficam a sua criação ao livre alvedrio da Administração.
Nos termos do art. 37, XX, da Constituição Federal, sua criação também
depende de autorização legislativa. A exigência reclama, portanto, a participação
efetiva da respectiva Casa Legislativa.
Já a recente Lei 13.303/2016, também conhecida como Estatuto da Estatal,
assim define cada uma das estatais:
Art 3º - Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de
direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo ca-
pital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal
ou pelos Municípios.
Art 4º - Sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade
jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de socie-
dade de economia anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua
maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade
da administração indireta.

Regime do pessoal

Também no âmbito da relação funcionário-empresa, revela-se como corolá-


rio da personalidade jurídica de direito privado a sujeição das estatais ao regime
privado na regência das relações trabalhistas, aplicando-se, assim, os preceitos da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e não os chamados estatutos, que in-
cidem quando a relação e de direito público. Tal regra deflui do disposto no art.
173, § 1º, II da Constituição da República.

Finalidade

A princípio só se encontra uma finalidade atribuída para as empresas estatais,


que se a realização da atividade econômica. Todas as normas e regras se limitam a
afirmar que a estatal foi criada para realizar atividade econômica. No entanto, não
podemos negar que existem estatais que realizam serviço público.

capítulo 5 • 166
Empresa de Correios e Telégrafos – empresa pública que presta serviço pos-
tal, presta serviço público.
Caixa Econômica Federal – empresa pública que exerce atividade econô-
mica. E os empréstimos para casa própria? Trata-se de fenômeno, denominado
metassêmico e não de serviço.
Petrobrás – sociedade de economia mista que presta atividade econômica.
Eletrobrás – sociedade de economia mista que presta serviço público de ener-
gia elétrica.
Telebrás – sociedade de economia mista que presta serviço público
de telecomunicações.

FIQUE AFIADO
Tanto empresa pública quanto sociedade de economia mista podem realizar ou atividade
econômica ou prestação de serviço público.
Corroborando tal entendimento, o Art. 1º, da Lei 13.303/2016 menciona também a
prestação de serviços (públicos) como finalidade das estatais brasileiras.
Aliás, é exatamente sobre essa questão que surge nova controvérsia, agora quanto à
constitucionalidade da mencionada lei (ADI 5624) sendo um dos argumentos o fato de que
ela estaria, ao regulamentar a totalidade das empresas públicas e sociedades de economia
mista brasileiras, excedendo-se, pois que o Art. 173, § 1º, da CR, teria requerido apenas um
estatuto jurídico para as estatais que explorassem atividade econômica, o que não permitira
que essa regulamentação chegasse às estatais que prestassem serviços públicos.
Um Atalho para Identificar o Serviço Público

Eis uma dica para facilmente se identificar serviço público e diferenciá-lo da


atividade econômica está no fato de que o primeiro seria aquele que se encontra
imediatamente à disposição do cidadão, ao passo que esta última teria de passar
por um processo, ser trabalhada, até que se tornasse disponível para uso.
Facilmente esta assertiva pode ser comprovada no mundo prático, pois que o
fornecimento de energia, o transporte urbano, o serviço de telecomunicação, são
todos exemplos de serviços públicos que estão facilmente acessíveis ao cidadão.
Não precisamos comprar uma linha telefônica e esperar que esta passe por
uma industrialização até que ela se torne disponível para uso, o mesmo ocorrendo
com a energia elétrica e o transporte urbano.

capítulo 5 • 167
A atividade econômica, por seu turno, não está disponível para uso de forma
imediata, a exemplo do petróleo. Nos beneficiamos deste bem apenas quando ele
é transformado em bem de consumo, mas não num primeiro momento, como o
caso dos exemplos anteriores.
Além destes, outra forma segura para identificar se o serviço da estatal é públi-
co ou atividade econômica, pode se dar na consulta do Estatuto que a criou, tendo
em vista que neste diploma legal se encontra elencado o seu objeto.

Forma

A empresa pública, qualquer forma admitida em direito, o ente da federação


escolherá a forma que lhe convier (Decreto-Lei nº 200/67, Artigo 5.º).
Atenção! Já as sociedades de economia mista, cuja definição está no inciso III
do art. 5º, do mesmo diploma legal, terá a forma de sociedade anônima, que é a
forma de sociedade por ações, não deixando brechas para qualquer outra forma
legal de revestimento.

Privilégios fiscais e processuais

Fique ligado - No fundo, o que inspira essa característica das empresas públi-
cas e das sociedades de economia mista é o Princípio da Isonomia, já que o Estado,
ao criá-las, o faz para atuar como agente econômico, não podendo, por isso, man-
ter os privilégios inerentes ao jus imperi que ordinariamente exerce, posto que,
desta forma, estaria prejudicando severamente os princípios da livre iniciativa e da
livre concorrência. Consequência disso tudo é que as empresas públicas e socieda-
des de economia mista não desfrutam de privilégios em face do particular, subme-
tendo-se, antes, ao mesmo regime jurídico a estes reservados. É o que consta do
art. 173, § 1.º, II e § 2.º, da Constituição da República.

DICA DA HORA
Em matéria de privilégio processual, em âmbito federal, encontramos apenas um privi-
légio em relação a empresa pública, que será demandada na Justiça Federal, Artigo 109,
da Constituição Federal de 1988. Esse artigo não abraça sociedade de economia mista. É
então, mais uma diferença entre as estatais. Sociedade de Economia Mista Federal vai ser
demandada no foro da sua sede, Justiça Estadual.

capítulo 5 • 168
Caso concreto - Sendo concedido, por exemplo, um determinado benefício a
uma estatal, a empresa particular poderia pedir a extensão desse benefício alegan-
do concorrência desleal? Não, o que se pode postular é a nulidade deste benefício,
concedido a estatal. E, se assim, o Poder Judiciário pudesse assim agir, estaria
usurpando uma função do Congresso Nacional, ou seja, a de legislar.

Responsabilidade

Qual a teoria a ser aplicada quando a estatal causar danos a terceiros?


A regra da teoria objetiva está no Artigo 37, § 6.º da Constituição Federal
de 1988 “...de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos
danos que seus agentes nessa qualidade, causarem a terceiros”. A teoria objetiva
se aplica a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, então
pessoa jurídica de direito privado prestadora de atividade econômica não se aplica
a teoria objetiva. Então, as empresas estatais que prestam atividade econômica e
estão sujeitas à teoria subjetiva.

Natureza jurídica dos bens das estatais

PEGADINHA
Majoritariamente, os doutrinadores entendem que os bens das estatais são bens priva-
dos, quando se incorporam ao patrimônio da estatal, pois não existe pessoa de direito privado
titular de bem público. Quanto o bem sai do patrimônio do ente federativo (ex.: a União) e
entra no patrimônio da estatal, torna-se bem privado. Todavia, o contrário é possível de ocor-
rer: isto é, o bem sair público, tornar-se bem privado e, extinta a estatal, o mesmo bem voltar
a ser público, produzindo, metaforicamente, o efeito “iô-iô”.

Pode haver penhora de bens das estatais?

TOME NOTA!
É pacífico na doutrina, que o bem da estatal pode ser penhorado. Até os que admitem
que o bem é público de uso especial, entendem que o bem da estatal pode ser penhorado. A
penhorabilidade desses bens seria uma exceção pacificamente aceita pela doutrina

capítulo 5 • 169
Também é reconhecido expressamente que as estatais não podem falir (Art. 2º, I, da Lei
nº 11.101/2005 – Lei de Falências), mas os seus bens são penhoráveis e executáveis, e a
pessoa jurídica que a controla responde, subsidiariamente, pelas suas obrigações.
Tanto a estatal que presta serviço público, como aquela que exerce atividade econômica
pode ter seus bens penhorados, não havendo nenhum impedimento para isso. A diferença é
na feitura da penhora, na materialização desta.

A estatal que presta serviço público poderá ter seus bens penhorados, po-
rém essa penhora que poderá ser feita até o montante de bens que não prejudi-
que a prestação do serviço público, em razão do Princípio da Continuidade ou
Manutenção do Serviço Público.
As estatais que prestam serviços públicos têm bens que não são vinculados ao
serviço público, e a penhora desses bens não trará prejuízo ao serviço. Esses bens
podem, portanto, ser penhorados.
Esse limite, não haverá nas estatais que prestam atividade econômica, pois essas
estatais seguem o Princípio da Continuidade ou Manutenção do Serviço Público.
Reconhece-se que se o montante de bens penhorados que não prejudicam a
manutenção do serviço não for suficiente para satisfação do credor, a responsabi-
lidade subsidiária do ente da federação criador da estatal.

FIQUE DE OLHO!
Para os Tribunais Superiores, essa responsabilidade subsidiária só ocorre com a estatal
prestadora de serviço público, não existe essa responsabilidade subsidiária se a estatal de-
sempenha atividade econômica (posição majoritária).

Formação do capital

A empresa pública só tem recurso público, ou seja, o capital é exclusivo do


ente da federação que a criou. Já a sociedade de economia mista possui recurso
público e privado.

capítulo 5 • 170
ATENÇÃO
É importante! Essa obrigatoriedade, anteriormente mencionada por muitos doutrina-
dores, não é mais assim considerada. O rigor, hoje, para empresa pública é que o capital
seja público, mas nada impede que existam vários entes da federação formando uma em-
presa pública.

Licitação - Artigo 37, XXI e artigo 173, §1º, III, da Constituição Federal de 1988
c/c artigos 28 ao 67, da Lei 13.303/2016.

FIQUE LIGADO!
Para a atividade-fim, a estatal estará liberada quanto à obrigatoriedade da realização do
procedimento Iicitatório.

Caso concreto - Por hipótese, foi criada uma subsidiária da Petrobrás, com
a atividade-fim, a venda de fertilizante, obtida com derivado do petróleo. Nesse
caso, se houvesse licitação para a venda de fertilizante, certamente ela não teria
vida no mercado. Entretanto, na atividade-meio, obrigatoriamente, deve se sub-
meter ao procedimento licitatório.
Hoje, a Lei 13.303/16 expressamente determina isso, em seu artigo 28, § 3º, I.

Teto máximo de remuneração

A Emenda Constitucional nº 19/98 trouxe uma novidade para as empresas es-


tatais, previsto no Artigo 37, XI da Constituição Federal de 1988 c/c o seu § 9.º.
Só estão abrangidas as estatais mantidas pelo Poder Público, isto é, estatal lucrativa
não está submetida ao teto máximo, nos termos do § 9º, do Art 37, da CR.
Exemplo: A PETROBRAS não está sujeita ao teto máximo, pois ela se man-
tém com seus próprios recursos. Se a estatal precisa do orçamento, ela fica subme-
tida ao teto máximo. Por isso, que seu presidente percebe R$ 158 mil mensais e os
Diretores R$ 145 mil mensais.

capítulo 5 • 171
Forma de Admissão e Demissão de Pessoal das Estatais

A forma de admissão de pessoal das estatais se dá pelo regime celetista ou


emprego público, sendo o termo mais indicado para se usar em uma prova o “re-
gime trabalhista”, não obstante o ingresso desse pessoal se dar por via de concurso
público, por força do art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

FIQUE DE OLHO
A jurisprudência dominante, hoje, tem entendido que a demissão do empregado público
de uma estatal que ingressa no emprego por meio de concurso público deve ser a demissão
com motivação.
Esta demissão com motivação trata-se da motivação do ato administrativo, pois que o
empregado que está sendo demitido se submeteu a um concurso público, às regras da ad-
ministração pública, e por isso a atos tipicamente administrativos.
Os Tribunais Regionais do Trabalho estão acolhendo esta tese porque não se aplica a
estabilidade ao empregado público das estatais.

Tentando por termo a este questionamento, o STF teceu decisão oposta ao


asseverar que o disposto constitucional contido no art. 41 se aplica a cargo em
sentido amplo, aplicável a todo e qualquer servidor público aprovado em concur-
so público.

FIQUE LIGADO!
A posição do STF é no sentido de que, mesmo que o teor do art. 41 não se aplique ao
empregado público, e que este não adquira a estabilidade constitucional ali contida e exten-
siva apenas aos ocupantes de cargo público efetivo, os servidores celetistas não recebem o
mesmo tratamento que os celetistas da iniciativa privada.
Aos servidores celetistas só se justificará a demissão se houver uma prévia motivação
vinculada a um interesse público, longe do que ocorre com o trabalhador da iniciativa privada,
em que prevalece apenas os interesses do empregador, e em geral a demissão se dá ao seu
bel prazer.

capítulo 5 • 172
II – Dinâmica contratual das concessões/permissão de serviços públicos.

INICIATIVA PRIVADA COM FINS


LUCRATIVOS

DELEGAÇÃO DE
SERVIÇO PÚBLICO

CONCESSÃO PERMISSÃO

DE SERVIÇO PÚBLICO

Artigo 175 da CRFB

LICITAÇÃO

CONCESSÃO PERMISSÃO

CONTRATO CONTRATO ATO


ADMINISTRATIVO ADMINISTRATIVO ADMINISTRATIVO
Com estabilidade Com precariedade Com precariedade

Artigo 23 da CONTRATUALIZAÇÃO TODA DOUTRINA


DA PERMISSÃO DEFENDE A
Lei no 8.987/95 Visão do legislador NATUREZA DE ATO
ADMINISTRATIVO

Artigo 24 da
Lei no 8.987/95

Considerações iniciais

O STF recentemente entendeu que não há mais diferença entre conces-


são e permissão. Ambos são contratos administrativos. Informativo 117/STF.
Então, hoje a permissão de serviço público é contrato administrativo, isto é, ela
foi contratualizada.
O Artigo 40 da Lei nº 8.987/95 diz que a permissão é um contrato adminis-
trativo: – “A permissão de serviço será formalizada mediante contrato de adesão,
que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de
licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato
pelo poder concedente”.

capítulo 5 • 173
FIQUE AFIADO!
Quando se lê o artigo 2º da Lei nº 8.666/1993 “...quando contratadas com terceiros”,
quer dizer que a permissão está contratualizada, somente a de serviços públicos. Se somente
essa permissão foi contratualizada. A permissão de uso não está abraçada pelo artigo 2.º da
Lei nº 8.666/1993, consequentemente continua sendo ato administrativo e precário.

Natureza jurídica da concessão e da permissão

Sempre foi contrato e continua sendo contrato a natureza jurídica da conces-


são. E natureza da permissão de serviços públicos?
Artigo 40 da Lei nº 8.987 – “A permissão de serviço será formalizada median-
te contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas perti-
nentes e do edital de licitação, inclusive, quanto à precariedade e à revogabilidade
unilateral do contrato pelo poder concedente”.

Não há contrato precário

Não há revogabilidade de contrato


Artigo 5o “... prazo”

O Artigo 5.º da Lei nº 8.987/1995 diz que toda concessão e permissão vai ter
prazo. O Artigo 40 diz que a permissão é precária, revogável e tem que atender
os termos da lei (deve ter prazo). Essa lei criou um “monstro jurídico”, criou um
contrato precário com prazo. Ora se é precário, é justamente porque não se tem
prazo. A precariedade e o prazo são inconciliáveis.
Se for precário não trata-se de uma característica tradicional da precariedade
que é a revogação a qualquer momento. Agora, se tiver prazo haverá indeniza-
ção, porque o prazo gera obrigação recíproca. Mas há os dois, a doutrina não
sabe responder.

Como se fixa a tarifa?

É através do resultado da licitação ou por lei, quando a tarifa for única.

capítulo 5 • 174
LICITAÇÃO
Artigo 175 da CRFB

TIPOS DE LICITAÇÃO Artigo 15


da Lei no 8.987/95
com nova redação da Lei no 9.648/98

MENOR VALOR TÉCNICA E


MAIOR OFERTA COMBINAÇÃO
DE TARIFA PREÇO

I II III IV

A política tarifária, que além de falar da modicidade das tarifas dispõe também
sobre o reajuste e revisão das tarifas.

POLÍTICA TARIFÁRIA

Artigo 9o ao 13
Lei no 8.987/95

Artigo 23, V da Lei no 8.987/95


Artigo 9o § 2o Artigo 65, § 5o
c/c Artigo § 6o
Lei no 8.987/95 Lei no 8.666/93
Lei no 8.666/93

REAJUSTE REVISÃO
Tem lapso temporal definido. Não tem prazo definido.

Visa manter o equilíbrio econômico-finan- Visa recuperar o contrato devido a uma


ceiro na execução contratua quebra geral deste.

Deve haver cláusula contratual para o É imprescindível, independe de cláusula


reajuste. contratual.

A Política Tarifária é tão importante que a Lei nº 8.987/1995 se dedica do


Artigo 9.º ao 13, um capítulo da política tarifária, destacando o princípio das tarifas.
A fixação é, em regra, em função da proposta vencedora, agora veremos as
formas de reajuste, revisão e alteração unilateral do contrato.
Não se deve confundir REAJUSTE com REVISÃO. Reajuste é encon-
trado matéria de reposição de perdas inflacionárias. Reajuste não é aumen-
to, é atualização de valor Artigo 9.º, § 2.º da Lei nº 8.987/95. “Os contratos

capítulo 5 • 175
poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio
econômico-financeiro”.
O princípio do equilíbrio econômico-financeiro é que vai justificar não só o
reajuste com também a revisão. Revisão não é sinônimo de reajuste, pois o rea-
juste é aquilo que venha a atualizar os valores de serviço, que venha respeitar o
equilíbrio econômico-financeiro impedindo perdas inflacionárias ao contratado.
A revisão não está presa a critérios inflacionários, não está presa a prazos para ser
imposta. A revisão não tem lapso temporal para ser usada, pois ela não está amar-
rada a inflação. A revisão se dá quando for necessário, quando houver a quebra do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Fato do Príncipe – é um ato geral do Poder Público que indiretamente que-
bra o equilíbrio econômico-financeiro, por exemplo, um aumento do imposto,
não estava esperado um aumento do imposto, a revisão será imediata. Artigo 65, §
5º da Lei 8666/93 – conceito do fato do príncipe (Quaisquer tributos ou encargos
legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de suposições
legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta de comprovada
repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para
menos, conforme o caso).

É possível fazer subconcessão? É possível fazer concessão a


terceiros?

CONTRATO
DE CONCESSÃO

SUBCONTRATAÇÃO SUBCONCESSÃO TRANSFERÊNCIA TOTAL

ATIVIDADES INERENTES AUTORIZADA PELO PRÉVIA ANUÊNCIA DO


OU COMPLEMENTARES PODER CONCEDENTE PODER CONCEDENTE

CONTRATO PRIVADO PRECEDIDA NÃO HÁ EXIGÊNCIA


SEM LICITAÇÃO DE LICITAÇÃO EXPRESSA PRÉVIA DE LICITAÇÃO

Art. 25 §§ Lei Art. 26 Lei Art. 27 Lei


no 8.987/95 no 8.987/95 no 8.987/95

capítulo 5 • 176
Há três possibilidades previstas na Lei nº 8.987/95, a subcontratação, a sub-
concessão e a transferência.
A subcontratação é muito comum, é a que menos chama a atenção, ela é rea-
lizada para atividades inerentes acessórias ou complementares.
Caso concreto - O particular vence uma licitação para prestar conservação
da Ponte Rio-Niterói. Então, o particular vai administrar o prédio ao lado para
administração dos empregados, o particular vai contratar uma empresa de limpeza
para limpar o prédio. É um contrato que o concessionário realiza com a iniciativa
privada. É um contrato privado sem licitação. A concessionária vai fazer uma
terceirização.
A subconcessão é parcial, enquanto a transferência é total. O Artigo 26 da Lei
nº 8.987 dispõe sobre a subconcessão. O concessionário passará parte do serviço
delegado a um outro, por isso que a lei pede nova licitação. O curioso é que quan-
do a lei pede nova licitação, para que se passe parcela do serviço a um novo par-
ticular (novo concessionário), a lei não diz quem é que realizará a nova licitação.
Entende-se que só pode ser o Poder Público, se concordar com a subconcessão,
uma vez que deve haver a autorização do Poder Público e a previsão expressa no
contrato de concessão.
Transferência - Na transferência o concessionário sai e outro toma o seu lugar
a transferência é mais do que a subconcessão, pois enquanto essa é parcial, a trans-
ferência é total. Na transferência a lei não dispõe sobre a necessidade de licitação.
A doutrina argui sobre a necessidade de licitação, pois se a subconcessão, que é
algo menos prevê licitação a transferência também deverá fazê-la. Se não houver
licitação, poderá haver a burla de todo procedimento licitatório originário.

Responsabilidade objetiva

Quem responderá pelos danos causados, mesmo sendo causados pelo subcon-
tratado, será a concessionária. Se esgotada a concessionária, haverá a possibilidade
de chamar subsidiariamente o Poder Público para completar a indenização, a cul-
pa in elegendo.

capítulo 5 • 177
Extinção da concessão e permissão de serviço público

As formas de extinção estão elencadas no artigo 35, da Lei nº 8.987/95.


Extingue-se a concessão de serviço público por:
I. Advento do termo contratual;
II. Encampação;
III. Caducidade;
IV. Rescisão;
V. Anulação;
V. Falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacida-
de do titular, no caso de empresa individual.
Observação: Rescisão não gênero, é espécie. Gênero é extinção.

Reversão

Qualquer forma de término da concessão vai gerar a reversão. A reversão se


refere aos bens vinculados ao serviço.

REVERSÃO AO TÉRMINO DA CONCESSÃO


Art. 35, § 1o e Art. 36 da Lei no 8.987/95

AUTOMÁTICA EM RELAÇÃO AOS BENS PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE


Em regra sem indenização VINCULADOS AO SERVIÇO DO SERVIÇO PÚBLICO

INDENIZÁVEL POR DESAPROPRIAÇÃO COM


ARTIGO 6o, § 1o
FORÇA DO PRINCÍPIO DA JUSTA E PRÉVIA
MORALIDADE INDENIZAÇÃO DA LEI no 8.987/95

Artigo 6o, §§ 1o e 2o
e Artigo 36 da
Lei no 8.987/95

A reversão aparecerá em toda forma de extinção da concessão.Refere-se aos


bens vinculados ao serviço. Esses bens, com a extinção da concessão, devem pas-
sar o Poder Público com a extinção da concessão, para fazer valer o Princípio da
Continuidade e Manutenção do Serviço Público.

capítulo 5 • 178
TOME NOTA
A reversão, a princípio, é automática, em regra sem indenização. Isso se justifica, pois
a forma normal de extinção de uma concessão é o advento do termo contratual. Como fim
do contrato, presume-se que o concessionário foi amortizado pelos investimentos feitos e
obteve lucro. Só será indenizável se por força do Princípio da Modernidade, o concessionário
realizar melhorias técnicas não previstas, Artigo 6.º, § 2.º c/c Artigo 36 da Lei nº 8.987/95.
A Reversão nas concessões que se extinguem com advento do termo contratual.
Exceção! Determinado prefeito, por exemplo, impôs a uma linha de ônibus, que instalas-
se em 5% de sua frota elevadores para deficientes físicos, isso foi imposto unilateralmente
no meio do contrato. Fundamento principal: artigo 65, § 6.º da Lei nº 8.666/93.

Quando o concessionário ofereceu o valor para a prestação do serviço, ou


quando o concessionário pagou para ter aquela concessão, não havia a previsão
daquele investimento. Se o Poder Público impõe esse ônus, o concessionário será
obrigado a pedir uma revisão, para salvar o equilíbrio econômico-financeiro.
Como é tarifa única, não poderá haver o aumento desta tarifa. O que poderá
ser feito? O Poder Público terá que pagar por fora. Isto é, ao final do contrato, o
concessionário será indenizado (vide artigo 36 da Lei nº 8.987/95).
O normal é haver reajuste na tarifa, mas no caso de tarifa única não tem outro
jeito a não ser a indenização ao final da concessão.

Encampação e Caducidade

ENCAMPAÇÃO CADUCIDADE
ARTIGO 37 DA LEI Nº 8.987/1995 ARTIGOS 32 E 38 DA LEI Nº
8.987/1995
Razões de interesse público. Inadimplência do concessionário

Decreto (precedido de ampla defesa e


Lei Autorizativa contraditório - § 4.º, do artigo 38 da Lei
nº 8.987/95 – processo administrativo)

Prévia Indenização
Sem prévia indenização
(somente para danos emergentes)

capítulo 5 • 179
Como se faz a encampação?

Exige-se lei autorizativa específica não é ato administrativo. Portanto, agora


é ato normativo. Se o chefe do executivo quiser fazer uma encampação, terá que
mandar uma mensagem ao legislativo para que avalie a encampação.

FIQUE DE OLHO
Fique de olho! Na encampação não haverá lucros cessantes, apenas danos emergentes.
A encampação só pagará os bens reversíveis que ainda não foram amortizados.

DICA DA HORA
Caducidade, com previsão no art. 38 da Lei 8987/95. Instaura-se o processo adminis-
trativo e comprovada a inadimplência, a caducidade será vinculada no decurso do processo.
A indenização será devida na forma do Artigo 36 desta lei e do contrato, descontado o valor
das multas contratuais e dos danos causados pela concessionária.

99 Motivo: Inadimplência do concessionário, que deu causa a extinção


do contrato.
99 Forma: Decreto administrativo, precedido de processo administrativo de
ampla defesa e contraditório.
99 Indenização: Vai haver, porém sem ser prévia. A indenização paga na
caducidade em relação aos bens reversíveis só difere da indenização paga na en-
campação pelos mesmos bens reversíveis, porque na caducidade vai descontar os
prejuízos (vai ser menor porque vai descontar os prejuízos). Ora, os valores serão
muito semelhantes na caducidade e na encampação, por motivos completamente
diferentes. Isso é injusto, pois um deu causa a extinção o outro não.

capítulo 5 • 180
Rescisão do contrato de concessão (Artigo 39 da Lei n.º 8.987/1995)

RECISÃO DO CONTRATO DE CONCESSÃO


Artigo 39 da Lei no 8.987/1995

INADIMPLÊNCIA DA
ADMINISTRAÇÃO

TÉRMINO DO CONTRATO TÉRMINO DO CONTRATO


POR ACORDO POR AÇÃO JUDICIAL

FIQUE LIGADO
Se a Administração for inadimplente, o concessionário não poderá rescindir o contrato
unilateralmente, somente pela via judicial. Agora, vale uma advertência: antes de ir ao Poder
Judiciário, nada impede que o concessionário faça um acordo administrativo (distrato ou
resilição). Se a administração não concordar a única solução é ir ao Poder Judiciário. Se o
concessionário for a juízo não poderá interromper o serviço até decisão transitado em julga-
do. A concessionária será indenizada, mas só ao final.

Administração Pública

Súmulas Vinculantes

27 – Compete à Justiça Estadual julgar causas entre consumidor e concessio-


nária de serviço público de telefonia, quando a ANATEL não seja litisconsorte
passiva necessária, assistente nem opoente.
44 - Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato
a cargo público.

capítulo 5 • 181
STF

517 – As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando


a União intervém como assistente ou opoente.
556 – É competente a Justiça comum para julgar as causas em que é parte
sociedade de economia mista.

STJ

42 – Compete à Justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em


que a parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.

333 – Cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação por so-
ciedade de economia mista ou empresa pública.

Sobre serviços públicos

Vinculantes

2 – É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que dispo-


nha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.
12 – A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o dis-
posto no art. 206, IV, da Constituição Federal.
19 - A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta,
remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis,
não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.

STJ

356 – É legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefo-
nia fixa.
407 – É legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as catego-
rias de usuários e as faixas de consumo.
412 – A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao
prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

capítulo 5 • 182
ATIVIDADE
O Estado X lançou edital de concorrência para concessão, pelo prazo de 10 (dez) anos, do
serviço de manutenção de importante rodovia estadual. O edital estabelece que o critério de
julgamento das propostas será o menor valor da tarifa e prevê, como forma de favorecer a mo-
dicidade tarifária, a possibilidade de o concessionário explorar os painéis publicitários localiza-
dos ao longo da rodovia. Além disso, o edital também estabelece que os envelopes contendo os
documentos de habilitação dos licitantes apenas serão abertos após a fase de julgamento das
propostas e com a observância da ordem de classificação, de forma que, habilitado o licitan-
te mais bem classificado, será ele declarado vencedor. Considerando as previsões editalícias
anteriormente referidas, responda aos questionamentos a seguir formulados, empregando os
argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.
a) É juridicamente possível que o edital de concorrência estabeleça, em favor do conces-
sionário, a exploração dos painéis publicitários localizados ao longo da rodovia?
b) É juridicamente possível que a fase de habilitação somente ocorra em momento poste-
rior à fase de classificação das propostas?

RESUMO
Nessa aula, você foi capaz de:
•  Contextualizar as Autarquias, as Estatais e as Fundações no cenário juspolítico brasileiro;
•  Compreender as peculiaridades do regime jurídico aplicável às entidades da Administração
Pública Indireta;
•  Entender as principais características do regime jurídico próprio das Concessioná-
rias/Permissionárias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2013.
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pública centralizada e descentralizada, Tomo
I.13ª.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016.

capítulo 5 • 183
GABARITO
Capítulo 1

Ambos os atos são ilegais. O que indeferiu o projeto padece do vício porque não apre-
sentou motivação exigida pela ordem jurídica vigente (art. 93, X, CF e, por analogia, o art 2º,
cabeça, p. u., VII e art. 50, da Lei 9.784/99). Sem a motivação, não é possível o destinatário
do ato realizar o controle da atividade administrativa e, então, exercer a cidadania (art. 1º, II,
CF). Já o segundo ato, que indefere as vistas dos autos do processo administrativo, violou o
princípio da publicidade, que não pode ser reduzido à publicação oficial. A publicidade confe-
re o direito de acesso e conhecimento a todos os atos constantes do processo administrativo
(art.37, caput; art. 5º, XXXIII, CF).

Capítulo 2

Sugerida: A questão trabalha com o conceito de poder de polícia da atribuído à Adminis-


tração Pública. O aluno deve explicitar, inicialmente, o conceito de poder de polícia a fim de
enquadrar juridicamente a hipótese de fato trazida na questão.
A seguir, é prudente expor que se trata de um poder discricionário, porém, não arbitrário.
E deve indicar todas as características do poder de polícia, tais como: autoexecutoriedade,
legitimidade e presunção de legalidade.
Logo, como não se trata de um poder arbitrário, deve o aluno expor que a conduta do
fiscal em destruir os produtos que, ainda, estavam dentro do prazo de validade, extrapolou os
limites da razoabilidade e da proporcionalidade que devem informar a Administração Pública
e seus agentes ao praticar atos que constituam poder de polícia.
E desta forma, deve indicar que o dono do estabelecimento comercial deverá ajuizar uma
ação judicial com o objetivo de postular o pagamento pelos prejuízos materiais, consistente
no valor de todos os produtos destruídos e que se encontravam dentro do prazo de validade.

Capítulo 3

Os atos administrativos, inclusive os praticados na administração tributária, são dotados


de presunção de legitimidade e de autoexecutoridade. Pelo primeiro atributo, presume-se
que os fatos que justificaram a lavratura do auto de infração e a inscrição em dívida ativa
do débito fiscal são verdadeiros (presunção de legitimidade) e que estão de acordo com a
legislação (presunção de legalidade). Em razão do segundo atributo, tem-se que a Adminis-

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tração não carece de decisão judicial para a prática de atos que interfiram na esfera jurídica
dos administrados. Desse modo, a pretensão de Tício, formulada em embargos à execução,
deve ser rejeitada, pois não há necessidade de o Fisco obter uma decisão judicial que declare
o inadimplemento do contribuinte em relação aos tributos federais, uma vez que a certeza,
liquidez e exigibilidade do título executivo estão asseguradas pela presunção de legitimidade
e pela autoexecutoriedade.
Cabe ressaltar que a autoexecutoriedade não existe em todos os atos administrativos,
mas somente naqueles em que haja previsão legal ou, ainda, quando se fizer emergencial a
sua adoção, caso em que, do contrário, maior poderá ser o prejuízo para o interesse público.

Capítulo 4

a) O examinando deverá responder que o prefeito poderia realizar a contratação di-


reta de músicos, uma vez que se trata de uma das hipóteses de inexigibilidade de
licitação, à luz do Art. 25, inciso III, da Lei n. 8.666/93. Todavia, em relação à con-
tratação de agência de publicidade, deveria o examinando indicar não ser possível
a contratação, diante da vedação legal constante do Art. 25, inciso II, da referida Lei
n. 8.666/93.
b) O examinando deverá analisar cada meio de contratação. No caso da licitação dis-
pensada e da licitação dispensável, as hipóteses legais são taxativas, ou seja, não
pode o administrador extrapolar o legalmente previsto.

Capítulo 5

a) Em relação ao item 1, a resposta deve ser afirmativa. Trata-se da previsão de fontes


provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos
associados, que podem ser estabelecidas no edital em favor da concessionária pre-
cisamente com o objetivo de favorecer a modicidade tarifária. Essa possibilidade
encontra-se prevista no artigo 11 da Lei n. 8.987/95.
b) A resposta ao item 2 deve ser igualmente afirmativa. A possibilidade da inversão da
ordem das fases de habilitação e julgamento nas concorrências para concessão de
serviços públicos encontra-se prevista no artigo 18-A da Lei n. 8.987/95.

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