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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

MURILO NEVES ALMEIDA

A CLASSIFICAÇÃO VOCAL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA


DO CANTO LÍRICO

RIO DE JANEIRO

2012
Murilo Neves Almeida

A CLASSIFICAÇÃO VOCAL NA PRÁTICA


PEDAGÓGICA DO CANTO LÍRICO

Dissertação apresentada à banca examinadora


da Escola de Música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como exigência para
obtenção do título de Mestre em Educação
Musical sob a orientação da Professora
Doutora Maria José Chevitarese.
RIO DE JANEIRO

2012
Murilo Neves Almeida

A classificação vocal na prática pedagógica do canto lírico.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Escola de Música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como exigência para
obtenção do título de Mestre em Educação
Musical sob a orientação da Professora
Doutora Maria José Chevitarese.

Aprovada em: ___/___/___

________________________
Professora Doutora Maria José Chevitarese – UFRJ.

________________________
Professor Doutor Sérgio Álvares – UFRJ.

________________________
Professora Doutora Luciana Requião – UFF.

Suplentes:
_________________________________________________
Professor Doutor Marcus Nogueira – UFRJ.

_______________________________________________________
Professora Doutora Laura Rónai - UNIRIO

Aos meus pais, Luiz Mauro Garcia Almeida e Glória Regina Neves Almeida, que não só
me apoiaram e me ajudaram ao longo da minha trajetória, mas sempre me incentivaram
a levar os estudos ao mais alto grau possível.

À Professora Mestre Heliana Farah, pelo apoio incansável e incondicional, e por ter não
só disponibilizado sua fantástica biblioteca mas por ter também contribuído – muito! –
para o crescimento da minha própria.

A todos os alunos e professores de canto lírico do Brasil, os intuitivos e os cerebrais,


que debaixo de todas as adversidades – a falta de apoio à cultura e à arte lírica e a
dificuldade de acesso às informações seriam apenas algumas delas – prosseguem em
seu trabalho quixotesco, mantendo viva essa forma de arte a que dedico minha vida.
AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Maria José Chevitarese, minha muito querida orientadora que
com muita paciência e dedicação aceitou me conduzir nesta viagem.

Ao Professor Marcos Menescal, grande amigo e guru, que me ensinou tanto do que eu
sei hoje sobre ópera e sobre vozes, e que gentilmente deu sua valorosa contribuição à
minha pesquisa.

Ao Professor Licio Bruno, querido mestre e amigo, presente na minha vida pela metade
dos meus anos corridos, que tanto me estimulou e inspirou e que deu sua contribuição a

esta pesquisa com seu valioso depoimento.

Ao Doutor Paulo Lousada, incansável pesquisador do fenômeno vocal, cuja sabedoria


adquirida ao longo de sessenta anos de trabalho e pesquisa com canto lírico contribuiu
grandemente para este trabalho em proveitosa entrevista.

Ao Professor Doutor Inácio De Nonno, presente em tantos momentos importantes do


meu desenvolvimento como aluno e também de minha carreira profissional, e que

prontamente atendeu ao meu pedido por sua contruibuição.

À Professora Ilza Corrêa, sem dúvida uma das pessoas que mais ama e conhece ópera
que eu já conheci na vida, que com sua experiência me ajudou a descobrir minha
verdadeira voz e com sua energia inesgotável muitas vezes me tirou da cama para me
obrigar a ter aulas, além de contribuir nesta pesquisa com o relato de sua experiência.

Ao Professor Doutor Sérgio Álvares, por tudo o que me ensinou sobre Educação, por
fazer parte das minha bancas de Qualificação e de Defesa, e por ter me aguçado o
interesse pelas questões psicológicas e filosóficas que envolvem o processo de ensino e
aprendizado.

Ao Professor Doutro Marcelo Verzoni, pela sua valiosa participação na minha banca de
Qualificação, e por ter, nas disciplinas com ele cursadas, ao longo de exposições sobre
arte, história, filosofia e sociologia, me ajudado a conectar o pensamento acadêmico ao
artístico.

À Professora Doutora Luciana Requião, à Professor Doutora Laura Rónai e ao Professor


Doutor Marcus Nogueira, por terem gentilmente aceito fazer parte da minha banca de
Defesa.

A Luiz Henrique Guerson, pela paciência, apoio, compreensão e estímulo, e pela


confiança em mim depositada.

Aos meus queridos alunos, pela confiança que me depositam todos os dias, pela
compreensão por tantas aulas desmarcadas em função desta pesquisa, e por terem me
ajudado, em tantos níveis diferentes, a esclarecer muitas das questões apresentadas nesta
pesquisa.
“Mestre não é quem sempre ensina, mas
quem de repente aprende.”
(Guimarães Rosa)

RESUMO

NEVES, Murilo. A classificação vocal na prática pedagógica do canto lírico. Rio de


Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em educação musical) – Centro de Letras e Artes,
Escola de Música, Universidade Federal do Rio de janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

Esta pesquisa srcina-se do questionamento: é possível determinar quais os aspectos a


serem observados em uma voz para que se possa proceder a uma correta e segura
classificação? E, determinados esses aspectos, é possível definir sob que parâmetros
estes aspectos devem ser observados? Dentro do universo da pedagogia musical, o
ensino de canto guarda peculiaridades que o distinguem bastante do ensino de
instrumentos, e a classificação vocal é uma dessas peculiaridades. Através da
observação de uma variada bibliografia que inclui obras sobre técnica vocal, pedagogia
e psicologia, pretendemos nesta pesquisa fornecer ferramentas para que alunos e
professores sintam-se mais seguros na observação da voz como instrumento, e possam
eliminar possíveis dúvidas de classificação. Abordamos teorias em educação em diálogo
com a pedagogia vocal, estudamos profundamente as características físicas e vocais a
serem observadas no processo de classificação, e discutimos também a influência do
sistema Fach no processo de ensino de canto lírico. Ao final do trabalho, apresentamos
também uma pequena entrevista realizada com cinco professores de canto, a fim de
ilustrar a pesquisa com a experiência dos entrevistados.
PALAVRAS- CHAVE: CLASSIFICAÇÃO VOCAL, CANTO LÍRICO, PEDAGOGIA

VOCAL, SISTEMA FACH

ABSTRACT

NEVES, Murilo. A classificação vocal na prática pedagógica do canto lírico. Rio de


Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em educação musical) – Centro de Letras e Artes,
Escola de Música, Universidade Federal do Rio de janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

This research has it srcin in the question: is it possible to determine which aspects of
the voice are to be observed in order to make a correct and secure classification? And, if
the aspects are determined, is it possible to define the parameters under which these
aspects are to be observed? In the universe of music pedagogy the teaching of singing
shows peculiarities that much distinguishes it from the teaching of instruments, and
vocal classification is one of this peculiarities. Through the observation of an assorted
bibliography including works on vocal technique, pedagogy and psychology, our intent
is to provide tools for student and teachers to feel secure in the observation of the voice
as an instrument, and may eliminate possible doubts on classification. Throughout the
research we study theories on Education dialoguing with Vocal Pedagogy, the physical
and vocal characteristics to be observed in the process of classification, and also discuss
the influence of the Fach system on the teaching and learning of classical singing. At
the end of the research, we have small interviews made with five voice teachers, in
order to illustrate the dissertation with the experience of the interviewed.

KEY WORDS: VOCAL CLASSIFICATION, CLASSICAL SINGING, VOCAL

PEDAGOGY, FACH SYSTEM

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
O ENSINO DE CANTO 21
.1 Tendências pedagógicas 23
.2 O ensino/ aprendizado de canto lírico 31
.3 O papel do professor 34
2 A CLASSIFICAÇÃO VOCAL 44
2.1 Meios para classificar uma voz 45
2.2 As características físicas 46
2.3 Timbre 48
2.4 Extensão 52
2.5 Tessitura 55
2.6 Registração 56
3 OS TIPOS VOCAIS 62
.1 Soprano 65
.2 Meio-soprano 67
.3 Contralto 72
.4 Tenor 74
.5 Barítono 77
.6 Baixo 81
Considerações 83
4 AS SUBCLASSIFICAÇÕES E O SISTEMAFACH 85
4.1 Soubrette 89
4.2 Soprano ligeiro 91
4.3 Soprano coloratura 92
4.4 Soprano lírico 94
4.5. Soprano spinto 96
4.6 Soprano dramático 99
4.7 Zwischenfach 102
4.8 Meio-soprano coloratura 103
4. 9 Me io -s op ra no lí ri co
104

4.10 Meio-soprano dramático 106


4.11 Contralto lírico 106
4.12 Contralto dramático 107
4.13 Tenor ligeiro 108
4.14 Tenor cômico 109
4.15 Tenor lírico 110
4.16 Tenor spinto 111
4.17 Tenor dramático 112

4.18 Barítono lírico 114


4.19 Barítono dramático 116
4.20 Baixo-barítono 118
4.21 Baixo buffo 119
4.22 Baixo cantante 120
4.23 Baixo profundo 122
Conclusões 123
5 ENTREVISTAS 126
CONCLUSÃO 142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 146

INTRODUÇÃO

Dentro do universo do ensino musical, o ensino de canto guarda peculiaridades


que o distingue bastante dos demais. A principal diferença – o instrumento é o próprio

corpo do aluno – acarreta diversos percalços que os alunos instrumentistas não


experimentam. Outra diferença determinante é a classificação vocal, fator fundamental
no aprendizado de canto lírico. Um aluno de piano ou violino, quando chega em sua
primeira aula, já tem em sua mente o som que o instrumento pode produzir. Diferenças
no toque ou mesmo na manufatura do instrumento podem influenciar a sonoridade, mas
o timbre e a extensão já são conhecidos e esperados quando o estudante o aborda
tecnicamente pela primeira vez. O instrumento é algo externo a ele. Diferente do aluno
instrumentista, que busca estabelecer uma relação com os mecanismos de seu
instrumento, o aluno de canto tem que produzir ele mesmo o som a ser trabalhado.
Mesmo que o aluno chegue na aula já com uma referência sonora do que seria uma voz
trabalhada (o que é compreensível e até esperado), a voz de cada ser humano é única, e
grande parte do processo inicial do estudo de canto baseia-se em encontrar esse som
srcinal. Basta imaginar um aluno de cordas que chega em sua primeira aula sem saber
se vai estudar violino, viola ou contrabaixo.

Se a escala, potência, qualidade e alcance da voz humana fossem


estabelecidos como são os do piano, o grande problema no treinamento de
um cantor seria bastante simplificado, possivelmente eliminado; mas o cantor
deve formar a afinação, a potência e a qualidade de cada som à medida que o
utiliza. 1 (CLIPPINGER, 1917, p. 2)
Quando uma pessoa decide estudar violoncelo, por exemplo, existe certamente
uma identificação com os instrumentos de cordas, e dentre eles houve provavelmente
uma opção pelo som. O cantor, de outra forma, não escolhe o som de seu instrumento.
Uma vez que decide cantar, tem que primeiro encontrar o som de sua voz, e esta, bem
como sua classificação, não necessariamente corresponderão às suas expectativas.
Mancini2 (1774 apud PACHECO, 2006) dá a entender como uma correta
classificação vocal é essencial no desenvolvimento do cantor:
E a ajuda da arte pode ser inútil se, antes de tudo, uma qualidade de voz não
vier, desde o princípio, destinada a sua clave correta. Demasiadas vezes, no
entanto, acontecem tristes casos em que uma bela voz de soprano é estragada
e atormentada ao ser levada a cantar como contralto, e ao contrário, uma
perfeita voz de contralto forçada a cantar como soprano. (MANCINI, 1774 p.
88, apud PACHECO, 2006, p.134)
A voz como meio de comunicação é afetada, desde as primeiras palavras de um
ser humano ainda bebê, pelos aspectos sociais que o circundam. A voz que cada ser
humano “adota” para si é imensamente sugestionada pelo ambiente em que vive. E, se
enveredarmos por um campo mais psicológico, é sugestionada também pela

1 If the scale, power, quality, and compass of the human voice were established as are those of the piano,
the great problem in the training of a singer would be much simplified, possibly eliminated; but the singer
must form the pitch, power, and quality of each tone as he uses it.
!
Giovanni Battista Mancini (1714-1800), italiano, célebre cantor castrato e professor de canto. Autor do
livro Pensieri, e riflessioni pratiche sopra Il canto figurato, um dos mais importantes tratados de canto do
século XVIII.
personalidade do indivíduo, e ainda pelos fatores sociais que formam essa
personalidade. Uma pessoa que desenvolve um trabalho comunicativo direto com o
público provavelmente tenderá a cuidar mais da dicção e da projeção da voz do que uma
que realize um trabalho mais silencioso, por exemplo. Some-se a isso o fato de que cada
ser humano, além de um timbre particular, traz ainda características de fala decorrentes
de aspectos de personalidade (uma pessoa tímida tenderá a falar mais baixo, por
exemplo, do que uma mais desenvolta) e culturais (sotaques, emissões diferenciadas por
identificação de grupo) e temos uma fonte inesgotável de possíveis problemas
decorrentes do processo de reconhecimento da própria voz por parte do aluno. Titze
(2000) diz que “certos padrões habituais de fala podem influenciar a classificação
normal. Aqueles que cresceram acostumados a falar com sons doces e suaves podem se
sentir desconfortáveis fazendo sons que parecem (para eles) gritos desenfreados.” 3
(TITZE, 2000, p. 191)
Quando falamos especificamente de ópera, o caso é ainda mais complexo devido
à distribuição dos papéis pelas diferentes classificações. A associação que beira o
inconsciente (instaurada pela tradição operística do repertório habitual através dos
séculos) do uso das vozes agudas (soprano e tenor) para o casal mocinho/ mocinha da
história e do uso das vozes graves para personagens mais velhos e solenes, por exemplo,
é suficiente para que um estudante neófito experimente uma profunda decepção ao
constatar que, com sua voz, não poderá fazer os papéis que gostaria. Parece ser uma

questão simples de adequação de objetivos por parte do aluno, mas pode se tornar um
grande problema para aquele que aspira a uma carreira. Muitas vezes um indivíduo vai
estudar canto por se identificar com o repertório de tenor, por exemplo, e sofre grande
frustração quando o professor lhe classifica como barítono, ou baixo. Assim, podem ter
início muitos problemas de aceitação vocal que atrasam – quando não impossibilitam –
o desenvolvimento técnico do aluno e o processo de formação da voz lírica.

3 [...] certain habitual speech patterns may influence normal classification. Those who have grown
accustomed to speaking in soft and mellow tones may feel uncomfortable making sounds that appear (to
them) like unrestrained shouts.
Hines4 (1984) relata um interessante trecho da entrevista a ele concedida pelo
célebre baixo italiano Bonaldo Giaotti (1932 - )
No dia de sua primeira aula ele voltou para casa com a notícia de que era um
tenor e esperava em breve estar cantando tudo, de Rodolfo a Radames. No
dia de sua segunda aula foi dito que ele na era, verdade, barítono. Ele e sua
família rapidamente adaptaram-se à idéia de vir a se tornar um grande Iago
ou Rigoletto. No dia de sua terceira aula foi dito que ele era baixo!
“Eu chorei”, 5ele disse. Sendo um baixo, eu entendi perfeitamente. (HINES,
1984, p. 127)

Muitas vezes confusões ou distúrbios de identidade vocal evidenciam-se nas


primeiras aulas, nos primeiros exercícios, e não raro perseguem por um longo tempo o
estudante que não os identifica. A ansiedade do estudante por saber sua classificação
vocal é também, muitas vezes, a causa desses erros. Muitos professores, não sabendo
controlar o desejo do aluno de se identificar como instrumento, acabam por fazer uma
definição precipitada de sua classificação vocal. O desenvolvimento do aluno é afetado
pelo fato de que sua procura está mais em inserir os sons que fabrica nos padrões
desejados do que em realmente descobrir sua voz para trabalha-la e desenvolve-la
tecnicamente. McKinney (1995, p. 107) afirma que muitos alunos querem decisões
imediatas sobre sua classificação, o que pode forçar o professor a tirar conclusões
precipitadas. Sobre o assunto, complementa:
Um professor pode ajudar nessa situação expondo ao aluno as vantagens de
esquecer a classificação até que sua técnica vocal tenha se tornado segura em
um alcance confortável. (McKINNEY, 1995, p.110)6

O professor tem, portanto, grande participação nisso. Ele deve ser o condutor do

processo, e a relação do aluno com a própria voz vai certamente depender em boa parte
da forma como seu professor conduz as aulas. Vennard7 (1967) diz:

#
Jerome Hines (1921-2003), baixo norte-americano, notável também por sua pesquisa no campo da
técnica vocal. Autor dos livros Great singers on great singing (1982) e The four voices of men (1997).
5 The day of his first lesson he returned home with the news that he was a tenor and he hoped soon to be
singing everything from Rodolfo to Radames. The day of his second lesson he was told that he was a
baritone instead. He and his family quickly adjusted to that with the thought of his becoming a great Iago
or Rigoletto. The day of his third lesson he was told that he was a bass!
“I cried”, he said. Being a bass, I understood perfectly.
6 A teacher can help this situation by impressing upon the student the advantages of forgetting
classification until his vocal technique has become secure in a comfortable range.
7William Vennard (1909-1971), professor de canto norte-americano, um dos mais influentes autores em
pedagogia vocal do século XX. Foi professor na University of Southern California e membro da National
Association of Teachers of Singing, da qual foi também presidente.
Há a dificuldade fundamental do fato de que o vibrador, sem dúvida o mais
importante elemento da voz, funciona abaixo do nível da consciência e deve
ser controlado indiretamente pelos ressonadores e por imagens de
ressonância. (VENNARD, 1967, p. 160)8

Se o elemento vibrador do instrumento voz (as pregas vocais, localizadas na


laringe) funciona abaixo do nível da consciência, e o professor de canto, diferente do
professor de instrumento, não tem acesso visual ou táctil ao processo de formação e
controle de som por parte do aluno, percebemos que o estudo de canto é uma tarefa
bastante delicada não só para o aluno, mas também para o professor. É grande a
responsabilidade do mestre de canto, pois o trabalho exige não só um profundo
conhecimento da fisiologia da voz e do seu mecanismo, mas sobretudo um ouvido
bastante apurado para poder reconhecer no som as características que possibilitariam
identificar os possíveis problemas de emissão a serem consertados.
Sundberg9 (1987) diz:
Um professor de canto eficiente pode tentar desenvolver um som “livre” no
aluno, o que provavelmente significa um som livre de constrições que um
ouvinte associaria a uma pessoa com problemas vocais. Então o aluno tem
que achar, de maneira mais ou menos intuitiva, o tipo de fonação e
articulação que satisfaça o professor. (SUNDBERG, 1987, p. 132) 10

Assim, não só a pré-disposição do aluno e a experiência do professor ão


s fatores
importantes no aprendizado, mas também a relação que se estabelece entre os dois
sujeitos. Richard Miller11 (2004) diz que o trabalho sério pode ser feito apenas quando a
confiança for estabelecida. Segundo ele, quando o professor começa a julgar a

qualidade do som do aluno, a fortaleza pessoal do aluno é invadida, e parte importante


do ensino seria determinar quando e quanto invadir.

$
There is the underlying difficulty of the fact the vibrator, doubtless the most important element of the
voice, functions below the level of consciousness and must be controlled indirectly through the resonators
and by means of resonance imagery.
%
Johan Sundberg (1936-), sueco, professor na Universidade de Uppsala e membro da Acoustical Society
of America e da Swedish Acoustical Society, tendo sido da última também presidente. Importante autor
sobre a ciência vocal.
&'
An efficient voice teacher may try to develop a “free” tone in the student, wich probably means a tone
relieved of those characteristics that a listener would associate with a person in vocal distress. Then, the
student has to find, in a more or less intuitive way, the type of phonation and articulation wich satisfies
the teacher.
&&
Richard Miller (1926-2009), cantor e professor de canto americano. Fundador do Otto B. Schoepfle
Vocal Arts Institutno Oberlin Conservatory. Autor de oito livros e centenas de artigos sobre canto.
Lamperti12 (Brown, 1931) diz que há uma deterioração da arte do canto e que
desapareceram os cantores genuínos, e pior, também desapareceram os bons professores
de canto (sobre isso voltaremos a falar no capítulo 1). É freqüente no meio lírico a
conversa sobre a decadência do canto, ainda em nossos dias. Mas antes de tomar essa
reclamação como algo atemporal e justifica-la pela resistência ao novo, devemos,
principalmente nesse caso, observar os processos históricos que poderiam levar a isso.
Lamperti viveu em uma fase de profunda mudança no estilo operístico, onde o
virtuosismo vocal do bel canto tinha dado vez a um canto mais apoiado na palavra – o
que certamente veio a afetar o aprendizado. No mesmo capítulo, Lamperti (BROWN,
1931) diz:

Não obstante o fato de que a música moderna para sopranos leves é


desprovida da coloratura do tempo de Mozart e Rossini, é um princípio
necessário adicionar a ginástica da respiração, da laringe e a suavidade do
som (legato). (BROWN, 1931, p. 5)13

Podemos, portanto, pela reclamação de Lamperti, concluir que o repertório da


época afetou o ensino do canto. Com efeito, a afirmação faz sentido por estar o
treinamento técnico intimamente relacionado ao repertório que o instrumento prepara-se
para enfrentar. Hoje o ensino tem que dar conta de toda a variedade estilística e estética
do repertório ao longo da história da música documentada. Temos ainda que levar em
consideração que, na época de Lamperti, os cantores eram preparados para cantar
apenas em seu próprio idioma (ou naquele adotado de acordo com os estudos) e

dificilmente eram obrigados a cantar em outro idioma, visto que as óperas eram
traduzidas. Hoje o aluno, além de preparar o seu instrumento do ponto de vista da pura
emissão sonora, ainda tem que desenvolver essa emissão através da fonética de
diferentes idiomas, mesmo alguns com os quais não tenha muita – ou, algumas vezes,
nenhuma – intimidade.
A classificação vocal é um assunto amplo, vasto e fonte de diversas dúvidas e
impasses no processo de aprendizado do canto lírico. É verdade que grande parte dos

&!
Giovanni Battista Lamperti (1839-1910), professor de canto italiano, filho do também professor de
canto Francesco Lamperti (1811/13-1892). Teve entre seus alunos cantores célebres como David
Bispham, Marcella Sembrich e Ernestine Schumann-Heink.
&(
In spite of the fact that modern music for light sopranos is devoid of the coloratura of the time of
Mozart and Rossini , it is a necessary principle to again add the gymnastics of the breath, the larynx and
the smoothness of tone (legato).
alunos não sofre dúvidas com relação ao assunto, por possuírem vozes muito
características e portanto de classificação mais óbvia. No entanto, muitos outros penam
por bastante tempo, por vezes anos, até que sintam-se seguros quanto à sua
classificação. Muitos, também, passam muito tempo com dificuldades vocais sem saber
que essas dificuldades, na verdade, devem-se a uma classificação equivocada. Outros,
ainda, passam por períodos de mudança em que, após cantar com desenvoltura por certo
tempo sob uma classificação, são levados por fatores diversos a abordar o terreno de
uma outra. No caso do canto lírico isso afeta bastante a vida do indivíduo, uma vez que
essa mudança altera, além do uso do aparelho vocal, toda a perspectiva de repertório.
Uma mudança de classificação vocal pode vir a influenciar até mesmo na personalidade
artística do cantor, uma vez que a nova classificação trará uma nova gama de papéis de
caráteres diversos.
A escolha do tema desta dissertação deve-se grandemente ao meu histórico
como aluno de canto. Meu primeiro professor, quando eu tinha 17 anos, após alguns
meses de estudos sugeriu (sem ainda afirmar, pois achava ainda cedo para isso) que eu
fosse um baixo-barítono. Embora soasse ainda bastante jovial, a cor sugeria uma voz
grave e a extensão corroborava – exercitava uma extensão média de Fá 1 a Mi 3. Algum
tempo depois passei a fazer aulas com aquele que havia sido o professor do meu
professor, que, após mais alguns meses, classificou-me como barítono. Passei a
exercitar uma extensão maior, ganhando muito mais notas agudas e ainda mais algumas

graves. A extensão total praticada nas aulas era de Ré 1 a Sol 3, e a região mais
confortável da voz evidenciava-se de Lá 1 a Mib 3. Depois de pouco mais de um ano
resolvi parar de fazer aulas com este professor, e passei a estudar com uma professora
que utilizava um pensamento técnico bastante diferente dos anteriores. Foi o momento
em que consegui adquirir uma estabilidade no canto, o que me leva a considerar que
esta foi a fase em que comecei realmente a cantar – e não mais apenas me preparar para
o canto. Efetivamente, foi o momento em que comecei a fazer minhas primeiras
apresentações em recitais, e, a essa altura, a minha voz já soava bastante diferente de

quando eu comecei. Eu realizava uma voz mais firme, mais timbrada e clara, porém
ainda soava como um barítono razoavelmente escuro. A região extremamente grave da
voz não era mais trabalhada, e com efeito os graves passaram a ser mais dificilmente
emitidos, embora os agudos ganhassem mais segurança. Praticava, nesse período, uma
extensão de Lá 1 a Sol 3. Desanimado com um momento de estagnação no
desenvolvimento, resolvi interromper as aulas com essa professora e fiquei um tempo
sem um estudo formal, praticando sozinho apenas. Estimulado por um pensamento mais
leve em relação ao som, passei a cantar com a voz cada vez mais clara. Os agudos
ficaram mais fáceis, os graves praticamente impossíveis. Durante esse tempo, procurei
alguns professores, porém sem fazer mais do que algumas aulas com cada um. Um
deles ficou convencido de que eu era, na verdade, um tenor. Evidentemente isso me
provocou uma grande confusão; contudo, decidido a aprender a cantar, resolvi tentar
esse novo caminho. Embora conseguisse sustentar até um Sib 3, e eventualmente até Si
3 e Dó 3, a qualidade do som não era agradável, e a região muito aguda soava sempre
bastante diferente do resto da voz. Tinha resistência para cantar algumas árias de tenor,
mas sem conforto e apresentando muita fadiga depois. Aulas como tenor efetivamente
tive poucas, mas praticando sozinho logo cheguei à conclusão de que, embora minha
voz naquele momento soasse excessivamente clara para um barítono, aquela não era a
minha tessitura14.
Passei então a ter aulas regulares com uma professora que, embora trabalhasse
muito a leveza da emissão, afirmava que eu não era tenor, e sim barítono. Passei algum
tempo tendo aulas com essa professora, e, depois de interromper as aulas, fiquei mais
um tempo praticando sozinho. Procurei mais alguns professores durante esse tempo,
inclusive alguns com os quais já tinha estudado. Muitas vezes tive a ilusão de algum

insight, ou de uma possibilidade de desenvolvimento, mas a continuidade não


confirmava nenhuma mudança significativa. Mais uma vez a possibilidade de ser tenor
veio à tona, e novamente ela foi descartada. A essa altura eu já não tinha nenhuma
segurança técnica, e o excesso de informações e referências mais me confundia do que
esclarecia. Embora muitas vezes elogiado pela minha musicalidade e expressão, a
qualidade vocal que eu apresentava já não era, de forma alguma, aceitável. Neste
momento, dez anos passados das minhas primeiras aulas de canto, decidi voltar a ter
aulas regulares, com uma nova professora. Inicialmente bastante assustada com o estado

da minha voz, logo ela percebeu que algo estava muito errado. Poucas aulas depois veio
a desconfiança de que eu seria, na verdade, um baixo. Isto me parecia absolutamente

&#
Tessitura, como veremos no segundo capítulo, é a região mais confortável da voz de um cantor.
impossível, pois a essa altura um Sib 1 já era uma nota extremamente grave para mim.
Modificando minha atitude técnica e minha concepção sonora, o novo treinamento aos
poucos devolveu-me os graves há tempos abandonados e firmou a minha real região
aguda (que, por muito tempo, trabalhei como centro-aguda). Algumas notas agudas que
eu emitia com relativa facilidade tornaram-se muito difíceis (algumas, ainda,
impossíveis), mas a homogeneidade de som da região mais grave mostravam que
aqueles agudos não faziam mesmo parte de minha extensão utilizável no canto. Ainda
receoso de tantas mudanças, procurei ouvir mais uma opinião, de renomada professora
na Itália, que afirmou categoricamente a minha condição de baixo.
Posteriormente, ao realizar treinamento técnico com um foniatra especializado
em canto lírico, resolvi buscar informações científicas sobre o a natureza do canto. Foi
só então que tomei ciência de fatores importantíssimos como a perfeita adução das
pregas vocais e o fenômeno da registração na voz. Paro de narrar o meu processo aqui,
por que agora precisaria utilizar diversos termos e conceitos que ainda serão
apresentados ao longo deste trabalho. Por hora, basta frisar o quão longo e doloroso foi
todo o processo que passei até encontrar o verdadeiro som da minha voz. Como
veremos mais adiante, podemos especular que a voz de baixo demora mesmo para
amadurecer, e que eu poderia efetivamente ter cantado anos como barítono sem que isso
fosse danoso. Podemos imaginar até mesmo que eu não poderia ter cantado como baixo
antes, por que o instrumento não estava ainda totalmente desenvolvido. No entanto, se o

meu primeiro professor sugeriu minha classificação como baixo-barítono (não


exatamente um baixo, mas mais grave que um barítono e certamente não um tenor), se
eu tivesse prosseguido meus estudos nesse sentido poderia – mesmo que isso atrasasse o
início de uma carreira como cantor – evitar tantas confusões e distúrbios técnicos. Além
disso, se eu tivesse mais cedo me interessado pelos fatores físicos envolvidos na
produção vocal, talvez pudesse ter compreendido melhor todo o processo,
potencializando o meu desenvolvimento técnico. Solidificar minhas concepções de
extensão, tessitura e timbre poderiam ao menos ter me levado aos questionamentos

certos quando me encontrava sem saber que direção tomar.


O objetivo deste trabalho, então, é investigar todas as formas possíveis de
embasamento para que se possa proceder a uma correta e segura classificação vocal.
Perante toda a gama de possibilidades apontadas por diversos autores quanto aos meios
de se classificar uma voz, nossa intenção é investigar essas possibilidades e sua
aplicação prática no âmbito do estudo do canto lírico. Destacamos a grande importância
da classificação vocal, se não nos estudos primários (em que fatores mais básicos como
entonação, produção e sustentação do som precisam ser trabalhados), certamente nos
estudos mais avançados, e, principalmente, na inserção no mercado de trabalho. Uma
correta e segura classificação é fundamental para que o aluno desenvolva um repertório,
e saiba onde pode se inserir mercadologicamente.
Partimos, então, de dois questionamentos: Será que podemos apontar de forma
segura os critérios a serem observados para proceder à classificação vocal? E, apontados
os critérios, podemos estabelecer sob que parâmetros esses critérios devem ser
observados? Esperamos poder, com essa dissertação, fornecer a professores e alunos
uma reflexão sobre o processo de classificação na prática pedagógica do canto lírico,
através da revisão de boa parte da bibliografia disponível sobre o assunto. Nosso
trabalho pode facilitar o acesso a essas informações, visto que a absoluta maioria das
publicações da área não foi traduzida para o português. Se não conseguirmos responder
com exatidão os questionamentos trazidos, ao menos a pesquisa servirá como um
compêndio que contempla todos os aspectos envolvidos no assunto classificação vocal,
bem como a sua verificação na prática pedagógica.

A natureza dos questionamentos levantados evidencia a abordagem qualitativa, e


o procedimento básico empregado será a revisão bibliográfica. Como trata-se de um
assunto complexo e amplamente discutido ao longo da história da pedagogia vocal,
utilizaremos desde autores do século XVIII até autores contemporâneos. Muitos dos
autores antigos são largamente citados pelos mais modernos, e preferimos então, em vez
de trazer essas informações indiretamente, buscar nas fontes primárias seus preceitos.
Conduziremos a pesquisa sob o método fenomenológico. A individualidade
presente no ensino/ aprendizado de canto lírico, as múltiplas possibilidades de

abordagens técnicas e sobretudo a parcela de subjetividade inerente ao assunto


classificação vocal levam-nos a tomar os princípios da fenomenologia como base para
nossa investigação. Mais do que encontrar verdades e parâmetros absolutos em nosso
objeto de estudo, pretendemos observar o fator classificação vocal como ele se
apresenta no processo de desenvolvimento do estudante cantor, partindo ainda do
princípio que as informações colhidas na bibliografia selecionada são, em grande parte,
frutos de observação empírica.
Estudaremos autores que discutem técnica e pedagogia vocal, desde os
históricos Garcia (1895) e Lamperti (BROWN, 1931) até autores mais modernos como
Miller (1993, 1996, 2000, 2004, 2006a, 2006b, 2008) e Vennard (1967). Estudaremos
também autores que tratam da fisiologia da voz e do fenômeno vocal com foco mais
científico, como Titze (2000), Sundberg (1987) e Stanley (1947). As opiniões por vezes
diversas dos autores possibilitam-nos um olhar dialético sobr e as questões discutidas.
No primeiro capítulo, estudaremos a prática da pedagogia vocal. Faremos uma
breve revisão de alguns conceitos em educação, usando como referências Libâneo
(1985) e Álvares (2006). O interesse nesses autores está na apreciação de diferentes
posturas perante a questão pedagógica, o primeiro com foco na observação dos métodos
empregados no ensino escolar no Brasil, o segundo com um olhar epistemológico sobre
o saber musical. Os autores servirão de base para a observação das questões
pedagógicas no universo do treinamento vocal. Ao longo do capítulo, faremos dialogar
as teorias pedagógicas gerais e as expostas pelos autores específicos de canto lírico.
No segundo capítulo, contemplaremos os diversos meios para que se possa
proceder à classificação. Discutiremos as opiniões de diversos autores quanto aos
fatores a serem observados no processo, e quanto aos parâmetros sob os quais esses

fatores devem ser observados. No terceiro capítulo, estudaremos os diversos tipos


vocais e suas características.
No quarto capítulo estudaremos também as sub-classificações e sua influência
na escolha do repertório, bem como o sistema Fach15 e sua aplicabilidade.
Introduziremos nesse capítulo os autores Kloiber (2007), Clark (2007) e Boldrey
(1994), que apresentam as subcategorizações vocais e repertório correspondente a cada
uma delas.
Apresentaremos também, no quinto capítulo, uma entrevista com professores de

canto, a fim de ilustrar a pesquisa com o a experiência de nossos entrevistados.

&)
Sistema de catalogação dos papéis operísticos que leva em consideração questões ligadas às sub-
classificações, bem como a qualidades vocais e/ou artísticas específicas.
1 O ENSINO DE CANTO

Na introdução dissemos o quanto o ensino/ aprendizado de canto é bastante


peculiar no universo do ensino musical. Neste capítulo, estudaremos estas
peculiaridades, buscando contemplar as condições da voz como instrumento a ser
dominado, as atribuições do professor e as necessidades do aluno . Taylor16 (1916) diz:
Não há tarefa mais complicada do que o estudo do canto. Todos sabem que as
chances de sucesso de um aluno de canto dependem da escolha de um
método correto de treinamento vocal. Ainda assim, a confusão acerca dos
métodos de instrução em canto é tão grande que a percepção desse fato só
aumenta as dificuldades do futuro aluno. Uma escolha deve ser feita, mas a
experiência de inúmeros outros alunos alerta o novato dos perigos envolvidos
na escolha de um método incorreto. Não apenas o tempo e o dinheiro que
podem ser desperdiçados em um estudo vocal equivocado devem ser
considerados. Ainda pior que isso é a probabilidade de sérios danos aos

&*
David C. Taylor (1871-1918), autor americano sobre pedagogia vocal que dedicou-se a buscar
preservar os preceitos da chamada antiga escola italiana de canto num momento histórico importante, em
que a ciência tornava-se cada vez mais presente no ensino de canto.
órgãos vocais, uma probabilidade que é verificada por muito aspirantes ao
sucesso desapontados. (TAYLOR, 1916, p. v)17

De fato, uma das decisões mais difíceis que o estudante de canto tem de fazer é
escolher um professor.
Correr de um professor famoso para outro, de uma master class para a
próxima, de um simpósio para ainda outro, e ler cada novo método vocal
“completo” publicado podem abrir algumas portas. Mesmo assim, chega o
momento em que o cantor ou professor de canto tem que parar de “ciscar” e
fazer uma escolha. (MILLER, 1986, p. xv) 18
A variedade de escolas, técnicas e abordagens pedagógicas disponíveis no
mercado põe o aluno informado em um momento delicado na hora de decidir com qual
professor estudar. Dependendo do professor, o aluno poderá treinar sua voz sob o
chamado método alemão, sob os preceitos da escola italiana ou pela tradição americana,
por exemplo. Mas as variáveis não se limitam às chamadas escolas nacionais. As
abordagens técnicas podem variar de um professor para o outro a ponto de mostrar-se
verdadeiramente antagônicas. Um aluno que estude com dois professores diferentes
pode, de um, receber instruções para distender o abdômen durante a sustentação do
som, e de outro, para encolher o abdômen. Um professor pode instruir o aluno a
direcionar o som para a frente, o outro, para trás. Um pode dizer que deve-se colocar a
voz na máscara, o outro, no corpo. O fato é que, via de regra, o aluno procura um
professor por que tem dificuldades – nos mais diferentes níveis – a vencer, e o processo
de ensino/ aprendizado de canto consiste basicamente em encontrar os meios para
vencer essas dificuldades.
Eis o que você deve procurar ao avaliar a instrução vocal. A técnica está de
acordo com a função livre e as leis da acústica vocal? Os propósitos dos
padrões vocais estão claros? O professor usa linguagem específica,
compreensível e precisa, evitando tanto o pseudocientífico quanto o
mitológico? Escute para perceber se a técnica e a interpretação estão em
equilíbrio, e verifique se a aula produziu resultados perceptíveis. Há um
senso de honestidade, falta de pomposidade, ausência de solicitude
exagerada, esquiva de um comportamento “Sr. Olimpo” da parte do
professor? As necessidades do aluno estão sendo atendidas? Sobretudo, a

17 No more perplexing task can well be taken up than the study of singing. Everybody knows that the
vocal student´s chances of success depend absolutely on the choice of a correct method of vocal training.
Yet so great is the confusion regarding methods of instruction in singing that a realization of this fact only
adds to the difficulties of the prospective student. A choice must be made, but the experience of countless
other faithful students warns the beginner of the perils attending the selection of an incorrect method. Not
alone the
worse thantime
thisand money
is the that mayofbeserious
probability wastedinjury
in vocal study
to the along
vocal wrongalines
organs, are to bewich
probability considered. Even
is attested by
many disappointed aspirants to fame.
18 Running from one famous teacher to another, from one master class to the next, from one symposium to
yet another, and reading each new “complete” vocal method published, may open some doors. Yet there
comes a time when the singer or teacher of singing must stop shopping around and make a choice.
aula gira em torno do aluno ou mais em torno do professor? (MILLER, 2001,
p. 218)19
Farah20 (2010), em dissertação sob o sugestivo título “Canto lírico – primazia da
técnica ou da estética?”, discute se o desenvolvimento do aluno seria um processo
técnico ou estético. Uma vez que nem o aluno nem o professor tem acesso visual ou

táctil ao aparelho vocal, o processo de ensino de canto se dá, quase que exclusivamente,
através do som. É claro que toda a informação fisiológica poderá trazer ao professor e
ao aluno indicações para uma emissão mais eficaz, mas a aplicação dessas informações
só poderá ser verificada através do som resultante. É comum o professor controlar de
forma mais direta questões ligadas à respiração, como o apoio, a distensão/ contração do
diafragma e a verificação de possíveis tensões indesejáveis em diversos pontos do corpo
causadas por uma respiração menos consciente. Sundberg (1987, p. 25) pondera,
inclusive, que os professores dão muita atenção à respiração no processo de ensino

justamente por que é o único aspecto da técnica que pode ser verificado a olho nu.
Quanto à emissão em si, resta ao professor orientar o aluno – seja através de
informações fisiológicas que não serão necessariamente verificadas, seja através de
imagens abstratas – até que se encontre a melhor sonoridade possível. É o que Farah
questiona: podemos afirmar que isto seja um procedimento puramente técnico? Se
pensarmos no processo de desenvolvimento vocal, de forma simplificada, como a busca
por um ideal sonoro, não seria este um processo mais baseado na estética do que em
preceitos técnicos?

Esta ponderação nos leva a questionar, também, os termos “ensino” e


“aprendizado” de canto. Se o professor tem de lidar com as dificuldades particulares do
aluno e junto a ele encontrar os meios para vencê-las, talvez fosse melhor o termo
“orientação” do que “ensino”. A palavra “ensino” pode trazer uma carga que remete à
transmissão de informações pré-estabelecidas, e muitas vezes os métodos necessários no
ambiente do aprimoramento vocal não dependerão unicamente dessas informações, mas

19 Here is what you should be looking for in evaluating voice instruction. Does the technique accord with
free function and the laws of voice acoustics? Are the purposes of the vocalization patterns made clear?
Does the teacher use specific, understandable, and accurate language, avoiding both the pseudoscientific
and the mythological? Listen to see if technique and interpretation are kept in balance, and determine if
the lesson produced some recognizable results. Is there a sense of honesty, a lack of pomposity, an
absence of cloying solicitousness, an avoidance of Mt. Olympian behavior on the teacher´s part? Are the
needs of the student being met? Above all, is the lesson about the student or mostly about the teacher?
Heliana Farah, professora da Escola de Música da UFRJ nas classes de História da Ópera e Oficina de
!'

Ópera.
de processos bastante particulares. Pode-se escpecular que, pelo menos hipoteticamente,
os resultados esperados de qualquer treinamento vocal sejam os mesmos: uma emissão
livre, sem tensões desnecessárias ou excessivas, que permita ao cantor expressar-se
artisticamente e executar com destreza mesmo as passagens mais virtuosísticas de todo
o repertório abordado. No entanto, na busca por um mesmo ideal sonoro, diferentes
professores podem tomar direções diametralmente opostas.
Essas considerações sobre os termos “técnica”, “ensino” e “aprendizado” são
feitas com o mero intuito de liberar deles possíveis conotações negativas que poderiam
se evidenciar em uma pesquisa que pretende ressaltar as características
individualizantes, e não generalizantes, da prática pedagógica do canto lírico. Não
deixaremos, no entanto, de utilizá-los ao longo do trabalho, pois também de forma
alguma consideramos os referidos termos errôneos. Utilizaremos, também, termos como
“treinamento” ou “método” quando eles parecerem mais adequados.
Para observarmos o ensino de canto no universo da pedagogia musical, achamos
interessante fazer agora uma breve revisão de algumas teorias em educação.

1.1 Tendências Pedagógicas

Libâneo21 (1985) identifica as atuais tendências pedagógicas nas escolas


brasileiras. Embora o autor contemple especificamente a realidade do ensino escolar,

podemos facilmente, ao observar as posturas pedagógicas inerentes a estas tendências,


fazer a ligação entre estas e a realidade do ensino de canto.
O autor divide as tendências pedagógicas atuais em liberais e progressistas.
Entre as liberais, aponta a tradicional, a renovada progressivista, a renovada não-
diretiva e a tecnicista. Entre as progressistas, aponta a libertadora, a libertária e a crítico-
social dos conteúdos. Vamos nos ater, aqui, apenas às tendências liberais, por serem
mais facilmente verificáveis nas nossas observações sobre o ensino de canto.
Segundo o autor:

O termo
como liberalser
costuma nãousado.
tem oAsentido de liberal
doutrina "avançado", ''democrático",
apareceu "aberto",
como justificativa do
sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos

!&
José Carlos Libâneo, doutor em Filosofia e História da Educação e mestre em Filosofia da Educação
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor da Universidade Federal de Goiás e da
Universidade Católica de Goiás.
interesses individuais na sociedade, estabeleceu uma forma de organização
social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também
denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma
manifestação própria desse tipo de sociedade. (LIBÂNEO, 1985, p. 5,6)

A tendência liberal tradicional visa preparar o aluno para ocupar o seu papel na
sociedade, fornecendo a ele os meios para desenvolver suas aptidões. O processo se dá
de fora para dentro.
Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm
nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades
sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do
cultivo exclusivamente intelectual. (LIBÂNEO, 1985, p. 6)

Na tendência liberal tradicional, os caminhos oferecidos a todos os estudantes


são os mesmos, e cabe àqueles alunos com mais dificuldade esforçar-se para alcançar o
mesmo nível de desenvolvimento. É clara a hierarquia professor-aluno, como é clara a
posição soberana do professor como detentor do conhecimento.
A tendência liberal renovada encara a educação como um processo interno, e o
aluno como sujeito do conhecimento. Apresenta-se em duas vertentes: a renovada
progressivista e a renovada não-diretiva. A progressivista, ou pragmática, valoriza a
experiência, a pesquisa e a descoberta. O ensino é voltado para as necessidades do
aluno, e os processos mentais são mais importantes do que os conteúdos pré-
estabelecidos. Analogamente, o processo de aprendizado é mais importante que o
conteúdo a ser aprendido.
A tendência renovada não-diretiva, como a progressivista, encara o aluno como

sujeito do conhecimento, e volta-se mais para a auto-realização, o desenvolvimento


pessoal do aluno e as relações inter-pessoais.
22. Embora hoje
O conceito de não-direção deriva do pensamento de Carl Rogers
intimamente ligado à educação, o termo surgiu do trabalho de um psicólogo, e
relacionava-se às práticas observadas em seu procedimento terapêutico. Após trabalhar
anos sob seus próprios preceitos – valorizando mais a experiência e o que os próprios
clientes apresentavam do que as teorias aprendidas – Rogers acabou por apresentar ao
mundo suas idéias sob esse conceito, o de não-direção. No entanto, como diz Kinget 23,

psicóloga e educadora que trabalhou diretamente com Rogers, “a noção de não-direção


22 Carl Rogers (1902-1987), psicólogo norte-americano. Autor de dezesseis livros, suas idéias
influenciaram não só a psicologia clínica, mas também a pedagogia e a psico-pedagogia.
23 G. Marian Kinget (1910-1997), belga naturalizada americana, educadora e psicóloga.
não é a idéia fundamental desta psicoterapia”, e “a abstenção pura e simples nada
produz de importante em qualquer campo humano”. (ROGERS e KINGET, 1975, p.
23). A autora relata que, ao praticarem a psicoterapia de maneira praticamente idêntica à
de Rogers, outros membros de sua equipe não obtinham os mesmos resultados.
Observou-se que aqueles que fracassavam na terapia não-diretiva utilizavam essa
abordagem sem nenhum envolvimento pessoal. Segundo Kinget:
Observações deste gênero, acrescidas de certos progressos de seu próprio
pensamento, levaram Rogers a concluir que o importante nesta psicoterapia
não é a ausência de diretivas, mas a presença, no terapeuta, de certas atitudes
em face do cliente e de uma certa concepção das relações humanas. Isto é, ele
percebeu que a essência de sua abordagem consistia menos num modo de
agir do que num modo de ser. (ROGERS e KINGET, 1975, p. 27)

O termo “abordagem não-diretiva” foi, então, substituído pelo termo


“abordagem centrada no cliente”. A empatia do terapeuta com relação ao cliente é
absolutamente necessária, e ele “deve esforçar-se por imergircom o cliente no mundo
subjetivo deste.” (ROGERS e KINGET, 1975, p. 28) A não-direção, como método, é em
última análise uma conseqüência do pensamento do cliente como o centro da terapia.
Embora possa parecer difícil observar essa prática no universo da educação
convencional (se pensarmos em uma turma grande e heterogênea, com um professor e
um conteúdo pré-estabelecido a ser apresentado), no universo do estudo do canto lírico
essa prática nos parece bastante apropriada. As aulas de canto são – via de regra –
individuais, e o processo de estudo de canto, pela natureza humana do instrumento, é
extremamente afetado por questões psicológicas.
Como diz Boainaim Jr. (1998):
O que [Rogers] estava desenvolvendo e defendendo era uma abordagem não
centrada na expertise e na atuação intrusiva e direcional do terapeuta como os
fatores responsáveis pela mudança no paciente. Ao contrário, enfatizou que o
maior potencial da mudança residia na surpreendente capacidade docliente
(denominação que passou a advogar em oposição à conotação de passiva
incapacidade implícita na designação paciente) para reorganizar sua própria
experiência, por meio de insights propiciados pela estrutura permissiva da
consulta, em configurações mais sadias e adaptativas. A função do terapeuta,
assim, não deveria mais ser tomar as rédeas do processo, dirigindo a
investigação, a análise, a reflexão, as atitudes e os procedimentos
relacionados à solução dos problemas apresentados pelo consulente, mas tão-
somente deveria estar voltada a favorecer a liberação e o exercício das
tendências e potenciais transformadores do próprio cliente, os quais o
tornariam capaz,
apresentados, independentemente
de fazer frente às questõesdee dificuldades,
quais fossempresentes
os problemas
e futuras,
com que se defrontasse em seu processo de desenvolvimento. (BOAINAIN
JR., 1998, p. 80)
A tendência liberal tecnicista, nas palavras de Libâneo, “subordina a educação à
sociedade, tendo como função a preparação de "recursos humanos (mão-de-obra para
indústria)”. (LIBÂNEO, 1986, p. 8) O objetivo da educação, na tendência liberal
tecnicista, é preparar o aluno para sua inserção na máquina social. Pode-se dizer que,
enquanto na tendência liberal tradicional a figura mais importante é a do professor e na
tendência liberal renovada o foco é no aluno, na tendência liberal tecnicista o conteúdo
em si é mais importante do que ambos.
Álvares 24 (2006) aborda a questão da educação musical apontando diferentes
possibilidades de postura frente à situação do ensino/aprendizado da música. O autor
apresenta três vertentes no ensino proposicional: o racionalismo, o empirismo e o
pragmatismo.
O racionalismo valoriza o conhecimento gerado “a partir da análise racional de
idéias independentes de dados empíricos: cogito, ergo sum – penso, logo existo (René
Descartes, 1596-1650)” (ALVARES, 2006, p. 431). Esse pensamento foi a base sobre a
qual os primeiros estudos musicais foram feitos,
a princípio com ênfase no fenômeno acústico e na construção das escalas,
bem como no estudo da relação da música com os campos da aritmética,
geometria e astronomia, além da investigação dos efeitos da música sobre o
caráter humano (doutrina de ethos). (ALVARES, 2006, p. 431)

Segundo o autor, desse início deriva o pensamento (ainda presente) da educação


musical como o estudo da teoria musical.
O empirismo, apesar de, como o racionalismo, também admitir a existência do
saber “como um contexto fixo e imutável de verdades fundamentais independentes do
tempo e do espaço” (p. 432), valida apenas aquilo que possa ser de alguma forma
verificado, excluindo qualquer doutrina baseada apenas em crenças ou valores
absolutos. O autor lembra a afirmação de Locke25 de que “o mundo só é conhecido de
forma indireta, e, por isso, toda teoria constitui uma hipótese, não uma certeza, devendo
estar sempre suscetível à verificação.” (p. 432)
O pragmatismo, segundo Álvares,
pode ser encarado como uma emanação protuberante do empirismo,
refinando e aprimorando modelos empíricos num esforço direcionado a

!#
Sergio Álvares, professor doutor da Escola de Música da UFRJ.
!)
John Locke (1632-1704), filósofo inglês ligado ao liberalismo, principal representante do empirismo
britânico.
facilitar a aplicação dos resultados da pesquisa acadêmica em ação e prática
direta. (ÁLVARES, 2006, p. 433)

O autor aponta alguns fatos como fundamentais para o desenvolvimento do


pragmatismo: a teoria da evolução de Jean-Baptiste de Monet Lamarck (1744-1829) e
Charles Darwin (1808-1882), a teoria da relatividade de Albert Einstein (1879-1955), a
descoberta de Niels Bohr (1885-1962) sobre o campo eletromagnético e a observação
de que o ambiente influencia o comportamento do indivíduo, e o surgimento da
psicologia da Gestalt, segundo a qual o todo é mais do que a soma das partes. Enquanto
o empirismo propõe o ensino e a aprendizagem como uma relação de causa e efeito, o
pragmatismo os propõe como um processo interativo.
[...] a solução para um determinado problema em uma situação específica
poderia não ser necessariamente adequada a outra situação, quebrando assim
vários tabus de credibilidade estatística, científica e acadêmica, e dando
espaço para novas áreas de pesquisa, como a etnografia. (ÁLVARES, 2006,
p. 434)

Com esses conceitos em mente, podemos observar o ensino/aprendizado de


canto sob uma ótica pedagógica geral, segundo as idéias de Libâneo, e ainda sob um
olhar mais específico da educação musical, segundo as idéias de Álvares. Não é difícil,
antes ainda, identificar relações entre as teorias dos dois autores. Podemos, por
exemplo, associar a tendência liberal tradicional apontada por Libâneo ao racionalismo
exposto por Álvares, dada a noção do conteúdo como pré-estabelecido e a visão do
professor como soberano do processo.
Uma ponderação sobre o ensino de canto sob parâmetros racionalistas é exposta
por Miller (1986):
Há professores que acreditam que o que é ensinado na privacidade de seu
estúdio é único, e querem continuar assim. Estão convencidos de que eles, e
talvez seus professores, detém um sistema notável. Não há necessidade de
saber o que os outros fazem. Cantores bem sucedidos, novos na profissão de
professores, podem deduzir que o que foi ensinado a eles quanto os aspectos
técnicos do canto é tudo o que tem para saber. Essas mesmas informações são
passadas para todos os alunos. Esta filosofia pedagógica questionável é
baseada no princípio de clonagem: “Assim é como o meu professor fez, e
como eu faço, então você deve imitar.” As taxas de sucesso em clonagem de
técnica vocal não são altas, por que a imitação na performance pode ocultar a
individualidade de cada instrumento vocal. Embora grande parte da função
seja comum a todos que cantam, é ingênuo admitir que dois indivíduos, nesse
caso professor e aluno, terão estruturas físicas, tipos vocais, psiques,
sensações
chega proprioceptivas
à pedagogia vocale conceitos
como se musicais
ela fosseidênticos. O professor
inteiramente baseadaqueem
experiência pessoal opera em um vácuo artístico e intelectual. (MILLER,
1986, p. 202)26

A idéia de abordagem centrada no cliente parece-nos bastante apropriada para a


o ensino de canto lírico. Como veremos mais adiante neste mesmo capítulo, os alunos
de canto normalmente não terão as mesmas dificuldades, portanto uma atitude
pedagógica que encare o trabalho vocal como um processo fechado ou um conjunto de
informações pré-estabelecidas a ser transmitida dificilmente será efetiva para todos.
Defendemos aqui que o processo deve ser guiado pelas necessidades do aluno, e que
cabe ao professor estar atento a estas necessidades. O conceito de não-direção pode ser
aplicado ao deixar que as dificuldades simplesmente se apresentem e sejam trabalhadas,
ao invés de indiscriminadamente fornecer aos alunos as informações técnicas de acordo
com o conteúdo previamente estabelecido pelo próprio professor. Segundo Miller
(2004):
Exercícios devem ser criados e ajustados ao nível de performance e
necessidades técnicas do aluno. Estilos de ensino devem ser modificados para
que se adaptem à personalidade do aluno como indivíduo. Um bom instrutor
não passará informações para todos os alunos dentro do mesmo espaço de
tempo ou pelos mesmos procedimentos. Uma das grandes alegrias de ensinar
vem do ato de acomodar o estilo pessoal às diversas psiques a ser ensinadas.
(MILLER, 2004, p. 211)27

O pragmatismo exposto por Álvares também parece muito pertinente ao ensino


de canto, visto que, mesmo que um determinado método tenha se mostrado bastante
eficaz com um determinado aluno, a eficácia do método nesta situação não basta para
que se possa afirmar que ele surtirá o mesmo efeito em outro. Se considerarmos que
cada aluno encontrará dificuldades diferentes, e que cada professor que o aluno procurar

26 There are teachers who believe that what is imparted in the privacy of their studio is unique, and they
want to keep it that way. They are convinced that they, and perhaps their former teacher, have stumbled
upon a remarkable system. There is no need to know about what anyone else does. Successful singers new
to the teaching profession may assume that what was taught them regarding the technical aspects of
singing is all there is to know. That same information is to be passed on to every student. Such
questionable pedagogic philosophy is based on the principle of cloning: “This is how my teacher did it,
and how I do it, so you must imitate it”. Success rates in technical voice cloning are not high, because
performance mimicry can belie the individuality of each vocal instrument. Although there is a large
degree of function that is common to all who sing, it is naïve to assume that two individuals, in this case
teacher and student, will have identical physical structures, voice types, psyches, proprioceptive
sensations, and musical concepts. The teacher who comes to voice pedagogy as though it were based
entirely on personal experience, operates in an intellectual and artistic vaccum.
27 Exercises should be devised and adjusted to the performance level and technical needs of the student.
Teaching styles ought to be modified to mesh with the personality of the individual student. A good
instructor will not deliver information to all students within the same span of time or by the same
procedure. One of the great joys of teaching comes in accommodating one´s personal style to the diverse
psyches being taught.
trabalhará essas dificuldades de forma diferente, podemos talvez afirmar que cada
processo de desenvolvimento vocal será único. Enveredando por esse caminho, por
mais que haja um ideal sonoro mais ou menos pré-estabelecido, e que o funcionamento
vocal eficaz exija certos padrões mecânicos, torna-se realmente difícil falar em uma
“técnica vocal” absoluta a ser ensinada, aprendida e dominada. O treinamento vocal de
cada aluno individualmente, sob essa ótica, pode ser encarado como um processo
pragmático. Como diz Miller (2004):

Cada indivíduo tem uma identidade distinta. Nós aprendemos de várias


formas. Algumas pessoas são orientadas visualmente, outras respondem
melhor auditivamente ou sinestesicamente. Apesar da individualidade,
compartilhamos características físicas básicas. Do ponto de vista da ação
física, quando corpos funcionam bem durante o canto, eles seguem leis
fisiológicas e acústicas explícitas, canalizadas através das propensões de cada
indivíduo. (MILLER, 2004, p. 210, 211) 28

Álvares (2006) apresenta, também, vertentes do que ele chama de ensino não
proposicional. Segundo o autor:
Apesar do valor histórico das teorias proposicionais, tais pensamentos,
contribuições, princípios e procedimentos tornam-se limitados como
fundamentos abrangentes para uma educação musical contemporânea, na
medida em que se fundamentam em convicções nas quais o saber sobre
música pode ser adquirido sistematicamente, em vez de fundamentar-se numa
visão da música como um modo de saber, tendo assim um valor educacional
distinto e não-proposicional. Como profissionais, os educadores musicais
devem levantar questões sobre a autenticidade, a veracidade e a realidade do
ensino e da aprendizagem musical antes de determinarem como, quando e o
que deve ser ensinado e aprendido. Tais indagações surgem, em grande parte,
pelo fato de que as teorias epistemológicas até o início do século XX
fundamentaram-se majoritariamente no conceito do saber proposicional, ou
seja, no “saber o quê?” – uma forma de saber que não empossa a magnitude
do amplo significado universalmente associado à música. (ÁLVARES, 2006,
p. 434)
A compreensão da habilidade humana de transformar simbolicamente sua
experiência e, portanto, sua habilidade de saber e compreender tem sido
limitada pela ênfase no modo conceitual do pensamento associada ao saber
proposicional e às ciências. (Álvares, 2006, p. 437)

Âmbitos não-científicos da vivência humana como a arte, o misticismo e a


religião possibilitaram a expansão do conceito de saber com a inclusão do saber não
proposicional. O autor destaca três vertentes: o construtivismo, a semiologia e o
procedimentalismo.

28 Each individual has a distinct identity. We learn in various ways. Some persons are visually oriented,
others best respond aurally or kinesthetically. Despite individualism, we share basic physical
commonalities. From the standpoint of physical action, when bodies function well during singing, they
follow explicit physiologic and acoustical laws, channeled through the propensities of each individual.
O construtivismo, segundo Álvares, estimula o aluno a construir seu próprio
conhecimento numa perspectiva integrada dos conteúdos do programa de ensino, e a
relacionar as informações adquiridas com suas experiências pessoais, possibilitando um
aprendizado mais orgânico.

A tese central do construtivismo é que o mundo como nós o percebemos é


uma construção da mente humana. Diferentemente dos animais, os seres
humanos transformam suas experiências no mundo natural através da criação
e imposição de formas e imagens que se personificam em traços salientes e
lapidam-se para reconhecimento e memória. O que o ser humano constrói no
mundo real é uma questão significantemente muito mais importante do que
qualquer definição sobre o que possa ser verdadeiramente considerado como
realidade num sentido objetivo. (ÁLVARES, 2006, p. 435)
A semiologia e a semiótica foram desenvolvidas por Ferdinand Saussure
(1857-1913) e Charles Pierce (1926-1999) respectivamente, e observam as formas
comunicação como sistemas de significação.
Segundo Cassirer, existem também os modos intuitivo e expressionista; o
primeiro fundamenta-se
emoção nos sentidos,
e na experiência enquanto
afetiva, sendo o segundoem
encontrado fundamenta-se na
manifestações
artísticas e mitológicas. Susanne Langer (1895-1985) estendeu o trabalho de
Cassirer, investigando em que plano a música e as outras artes poderiam estar
epistemologicamente associadas ao campo da emoção e do afeto. Sua
explicação baseia-se na distinção entre simbolismo convencional e
representativo. Por um lado, os símbolos convencionais são associados com a
linguagem e a matemática, e oferecem uma função designativa, referindo-se
a algum aspecto da experiência, e fornecendo informação generalizada ou
abstrata. Por outro lado, os símbolos representativos concretizam os
sentimentos de modo que seja possível trasmiti-los sem ajuda verbal ou
figurativa. Langer sustentava seu argumento na aparente similaridade das
formas e padrôes encontrados na música com a fluência e vazão das
experiências humanas do cotidiano. (Álvares, 2006, p. 437)

Segundo Álvares (2006), a visão da música como símbolo representativo teve


grande influência na inclusão do ensino de música no currículo escolar.
O procedimentalismo valoriza o fazer, o procedimento.

A música, como um modo de saber, não pode ser definida por nenhum gênero
em particular, tradição histórica ou qualquer tipo de experiência musical
específica, mas sim pelas múltiplas maneiras nas quais o evento musical pode
ser modelado ou construído em qualquer dado momento do percurso
histórico. O conceito de Ryle (1949) do saber procedimental ajuda na
definição de uma nova orientação à epistemologia musical, na qual o saber
não está simplesmente restrito a um critério ou a outros símbolos, mas
manifesta-se essencialmente por meio do fazer. (ÁLVARES, 2006, p. 438)

Ryle (1949 apud Álvares, 2006) diz que, embora o relógio em bom
funcionamento marque sempre a hora certa e a foca no circo realize com perfeição seus
movimentos, não se pode dizer que eles sejam “inteligentes”. Inteligência seria, para o
autor, a capacidade de perceber erros, corrigi-los e repetir os acertos, numa ação
criteriosa que busca conscientemente o acerto ao invés de estar apenas condicionado a
ele.
Para Álvares (2006):

A educação musical deve ser direcionada dentro de um panorama filosófico


que reflita as várias camadas diferentes do significado do potencial da música
quando a música é vivenciada como objeto, e dos significados possíveis
somente por meio da apreciação, da prática interpretativa e da criação
musical. (ÁLVARES, 2006, p. 439)

O processo de treinamento de canto lírico pode se beneficiar muito se realizado


à luz das questões que envolvem o saber não-proposicional. Um pensamento
construtivista talvez possibilitasse ao aluno uma maior consciência sonora e mecânica
de seu aparelho e uma compreensão mais ampla das manobras técnicas, admitindo
como real apenas aquilo que efetivamente contribuísse para o domínio de seu
instrumento, revelando-se realmente eficaz no seu desenvolvimento vocal. Uma
abordagem semiológica, por outro lado, poderia ajudar a esclarecer certas questões de
comunicação entre professor e aluno, geradas pela falta de uma linguagem comum. Um
pensamento sobre o saber procedimental poderia ser de grande valia em um processo de
ensino/ aprendizado que, pela natureza do instrumento vocal, não pode ser verificado
diretamente, apenas pelo resultado apresentado. Um aluno pode adquirir total domínio
físico sobre seu aparelho vocal sem que esse domínio seja consciente, o que pode não
trazer grandes problemas para o cantor que consiga manter sua técnica mesmo que de
forma instintiva ao longo de sua carreira, mas, como veremos mais adiante, pode se
revelar um fator limitador para o cantor que decide dedicar-se também ao ensino.

1.2 O ensino/ aprendizado de canto lírico

Agora que revisamos algumas teorias em educação, podemos voltar um olhar


mais específico para o ambiente de ensino/ aprendizado de canto lírico, onde, como
vimos, uma abordagem baseada no pragmatismo e na abordagem não direta pode ser
benéfica. O processo de ensino de canto lírico difere muito do ensino de instrumentos, e
vamos neste momento estudar as particularidades deste processo. Miller (2006b) diz:

O instrumento vocal não precisa ser construído, ele está disponível para uso
imediato. Alojado em uma máquina física, ele recebe seu ímpeto de
parâmetros mentais e espirituais da personalidade humana. Sua
adaptabilidade em canalizar comunicação é a fundação em que civilizações
humanas são construídas. (MILLER, 2006b p. 203)29

O instrumento vocal, como diz Miller, está disponível para uso imediato, mas
não necessariamente está, a princípio, apto a produzir os sons inseridos nos padrões do
canto lírico. A fonação depende de diversos fatores físicos, todos eles obviamente
comandados pela mente. Aprender a cantar, portanto, envolve não só processos físicos,
mas também mentais. Ao mesmo passo em que o aluno tem de desenvolver um som
próprio, livre, ele também tem de desenvolver em sua mente um conceito de som. Como
diz Taylor (1908):

Cantar é uma função natural dos órgãos vocais. Aprender a cantar


artisticamente não envolve o distanciamento de processos naturais e
instintivos. O treinamento da voz consiste na aquisição de habilidade no uso
dos órgãos vocais, e nada mais.
Sob condições normais os órgãos vocais ajustam-se instintivamente,
operando as contrações musculares necessárias, para atender às demandas do
ouvido.
primeiroPara
lugarqueque
umo som musical
ouvido seja perfeito
apuradoseja produzido
e bem é necessário
treinado. Somente emum
ouvido assim pode saber exatamente como é um som perfeito, e assim
demanda-lo da voz. Segundo, os órgãos vocais devem fazer repetidos
esforços para produzir o som perfeito, aproximando-se a cada tentativa do
som concebido mentalmente. Dois elementos, portanto, estão envolvidos no
treinamento da voz: primeiro, o cultivo do sentido da audição; segundo, a
aquisição de habilidade no uso da voz pela prática do canto. (TAYLOR,
1908, p. 276)30

Também Miller (1996) atesta a importância do desenvolvimento do ouvido do


aluno:
Ensinar alguém a cantar frequentemente torna-se ensinar o outro a cantar
como quem ensina. Ensinar alguém a ouvir a voz e a diferenciar os timbres e
as manobras
permitir físicascantor
que cada e acústicas que produzem
individualmente faça oasseudiferenças entreNão
auto-ensino. elesé éo

29 The vocal instrument does not need to be constructed, it is available for immediate use. Lodged in a
physical machine, it receives its impetus from mental and spiritual parameters of human personality. Its
adaptability in channeling communication is the foundation on which human civilizations are built.
30 Singing is a natural function of the vocal organs. Learning to sing artistically does not involve a
departure from natural and instinctive processes. The training of the voice consists of the acquirement of
skill in the use of the vocal organs, and of nothing more.
Under normal conditions the vocal organs instinctively adjust themselves, by performing the necessary
muscular contractions, to fulfill the demands of the ear. In order that a perfect musical tone be produced
it is necessary in the first place that the ear be keen and well trained; only such a ear can know the exact
sound of a perfect tone, and so demand it of the voice. Second, the vocal organs must make repeated
efforts to produce the perfect tone, each response approaching nearer to the mentally-conceived tone.
Two elements are therefore involved in the training of the voice; first, thecultivation of the sense of
hearing; second, the acquirement of skill in the use of the voice by the actual practice of singing.
professor que deve ensinar a voz, é o aluno que deve desenvolver a
habilidade de ouvir a voz. 31 (MILLER, 1996, p. 46)

Hines (1984) entrevista diversos cantores de carreira internacional sobre


técnica vocal. Alguns dos entrevistados acreditam não ser possível ensinar canto. De
uma maneira geral, os que sustentam essa opinião acham que um bom instrumento “já
vem pronto”, e não se pode “criar” uma voz. A particularidade do ensino de canto
mostra-se também nesse aspecto. Como lembra Reid 32 (1950):

Diferente do instrumentista que precisa progredir sistematicamente através de


uma série de exercícios graduais para adquirir destreza e habilidade manuais,
o cantor pode ter uma técnica vocal perfeita sem nunca ter tido uma aula.
Assim, há casos em que cantores tornaram-se famosos internacionalmente
sem nunca ter estudado canto. Por outro lado, outros estudaram
diligentemente por seis ou mais anos sem obter progressos além da primeira
aula. (REID, 1950, p. 163)33
No entanto, não podemos confiar na idéia radical de que só os indivíduos com
instrumentos favoráveis e boa pré-disposição poderiam, através de um treinamento
musical, atingir o sucesso no canto. Não podemos, também, evidentemente, desprezar a
possibilidade de um indivíduo que apresente dificuldades de emissão resolver essas
dificuldades através de treinamento. Os exemplos extremos apontados por Reid não
passam disso – extremos. Além disso, não obstante a opinião de alguns de que não é
possível ensinar canto, efetivamente estudantes procuram auxílio diariamente para
aprender a cantar. Os professores continuam a recebe-los, e esses estudantes precisam
ser treinados. Stanley 34 (1931) diz:
A crença de que uma grande voz é o resultado de certos dons anatômicos e
peculiaridades do indivíduo
Essa idéia é totalmente que aÉpossui
falaciosa. tem sido
teoricamente mantida
possível universalmente.
para qualquer voz
humana produzir sons iguais ou melhores do que aqueles produzidos pelo
melhor artista vivo. O que, no passado, acreditava-se ser a “voz natural” do

31 Teaching someone to sing often becomes teaching someone else to sing the way one sings oneself.
Teaching someone to hear the voice and to discriminate among timbres and the physical and acoustic
maneuvers that produce the differences among them is to allow each individual singer to do his or her
self-teaching. It is not the teacher who must teach the voice, it is the student who must develop an ability
to hear the voice.
(!
Cornelius Reid (1911-2008), professor de canto norte-americano.
33 Unlike the instrumentalist who must systematically progress through a series of graded exercises to
acquire manual dexterity and skill, the singer may have a perfect vocal technique without ever having had
a lesson .Thus, there are instances where singers have become world famous without ever having studied
voice. On the other hand, others have studied diligently for six or more years without having progresses
beyond the first lesson.
(#
Douglas Stanley (1890-?), cientista e professor de canto inglês, importante autor voltado para a técnica
vocal com foco científico.
cantor ou locutor é, na verdade, meramente o estado de seu equipamento
técnico. Treinamento vocal deveria de fato consistir na verdadeira “criação”
de uma “voz natural” em constante melhora. O grau em que o aluno pode ser
treinado depende de sua sociabilidade e talento inato sobre seu equipamento
vocal natural. (STANLEY, 1931, p. 407)35

Sobre os alunos que não apresentam dificuldades vocais, Miller (2006) diz:
É um prazer ter alunos que apresentam poucos problemas vocais, mas ensinar
tais pupilos não é realmente ensinar canto, e sim um coaching sofisticado e
preparação para performance. O professor que ajuda o cantor menos natural a
estabelecer uma base técnica sólida é um verdadeiro professor de canto. O
potencial do aluno precisa ser descoberto, e meios técnicos oferecidos para
retificar problemas que impedem uma ótima performance. (MILLER, 2006,
p. 200)36
Podemos apontar, então, duas situações distintas: o aluno que não apresenta
dificuldades, para o qual o estudo será apenas um treinamento para estabelecer e
aprimorar suas aptidões prévias, e o aluno que apresenta dificuldades, para o qual o
estudo será realmente necessário para corrigir seus defeitos de emissão e condicionar
seu aparelho fonador ao funcionamento otimizado. De qualquer forma, a classificação
vocal só poderá ser atestada quando o aluno adquirir uma segura e estável emissão
vocal. Quanto aos alunos que não apresentam dificuldades, o desenvolvimento
certamente dar-se-á mais rápido, e as características que levarão à classificação vocal
mostrar-se-ão mais claramente desde o início do processo. Apesar disso, como já
dissemos anteriormente, muitas vezes as dificuldades do aluno devem-se a uma
classificação errônea, ou a uma busca equivocada por inserir os sons produzidos nos
padrões esperados para seu tipo vocal – ou para o tipo vocal que o aluno acredita ter.
Portanto, é preferível desenvolver a voz do aluno ao menos o suficiente para que ele se
sinta confortável e seguro ao longo de uma extensão razoável para só então proceder à
classificação.

35 The belief that a great voice is the result of certain anatomical gifts and peculiarities of the individual
possessing it has been universally held. This idea is totally fallacious. It is theoretically possible for any
human voice to produce sounds equal to or better than those phonated by the greatest living artist. What
has, in the past, been believed to be the “natural voice” of the singer or speaker is, in actual fact, merely
the state of his technical equipment. Vocal training should in effect consist in the actual ‘creation’ of an
ever-improving “natural voice”. The degree to which the pupil can be trained depends rather upon his
tractability and innate talent upon his natural vocal equipment.
36 It is a pleasure to have students who exhibit few vocal problems, but teaching such pupils is not really
teaching voice so much as it is sophisticated coaching and performance preparation. The teacher who
helps the less natural singer establish a solid technical basis is a real voice teacher. The potential of the
student must be discovered and technical means offered for rectifying problems impeding fine
performance.
1.3 O papel do professor

Pelo que pudemos ver, Stanley (1931) acredita que, ao menos em teoria,

qualquer indivíduo pode atingir a excelência na emissão através de treinamento. A


função do professor, para alunos com necessidades diferentes, mostrar-se-á também
diferente em cada caso. Caberá ao professor investigar e conhecer as características
vocais de cada aluno, compreender suas dificuldades e encontrar os meios para que,
juntos, possam vence-las. Por fim, não importando os diferentes estágios iniciais dos
alunos, se observados os resultados após a superação das dificuldades e a aquisição do
domínio técnico, o trabalho do professor tende a tornar-se menos evidente. Miller
(1986) diz:

Não é fácil acessar o impacto do professor de canto no artista bem sucedido.


Um balanço final dos resultados dos esforços pedagógicos em cantores
profissionais pode não mostrar-se tão favorável quanto a profissão de
professor de canto poderia desejar. (MILLER, 1986, p. 212) 37

Com efeito, pode-se imaginar que haja casos em que o professor não tenha de
fato tanta influência no resultado final de um aluno quanto ele, ou o públi
co, acreditam.
A facilidade de um determinado aluno pode ser suficiente para que o seu treinamento
seja bem sucedido, não importando o professor. Por outro lado, pode-se imaginar
também que muitas vezes o aluno causa uma impressão tão segura ao cantar que o
público imagina ser o seu canto puramente natural, quando na verdade aluno e professor
trabalharam muito tempo para que as dificuldades fossem vencidas e a aparente
naturalidade fosse adquirida.
Os professores de canto em nosso tempo normalmente são cantores que em um
determinado momento decidem dedicar-se também ao ensino, ou pessoas que
efetivamente estudaram canto mesmo que não tenham feito necessariamente uma
carreira. Muitas pessoas imaginam que o sucesso no canto assegura o sucesso como
professor. Miller (1996) pondera sobre essa questão:

37 It is not easy to assess the impact of the voice teacher on the successful artist. A final accounting sheet
on the result of pedagogical efforts in professional singing careers might not prove to be as favorable as
the voice teaching profession might wish.
Não se vai alegremente para o ensino por que se tem a capacidade de cantar
bonito. Ensino apurado resulta da aquisição de informação e habilidade
pedagógica, não de sucesso na carreira de performance. Sem dúvida, o
número de cantores de primeira linha em qualquer geração que foram
grandes professores de canto podem ser contados nos dedos de uma mão ou
duas. É válido notar que no século XVIII muitos dos mais respeitados
professores de canto eram compositores de ópera. (É também verdade que
muitos compositores dos primórdios da ópera eram, eles mesmos, cantores.)
No entanto grandes professores de canto não eram frequentemente
conhecidos por excelência na performance. Típico é Manuel Garcia Filho,
conhecido como o maior professor de canto do período de transição de estilos
vocais da primeira para a segunda metade do século XIX. Ela não era um
cantor bem sucedido, embora este tenha sido o primeiro objetivo dele e de
sua família. 38 (MILLER, 1996, p. 33)

Não podemos, é claro, excluir a possibilidade de um cantor bem sucedido obter


sucesso também no ensino. Mas, ao retornar para a sala de aula, desta vez na posição de
professor, terá o cantor as ferramentas para realizar com um aluno o treinamento técnico
que ele recebeu de seu(s) professor(es)? Mesmo se considerarmos que o professor
neófito já vinha mantendo um olhar atento aos aspectos pedagógicos do canto durante
seus estudos (a fim de se preparar-se também para a carreira de professor), podemos
afirmar quais seriam os aspectos pedagógicos a ser observados? O que pode contribuir
para que o professor de canto adquira ferramentas que dêem conta das peculiaridades do
ensino de canto? Miller (2006) afirma:

O principal pré-requisito para ensinar canto hoje não é nenhum dos


seguintes: um ouvido fabuloso, musicalidade excelente, gosto altamente
refinado, personalidade efervescente, boa vontade, ou uma carreira de
sucesso no canto, embora todos esses fatores ajudem. O principal pré-
requisito é saber o que não está funcionando em uma voz cantada e como
corrigi-lo. É precipitado achar que alguém pode alcançar uma avaliação sábia
emáquina
consistentemente
vocal opera.precisa e resolução
39 (MILLER, 2006, p. se
200)não sabe nada sobre como a

38 One does not go blithely into teaching because one is capable of singing beautifully. Master teaching
results from the acquisition of pedagogical information and skill, not from performance carrer success.
Without doubt, the number of premier singers in any generation who have been great voice teachers
could be counted on the fingers of a hand or two. It is worth noting that in the eighteenth century many of
the most respected singing teachers were opera composers. (It is also true that many composers of early
opera were themselves singers of sorts.) Yet major singing teachers were not often known for
performance excelence. Typical is Manuel Garcia the younger, acknowledged as the major teacher of the
transition period in vocal styles from the first to the second half of the nineteenth century. He was not a
successful performer, although that was his srcinal goal and that of his family for him.
39 The main prerequisite for teaching singing today is none of the following: a fabulous ear, excellent
musicianship, highly refined taste, a bubbling personality, goodwill, or a successful singing carrer,
although all of these factors are helpful. The main prerequisite is to know what is malfunctioning in a
singing voice and how to correct it. It is foolhardy to think one can reach a wise and consistently accurate
assessment and resolution if one does not know something about how the vocal machine operates.
A afirmação de Miller, evidentemente, leva em conta a situação atual do
professor de canto, com a possibilidade real de contato com toda a ciência disponível
sobre o aparelho vocal e seu funcionamento. No entanto, não podemos ignorar que,
durante todo o tempo em que essa informação não era conhecida, e ainda até hoje,
professores obtiveram sucesso em desenvolver as potencialidades vocais de seus alunos
sem um conhecimento fisiológico profundo, ou mesmo sem conhecimento fisiológico
algum. O ensino, nestes casos, é guiado puramente pelo ouvido. Levando esses casos
em consideração, podemos entender que quando Miller diz que o principal requisito do
professor é identificar o que não está funcionando e corrigir, isso não significa
necessariamente que o trabalho será feito através de conclusões e direções puramente
fisiológicas (e, em última análise, de pouco efeito prático para o aluno que não tem
controle direto sobre o mecanismo vocal). Sobre a necessidade do conhecimento
científico por parte do professor, voltaremos a falar mais adiante no mesmo capítulo.
Por hora, o que nos interessa é que, independente dos mecanismos pedagógicos
empregados pelo professor, sua função principal é perceber no aluno seus defeitos de
emissão e ajuda-lo a corrigi-los.
Achamos conveniente aqui, mais uma vez, lembrar a questão da abordagem
centrada no indivíduo. Mais importante do que os preceitos técnicos empregados pelo
professor é a sua habilidade de perceber no aluno onde estão as suas dificuldades e,
principalmente, apontar caminhos para que essas dificuldades possam ser superadas. E,

particularmente para a questão da classificação vocal, é essencial que o professor tenha,


além de conceitos sonoros muito claros ao preparar o aluno, muita atenção às
particularidades deste, sem sucumbir a uma avaliação superficial baseada apenas na
identificação dessas particularidades com os conceitos prévios. Como veremos no
terceiro capítulo, muitas vozes podem dar a falsa impressão de pertencer a uma
classificação que não a sua, seja pela dificuldade de emissão ou por terem essas vozes
características verdadeiramente ambíguas. O professor deve, também, estimular o aluno
a ouvir e compreender o seu próprio instrumento, e não simplesmente reproduzir aquilo

que ele ensina. Miller (1986) desconstrói toda a noção tradicional de aprendizado com
relação ao canto ao afirmar:
[...] todos os cantores devem ser seus próprios professores. Aprender a cantar
envolve unificação do ouvido musical, o controle do corpo e a inteligência
criativa, um ato de integração artística que não pode ser imposto ao cantor de
fora para dentro. Nesse sentido, nenhum professor ensina nenhum cantor a
cantar. 40(MILLER, 1986, p. 214)

Clippinger (1917, p. 14) afirma que o conhecimento da arte de ensinar canto


começa quando o professor recebe seu primeiro aluno, e não antes. Com efeito, em
qualquer prática pedagógica, a eficiência da preparação do professor só poderá ser
atestada na observação da transformação do aluno, ou seja, das teorias pedagógicas
postas em prática. Se os alunos de canto não terão sempre as mesmas dificuldades, logo,
o professor, ao longo de sua carreira, estará também sempre aprendendo. E, segundo
Miller (2004), esse aprendizado por parte do professor não se refere apenas aos
procedimentos didáticos:
Embora haja alguns cantores naturalmente coordenados que alcançam um
certo nível de habilidade técnica sem precisar entender profundamente como,
cantar em si é uma competência que deve ser construída através de
reconhecimento e eliminação de manobras técnicas falhas. O cantor
transformado professor deve considerar as causas de um problema técnico do
aluno, e diagnostica-lo
Nesse processo, com está
o professor precisão antes de
redefinindo recomendar
e clareando uma prescrição.
os princípios pelos
quais ele canta. São Paulo sabiamente lança a questão: “Vocês que ensinam
outro, não ensinam a vocês próprios?” (MILLER, 2004, p. 208)41

Diversas fontes, de diversas épocas, apontam a decadência da arte do canto.


Reid (1950) revela três fatores que aponta como motivos para essa decadência:
confusão das nomenclaturas, a aparição do professor “virtuoso” e a entrada do
investigador científico no campo do ensino vocal. (REID, 1950, p. 156)42 A confusão
nas nomenclaturas reflete-se principalmente na modalidade de ensino através de
imagens. O “professor virtuoso” refere-se à prática cantores de sucesso atarefados só
aceitarem no estúdio os alunos que já apresentam facilidades naturais. Sobre essa
atitude, Miller (2004) comenta:

40 [..] all singers must be their own teachers. Learning to sing involves unification of the musicianly ear,
the controlled body, and the creative intelligence, an act of artistic integration that cannot be
superimposed on the singer from the outside. In this sense, no teacher teaches any singer how to sing.
41 Although there are some naturally coordinated singers who achieve a certain level of technical skill
without needing to fully understand how, singing itself is a competence that has to be built through
recognition and elimination of faulty technical maneuvers. The singer-turned-teacher must consider
causes of a Instudent´s
prescription. technical
the process, problem,
that teacher and diagnose
is redefining them accurately
and clarifying beforebyrecommending
the principles a
which he or she
sings. St. Paul wisely poses the question “You who teach another, do you not teach yourselves?”
42 The reasons for the inevitable decline of Bel Canto as a singing style are three in number: first,
confusion growing out of nomenclature; second, the appearance of the “virtuoso” teacher; and third,
entry of the scientific investigator into the field of vocal endeavour.
É só lembrar da professora proeminente que dispensou aproximadamente um
terço de todos os alunos que foram admitidos no seu estúdio baseados em
audições exigentes, por que eles se mostraram “ineptos” em captar a
complexidade de sua mensagem pedagógica. “Eles não tinham o necessário.
Eles simplesmente não compreendem”, ela diria. (MILLER, 2004, p.205)43
44 e a
A ciência entrou no universo da didática vocal com Manuel Garcia Filho
invenção do laringoscópio. Garcia Filho desenvolveu em 1854 uma forma de, através de
um instrumento rudimentar, observar a laringe em movimento. Miller (2006b, p. 207)
ressalta o fato de que foi um professor de canto, e não um cientista, que viu pela
primeira vez as pregas vocais em funcionamento no canto e na fala.
O conhecimento científico invadiu definitivamente o ensino de canto, e hoje o
professor tem que lidar com toda a informação disponível. Miller (2006a) destaca a
necessidade por parte do professor de obter todo o conhecimento científico possível.
Mas é em Stanley (1931) que encontramos até mesmo um certo radicalismo ao defender
a relevância da ciência no ensino do canto:

Só há um caminho pelo qual a situação existente no campo do treinamento


vocal pode ser retificada. O mundo científico terá de dar uma mão. Cientistas
terão de estabelecer e formular as leis que governam a técnica vocal, quais
leis devem ficar como resultado de pesquisa científica e dedução em todos os
diferentes campos de aprendizado envolvidos.
Depois que essas leis tiverem sido confiavelmente estabelecidas, o mundo
científico terá de determinar o curso do treinamento, em Física, Anatomia,
Fisiologia, Psicologia, Música, Dicção e Locução Dramática, essenciais para
aquele que pretende se tornar um professor de canto profissional. Graus
definitivos para a profissão devem ser dados para aqueles que se qualificarem
e A NINGUÉM MAIS DEVE SER PERMITIDO ENSINAR. 45 (STANLEY,
1931, p. 454, 455, grifo do autor)

43 One has only to recall the prominent teacher who dismissed approximately one-third of all students
who had been admitted into her studio on the basis of superior audition ratings, because they proved
“inept” at catching on to the intricacies of her pedagogic message. “They didn´t have what it takes. They
just don´t get it”, she would say.
##
Manuel Patricio Rodríguez Garcia (1805-1906), cantor e professor de canto espanhol, filho do também
cantor e professor de canto Manuel del Pópulo Vicente Rodriguez Garcia (1775-1832). Foi professor no
Conservatório de Paris e na Royal Academy of Music em Londres. Professor de cantores célebres como
Jenny Lind, Julius Stockhausen e Mathilde Marchesi.
45 There is only one way in wich the situation now existing in the field of voice training can be rectified.
The scientific world will have to take a hand. Scientists will have to establish and formulate the laws
which govern vocal technic, which laws must rest on the results of scientific research and deduction in all
the different fields of learning involved.
After these laws have been reliably laid down, the scientific world will have to determine the course of
training, in Physics, Anatomy, Physiology, Psychology, Music, Diction an Dramatic Utterance, essential
for the one who intends to become a professional voice teacher. Definite degrees for this profession may
then be granted to those who qualify and NO ONE ELSE SHOULD BE ALLOWED TO TEACH.
No entanto, mesmo Miller (2004), que exalta a necessidade do conhecimento
científico por parte do professor, pondera como as leis científicas não devem atrapalhar
a comunicação simples e direta entre professor e aluno:

Alguns sistemas de técnica são mais complexos do que o necessário.


Simplificação, e não complicação, deveria ser o objetivo de todo o ensino.
Não é necessário inventar funções para a respiração, a laringe, e os
ressonadores. Por que maquinar músculos abdominais que não existem,
colocar o diafragma em regiões desconhecidas? Por que teorizar que a função
laríngea pode ser melhorada através de controles locais impossíveis de ser
alcançados? Por que maquinar espaços de ressonância e cúpulas que não são
conhecidas para o resto da humanidade? É muito mais fácil, simples e rápido
explicar fatos físicos e acústicos reconhecíveis em relação à voz cantada, e é
muito mais honesto. A sintaxe do canto artístico é muito mais rápida e
seguramente construída em um ambiente de informação acurada, não um
sistema de estruturas e controles imaginados. A sintaxe da técnica vocal vem
da rotinização das posições, controle de ar, agilidade, definição e modificação
das vogais, consoantes vozeadas e não vozeadas, consoantes nasais e não
nasais, sostenuto, passaggio, extensão, e exercícios de messa di voce.
Remova os mistérios e deixa a voz funcionar livremente. (MILLER, 2004, p.
190)46

Sobre a função do professor de canto e o processo de ensino, Miller faz uma


explicação clara e concisa:

É o trabalho do professor de canto reconhecer quais dentre os sons que o


estudante consegue produzir estão mais próximos da vocalidade livre, e
ajudar o cantor a identificar outros que não estão. Depois de um diagnóstico
que localize a fonte do mau funcionamento, soluções corretivas precisas
podem ser prescritas. Isso não é conseguido impondo ideais tonais genéricos
em todos os cantores, mas revelando a individualidade de cada instrumento.
Sempre haverá alguma nota ou notas em qualquer voz cantada problemática
que sejam melhores que outras. É nesses sons promissores que um conceito
tonal individual é construído. Velhos hábitos musculares devem ser
abandonados, novos caminhos devem ser estabelecidos. Não há um músculo

46 Some systems of technique are more complex than is necessary. Simplification, not complication,
should be the goal of all instruction. It is unnecessary to invent functions for the breath, the larynx, and
the resonators. Why contrive abdominal muscles that do not exist, place the diaphragm in unknown
regions? Why theorize that laryngeal function can be improved through local controls which are
impossible to accomplish? Why contrive resonance spaces and domes that are not known to the rest of
mankind? It is far easier, simpler, and faster to explain recognizable physical and acoustic facts regarding
the singing voice, and it is far more honest. The syntax of artistic singing is most quickly and securely
built on an assemblage of accurate information, not on a system of imagined structures and controls The
syntax of voice technique emerges by routining onset, breath management, agility, vowel definition and
modification, voiced and unvoiced consonants, nasal and nonnasal consonants, sostenuto, passaggio,
range extension, and messa di voce exercises. Remove the mysteries and let the voice freely function.
mágico que, após descoberto, imediatamente solucionará todas as
dificuldades técnicas. Persistência é essencial. (MILLER, 2004, p. 189)47

Podemos entender que a técnica de canto, então, não deve ser algo imposto de
fora para dentro, o que corrobora nossa sugestão de que o ensino de canto não deve ser
realizado sob um pensamento racionalista. O “músculo mágico” citado por Miller pode
bem ser relacionado a qualquer preceito técnico defendido como uma verdade absoluta
a ser seguida, e que seja apontado como a solução dos problemas de todo e qualquer
aluno. O treinamento só se tornará efetivo à medida que o aluno compreende
fisicamente o processo e consegue não só realizá-lo, mas torná-lo rotina. O autor diz
ainda:

Todo cantor produz certos sons que são melhores do que outros sons. Em vez
de começar atacando o que está faltando, a melhor abordagem pedagógica é
isolar aqueles sons que o cantor produz – uma frase ou alguns tons – que
estão mais próximos dos objetivos do professor. É mais fácil para professor e
aluno concentrar
que iniciar em determinar
imediatamente quais exemplos
uma revisão isolados
técnica total. sãoalterações
Grandes melhores em
do
conceitos tonais raramente podem ser alcançadas rapidamente, elas
acontecem gradualmente. (MILLER, 2004, p. 196)48

É sabido, como já dissemos, que grande parte dos professores de canto são
cantores que em determinado momento de suas vidas decidiram dedicar-se também ao
ensino. Mas será que uma carreira no canto garante as prem
issas necessárias para
formar um bom professor? Reid (1950) pondera:

Poucos vocalistas que são cantores de sucesso tem o tempo ou a inclinação


para levar uma investigação minuciosa da história e desenvolvimento dos
métodos de treinamento vocal. Em uma vida atribulada de aprendizado de
repertório, aparições públicas e cumprimento de obrigações sociais, esses
estudos independentes geralmente não tem lugar. Portanto, quando chega o
tempo de iniciar sua função de ensinar, aqueles que foram cantores
importantes aprenderam apenas aqueles princípios de produção de som

47 It is the job of the singing teacher to recognize which of the sounds a student can produce are closest to
unhampered vocalism, and to help the singer identify others that fall short of the goal. After a diagnosis
locates the source of malfunction, precise corrective solutions can be prescribed. This is not
accomplished by superimposing generic tonal ideals on every singer, but by uncovering the individuality
of each instrument. Always there will be some note or notes in any problematic singing voice that are
better than others. It is on theses promising sounds that an individualizes tonal concept is to be
constructed. Old muscle habits have to be abandoned, new tracks routined. There is no magic muscle that
upon discovery will immediately solve all technical difficulties. Persistence is essential.
48 Every singer makes certain sounds that are better than other sounds. Rather than begin with an
outright assault on what is missing, the best pedagogic approach is to isolate those sounds the singer
makes – a phrase or a few pitches – that are closest to the teacher´s own goals. It is easier for t eacher
and student to concentrate on determining which isolated examples are better than to immediately initiate
a total technical overhaul. Major alterations in tonal concepts seldom can be accomplished quickly; they
happen incrementally.
apresentados a eles pelos seus professores, e o erro constantemente cometido
tem sido simplesmente duplicar um procedimento pedagógico que eles
mesmos experimentaram como alunos. Esses procedimentos, infelizmente,
não eram aplicáveis de forma generalizada, e, assim, tem decididamente
valor limitado. (REID, 1950, p. 65)49

Reid, aqui, critica também a postura racionalista da parte do professor de canto.

Muitos professores consideram o tipo de treinamento que realizaram como alunos a


única forma de treinamento possível, uma vez que funcionou com eles. Esses
professores podem não ter encontrado grandes dificuldades, o que teria facilitado o
processo. Ou mesmo podem ter tido dificuldades específicas que foram resolvidas com
procedimentos igualmente específicos, que não necessariamente serão os mais efetivos
para resolver as dificuldades individuais de seus próprios alunos.
Conseguir realizar um som não significa necessariamente saber como realiza-
lo, e ainda, não necessariamente significa saber orientar alguém a realizar um som de

igual qualidade. Segundo Reid, o método de treinar o aluno de canto segundo suas
próprias sensações seria de pouca valia para o aluno com dificuldades.

Em seu livro Aprenda a cantar, Madame Lili Lehmann dedica páginas


intermináveis a descrições das sensações vocais que ela experimentava ao
cantar, como se uma tentativa de duplica-las pudesse ser possível. [...] Em
primeiro lugar, Madame Lehmann nunca aprendeu a cantar por esse método,
pois sua voz desde a infância era fenomenal. [...] A coordenação vocal de
Madame Lehmann, portanto, era natural e não adquirida e, é claro, toda sua
sensibilidade foi ligada à “sensação” própria dos ajustes mecânicos
envolvidos. 50 (REID, 1950, pp. 159, 160)

Segundo o autor, só o fato de cantar não indica necessariamente a habilidade de


ensinar. O cantor treinado sem grandes dificuldades, guiado apenas por simples imagens
– e, sobretudo, sem uma base científica – dificilmente vai estar preparado para ensinar
ao receber seus primeiro alunos.

49 Few vocalists who are successful performers have either the time or the inclination to carry out a
thorough investigation of the history and development of voice-training methods. In a life crowded with
learning repertoire, making public appearances, and filling social obligations such independent studies
generally have no place. Therefore, when the proper time arrived to take up the duties of teaching, those
who had once been leading singers taught only those principles of tone production made known to them
by their teachers, and the mistake consistently made has been in merely duplicating a pedagogic
procedure they themselves had experienced as students. These procedures, unfortunately, were not
generally applicable and, as such, had a decidedly limited value.
50 In her book How to sing, Madame Lili Lehmann devotes endless pages to descriptions of the vocal
sensations she experienced in singing, as though an attempt to duplicate them could possibly be
successful. (…)In the first place, Madame Lehmann never learned to sing by this method as her own voice
was from earliest childhood quite fenomenal. […] Madame Lehman´s vocal co-ordination, therefore, was
natural rather than adquired and, of course, her entire sensitivity was bound together by the proper ´feel´
of the mechanical adjustments involved.
Por maiores que tenham sido em performance, o que cantores treinados sob
essas condições sabem da mecânica da produção tonal? Como poderia ser
possível a eles ajudar outros quando os únicos problemas que eles
encontraram foram relativamente triviais como “não forçar”, “cantar vogais
puras”, “dominar um legato perfeito”, “manter a intensidade da escala
uniforme”, e “respiração”? Qualquer um pode operar uma peça complicada
de maquinaria quando está em boas condições, mas só um mecânico que
compreende profundamente a relação e função de uma parte com outra está
apto a consertar deficiências mecânicas e colocar as partes que não
funcionam perfeitamente para trabalhar com suavidade e eficiência. (REID,
1950, pp. 163, 164)51

Miller (2004) também toca o assunto com uma analogia ao funcionamento de


uma máquina:

Céticos da instrução vocal “iluminada” sugerem que não é necessário ser um


mecânico automotivo para dirigir um carro, com cuja premissa não se pode
argumentar. No entanto, se o motor para de trabalhar, o freio falha, ou o
silenciador precisa ter trocado, é melhor o motorista encontrar um
especialista que possa determinar a causa do mau funcionamento e saiba
conserta-la. Se um professor de canto não pode diagnosticar o que falta no
timbre por que ele não está certo dos parâmetros físicos e acústicos que
determinam o som vocal
experiência pessoal balanceado –– além
em performance de seu próprio
esse professor bominútil
pode ser ouvido
parae
reparar uma fonação falha. (MILLER, 2004, p. 197) 52

O cantor pode não ter enfrentado grandes problemas vocais, e mesmo passar
toda a sua carreira sem um pensamento técnico. Porém, para tornar-se professor, ele vai
ter que buscar mais informações. Miller (1996) diz:

Não há motivo para o cantor de sucesso descrever processos pessoais para


outros contanto que a performance seja seu único campo de atuação. Quando,
no entanto, o cantor volta-se para o ensino, uma linguagem comunicativa e
objetiva deve ser desenvolvida. Na rara instância em que duas
personalidades, professor e aluno, compartilhem experiências e morfologia
idênticas, pode haver menos problemas com a linguagem de imagens.
Mesmo assim, o aluno raramente tem o mesmo tipo de coordenação não
problemática que serviu ao professor. Muitos ótimos cantores nunca tiveram
os tipos de problemas técnicos encontrados pelo aluno de canto médio. É por
isso que um cantor de muito sucesso que ensina pode ser bem sucedido com
um cantor ou com uma categoria vocal particular, mas não com outras. Um

51 Great as they may have been as performers, what could singers trained under these conditions know of
the mechanics or tone production? How could it be possible for them to help others when the only
problems they had encountered were such relative trivialities as ´don´t force´, ´sing pure vowels´, ´master
a perfect legato´, ´keep the intensity scale even´, and ´breathing´? Anyone can operate a complicated
piece of machinery when it is in good condition, but only a mechanic who fully understands the
relationship and function of one part with the other is able to repair mechanical deficiencies and get the
imperfectly functioning parts working smoothly and efficiently.

52 Skeptics of enlightened voice instruction suggest that one doesn´t have to be an automotive mechanic
in order to drive a car, with which premise there can be no argument. However, if the motor stops
running, the brakes fail, or the muffler needs to be replaced, the driver had better find an expert who can
determine the cause of the malfunctioning and knows how to repair it. If a voice teacher cannot diagnose
what is lacking in timbre because he or she is uncertain as to the physical and acoustic parameters that
determine balanced vocal sound – other than his or her own good ear and personal performance
experience – that teacher may be helpless to repair faulty phonation.
bom professor deve ser capaz de objetivar os componentes da performance e
transmiti-los ao aluno, indiferente de sua categoria vocal. (MILLER, 1996, p.
3)53

Miller toca, aqui, num ponto delicado. Todo professor de canto, como cantor,
tem sua própria classificação vocal. Muitos alunos buscam estudar com professores que
tenham classificação vocal igual à sua, por julgarem que eles terão mais propriedade
para treinar o seu tipo de voz. Muitos professores, também, preferem ensinar alunos
com classificação vocal igual à sua, por sentirem-se mais aptos a trabalhar o tipo de voz
que eles, por razões óbvias, conhecem mais intimamente. No entanto, isso não deve ser
um fator limitador, e cabe ao professor estudar e conhecer profundamente todas as
classificações vocais, para entender as características de cada uma delas e poder, assim,
não só perceber no aluno essas características e proceder a uma classificação correta e
segura, mas também treinar e desenvolver o aluno segundo as particularidades de seu
tipo vocal.
Estudamos, até aqui, os processos pedagógicos peculiares do treinamento vocal
para o canto lírico. Vimos o quanto esses processos são particulares, e dependem (além,
obviamente, de suas capacidades técnicas e de ouvido bastante apurado), de uma atitude
franca, aberta e empática por parte do professor. Vimos também como a prática
pedagógica do canto pode se beneficiar de uma visão do aluno como centro do
processo. Uma postura atenta às peculiaridades da voz de cada aluno é essencial no
procedimento da classificação vocal, assunto que abordaremos no próximo capítulo.

53 There is no reason for the successful performer to describe personal processes to others so long as
performance remains his or her only field of activity. When, however, the performer turns to giving
instruction, communicative, objective language must be developed. In the rare instance in which two
personalities, teacher and student, share almost identical experiences and morphology, there may be less
problem with that
coordination the language
may haveofserved
imagery.
the Even then,Many
teacher. the student seldom has
fine performers havethenever
kind had
of unproblematic
the kinds of
technical problems encountered by the average voice student. That is why a highly successful singer who
also teaches may have success with one singer or with a particular category of voice, but not with others.
A good teacher must be able to objectify the components or performance and convey them to the student,
regardless of the student´s vocal category.
2 A CLASSIFICAÇÃO VOCAL

As vozes humanas dividem da seguinte forma: as vozes femininas, da mais


grave à mais aguda, são o contralto, o meio-soprano e o soprano. As vozes masculinas,
pelo mesmo critério, são o baixo, o barítono e o tenor. No terceiro capítulo estudaremos
detalhadamente cada um desses tipos vocais. Neste, daremos ênfase ao estudo dos
critérios possíveis para uma classificação correta, através de uma revisão da opinião de
diversos autores sobre o assunto. McKinney (1995) apresenta um interessante paradoxo.
O autor afirma ser a classificação vocal uma das decisões mais importantes que os
professores e alunos tem de fazer. No entanto, afirma também que, exatamente pela sua
grande importância, muitos professores e alunos parecem preocupados demais com esta
decisão. Preocupados demais porque, embora a classificação vocal seja um fator
decisivo no processo de desenvolvimento vocal, a preocupação excessiva com ela pode
trazer alguns transtornos. A pressão pela classificação pode induzir a decisões
precipitadas, e classificações equivocadas. Sobre a importância da classificação vocal,
diz o autor:
[...] a classificação errada pode furtar a voz de beleza de som e liberdade de
produção, pode causar frustração e desapontamento infindáveis, pode
encurtar a carreira como cantor, e pode causar danos vocais em vários graus
de permanência. (McKINNEY, 1995, p. 107)54

Vennard (1967) diz:


Eu nunca sinto nenhuma urgência em classificar um aluno iniciante. Muitos
diagnósticos prematuros mostraram-se errados, e pode ser danoso ao
estudante e embaraçoso para o professor continuar se esforçando por um
objetivo mal escolhido. É melhor começar na região média da voz e trabalhar
para cima e para baixo até que a voz classifique-se por si só. (VENNARD,
1967, p. 108)55

Perelló (1975) alerta para o perigo de uma classificação precipitada: “Sob


nenhuma circunstância deve se fazer uma classificação apressada, só depois de vários
meses de trabalho e estudo o professor poderá dar-se conta das possibilidades do
aluno.” (PERELLÓ, 1975, p. 46)56 Podemos entender que os vários meses de trabalho e
estudo citados por Perelló compreendem, além do treinamento técnico do aluno, a
observação de suas características vocais, de acordo com os diversos parâmetros a ser
aqui estudados.

2.1 Meios para classificar uma voz

Doscher57 (1999, p. 195) diz que há muitas maneiras de classificar uma voz,
quase tantas quanto há professores de canto. A literatura normalmente aponta como os

)#
[…] misclassification can rob a voice of tonal beauty and freedom of production, can cause endless
frustration and disappointment, can shorten a singing carrer, and can cause vocal damage of varying
degrees of permanence.
))
I never feel any urgency about classifying a beginning student. So many premature diagnoses have
been proved wrong, and it can be harmful to the student and embarrassing to the teacher to keep striving
for anthe
until ill-chosen goal. Ititself.
voice classifies is best to begin in the middle part of the voice and work upward and downward

)*
Bajo ningún concepto debe hacerse una classificación apresurada; solo después de varios meses de
trabajo y estudio el maestro podrá darse cuenta de las possibilidades del alumno.
)+
Barbara Doscher, professora de canto na University of Colorado-Boulder.
principais critérios para a classificação: timbre, extensão e tessitura. Diversos autores
falam também da evidência das passagens entre os registros, e também da influência das
características físicas do indivíduo na sua classificação. Dinville (1975), numa visão
mais ampla, aponta os diversos fatores que determinam a classificação vocal. Os fatores
predominantes seriam a tessitura, a extensão, o timbre, a forma e o volume das
cavidades de ressonância, o comprimento e a espessura das cordas vocais. Os fatores
secundários seriam a capacidade respiratória e o desenvolvimento torácico e abdominal,
a altura tonal da voz falada, a amplitude vocal, a intensidade que permita potência sem
esforço, o temperamento e as características morfológicas. Segundo Cotton (2007):
A maneira como o instrumento vocal é medido para determinar o tipo de voz
tem mudado nos séculos passados e continuará mudando à medida em que
avanços são feitos na ciência vocal. O que anos atrás era principalmente
uma questão de alcance vocal tornou-se, nas últimas décadas, uma miríade
de questões incluindo categorias como quebras de registro, timbre, zonas de
facilidade de produção e grau de agilidade. O professor de canto de hoje tem
que aprender a ouvir e avaliar cada critério, e entender a hierarquia dos
vários critérios para classificação vocal para determinar a natureza do
instrumento à mão. (COTTON, 2007, p. 4)58

Os critérios indicados por Cotton estão de acordo com aqueles indicados por
Dinville, ao menos os que podem ser percebidos no estúdio (excluindo os critérios
puramente fisiológicos): timbre, extensão, tessitura e passagem de registros. O grau de
agilidade provavelmente tem mais a ver com sub-classificações, como soprano ligeiro
ou coloratura59 . Segundo Doscher (1999, pág. 196):
Timbre ou cor do som é um amálgama da fundamental, o número e
distribuição dos seus harmônicos, e as respectivas amplitudes desses
harmônicos. A onda sonora que determina o timbre é resultado do controle
da respiração, funcionamento das pregas vocais e ajuste dos ressonadores.
Extensão é o alcance de uma voz, os limites superior e inferior de
freqüência. Dentro desse alcance, há um conjunto de notas em que a voz

58 The manner in which the vocal instrument is measured to determine voice type has changed over the
past centuries and will continue to change as advances are made in voice science. What years ago was
primarily a question of range has become, in recent decades, a myriad of questions including such
categories as register breaks, timbre, zones of ease of production, and the degree of agility. Today’s voice
teacher must learn to listen for and assess each criterion, and to understand the hierarchy of the various
criteria for voice classification in order to determine the nature of the instrument at hand.
)%
Soprano ligeiro e soprano coloratura são sub-classificações da voz de soprano. A primeira refere-se à
voz mais leve e aguda, a segunda, à voz cuja habilidade em executar coloraturas é a característica mais
marcante. Estudaremos detalhadamente essas sub-classificações no terceiro capítulo.
apresenta especial facilidade funcional e sonora. Esse conjunto de notas é
chamado tessitura. 60
Agora que identificamos os principais fatores que determinam a classificação
vocal, passaremos a estudar individualmente cada um desses fatores, e a observação
desses como critérios para efeitos classificatórios.

2.2 Características físicas

Sobre a observação de aspectos fisiológicos como parâmetro para classificar


uma voz, diz Doscher (1999):
A medição de aspectos anatômicos tais como comprimento e largura das
pregas vocais em repouso, o volume da caixa de ressonância e a estrutura
corporal geral podem dar alguma indicação da classificação. Há muito mais
barítonos altos do que tenores altos. Pregas vocais curtas e largas são típicas
de tenores e sopranos, enquanto pregas longas e estreitas predominam nos
baixos e contraltos. Em geral, ressonadores pequenos são encontrados em
sopranos agudos. Tudo isso são tendências, no entanto, e apenas isso –
tendências. Muitos cantores tem sons que simplesmente não estão de acordo
com suas características físicas. Um barítono jovem com todos os atributos
físicos do seu tipo de voz pode ter os agudos ressonantes de um tenor. O que
é ele? Como ele deve ser treinado? (DOSCHER, 1999, p. 195)61
A classificação, portanto, não deve ser confiada a parâmetros puramente
físicos. Ainda assim, para Cotton (2007, pág. 3) a classificação vocal é um fator
fisiológico como altura ou cor dos olhos, embora obviamente não seja tão fácil de ser
identificado. O que assegura as características únicas de cada voz são as características
físicas do trato vocal que a produz, e o tamanho da laringe afeta a qualidade do som.

Titze62 (2000) diz que, nos instrumentos musicais, o tamanho do ressonador tem tanta

60 Timbre or tone color is an amalgam of the fundamental, the number and distribution of its harmonics,
and the respective amplitudes of these harmonics. The sound wave which determines timbre is the result
of breath management, vocal fold function and resonator adjustment. Range is the extent of a voice, the
upper and lower limits of frequency. Within that range, there is a certain compass in which the voice
performs with special ease of production and sound. That compass of notes is called the tessitura.
*&
The measurement of such anatomical features as the length and thickness of vocal folds when at rest,
the volume of the resonating tract, and the overall body structure can give some indication of
classification. There are many more tall baritones than there are tall tenors. Short, broad vocal folds are
typical of tenors and sopranos, while long, narrow cords predominate in basses and contraltos. In
general, small resonators are found in high sopranos. All of these tendencies, however, are just that –
tendencies only. Many singers have sounds which simply are not in agreement with their physical
characteristics. A young baritone with all the physical attributes of his voice type may have the ringing
high tones of a tenor. Wich is he? How should he be trained?
*!
Ingo Titze, cientista vocal, diretor executivo do National Center for Voice and Speech na Universidade
de Utah e professor de Communication Science and Disorders na Universidade de Iowa.
influência no alcance do instrumento quanto a fonte sonora em si.63 O autor cita ainda
Cleveland (1977, 1978), que propôs um esquema classificatório baseado nos picos de
LTAS l(ong-time average spectral)64. Em seu estudo, um baixo apresentou picos de
LTAS em torno de 1.3 kHz, três barítonos apresentaram picos em torno de 1.4 kHz e
quatro tenores apresentaram picos em torno de 1.5 kHz. Como há uma relação inversa
entre a freqüência dos formantes e o comprimento do trato vocal, deduziu-se que a
diferença de aproximadamente 15 por cento nos picos de formantes entre o baixo e os
tenores correspondem a 15 por cento de diferença entre o comprimento de seus tratos
vocais. Titze mostra ainda como as proporções do seu trato vocal (e não só o seu
tamanho) podem influenciar no resultado sonoro:
Aqueles com pescoços longos e pregas vocais curtas teriam voz aguda mas
som escuro. Inversamente, aqueles com pregas vocais longas e pescoços
curtos teriam voz grave mas som claro. Algumas subclassificações em ópera
(por exemplo, barítono lírico, ou heldentenor) podem ter resultado, em
parte, desses casos híbridos, mas não há dados disponíveis. (TITZE, 2000, p.
190)65

Dinville (1982) também chama atenção para as características fisiológicas que


podem, inclusive, diminuir as possibilidades vocais de um indivíduo:
Devemos considerar, também, que numerosas pessoas apresentam
desarmonias nos órgãos vocais e respiratórios. Desta forma podemos
encontrar cantores com cordas vocais grandes e caixas de ressonância
pequenas, ou uma capacidade respiratória insuficiente, ou pequenas cordas
vocais com um pequeno ressonador, ou uma laringe assimétrica: uma corda
vocal ou uma aritenóide mais desenvolvida de um lado, uma assimetria
faringo-laríngea provocada por uma escoliose cervical.
Tudo é possível! Quando existe muita discordância, a voz, mesmo sendo
muito bela, será curta, ela terá poucos graves ou uma região aguda limitada.
Mas quando estas discordâncias são pouco sensíveis, dada a capacidade de
adaptação dos órgãos vocais e se utilizamos uma boa técnica respiratória, elas
poderão ser compensadas com eficácia. (DINVILLE, 1982, pp. 12/13)
A relação entre as conformações físicas do indivíduo e suas características
vocais são também abordadas por Miller (1986), que no entanto adverte:

*(
In musical instruments, the size of the resonator has as much to do with the range of the instrument as
the sound source itself.
64 “O Long-term average spectrum (LTAS), um espectro de força, vem sendo utilizado em numerosos
estudos por permitir “quantificar” a qualidade de uma voz, marcando as diferenças entre gênero, idade,
voz profissional falada e cantada - e vozes disfônicas, contribuindo assim não só para a avaliação como
para o acompanhamento de treinamentos e/ou tratamentos. [...] O LTAS reflete as características tanto da
fonte glótica quanto do filtro para a qualidade de uma voz.” (MASTER, 2005, p. 10)
*)
Those with long necks and short vocal folds would be pitched high but sound dark. Conversely, those
with long vocal folds and short necks would be pitched low but sound bright. Some subclassifications in
opera (e.g., lyric baritone, or heldentenor) may have resulted, in part, from such hybrid cases, but data
are not available.
Ainda que essas relações sejam de interesse, é questionável que qualquer
informação pedagogicamente útil siga nessa direção. Vozes são alojadas em
físicos que em parte determinam sua categorização, mas o ambiente vocal
geral e o treinamento vocal específico que um cantor encontra fornecerá os
fatores decisivos para determinar a categoria vocal e o alcance. (MILLER,
1986, p. 163)66

2.3 Timbre

Segundo Vennard (1967) o som musical tem cinco propriedades essenciais:


altura, duração, intensidade, timbre e sonância67, e entre estas, o timbre é talvez a mais
difícil de explicar. Aponta como sinônimos: qualidade (quality), cor (tone-color) e
Klangfarbe.68 O timbre é a qualidade única de um instrumento, aquela que nos faz ouvir
dois instrumentos distintos na mesma freqüência e mesmo assim reconhece-los pelo
som. Um violino e um violoncelo podem tocar a mesma nota e ainda assim

reconheceremos no som a diferença. Uma viola pode tocar uma determinada peça
escrita para violino que esteja dentro dos seus limites de extensão, mas continuará
soando como uma viola. Da mesma forma, um barítono com extensão excepcional e
domínio técnico suficiente pode cantar uma ária escrita para tenor, mas ainda assim o
ouvido treinado identificará aquele som como sendo de barítono.
O timbre, de fato, como diz Vennard, é um atributo do som mais complexo do
que altura ou intensidade. Jander (2010), nos lembra que estas podem ser medidas em
escala uni-dimensional (agudo/grave, alto/baixo), mas a percepção do timbre envolve
diversos fatores. Seashore 69(1938/ 1967) dá-nos sua definição:
**
Although such correlations are of interest, it is doubtful that any pedagogically useful information lies
in that direction. Voices are housed in physiques that to some extent dictate categorization, but general
vocal environment and the specific vocal training a sing er encounters will provide the decisive factors in
determining voice category and range.
*+
“Em qualquer instante dado, sonância não está presente, mas quando ouvimos um som por um período
de tempo nós percebemos flutuações de instensidade, timbre, e mesmo afinação, e essas mudanças
formam um padrão ao qual o termo sonância é aplicado. Em outras palavras, se um som tem duração, terá
sonância.” (VENNARD, 1967, p. 10)
At any given instant, sonance is not present, but when we listen to tone over a period of time we hear
fluctuations of intensity, timbre, even pitch, and these changes form a pattern to wich the term sonance is
applied. In other words, if a tone has duration, it will have sonance.
68It has been discovered that musical tone has five essential properties: pitch, duration, intensity, timbre,
and sonance. (VENNARD, 1967, pág. 2) Timbre is perhaps the most difficult property of tone to explain.
(VENNARD, 1967, pág. 4)
*%
Carl Seashore (1866-1949), psicólogo sueco naturalizado americano. Sua principal área de interesse é a
Psicologia da Música.
Timbre é aquela característica de um som que depende de sua estrutura
harmônica modificada pela altura absoluta e intensidade total. A estrutura
harmônica é expressa em termos de número, distribuição, e intensidade
relativa dos parciais. (SEASHORE, 1938/ 1967, p. 97)70
O autor diz ainda que há nos sons musicais uma relação entre os vários grupos
de vibração que os enriquecem, e exemplifica com o funcionamento do violino:
Essa relação é bem ilustrada no caso da corda do violino. A corda aberta
vibra como um todo. Isso representa a altura fundamental do som. Ela
também vibra em uma série de partes, cada parte representando um
harmônico. Assim, uma corda vibra em metades, dando-nos o primeiro
harmônico; também vibra em terços, dando-nos o segundo harmônico. Cada
corda também vibra em quatro segmentos iguais, dando-nos o terceiro
harmônico; e em cinco segmentos, dando-nos o quarto harmônico.
(SEASHORE, 1938/ 1967, p. 96)71

Ainda segundo o autor, a riqueza de um som é dada pelo número relativo e pela
proeminência de seus harmônicos. O timbre da voz, segundo Dinville72 (1982):
É o resultado dos fenômenos acústicos que se localizam nas cavidades supra-
laríngeas.
dos lábios Ée das
modificando o volume,
bochechas, a tonicidade
que o som dessas
fundamental, áreas,pela
emitido assim comovaia
laringe,
ser enriquecido ou empobrecido voluntariamente segundo a ordem, o
número, a intensidade dos harmônicos que o acompanham e que são filtrados
nestas cavidades conforme a altura tonal e a vogal. (DINVILLE, 1982, p. 6)
. O timbre depende, então: do número de harmônicos parciais presentes, da
localização relativa desses parciais pela extensão (do mais grave ao mais agudo), e da
força relativa ou predominância de cada parcial. Todos esses fatores serão influenciados
pelas conformações do trato vocal durante a fonação.
Segundo Butenschon e Borchgrevink (1978):

A
ouvoz do soprano
baixo ou tenorescura
é relativamente é claraem
em timbre
ressonância, e nquanto
e resson a do
ância. Isso contraltoa
é porque
anatomia difere de tal forma que os harmônicos reforçados tem uma
freqüência relativamente alta ou baixa. Além disso, toda voz tem um caráter
individual, que depende da técnica do cantor e de variações anatômicas
individuais. O cantor pode também colorir a voz, fazendo-a mais escura

+'
Timbre is that characteristic of a tone wich depends upon its harmonic structure as modified by
absolute pitch and total intensity. The harmonic structure is expressed in terms of the number,
distribution, and relative intensity of its partials.
+&
This relationship is well illustrated in the case of the violin string. The open string vibrates as a whole.
This represents the fundamental pitch of the note. It also vibrates in a series of parts, each part
representing an overtone. Thus, a string vibrates in halves, giving us the first overtone; it also vibrates in
thirds, giving us the second overtone. Each string also vibrates in four equal segments, giving us the third
overtone; and in five segments, giving us the fourth overtone.
+!
Claire Dinville, fonoaudióloga francesa.
aumentando e alongando o trato vocal. (BUTENSCHON e
BORCHGREVIK, 1978, p. 17)73

Garcia (1847/ 1985) identifica as condições que determinam o timbre:


Primeiro as condições fixas que caracterizam cada indivíduo, tais como a
forma, o volume, a consistência, o estado de saúde ou doença do aparelho
vocal de cada um; segundo as condições móveis, tais como a direção que o
som toma pelo canal vocal até sua emissão, seja pelo nariz, seja pela boca, a
conformação e o grau de capacidade desse mesmo canal, o grau de tensão de
suas paredes, a ação dos constritores... (GARCIA, 1847, p. )74

A complexidade do timbre não se restringe apenas à sua definição ou


conceituação teórica. O timbre é, também, segundo McKinney (1995), o critério mais
abstrato dentre aqueles apontados como determinantes da classificação. Segundo ele:
Timbre (qualidade) é grandemente considerado pelo professor de canto
experiente no momento da classificação vocal. Esse é critério mais
intangível, no entanto, porque o professor tem que ouvir a voz como ela soa
agora e imaginar no ouvido mental como ela vai soar quando for totalmente
desenvolvida. Para fazer isso o professor tem que lembrar de outras vozes,
outros estudantes, imagens tonais desejadas, e por aí adiante. Obviamente, é
uma ciência
assim inexata,
vital para como
muitas muitasclassificatórias.
decisões fases do ensinoTimbre
de canto
é osão, mas ainda
critério mais
arriscado para o professor inexperiente, simplesmente por que ele não tem
todas essas memórias tonais para invocar. (MCKINNEY, 1995, p. 112)75
O timbre é a característica mais particular da voz de um indivíduo, e, se
levarmos em consideração as características móveis indicadas por Garcia, não é difícil
deduzir que ele pode ser facilmente mascarado pelo aluno que ainda não tenha atingido
uma emissão livre. Sundberg (1987) lembra que os limites são amplos quanto aos meios
de se modificar o próprio timbre, e que o próprio estudo do canto envolve mudanças no

73 The voice of the soprano or tenor is light in resonance, while that of the alto or bass is relatevely dark
in timbre and resonance. This is because the anatomy differs in such a way that the strengthened
overtones have a relatively high or low frequency. In addition, every voice has an individual character,
dependent on the singer´s technique and the individual anatomical variations. The singer can also colour
the voice, making it darker by extending and lengthening the vocal tract.
74 1º les conditions fixes qui caractérisent chaque individu, telles que la forme, le volume, la consistance,
l’état de santé ou de maladie de l’appareil vocal de chacun; 2º les conditions mobil es, telles que la
direction que prend le son dans le tuyau vocal pendant son émission, soit par le nez, soit par la bouche;
la conformation et le degré de capacité de ce même tuyau, le degré de tension de sés parois, l’action des
constricteurs. . .
+)
Timbre (quality) is relied on heavily by experienced voice teachers in arriving at a voice classification.
This is the most intangible criterion used, however, because the teacher must hear the voice as it sounds
now and picture in his mental ear how it will sound when it is fully developed. To do this the teacher must
recall other voices, other students, desired tonal images, and so forth. Obviously, it is an exact science, as
many phases of voice teaching are, but still vital to many classification decisions. Timbre is the most risky
criterion for the inexperienced teacher, simply because he d oes not have all those tonal memories to call
upon.
som da voz. Se o som da voz dependesse exclusivamente de características inatas, essas
mudanças certamente não seriam possíveis. Miller (1996) diz:

Verdadeiramente raro é o jovem de voz grave que, pelo menos no começo da


sua carreira como cantor, não presume que precisa “enriquecer” o som
fazendo-o “espaçoso” e “quente”, qualidades geralmente alcançadas através
de uma série de ajustes em sua laringe e em seu trato vocal que dispersam
grandemente a beleza inerente do timbre do seu instrumento. Jovens tenores
frequentemente confundem o timbre ingolato (na garganta) bufonesco,
caracterizado por agudeza com “ressonância”, “colocação na frente”, ou
“projeção”. [...] Esses incidentes são apenas protótipos que ilustram a visão
frequentemente encontrada de que para cumprir a estética que determina a
coloração em cada Fach (categoria), a função básica do instrumento deve ser
alterada. 76

Portanto, para que se possa valer do timbre para efeitos classificatórios, é


preciso certificar-se antes de que o aluno esteja emitindo sua voz livremente e não
simplesmente tentando reproduzir o som que ele deseja ter.
Maciel (1996) fala das idéias do Dr. Tarneaud, adepto da classificação vocal
através da observação da tosse sonora e da percepção de sua altura tonal. Cita também
Bloch (1958), que diz que a voz durante a fonação, quer reflexa (tosse, pigarro) ou
voluntária (fala, canto) não deve apresentar diferenças. Sobre o assunto, diz Franklin:
A tosse e o pigarro revelarão a voz verdadeira, porque essas ações reflexas
semi-involuntárias do laringe estão sob o controle dos centros bulbares, que
não se deixam atingir pelos fatores psicogênicos. (FRANKLIN, apud
MACIEL, 1996)

A observação do som da tosse ou do pigarro, portanto, é uma das formas de se


valer da percepção do timbre para efeitos de classificação vocal. O método garante que
o aluno não estará modificando seu timbre para soar como deseja (como pode
facilmente fazer durante o canto), dificultando a percepção de seu timbre verdadeiro e
portanto de sua classificação vocal.
Para Doscher (1999), timbre é sem dúvida um melhor parâmetro para
classificação do que extensão. No entanto, aponta que podem aparecer problemas:

+*
Rare indeed is the young low-voiced male who does not, at least at the beginning of his singing carrer,
assume he must “enrich” his sound by making it “spacious” and “warm”, qualities generally
accomplished through a series of adjustments to his larynx and to his vocal tract that greatly disperse the
inherently beautiful timbre of his instrument. Young tenors often mistake the ingolata (throaty)buffoesque
timbre, characterized by edginess, for “resonance”, “forward placement”, or “projection”. (…) These
incidents are but prototypes that illustrate the frequently encountered viewpoint that in order to comply
with the aesthetics that determine coloration in Fach (category), the basic function of the instrument
should be altered.
Se uma jovem tem uma voz cantada naturalmente mais escura que seus
pares, ela é geralmente classificada como mezzo. Muitas sopranos de voz
grande cantaram como mezzos até os vinte e poucos, até perceber que suas
vozes estavam classificadas erroneamente. O período de re-treinamento
pode ser extensivo e frustrante porque o terço mais agudo de sua voz ficou
inativo por muito tempo. Como resultado, algumas vezes a voz nunca
alcança todo o seu potencial. O triste desse tipo de classificação apenas pelo
timbre é que as vozes raras, como o soprano spinto e o tenor dramático, são
as que mais freqüentemente são mal classificadas. Na melhor das hipóteses,
o potencial nunca é descoberto, na pior, o resultado são danos vocais
permanentes. (DOSCHER, 1999, p. 196)77

2.4 Extensão

Fields (1947, p. 147) dá a seguinte definição para extensão vocal: “Extensão


vocal no canto é definida como o número de mudanças de frequência possíveis entre as
notas mais graves e mais agudas da voz”. 78 Demonstra ainda (p.149) como a extensão
média de vozes desenvolvidas varia de acordo com a opinião dos diversos autores que
abordam o assunto. Para Woods, a extensão média das vozes é de aproximadamente
uma oitava e meia (de Mi 3 a Sol 4 para sopranos, Sol 2 a Dó 4 para contraltos, Dó 2 a
Sol 3 para tenores, e de Sol 1 a Dó3 para baixos). Segundo Aikin e Hoffrek, espera-se
que todas as vozes tenham um alcance de duas oitavas. Pressman diz que a voz adulta
geralmente tem uma extensão de duas oitavas e meia, raramente chegando a mais de
três oitavas. Já Orton, Wilcox, Stanley, Nichols, Onegin e Shaw defendem que as vozes
normalmente tem um alcance de três oitavas.
Vemos, portanto, que não há um consenso com relação à extensão média da
voz humana. A incerteza é facilmente justificada, uma vez que as particularidades
fisiológicas de cada indivíduo podem promover alcances maiores ou menores. Em
suma, a extensão média de um cantor treinado, de acordo com as fontes apontadas por
Fields (1947), varia entre uma oitava e meia e três oitavas. Destacamos aqui Mackenzie
(FIELDS, 1947, p. 150), por parecer bastante razoável ao sugerir que a extensão média

77 If a young female has a naturally darker singing voice than her peers, she generally is classified as a
mezzo. Many a big-voice soprano has sung as a mezzo into her mid-20´s, only to find that her voice was
misclassified. The retraining period can be extended and frustrating because the upper third of her voice
has been inactive for so long. As a result, sometimes the voice never reaches its full potential. The sad
thing about this kind of classification by timbre alone is that the rare voices, such as the spinto soprano
and the dramatic tenor, are the ones most often misclassified. At best, their potential is never realized, at
worst, permanent vocal damage results.
+$
Vocal range in singing is defined as the number of frequency changes possible between the lowest and
the highest pitches of the voice.
da voz cantada é de duas oitavas a duas oitavas e meia, sendo que três oitavas é
excepcional e quatro é fenomenal.
Vennard (1967) diz que a voz treinada profissionalmente terá provavelmente
um alcance de duas oitavas. Acrescenta que alcances maiores não são incomuns, mas
que podemos ter em mente, como generalização, o intervalo de uma décima quinta. As
extensões dos diferentes tipos vocais são apresentadas assim pelo autor:

A voz de baixo vai aproximadamente do Mi 1 abaixo da clave de baixo ao


Mi 3 acima da clave. As oitavas do barítono são uma terça acima, e o tenor
deve ser capaz de alcançar Dó 4 acima do Dó médio. Pode-se pensar que
contraltos estão uma oitava acima do baixo; mezzos, acima do barítono;
soprano, acima do tenor. Geralmente as vozes femininas são um tom ou
mais acima disso, mas esses limites são arbitrários de qualquer forma.
(VENNARD, 1967, p. 79)79
Os limites são arbitrários devido às particularidades fisiológicas de cada
indivíduo. As diferentes classificações vocais apresentam normalmente alcances
diferentes (como veremos mais detalhadamente no segundo capítulo), e portanto a
extensão ou alcance vocal de cada cantor pode ser um parâmetro para identificar a
sua classificação. Há que se observar, apesar disso, que as características únicas de
cada ser humano fazem com que a extensão dos indivíduos de uma mesma
classificação possa variar bastante. Mesmo a extensão vocal de um único indivíduo
pode variar de acordo com seu desenvolvimento técnico, e ainda há o fato de que
uma voz muito extensa pode passar, a princípio, a falsa impressão de pertencer a uma
classificação vocal mais alta ou mais baixa.
Miller (1986), no entanto, mostra como uma extensão além dos padrões não
assegura o sucesso ou põe necessariamente um indivíduo em vantagem sobre os
outros:
Infelizmente, uma extensão grande não é um determinante essencial na
avaliação de uma voz – a qualidade é. A voz ágil de “rouxinol”, com
extensão de alcance fantástica mas pequena em tamanho, não é incomum; às
vezes é desinteressante. Instrumentos assim caem na categoria de soprano
“normal”. A menos que alguma faceta muito individual da imaginação do
artista ou o timbre vocal seja característico, uma voz assim vai permanecer

79 The bass voice is roughly from E2 below the bass staff to the E4 above it. The baritone octaves are a
third higher, and the tenor should be able to reach C5 above Middle C. Altos may be thought to as an
octave above bass; mezzo, above baritone; soprano, above tenor. Generally the women´s voices are a
tone or so higher than this, but these boundaries are arbitrary anyhow. Endless embellishments are made
upon this outline, because no two voices are identical.
sem destaque no meio de centenas de outras, apesar da facilidade técnica.
(MILLER, 1986, p. 161)80
McKinney (1995) diz que a classificação vocal pela extensão tem uma
aplicação prática frequentemente ignorada:
Se um indivíduo se considera tenor, isso implica ter todo o alcance necessário
para cantar a maior parte da literatura escrita para essa voz. Por que chamar-
se tenor se seu alcance agudo é tão limitado que a maior parte da literatura
para tenor lhe é vedada? Isto seria trabalhar sob falsas cores, para dizer o
mínimo. Um forma de chegar no alcance da voz de tenor é examinar uma boa
quantidade de literatura vocal escrita para essa voz para ver que tipo de
alcance é requerido para cantar, não tudo, mas a maior parte desta literatura.
O mesmo procedimento é válido para todas as categorias. (MCKINNEY,
1995, p. 110)81

Podemos entender, pelas palavras de McKinney, que observar a extensão


vocal do aluno pode trazer informações contrastantes às informações obtidas pela
observação do timbre. Como já vimos, uma laringe saudável é capaz de diversos
ajustes que modificam o som, podendo um aluno moldar o som de sua voz (mesmo
que inconscientemente) fazendo-a soar como uma voz que não a sua. A verificação
da extensão (bem como a manutenção do timbre ao longo da extensão) pode trazer
pistas para revelar a verdadeira voz do aluno.
No entanto, mesmo que se possa verificar em uma voz o alcance médio
apontado pelos autores como característico de sua classificação vocal, a extensão não
deve ser um parâmetro determinante na avaliação de uma voz. Doscher (1999)
afirma:
Provavelmente a forma menos confiável e mais perigosa de classificar uma
voz é pela extensão.
um julgamento Além de simples
relativamente indicar sedeuma voz é sobre
se fazer masculina
vozesounormais,
feminina,
extensão é uma coisa “volúvel”. Particularmente em vozes jovens, pode
subir e descer como um iô-iô. Uma extensão de mezzo-soprano é comum
para uma jovem soprano que ainda não encontrou a voz leve ou de cabeça.
Jovens cantores freqüentemente tem as notas graves de um baixo e podem
eventualmente tornar-se barítonos ou mesmo tenores. Uma extensão
definitiva é quase sempre um produto de maturidade vocal e, como tal, é

$'
Unfortunately, an extensive range is not a primary determinant in evaluating a voice – quality is. The
agile “nightingale” voice, with fantastic range extension but small in size, is not uncommon; sometimes it
is uninteresting. Such instruments fall into the “normal” soprano category. Unless some highly
individualistic facet of artist imagination or vocal timbre is characteristic, such a voice will remain
undistinguished from hundreds of others, despite technical facility.
$&
If a person is to call himself a tenor, this implies that he has the range needed to sing most of the
literature written for that voice. Why call yourself a tenor if your upper range is so limited that most tenor
literature is closed to you? This is parading under f alse colors, to say the least. One way to arrive at the
range of the tenor voice is to examine a wealth of vocal literature written for that voice to see what sort of
range is required to sing not all but most of it. The same approach is valid for all the voice categories.
pouco útil como ferramenta de classificação vocal durante o treinamento.
(DOSCHER, 1999, p. 196)82

Parece ser consenso que o desenvolvimento técnico tende a ampliar o alcance


inicial. A extensão do aluno, portanto, não pode ou não deve ser utilizada como um
parâmetro classificatório no início dos estudos. Miller (1986), sobre o assunto, diz:
Quando se permite que a extensão sirva como consideração principal em
classificação vocal, muitas vozes potencialmente profissionais de uma
categoria são primeiro erroneamente classificadas como de outra categoria. O
tenor com uma voz grave cheia e ressonante, o soprano com o topo
temporariamente curto, o cantor cuja extensão é limitada por uma falta de
energia, frequentemente enganam a categoria vocal verdadeira,
principalmente no que tange a extensão esperada dessas respectivas
categorias. (MILLER, 1986, pp. 163, 164)83

Vennard (1967, pág. 78) parece concordar:

A maioria dos barítonos não-treinados ainda não descobriu como cantar suas
notas agudas, e por isso consideram-se baixos. A maioria dos mezzos não
treinados não gostam dessa categoria, e por terem uma voz de cabeça
satisfatória consideram-se sopranos. (VENNARD, 1967, p. 78)84

Por estar a extensão vocal, em última análise, ligada ao desenvolvimento


técnico do cantor, ela não pode, ao menos a princípio, servir como um definidor de
classificação, ainda que possa servir como uma indicação de tendências. Para Deere
(2005), “problemas de extensão raramente revelam-se limitações vocais naturais”. 85

2.5 Tessitura

$!
Probably the least reliable and the most dangerous way to classify a voice is by range. Other than
indicating wheter a voice is male or female, a relatively simple judgeme nt to make about normal voices,
range is a “sometime thing”. Particularly in young voices, it can bob up and down like a yo-yo. A mezzo-
soprano range is common for a young soprano who has not yet found the light or head voice. Young male
singers frequently have the low notes of a bass and may eventually become baritones or even tenors. A
conclusive range is almost always a product of vocal maturity and, as such, is of little use as a tool to
classify voices during training.
$(
When range is allowed to serve as the chief consideration in vocal classification, many potential
professional voices of one category are mistakenly classified early as belongin to some other category.
The tenor with full, resonant low voice, the soprano with the temporarily short top, the singer whose
range is limited because of a lack of energy, often mislead as to true vocal category, especially with
regard to range expectation from the respective categories.
$#
Most untrained baritones have not discovered how to sing their top notes, and hence consider
themselves basses. Most untrained mezzos dislike the category, and because they have a satisfactory head
voice consider themselves sopranos.
$)
…problems of range rarely reveal themselves as natural vocal limitations.
O termo tessitura vem do italiano, e significa literalmente textura. Grosso
modo, é a região da voz em que o cantor se sente mais confortável ao cantar. Doscher
(1999) diz que “tessitura e o monitoramento cauteloso das pontes entre os registros são
o caminho mais viável para classificar vozes jovens”86 (DOSCHER, 1999, p. 197).
Vennard (1967) concorda:
Muitos cantores tem grande extensão – mais de duas oitavas – e o critério
importante é a tessitura, ou seja, a parte da extensão em que a voz se
apresenta melhor, tanto em termos de som como de facilidade. (VENNARD,
1967, p 79)87

McKinney (1995) aponta uma interessante questão:


Cantores com grande extensão frequentemente tem que fazer uma escolha
entre tenor e barítono ou entre soprano e mezzo porque eles tem a extensão
para cantar ambas as partes. A decisão deve ser feita, em parte, com base em
que tessitura revela-se mais extenuante. Longevidade vocal mantem uma
relação direta com conforto vocal. Se você consegue cantar bem em duas
tessituras diferentes, é sábio escolher a que é menos fatigante vocalmente.
Normalmente será a mais baixa. (McKinney, 1995, p. 74, grifo do autor)88

Fields (1947), ao apontar a comum confusão entre extensão e tessitura,


pontua com uma definição mais ampla:

Tessitura é definida como a região da extensão de uma melodia ou parte


vocal de uma composição na qual a maior parte de suas notas se encontra.
Esse termo não denota a extensão de uma voz, mas antes, a adaptabilidade de
uma determinada voz a uma determinada peça musical. Por consequencia,
tessitura também veio a significar: a porção mais pura, mais fácil e cantável
do alcance vocal. (FIELDS, 1947, p. 147)89

Pela definição de Fields, podemos entender que a tessitura de um cant


or (a

região onde ele se sente mais confortável, e tem melhor resultado sonoro) deve
corresponder à tessitura (região onde a maior parte das notas se encontra) de uma

$*
"tessitura and the careful monitoring of bridges between registers is the most viable way to classify
young voices.
$+
Many singers have wide ranges – more than two octaves – and the important criterion is tessitura, that
is, that part of the range in which the voice performs best, both as to sound and as to ease.
$$
Singers with very wide ranges often have to make a choice between tenor and baritone or between
soprano and mezzo because they have the range to sing either part. The decision should be made, in part,
on the basis of wich tessitura proves to be more tiring. Vocal longevity bears a direct relationship to vocal
confort. If you can sing well in two different tessituras, it is the better part of wisdom to choose the one
wich is less fatiguing vocally. Normally this will be the lower one.
$%
Tessitura is defined as that part of the compass of a melody or voice part of a musical composition in
which most of its tone lie. This term does not denote the range of a voice but, rather, the adaptability of a
given voice to a given piece of music. By extension, tessitura has also come to mean: the purest, most
factile and singable portion of the vocal range.
determinada peça do repertório que escolhe para si. Portanto, a identificação da
tessitura do aluno é fundamental para uma correta classificação vocal, e
consequentemente para a definição de seu repertório.
Observar a sua região de conforto é essencial para que o aluno se identifique
como instrumento. Mesmo que esqueçamos a questão da classificação, quando o aluno
começa a escolher canções para o seu repertório, precisa perceber em que tom uma
determinada canção lhe fica mais confortável. Ainda que a classificação vocal não seja
uma questão urgente, a escolha da tonalidade será essencial para o aluno que começa a
aplicar em expressão artística os seus avanços, até então, puramente técnicos.
Não se pode desprezar, ainda, a influência do desenvolvimento técnico na
identificação da tessitura. Um aluno de canto pode vir a de
scobrir em notas que a
princípio eram difíceis um conforto especial ao trabalhar tecnicamente sua voz. Miller
(1996) diz:
Um problema para o soprano com voz grande é a tendência das pessoas com
quem ela trabalha de deduzir que, porque ela tem um “topo curto” e um
timbre rico, ela deve por isso ser um mezzo. Um número surpreendente de
vozes líricas e dramáticas tem sido erroneamente classificadas como mezzos
por que elas não tinham a princípio a facilidade na região aguda da categoria
mais leve soubrette/coloratura. (MILLER, 1996, p. 178)90
Logo, podemos ver que muitas vezes um aluno descobre, ao longo dos
estudos, a facilidade de produção vocal numa região que antes não lhe era confortável,
modificando a concepção da sua tessitura. Ainda sobre o assunto, Miller diz:
Um bom número de tenores, a princípio classificados e treinados como
barítonos porque eram incapazes de alcançar a tessitura de tenor com
facilidade, descobrem aos vinte e muitos que são capazes de fazer a mudança
de categoria necessária. (MILLER, 1996, p. 180)91

2.6 Registração

%'
A problem for the soprano with a sizable voice is the tendency for people with whom she works to
assume that because she has “a short top” and a rich timbre she must therefore be a mezzo. A surprising
number of lyric and dramatic voices have been falsely classified as mezzos because they did not early
have the upper range facility of the lighter soubrette/coloratura category.
%&
A number of tenors, earlier classified and trained as baritones because they were unable to achieve the
tenor tessitura with ease, discover in their late twenties that they are capable of making the necessary
category change.
Registro é um dos assuntos referentes ao canto que mais levanta polêmicas. A
terminologia foi herdada do funcionamento do órgão de tubos, e adotamos aqui a
definição de Garcia (1847), até hoje não refutada:
Um registro é uma série de sons homogêneos e consecutivos produzidos pelo
mesmo mecanismo, que difere de uma outra série de sons igualmente
homogêneos, produzidos por outro mecanismo, quaisquer que sejam as
modificações de timbre e força que possam oferecer. Cada um dos três
registros tem sua própria extensão e sonoridade, que varia de acordo com o
sexo do indivíduo, e a natureza do órgão. (GARCIA, 1894, p. 8) 92
Segundo Alderson (1979), “idéias sobre registração na voz são pelo menos tão
antigas como o século XVI.” 93 (ALDERSON, 1979, p. 151) A diferenciação entre os
registros já aparece na literatura sobre canto desde os primórdios, e a terminologia para
esses registros permanece, ainda, baseada nas sensações de ressonância. Caccini, em
Nuove Musiche , já identifica dois registros, que ele chama voce piena e voce finta (voz
plena e voz falsa, disfarçada). James (1906) lembra que já Cerone (1613) reconhecia

dois registros – peito e cabeça. Assim, os principais registros identificados são


normalmente conhecidos como registro de peito e registro de cabeça. Com os avanços
científicos que tiveram início já com Garcia e a invenção da laringoscopia em 1840,
observou-se que o fenômeno da registração iniciava-se na laringe, e dependia
basicamente de sua posição e da conformação de seus músculos intrínsecos durante a
fonação.
Com relação ao mecanismo de produção dos diferentes registros, usa-se
também chamá-los mecanismo pesado e mecanismo leve. A diferença essencial entre

eles é que, no mecanismo pesado, há uma predominância dos músculos tiro-aritenóides


(TA) (contração), enquanto no mecanismo leve há uma predominância dos músculos
crico-tiróides (CT), alongando os tiro-aritenóides. Se, à medida em que o cantor realiza
uma escala ascendente, os músculos vocais se ajustam gradativamente à tensão dos
crico-tiróides, a transição se dá suavemente. Se não, a transição é brusca e a qualidade
do som muda radicalmente. Stanley (1931, p. 307) afirma que o desenvo
lvimento e
coordenação dos registros exige treinamento especial que cantor algum pode evitar.

92 A register is a series of consecutive homogeneous sounds produced by one mechanism, differing


essentially from another series of sounds equally homogeneous produced by another mechanism,
whatever modification of timbre and of strength they may offer. Each of the three registers has its own
extent and sonority, which varies according to the sex of the individual, and the nature of the organ.
%(
Ideas about registration in the voice are at least as old as the sixteenth century.
A evolução dos estudos de registração trouxe uma nova possibilidade de
abordagem – um registro intermediário entre o de peito e o de cabeça, que Garcia
chamou inicialmente de falsetto. É importante lembrar que esse registro nada tem a ver
com o que conhecemos comumente como falsete (produção vocal através da qual o
homem apresenta um timbre caracteristicamente feminino) 94. Para muitos que
consideram apenas a existência de dois registros, o termo falsetto pode ser utilizado
como o registro de cabeça, mas na teoria de três registros o falsetto aparece como uma
ponte entre os dois registros principais. Appleman (1967) diz:
Muitos professores acreditam que a cabeça e o peito são os únicos registros.
No entanto, tantos outros acreditam que existem três registros (a cabeça, o
médio, e o peito). Apesar da confusão na terminologia, cantores continuam a
cantar uma escala homogênea e os professores continuam a teorizar.
(APPELMAN, 1967, p. 86)95
Alguns professores discordam quanto ao número de registros, e alguns até
mesmo duvidam da existência deles, advogando que a voz é, ou deveria ser, um registro
único. Fields (1947) cita De Bruyn, que teria repetido de Lili Lehmann:
Registros existem de natureza? Não. Pode-se dizer que eles foram criados
através de longos anos falando na região vocal mais que é mais fácil para a
pessoa... o que significa que as notas abaixo e acima da voz de fala habitual
constituem outros dois registros. (FIELDS, 1947, p. 150) 96
Para ilustrar a polêmica, Burgin (1973 – p.107) apresenta uma lista de autores
que acreditam nas teorias de um, dois ou três registros. Cinco autores apontados
defendem um único registro, quinze são partidários da teoria de dois registros, e dezoito
acreditam na existência de três registros.
Como podemos observar, é difícil achar um consenso em relação ao fenômeno
da registração, embora a maioria dos autores oc nsidere a possibilidade de três registros.
Como as sensações observadas podem variar – muitas vezes radicalmente – de um
cantor para outro, pode-se entender que pessoas que não tenham experimentado

%#
Esse registro vocal é observado em ambos os sexos, e é produzido sem contração dos tiro-aritenóides.
95 Many teachers believe that the head and the chest are the only registers. However, just as many believe
that three registers exist (the head, middle, and chest). Despite the confusion in terminology, singers
continue to sing an even scale and teachers continue to theorize.
96 Do registers exist by nature? No. It may be said that they are created throughout long years of
speaking in the vocal range that is easiest to the person,… which means that the notes below and above
the habitual speaking voice zone comprise two other registers.
dificuldades nas transições entre seus registros durante os estudos tenham a tendência a
acreditar na existência de um único registro. Como diz Appelman97 (1967):
Cantores profissionais mais do que professores tendem a acreditar que
registros vocais não existem. A maioria dos profissionais são cantores
naturais que tem perfeita coordenação corporal e nunca realmente
enfrentaram um problema de registro, ou talvez quebras de registros que
ocorreram desapareceram com a maturidade. (APPELMAN, 1967, p. 86)98
Sundberg (1987, p. 50) comenta que as questões de terminologia parecem
ainda mais pitorescas por que a ênfase está mais em escolher os termos corretos do que
em determinar o que eles significam em termos de função glótica. Segundo ele, seria
mais útil substituir os termos por números, que são livres de conotação emocional
(frisando, no entanto, que isso também não resolveria o real problema).
Behlau99 (2001) aponta três registros principais e seus subregistros. Primeiro o
registro basal, onde são produzidas as freqüências mais graves, e que recebe também o
nome pulsátil. Segundo, o registro modal, que é utilizado na fala e é subdividido em
três: peito, misto e cabeça. O terceiro registro, chamado o registro elevado, quase nunca
acontece na fala habitual, e pode ser dividido entre falsete e flauta. Pode-se deduzir que,
no canto lírico, em geral apenas o registro modal será utilizado, em suas sub-divisões
peito, médio e cabeça (fazemos exceções, aqui, para os superagudos do soprano, que
utilizam o registro de flauta).
Doscher (1999, p. 173) relata que, para acabar com os termos extremamente
subjetivos, cientistas identificaram quatro registros: 1. um registro mais grave, 2. um
registro onde a maior parte da fala e do canto ocorre, 3. um registro alto usado
principalmente no canto e 4. um registro muito agudo encontrado apenas em mulheres e
crianças. O comitê de cientistas identificou ainda um quinto registro adicional no meio
da extensão, considerado difícil de definir cientificamente, mas que não poderia ser
ignorado. O primeiro e o quarto são registros extremos e de pouca importância no nosso
estudo. O mais grave é o chamado pulse, growl, ou fry (o registro basal ou pulsátil
apresentado por Behlau) e o mais agudo é o chamadowhistle, flute ou flageolet. O

%+

Ralph Appleman, professor emérito na Indiana University.


%$
Professional singers more than teachers tend to believe that vocal registers do not exist. Most
professionals are natural singers who have perfect body coordination and have never really confronted a
register problem, or perhaps register breaks which did occur have disappeared with maturation.
%%
Mara Behlau, fonoaudióloga brasileira.
primeiro, embora seja encontrado em algumas modalidades de canto, não é utilizado no
canto lírico. O quarto é utilizado principalmente (se não exclusivamente) por sopranos
em notas chamadas super-agudas. Podemos entender então que, excluídos os registros
muito grave e muito agudo como registros secundários, sobram basicamente dois
registros: o segundo e o terceiro, aqueles que, de forma pouco científica, são chamados
de peito e cabeça. O registro intermediário, sobre o qual o comitê não conseguiu chegar
a uma conclusão, podemos facilmente associar ao falsetto divulgado por Garcia.
Embora possa ser vista como apenas uma forma de passagem entre os dois registros
“principais”, para muitos autores que acreditam na teoria dos três registros é um ponto
culminante da escala vocal, e não encara-lo como um registro em si significaria, talvez,
não dar a ele sua devida atenção.
Vennard (1967), em capítulo sobre registros, deixa claras suas idéias sobre o
assunto ao abordar três tópicos, chamados por ele: A abordagem idealista – um registro,
A abordagem realista – três registros e A abordagem hipotética – dois registros. A última
aponta a possibilidade de dois registros, que ele chama “mecanismo leve” e
“mecanismo pesado”. Podemos facilmente identifica-los como os chamados registros
“de peito” e de “de cabeça”. Vennard (1967) salienta que os dois registros podem se
sobrepor por uma oitava, a qual poderia ser cantada em um ou outro mecanismo. Isso
nos remete claramente ao falsetto preconizado por Garcia e ao registro médio citado por
Doscher. Apesar disso, Vennard diz que o ideal é desenvolver no aluno a produção

pesada e a leve como uma voz, e não envolve-lo na discussão dos registros.
Arnold (apud DOSCHER, 1999) compara a transição de registros à troca de
marchas em um carro:
A transição natural entre dois registros adjacentes pode ser comparada ao
câmbio de marcha de um carro... A mesma velocidade absoluta do veículo
pode ser mantida dirigindo em RPM alta em marcha baixa ou por menos
revoluções da máquina na próxima marcha mais alta. Dirigir com uma
mínima quantidade de consumo de combustível em uma determinada
velocidade é a forma mais econômica, tanto em consumo de combustível
quanto em conservação da máquina. (ARNOLD apud DOSCHER, 1999, p.
177)100
Sundberg (1987) faz a mesma comparação:

100 The natural transition between two adjacent registers may be compared to the gearshift of a car. …
The same absolute vehicle speed can be maintained by driving either with high rpm in low gear or by
fewer engine revolutions in the next higher gear. Driving with the minimal amount of gas flow at a given
speed is the most economical manner with regard to gas consumption and engine conservation.
Assim, quando a frequência de fonação é levada acima além de um certo
ponto, parece que todo o aparato de controle é de alguma forma reiniciado,
de forma que os valores usados para a região mais baixa do registro mais
grave podem ser usados novamente para as notas mais baixas do próximo
registro mais grave, quase como ao mudar as marchas do carro.
(SUNDBERG, 1987, p. 53)101
Portanto, podemos entender que a mudança brusca de registros tenderá a ser
suavizada a ponto de se tornar (ao menos quase) imperceptível à medida em que o aluno
evolui tecnicamente. A quebra de registros, então, como instrumento de classificação
vocal, tende a ser menos observável à medida em que a técnica se desenvolve. Doscher
(1999, p. 177) diz que a localização das passagens de registro é ainda um objeto de
controvérsia científica e pedagógica. Lembra, no entanto, que, à medida em que uma
voz cresce em tamanho e em foco, problemas de entonação normalmente aparecem
primeiro nessas passagens. Sobre as passagens de registro como identificadores de
classificação vocal, diz Miller (1986):

Os eventos da demarcação de registros servem como indicadores de


classificação vocal; se esses eventos são encobertos por impedimentos
técnicos, a extensão pode ser encurtada. A extensão aguda é muito vulnerável
a essas limitações. Descobrir os pontos de passagem da voz e evitar a
classificação baseada principalmente em quão grave ou quão agudo um
cantor pode cantar em um estágio inicial do desenvolvimento vocal é um
procedimento sábio. (MILLER, 1986, p. 164)102

O que mais nos chama atenção em Vennard (1967) sobre o assunto é o que ele
chama de registro não utilizado. Segundo o autor, o registro não utilizado do homem é o
falsetto e o da mulher é o de peito. (É importante dizer, aqui, que Vennard usafalsetto
para designar o registro leve, ou de cabeça.) Exceções são apontadas, é claro, para o
tenor e para o contralto, mas o que ele defende é que, via de regra, o homem, após a
puberdade, tende a cultivar uma produção vocal tensa e pesada, a fim de evitar sons
afeminados. Analogamente, a mulher, a fim de evitar sons masculinizados, tende a
cultivar, ao menos no canto, a produção sonora leve (falsete, ou registro de cabeça).
Mesmo aquelas que falam no registro de peito (o que, segundo Vennard, seria uma

101 Thus, when fonation frequency is raised beyond a certain point, it seems that the entire control
apparatus is in some way reset, so that the values used for the bottom range of the lower register can
again be used for the bottom tones of the next higher register, almost as in shifting the gears of a car.
102 The events of register demarcation serve as indicators of vocal categorization; if these events are
overlaid with technical encumbrances, range may be curtailed. The upper range is highly vulnerable to
such limitations. Discovering the passaggi pivotal points of the voice, and avoiding classification based
chiefly on how high or high low a singer can sing at some early stage of vocal development, is wise
procedure.
vantagem para o professor) tendem a evitar, no canto, que suas vozes soem “grosseiras”
como suas vozes faladas.
McKinney (1995, p. 113) aponta o que seriam, em média, os pontos de
transição de registro nas vozes masculinas e femininas segundo os autores. Chama ainda
atenção para o fato de que as passagens de registros mais evidentes acontecem na região
grave feminina e na região aguda masculina, basicamente nas mesmas alturas: tanto o
baixo como o contralto fazem passagem no Réb 3, meio-sopranos e barítonos no Mib 3,
e tenores e sopranos no Solb 3. Uma oitava acima, as mulheres fazem uma segunda
passagem: contraltos no Réb 4, meio-sopranos no Mib 4 e sopranos no Solb 4.
Sobre o domínio e controle das transições de registros, diz Reid (1965):
O som tem srcem no mecanismo laríngeo. Quando a pressão do ar é
direcionada contra as pregas vocais os músculos laríngeos contraem,
segurando as cordas em extensão e tensão correspondentes à imagem mental
de altura e intensidade. [...] Em estado de perfeito equilíbrio, cada nova altura
e intensidade requerem um alinhamento especial do processo coordenativo.
Assim, há apenas um balanço muscular perfeito para cada altura e
intensidade! Outra forma de colocar isso seria dizer que em uma técnica
perfeita há um ajuste diferente no registro para cada nota e volume. (REID,
1965, p. 37)103
Também Miller (2000) atesta a importância da registração no ensino de canto e
na classificação vocal:

A classificação das voices e a literature a ser selecionada para elas em


performance são grandemente dependentes do tamanho do instrumento vocal
e dos pontos da escala musical em que eventos de registração para aquela
categoria particular de voz ocorrem. Registração é base da instrução vocal
em todas as suas dimensões. Conhecimento da fisiologia básica da
registração vocal deve guiar a pedagogia tanto nos primeiros estudos quanto
nos avançados. Deve-se reiterar que pedagogia sábia não introduz as
especificidades da registração para o aluno num estágio inicial. 104 (MILLER,
2000, p. 28)

&'(
Tone srcinates in the laryngeal mechanism. When the breath pressure is directed against the vocal
cords the laryngeal muscles contract, holding the cords at a length and tension corresponding to the
mental picture of pitch and intensity. […] In a state of perfect equilibrium, each new pitch and intensity
requires a special alignment of the coordinative process. Thus, there is but one perfect muscular balance
for each pitch and intensity! Another way of putting it would be to say that in a flawless technique there is
a different adjustment of the registration for every tone and loudness.
104 The classification of voices and the literature to be selected for them in performance are largely
dependent on the size of the vocal instrument and on the points in the musical scale at which registration
events for that particular voice category occur. Registration undergirds vocal instruction in all of its
dimensions. Knowledge of the basic physiology of vocal registration must guide the pedagogue
throughout both early and advanced instruction. It should be reiterated that wise pedagogy does not
introduce the specifics of registration to the student at an early stage. (MILLER, soprano, 28)
Como vimos, as passagens de registro são apontadas como um dos quesitos
mais importantes na verificação da classificação vocal. No entanto, como vimos, essas
passagens tendem a ser disfarçadas à medida em que o aluno domina o mecanismo.
Portanto, podemos concluir que, ao contrário de timbre, extensão e tessitura, que
tendem a ficar mais claros e portanto mais eficazes como parâmetros classificatórios ao
longo dos estudos, as passagens de registro são mais observáveis quando o aluno
passeia por sua extensão sem um pensamento técnico ou estético de uniformidade
sonora.
Estudamos, neste capítulo, os diferentes meios possíveis para a verificação da
classificação vocal. No próximo capítulo, estudaremos detalhadamente as diferentes
classificações e suas características próprias.

3 OS TIPOS VOCAIS

Agora que estudamos os itens a ser observados para a classificação de uma voz,
passaremos a estudar as características de cada um dos diferentes tipos vocais. Como já
dissemos no capítulo anterior, dividem-se as vozes humanas, pelos padrões atuais, em
sopranos, meio-sopranos, contraltos, tenores, barítonos e baixos. Considerando as vozes
humanas como instrumentos, podemos dizer que, embora os padrões gerais de função
mecânica envolvidos no canto sejam basicamente os mesmos, os diferentes tipos vocais
são como instrumentos diferentes de uma mesma família. Embora representantes de
todas as classificações vocais possam ser designados simplesmente cantores, eles
possuirão, além de timbres característicos, extensão, tessitura, regiões de passagem de
registros (e também os chamados “pontos pivotais”, os pontos culminantes dessas
passagens) particulares.
Evocamos novamente aqui o pragmatismo latente na natureza do ensino de
canto, pois o professor deve estar atento não somente às características de seus alunos
para classifica-los mas também às peculiaridades de cada tipo vocal como instrumento
para realizar um treinamento adequado. Vozes extremamente agudas e extremamente
graves, por exemplo, provavelmente encontrarão dificuldades diferentes no processo de
solidificação técnica.
É interessante notar, no entanto, que apesar da quantidade de tratados de canto
disponíveis desde o século XIX (e ainda antes), estes normalmente dedicavam pouco de
sua atenção ao assunto classificação. Cotton (2007), ao tratar das vozes femininas,
pondera:

A aparente falta de publicações que lidaram com classificação no século


XVIII [...] pode também apontar para um conceito de classificação que era
consideravelmente menos importante no treinamento dos cantores do que
acreditamos ser hoje. Além da possibilidade de a classificação ter tido pouca
ou nenhuma parte no treinamento dos cantores, é também intrigante
considerar a possibilidade de que os três tipos básicos sobre os quais os
pedagogos parecem concordar (soprano, meio-soprano contralto) não eram os
conceitos com que os pedagogos mais antigos trabalhavam. Especificamente
no caso do meio-soprano, essa categoria parece ter sido não existente por
muito tempo antes do final do século XVIII. 105 (COTTON, 2007, p. 34)

Quanto à questão do “surgimento” da voz de meio-soprano voltaremos a falar


mais adiante no mesmo capítulo. No momento, o que nos importa na afirmação de
Cotton (2007) é que ela nos lembra que a classificação vocal, como toda teoria, veio
depois da prática, e o que até relativamente pouco tempo atrás era uma simples questão
de adequação tornou-se, principalmente pela evolução do repertório, um assunto
bastante mais complexo. Jander (2010) faz uma rápida revisão do processo de
estabelecimento das classificações vocais tais como conhecemos hoje:

105 The seeming lack of publications that dealt with voice classification in the eighteenth century […]
may also point to a conception of voice classification that was remarkably less important in the training
of singers than we believe it to be today. In addition to the possibility that classification played little to no
role in the training of singers, it is also intriguing to consider the possibility that the basic three types
upon which pedagogues today seem to agree (soprano, mezzo-soprano, contralto) were not the concepts
with which earlier pedagogues worked. Specifically concerning the classification of the mezzo-soprano,
this category seems to have been non-existent for many before the late eighteenth century.
Até 1800, virtualmente todos os papéis operísticos eram compostos com um
cantor e uma ocasião particulares em mente. Não havia expectativa de criar
uma ópera que iria entrar para o repertório, assim como não existia um
repertório consolidado; a maioria das óperas nunca eram remontadas, e
quando eram, eram sujeitas a revisão ou recomposição para adequarem-se a
um novo time de cantores. Portanto os papéis eram concebidos menos para
tipos vocais do que para vozes individuais. Esse procedimento continuou,
especialmente na Itália, até o final do século XIX. Mas o crescimento de um
repertório estabelecido – internacional, mas com variações locais – levou os
cantores a serem requisitados a cantar música não escrita para eles. Com o
tempo isso deu srcem, por causa da necessidade de elencos apropriados, a
um grau de classificação de papéis e cantores, e à identificação de diferentes
tipos vocais [...] Além disso, ao passar do século XIX, ao invés de os
compositores serem requisitados a adequar sua música ao uma voz particular,
o compositor escrevia o que gostaria e a voz tinha que adequar-se às suas
demandas.106 (JANDER, 2010, sem número de página)

Para definir os limites de extensão e as passagens de registros que correspondem


a cada tipo vocal, utilizaremos as definições de Garcia (1841) e Miller (1986), por
considerarmos ambos autores ícones. A distância de 145 anos que separam suas
publicações mostram que, apesar de muitas coisas permanecerem ainda não esclarecidas
em questões ligadas à produção vocal para o canto (particularmente na questão da
registração), outras tantas já são discutidas e publicadas há bastante tempo. As pequenas
discrepâncias entre os limites apontados pelos autores (tanto em termos de extensão
quanto de passagens de registros) serão discutidas, bem como visões peculiares sobre as
características de cada tipo vocal.
Não nos limitaremos, no entanto, a indicar extensão e passagens de registros de
cada um dos tipos vocais. Pretendemos, também, estabelecer um perfil de cada um
deles, encarando-os como tipos em si e não apenas partes de um todo. Como este
trabalho trata da classificação vocal dentro da prática pedagógica do canto lírico, é
importante mais uma vez aqui ressaltar o quanto a identificação do aluno como
instrumento é importante no processo de desenvolvimento de sua expressão artística. A
cada tipo vocal corresponde uma gama de repertório diferente, e embora no repertório
de câmara isso possa fazer menos diferença pela tradição do transporte de tonalidades

106 Up to 1800, virtually every operatic role was composed with a particular singer and a particular
occasion in mind. There was no expectation of creating an opera that would enter the repertory, as no
consolidated repertory existed; most operas were never revived, and when they were they were subject
to revision or recomposition to suit a new team of singers. Accordingly roles were designed less for
voice types than for individual voices. This procedure continued, especially in Italy, into the late 19th
century. But the growth of an established repertory – international, but with local variations – led to
singers being required to perform music not written for them. This in time gave rise, because of the
need for appropriate casting, to some degree of classification of roles and singers, and to the
identification of different voice types […] Further, as the 19th century progressed, instead of a
composer being required to suit his music to a particular voice, the composer wrote what he pleased
and the voice had to be found to cope with his requirements.
das canções a fim de se adequar às particularidades de extensão e tessitura de cada
cantor que as aborde, no repertório operístico o caso é totalmente diverso.

3.1 Soprano

A voz de soprano é a voz feminina mais aguda. Segundo Jander (2010):

A palavra em si é construída sobre a raiz “sopra” ou “sovra” (“sobre”, “em


cima de”) e deriva (através de formas como “supremus”, “supranus”,
“suvranus” e “sopranus” do latim “superius”, o termo mais comum para a
voz mais aguda na polifonia do século XV. Pietro AaronThoscanello
( de
la musica, 1523) a usou como equivalente de “canto”. Zarlino ( Le
istitutioni harmoniche, 1558, p. 281) destacou que o canto é “uma voz
chamada por alguns sopranos por causa de sua posição suprema”, e usou
os dois termos com igual freqüência, escrevendo o canto na maior parte na
clave de mezzo-soprano e o soprano na maior parte na clave de soprano.
Vicentino (L´antica musica ridotta alla moderna prattica, 1555) usou
apenas a palavra “soprano” e quase exclusivamente a clave de soprano,
refletindo o interesse da corte de Ferrara (onde ele trabalhava) por música
para mulheres sopranos.107 (JANDER, 2010, sem numeração de página)

Ainda segundo o Jander, o termo soprano na França era, até o século XVIII,
utilizado apenas para cantores (mulheres e homens castrados) italianos. Lá o termo
utilizado era “dessus”, e até mesmo a primeira edição da ópera Guillaume Tell de
Rossini, de 1892, trazia esse termo para designar as personagens femininas mais agudas.
Até a primeira metade do século XVIII, a extensão das árias compostas para
soprano normalmente não ultrapassava o Lá 4. Não havia, então, o conceito

estabelecido de meio-soprano, e a vozes femininas eram classificadas apenas como


sopranos ou contraltos. No decorrer do século XVIII e principalmente no século XIX os
compositores passaram a explorar cada vez mais a região aguda da voz de soprano. O
alongamento da extensão, bem como a elevação da tessitura da música escrita para esse
tipo de voz, definiram as características que hoje identificamos como indicadoras da
classificação de soprano.

107 The word itself is built on the root ‘sopra’ or ‘sovra’ (‘above’, ‘over’) and derives (through such
forms as ‘supremus’, ‘supranus’, ‘sovranus’ and ‘sopranus’) from the Latin ‘superius’, the commonest
term for the top voice in 15th-century polyphony. Pietro Aaron (Thoscanello de la musica, 1523) used
it as the equivalent of ‘canto’. Zarlino ( Le istitutioni harmoniche, 1558, p.281) remarked that the
canto is ‘a voice called by some the soprano because of its supreme position’, and used the two terms
with almost equal frequency, writing the canto mostly in the mezzo- soprano clef and the soprano
mostly in the soprano clef. Vicentino (L'antica musica ridotta alla moderna prattica , 1555) used only
the word ‘soprano’ and almost exclusively the soprano clef, reflecting the interest of the Ferrarese
court (where he worked) in music for female sopranos.
Segundo Garcia (1841), a extensão do soprano é de Sib 2 a Dó 5. Quanto à
divisão dos registros, o autor aponta o registro de peito estendendo-se do Sib 2 até Mi 3,
o registro de falsete do Ré 3 (ou Si 2) até Dó# 4 e o registro de cabeça do Ré 4 ao Dó 5.
Lembramos aqui que o que Garcia descreve como falsete falsetto,
( fausset ou falsett)
em nada tem a ver com o que conhecemos normalmente sob esse termo (a voz
masculina sem contração do músculo tiro-aritenóide resultando num som que
percebemos como feminino), mas ao que ele também chama de voz média. Na prática é
um registro intermediário, uma zona de instabilidade entre o registro “puro” de peito e o
registro “puro” de cabeça. Isso nos faz entender, também, o por quê de algumas notas da
escala aparecerem englobadas em dois registros diferentes.
Evidentemente a extensão que Garcia indica para a voz de soprano é baseada na
média (e, principalmente, leva em consideração a regra geral do repertório tradicional
da época), podendo um soprano alcançar notas mais graves ou mais agudas que as
apontadas como pelo autor como limites. Encontramos, inclusive, no repertório
tradicional atual, papéis que apresentam notas além da extensão apontada pelo autor
(podemos lembrar, aqui, momentos extremos, como um Solb 2 para a Salome de Strauss
e três Fás 5 para a Rainha da Noite em Die Zauberflöte (A Flauta Mágica) de Mozart).
Para Miller (1986, p. 134), o registro de peito do soprano vai de Sol 2 a Mib 3, o
centro baixo de Sib 2 a Dó 4, o centro alto de Dó# 4 a Fá#4, o registro agudo de Sol 4 a
Dó5 ou Dó# 5 e o registro flageolet de Ré 5 a Lá 5. É interessante notar que Garcia não

faz menção ao registro superior (flauta, ou flageolet), e também não considera notas
acima do Dó 5 na extensão do soprano. Admitindo que o autor considerava as demandas
do repertório da época, é compreensível que essas notas fossem não necessariamente
desprezadas, mas ignoradas nesta descrição apenas porque representavam exceções. Já
Miller, ao final do século XX, perante o repertório estabelecido, considera essas notas
como algo esperado pelo mercado ao menos para alguns tipos de soprano, em passagens
que levam a cantora ao Mib 5, Mi 5 ou eventualmente Fá 5, mesmo em casos de notas
não escritas mas cultivadas pela tradição. Notas mais agudas podem ser apresentadas

por algumas cantoras em determinadas passagens como efeito de virtuosismo, mas são
raras.
O fato de ser não só a voz feminina mais aguda mas também – evidentemente –
a mais aguda entre as voz humanas traz para o soprano características que a distinguem
das demais. O fato de ter que, além de emitir notas muito agudas, pronunciar palavras
através dessas notas, traz dificuldades relacionadas não só ao mecanismo físico mas até
mesmo a fatores acústicos. Segundo Miller (2000):
No que se refere a integridade da vogal e modificação vocálica na região
aguda, já notou-se que a voz feminina exibe um número de fatores acústicos
diferentes daqueles das vozes masculinas. Como o número de harmônicos
parciais proeminentes tornam-se reduzidos à medida que a fundamental é
elevada, o soprano exibe aproximadamente apenas metade do número de
harmônicos quando canta o seu Dó agudo (Dó 5) em relação ao tenor quanto
canta o seu Dó agudo (Dó 4). Embora na notação atual de quase toda
literatura vocal o Lá médio seja escrito como Lá 440 para ambos tenor e
soprano, ele está na verdade cantando Lá 220, uma oitava abaixo dela. Uma
oitava acima (Lá agudo) o soprano está cantando 880 Hz, o tenor 440 Hz. O
soprano, então, quando canta a nota identicamente escrita, tem alguma
desculpa para não manter uma integridade vocálica tão clara como a do tenor,
por que a sua fundamental tem menos harmônicos definidores que a dele. Por
essa razão, definição vocálica na região aguda sofrerá mais modificação para
ela do que para ele. 108 (MILLER, 2000, p. 132)

Isso não significa dizer, é claro, que os sopranos são dispensados de pronunciar

as palavras com o máximo de clareza possível. No entanto, atenção especial deve ser
dada, no treinamento desse tipo de voz, às dificuldades provenientes dos fatos descritos
pelo autor.

3.2 Meio-soprano

A voz intermediária feminina é chamada de meio-soprano. Costuma-se usar,


também, o termo italiano mezzo-soprano. Enquanto Miller (2000, p. 3) diz que há mais
sopranos do que cantores de todas as outras classificações combinadas, Vennard (1967)
tem opinião diferente:
Não há estatísticas disponíveis, mas pode-se esperar que a maioria das vozes
tenham alcance médio. Ou seja, a maioria dos homens são barítonos e a
maioria das mulheres são meio-sopranos, mas devemos lembrar que por

108 With regard to vowel integrity and vowel modification in upper range, it has already been noted that
the female voice exhibits a number of acoustic factors that are different from those of male voices.
Further clarification is in order. Because the number of prominent harmonic partials becomes reduced as
the fundamental is raised, the soprano exhibits roughly only half the number of overtones when singing
her high C (C6) as does the tenor singing his high C (C5). Although in present-day notation of almost all
vocal literature middle-voice A is written as A440 for both tenor and soprano, he is actually singing
A220, an octave lower than she. At an octave higher (high A) the soprano is singing 880 Hz, the tenor
440 Hz. The soprano, then, when singing the identically written high note, has some excuse for not
maintaining as clear vowel integrity as the tenor, because her fundamental has fewer defining harmonics
than his. For that reason, vowel definition at high pitch levels will undergo more modification for her
than it does for the male.
causa do registro não utilizado os fatos estão disfarçados. 109 (VENNARD,
1967, p. 78)

Segundo Steane (1992):


O meio-soprano, como o barítono, é a voz do senso comum, o meio feliz
entre agudo e grave. Ele não transforma a dama em pássaro em um extremo
da escala ou em homem no outro. Sensatamente, aproxima o canto da voz
falada.110 (STEANE, 1992, p. 35)
A imagem utilizada pelo autor indica que o meio-soprano não dispõe do atrativo
de poder exibir os extremos da voz feminina, como o contralto com suas notas mais
graves ou o soprano com suas notas mais agudas. Portanto, ainda que espere-se boas
notas graves tanto quanto boas notas agudas de um meio-soprano, a designação de voz
média é também um bom indicativo da região em que um meio-soprano costuma render
mais em sonoridade.
Como dissemos anteriormente, até o início do século XIX, ainda que o termo
meio-soprano já tivesse aparecido em fontes desde o século XVIII, não havia na cultura
operística uma categoria vocal que levasse esse nome, ou um repertório escrito
especificamente para esse tipo de voz. Ainda segundo Steane (1992):
O termo [...] é relativamente moderno. Aparições mais antigas ocorrem na
metade do século XVIII. Antes disso pode não ter havido grande necessidade
para uma palavra que denotasse uma voz intermediária entre soprano (ou
treble) e contralto (ou alto), por que em canção e ópera o alcance do soprano
geralmente não era solicitado muito além do Sol agudo, e isso está bem
dentro do que agora entendemos como a extensão normal do meio-soprano.
A distinção tornou-se importante quando compositores descobriram que
queriam explorar o registro mais alto da voz operística de soprano e poder
contar com a sua disponibilidade. Naturalmente, muitos cantores não eram
avessos a essa exploração, mas o desenvolvimento não foi simplesmente uma
questão de culto às notas agudas. Antes, com o surgimento da ópera
romântica, veio um modo de expressão cada vez mais desinibido e
apaixonado em que o extremo agudo da voz, tanto a masculina quanto a
feminina, proporcionava intensidade e ênfase. Então o soprano subiu, assim
como o tenor. Baixos e contraltos mais ou menos permaneceram iguais, o que

109
say, No statistics
most men areare available,
baritones andbut it women
most may be mezzo-sopranos,
expected that most
butvoices have
we must medium that
remember ranges. Thatofisthe
because to
unused register, the facts are disguised.
110The mezzo-soprano, like the baritone, is the voice of common sense, the happy medium between high
and low. It does not change lady into bird at one end of the scale or into man at the other. Sensibly, it
approximates the singing to the speaking voice.
deixou uma abertura para o meio-soprano e o barítono. 111 (STEANE, 1992, p.
40)
O aumento da extensão exigida nas partes de soprano, bem como a elevação da
tessitura, portanto, foram fatores decisivos para o desenvolvimento e estabelecimento da
voz de meio-soprano como conhecemos hoje. Mas não só questões sonoras e musicais
foram envolvidas nesse desenvolvimento.

O gosto do público favoreceu os extremos, e particularmente o extremo


agudo. Para ser a prima Donna, você precisaria ser Aida, não Amneris, La
Gioconda, não Laura, Isolda não Brangäne. Como meio-soprano você teria
que se contentar muito frequentemente com uma parte secundáriaingénue
como Siebel em Faust, ou com um tipo de papel que todo mundo esquece
quando discute a ópera depois, como Magdalene em Die Meistersinger.
Algumas vezes não vai haver parte alguma para você: nenhum papel em
Tosca ou Bohème por exemplo, Die Zauberflöte ou Fidelio. Enquanto isso, lá
estará a soprano, a Lucia di Lammermoor, a Turandot, a estrela. Não é
surpresa, portanto, que muitas vozes receberam um pequeno empurrão para
cima no treinamento, e que muitos meio-sopranos, não satisfeitas com o que
lhes cabe e tendo um Dó agudo disponível em sua extensão, foram tentadas a
eliminar o depreciativo “meio” na sua descrição comercial e tornar-se um
soprano inteiro, mesmo que apenas por alguns anos. 112 (STEANE, 1992, p.
35-36)

A afirmação de Steane contém o que talvez seja um equívoco, ou talvez um


indicativo da problemática do meio-soprano como secundário. Die Zauberflöte tem dois
papéis – a Segunda Dama e a Terceira Dama – que, embora a partitura aponte como
sopranos (como todos os personagens femininos da ópera), são normalmente
interpretados por dois meio-sopranos ou por um meio-soprano e um contralto. O autor
pode não ter considerado os dois papéis por serem secundários e cantarem basicamente

111 The term […] is relatively modern. Early sightings occur towards the middle of the eighteenth
century. Before that time there could have been no great need for a word which would denote an
intermediate voice between soprano (or treble) and contralto (or alto), because in song and opera the
soprano range was generally not required to extend far beyond the high G, and this is well within what
we now regard as the normal compass of the mezzo. The distinction became important when composers
found that they wanted to exploit the upper register of the operatic soprano voice and to be able to take
its general availability for granted. Naturally, many singers were not averse to such exploitation, but the
development was not simply a matter of the topnote cult; rather that with the rise of Romantic opera
came an ever more uninhibited and passionate mode of expression in which the upper extreme of the
voice, both male and female, provided intensity and emphasis. So the soprano ascended, as did the tenor.
Basses and contraltos more or less stayed put, wich left an opening for the mezzo-soprano and baritone.
112 Public taste has favoured the extremes, and particularly on high. Public taste has favoured he
extremes, and particularly on high. To be the prima donna, you needed to be Aida, not Amneris, La
Gioconda, not Laura, Isolde not Brangäne. As a mezzo you had to be content very often with a secondary
ingénue part like Siebel in Faust, or with the sort of role that everybody forgets about when discussing the
opera afterwards, such as Magdalene in Die Meistersinger. Sometimes there will be no part for you at all:
no part in Tosca or Bohème for instance, Die Zauberflöte or Fidelio. Meanwhile, out there will be the
soprano, the Lucia di Lammermoor, the Turandot, the star. No wonder, then, that many a voice has been
given a little push upwards in training, and that many mezzos, dissatisfied with their lot and having high
C well within their range, have been tempted to drop the rather belittling ‘half ’ in their trade-description
and become a whole soprano if only for a few years.
em trio, enquanto os dois principais papéis femininos da ópera – Pamina e a Rainha da
Noite – são sopranos, assim como Papagena. Isto, no entanto, é apenas uma
especulação. O que podemos realmente observar neste fato é que Mozart aparentemente
não via necessidade de definir um tipo diferente de voz para suas damas, e, em sua
época, a questão provavelmente resumia-se em distribuir os papéis para cantoras menos
destacadas da companhia que tivessem bom rendimento na região mais grave da voz.
Podemos ver, portanto, que, embora isso não seja recomendável, não é
impossível que um meio-soprano domine a tessitura de um soprano, ainda que por um
tempo. No entanto, para além da opção mercadológica consciente de uma cantora que
decida explorar um repertório mais agudo que o recomendado para sua voz, a fim de
conquistar um nicho maior e maior destaque nos títulos operísticos (visto que a maioria
dos papéis femininos protagonistas do repertório usual são escritos para sopranos),
devemos perceber aqui o quanto os limites tênues entre os dois tipos vocais – soprano e
meio-soprano – podem ser perigosos. No treinamento de uma jovem cantora, esses
limites podem confundir tanto ela quanto o próprio professor, e é necessária muita
atenção às características da voz, aliada a muita paciência para não tomar decisões
precipitadas. Miller (1996) diz:

O meio-soprano, deve-se lembrar, é uma categoria de soprano. À jovem


meio-soprano não deve ser pedido que escureça sua voz para soar mais como
um meio-soprano (há chances de que ela seja uma soprano de qualquer
maneira). 113 (MILLER, 1996, p. 178)

O meio-soprano desenvolveu-se como a segunda mulher da ópera.


Evidentemente existem exceções em que a protagonista é um meio-soprano, mas via de
regra meio-sopranos tiveram que se acostumar com a idéia de, na maioria das vezes,
não interpretar a heroína da história. Steane (1992) diz:

Esses, é claro, eram papéis da Prima Donna. O meio-soprano tinha que


aceitar isso como um fato da vida, e ficar grata quando um papel como
Adalgisa dava a ela algo que se aproximasse de paridade. Os duetos de
Adalgisa com Norma dão a voz mais grave a ela quando as duas cantam
juntas, mas há frases imitativas nas quais ambas as vozes devem cantar acima
da pauta e mesmo até o Dó agudo. O pressuposto é que o meio-soprano será
apto a faze-lo ocasionalmente ao longo de uma performance, mas não muito
frequentemente.
verdadeiro papel Éde bastante questionável,
meio-soprano, na de
no sentido verdade, que seeste
que o que querseja um
é uma
cantora cuja voz seja aquela de um soprano em timbre (porque uma voz mais

113 The mezzo, it should be remembered, is a category of soprano. The young mezzo should not be asked
to darken her voice in order to sound more like a mezzo (chances are she is a soprano anyway).
profunda cria uma relação de idade errada entre os dois personagens) mas
sem a habilidade de sustentar uma tessitura de soprano ao longo de um papel.
As partes tem sido por vezes intercaladas por cantoras: pelo menos, não é
incomum para uma Adalgisa tornar-se uma Norma (começando com Grisi
que cantou Adalgisa na première para a Norma de Pasta), embora o
procedimento inverso (como quando Caballé, ela mesma uma Norma
renomada, tornou-se uma apta e honrada Adalgisa na segunda gravação de
Sutherland da ópera) seja uma raridade. O status deprima donna de Norma é
reafirmado nas cenas finais em que Adalgisa não é mais ouvida. E essa era
uma regra geral: por “ prima donna ” poder-se-ia ler “soprano”, e “mezzo”
significava algo como “seconda”.114 (STEANE, 1992, p. 40-41)
Para Garcia (1841), a extensão do meio-soprano abarca do Sol 2 ao Lá 4. Os
registros são divididos da seguinte forma: registro de peito do Sol 2 ao Fá 3 ou Sol 3,
registro de falsete do Si 2 ou Ré 3 até Dó# 4 e registro de cabeça do Ré 4 ao Lá 4.
Também aqui os limites da extensão são aproximados, evidentemente, e muitos meio-
sopranos alcançam notas mais graves e mais agudas do que as apontadas. O repertório
de meio-soprano exige, muitas vezes, até o Si 4 ou mesmo Dó 5.
Segundo Miller (1986), a extensão do meio-soprano compreende do Mi 3 ou Fá
3 ao Si 4 ou Dó 5. Quanto aos registros, segundo o autor o registro de peito vai de de Mi
3 ou Fá 3 a Mi 4 ou Fá 4, o centro baixo de Dó 3 a Sib 3 ou Si 3, o centro alto de Si 3 a
Mi 4 ou Fá 4, o registro alto de Fá 4 ou Fá# 4 a Sib 4 ou Si 4 e o registroflageolet de Si
4 a Dó 5 ou mais.
Pleasants (1966), ao falar de Giuditta Pasta (1797-1865) e Maria Malibran
(1808-1836), nos dá uma idéia sobre a voz de meio-soprano à época do
desenvolvimento deste tipo vocal, a partir de uma apreciação de Stendhal:

“A voz de Madama Pasta”, escreveu Stendhal, quando ela estava no auge de


seus poderes vocais, e antes que qualquer sinal de decadência ou dano tivesse
se instalado, “tem um alcance considerável. Ela pode conseguir ressonância
perfeita em uma nota como o Lá grave, e pode subir até tão agudo como um
Dó# ou mesmo até um Ré ligeiramente crescente; e ela possui a rara
habilidade de cantar contralto tão facilmente como pode cantar soprano. Eu
sugeriria que a designação verdadeira de sua voz é meio-soprano, e qualquer

114 These, of course, were the parts of the prima Donna. The mezzo had to accept this as a fact of life,
and be grateful when a role like Adalgisa gave her something approaching parity. Adalgisa´s duets with
Noma assign the lower voice to her when the two sing together, but there are imitative phrases in which
both voices in turn are to sing above the stave and even upto the C. The assumption is that the ‘half’-
soprano will be able to do this occasionally during the course of a performance, but not too often. It is
very arguable, in fact, that this is a true mezzo-soprano role, in the sense that what is wanted is a singer
whose voice is that of a soprano in timbre (because a deeper voice creates the wrong age-relationship
between the two characters) but not in ability to sustain a soprano tessitura throughout a long role. The
parts have sometimes been interchanged by singers: at least, it is not uncommon for an Adalgisa to
become a Norma (starting with Grisi who sang Adalgisa at the première to Pasta´s Norma), though the
reverse procedure (as when Caballé, herself a renowed Norma, became an apt and honoured Adalgisa in
the second Sutherland recording of the opera) is something of a rarity. Norma´s prima-donna status is
reaffirmed in the final scenes when Adalgisa is heard no more. And that was the general rule: for ‘prima
donna’ you could read ‘soprano’, and ‘mezzo’ implied something like ‘seconda’.
compositor que escreva para ela deveria usar a extensão de meio-soprano
para o material temático da sua música, enquanto utiliza, como que por
acaso, e de vem em quando, notas que figuram dentro das áreas mais
periféricas de sua excepcionalmente rica voz. Muitas notas desta última
categoria são não apenas extremamente belas em si mesmas, mas tem a
habilidade de produzir um tipo de vibração ressonante e magnética que,
através de algumas combinações ainda não explicadas de fenômenos físicos,
realizam um efeito instantâneo e hipnótico na alma do espectador. 115
(PLESANTS, 1966, p. 144)

Deere (2005) chama atenção para o fato de que sopranos mais pesados
(estudaremos detalhadamente os diferentes tipos de soprano no próximo capítulo)
podem dar a falsa impressão de serem meio-sopranos:

A responsabilidade do professor para com essa voz é certificar-se de que o


meio-soprano não é um soprano lírico ou lirico spinto. Novamente, peso e
extensão são os principais determinantes. Escuridão pode ser considerada,
mas é um fator muito menos relevante. [...] De grande importância é a
natureza da voz mais aguda acima do Fá da última linha.116 (DEERE, 2005,
p. 22)

3.3 Contralto
A voz de contralto é a voz mais grave feminina. Jander (2010) discorre sobre a
srcem do termo:
[…] quando o termo primeiro foi usado denotaria um cantor homem,
srcinalmente um falsetista, mais tarde um castrado. As várias tentativas [...]
de uma compreensão etimológica de “contralto” diretamente através de suas
raízes, contra e alto – dessa forma, uma parte escrita contra uma outra parte
alta – são mal concebidas. A palavra srcinou-se no início do século XVI
como “contr´alto”, uma abreviação local do termo do final do século XV
“contratenor altus”. Ao longo do século XVI, no entanto, a forma “contralto”
era usada raramente, sendo “alto” o termo comum. No século XVII, à medida
que castratos tornaram-se mais numerosos na Itália, autores por vezes
buscaram criar distinções. “Alti naturali” era usado para designar falsetistas,
enquanto Andrea Adami (um soprano castrado) usou a palavra “contralto” em
seu “Osservazioni
em 1639) e Mario ”(1711)
Savioni para referir-se
(morto aosmembros
em 1685), castradosdo
Stefano LandiBurney,
coro papal. (morto
no entanto, não fez distinção, e usou “contralto” tanto para castrados como
para mulheres. [...] quando castrados não estavam mais na cena musical,
“contralto” veio a referir-se sempre a uma mulher, distinto de um alto

115 “Madame Pasta´s voice”, wrote Stendhal, when she was at the height of her vocal powers, and before
any signs of decay or damage had set in, “has a considerable range. She can achieve perfect resonance
on a note as low as the bottom A, and can rise as high as C sharp or even to a slightly sharpened D; and
she possesses the rare ability to sing contralto as easily as she can sing soprano. I would suggest that he
true designation of her voice is mezzo-soprano, and any composer who writes for her should use the
mezzo-soprano range for the thematic material of his music, while exploiting, as it were, incidentally, and
from time to time, notes which lie within the more peripheral areas of this remarkably rich voice. Many
notes
of of this last
resonant and category
magneticare not only extremely
vibration, fine in some
which, through themselves, but have the combination
still unexplained ability to produce a kind
of physical
phenomena, exercises an instantaneous and hypnotic effect upon the soul of the spectator.
116The teacher´s responsibility for this voice is to make sure the mezzo is neither a lyric nor lirico spinto
soprano. Again, weight and range are the primary determinants. Darkness may be considered, but is
much less a factor. [...] Of great importance is the nature of the upper voice above F, top line.
masculino (um menino alto, ou um falsetista). 117 (JANDER, 2010, sem
numeração de página)

Há uma interseção de aproximadamente uma décima terça entre a extensão do


contralto e a da mais aguda voz masculina, o tenor. Segundo Miller (1996):

A voz de contralto é tão rara que muitos professores não encontram cantoras
desta categoria. Um perigo muito real está, no entanto, em dizer a uma jovem
meio-soprano que ela é uma contralto e permitir que ela cante apenas na
metade mais grave de seu alcance negociável. Um ponto de vista lógico
sugere que o contralto pode nem mesmo existir como um veículo prático de
performance na jovem mulher, por que o som potencial de contralto necessita
anos de maturidade e crescimento. Pedir a uma mulher que use atividade
pesada do músculo vocal (“peito”) é correr o risco de ela nunca encontrar a
coordenação gradual própria dos crico-aritenóides na extensão aguda. 118
(MILLER, 1996, p. 178)

E, segundo Ware (1998):

Como a voz genuína de contralto é uma raridade, professores de canto devem


ser cuidadosos em rotular uma cantora contralto. Ocasionalmente, um
professor
de de canto
voz grave que bem
é na intencionado
verdade um porá este rótuloou
meio-soprano emtalvez
uma jovem cantoraum
até mesmo
soprano. 119 (WARE, 1998, p. 193)

Para Garcia (1841), a extensão da voz de contralto compreende do Ré 2 ou Mi 2


até o Fá 4 ou Sol 4. Quanto à registração, aponta o registro de peito como indo do Ré 2
ou Mi2 ao Sol 3 (com possibilidade rara de extensão do registro até Sib 3), o falsete de
Mi 3 (ou Si 2) a Dó# 4 e o registro de cabeça de Ré 4 ao Fá 4 ou Sol 4. Miller (1986)
diz que o registro de peito vaide Ré 2 ao Sol 3 (ou Láb 3), o centro baixo de Fá 3 ao Lá

117 […] when the term was first used it would have denoted a male singer, srcinally a falsetto singer,
later a castrato. The various attempts […] at an etymological understanding of ‘ contralto’ directly
through its roots, contra (‘against’) and alto (‘high’) – thus, one part written against another high part –
are misconceived. The word srcinated in the early 16th century as ‘contr’alto’, a local abbreviation of
the late 15th-centurycontratenor altus. Throughout the 16th century, however, the form ‘contralto’ was
used only rarely, alto being the common term. In the 17th century, as castratos became more numerous in
Italy, authors sometimes sought to create distinctions. ‘Alti naturali’ was used to designate falsettists,
while Andrea Adami (a castrato soprano) used the wordcontralto’
‘ in his Osservazioni (1711) to refer to
the castratos Stefano Landi (d 1639) and Mario Savioni (d 1685), members of the papal choir. Burney,
however, made no such distinction, and used ‘contralto’ for both castratos and women. […] when
castratos were no longer on the musical scene, ‘ contralto’ came to refer always to a woman, as distinct
from a male alto (a boy alto, or a falsettist).
118 The contralto voice is such a rarity that most teachers do not encounter singers of that category. A
very real danger exists, however, in telling a young mezzo that she is a contralto and in allowing her to
sing in only the lower half of her negotiable range. A logical viewpoint suggests that the contralto may
not even
sound existyears
needs as aofpractical
maturity performance vehiclea inwoman
and growth. Asking the young
to usefemale, becausemuscle
heavy vocalis the potential contralto
activity (“chest”)
runs the risk of her never finding the proper graduated crico-arytenoidal coordinations in upper range.
119 Since the genuine contralto voice is such a rarity, voice teachers are urged to use caution in labeling
a female singer a contralto. Occasionally, a well-intentioned vocal teacher will place this label on a
young low-voiced female singer who is actually a mezzo-soprano or perhaps even a soprano.
3, o centro alto de Sib 3 a Ré 4 e o registro alto de Mib 4 a Láb 4. O autor sugere ainda
uma extensão ao Lá 4, no registro flageolet, segundo ele, raramente desenvolvido.
Embora hoje tenhamos nos acostumado a ver a voz de contralto como uma voz
rara, e a não encontrar normalmente cantoras que se apresentam sob essa classificação,
Deere (2005) pondera:

Mas, tão óbvio como é hoje referir-se às vozes mais graves femininas como
meio-sopranos, a tendência entre os ingleses, e às vezes entre os americanos,
nos anos quarenta e cinqüenta e antes era enfatizar a designação de contralto
para as vozes graves.120 (DEERE, 2005, p. 25)

Cotton (2007) apresenta a opinião de Garcia sobre a voz de contralto:

Das vozes femininas individuais, Garcia escreveu o seguinte: a voz do


contralto é masculina e enérgica na voz de peito, o registro na qual é mais
distintiva. Segundo ele, esse registro era desconhecido ou negligenciado na
maioria das vezes, especialmente na França. A voz de contralto não era muito
bem compreendida, e Garcia parece ter entendido que esperar que esse tipo
de voz se comportasse como um outro seria ineficaz, se não prejudicial. Com
referência a tessitura, Garcia declarou que o registro superior é fatigante para
o contralto se pedido que o sustente por um período prolongado de tempo. 121
(COTTON, 2007, p. 48)

Jander (2010) não só concorda com a questão do contralto da França, mas


exemplifica como esse tipo de voz foi bem menos explorado que os outros:

A voz de contralto era virtualmente desconhecida na França; o termo francês


bas-dessus era da extensão e qualidade do meio-soprano mais do que do
contralto. O contralto dificilmente aparece nas óperas de Gluck e na verdade
é raro por todo o período Clássico; não há nenhum papel de contralto, em
termos de extensão e peso, em nenhuma ópera de Mozart. 122 (JANDER,
2010, sem numeração de página)

O fato de ser uma voz rara, aliado ao fato de dispor de poucos papéis específicos
para ela em relação à literatura para qualquer outro tipo vocal põem o contralto em uma

120 But as obvious as it is today to refer to the lower female voices as mezzos, the English, and sometimes
American, tendency in the forties and fifties and earlier was to emphasize the contralto designation for
the lower voices.
121 Of the individual female voice types, Garcia wrote the following: the contralto voice is manly and
energetic in the chest voice, the register in which it is most distinctive. This register was unrecognized or
neglected for the most part, he wrote, especially in France. The contralto voice was not well-understood,
and Garcia seems to have comprehended that to expect this voice type to behave like a different one
would have been ineffective, if not damaging. Regarding tessitura, Garcia did state that the upper register
is fatiguing for the contralto if she is asked to sustain it for a prolonged period of time.
&!!
The contralto voice was virtually unknown in France; the French bas-dessus was of mezzo-soprano
rather than contralto pitch and quality. The contralto hardly appears in the operas of Gluck and indeed is
rare throughout the Classical period; there is no truecontralto role, in terms of range and weight, in any
Mozart opera.
situação realmente delicada. Como vimos, há o perigo de confiar tanto no registro de
peito que a negociação para as notas mais agudas torna-se inviável, e ao mesmo tempo
vimos também que tratar da voz de contralto sem respeitar suas particularidades pode
ser danoso. Garcia diz que o contralto apresenta fadiga se exigido a sustentar o registro
superior por muito tempo, e Miller chega a questionar a viabilidade da voz de contralto
em uma jovem cantora. No entanto, trata-la como meio soprano provavelmente traria
frustrações ou danos para a estudante a quem se propõe um repertório e uma tessitura
não apropriados. Portanto, o professor que orienta uma contralto deve ficar atento para,
ainda que com cautela, desenvolver sua voz gradativamente de acordo com suas
possibilidades, cuidando para preservar as suas qualidades naturais.

3.4 Tenor

A voz de tenor é a mais aguda entre as vozes masculinas. Jander (2010) faz
uma breve revisão do desenvolvimento da voz de tenor como conhecemos hoje:

Até o século XVIII e mesmo no princípio do XIX, muitos tenores na tradição


italiana enfatizaram a qualidade lírica de sua extensão aguda e, quando
exigido, carregavam suas vozes com facilidade para a “voz de cabeça” ou
para o registro de falsetto. Como Joseph de Lalande escreveu (Voyage d´um
François em Italie, 2/1786), “o tenor vai de Dó 2 a Sol 3 em voz cheia e até o
Ré 3 em falzetto ou fausset. Durante a primeira metade do século XIX, no
entanto, essa maneira tradicional caiu em desuso à medida que tenores
começaram a puxar todo o peso de sua voz média aos registros mais altos. O
novo potencial dramático da voz de tenor levou-a a uma crescente
dominância sobre o castrato ou musico para papéis principais e o
desenvolvimento de vozes de tenor específicas, incluindo o lírico, o lírico
123
coloratura,
numeração deo Heldentenor
página) , o spinto e o robusto. (JANDER, 2010, sem

Garcia (1841) delimita sua extensão de Ré 2 (ou Si 1) a Ré 4 ou Fá 4. Segundo o


autor, o registro de peito compreende de Ré 2 (ou Si 1) a Lá 3, o registro de falsete de
Re 3 a Dó# 4 e o registro de cabeça de Ré 4 a Mi 4 (ou Fá 4). Podemos observar que
Garcia aponta para o tenor, ao contrário do soprano, notas consideravelmente mais
agudas do que a média esperada para os padrões atuais. Aqui, mais uma vez, esta

123 Until the late 18th century and even the early 19th, most tenors in the Italian tradition emphasized the
lyrical quality of their top range and, when required, carried their voices with ease into the ‘head voice’
or falsetto
from C to register.
g in fullAsvoice
!
Joseph
anddetoLalande
"
wrote Voyage
d in falzetto (or fausset
d’un françois en Italie, 2/1786), ‘the tenor goes
’. During the first half of the 19th century,
however, this traditional manner fell into disuse as tenors began to pull the full weight of their middle
voice into the highest registers. The new dramatic potential of the tenor voice led to its increasing
dominance over the castrato or musico for leading roles and the development of specific tenor voice
types, including the lyric, the lyric coloratura, the Heldentenor, the spinto and the robusto.
discrepância com nossos parâmetros pode ser justificada pelo repertório da época.
Garcia faz menção também à extensão e passagens de registro de um tipo de voz
denominado contraltino (ou haute-contre). Como outras fontes também citam um tipo
de voz intermediária entre a voz de tenor e a de contralto sob o nome contraltino mas
também sob o nome tenorino, e esse tipo vocal é apresentado como um tipo de tenor,
detalharemos suas características no próximo capítulo, em que trataremos das
subclassificações.
Miller (1986), para vozes masculinas, aponta apenas as passagens entre registros
(os pontos pivotais) e não sua extensão. No caso dos tenores, define diferentes pontos
de transição entre registros, dependendo do tipo de tenor (detalharemos no próximo
capítulo). No momento, interessa-nos a opinião do autor de que o tenor faz a primeira
passagem entre Dó 3 e Fá 3 e a segunda passagem entre Fá 3 e Sib 3. Em ambas as
passagens, obviamente a primeira opção refere-se ao tipo mais pesado de tenor, a
segunda ao tipo mais leve.
Segundo Garcia (1894), o tenor tem mais facilidade para usar o registro de
falsete e o de cabeça que o barítono e o baixo. Maior facilidade, neste caso,
provavelmente tem mais a ver com mais predisposição do que com ausência de
dificuldade. Devido à natureza de seu instrumento, o tenor emite as notas mais agudas
da extensão masculina e portanto deve usar os registros mais altos com mais
desenvoltura – e por uma região maior de sua extensão – do que o baixo ou o barítono.

Isso não quer dizer que seja uma tarefa fácil. Ao contrário, Miller (1993) afirma ser a
voz de tenor a mais difícil de ser dominada dentre os diversos tipos de voz:
Embora todos os cantores atuem melhor quando usam seus instrumentos
vocais eficientemente, o tenor demanda um nível ainda mais alto de função
precisa que outros cantores, um fato muitas vezes ignorado ou não
compreendido por professores acostumados com o típico homem de voz
média-grave, o barítono. 124 (MILLER, 1993, p. ix)

No entanto, o que faz a voz de tenor ser uma voz particularmente trabalhosa não
é só o fato de cantar notas mais agudas que seus colegas de voz grave ou o fato de usar
mais os registros mais altos. Mesmo dentro da extensão esperada, boa parte da música

124 Although all singers perform best when they use their vocal instruments efficiently, the tenor requires
an even higher level of precise function than do other singers, a fact often overlooked or misundertood by
teachers accostumed to the typical medium-low-voiced male, the baritone.
do repertório operístico tradicional para tenores reside em sua região mais alta. Miller
(1993) diz também:

Uma olhada na tessitura de papéis cantados por protagonistas na maioria das


óperas revela por que a vida do tenor não é sempre fácil. Quando se
considera onde os pontos pivotais do registro ocorrem em vozes masculinas
mais graves – e como a literatura relativa se situa em relação a esses eventos
de registro – percebe-se que o tenor tem que negociar um número maior de
frases e notas sustentadas na região aguda que o barítono ou o baixo com
suas vozes. Pode-se perguntar “Bem, por que não? Não é o que se espera de
uma voz “aguda”?” Não é mais fácil para o tenor cantar no terço superior de
sua voz do que para o barítono cantar no seu, ainda que a literatura o
demande mais frequentemente do tenor do que de qualquer outro tipo vocal.
Como resultado, o nível de energia do fôlego a ser mantido é frequentemente
muito mais alto para vozes de tenor do que para quaisquer outros cantores.
Fatores de registração na voz de soprano, por exemplo, não são paralelos
àqueles do tenor, exceto por algum paralelismo do fenômeno da passagem
Fá# - Sol. 125 (MILLER, 1993, p. 105)

Miller (1993) exemplifica a questão ao citar que, examinando a partitura de uma


ópera do repertório tradicional comoLa Bohème de Puccini, veremos que a quantidade
de notas escritas para o personagem Rodolfo (tenor) acima da segunda passagem (Fá# 3
- Sol 3) é muito maior do que as escritas para o personagem Marcello (barítono) acima
de sua segunda passagem (Mib 3). Isso mostra que o papel do tenor demanda muito
mais empenho em termos de tessitura do que o papel do barítono. Ainda analisando a
Bohème, Miller pondera que, embora a música escrita para a personagem Mimì
(soprano) também tenha um grande número de notas acima da segunda passagem, o
papel é muito mais fácil que o do tenor em termos de tessitura, pois o nível de energia
subglótica que o tenor precisa para sustentar notas na região de sua segunda passagem é
maior que a necessária para um soprano na mesma região.
Considerando o tamanho maior de seu instrumento (sua estrutura laríngea, o
caráter da musculatura em volta, e outros fatores do físico masculino), seu
feito em produzir um Sib 3 ressonante no uníssono do dueto com o soprano
do terceiro ato é mais notável que o Sib 4 dela. Por causa das diferenças
físicas e acústicas entre os instrumentos do tenor e do soprano, notas acima

125 A look at the tessitura of roles sung by protagonists in most operas reveals why the life of the tenor is
not always easy. When one considers where the pivotal points of the register occur in lower male voices
and compares them with register demarcation points in tenor voices – and how the relative literatures lie
with regard to those register events – one realizes that the tenor has to negotiate a greater number of
phrases and sustained notes in upper range than does the baritone or bass with his voice. It may be
asked, “Well, why not? Isn´t that the expectation for a ‘high’ voice?” It is no easier for the tenor to sing
in the upper third of his voice than for the baritone to do so in his, yet the literature demands it more
frequently of the tenor than of any other vocal type. As a result, the breath energy level to be maintained
is frequently much higher for tenor voices than is the case for other singers. Register factors in the
soprano voice, for example, do not parallel those of the tenor, except for some incidental parallelism of
the F# - G passaggio phenomen.
do Sol 4 não requerem o mesmo grau de energia do soprano lírico que as
notas acima do Sol 3 requerem do tenor lírico. 126 (MILLER, 1993, p. 106)

Portanto, assim como a voz de soprano, por ser a voz feminina mais aguda,
guarda peculiaridades decorrentes deste fato, também a voz de tenor – não só em termos
de sonoridade, mas também em termos práticos de produção sonora e musical – guarda
peculiaridades que o distinguem bastante do barítono e do baixo. E, no entanto, pela
afirmação de Miller (1993), podemos entender que o fato de tenores e sopranos serem
as vozes mais agudas dentro de seu gênero, isso não basta para que elas sejam pareadas
em termos práticos. Todas essas ponderações evidenciam, também, que a voz de tenor
tem ao menos a forte tendência a ser a voz mais complicada em termos de domínio
técnico, e atenção especial deve ser dada, ao treinar esse tipo de voz, ao domínio da
passagem para o registro alto e à sustentação da voz na sua região aguda.

3.5 Barítono
A voz de barítono é, dentre as vozes masculinas, a voz média. Como já foi dito
anteriormente, segundo Steane (1992), assim como o meio-soprano, o barítono
aproxima o canto da voz falada. Deere (2005) está de acordo com Vennard (1967) ao
dizer que a maioria entre os homens é barítono: “O barítono poderia bem ser
denominado a voz masculina mais “normal”.127 (DEERE, 2005, p. 33)
Segundo Deere (2005):
Ele frequentemente canta o papel do irmão, do soldado, e, normalmente, o
“pesado”. Essa voz requer apenas pequenos graus de coloração mais escura, e
o barítono pode achar sua voz aguda um pouco mais facilmente que o baixo
ou tenor. Embora possa ser útil principalmente para comédia ou para
“marcar” uma parte no ensaio, sua habilidade de cantar falsetto é
normalmente maior que a das vozes de tenor ou baixo. 128 (DEERE, 2005, p.
33)

126 Considering the larger size of his instrument (his laryngeal structure, the character of the
surrounding musculature, and other contributing factors of the male physique), his feat in producing a
ringing high Bb 4 in the third-act unison duet with the soprano is more remarkable than her Bb 5.
Because of physical and acoustic differences between the tenor and soprano instruments, pitches above G
5 do not require the same degree of energization from the lyric soprano than those above G 4 demand of
the lyric tenor.
127
The baritone might well be termed the most “normal” male voice.
128 He often sings the role of the brother, the soldier, and, generally, the “heavy”. This voice requires only
smaller degrees of darker coloration, and the baritone may find his high voice a bit more easily than the
bass or tenor. While it may be useful primarily for comedy or for “marking” a part in rehearsal, his ability
to sing falsetto is often greater than that of the tenor or bass voices. (DEER E, 2005, p. 33)
Por falsetto, na afirmação de Deere, entenda-se a produção vocal sem contração
dos tiro-aritenóides, provocando a impressão de uma voz feminina.
Para o barítono, Garcia (1841) apresenta duas tabelas de extensão e registros
diferentes. A primeira descreve uma extensão de Solb 1 (ou Mi 1) a Solb 3, com registro
de peito de Solb 1 (ou Mi 1) a Ré 3 ou Ré# 3 e registro de falsete de Solb 2 a Solb 3. A
segunda, por sua vez, descreve uma extensão de Sib 1 (ou Sol 1) a Láb 3, com registro
de peito de Sib 1 (ou Sol 1) a Fá 3 ou Fá# 3 e registro de falsete de Sib 2 a Láb 3. As
duas tabelas diferentes provavelmente referem-se a dois tipos de barítono diferentes,
que, como vamos ver no próximo capítulo, podem ser identificados como barítono lírico
e barítono dramático, ou mesmo uma voz intermediária denominada baixo-barítono.
Sendo uma voz intermediária, é natural que determinados barítonos estejam mais
próximos de algum dos extremos do que outros. Percebemos, também, que Garcia não
apresenta voz de cabeça para o barítono, o que, junto com o registro de cabeça
apresentado para o tenor, apenas no extremo agudo de sua extensão, corrobora com a
tese de apenas dois registros na voz masculina (com exceção do extremo da voz
masculina), diferente da voz feminina que apresenta três registros.
Miller (1986) diz que o barítono tem sua primeira passagem no Si 2 ou Sib 2 e a
segunda no Mi 3 ou Mib 3. É interessante notar que, ao contrário de Miller, que aponta
pontos de passagem de registro variantes dentro de uma mesma classificação vocal para
todas as vozes masculinas, dada a sua subclassificação, Garcia (1841) o faz apenas para

o barítono (sem, no entanto, explicar o motivo da tabela dupla, permanecendo a relação


com as subclassificações uma conclusão nossa). Embora o autor não esclareça seus
motivos para essa divisão, isso nos mostra o quanto a voz média masculina – talvez
exatamente por situar-se no meio – possibilita características vocais bem diferentes
dentro de uma mesma classificação, que podem tender mais para cima ou mais para
baixo. Subclassificações, no entanto, são o assunto do próximo capítulo, e aqui vamos
nos ater às características gerais do que entendemos como barítono padrão – o que,
embora possa parecer uma redundância, seria o barítono médio.

Assim como a voz de meio-soprano, também a voz de barítono como


entendemos hoje não se estabeleceu até o início do século XIX. Embora o termo já
apareça na literatura e alguns papéis escritos antes disso sejam hoje associados a
barítonos (e apresentem tessituras perfeitamente baritonais segundo os padrões atuais),
os papéis eram antes disso atribuídos apenas a baixos e tenores, e os papéis que hoje são
interpretados por barítonos eram designados aos baixos. Pleasants (1996), ao descrever
a carreira de dois históricos cantores de vozes graves, Antonio Tamburini (1800-1876) e
Luigi Lablache (1794-1858), dá-nos uma idéia da situação do estabelecimento da voz de
barítono:

Antonio Tamburini (1800-1876) tinha a voz mais aguda entre os dois. Sua
extensão é variavelmente dada como de Dó a Sol e de Fá a Fá. Ambas podem
estar corretas, a primeira referindo-se à sua juventude, a segunda à sua
maturidade. Quando jovem sua voz pode, por um tempo, ter tido algumas das
características dos barítonos agudos de hoje, embora não houvesse partes
para esse tipo de voz na época. Um fato ilustrativo é sua recusa a cantar o
papel de Don Carlo em Ernani por ser muito agudo para ele. Isso foi em
1847, quando Tamburini tinha quarenta e sete anos, uma idade em que a
maioria dos barítonos reais ainda tem um Sol. É significante, também, que a
parte foi por fim cantada por Alboni, um meio-soprano. Simplesmente não
havia, naqueles dias, muitos barítonos agudos reais disponíveis. 129
(PLEASANTS, 1966, p. 184-185)

A afirmação de Pleasants (1966) demonstra que, assim como no caso do meio-


soprano, em que as cantoras viram-se diante de uma tessitura cada vez mais alta criando
uma separação entre as sopranos que sustentavam as novas demandas e as que tinham
uma tessitura mais baixa (tendo sido as segundas encaixadas em uma nova
classificação), o mesmo aconteceu com os barítonos. A definição e o estabelecimento de
um novo tipo vocal deveu-se à exploração de uma região mais alta da voz grave
masculina, gerando uma classificação intermediária entre o baixo e o tenor. O processo
de desenvolvimento dessa classificação pode ser observado pelo fato de Tamburini ter
cantado diversos papéis (tendo sido, em alguns casos, o primeiro intérprete do papel)
hoje associados inequivocamente à voz de barítono (mesmo que na época a distinção
entre barítono e baixo não fosse tão clara), e no entanto a tessitura de Don Carlo no
Ernani de Verdi, papel tipicamente baritonal de uma época em que essa nova tessitura
estava sendo desenvolvida mostrava-se muito aguda para ele.

129 Antonio Tamburini (1800-1876) had the higher voice of the two. Its range was variously given as from
C to G and from F to F. Both may be correct, the first applying to his youth, the latter to his maturity. As a
young man his voice may, for a time, have had some of the characteristics of today´s high baritones,
although there were no parts for such a voice at the time. An illustrative fact is his declining to sing the
role of Don Carlo in Ernani on the grounds that it was too high for him. That was in 1847, when
Tamburini was forty-seven, an age when most true baritones still have a G. It is also significant that the
part was ultimately sung by Alboni, a mezzo-soprano. There simply were not, in those days, many true
high baritones around.
O barítono, no repertório tradicional, dificilmente é o protagonista, embora
normalmente os títulos apresentem papéis de destaque para esse tipo de voz. É
normalmente associado ao vilão ou ao rival amoroso, mas também a personagens mais
velhos, pais da mocinha ou do mocinho. É importante ter muita atenção às
características indicativas da voz de barítono, pois, assim como no caso do meio-
soprano, as perspectivas de repertório para a voz grave masculina podem induzir o
jovem barítono com facilidade de agudos a investir perigosamente na tessitura tenoril,
por ambições artísticas ou mesmo mercadológicas.
Mesmo a clareza ou leveza da voz de um jovem barítono podem induzir aluno e
professor a presumirem que ele é, na verdade, um tenor, por ele não apresentar o som
mais escuro que se esperaria de uma voz média. Timbre, nesse caso, pode não ser um
fator tão determinante na classificação como a percepção minuciosa das passagens de
registro, e sobretudo da tessitura (mesmo levando em consideração que um tenor, por
ainda não dominar seu registro alto, pode não se sentir confortável, a princípio,
cantando na tessitura esperada para seu tipo de voz). Justamente por ser uma voz
intermediária e por se aproximar, em alguns casos, dos tenores mais pesados, o barítono
pode ter características que dão pistas erradas sobre sua classificação. Segundo Miller
(1993):

Às vezes a vasta gama de categorias dentro da classificação de tenor não é


reconhecida, e vozes que exibem eventos de registração apropriados a
instrumentos tenoris mais pesados são percebidas como indicando um
barítono, ou mesmo um baixo-barítono. Extensão não é um indicador
inteiramente confiável de categoria vocal, pois alguns tenores tem um bom
Sol 1 e alguns barítonos não. Um barítono, por outro lado, pode na verdade
ter um Lá 3 melhor do que um tenor potencial. Muitos jovens tenores não
sabem como adquirir a entrada na voz superior, e se a voz é grande eles
podem muito bem ser falsamente classificados como barítonos. 130 (MILLER,
1993, p. 133)

Portanto, muitos jovens classificados barítonos podem ser na verdade tenores


que não venceram os obstáculos que se apresentam no domínio do registro mais alto.
Miller (1993) apresenta uma lista de sinais que podem ser indicativos de que um
barítono seja na verdade um tenor classificado erroneamente. Afirma que a identificação

130 Sometimes the wide range of categories within the tenor classification is not recognized, and voices
that exhibit registration events appropriate to heavier tenor instruments are perceived as indicating a
baritone, or even a bass-baritone. Nor is range an entirely reliable indicator of vocal category, inasmuch
as some tenors have a good low G 2 and some baritones do not. A baritone, on the other hand, may
actually have a better A 4 than the potential tenor. Many young tenors do not know how to achieve entry
into upper voice, and if the voice is sizable they may well be falsely classified as baritones.
da maioria das condições por ele descritas indica um tenor não desenvolvido, o que
pode ser um método eficaz de verificação. Por outro lado, devemos considerar também
a possibilidade de que um barítono real seja considerado um tenor que ainda não
dominou a passagem para o registro agudo. A voz de barítono, como vimos, pode
apresentar muitas variações, e a indecisão entre tenor e barítono é uma situação a ser
encarada com muita atenção.

3.6 Baixo
A voz de baixo é a voz mais grave masculina, e portanto a mais grave entre as
vozes humanas.
Garcia apresenta a extensão do baixo de Fá 1 ou Mi 1 a Sol b 3, com registro de
peito de Fá 1 ou Mi 1 a Ré 3 ou Mi 3 e registro de falsete de Sib 2 a Solb 3. Vemos que,
enquanto o tenor utiliza a voz de cabeça apenas no extremo agudo de sua extensão e o
barítono canta a maior parte de sua extensão no registro de peito, o baixo utiliza o
registro de peito na absoluta maioria das notas de sua extensão. Miller (1986), como faz
na descrição de todas as vozes masculinas, aponta apenas as passagens de registros: a
primeira passagem no Lá 3 e a segunda passagem no Ré 4.
Como já vimos, até o estabelecimento da voz de barítono, todos os homens de
voz grave eram classificadas como baixos. A voz de barítono, portanto, por contraste,
evidencia as características particulares da voz que hoje compreendemos como o baixo,
e evidencia inclusive o quão inadequados papéis antes destinados a essa classificação
revelam-se à voz de baixo segundo os padrões atuais. Segundo Miller (2008):

Com a demanda crescente por contraste dramático dentro de todos os tipos


vocais, cantores passaram a ser identificados por subcategorias: (I) barítono,
(2), baixo-barítono e (3) baixo. Certamente, papéis nas óperas de Mozart e
Rossini alteraram para sempre a noção de que vozes masculinas são
obviamente tenores ou claramente baixos. Vozes dentro dessas subcategorias
podem ser líricas ou dramáticas, demandando rótulos adicionais como
barítono lírico, barítono dramático, baixo-cantante, baixo lírico e baixo
dramático. Além disso, há divisões “buffo” correspondentes a cada uma das
categorias “sérias”. 131 (MILLER, 2008, p. 4)

131 With the growing demand for dramatic contrast among all types of voices, male singers became
identified by subcategories: (I) baritone, (2) bass-baritone, and (3) bass. Certainly, roles in the operas of
Mozart and Rossini forever altered the notion that male voices are either patently tenor or distinctively
bass. Voices within theses subcategories may be lyric or dramatic, calling forth additional labels such as
lyric baritone, dramatic baritone, basso-cantante, lyric bass, and dramatic bass. In addition, there are
“buffo” divisions to correspond to each of the “serious” categories.
Miller apresenta diversas subclassificações que srcinaram-se, de certa forma,
do conceito de baixo antes do estabelecimento da classificação de barítono. Muitos dos
papéis Mozartianos citados por Miller, embora sejam hoje tradicionalmente cantados
por barítonos devido à sua tessitura essencialmente central e à necessidade de contraste
sonoro entre personagens, podem com facilidade ser cantados por alguns baixos, e
efetivamente o são. A menção à subclassificação “ buffo” mostra-nos uma faceta
bastante explorada deste tipo vocal, pois embora haja na literatura papéis cômicos para
tenores ou mesmo para barítonos, esses papéis normalmente são destinados à voz de
baixo.
A voz de baixo, porém, é também associada a personagens solenes, mais velhos,
sábios, profetas, deuses e demônios. A identificação desses personagens com a voz
escura e profunda do baixo, a quem cabem as notas mais graves da extensão humana, é
no mínimo compreensível. Sobre a voz de baixo, diz Jander (2010):

A profundidade de sua voz era normalmente utilizada para sugerir idade


avançada (embora Puccini provavelmente tenha tido a idéia certa quando
fez seu Imperador ancião em Turandot um tenor enfraquecido). No Ernani
de Verdi ao baixo é designada a parte de Silva, habitualmente chamado de
“vecchio”, “vecchio misero” e assim por diante. Em seu I Masnadieri o
papel do baixo é o do Conde Massimiliano, velho o suficiente para ter
gerado o tenor e o barítono que interpretam seus filhos. A distribuição
vocal de Simon Boccanegra fornece um exemplo da forma em que a
convenção operística estabeleceu uma lei não escrita no sentido de que a
profundidade da voz era diretamente proporcional ao avanço em anos:
assim o tenor é o jovem herói apaixonado pela filha do barítono que por
sua vez ama a filha do baixo.132 (JANDER, 2010, sem numeração de
página)

Miller (2008) faz uma apreciação das possibilidades da voz de baixo em termos
sonoros e mercadológicos:

Um grande número de artistas contemporâneos estão aderindo a ambas as


categorias baixo-barítono e baixo. Entre todas as categorias graves da voz
cantada, o baixo real é a mais rara. A profundidade sonora de sua qualidade é
impressionante. Muito de sua literatura demanda o mesmo grau de
velocidade que o exigido das vozes mais agudas e mais leves. O espectro de

132 The depth of his voice was commonly taken to suggest advanced age (though Puccini probably had
the right idea when he made his aged Emperor inTurandot an enfeebled tenor). In Verdi’sErnani the
bass is allotted the part of Silva, habitually addressed as ‘vecchio’, ‘ vecchio misero’ and so forth. In
his I masnadieri the bass’s role is that of Count Massimiliano, old enough to have begotten the tenor
and the baritone who play his sons. The voice-casting of Simon Boccanegra provides an example of
the way in which operatic convention established an unwritten law to the effect that depth of voice was
directly proportionate to advance in years: thus the tenor is the young hero in love with the daughter
of the baritone who in turn loves the daughter of the bass.
papéis para baixos compreende uma vasta gama, desde o ancião respeitado
ao amante sensual. Além disso, a literatura para baixo buffo representa uma
importante faceta do repertório potencial. E muito da literatura de oratórios
para voz grave é propriedade do baixo. Quando a voz de baixo treinada
possui a capacidade de profundidade e brilho, é difícil imaginar um timbre
masculino mais gratificante. 133 (MILLER, 2008, p. 11, 12)

Considerações

Como vimos, cada um dos seis tipo vocais (soprano, meio-soprano, contralto,
tenor, barítono, baixo) possui características distintas, e podemos distingui-las
utilizando parâmetros ora mais, ora menos perceptíveis, como extensão, passagens de
registro, tessitura e timbre. É interessante notar que, embora os autores detalhem os
limites de extensão total e de extensão dos registros, sobre o timbre particular de cada
tipo vocal pouco é dito. Evidentemente, isso se deve ao fato de que o timbre, como
vimos no capítulo 2, é a mais abstrata entre as propriedades do som musical. Ainda que
se possa identificar a classificação de um aluno pela percepção de seu timbre, isto
exigirá muita experiência auditiva pessoal do professor, e as diferenças entre os timbres
não podem ser descritas com maior precisão do que “mais claro”, “mais escuro”, “mais
leve, mais pesado”.
Quaisquer que sejam os meios que levem o professor a classificar uma voz, é
essencial que todos os alunos sejam classificados corretamente e que sejam trabalhados
de acordo com suas particularidades. McKinney (2005, p. 111) diz que os perigos de
uma classificação errada são: perda de beleza do som e liberdade de produção, uma
carreira no canto encurtada, frustração e desapontamento contínuos e a possibilidade de
sérios danos vocais. Diz também que infelizmente esses perigos não são imediatos.
Devido à grande resistência da voz humana, especialmente no jovem adulto, os danos
podem demorar meses ou até mesmo anos para aparecer, mas persistir em cantar fora de
sua melhor região em algum momento trará consequências. O autor diz ainda:

Cantar em qualquer extremo da extensão pode ser danoso, mas a


possibilidade de dano parecer muito mais predominante em uma classificação
muito aguda. Inúmeras autoridades médicas indicaram que cantar em um

&((
A number of contemporary performing artists are listed as adhering to both the bass-baritone and the
bass categories. Among all low-voice categories of the singing voice, the true bass is the most rare. His
sonorous depth of quality is impressive. Much of his literature demands the same degree of velocity as
that required of higher, lighter voices. The spectrum of roles for the basscovers a wide range from
respected elder to sensuous lover. In addition, the bass buffo literature represents a major facet of
potential repertoire. And much of the oratorio literature for low voice is the property of the bass singer.
When the schooled bass voice possesses the capability of depth and brilliance, it is difficult to envision a
more gratifying male timbre.
nível de afinação muito agudo pode contribuir para certas desordens vocais.
Dr. F. S. Brodnitz relaciona cantar em um nível muito agudo ao
desenvolvimento de nódulos vocais, e Margaret Greene declara, “Sopranos
cantando acima de sua extensão natural podem desenvolver nódulos vocais,
uma vez que muitas são meio-sopranos mas o gosto hoje é por cantoras
sopranos.” Canto extensivo nos limites superiores de sua voz natural é um
pouco como dirigir um carro em velocidade máxima o tempo todo. Você
pode percorrer muitas milhas, mas o motor vai desgastar muito mais cedo do
que se você dirigisse em velocidades normais, e provavelmente teria que
pagar algumas multas. Tensão crescente nas cordas vocais é uma das formas
de subir a afinação. Cantar acima de sua melhor tessitura mantém suas cordas
vocais sob uma grande quantidade de tensão desnecessária por longos
períodos de tempo, e a possibilidade de abuso vocal é grandemente
aumentada. (MCKINNEY, 2005, p. 111)

Estudamos, ao longo deste capítulo, os diversos tipos vocais e suas


características determinantes. No próximo capítulo, abordaremos as subclassificações
dentro de cada um desses tipos, e suas particularidades em termos de timbre e extensão.
Estudaremos também suas características sob um viés mais mercadológico, através dos

preceitos do sistema fach, que leva em consideração fatores mais específicos como
aptidões artísticas e tipo físico.
4 AS SUBCLASSIFICAÇÕES E O SISTEMA FACH

Após estudarmos os itens a serem observados para a classificação de uma voz e


investigarmos cada um dos seis tipos vocais comumente utilizados na identificação da
voz como instrumento, é hora de estudarmos as variações encontradas dentro de cada
tipo vocal. Como observamos no capítulo anterior, a evolução da ópera como fenômeno
cultural favoreceu, após um longo período de variedades estilísticas que refletiam a

interação entre as inovações artísticas e o gosto do público, o estabelecimento de um


repertório. Com isso, mais a crescente profissionalização do gênero, uma forma de
garantir a adequação de um determinado cantor selecionado para um papel fez-se
necessária. Uma vez que não se compunham mais óperas para vozes específicas e as
vozes tinham que se adaptar à música escrita para as particularidades de cantores
anteriores a eles, nada mais natural que alguns parâmetros fossem estabelecidos para
enquadrar os papéis em nichos de repertório que favoreciam, ou mostravam-se mais
adequados, a vozes com propriedades específicas. É claro que, com o estabelecimento

de um repertório – que abrange obras desde o surgimento do gênero operístico – papéis


destinados a vozes de soprano ou tenor, por exemplo, podem apresentar demandas
vocais e musicais bastante diversas. E, ao menos em tese, não seria possível um mesmo
cantor interpretar toda essa variedade de papéis com a mesma desenvoltura. Dizemos
em tese, pois a história nos mostra diversos casos de cantores que tinham em seu
repertório papéis hoje considerados bastante diversos, e a princípio impossíveis de
serem realizados a contento pelo mesmo instrumento. Portanto, tanto quanto é verdade
que o desenvolvimento da ópera necessitou dessas subclassificações por questões
organizacionais, pedagógicas e mercadológicas, toda essa “organologia” vocal tem
srcem na observação da média – não excluindo a possibilidade de um cantor passear
pelas diferentes subclassificações. A identificação dos tipos de vozes e os papéis a eles
adequados tem srcem, também, no gosto do público desenvolvido ao longo dos
tempos.
Sobre o sistema Fach, diz Deere (2007):

Enquanto músicos de idioma inglês normalmente discutem categoria vocal,


os alemães tem uma palavra mais curta, Fach, que denota não apenas o tipo
de voz de um cantor, mas também aponta os papéis operísticos que são
apropriados, ou ao menos aceitáveis, para cada tipo de voz. Há uma
preocupação adicional do Fach em relação ao que pode ser adequado a vozes
mais jovens e cantores mais maduros, também. 134 (DEERE, 2007, p. 16)

O autor diz também que os alemães usam a palavra Fach tanto para indicar
classificação de papéis como para as demandas da voz. Vemos aqui como são tênues os
limites entre a análise e categorização da literatura vocal, a adequação das qualidades
vocais à parte e a rotulação do cantor-instrumento. Fach significa em alemão
departamento ou seção e designa, em termos profissionais, área de atuação. Embora um
cantor possa optar por cantar papéis de características bastante divergentes, o sistema

previne que alguém seja obrigado, por contrato, a cantar um papel que não seja
adequado para sua voz. E, também por uma questão mercadológica, algumas dessas
classificações extrapolam questões vocais e musicais, encontrando em aptidões
artísticas e até mesmo físicas suas características.
Esse sistema é utilizado em teatros que mantém cantores contratados por
temporada, o que não é realidade no Brasil. Mas a relevância do assunto é atestada pelas
publicações específicas utilizadas neste trabalho. Mesmo Titze (2000), autor
essencialmente científico que em quatrocentas e nove páginas esmiúça questões

fisiológicas e acústicas envolvidas na produção vocal (e essa é a tônica mesmo quando


134 Whereas English-speaking musicians often discuss voice category, the Germans have the shorter
word, Fach, which denotes not only one´s type of voice, but also points toward the operatic roles which
are proper, or at least acceptable, for each voice type. There is an additional concern under Fach for
what may be suitable for younger voices and more mature singers, as well.
diversa sobre classificação vocal), dedica ao menos uma página de seu livro para
definir, com termos bastante sucintos e precisos, ainda que abstratos, os termos
utilizados nas subcategorizações.
Para estudar essas subclassificações, além da bibliografia já apresentada,
introduziremos Kloiber (2007), Boldrey (1994) e Clark (2007). Os autores fazem um
amplo trabalho de classificação dos papéis operísticos do repertório, trazendo uma lista
com descrição minuciosa de todos os tipos vocais e uma lista de papéis pertinentes a
cada subclassificação. Alguns papéis são apresentados com opção de mais de um tipo
diferente de voz, o que mostra que essa categorização, por mais precisa que almeje ser,
não será nunca absoluta.
Como as subclassificações são fruto de observação, não tendo sido planejada
pelos compositores através dos tempos, achamos interessante incluir neste capítulo
também autores como Pleasants (1981), Steane (1992) e Deere (2005), que fazem uma
apreciação de cantores e seus papéis. O primeiro com ênfase nos cantores mais
históricos, que estavam presentes quando boa parte do repertório tradicional atual foi
escrito e foram muitas vezes responsáveis pela criação de papéis emblemáticos da
literatura operística. O segundo e o terceiro falam de cantores do século XX, sempre
avaliando as características individuais dos cantores e organizando-os segundo seus
tipos vocais. A articulação dos três autores busca trazer ao mesmo tempo a este trabalho
um ponto de vista da srcem do que hoje entendemos como repertório e uma visão mais

atual que dialoga com o gosto do público moderno, com as práticas atuais e com a
realidade do mercado. A classificação vocal, como vimos, é fundamental para que o
aluno desenvolva-se técnica e artisticamente, mas há ainda uma questão pós-
classificatória. A percepção de onde ele se encontra dentro no universo de sua
classificação vocal é importante para que ele possa entender a melhor forma de se
inserir no mercado – que é, afinal, o desejo de todo aluno aspirante a cantor
profissional.
Os diferentes autores apresentam formas de categorização e nomenclaturas

diversas. Esta seria uma boa prova – se é que uma prova se faz necessária – de que essas
subclassificações não são mais do que uma observação da média para catalogação e
posterior identificação dos cantores profissionais (não devendo jamais ser encaradas
como uma “verdade absoluta” ou um “veredito final”). Ao longo do capítulo,
comentaremos essas discrepâncias e buscaremos o diálogo entre elas. Assim como
podemos facilmente observar que não há uma concordância absoluta quanto à
categorização ou à nomenclatura das subclassificações, também é fácil perceber que
sopranos e tenores despertam uma variedade maior de categorizações, talvez pelo fato
de serem vozes mais requisitadas no repertório e portanto apresentarem também maior
variedade entre si. As vozes de barítono e meio-soprano apresentam menos variações no
geral, e as vozes de baixo e contralto são as que menos se subdividem. Isto pode se
dever a alguns fatores: um número mais discreto de representantes (o que diminui as
possibilidades de variedades notáveis entre elas), o uso predominante de um único
registro ao longo da maior parte da extensão (o que pode limitar as possibilidades de
variedades de colorações no canto) e um número menor de papéis de destaque no
repertório (o que reduz evidentemente a possibilidade de contrastes entre papéis da
mesma categoria).
Podemos observar também que algumas categorizações apresentadas trazem
parâmetros tão específicos que é impossível não esperar alguma intercambialidade entre
elas. De fato, a descrição de algumas destas categorias sugerem que elas sejam, na
verdade, mais uma variação de uma determinada subclassificação do que uma
subclassificação em si. Para efeitos de organização deste trabalho, identificamos
algumas especificidades marcantes no processo de subclassificações que facilitam a
identificação e compreensão das categorias tradicionalmente conhecidas.

Segundo Boldrey (1994, p. 7), antes do advento da orquestra moderna na


segunda metade do século XIX, os cantores eram treinados para cantar quase tudo, em
estilo idílico ou dramático, realizar passagens rápidas e sustentar frases longas,
expressivas e cheias de nuances de colorido e dinâmica ao longo de sua extensão. O
autor lembra que tais vozes “multifacetadas” são requeridas para o repertório de Mozart.
O autor diz ainda:

Naquela época, todos os cantores eram chamados líricos, que era o termo
genérico denotando uma voz treinada para oteatro lírico. Mas depois, com o
advento de orquestras maiores e uma profusão de estilos operísticos, novas
135
categorias vocais apareceram. (BOLDREY, 1994, p. 7)

135 At that time, all singers were called lyric, which was the generic term denoting a voice trained for
lyric theatre. But then, with the advent of larger orchestras and a profusion of operatic styles, new voice
categories appeared.
Titze (2000, p. 195) apresenta-nos uma lista de termos utilizados nestas
subclassificações. As vozes são subdivididas em termos de peso, cor e grau de
agilidade, e os termos-chave utilizados nas classificações são ligeiro, lírico e dramático
(referindo-se a cor e peso), coloratura (referindo-se a um alto grau de agilidade) e spinto
(uma qualidade de lírico que será explicada oportunamente). Há ainda termos
influenciados mais por aptidões artísticas do que propriamente vocais, como soubrette,
cômico, buffo, característico ou Spiel. Titze (2000, p. 195), além destes termos, cita
ainda cantante e profondo (aplicados apenas aos baixos), flageolet (para vozes finas e
agudas – o termo não aparece em nenhuma outra das fontes estudadas indicando
classificação) e Helden (que significa heróico e, segundo o autor, é aplicado a tenores,
embora seja utilizado também para sopranos e eventualmente barítonos, como veremos
adiante).
A variedade de tipos vocais é grande, assim como são variados os parâmetros.
Diz Steane (1992):

Repertórios se sobrepõem, extensão pode ser enganosa, e potência não é um


parâmetro tão objetivo como pode parecer (pense naquelas performances de
Siegfried com seu Wotan famoso mundialmente por sua voz maciça e
poderosa que, no entanto, ouvimos menos do que o grunhido e insignificante
tenor de Mime, que chega alto e claro). Em muitos pontos eu senti um forte
desejo de cortar caminho pelos tipos reconhecidos (lírico, dramático, spinto e
assim por diante) e recategoriza-los por timbre. O vocabulário teria sido uma
dificuldade. O “magro” e o “gordo”, o “escuro” e o “claro”, o “reto”, o
“maduro”, o “exuberante” e o “frouxo”: tais termos não satisfatórios seriam
os únicos que teríamos que usar até que alguém inventasse melhores. Devem
ter sido estes problemas de nomenclatura que levaram os franceses a
comemorar Maria Cornélie Falcon (1812-1897) e Jean-Blaise Martin
(1769-1837) dando a tipos de vozes seus nomes. O problema é que seus
timbres precisos estão perdidos agora: se um numero de cantores cujas
gravações servissem para referência pudessem ser estabelecidos como
arquétipos dos timbres essenciais, poderíamos ter algo. 136 (STEANE, 1992,
p. ix, x)

136 Repertoires overlap, range may be misleading, and power is not such a straightforward proposition
as it may seem (think of those performances of Siegfried with their Wotan world-famous for his massively
powerful voice which, however, we hear less than the squeaky and insignificant tenor of Mime, which
comes over loud and clear). At several points I felt a strong desire to cut across the recognized types
(lyric, dramatic, spinto and so forth) and recategorise them timbre. Vocabulary would then have been a
difficulty. The ‘thin’ and the ‘fat’, the ‘dark’ and the ‘light’, the ‘straight’, the ‘ripe’, ‘the lush’ and the
‘loose’: such not satisfactory terms would be the ones we would have to use till somebody devises better.
It must have been some such problems of nomenclature that led the French to commemorate their Marie
Corneille Falcon (1812-1897) and Jean-Blaise Martin (1769-1837) by naming voice-types after them.
The trouble is that their precise timbre is now lost to memory: if a number of singers whose records
served for reference could be set up as archetypes of the essential timbres, there might be something in it.
Passaremos agora a analisar as características que levam um cantor a ser inserido
em cada uma destas categorias, e para tal organizaremos as subclassificações desta
forma: “Soubrette”, “Soprano Ligeiro”, “Soprano Lírico”, “Soprano Spinto”, “Soprano
Dramático”, “Meio-soprano ligeiro”, “Meio-soprano lírico”, “Meio-soprano dramático”,
“Contralto lírico”, “Contralto dramático”, “Tenor Ligeiro”, “Tenor Cômico”, “Tenor
Lírico”, “Tenor Spinto”, “Tenor Dramático”, “Barítono Lírico”, “Barítono Dramático”,
“Baixo-Barítono”, “Baixo buffo”, “Baixo cantante”, “Baixo profundo”.

4.1 Soubrette

Segundo Boldrey (1994, p. 20), o termo “ soubrette” deriva do francês antigo


soubret, que significa “sagaz”, e refere-se menos a um tipo de voz do que a um tipo de
personagem:

Uma soubrette operística está na linhagem direta de tipos de personagens


desenvolvidas a partir da Colombina da antiga tradição do teatro italiano da
commedia dell´arte, epitomizada no século XVIII por Serpina (Pergolesi, La
Serva Padrona). Por volta de 1800, o termo na ópera a princípio significava
uma serva astuta, como Despina (Mozart, Così fan tutte). O termo soubrette
ampliou-se na ópera para incluir qualquer jovem moça esperta, como Zerlina
(Mozart, Don Giovanni).137 (BOLDREY, 1994, p. 20)

Para o autor, as características da soubrette são: voz leve, flexível, boa região
aguda, registro médio claro e região grave mais fraca, além de aparência graciosa,
habilidades como atriz e boa dicção dos idiomas. É claro que isso não significa que
cantoras das outras categorias femininas não precisem ser boas atrizes ou ter boa dicção.
Antes, significa que é esperado que a soubrette tenha essas características mais
destacadas por serem elas mais relevantes – na maioria das vezes – do que seus méritos
vocais, visto que a esse Fach estão associados papéis cômicos, de caráter jocoso e
faceiro.
O autor diz ainda que, apesar de ser o termo normalmente associado a sopranos,
a soubrette pode ser um meio-soprano ou até mesmo um contralto. A Despina, por
exmplo, em conjuntos, fica abaixo de Fiordiligi e Dorabella, mesmo sendo a segunda

137 An operatic soubrette is in a direct line of character types evolved from the Columbine of the older
commedia dell´arte tradition of the Italian theatre, epitomized in 18th-century opera by Serpina
(Pergolesi, La Serva Padrona). By 1800, the term in opera primarily meant a cunning servant girl, such
as Despina (Mozart, Così fan tutte). The term soubrette has also been extended in opera to include any
clever young girl, such as Zerlina (Mozart, Don Giovanni).
normalmente cantada por meio-sopranos. Considerando que Mozart concebeu as três
personagens femininas de sua ópera para sopranos, é compreensível que, mesmo tendo
a mesma categoria vocal, Despina, por ser uma personagem cômica não protagonista,
receba linhas mais graves do que as de Fiordiligi ou Dorabella. Steane (1992) diz que,
dentre as soubrettes mozartianas, Blonde (Die Entfürung aus dem Serail) é a que mais
exige vocalmente, Zerlina (Don Giovanni) é a mais recompensante, Susanna Le
( Nozze
di Figaro) é a mais sutil e Despina (Così fan Tutte) a mais arquetípica. O autor diz ainda
que esses são papéis-chave do repertório, ponderando ainda que uma PapagenaDie
(
Zauberflöte) provavelmente migrará, mais tarde, para a heroína Pamina na mesma
ópera.
Boldrey (1994, p. 20) chama-nos atenção para o fato de que os papéis de
soubrette estão normalmente associados a papéis cômicos cujo nome termina com-ina
ou -etta, sufixos italianos que indicam diminutivo. O autor dá como exemplos
personagens de outros compositores de óperas cômicas, como a Lisetta de Haydn, a
Giulietta de Jomelli e a Livietta de Sarti.
Assim como Lisetta significa “Pequena Lisa”, ou “Querida Lisa”, assim a
soubrettte é uma moça jovem e esperta, com uma voz jovial – uma voz que é
leve, delgada, ágil e brilhante. Essa definição de soubrette também inclui
papéis secondários como Papagena (Mozart, Die Zauberflöte), Marzelline
(Beethoven, Fidelio) e heroínas de operetta como Patience (Sullivan,
Patience).138 (BOLDREY, 1994, p. 20)

Lembramos aqui, também, das personagens de Donizetti Adina (L´Elisir d


´Amore) e Norina (Don Pasquale), e ainda a Rosina de Rossini (Il Barbiere di Siviglia ).
Embora a duas primeiras sejam associadas a sopranos líricos ou ligeiros e a terceira
tenha sido composta para contralto (e cantada, desde então, também por meio-sopranos
e sopranos), trazemos essas personagens para a discussão por apresentarem todas as
características da soubrette, ressaltando que o que define a categoria são, mais do que
particularidades vocais, inclinações artísticas. Para Miller (2000):

Lirismo leve, agilidade fácil, charme físico e aparência jovial são qualidades
essenciais da soubrette. Obrigações da soubrette abrangem efervescência
vocal e negociação melismática fácil ao longo de uma extensão ampla

138 Just as Lisetta means “Little Lisa” ou “dear Lisa”, so the soubrette is a young and sprightly girl-
woman, with a youthful voice – a voice that is light, slender, agile, and bright. This definition of a
soubrette voice also includes secondary roles such as Papagena (Mozart, Die Zauberflöte) and
Marzelline (Beethoven, Fidelio) e heroínas de operetta como Patience (Sullivan, Patience).
(embora a soubrette seja menos dependente das regiões agudas que a soprano
coloratura). 139 (MILLER, 2000, p. 7)

Boldrey (1994) comenta ainda que na Alemanha a Nanetta doFalstaff de Verdi e


a Musetta de La Bohème de Puccini são consideradassoubrettes, ainda que demandem
vozes mais cheias do que as dos papéis normalmente associados a este Fach.

4.2 Soprano ligeiro

O soprano ligeiro é a categoria mais leve do soprano. É comum vermos


divulgado também o termo em italiano leggero. Deere (2007) não faz menção ao
soprano ligeiro, mas faz a descrição da voz mais leve de soprano sob a categoria
soubrette/ soubrette-coloratura. Preferimos, no entanto, separar as sopranos soubrettes
das sopranos ligeiros e das sopranos coloratura por considerar a categoria soubrette algo
realmente à parte, à medida que, como vimos, asoubrette pode nem mesmo ser um
soprano. Sobre o soprano ligeiro, diz Steane (1992):

Há limitações vocais também. Ela é um soprano leve em dois sentidos: isto é,


ela não tem grandes reservas de potência, e a cor de sua voz será brilhante. O
que isso significa realmente na prática é que uma voz pequena, do tipo que,
de outra forma, não estaria associada com grande ópera, é treinada para
desenvolver uma capacidade penetrante para competir com a orquestra e
projetar em um auditório grande. Isso frequentemente significa que ao som
natural será adicionada uma ponta mais aguda, e nesse processo o brilho será
também intensificado (por que um som mais aveludado, mais suave terá
menos possibilidade de projetar). Essa ponta brilhante na voz torna-se como
o sorriso fixo: é parte do personagem, a verdadeira condição da performance.
Apesar disso, pode ser limitadora, por que enquanto o sorriso é uma
característica externa que pode ser abandonada, o brilho está na voz, tornou-
se característica dela. Muita da arte do soprano leve envolve transcender
essas limitações: escapar da moldura, dar ao personagem vida independente
sem afrontar as convenções para as quais ela foi criada, e estender a gama de
coloridos da voz (e logo suas possibilidades emocionais) sem enfraquecer as

139Light lyricism, facile agility, physical charm, and youthful appearance are essential qualities for the
soubrette. Soubrette duties encompass vocal effervescence and easy melismatic negotiation over a wide
range (although the soubrette is less dependent on the highest regions than is the coloratura soprano).
qualidades que fazem sua individualidade e sua especial utilidade. 140
(STEANE, 1992, p. 4)

Boldrey (1994, p. 1) faz menção ao “soprano leggero-lirico” associado a “Light


Lyric Coloratura Soprano” (“soprano lírico coloratura leve”), “Full Lyric Coloratura
Soprano” (“soprano lírico coloratura cheio”) e “Light Lyric Soprano” (soprano lírico
leve). As duas últimas preferimos associar a categorias que definiremos posteriormente,
mas a primeira nos remete ao termo bastante usual “soprano lírico ligeiro”, que seria
uma categoria entre o ligeiro e lírico. O excesso de subclassificações nos leva e entender
que há sopranos de vozes muito leves e por isso essencialmente ligeiras, e sopranos de
vozes não tão leves, mas mais leves do que os sopranos líricos. Boldrey (1994, p. 21)
descreve desta forma o “soprano lírico coloratura leve”:

Um soprano lírico coloratura leve é uma cantora de voz leve cuja qualidade é
mais próxima de uma soubrette do que de um soprano lírico verdadeiro, cuja
voz é normalmente mais brilhante do que quente, que pode facilmente cantar
escalas, grupetos e harpejos, e é conhecida por seu alcance extremamente
agudo. Ela também é por vezes chamada sopranoleggero, embora esse seja
um termo mais genérico que refere-se a qualquer soprano leve e ágil com ou
sem alcance agudo. 141 (BOLDREY, 1994, p. 21)

4.3 Soprano Coloratura

Por coloratura entendemos, normalmente, a habilidade de executar passagens


rápidas de virtuosismo, em escalas, desenhos melódicos repletos de semicolcheias e
fusas, trinados, e tudo o que envolve virtuosismo vocal. Steane (1992) conjectura sobre

o termo coloratura:

140 There are vocal limitations as well. She is a light soprano in two senses: that is, she has no great
reserves of power, and her voice will be bright in tone-colour. What this really means in practice is that a
small voice, of a type that would otherwise not be associated with grand opera, is trained to develop a
penetrative capacity sufficient to compete with the orchestra and to carry in a large auditorium. This
often means that the natural tone will be given a sharper point, and in this process the brightness will
also be intensified (because a mellower, softer tone will be less likely to project). This bright edge to the
voice becomes very like the fixed smile: it is part of the character, the very condition of the performance.
It can be more limiting still, for while the smile is an external feature that can be dropped, the brightness
is in the voice, has become the voice´s character. Much of the art of the light soprano involves the
transcending of these limitations: slipping out of the portrait-frame, giving the character and independent
life without affronting the conventions for which she was created, and extending the colour-range of the
voice (and hence its emotional possibilities) without weakening the qualities which make up its
individuality and its special usefulness.
141 A light lyric coloratura soprano is a singer with a light voice whose quality is closer to a soubrette
than to a true lyric soprano, whose voice usually is more brilliant than warm, who can easily sing scales,
turns, and arpeggios, and who is known for her extremely high range. She is also sometimes called a
soprano leggero, though that is a more general term refering to any light agile soprano with or without a
high range.
Posto de forma mais razoável, a questão contra “coloratura” é a seguinte:
“Coloratura” em italiano deve ter algo a ver com cor: esse é o significado da
raiz da palavra. O que entendemos por “soprano coloratura” não tem
nenhuma conexão com o que normalmente entendemos por “colorir” no
canto: falamos sobre a coloração de uma voz, a arte de colorir uma frase,
ambos sendo atos interpretativos, enquanto muito frequentemente o
“soprano coloratura” é um tipo de voz menos preocupado com esse tipo de
coisa. Na verdade o termo vem do alemão “ Koloratur”, e o “colorir”
entendido tem um sentido bastante diferente. No estudo medieval da
Retórica, “cores” eram expressões figurativas, ou ornamentos estilísticos ao
longo da linha principal do argumento. Então, na música, uma melodia segue
em sua linha não adornada até que, pelo bem da variação talvez, ela é
embelezada, ou, como costumava-se chamar, “figurada”. Então surgiu um
tipo de cantor virtuoso que especializou-se nesta “figuração” ou “colorido”
da linha melódica, e é nesse sentido que ele ou mais frequentemente ela é
definida pelo estranhamente enganoso termo “coloratura”. 142 (STEANE,
1992, p. 8)

Pela descrição de Steane, não é difícil entender o por que de a categoria soprano
coloratura (ou lírico-coloratura) ser intimamente associada ao repertório da primeira
metade do século XIX, período a que refere-se normalmente como obel canto. O

repertório desta época alia linhas melódicas amplas com embelezamentos e grandes
passagens de agilidade. Segundo Jayden (2010):

Na Itália, o lírico coloratura era central nas obras de Rossini, Bellini e


Donizetti. O tipo de voz foi primeiro personificado pela soprano
espanhola Isabella Colbran, e depois por um notável par de sopranos,
Giuditta Pasta e Giulia Grisi. Colbran criou os papéis principais de dez das
óperas sérias de Rossini, 1815-23 (os dois casaram-se em 1822), incluindo
Elisabetta, regina d´Inghilterra, Otello, Mosè in Egitto, La Donna del
lago, Maometto II e Semiramide. Diz-se que sua voz potente e flexível
estendia-se do Sol 2 ao Mi 5. Pasta criou o papel principal, Amina, em La
sonnambula (1831); Bellini também escreveu os papéis-título mais
dramáticos em Norma (1831) e Beatrice di Tenda (1833) para a voz
magnificamente vibrante desta cantora, que se estendia de Lá 2 a Mi 5.
Outra óperasua
Donizetti, composta
primeirapara os talentos
ópera de Pasta
a conquistar foiAnna
ampla Bolenainternacional,
aceitação (1830) de
rapidamente chegando a Londres e Paris com Pasta no papel título. Grisi
criou Adalgisa em Norma na sua primeira apresentação; mais tarde ela foi
majestosa como a própria Norma. Foi também para Grisi que Bellini
compôs Elvira em I Puritani (1835); ainda que menos dramática em
caráter que os papéis para Pasta, Elvira incorpora elementos estilísticos de
uma típica heroína Belliniana, combinando agilidade vocal com linhas
melódicas de grande fôlego. Em óperas de Donizetti, Grisi criou o papel
trágico de Elena em Marino Faliero (1835) e o papel cômico de Norina

142 Put more reasonably, the case against ‘coloratura’ goes as follows: ‘Coloratura’ in Italian must have
something to do with colour: that is the root meaning of the word. What we understand by ‘coloratura
soprano’ has no connection with what we normally think of as ‘colouring’ in singing: we talk about the
colouration of a voice, or the art of colouring a phrase, both of these being interpretative acts, whereas
very often the ‘coloratura soprano’ is the voice-type least concerned with that sort of thing. In fact the
term comes from the German ‘Koloratur’, and the ‘colouring’ implied has quite a different meaning. In
the mediaeval study of Rhetoric, ‘colours’ were figurative expressions, or stylistic ornaments along the
main line of argument. So, with music, a melody goes its straightforward, unadorned way until, for
variety´s sake perhaps, it is embellished or, as it used to be called, ‘figured’. So there came into being a
type of virtuoso singer who specialized in such ‘figuring’ or ‘colouring’ of the melodic line, and it is in
this sense that he or more frequently she is denoted by the oddly misleading term ‘coloratura’.
em Don Pasquale (1843). 143 (JAYDEN, 2010)

A coloratura como agilidade é, ao menos em tese, um recurso de todos os tipos


de vozes. Todas as demais categorias vocais possuem na literatura papéis que, em maior
ou menor grau, exigem a realização de passagens de agilidade. No entanto a voz de
soprano é a única entre as vozes que apresenta (com exceção, segundo alguns autores,
do meio-soprano, que em última análise é uma categoria de soprano) uma
subclassificação assim designada.
É interessante observar que a categoria “coloratura” é apresentada antes da
categoria “lírico” (atitude que mantivemos nesta pesquisa). As vozes, invariavelmente,
são apresentadas da mais aguda à mais grave (começando por soprano até chegar ao
baixo). Ainda quando invadimos as subclassificações, o pensamento – do mais leve ao
mais pesado – se mantém, e isso pode querer dizer algo sobre o uso do termo

“coloratura”. As descrições da categoria enfatizam a particularidade de sua habilidade


de executar ornamentos e passagens rápidas, além de uma extensão maior no região
aguda. Mas aparentemente também o timbre e o peso da voz apresentam diferenças
neste tipo de soprano em relação aos chamados líricos.
Clark (2007) e Kloiber (1985) apresentam as categorias “soprano lírico
coloratura” e “soprano dramático coloratura”, sendo que Kloiber (1985) apresenta a
primeira também como “Koloratursoubrette” (soubrette coloratura). Boldrey (1994)
apresenta quatro categorias de soprano que levam o termo “coloratura”: “soprano lírico

coloratura leve”, “soprano lírico coloratura cheio”, “soprano dramático coloratura leve”,
“soprano dramático coloratura cheio”. Para as duas primeiras indica características
semelhantes com exceção do peso/ volume, leve para a primeira e médio para a

143 In Italy, the lyric coloratura was central to the works of Rossini, Bellini and Donizetti. The voice
type was first personified by the Spanishsoprano Isabella Colbran, and then by a remarkable pair of
sopranos, Giuditta Pasta and Giulia Grisi. Colbran created leading roles in ten of Rossini's serious
operas, 1815–23 (the two were married in 1822), including Elisabetta, regina d'Inghilterra, Otello,
Mosè in Egitto, La donna del lago, Maometto II and Semiramide. Her flexible and powerful voice was
said to extend from g to e . Pasta created the title role, Amina, in La sonnambula (1831); Bellini also
!

wrote the more dramatic title roles ofNorma (1831) and Beatrice di Tenda (1833) for this singer's
magnificently vibrant voice, which extended from a to e . Another opera composed around Pasta's
!

talents was Donizetti's Anna Bolena (1830), his first opera to achieve wide international acceptance,
quickly reaching
première; London
later she and Paris
was majestic as with
NormaPasta in theIt title
herself. wasrole.
also Grisi created
for Grisi that Adalgisa in NormaElvira
Bellini composed at its
in I puritani (1835); although less dramatic in character than the roles for Pasta, Elvira nonetheless
embodies stylistic elements of a typical Bellini soprano heroine, combining vocal agility with long-
breathed melodic lines. In operas by Donizetti, Grisi created the tragic role of Elena in Marino Faliero
(1835) and the comic role of Norina in Don Pasquale (1843).
segunda. Para as duas últimas apresenta também a mesma extensão básica das outras,
mas diz que são mais fortes em peso e volume, enfatizando que o dramático coloratura
leve apresenta timbre mais escuro que o soprano lírico e o dramático coloratura cheio
apresenta timbre metálico, mais escuro que do sopranospinto. Apresenta a extensão
deste tipo de soprano até o Fá 5 (enquanto dos sopranos líricos, como já visto, não é
esperado muito mais do que um Dó 5).

4.4 Soprano Lírico

O soprano lírico é aquele que, de voz mais pesada que o soprano ligeiro, não
apresenta como característica uma habilidade particular para realizar ornamentos
(embora deva possuir um certo grau de agilidade) e também não apresenta as
características do dramático em termos de volume e pujança vocais. Segundo Boldrey

(1994):
O soprano lírico (it, soprano lirico, fr. soprano lyrique, al. lyrische Sopran) é
um soprano cuja principal característica é beleza, antes de agilidade ou
potência dramática. A extensão vocal do lírico é normalmente as duas oitavas
de Dó 3 a Dó 5. O soprano lírico é o “soprano de Puccini”, incluindo a mais
leve Lauretta (Gianni Schicchi), a eterna Mimì ( La Bohème), a lírico spinto
Cio-cio-San (Madama Butterfly) e a lírico-dramático Tosca T( osca). Seu
tempo favorito é andante, seu acompanhamento favorito é a orquestra de
cordas, sua estrutura favorita é a frase romântica cheia de rubato. 144
(BOLDREY, 1994, p. 22)

Para Boldrey, então, enquanto o soprano coloratura ou ligeiro podem

impressionar com virtuosismo e o soprano dramático conta com a potência de sua voz
para arrebatar a platéia, o soprano lírico tem na beleza da voz o seu maior atrativo. Para
Steane, a soprano lírico é a namorada do mundo. O autor diz ainda: (1992):

Vocalmente, não requeremos muito dela. Em extensão, duas oitavas, Dó a


Dó, servirão muito bem, embora, como Maggie Teyte costumava insistir, um
alcance adicional de mais duas notas ajudarão com Mozart. Poderes
excepcionalmente penetrantes não são necessários, embora o gosto difira
nacionalmente na questão do timbre. Grande volume não é um pré-requisito,
ainda que o coração grande não vá bem com a voz pequena. Os trilos,

144 The lyric soprano (It. soprano lirico, Fr. soprano lyrique, Germ lyrische Sopran) is a soprano whose
main characteristics is beauty, rather than either agility or dramatic power. The lyric´s vocal range is
normally the two octaves from c to c´´. Ther dynamic range includes ringing fortissimos and floating
pianissimos. The lyric soprano is the “Puccini soprano”, including the lighter Lauretta (Gianni
Schicchi), the eternal Mimì (La Bohème), the lirico-spinto Cio-cio-San (Madama Butterfly), and the
lirico-dramatico Tosca (Tosca). Her favorite tempo is andante, her favorite accompaniment is the string
orchestra, her favorite structure is the romantic phrase filled with rubato.
stacccatos, escalas e arpejos da coloratura especialista devem ser cultivados,
porque ninguém quer uma Marguerite com um trilo preguiçoso e uma escala
suja na Ária das Jóias, e Donna Elvira, Fiordiligi, Pamina e mesmo a
Condessa em Figaro precisam mover com graça e agilidade. Ainda assim, o
soprano lírico pode passar várias temporadas imaginando se ela não
conquistou esses feitos em vão. Pureza e clareza são o que mais importa. 145
(STEANE, 1992, p. 17)

Para Boldrey (1994) a voz do soprano lírico é sólida ao longo de toda a


extensão. Assim como a voz de soprano é, entre os outros tipos de vozes, a que mais
apresenta subdivisões, assim é também a voz de soprano lírico entre as vozes de
soprano. Boldrey (1994) apresenta as variações: “soprano lírico leve”, “soprano lírico
coloratura cheio” e “soprano lírico cheio”.
Segundo Deere (2007):

O lírico puro é a voz feminina mais usual, e o professor faria bem em


eliminar a classificação lírica primeiro. Um peito amplo imediatamente
sugeriria o lírico spinto, vozes mais graves ou mais dramáticas. 146 (DEERE,
2007, p. 19)

A voz de soprano lírico é a mais usual, o que provavelmente, em termos


mercadológicos, põe a cantora desta categoria em situação de concorrência maior do
que as de outras categorias. Em compensação, essa é uma categoria vocal que tem uma
grande quantidade de repertório disponível. Segundo Miller (2000):

Muitos papéis favoritos no repertório tradicional cabem ao soprano lírico. Ela


encontra veículos satisfatórios em Handel, Mozart e os compositores do bel
canto da primeira metade do século XIX, Verdi, Massenet e Puccini, bem
como nas obras de muitos compositores do século XX. Em muitos sentidos o
soprano lírico é a voz operística feminina ideal, capaz de cant ar papéis tão
diversos como
Zauberflöte Susanna
, Mozart), (Le (Carmen
Micaëla Nozze di Figaro
, Bizet), a ,Manon
Mozart), Die
Pamina ((que
de Massenet
demanda tanto potência quando capacidade para coloraturas), Tatiana
(Eugene Onegin , Tchaikovsky – embora Tatiana possa adequar-se também à
categoria de spinto), Marzhenka (A Noiva Vendida, Smetana) e Mimi (La
Bohème, Puccini). Lauretta (Gianni Schicchi, Puccini) é frequentemente
considerada como propriedade da soubrette mas na verdade pertence ao lírico
(considere o dueto com Rinuccio). Liù ( Turandot, Puccini) deve ser dado a

145 Vocally, we require nothing too much of her. In range, two octaves, C to C, will do very nicely, though,
as Maggie Teyte used to insist, an extension of two notes will help with Mozart. No exceptionally
penetrative powers are needed, though tastes differ nationally on the matter of timbre. Sheer volume is
certainly not a prerequisite, and yet the large heart does not go well with the small voice. The trills,
staccatos, scales and arpeggios of the coloratura specialist are to be cultivated, for nobody wants a
Marguerite with a lazy trill and a smudged scale in the Jewel Song, and Mozart´s Donna Elvira,
Fiordiligi,
lyric Pamina
soprano and whole
may pass even the Countess
seasons in Figaro
wondering needshe
whether to move
has notwith grace these
acquired and agility. Even so, the
accomplishments in
vain. Purity and clarity come uppermost.
146 The pure lyric is the most usual female voice, and the teacher would do well to eliminate the lyric
classification first. An ample chest would immediately suggest the lirico spinto, lower, or more dramatic
voices.
um lírico que tenha algo próximo do poder de sustentação do spinto; ela é um
soprano leve apenas em comparação com a altamente dramática Turandot.
Nedda (I Pagliacci, Leoncavallo), Sophie (Der Rosenkavalier, Strauss) e
Gilda (Rigoletto, Verdi), se a cantora tem habilidades suficientes para
coloratura, são papéis líricos. 147 (MILLER, 2000, p. 9)

4.5 Soprano Spinto

Miller (2000, p. 9, 10) pondera que a categoria de soprano lírico apresenta


muitas variações, e muitas vezes dentro da mesma ópera um personagem pode ter que
exibir passagens de caráteres muito contrastantes – fazendo com que sobre muitos
papéis paire uma dúvida quanto à sua subcategorização. O autor cita dois casos muito
emblemáticos: um soprano pode cantar muito bem a “Ária das Jóias”, mas não ter
condições de enfrentar as passagens mais dramáticas da Marguerite no Faust de
Gounod, assim como analisar a orquestração daRusalka de Dvorak pode fazer-nos ver
que o papel pode se revelar pesado para um grande número de sopranos líricos que se
apresentam em concursos cantando a “Canção à Lua”. O autor diz:

Quando a tarefa inclui inúmeras passagens agudas e sustentadas que


competem com o som de uma orquestra completa, um Fach intermediário é
designado: lírico spinto. (O soprano lírico spinto é frequentemente associado
ao tenor lírico spinto). Em grande parte das óperas veristas, mesmo para
vozes líricas, ser un po´ spinto é uma necessidade. 148 (MILLER, 2000, p. 9)

“Spinto”, em italiano, significa literalmente “empurrado”, e embora essa palavra


traga uma carga que possa não parecer adequada ao que consideramos um bom canto,
podemos pela descrição de Miller entender o que o termo quer dizer. O “soprano spinto”

147 Many favorite roles in the standard repertory fall to the lyric soprano. She finds satisfying vehicles in
Handel, Mozart, the bel canto composers of the first half of the nineteenth century, Verdi, Massenet, and
Puccini, as well as in the works of numerous twentieth-century composers. In many ways the lyric
soprano is the ideal feminine operatic voice, capable of singing such diverse roles as Susanna (Le nozze
di Figaro, Mozart), Pamina (Die Zauberflote, Mozart), Micaela (Carmen, Bizet), the Massenet Manon
(which demands both power and coloratura capabilities), Tatiana ( Eugene Onegin, Tchaikovsky—
although Tatiana may fit into the spinto category as well), Marzhenka ( The Bartered Bride, Smetana),
and Mimi (La boheme, Puccini). Lauretta (Gianni Schicchi, Puccini) is frequently thought to be the
property of the soubrette but actually belongs to the lyric. (Consider her duet with Rinuccio.) Liu
(Turandot, Puccini) should be given to a lyric who has something close to spinto sustaining power; she is
a light soprano only in comparison with the highly dramatic Turandot. Nedda (I pagliacci, Leoncavallo),
Sophieare
skills, (Der , Strauss), and Gilda (Rigoletto, Verdi), if the singer has sufficient coloratura
lyricRosenkavalier
roles.
148 When the task includes a number of high, sustained tessitura passages that compete with full
orchestral sound, an intermediate Fach is designated: lirico spinto. (The lirico spinto soprano is often
paired with the lirico spinto tenor). In much of verismo opera, even for lyric voices, being un po' spinto is
a necessity.
é uma categoria de soprano lírico. Com efeito, observamos que muitas cantoras, após
um período dedicando-se a papéis essencialmente líricos, passam a abordar papéis
associados ao Fach soprano spinto, quando a maturidade do instrumento e a absoluta
solidificação técnica as permitem abordar papéis que demandam mais energia na
tessitura e maior potência para se sobressair em orquestrações mais pesadas. Deere
(2005) apresenta a categoria sob o termo “lírico spinto”.

Vennard (1967) diz:


Todas as vozes jovens deveriam ser classificadas líricas, independentemente
de seu potencial. À medida que elas amadurecem algumas aprenderão a usar
o músculo vocal mais ativamente na região aguda. Isso é chamado
“empurrar” e é perigoso, mas sem risco não há ganho. Os italianos na
verdade o dignificam ao reconhece-lo como uma classificação, spinto
(literalmente, empurrado). Um lírico spinto é uma voz essencialmente leve
que canta com mais potência em clímaxes dramáticos. 149 (VENNARD, 1967,
p. 79)

Quando Vennard diz que todas as vozes jovens deveriam ser classificadas líricas,
ele provavelmente quer dizer que dar um repertório muito pesado ou que exija muita
agilidade para uma voz ainda não totalmente desenvolvida pode ser prejudicial. Não
podemos negar, no entanto, que muitas vozes jovens mostram-se, desde o princípio,
evidentemente pesadas ou evidentemente leves.
Boldrey (1994) associa o soprano spinto ao que ele chama de “dramático
leve” (Light Dramatic), e Kloiber (2007) nem menciona essa categoria, apresentando os
papéis normalmente associados a esse repertório sob a subclassificação “Jugendlisch-

dramatischer Sopran” (“Soprano dramático jovem”). Miller (2000) apresenta também


esta categoria, que segundo ele é utilizada nos teatros alemães, da qual espera-se que
cante o repertório italiano do soprano spinto, bem como muitos papéis do repertório
alemão como Agathe (Der Freischütz, Weber), Elsa (Lohengrin, Wagner), Sieglinde
(Die Walkiire, Wagner), Eva (Die Meistersinger von Nürnberg, Wagner) e Senta (Der
fliegende Hollander, Wagner). Deere (2005, p. 20) cita a categoria como uma voz irmã
do lírico spinto italiano. O autor comenta, ainda, que muito estudantes (principalmente
alemães) acreditam que o Jugendlisch dramatischer vai evoluir para um dramático

149 All young voices should be classified lyric, regardless of potential. As they mature some of the will
learn to use the vocalis muscles more actively in the upper range. This is called “pushing” and is
dangerous, but nothing ventured nothing gained. The Italians actually dignify it by recognizing it as a
classification, spinto (literally, pushed). A lirico spinto is an essentially light voice that sings more
powerfully in dramatic climaxes.
cheio na maturidade de sua carreira. Embora isso tenha acontecido em alguns casos,
segundo ele a voz normalmente não muda tanto ao longo do tempo. Embora tendam a
tornar-se mais escuras após anos cantando, o elemento mais importante na classificação
das vozes femininas é o peso, e não se deve confundir cor escura com voz pesada. A
dialética da categorização alemã Jungendlich-Dramatischer Sopran e Dramatischer-
Sopran ou Hochdramatischer-Sopran (algo como “soprano altamente dramático”) vem
de acordo com a colocação dospinto como uma categoria intermediária. É uma espécie
de lírico, e intermediária nesse caso quer dizer entre o lírico e o dramático. A
Jugendlicher carrega este termo em comparação à voz mais portentosa e austera (ou
mais pesada) da Dramatischer. A Jugendlicher não tende, segundo Steane (2007), a
tornar-se um Dramatischer, assim como o spinto não tende a tornar-se um dramático. Já
o chamado lírico puro, dada a descrição das características do spinto, pode
eventualmente migrar para esta categoria.
Steane (2007) apresenta essa categoria como lírico-dramático:

Se o soprano lírico é a voz da juventude, o lírico-dramático é a irmã mais


velha: uma mulher, de sentimentos maduros, fisicamente e talvez moralmente
uma proposição mais formidável, muito provavelmente uma lutadora, quase
certamente carregando dentro dela as sementes da tragédia. É assim com
Tosca, Aïda, Sieglinde, Elisabeth de Valois, as Leonoras de La Forza del
Destino e Il Trovatore. Para estas, a voz necessita maior profundidade e
volume, o estilo mais intensidade e força declamatória. Frequentemente o
soprano lírico evoluirá para ela por um processo insidioso de forma que
dificilmente parece que uma decisão momentânea específica foi tomada; mas
inocência uma vez perdida não pode ser recuperada, e, embora a transição de
(digamos) Mimì para Tosca, Pamina para Donna Anna, pode não ser
absolutamente e imediatamente irreversível, é melhor abordada no espírito de
um casamento iminente que, como o Livro de Orações diz, não deve ser
empreendido, ou pego pela mão, inadvertidamente, levemente ou
desenfreadamente.150 (STEANE, 1992, p. 22)

4.6 Soprano dramático


O soprano dramático é o tipo mais pesado de soprano, e o termo utilizado para
designa-lo deixa clara a impressão artística causada pelas suas características. É

150 If the lyric soprano is the voice of youth, the lyric-dramatic is her elder sister: a woman, mature in
feelings, physically and perhaps morally a more formidable proposition, very probably a fighter, almost
certainly carrying within her the seeds of tragedy. So it is with Tosca, Aida, Sieglinde, Elisabeth de
Valois, the Leonoras ofLa Forza del Destino and Il Trovatore. For these, the voice needs more depth and
volume, the style more intensity and declamatory force. A lyric soprano will often graduate to them by an
insidious process so that it hardly seems as if a particularly momentous decision has been taken, but
innocence once lost cannot be regained, and, though, the transition from (say) Mimì to Tosca, Pamina to
Donna Anna, may not be utterly and immediately irreversible, it is best approached in the spirit of an
impending wedlock which, as the Prayer Book has it, is not to be enterprised, or taken in hand,
unadvisedly, lightly or wantonly.
evidentemente associado a papéis dramáticos, no que tange o caráter das personagens e
a escrita musical. Deere (2005, p. 21) diz que o soprano dramático pode ser tão raro
como o contralto. Segundo Miller (2000), “a mais ampla de todas as vozes de soprano é
aquela do soprano dramático. Ela deve ter grande poder de sustentação, exibindo tanto
profundidade quanto brilho, além de uma presença física imponente.”151 (MILLER,
2000, p. 11)
Boldrey (1994) também subdivide a categoria, em soprano dramático leve (light
dramatic soprano), soprano dramático cheio (full dramatic soprano) e soprano
dramático coloratura cheio (full dramatic coloratura soprano). O dramático leve, como
já comentamos, é associado ao soprano spinto. Steane (1992) pondera sobre os papéis
de soprano dramático:

Norma é um papel ao qual a voz de Brünhilde tem associações que datam


desde os tempos de Lili Lehmann, que (notoriamente) declarou ser uma
proposta mais assustadora que todas as Brünhildes juntas. Frida Leider,
soberba Isolda na opinião de muitos, cantou Norma e houve por um tempo
uma forte possibilidade de que Flagstad fosse a primeira Norma no
Metropolitan desde Ponselle. Outro papel assustadoramente exigente é o de
Abigalle no Nabucco de Verdi: esse também necessita de um soprano de
potência heróica e pura resistência, do contrário é uma parte assassina. E
ainda há Turandot.152 (STEANE, 1992, p. 33-34)

Como podemos ver, Steane (1992) associa alguns papéis que demandam muita
agilidade ao soprano dramático. Isto pode causar alguma confusão, por estar a agilidade
associada a outras subclassificações distintas do dramático. Dada a intercambialidade

entre as subclassificações, podemos ficar na dúvida se o dramático coloratura seria um


tipo de soprano dramático ou um tipo de soprano coloratura. Miller (2000) ajuda-nos a
esclarecer a situação:

Primeiro em qualquer discussão de categorias de soprano e como adaptar a


instrução para cada uma delas, alguma menção deve ser feita sobre a
premissa predominante de que a música escrita antes do movimento verista
do final do século XIX para voz aguda feminina é reservada ao soprano leve.
Como tem sido o caso no desenvolvimento da composição musical ao longo

151The most ample of all soprano voices is that of the dramatic soprano. She must have great sustaining
power, exhibiting both depth and brilliance of timbre as well as an imposing physical presence.
152 Norma is a role with which the Brünhilde-voice has associations dating back to the days of Lili
Lehmann, who (famously) declared it to be a more daunting proposition than all the Brünhildes put
together. Frida Leider, supreme Isolde in the opinion of many, sang Norma, and at one time there was a
distinct possibility that Flagstad would be the first Norma at the Metropolitan since Ponselle. Another
fearsomely demanding role is that of Abigail in Verdi´s Nabucco: this also needs a soprano of heroic
power and sheer toughness, a killer of a part otherwise. And then there is Turandot.
dos quatro séculos passados (um estudo em si sobre categorização vocal), as
demandas dos compositores aumentaram de acordo com o crescente
reconhecimento das potencialidades técnicas do instrumento vocal humano.
(Evolução da literatura para voz é paralela à da escrita instrumental – vide a
literatura para instrumentos de teclado, sopro e cordas.) Como as obras mais
duradouras ilustram, compositores habilidosos logo começaram a levar em
consideração peso e extensão do instrumento vocal solo. Independente da
categoria vocal, a tendência composicional era escrever para cantores que
pudessem competir com o volume instrumental crescente e as demandas
acústicas de espaços de performance maiores. Música do século XVIII e do
período do bel canto não deve ser restrita à voz de soprano de pequenas
dimensões.153 (MILLER, 2000, p. 6)

Outra forma de descrição do soprano dramático é o soprano heróico


(Heldensopran ), denominação associada ao que também designa-se soprano
wagneriano. Evidentemente essa categorização busca dar conta de definir o soprano que
atenda às exigentes demandas das óperas de Wagner. Dada a revolução causada pelo
compositor no gênero operístico (não só em termos filosóficos e artísticos, mas também
em termos de escrita vocal, consolidando a impetuosidade vocal já cultivada por
Beethoven e Weber), é bastante compreensível que cantores que supram as necessidades
especiais desta escrita sejam contemplados com um Fach específico.

Frequentemente a voz de soprano heróico tem uma base de meio-soprano ou


mesmo de contralto. [...]
Essa mistura de meio-soprano ou contralto é comum em muitos sopranos
heróicos (sendo a característica relativamente incomum a habilidade de
clarear e preservar as graças do soprano lírico). A maior voz de Brünhilde do
século é certamente a de Kirsten Flagstad, que guarda um forte elemento do
meio-soprano ou contralto no seu som. 154 (STEANE, 1992, p. 29)

O soprano dramático wagneriano, ou Heldensopran, por ser a voz de soprano


mais pesada, apresenta dificuldades especiais de emissão e sustentação, principalmente

153 Early in any discussion of soprano categories and how to adapt instruction for each, some mention
should be made of a prevalent assumption that music for the high female voice written before the verismo
movement of the late nineteenth century is reserved to the light soprano. As has been the case in the
development of musical composition over the past four centuries (itself a study in evolving voice
categorization), composers' demands have increased in accordance with mounting recognition of the
technical potentials of the human vocal instrument. (Evolution of the literature for voice is paralleled in
instrumental writing—witness the keyboard, wind, and string instrument literatures.) As the most
enduring works illustrate, skillful composers early began to take into account the weight and range of the
solo vocal instrument. Regardless of voice category, the compositional trend was to write for singers who
could compete with increasing instrumental volume and with the acoustic demands of expanded
performance spaces. Music of the eighteenth century and of the bel canto period should not be restricted
to the soprano voice of small dimension.
154 Often the heroic soprano voice has a mezzo or even a contralto underlay. […]
This admixture of mezzo or contralto is common to many heroic sopranos (the relatively uncommon
feature being the skill in lightening and in preserving the graces of the lyric soprano). The supremely
great Brünhilde voice of the century is surely that of Kirsten Flagstad, who retained a strong element of
the mezzo or contralto in her tone.
na tessitura exigente dos papéis mais dramáticos de Wagner. Steane (1992) pondera
sobre a consistência técnica dos sopranos wagnerianos:

Há momentos ouvindo tantas das sopranos “pesadas” em gravação ou no


teatro de ópera em que você sente que nenhuma nota realmente firme foi
emitida ao longo da noite. A voz grande é de natureza mais difícil de
controlar, e de todas as enfermidades que afetam a voz sem perfeito controle
a mais terrível de todas é o som “espalhado”, forçado ou balançado. Algumas
vezes isso tem sido tão habitualmente associado com certos papéis que
passam sem comentário crítico, e é claro que ouvidos podem tornar-se tão
acostumados com o que normalmente seria visto como uma característica
indesejável que sua presença é parte do contrato. Níveis de tolerância variam:
exatamente quantas (ou quão poucas) vibrações por segundo são aceitáveis e
quantos graus de desvio da afinação pode ser tolerado vai variar entre
indivíduos e (até certo ponto) nações. Há também uma curiosa
imprevisibilidade. Às vezes uma voz balançada vai produzir um som
perfeitamente firme, grande, longo e agudo, no momento exato em que os
ouvidos tinham se preparado para a calamidade. Não é incomum um soprano
dramático ou heróico cantar uma frase lírica sustentada com firmeza
admirável e seguir com uma passagem declamatória rápida na qual mal se
pode dizer que ela esteja cantando notas específicas. Mas esse é o mais
terrível perigo do tipo vocal e, embora às vezes leia-se sobre um cantor cujo
balanço diz-se ter desaparecido, a evidência de meus próprios ouvidos sugere
que como regra geral o processo é irreversível. 155 (STEANE, 1992, p. 32)

A afirmação de Steane deixa bastante claro que a cantora desta categoria terá,
durante o seu treinamento e ainda ao longo da carreira, que primar pelo domínio técnico
absoluto, sob risco de deterioração do instrumento. Vennard (1967, p. 79) diz:
O soprano dramático é um spinto que é agora capaz de “empurrar”
incansavelmente, ou um meio-soprano que aprendeu a carregar sua produção
total (ou quase) para cima até o topo da extensão do soprano, digamos Dó
5. 156 (VENNARD, 1967, p. 79)
A relação do soprano dramático com o meio-soprano é, aparentemente, muito

próxima. Boldrey (1994) diz ainda:

155 There are times when listening to so many of the ‘heavy’ sopranos on record or in the opera house
that you feel not one truly firm note has been emitted throughout the evening. The big voice is of its
nature most difficult to control, and of all maladies that afflict the imperfectly controlled voice the most
dreaded of all is the ‘spread’ tone, beat or wobble. Sometimes it has become so habitually associated with
certain roles that it passes without critical comment, and of course ears can grow so accustomed to what
would normally be thought of as an undesirable feature that its presence is part of the contract.
Tolerance-levels vary: just exactly how many (or how few) vibrations a second are acceptable and how
many degrees of deviation from pitch can be borne will vary among individuals and (to some extent)
nations. There is also a curious unpredictability about it. Sometimes a wobbly voice will produce a
perfectly firm note, loud, long and high, at the very point where the ears had prepared themselves for
calamity. It is not uncommon for a dramatic or heroic soprano to sing a sustained lyrical phrase with
admirable
singing firmness
specific notesand
at follow
all. Butit this
withisathe
rapid declamatory
direst peril of thepassage in which
voice-type she canone
and, though hardly be said reads
sometimes to be
of a singer whose wobble is said to have disappeared, the evidence of my own ears suggests that as a
general rule the process is irreversible.
156 The dramatic soprano is either a spinto who is now able do “push” relentlessly, or a mezzo who has
learned to carry her full production (or nearly so) clear to the top of the soprano range, say high C6.
Como a voz do soprano dramático não é tão aguda como a voz do soprano
lírico, um soprano dramático tem muito em comum com um meio-soprano
dramático. Muitos papéis dramáticos são por isso cantados intercaladamente
por sopranos e meio-sopranos, incluindo Didon (Berlioz, Les Troyens),
Klytemnästra (Strauss, Elektra) e Kundry (Wagner, Parsifal). 157 (BOLDREY,
1994, p. 24)

4.7 Zwischenfach

Zwischenfach é um termo pouco usual, apresentado por Boldrey (1994) e Miller


(2000), mas não citado por Clark (2007) nem por Kloiber (1985). O primeiro não o
apresenta em sua tabela, apresentando a categoria apenas na descrição que faz de cada
uma delas, portanto não apresenta qualquer associação com correntes diferentes de
pensamento (as nacionais) ou com outro tipo de soprano. O termo significa “categoria
entre categorias”, e segundo Boldrey (1994, p. 25) o termo se refere a papéis ou tipos de
vozes que não podem ser enquadradas precisamente em uma ou outra categoria. O autor
diz ainda que o termo poderia ser aplicado a “bari-tenores”, “mezzo-contraltos” ou
mesmo “baixo-barítonos”. No entanto, o termo é aplicado normalmente ao tipo de voz
que se situa entre o soprano e o meio-soprano.
De acordo com Miller (2000):

A Zwischenfachsängerin (cantora Zwiszchenfach) apresenta voz grande e


bom comando da região grave, e fica mais confortável em papéis dramáticos
que, enquanto requerem uma tessitura relativamente alta, evitam exposição
do extremo agudo da voz por prolongados períodos de tempo. Ela está “entre
categorias”. Esse tipo de cantora é apta a interpretar tanto papéis de soprano
dramático quanto alguns que pertencem à categoria de meio-soprano
dramático, incluindo Amneris (Aïda, Verdi), Lady Macbeth ( Macbeth, Verdi),
Kundry (Parsifal , Wagner), Ortrud ( Lohengrin , Wagner), Santuzza
Cavalleria
(de Rusticanao, Mascagni),
Bizet. Possuindo e, se
peso e a cor do for fisicamente
soprano apropriada,
dramático, Carmen
pode dominar
muito da mesma literatura, mas sua região de performance mais confortável é
mais próxima do meio-soprano. 158 (MILLER, 2000, p. 11)

157 Because the dramatic soprano´s voice is not as high as a lyric soprano´s voice, a dramatic soprano
has much in common with a dramatic mezzo-soprano. Many dramatic roles are therefore sung
interchangeably by sopranos and mezzo-sopranos, including Didon (Berlioz, Les Troyens), Klytemnätra
(Strauss, Elektra), and Kundry (Wagner, Parsifal).
158 The Zwischenfachsdngerin has a large voice with good command of low range and is most
comfortable in dramatic roles that, while requiring relatively high tessitura, evade exposure of the very
top of the voice for extended periods of time. She is "between categories." This type of singer is able to
portray both dramatic soprano roles and some that lie within the dramatic mezzo-soprano categories,
including Amneris (Aïda, Verdi), Lady Macbeth ( Macbeth, Verdi), Kundry (Parsifal, Wagner), Ortrud
(Lohengrin, Wagner), Santuzza (Cavalleria rusticana, Mascagni), and, if she is physically appropriate, the
Bizet Carmen. Possessing the weight and color of the dramatic soprano, she can manage much of the
same literature as the dramatic, but her most comfortable performance range is closer to that of the
mezzo-soprano.
Miller (2000, p.7) apresenta também o termo c“ross-Fach”. Outra categorização
associada ao Zwischenfach é o “soprano Falcon”, designação baseada nas características
da cantora francesa Marie Cornélie Falcon (1814-1897). Boldrey (1994, p. 15) o coloca
como correspondente aos ingleses “Full Dramatic Soprano” (este também associado ao
“Soprano drammatico italiano”) e “Dramatic Mezzo-Soprano”, além do “Light Lyric
Dramatic Soprano” (este também associado ao “ Soprano Spinto” italiano).

4.8 Meio-soprano coloratura

A primeira categoria de meio-soprano que apresentamos é o meio-soprano


coloratura. Clark (2007) o define sob o termo “meio-soprano lírico coloratura”,
enquanto Kloiber (1985) o denomina apenas “meio-soprano coloratura”. Por razões já
discutidas, apesar de Kloiber não indicar a palavra “lírico” na terminologia, pode-se
considerar o coloratura um tipo de meio-soprano lírico.
Grande parte do repertório para esta categoria é na verdade derivada do contralto
Rossiniano. Como diz Jander (2010):
Em meados dos 1930, a meio-soprano espanhola Conchita Supervia iniciou
uma renovação do interesse nas óperas cômicas de Rossini cantando os
papéis título de La Cenerentola e L´Italiana in Algeri no Covent Garden
(Rosina em Il Barbiere ainda estava sendo canta na versão transposta para
soprano). Sua sucessora Tereza Berganza era também especialmente
admirada como Carmen, nas óperas cômicas de Rossini e em seu repertório
de canções espanholas. Depois de 1970, Frederica Von Stade destacou-se no
mesmo repertório de meio-soprano coloratura, bem como nos papéis de
Charlotte e Octavian na ópera dos século XVII e XVIII. Cecilia Bartoli subiu
ao estrelato em papéis como Cinderella e Dorabella.159 (JANDER, 2010, sem
numeração de página)

Titze (2000) afirma que as características que identificam a categoria coloratura


são: voz ágil adaptável a muitas escalas, trilos, cadências e notas extremamente agudas.
O autor, que não apresenta cada tipo vocal básico com suas subdivisões, preferindo
definir os “sobrenomes” atribuídos a eles, diz também que essas características são
primariamente dos sopranos. De fato, uma vez que a agilidade é, em tese, possível a

159 In the mid-1930s, the Spanish mezzo Conchita Supervia initiated a renewal of interest in the comic
operas of Rossini by singing the title roles of La Cenerentola and L'italiana in Algeri at Covent Garden
(Rosina in Il barbiere was still being sung in a transposed soprano version). Her successor Teresa
Berganza was also especially admired as Carmen, in Rossini's comic operas and in the Spanish song
repertory. After 1970, Frederica von Stade excelled in much the same coloratura mezzo repertory, as well
as in the roles of Charlotte and Octavian and in 17th- and 18th-century opera. Cecilia Bartoli has risen
to stardom in such roles as Cinderella and Dorabella.
todas as vozes saudáveis treinadas, e ao meio-soprano coloratura não será exigido cantar
uma nota uma quarta acima da nota limite da extensão de sua irmã de classificação
imediatamente abaixo dela (como no caso do soprano coloratura e do soprano lírico),
talvez não houvesse a necessidade desta subclassificação. Observamos que dificilmente
um meio-soprano coloratura não aborda também repertório associado ao meio-soprano
lírico, ou mesmo ao dramático. Jander (2010) afirma:

Depois do reavivamento do bel canto dos 1940 e 50, meio-sopranos mais


uma vez começaram a enfrentar os protagonistas das óperas sérias de
Rossini. A líder era Marilyn Horne, que exibia virtuosismo e estilo
surpreendentes como Arsace (Semiramide), Malcolm ( La donna del lago) e
Tancredi. Embora Horne descreva sua própria voz como um “contralto
rossiniano” (Ellison, 1997), ela também tem o alcance agudo para Adalgisa
(Norma), e cantou óperas do século XVIII, notadamente os papéis título do
Rinaldo de Handel e o Orfeo de Gluck. 160 (JANDER, 2010)

Deere (2005) fornece uma descrição do meio-soprano coloratura bastante clara e


objetiva:
O meio-soprano coloratura é igual às outras categorias de meio-soprano,
exceto que ela pode cantar a coloratura de Donizetti, Rossini e Mozart que
sua outra irmã meio-soprano normalmente não pode.161 (DEERE, 2005, p.
23)

4.9 Meio-soprano lírico

Também o meio-soprano tem uma subcategoria denominada lírico. Boldrey


(1994) apresenta ainda duas subdivisões: “meio-soprano lírico leve” e “meio-soprano
lírico cheio”. O meio-soprano lírico, assim como o soprano lírico, é algo como um

equilíbrio entre os extremos, ou um meio termo de onde se ramificam exacerbações de


características. Se tem o domínio técnico para realizar as passagens de agilidade, pode
abordar o terreno do meio-soprano coloratura, e se tem peso na voz, boa sustentação e
sonoridade suficiente para juntar-se à orquestração exigida, pode arriscar também o
repertório que cabe ao meio-soprano dramático.

160 After the bel canto revival of the 1940s and 50s, mezzos once again began to tackle the leading male
roles in Rossini's
and style as Arsaceserious operas.),The
(Semiramide leader( here
Malcolm was Marilyn
La donna del lagoHorne, who displayed
) and Tancredi. amazing
Although Hornevirtuosity
describes
her own voice as a ‘Rossini contralto’ (Ellison, 1997), she also has the upper range for Adalgisa (Norma),
and has sung 18th-century opera, notably the title roles in Handel's Rinaldo and Gluck's Orfeo.
161The coloratura mezzo is similar to the other mezzo categories, except that she can sing the Donizetti,
Rossini, and Mozart coloratura that her other mezzo sister usually do not.
Miller (2000) subdivide o meio-soprano em “lírico (coloratura)” e “dramático”.
Não apenas associa o meio-soprano coloratura ao lírico, mas apresenta a variedade
“coloratura” entre parênteses seguindo a categorização “lírico”. O autor afirma que esta
categoria, depois do soprano coloratura e do tenor ligeiro, é a mais exigida em termos
de flexibilidade vocal. Mas essa afirmação evidentemente leva em conta a parcela
“coloratura” da categoria que Miller interpreta como uma só, e, uma vez que já
discutimos os papéis de coloratura na categoria anterior, daremos maior ênfase aqui à
gama de papéis sem grandes demandas virtuosísticas associadas ao meio-soprano lírico.
Esta categoria canta Charlotte emWerther de Massenet e Dorabella em Così fan
Tutte de Mozart, por exemplo. Está associada também ao que se conhece comoTrouser
roles ou Hosenrollen, (literalmente, “papéis de calças”), que são personagens
masculinos escritos para vozes femininas para ilustrar sua juventude. É o caso de
Cherubino em Le Nozze di Figaro de Mozart, Siebel em Faust e Stéphano em Roméo et
Juliette de Gounod, Nicklausse em Les Contes de Hoffmann de Offenbach, Hänsel em
Hänsel und Gretel e Octavian em Der Rosenkavalier de Strauss.

Muito frequentemente elas podem cantar notas escritas para soprano; pelo
espaço de uma única ópera elas podem até mesmo ser bem sucedidas em
lidar com um papel de soprano, e contanto que isso não aconteça com muita
freqüência pode não ter nenhum efeito nocivo à voz. Mas atenção é essencial
para longa preservação, e é necessário muito cuidado até mesmo nos papéis
destinados ao meio-soprano lírico. 162 (STEANE, 1992, p. 38)

Segundo Deere (2005):

Os meio-sopranos “líricos” podem soar um pouco como sopranos na parte


superior de sua voz, e elas podem ter dificuldade para cantar além do Sib
agudo. Também, sua voz média é um pouco mais forte que a do soprano. 163
(DEERE, 2005, p. 22)

Boldrey (1994) apresenta também um outro tipo de voz que recebeu o nome de
uma cantora, neste caso, Louise Rosalie Dugazon (1755-1821). Segundo Warrack e
West (1992), Madame Dugazon era também atriz e bailarina. Com uma voz não
excepcional e sem treinamento musical, seu grande trunfo eram suas impressionantes

162
dealSo often they with
successfully can asing the notes
soprano role,written for soprano;
and provided it is notforundertaken
the space too
of aoften
single operahave
it may theynomay even
harmful
effect on the voice. But caution is essential for long preservation, and care is needed even in the roles
broadly designed for the lyric mezzo.
163 The “lyric” mezzos may sound a bit like sopranos in the upper part of the voice, and they may have
difficulty singing beyond the high B-flat. Also, their middle voice is a bit stronger than the soprano´s.
habilidades dramáticas. Estreou mais de sessenta óperas de Grétry, Isouard e Boieldieu.
Uma vez que evidentemente não há registros de sua voz, e os papéis para ela criados
não fazem parte do repertório tradicional, a referência a seu nome em classificação
vocal nos remete a aptidões artísticas mais do que vocais. Um papel de Dugazon foi
Pauline em Richard coeur-de-lion de Grétry, papel atualmente associado a sopranos. Os
tipos de papéis que ela interpretou quando nova e aqueles criados em sua maturidade
ficaram conhecidos, respectivamente, como Jeune Dugazon e Mère Duzagon
(literalmente, Jovem Dugazon e Mãe Dugazon).

4.10 Meio-soprano dramático

O meio-soprano dramático, como se pode esperar, é a versão meio-soprano do


soprano dramático. Segundo Deere (2005):
Meio-sopranos dramáticos são ligeiramente mais pesadas vocalmente, e estas
vozes mais escuras tem uma maravilhosa lista de papéis para cantar. Elas são
as meio-sopranos para Verdi, Wagner e Richard Strauss. Muitas cantaram
Carmen, também. (Que cantora de qualquer Fach não sonhou com Carmen?)
Pensa-se em Ortrud (Lohengrin), Azucena (possível para contralto) ( Il
Trovatore), Eboli (com elementos de bravura) (Don Carlo), Octavian (este
papel tem elementos líricos também) (Der Rosenkavalier) e Erda (O Anel). 164
(DEERE, 2005, p. 22, 23)

Vimos que Deere aponta, entres os papéis típicos de meio-soprano dramático,


Erda (Der Ring des Nibelungen, Wagner), papel srcinalmente escrito para contralto.
Dada a falta de disponibilidade de vozes desse tipo, é bastante freqüente ver meio-

sopranos dramáticos escalados para desempenhar papéis de contralto.

4.11 Contralto lírico

Embora Clark (2007) e Miller (2000) não apresentem subdivisões para a voz de
contralto, Boldrey (1994) apresenta as subcategorias “contralto lírico” e “contralto
dramático”, enquanto Kloiber (1985) divide os papéis de contralto entre o “contralto
lírico”, o “contralto dramático”, o “ Tiefer Alt” (literalmente, contralto mais grave) e o

164 Dramatic Mezzos are slightly heavier in vocal weight, and these darker voices have a wonderful list
of great roles to sing. They are the mezzos for Verdi, Wagner, and Richard Strauss. Many have sung
Carmen, as well . (What female singer of whatever Fach has not dreamed of Carmen?) One thinks of
Ortrud (Lohengrin), Azucena (possible for contralto) (Il Trovatore), Eboli (with bravura elements) (Don
Carlo), Octavian (this roles has lyric elements as well) (Der Rosenkavalier), and Erda (the Ring).
“Spielalt”. Na tabela de características de Boldrey (1994), o autor diferencia o contralto
lírico e o dramático pelas comparações: o contralto lírico apresenta “bom grave”,
enquanto o dramático “excelente grave e bom agudo”, o lírico apresenta “timbre
escuro” enquanto o dramático apresenta timbre “escuro e metálico”, a voz do contralto
lírico é “cheia” enquanto a do dramático é “espessa e cheia”, e como desafio do
contralto lírico o autor diz apenas que ele tem “menos flexibilidade que o meio-
soprano”, enquanto para o dramático o desafio vocal é “penetração dramática”. Percebe-
se que as variações são sutis demais para ser comparadas àquelas envolvidas na
observação da voz do soprano ou do meio-soprano, e Miller (2000), concorda que a voz
de contralto é uma voz rara, não suscitando, assim, como a do soprano, tantas
possibilidades de variações. Não seria exagero ponderar que essas apreciações sejam
talvez meramente especulativas, uma vez que as variações de características
apresentadas não são grandes, e o repertório de contralto não é tão grande nem tão
variado. Optamos por apresentar este tipo vocal nestas duas subdivisões basicamente
para marcar que também a voz de contralto (como todas as outras, talvez até mesmo o
baixo) tem como princípio de sua subcategorização a linha lírico – dramático.
Se devemos fazer a subdivisão do contralto, o S“pielalt” apontado por Kloiber
(1985) julgamos poder associar ao “Spieltenor” e “Spielbass”, com características não
necessariamente cômicas, mas ligeiras ou de forte caracterização cênica. Sob essa
categoria, o autor lista Martha emFaust de Gounod, Lola em Cavalleria Rusticana de

Mascagni, Frugola em Il Tabarro de Puccini e Meg Page emFalstaff de Verdi, alguns


dos quais normalmente associados a (e descritos na partitura como) meio-sopranos.
Percebemos também que todos os papéis citados são secundários. Fica fácil, assim,
compreender a designação “Spielalt”: a categoria de papéis para voz grave feminina,
que por não serem papéis principais não oferecem grandes momentos solo onde
desenvolver uma extensão ampla ou mesmo definir uma tessitura além dos limites do
conforto, e portanto não são passíveis de uma definição muito mais apurada do que “voz
feminina grave”, com boas aptidões musicais e cênicas.

Se associarmos a habilidade de realizar coloraturas ao tipo lírico de voz, então o


repertório já citado na categoria de “meio-soprano coloratura” deveria ser citado aqui.
Segundo Jander (2010):
Rossini continuou a tradição de usar vozes de contralto para papéis
femininos tanto em óperas sérias quanto em cômicas. Os papéis de
contralto coloratura de Cinderella em La Cenerentola (1817) e Rosina em
Il Barbiere di Siviglia (versão srcinal, 1816) foram ambos escritos para
Gertrude Righetti, que tinha um uma voz rica e potente com uma extensão
de Fá 2 a Si 4. Para Marietta Marcolini, “a prima donna contralto”,
Rossini criou papéis em cinco óperas, incluído o de Isabella em L´Italiana
in Algeri (1813).165 (JANDER, 2010)

4.12 Contralto dramático

Por contralto dramático, entendemos a categoria de contralto capaz de explorar


os limites de sua extensão e tessitura ao longo de passagens desafiadoras em papéis de
grande carga dramática. Papéis de contralto emblemáticos são Ulrica deUn Ballo in
Maschera de Verdi, La Cieca de La Gioconda de Ponchielli, La Zia Principessa deSuor
Angelica de Puccini, e são na verdade alguns dos poucos papéis verdadeiramente
escritos para contralto do repertório operístico tradicional. A Erda de Das Rheingold e
Siegfried de Wagner também é um papel emblemático que exige um verdadeiro
contralto.
A escassez de papéis especialmente para contraltos leva frequentemente a
cantora desse tipo vocal a abordar o repertório de meio-soprano. Steane (1992) cita
entre os papéis de meio-soprano abordados por contraltos da primeira metade do século
XX como Amneris (Aïda, Verdi) e Azucena Il( Trovatore, Verdi), papéis cruciais do
repertório de meio-soprano dramático e que dificilmente seriam abordados hoje em dia

por cantoras que se considerassem contraltos. O autor adverte:


Tendemos a considerar o movimento de contralto a meio-soprano como uma
liberação (exatamente como meio-sopranos acham libertador quando podem
mover para o repertório de soprano): mas há frequentemente uma conta a ser
acertada depois, e um ponto importante é uma perda de riqueza na qualidade.
O contralto, em outras palavras, faz bem em manter-se no seu território e não
ser empurrada para cima. 166 (STEANE, 1992, p. 52, 53)

4.13 Tenor ligeiro

165 Rossini continued the traditions of using contralto voices for women's roles in both comic and
serious opera. The coloratura contralto roles of Cinderella in La Cenerentola (1817) and Rosina in Il
barbiere di Siviglia (srcinal version, 181 6) were both written for Gertrude Righetti, who had a
"

powerful and
contralto’, rich-toned
Rossini voice inwith
created roles a compass
five operas, ForofMarietta
f–b . that
including Isabella inMarcolini, a Algeri
L'italiana in ‘prima(1813).
donna

166 We tend to think of this movement from contralto to mezzo as a liberation (just as mezzos count it
liberating when they can move into the soprano repertoire): but there is very often an account to be
settled later, not the least important item in which is a loss of richness in quality. The contralto, in other
words, does well to stand her ground and not be pushed up.
O tipo mais leve entre os tenores é o tenor ligeiro, e é a voz mais aguda
masculina. Encontramos também as designações “tenorino”, “contraltino”, “tenor
altino”. Clark (2007) o apresenta sob o termo italiano “ leggero”. Kloiber (1985)
categoriza o “haute-contre”, e atribui a ele papéis em óperas de Rameau, Lully e Gluck.
Papéis típicos citados são Don Ottavio (Don Giovanni), Conte Almaviva (Il
Barbiere di Siviglia), Nemorino (L´Elisir d´amore), Ernesto (Don Pasquale), Fenton
(Falstaff) e papéis leves do repertório francês.
Miller (1993, p. 9) aponta duas categorias de tenor mais agudo: o “ tenorino” e o
“tenore leggero (tenore di grazia)”:

O tenore leggero (tenor leve) compartilha algumas das características do


tenorino, mas sua voz tem tamanho e qualidade suficientes para ser
considerada um instrumento profissional viável. Seus pontos de passagem
são provavelmente no Mib 3 e Láb 3, e ele não sempre canta com facilidade
na sua região grave (voce di petto). Ele também é chamado (menos
frequentemente que da primeira forma) tenore di grazia por que
compositores frequentemente atribuem a ele escrita florida rica em passagens
de coloratura e embelezamentos vocais. Seu timbre é geralmente
caracterizado pela doçura (morbidezza), e ele deve possuir controle
considerável sobre a dinâmica musical. 167 (MILLER, 1993, p. 9)

O tenorino, segundo Miller (1993), tem pontos de mudança de registro mais


altos que os outros tenores – algumas vezes Mi 3 para a primeira passagem e Lá 3 para
a segunda. O tenorino pode evitar o timbre legítimo de “voz de cabeça” por ser capaz de
cantar pela região de passagem (a voz média alta) sem modificação do registro até
chegar à segunda passagem, onde ele une a voz ao falsete. O autor diz ainda que ele ou
o professor podem achar que, produzindo os agudos desta forma, está usando voz de
cabeça legítima.
Os papéis bel cantistas como Ernesto (Don Pasquale) e Nemorino (L´elisir d
´amore), ambos de Donizetti, e os mocinhos mozartianos como Don Ottavio ( Don
Giovanni) e Ferrando (Così fan tutte) são apresentados por Kloiber (2007) como tenores

167 The tenore leggero (light tenor) shares some of the characteristics of the tenorino, but his voice is of
sufficient size and quality to be considered a viable professional instrument. His passaggi points are most
likely at Eb 4 and Ab 4, and he does not always sing easily in the lower (voce di petto) range. He is also
called (less frequently than formerly)tenore di grazia because composers often assigned to him florid
writing rich in coloratura passages and vocal embellishments. His timbre is generally characterized by
sweetness (morbidezza), and he must possess considerable control over musical dynamics.
líricos, enquanto Clark (2007) os define como ligeiros e Boldrey (1994) como líricos
leves.

De um modo geral, a voz leve expressa a natureza leve. Como no caso da


soubrette, alguns dos melhores papéis do tenore di grazia estão na comédia, e
quando, digamos, Ernesto em Don Pasquale tem sua ária lamentosa em tom
menor (“Chercherò lontana terra”) não ficamos indevidamente perturbados:
na verdade não o levamos a sério. Em um papel trágico o tenore di grazia
comanda simpatia pelo seu triste dilema, mas uma voz brilhante e delgada,
como a maioria delas é, não sugere uma natureza profunda. 168 (STEANE,
1992, p. 66)

4.14 Tenor cômico

Miller (1993, p. 10,11) apresenta as categorias: “Spieltenor” e “Tenore buffo”.


Segundo o autor, o primeiro é uma categoria encontrada nos teatros alemães, cujo
instrumento é semelhante ao do ligeiro mas com maiores capacidades, podendo cantar
papéis mais um pouco mais pesados do que os associados ao ligeiro. Arturo (Lucia di
Lammermoor, Donizetti), Pedrillo (Die Entführung as dem Serail, Mozart), Cassio
(Otello, Verdi) e Beppe (I Pagliacci, Leoncavallo) são, para Miller, papéis do
Spieltenor. O “Tenore buffo”, segundo o autor, é uma categoria não germânica que
engloba papéis que pertencem às categorias “ Spieltenor” e “Charaktertenor”, porém ao
tenor buffo é associado um timbre “ingolato” (na garganta, com som “de garganta”),
Isto acontece devido a uma excessiva abertura da faringe, e segundo o autor muitos
tenores leves soam assim pela busca de um som maior (o que provavelmente resulta da
necessidade de, com sua voz excessivamente leve, ter de enfrentar a mesma orquestra
que seus colegas de voz cheia, em papéis que exigem excelente e expressiva dicção).
Boldrey (1994) apresenta o termo “ Tenore buffo” em italiano associado a
“Comic Tenor” (“tenor cômico” em inglês), “ Ténor bouffe” ou “Trial” em francês e
“Charaktertenor” (“tenor característico”) ou “Spieltenor” em alemão. “Trial” deriva do
tenor francês Antoine Trial (1736-1795), que tinha voz fina e anasalada, associada a um
tipo de tenor cômico. Kloiber (2007) apresenta o termo “Spieltenor” associado a
“Tenorbuffo”, e indica o termo “Charaktertenor” para uma carreira distinta. O autor não

168 On the whole, the light voice expresses the light nature. As with the soubrette, some of the tenore di
grazia´s best roles are in comedy, and when, say, Ernesto in Don Pasquale has his sorrowful aria in minor
key (‘Chercherò lontana terra’) we are not unduly perturbed: in fact we don´t take him seriously. In a
tragic role the tenore di grazia commands sympathy for his said plight, but a bright and slender voice, as
most of these are, is not suggestive of a deep nature.
explica cada uma das categorias, mas pela descrição de Miller, e observando as
diferentes listas, podemos ter uma pista: Monostatos (Die Zauberflöte, Mozart), Pedrillo
(Die Entführung aus dem Serail, Mozart), Goro (Madama Butterfly, Puccini), Spoletta
(Tosca, Puccini), Bardolffo (Falstaff, Verdi) e Trabucco (La Forza del Destino, Verdi)
para o Spieltenor. Hauptmann (Wozzeck, Berg), Herodes (Salome, Strauss), Loge e
Mime (Der Ring des Nibelungen, Wagner) para o Charaktertenor. Aparentemente, o
segundo demanda mais potência vocal, sobretudo na região média da voz, idéia que
pode ser alimentada pelo fato de que, como veremos a seguir, a categoria intermediária
“Baixo-barítono” é também apresentada sob o termo “ Charakterbariton”.

4.15 Tenor lírico

Segundo Deere (2005, p. 30), o tenor lírico é uma das vozes mais úteis, se bem
treinadas, moduladas e articuladas. Como o soprano lírico, seria algo como a “média”
dos tenores, e evidentemente, como o soprano, também apresenta subdivisões. Boldrey
(1994) apresenta duas variedades de tenor lírico: o “tenor lírico leve” e o “tenor lírico
cheio”. O “lírico leve” está associado ao tenorleggero ou di grazia, e ao ténor-léger,
haute-taille ou haute-contre francês. O “lírico cheio” está associado ao que entendemos
também como “lírico puro”, ou simplesmente “lírico”. Pela impressão causada por sua
voz e seu canto é a versão masculina do soprano lírico, embora a personalidade de seus

papéis possa ser bem distinta. Segundo Steane (1992):


Sendo homem, não espera-se que ele seja puro e perfeito como sua parceira,
o soprano lírico: ele pode até ser Faust para sua Marguerite, Pinkerton para
sua Butterfly. Entretanto, no geral, ele tem nossa simpatia, por que ele é
(vocalmente) jovem e bonito, e quase invariavelmente está apaixonado. Mas
personalidade na ópera é estabelecida pela música de forma apenas nominal,
superficial. A música, consequentemente, nos chega grandemente através da
voz, e vozes em si tem personalidade. 169 (STEANE, 1992, 66)

Como pudemos ver, o autor cita o papel de Pinkerton Madama


( Butterfly),
embora o papel seja identificado por Boldrey (1994) como spinto. Isso comprova a

169 Being male, he is not expected to be as pure and blameless as is opposite number, the lyric soprano:
he may even be Faust to her Marguerite, Pinkerton to her Butterfly. On the whole, however, he has our
sympathy, for he is (vocally) young and handsome, and almost invariably he is in love. When trouble
comes we look to him for the virtues: his depths will be sounded. But character in opera in only in a
nominal, superficial way established through the music. The music in turn comes to us to a very important
extent through the voice, and voices themselves have character.
ambigüidade e versatilidade do tenor lírico, que, com domínio técnico e prudência, pode
abordar grande parte do repertório de tenor disponível. Ainda segundo Steane (1992),
em geral quando a voz ganha um pouco de profundidade e peso (e não precisa ser mais
do que um pouco) o personagem ganha as qualidades que sugerem calor e
masculinidade, adquirindo um tipo mais completo de humanidade. Para Steane (1992),
se dissermos “tenor” sem especificar um tipo particular, esse é o tipo a que estamos nos
referindo – o que o autor chama “a voz de Rodolfo”. O autor refere-se ao tenor
protagonista da ópera La Bohème de Puccini, epíteto do tenor lírico assim como sua
amada Mimì é o epíteto do soprano lírico. Ao versar sobre sua ária do primeiro ato,
“Che gelida manina”, diz:

Aquele solo famoso e o que vamos chamar de tenor lírico “central” servem
um ao outro à perfeição; parte de sua mágica é a forma em que ele desenrola
as belezas de uma voz, dobra a dobra, até que tudo seja estendido, toda o
tecido admirado, suas cores, textura, força e suavidade. 170 (STEANE, 1992,
p. 67)

Pela afirmação do autor, entendemos que do tenor lírico – assim como do


soprano lírico – a beleza vocal é um mérito bastante apreciado, bem como a beleza do
fraseado.

4.16 Tenor spinto

O tenor spinto, evidentemente, é o correspondente do soprano spinto, e, pelas


mesmas razões que o segundo, é uma variedade de tenor lírico.
Miller (1993, p. 12) diz que há uma linha tênue entre o tenor lírico e o tenor
spinto (tenore um po´ spinto em italiano, segundo o autor), e que o spinto tem todas as
vantagens do lírico, mais a potência e o impacto vocal para transmitir o caráter
dramático das óperas de Verdi e o repertório verista. Diz ainda que papéis como
Rodolfo (La Bohème, Puccini), Pinkerton (Madama Butterfly, Puccini), Duca
(Rigoletto, Verdi) e Des Grieux (Manon Lescaut, Puccini) podem mostrar-se adequados

170 That famous solo and what we´ll call the ‘central’ lyric tenor suit each other to perfection; part of its
magic is the way in which it unfolds the beauties of a voice, pleat by pleat, till all is laid out, the whole
fabric admired, its colors, texture, strength and softness.
para alguns tenores líricos, e para outros pesados demais. Esses, no entanto, segundo o
autor, são papéis ideais para o tenor lírico spinto. Segundo Deere (2005):

A escrita orquestral de Verdi […] era muito bem colocada e balanceada para
sublinhar a voz, ao invés de tentar contar a história com a orquestra, como no
caso de Wagner. Então o líricospinto permaneceu o tipo de voz ideal para
muito da obra de Verdi. Alguns de seus primeiros trabalhos permitem o uso
de um tenor lírico, enquanto apenas Otello, no final, requer uma voz mais
dramática.171 (DEERE, 2005, p. 32)

Com efeito, são normalmente associados ao tenor spinto (ou ao tenor lírico, ou
lírico un po´ spinto) os tenores de Verdi, e também os de Puccini.
Boldrey (1994) apresenta, além da denominação “ tenore lirico spinto”, “tenore
robusto”, também associado ao “Jugendlicher Heldentenor ”, tornando ainda mais clara
a já esperada relação com a categoria “soprano spinto/ Jugendlicher Dramatischer
Sopran”. A categoria tenore robusto, no entanto, Steane (1992) associa à do

Heldentenor. Miller (1993, p. 12) diz que em alguns casos ospinto pode cautelosamente
abordar alguns papéis de tenor robusto (principalmente na maturidade), mas o peso
desses papéis requer normalmente uma produção mais pesada do que a adequada ao
instrumento do tenor spinto.

4.17 Tenor dramático

O tenor dramático, como podemos esperar, é o correspondente do soprano

dramático. Deere (2005) afirma ser esta uma categoria rara. Diz ainda:
Frequentemente confundido com um barítono quando começa os estudos, sua
voz demora para amadurecer e pode ser difícil de manobrar ou cantar
coloratura. Então é a voz ideal para sustentar as frases e cenas
excessivamente longas de Richard Wagner, de Tannhäuser a Tristan und
Isolde. O tenor dramático pode não ter todas as notas agudas do lirico spinto,
seu extremo agudo é mais ou menos o Si b agudo e chega ao Lá grave. 172
(DEERE, 2005, p. 32)

171 Verdi´s orchestral writing [...] was so well-spaced and balanced as to underline the voice, rather that
attempt to tell the story with the orchestra, as in Wagner´s case. So the lirico spinto remained the ideal
voice for
Otello, much
at the of requires
end, Verdi´s awork.
moreSome of his
dramatic earliest works permit the use of a lyric tenor, while only
voice.
172 Often mistaken for a baritone when he begins study, his voice is late to mature and can be difficult to
maneuver or to sing coloratura. So it is the ideal voice to sustain the exceedinly long phrases and scenes
of Richard Wagner, from Tannhäuser to Tristan und Isolde. The dramatic tenor may not have all the high
notes of the lirico spinto, as he tops out about the high B-flat and extends to the low A.
“Tenore robusto”, “Tenore di forza”, e “Wagner Heldentenor”, além do francês
“Ténor dramatique” são terminologias associadas a esse tipo de voz. Por ser a categoria
mais pesada da voz de tenor, pode ser facilmente confundida com um barítono, ou
mesmo um baixo. Jander (2010) cita o tenor Lauritz Melchior que cantou vários anos
como barítono até estrear como Tannhäuser em 1918; Steane (1992) cita também
Giovanni Zenatello, Renato Zanelli e Ramon Vinay, todos com passagens pelo tenor
dramático e pelo barítono. Também Deere (2005, p. 96) diz que muitos tenores
dramáticos começaram como barítonos ou baixos, e cita James King, que começou
como barítono, e Albert da Costa, que estudou no Julliard Conservatory como baixo.
Miller (1993, p. 13) diz que alguns barítonos, na maturidade, migram para o
repertório de tenor heróico e continuam a usar manobras de registro mais apropriadas
aos barítonos. Diz que com freqüência as passagens do tenor heróico são iguais às do
tenor robusto (Dó 3 – Fá 3), mas alguns Helden tem passagens iguais às do barítono
heróico (próximo a Sib 2 e Mib 3) e negociam as notas agudas de sua voz puxando para
cima o registro de peito muito além do que seria considerado saudável. Miller (1967, p.
79) diz que o tenor heróico (Heldentenor, tenore robusto) pode ser desenvolvido de um
spinto, mas é mais frequentemente um “barítono puxado para cima”.
Steane (1992, p. 72) diz que um bom papel para o tenor robusto é Manrico Il(
Trovatore, Verdi), embora não seja tão heróico que um líricospinto não possa canta-lo.
Outro papel verdiano citado por Steane – esse sim, o epítome do tenor dramático

italiano – é o personagem-título de Otello. O autor afirma que seu repertório abrange


também o do lírico spinto e mesmo do lírico. Outros papéis italianos associados ao
tenor dramático são Canio (I Pagliacci, Leoncavallo), Radames (Aïda, Verdi) e Calaf
(Turandot, Puccini). A categoria tem grandes possibilidades também no repertório
alemão, de Florestan (Fidelio, Beethoven) e Max (Der Freischütz de Weber) aos papéis
wagnerianos, e o papel mais emblemático do repertório alemão para o tenor heróico é o
protagonista de Siegfried (Wagner). Diz Steane:

Então, Otello na ópera italiana, e Siegfried na alemã, parecem ser os pontos


terminais,
para os últimos
o território patamares
do heróico cheiopara
que,o afinal
robusto,
de econtas,
a esse éponto
o do ele se mudou.
Heldentenor
Então a questão é se esse desenvolvimento envolve uma diferença de tipo, do
contrário o tenor heróico é apenas um robusto particularmente potente. Uma
questão suplementar preocupa o Heldentenor. Será ele uma espécie
inteiramente diferente, e se for, o é em virtude de seu repertório
predominantemente alemão (e wagneriano), ou há algum tipo especial de
estilo ou produção vocal que recebe essas descrição e a “imagem” que vai
com ela? 173 (STEANE, 1992, p. 72)

O repertório francês também traz papéis associados a essa categoria, como


Samson (Samson et Dalila, Saint-Saëns), Enée (Les Troyens, Berlioz) e Don Jose
(Carmen, Bizet). Steane (1992, p. 80) pondera se a distinção entre o “tenor robusto” e o
“tenor heróico” (segundo ele, Manrico em oposição a Otello), é apenas uma questão de
volume, e se a diferença essencial entre o tenor robusto/ heróico e oHeldentenor
(aquele de Siegfried e Tristão) seria apenas uma questão de repertório.

Na verdade há provavelmente, em suma, a necessidade de um termo


diferente. Existe um tipo especial de voz que pode (e se seu dono assim
quiser) enfrentar papéis heróicos tanto do repertório italiano quanto do
alemão, e sua característica principal é que ela tem peso e as notas da
passagem alta (o topo do registro médio e as notas mais graves do agudo)
tem largura incomum. 174 (STEANE, 1992, p. 81)

À ponderação “se o dono dela quiser” podemos acrescentar “e se ele tiver boa
predisposição e receber treinamento adequado”, afinal, se como já vimos, a voz de tenor
pode ser a mais difícil de ser dominada, podemos imaginar que a voz de tenor
dramático, robusto ou heróico, entre os tenores, há de ser ainda mais difícil.

4.18 Barítono Lírico

A voz de barítono também apresenta variações, e assim como o tenor, o soprano,


o meio-soprano (e, para alguns, o contralto), tem na dicotomia “lírico/ dramático” os
parâmetros para sua categorização. Segundo Steane (1992):

O barítono lírico – “leve” em oposição a escuro em timbre, e não


necessariamente leve em volume – é a mais comumente encontrada e talvez a
mais versátil das vozes masculinas. Sua canção prêmio é “ Di Provenza” do
Giorgio Germont em La Traviata. A agilidade e as brilhantes roulades de
Rossini estarão dentro do seu alcance e ele vai (ou deveria) regozijar-se nas

173 So, Otello in Italian opera, Siegfried in German, appear to be the terminal points, the ultimate
extension, for the robust, and by this point he has moved into the full heroic territory which, after all, is
that of the Heldentenor. So the question then is whether this development involves a difference in kind;
otherwise the heroic tenor is simply a particularly powerful robust. A supplementary question concerns
the Heldentenor. Is he a different species entirely, and if so is it by virtue of his predominantly German
(and Wagnerian)
description and therepertoire, or goes
‘image’ that is there
witha it?
special kind of style and voice-production that earns him this

174In fact there is probably a need for a different term altogether. A special type of voice does exist that
can (if its owner so desires) undertake heroic roles in both the Italian and German repertoire, and its
main characteristic is that it has weight, the notes of the upper ‘passage’ (the top of the middle register
and the lower notes of the top) having unusual breadth.
linhas elegantes e floridas de Donizetti. Ele pode voltar-se igualmente bem
para Bach e Handel, para o Lied, mélodie, canzone, ou para canção inglesa de
Dowland a Finzi. O repertório francês será sua delícia particular, e ele vai
invejar os barítonos da Ópera-Comique em Paris, que, especialmente ao
longo da segunda metade do século passado e primeira metade deste, tinha
uma oferta de música agradável à audiência como ao cantor, sendo uma boa
parte desta música nova, a outra parte uma cultura afetuosamente
compartilhada.175 (STEANE, 1992, p. 88)

Boldrey (1994, p. 29) diz que vários papéis do repertório francês para barítonos
líricos são muito agudos, e exigem uma extensão no limite da fronteira com o tenor.
Segundo Deere (2005): “O barítono lírico possui o peso mais leve da voz de barítono, e
é essa voz que deve ser diferenciada da do tenor”.176 (DEERE, 2005, p. 33). Com efeito,
podemos imaginar que, sendo a voz mais leve de barítono, pode facilmente ser
confundida com uma voz de tenor, principalmente no aluno que ainda não encontrou
toda a potência de sua voz.
O gosto do repertório francês para barítonos líricos exacerba-se no
desenvolvimento de uma subcategorização particular, barítono-Martin, em homenagem
ao barítono francês Jean-Blaise Martin (1768-1837). Segundo Steane (1992):

Naqueles tempos o barítono francês era de um tipo especial. Ainda ouvimos


às vezes sobre o baryton-Martin e entendemos uma conotação geral, embora
sua srcem tenha se tornado obscura. Jean-Blaise Martin desabrochou como
um barítono principal nas três primeiras décadas do século XIX, famoso pela
qualidade e extensão de sua voz que alcançava com facilidade o Lá agudo.
Isso foi muito tempo atrás, e é um tanto extraordinário que seu nome seja
preservado dessa forma quando há tantos cantores posteriores cujas vozes
gravadas seriam de mais uso prático para propósitos de referência. Não posso
deixar de suspeitar que o termo deve sua longevidade ao menos em parte ao
jeito que essas coisas tem de fazer seus usuários parecerem entendidos.
Certamente não devemos
no jogo operístico mortalreduzir a sobrevivência
da demonstração de Jean-Blaisemas
de superioridade, a umpoderia
truque

175 The lyric baritone – ‘light’ as opposed to dark in timbre, and not necessarily light in volume – is the
most commonly found and perhaps the most versatile of male voice-types. His Prize Song is Germont père
´s ‘Di Provenza’ in La Traviata. The nimble place and brilliant roulades of Rossini will be within his
scope and he will (or should) rejoice in the elegant lines and flourishes of Donizetti. He can turn equally
well to Bach and Handel, to Lied, mélodie and canzone, or to English song from Dowland to Finzi. The
French repertoire will be his particular delight, and he will envy the baritones of the Ópera-Comique in
Paris, who, especially throughout the latter half of the last century and the first of this, had such a regular
supply of music pleasing to audience and singer alike, a good proportion of it new, the rest part of an
affectionately shared culture.
&+*
The lyric baritone possesses the lightest weight of baritone voice, and it is this voice that must be
differentiated from the tenor.
fazer um sentido mais acessível se fosse substituído pelo termo “barítono-
Pélleas”. 177 (STEANE, 1992, p. 88)

Ao comentar a falta de clareza de um termo designado para categorização vocal


e a dificuldade de definir esta categoria justamente por não termos uma referência real
da voz do barítono Martin, Steane (1992) chama atenção para o caráter fetichista
presente na questão da classificação.

As notas agudas do barítono em Verdi e Puccini servem normalmente a um


clímax ressonante de voz cheia: em Gounod e Massenet elas estão muito
mais para ser abordadas como parte de uma melodia e do discurso melódico.
O resultado é caracteristicamente uma elevação, liberação e afinamento do
som. Barítonos franceses dificilmente produziram os sons ricamente
ressonantes associados ao italianos; e, como com os tenores, isso foi uma
perda. O ganho foi uma sensação de liberdade da garganta, e com isso uma
impressão de leveza, graça, inteligência. 178 (STEANE, 1992, p. 88)

Boldrey (1994) apresenta as subcategorias “barítono lírico leve” e “barítono


lírico cheio”. Uma categoria especial –Kavalierbariton – é indicada tanto por Boldrey
(1994) quanto por Kloiber (1985). Segundo Boldrey (1994), o Kavalierbariton é um
barítono com boa aparência, habilidades cênicas e uma voz que vai do lírico ao
dramático.

4.19 Barítono dramático

Segundo a terminologia baseada em lírico/ dramático, apresentamos em seguida

o barítono dramático. Deere (2005, p. 33) diz que muitos barítonos de voz mais cheia
começaram a carreira como barítonos líricos. Segundo o autor, isso acontece com

177 In those days the French baritone was of a special type. We still hear sometimes of the baryton-Martin
and catch a general connotation, though its srcin has become obscure. Jean-Blaise Martin flourished as a
leading Parisian baritone in the first three decades of the nineteenth century, famous for the quality and
range of his voice which extended with ease to the high A. That is all a goodish time ago, and it is rather
extraordinary that his name should be preserved in this way when there are plenty of later singer whose
recorded voices would be of more practical use for such purposes of reference: I can´t help suspecting
that the term owes its longevity at least partly to the happy knack such things have of making their users
feel knowledgeable. We certainly ought not to begrudge Jean-Blaise his survival as a ploy in the deadly
game of operatic one-upmanship, but it might make more accessible sense if the term ‘Pelléas-baritone´
were substituted. (STEANE, 1992, p. 88)
178 The baritone´s high notes in Verdi and Puccini are normally there to serve a full-voiced, resonant
climax: in Gounod and Massenet they are much more to be addressed as part of the melody and of
melodic speech. The result is characteristically a raising, freeing and thinning of the tone. French
baritones have rarely produced the richly resonant sound associated with the Italians; and, as with tenors,
this has been their loss. The gains have been a sense of freedom from the throat, and with it an impression
of lightness, grace, intelligence.
cantores que ainda não descobriram toda a força de suas vozes, e este tipo de voz pode
demorar até os trinta e cinco anos para atingir a maturidade.
Steane (1992) diz:
Alguns papéis requerem vozes poderosas com a extensão reconhecida do
barítono, e contanto que haja uma oferta suficiente deles as óperas podem ser
produzidas. Central para o seu repertório é Verdi; de fato frequentemente
ouvimos falar do “barítono verdiano”, e numa visão ampla, o termo sem
dúvidas significa algo. [...] Verdi foi na verdade responsável por alguns
desenvolvimentos notáveis na história da voz de barítono. 179 (STEANE,
1992, p. 86)

O autor usa como exemplo a ária “Il balen del suo sorriso” (Verdi, Il Trovatore),
que começa na região grave da voz mas permanece em geral na parte alta. O baixo-
barítono, para Steane, é capaz de cantar várias páginas do repertório de barítono como a
“Canção do Toreador” (Bizet, Carmen), a Canção da Estrela da Tarde (Wagner,
Tannhäuser), e mesmo (sem os agudos opcionais) o Prólogo (Leoncavallo, I Pagliacci),

mas com “Il balen” é diferente. A sua tessitura também pode bem ser adequada ao
barítono leve ou agudo, que está a meio caminho do tenor, mas para a cabaletta que
vem logo a seguir, “Per me ora fatale”, diz o autor que o barítono leve seria inútil.
Miller (2002, p. 9, 10) também apresenta a categoria “barítono verdiano”, e
segundo ele é a voz masculina mais cobiçada do mundo da ópera atual. Ele deve possuir
um som potente e extenso, que possa competir com o som de uma orquestra cheia,
autoridade em duetos e conjuntos complexos, região grave bem projetada, além de
agudos brilhantes e potentes. Segundo o autor, esta categoria de barítono serve não só às

obras de Verdi, mas às de autores que vieram depois dele, às óperas veristas, e a grande
parte do repertório italiano e francês do final do século XIX e também do século XX.
Boldrey (1994) refere-se também ao barítono heróico, que segundo ele é uma
versão levemente mais grave do tenor heróico. Diz também:

Heróico refere-se à voz, não necessariamente ao personagem. Os dois vilões


Telramund (Wagner, Lohengrin) e Luna (Verdi, Il Trovatore), ambos tem
vozes “heróicas”.180 (BOLDREY, 1994, p. 29)

179
Certain roles
a sufficiently […]ofrequire
supply them thepowerful voices
operas can go with the recognised
into production. baritone
Central range,
to their and as long
repertoire as there
is Verdi; is
in fact
we frequently hear of ‘the Verdi baritone’, and in the broad view, the term no doubt means something […]
Verdi was indeed responsible for some remarkable developments in the history of the baritone voice.
180 Heroic refers to the voice, not necessarily to the character. The two villains Telramund (Wagner,
Lohengrin) and Luna (Verdi, Il Trovatore) both have “heroic” voices.
Kloiber (2007) lista todos os papéis de barítono mais pesado, inclusive os
verdianos, sob o termo “Heldenbariton” (“barítono heróico”). Sobre essa categoria,
Deere (2005) diz:

Um irmão alemão do barítono italiano é o Dramático ou barítono Helden.


Notável para o repertório wagneriano, essa voz algo mais escura é mais
próxima da dos baixos em extensão, de Sol grave a Láb agudo. 181(DEERE,
2005, p. 34)

Outros termos citados por Boldrey (1994) para o barítono dramático são
“Characterbariton” e o “Hoher Bass” (“baixo mais agudo”), embora ao segundo ele se
refira também como correspondente ao baixo-barítono. Kloiber apresenta o
“Characterbariton” como uma categoria à parte, e atribui a esta categoria papéis como
Wozzeck (Wozzeck, Berg), Scarpia, (Tosca, Puccini) e Alberich (Der Ring des
Nibelungen, Wagner).

4.20 Baixo-barítono

Há uma categoria intermediária entre o baixo e o barítono. Boldrey (1994) dá-


nos sua descrição:
Baixo-barítono é uma designação relativamente nova para vozes graves
masculinas. O baixo-barítono combina uma qualidade de baixo com
liberdade baritonal. Sua voz é mais profunda que a maioria dos barítonos,
mas é mais aguda que muitos baixos. Por essa razão os alemães usam o termo
Hoher Bass (Baixo mais agudo) para um baixo-barítono, junto com o termo
mais geral Bassbariton.182 (BOLDREY, 1994, p. 29)

Segundo Miller (2008), os eventos de registração no baixo-barítono acontecem


entre os do barítono e os do baixo. A voz, segundo o autor, combina o lirismo do
barítono com a riqueza do baixo, e seu timbre pode lembrar o do barítono ou assumir
características de baixo.

181 A mostly German brother to the Italian baritone is the Dramatic or Helden Baritone. Notable for the
Wagnerian
G repertory, this somewhat darker voice is closer to that of the higher basses in range, from low
to high A-flat.
182 Bass-baritone is a relatively new designation for deep male voices. The bass-baritone combines a
bass quality with baritonal freedom. His voice is deeper than most baritones, but it is higher than many
basses. For that reason the Germans use the term Hoher Bass (Higher Bass) for a bass-baritone, along
with the more general term Bassbariton.
Steane (1992) diz que diversos papéis de barítono são abordados pelo baixo-
barítono, como Scarpia (Tosca, Puccini), Escamillo, (Carmen, Bizet), Iago (Otello,
Verdi) e Amonasro (Aïda, Verdi). Diz ainda que, segunda sua conta (altamente suspeita,
adverte), na edição de 1982 do “Dicionário de Cantores de Kustsch e Riemen”, cento e
oito cantores são nomeados baixo-barítonos, enquanto cento e setenta e um são baixos e
quinhentos e vinte barítonos. O autor comenta, inclusive, que há muitas surpresas entre
os apontados como baixo-barítonos, incluindo cantores conhecidos geralmente como
barítonos ou baixos. Sobre a voz de baixo-barítono, faz uma importante ponderação:

Talvez antes de olhar para a formidável lista de repertório nós devamos fazer
algumas perguntas sobre a voz de baixo-barítono em si. O nome soa como
um bônus, dois pelo preço de um, mas não seria isso talvez um tipo de
desculpa por não ser nem uma coisa nem outra? A voz tem um caráter
distinto próprio? Para que serve? 183 (STEANE, 1992, p. 100)

O autor pondera ainda (p. 104) que há uma tendência entre os baixos de perder
um pouco de suas características de baixo (“ loose some bassness”, diz o autor, algo
como “perder um pouco da baixeza”). Isto nos leva a crer que muitos baixos, com o
passar do tempo, passam a abordar papéis mais agudos, validando talvez a existência de
uma categoria intermediária.

4.21 Baixo buffo

O baixo buffo, também conhecido como baixo cômico, é definido evidentemente


mais por habilidades artísticas do que por características vocais. Os papéis de baixo-
buffo demandam uma voz clara e flexível, dicção ágil que dê conta de pronunciar os
textos em passagens muito rápidas (utilizadas como efeito cômico, o chamado silabato
das óperas de Rossini, também presente em outros autores de óperas cômicas) e
variedade de colorido. Para Boldrey (1994):
O basso buffo é um produto básico das óperas cômicas do século XVIII e das
óperas leves de Rossini e Donizetti. Esses papéis mais antigos para baixos
cômicos pedem uma voz flexível e caracterização espirituosa. Papéis
posteriores para baixo cômico como Falstaff (Verdi, Falstaff) e Barão Ochs

183Perhaps before looking at the formidable repertoire-list we should ask a few questions about the bass-
baritone voice itself. The name sounds like a bonus, two for the price of one, but it is not perhaps a sort of
apology for being neither one thing nor the other? Does the voice have a distinctive character of its own?
What use is it?
(Strauss, Der Rosenkavalier) requerem vozes mais pesadas, até mesmo
dramáticas.184 (BOLDREY, 1994, p. 29)

O autor diz ainda que o “baixo característico” (“ Character bass”) – como


também o chama – deve ter a habilidade de atuar com a voz. Kloiber (1985) apresenta
“Spielbass (Bassbuffo)” e “Schwerer Spielbass (Schwerer Bassbuffo)”, a segunda
significando literalmente “baixo buffo mais grave”. Para o primeiro, lista personagens
tradicionalmente entendidos sob a categoria baixobuffo, como os persongens de Rossini
Dr. Bartolo (Il Barbiere di Siviglia) e Don Magnifico (La Cenerentola), os de Donizetti
Dulcamara (L´elisir d´amore) e o papel título de Don Pasquale, os de Verdi Pistola
(Falstaff) e Fra Melitone (La Forza del Destino), os de Mozart Leporello (Don
Giovanni) e Don Alfonso (Così fan tutte), além do Sacristão na Tosca de Puccini, e
Doktor em Wozzeck (Berg). Para os segundo, lista papéis como Osmin (Die Entführung
as dem Serail , Mozart) e Ochs (Der Rosenkavalier, Strauss), personagens que, embora
cômicos, exigem notas extremamente graves e passagens vocalmente difíceis, além de
papéis nada associados a comicidade, como Mephistophéles ( Faust, Gounod) e Daland
(Der Fliegende Holländer, Wagner). Segundo Deere (2005):

A idéia do baixo “característico” pode ser traduzida como Basso


“ buffo”, a
palavra “buffo” referindo-se a um papel cômico. Cantores de ópera cujas
habilidades cênicas excedam as qualidades líricas de suas vozes
(particularmente homens) podem fazer uma carreira na comédia como Tenore
Buffo ou Basso Buffo. Não há classificação para baritono buffo, embora
partes para basso buffo frequentemente demandem tessitura baritonal. 185
(DEERE, 2005, p. 37)

4.22 Baixo cantante

Embora não seja comum associar o termo lírico a baixos, Boldrey (1992, p. 30)
cita o baixo lírico, que segundo ele é normalmente chamado basso
“ cantante” (“baixo
cantante” em italiano) ou “basse noble” (“baixo nobre” em francês). Diz ainda que a

184The basso buffo is a staple in the comic operas of the eighteenth century and in the light operas by
Rossini and Donizetti. These early comic bass roles call for a light flexible voice and a lively
characterization. Later comic
Rosenkavalier) requires bass
heavier, roles
even such asvoices.
dramatic Falstaff (Verdi, Falstaff) and Baron Ochs (Strauss, Der

185 The idea of the “character” bass can be translated as “ Basso buffo”, the word “buffo” referring to a
comedic role. Opera singers whose acting skills exceed the lyric qualities of their voices (particularly
men) may make a career in comedy as Tenore Buffo or basso buffo. There is no classification of baritono
buffo, although basso buffo parts often require baritone tessitura.
voz desta categoria de baixo é melíflua, e é a opção para óperas líricas e românticas.
Steane (1992) pondera sobre o termo baixo cantante:

Expressões estrangeiras podem ter um jeito de conferir dignidade ao lugar


comum, termos musicais não são exceção. Como categoria vocal, “baixo
cantante” parece mais uma redundância que um conceito, ebasso cantante
permanece um termo geralmente aceito, e ele tem seus usos. 186 (STEANE,
1992, p. 107)

Deere (2005) afirma:

A esse tipo de voz refere-se às vezes como um baixo-barítono em países de


língua inglesa, mas se ele é um baixo-barítono cantante, ele é visto na Europa
como um basso cantante, e não é nenhum barítono! 187 (DEERE, 2005, p. 35)

Não tendo a sonoridade do baixo profundo e figurando entre este e o barítono, é


compreensível a identificação com um tipo intermediário, no entanto o termo baixo-
barítono indica uma inclinação ao barítono que não necessariamente é característica do
baixo cantante. A diferença entre ele e o profundo é de peso e flexibilidade (de onde se
entende a dicotomia cantante/ profundo), mas a voz mais leve e flexível não elimina do
baixo cantante suas características de baixo, e não necessariamente o põe mais próximo
do barítono.
Steane (1992), ao falar sobre a ária “Vi Ravviso, o luoghi ameni”, da ópera La
Sonnambula (Bellini), dá-nos uma idéia do que é esperado de um baixo cantante (ou
baixo lírico), e acaba, ao falar de uma ária específica, versando sobre um dos princípios
do chamado bel canto:

Essencialmente, ele tem sua chance de realizar um pouco de canto realmente:


a beleza natural da voz pode florescer nela, e o emprego cultivado de um som
legato verdadeiramente homogêneo e bem treinado pode transformar o que
na partitura impressa pode parecer uma escrita bemordinária em algo que no
teatro de ópera pode ser um momento de amabilidade memorável. 188
(STEANE, 1992, p. 108)

186 Foreign phrases have a way of conferring dignity upon the commonplace, musical terms being no
exception. As a voice-category, ‘singing-bass’ looks more like a tautology than a concept, so basso
cantante remains a generally accepted term, and it has its uses.
187
This typebass-baritone,
is a singing of bass is sometimes referred
he is regarded in to as a bass-baritone
Europe in English-speaking
as a basso cantante, countries,
and is no baritone at all!but if he
188 Essentially, he has his chance to do some real singing: the natural beauty of the voice can flower in
this, and the cultivated employment of a truly even, well-bound legato tone can transform what in the
printed score looks like a very ordinary piece of writing into something which in the opera house may be
a moment of memorable loveliness.
Steane (1992) diz que o baixo cantante eventualmente arrisca Scarpia ( Tosca,
Puccini) e Escamillo (Carmen, Bizet), mas foge de Ochs (Der Rosenkavalier, Strauss)
pela sua tessitura particularmente grave e não necessariamente tem as habilidades
dramáticas para o protagonista de Boris Godunov (Mussorgsky), nem a sonoridade
adequada aos gigantes de Der Ring des Nibelungen (Wagner). Os papéis líricos de Verdi
e Bellini lhe parecem adequados, e de uma maneira geral podemos imaginar que espera-
se do baixo cantante (como uma espécie de baixo lírico) os mesmos predicados dos seus
colegas líricos de voz mais aguda – beleza sonora e fraseado nobre. Jander (2010) diz
que Rossini esperava de seus baixos uma voz tão ágil como as de seus tenores, ou
mesmo dos sopranos e meio-sopranos.

Embora esse repertório seja internacional, tem havido grandes diferenças de


características entre cantores. O típico baixo italiano foi dotado com uma
riqueza sonora vibrante, e no início do século XIX elegância e agilidade,
como em vários papéis sérios de Rossini ou o Oroveso de Bellini. Os
franceses na melhor das hipóteses validaram liberdade e graça (o “ basse
chantante ” ou “basse noble ”) mais do que potência tremenda ou
profundidade excepcional. Os russos são conhecidos pelos seus baixos
cavernosos, embora seus cantores de ópera raramente exibam as notas
profundas ouvidas nos coros russos. A especialidade alemã tem sido o baixo
“preto”, um tipo em que o peso do som, uma combinação de potência e
profundidade, é frequentemente mais evidente que a beleza. Todos os países
fizeram alguma distinção entre o que é mais normalmente conhecido como o
“basso cantante” (ou “basse chantante”) e o “basso profondo” (ou “basse
profonde”), embora não haja razão para que os termos sejam mutuamente
exclusivos. Talvez o melhor exemplo na prática da diferença entre os dois
tipos seja encontrado em Don Carlos, na cena entre o Rei e o Inquisidor.
Embora a escrita das duas partes mostrem pouca diferença em extensão e
tessitura, o Inquisidor é associado desde o início com a sonoridade profunda
do acompanhamento orquestral, e é claramente mais efetivo se vozes
contrastantes são empregadas, o Inquisidor aqui sendo o mais profundo em
timbre, do tipo mais próximo ao baixo “preto” alemão. 189 (JANDER, 2010,
sem numeração de página)

189 Though this repertory is thoroughly international, there have been some major national differences in
characteristics among singers. The typical Italian bass has been endowed with a vibrant richness of tone,
and in the early 19th century elegance and agility, as in several serious Rossini roles or Bellini’s Oroveso.
The French at best have valued freedom and grace (the ‘basse chantante’ or ‘basse noble’) rather than
tremendous power or exceptional depth. The Russians are celebrated for their cavernous basses, though
their opera singers rarely display the deep notes heard in Russian choirs. The German speciality has
been the ‘black’bass, a type in which the weight of the sound, a combination of power and depth, is often
more evident than the beauty. All countries have made some distinction between what are most generally
known as the ‘basso cantante’ (or ‘basse chantante’) and the ‘basso profondo’ (or ‘basse profonde’),
though there is no reason why the terms should be mutually exclusive. Perhaps the best example in
practice of the difference between the two types is to be found in Don Carlos, in the scene between the
King and the Inquisitor. Though the writing for the two parts shows little difference in range or tessitura,
the Inquisitor is associated from the start with the deep sonority of the accompanying orchestration, and
it is clearly more effective if contrasted voices are employed, the Inquisitor here being the deeper in
timbre, closer in type to the Germanic ‘black’bass.
4.23 Baixo profundo

À voz de baixo mais grave e pesada dá-se o nome de baixo profundo. Segundo
Deere (2005):
O baixo mais grave é aquele do “profundo” escuro, ou “Schwarzebass (baixo
preto)”, ou mesmo Strohbass em teatros alemães. Essa voz é a que mais
demora para amadurecer, pode ser difícil de desenvolver, e pode também,
mas não necessariamente, tornar-se algo dura e inflexível, se não instruída
propriamente. Essa que é a mais escura das vozes precisa ter vogais, cor e
ressonância combinadas propriamente por tempo suficiente, como na verdade
todos os cantores precisam.190 (DEERE, 2005, p. 36)

Pelas palavras de Deere, podemos entender que, embora evidentemente dos


baixos profundos, assim como de qualquer outro tipo de voz, espere-se boa dicção, boa
coordenação de ressonâncias e todas as nuances musicais associadas a um bom canto, o
verdadeiro baixo profundo provavelmente terá mais dificuldade de trabalhar essas
características, dado o peso excepcional de sua voz. Steane (1992) pondera:

Volume e peso são os pré-requisitos, mas a negritude também deriva de um


método de produção do som que elimina o vibrato rápido mais italiano. Em
seu lugar há uma espécie de solidez tonal, uma frente como um muro, que
pode no entanto provar-se suscetível ao outro tipo de vibrato, o batimento
lento ou balanço temerário. 191 (STEANE, 1992, p. 114)

Deere (2005, p. 36) diz também que os baixos mais graves não tem muitos
papéis à disposição, e cita Sarastro (Die Zauberflöte, Mozart), Osmin (Die Entfürung
aus dem Serail , Mozart), Fasolt e Fafner (Der Ring des Nibelungen, Wagner) e O

Grande Inquisidor (Don Carlo , Verdi). Quanto ao Inquisidor, Steane (1992, p. 111) faz
uma interessante ponderação, de acordo com a afirmação de Jayden (2010) (citada na
categoria dos baixos cantantes), de que, uma vez que não há evidências na música de
Verdi que indiquem ser ele um baixo mais grave que o Filippo II, esta é uma das
circunstâncias em que a caracterização dramática é mais decisiva que a partitura ao
determinar o tipo vocal.

190 The lowest bass is that of the dark “profondo”, or “Schwarzebass (Black bass)”, or even Strohbass
(straw bass) in German theatres. This voice takes the longest do mature, can be difficult to develop, and
can also, but not necessarily, become somewhat wooden and inflexible, if not instructed properly. This
darkestdo
indeed of all
voices needs to have vowels, color, and resonance combined properly over sufficient times, as
singers.
191 Volume and weight are the prerequisites, but the blackness also derives from a method of tone-
production that eliminates the more Italian quick vibrato. In its place is a kind of tonal solidity, a wall-
like front, which may nevertheless prove susceptible to the other kind of vibrato, the slow beat or dreaded
wobble.
Conclusões

Após analisar a quantidade de subclassificações possíveis, devemos sem dúvida


nos perguntar: Qual a real relevância da categorização na pedagogia vocal? Em que
momento do processo de treinamento do cantor essa categorização deve ser abordada?
As evidentes diferenças entre as subcategorias vocais podem trazer diferenças também
no processo de desenvolvimento, e nas dificuldades e necessidades específicas de cada
uma delas. Segundo Miller (1996):

Soubrettes e coloraturas normalmente exibem poderes técnicos notáveis com


pouca idade, enquanto com a mesma idade a voz potencial de soprano lírico
spinto permanece atrasada. Da mesma forma como a voz masculina
amadurece tardiamente,
considerável deve entendera que,
mulher com
de sua um de
colega instrumento de tamanho
voz leve, pode-se esperar
que cante melhor àquela idade do que ela. Conforta-la-á saber que a voz
feminina mais dramática frequentemente tem uma expectativa de carreira
mais longa, compensando pelo menor grau de maturação que a desencoraja
enquanto jovem adulta. Em geral, vozes femininas jovens de tamanho maior
do que soubrette não tem o mesmo acesso fácil à região aguda que suas
amigas de voz mais leve. Embora todos os instrumentos vocais humanos
funcionem pelos mesmos princípios fundamentais, a voz grande de soprano
requer mais tempo para aprender a produzir uma escala homogênea ao longo
da extensão. 192 (MILLER, 1996, p. 177, 178)

Podemos deduzir que, para todos os tipos vocais, isso seja um fato: vozes mais
pesadas tenderão a se desenvolver mais lentamente e apresentar mais dificuldades de

domínio técnico do que as vozes mais leves.


Além disso, devemos lembrar que, para além dessas peculiaridades, as
subcategorizações servem, em grande parte, a fins burocráticos. Adotar uma
subclassificação significa definir o nicho operístico que um cantor pretende ocupar. E,
se formos levar em consideração a opinião dos autores já citados na introdução e no
primeiro capítulo de que não deve haver pressa sequer para definir a classificação do

192 Soubrettes and coloraturas often display rather remarkable technical powers at an early age, whereas
at a similar age the potential soprano lirico spinto voice remains unwieldy. Just as with the late maturing
male voice, the female with a sizable instrument should understand that her vocally lightweight female
colleague can be expected to sing better at that age than she. It will comfort her to know that the more
dramatic female voice often have a longer carrer expectancy, making up for the slower rate of maturation
that discourages her as a young adult. In general, young female voices of more than soubrette size do not
have the same easy access to upper range as do their lighter voiced friends. Although all human vocal
instruments function by the same fundamental principles, the big soprano voice requires more time to
learn to produce an even scale throughout the range.
aluno, concluímos que subclassificações só devem ser definidas quando a voz estiver
madura o suficiente para exibir as qualidades específicas que a definiriam. O professor
deve estar atento às necessidades de cada voz individualmente, mas em última análise,
como diz Vennard (1967), deve-se trabalhar a voz até que ela se classifique sozinha.
Segundo Miller (1993):

Determinar o Fach de um cantor não é a preocupação fundamental do


professor. De muito maior importância é a liberação do instrumento das
tensões do mal funcionamento e das idéias preconcebidas que tão
frequentemente contribuem para categorização vocal incorreta. A
continuidade do desenvolvimento deve ser mantida em mente quando
determina-se o que qualquer cantor deve cantar no momento. 193 (MILLER,
1993, p. 13)

Miller toca em um ponto interessante, as idéias preconcebidas. Além de atitudes


técnicas preconcebidas, pode haver uma sonoridade preconcebida, que leva o aluno com
boa coordenação a fabricar o som que ele deseja, enganando-se e por vezes enganando
também o professor. Como cantar é um processo primariamente psicológico, o aluno
pode presumir que tem um tipo de voz e por vezes tornar muito difícil o trabalho do
professor que tem de convence-lo de que ele a voz dele é, na verdade, de outro tipo.
Mesmo a imagem associada a determinados tipos vocais podem ser fatores
complicadores na aceitação da própria voz por parte do aluno. Dada a posição de
destaque dos sopranos e tenores no mundo da ópera, é perfeitamente compreensível que
grande parte dos alunos de voz média (ou mesmo grave) tenham problemas em aceitar
que pertencem a outra categoria. Um soprano leve pode ter inclinações artísticas
altamente dramáticas, e aceitar que não poderá nunca enfrentar os papéis que gostaria
pode se revelar um processo muito difícil. Um contralto pode se desiludir
profundamente ao constatar que não será jamais a mocinha das óperas românticas.
A categorização não deve, portanto, nortear o treinamento de um cantor. Um
cantor em treinamento, por mais que mostre evidências de suas possibilidades vocais,
não deve ser tolhido ou obrigado a se encaixar num repertório limitado e específico
escolhido segundo seu Fach. Para Miller (1996):

193 Determining the Fach of a singer is not the primary concern for the teacher. Of much greater
importance is the freeing of the instrument from the tensions of malfunction and from preconceived ideas
that so often contribute to incorrect vocal category. The developmental continuum must be kept in mind
when one determines what any singer should currently sing.
Frequentemente, Fach torna-se um fetiche do professor de canto – parte da
síndrome do ensino de canto “eu sei o que você não sabe” – e é
misteriosamente exibida para o jovem cantor como se fosse uma jóia rara da
informação profissional. Fazer da pronta determinação do Fach uma parte
central da pedagogia pode servir para criar uma aura de autoridade em volta
do professor mas contribui pouco para o progresso do cantor estudante. 194
(MILLER, 1996, p. 200)

De qualquer forma, podemos imaginar também que as características que levam


à subclassificação (peso, cor, agilidade) não se alteram no caso de uma possível
mudança de classificação, o que significa dizer que um soprano dramático, se descobrir
que na verdade é um meio-soprano, provavelmente não será um meio-soprano lírico,
mas um meio-soprano dramático. Da mesma forma, um meio-soprano lírico que
descubra que é na verdade soprano provavelmente abordará o repertório de soprano
lírico, não o de soprano dramático. A subclassificação, assim, de certa forma se
sobrepõe à classificação, ou sobrevive a ela.

194 Too often, Fach becomes a voice-teacher fetish – part of the “I know what you don´t know” syndrome
of voice teaching – and is mysteriously waved before the young singer as though it were a rare gem of
professional information. Making the early determination of Fach a central part of pedagogy may serve
to create an aura of authority around the teacher but contributes little to the welfare of the student singer.
5 ENTREVISTAS

Dedicamos o quinto e último capítulo deste trabalho a cinco pequenas


entrevistas realizadas com professores de canto do Rio de Janeiro. Através de quatro
perguntas relativamente simples, buscamos a opinião e o relato dos professores a fim
não só de pô-los em diálogo com nosso levantamento biográfico, mas também de
ilustrar o trabalho com a experiência dos professores.
Para conferir variedade ao nosso grupo de entrevistados, escolhemos professores
cinco professores com diferentes perfis. Entrevistamos o professor Inácio De Nonno, o
professor Licio Bruno, o professor Marcos Menescal, a professora Ilza Corrêa e o dr.
Paulo Louzada. Inácio de Nonno e Licio Bruno são dois dos mais destacados cantores
líricos da atualidade no Brasil (ambos com atuações também no exterior) que também
dedicam-se ao ensino, inclusive universitário, de canto lírico. Inácio De Nonno é

professor na Escola de Música da UFRJ e Licio Bruno é professor no Conservatório


Brasileiro de Música, onde leciona, além de Canto, Declamação Lírica. Marcos
Menescal, também com sólida carreira nos palcos operísticos, não é professor de Canto,
mas de Declamação Lírica, disciplina que já ministrou na Escola de Música da UFRJ e
no Conservatório Brasileiro de Música. A professora Ilza Corrêa, apesar de não ter feito
carreira como cantora, estudou com renomados professores no Brasil e na Itália e
dedica-se ao ensino de canto em seu estúdio particular há mais de vinte anos. O Dr.
Paulo Louzada não é cantor, mas um médico foniatra especializado na voz lírica, que,

embora não se denomine um professor de canto, tem relevantes opiniões adquiridas e


acumuladas ao longo de sessenta anos de trabalho vocal com cantores líricos em seu
estúdio.
A entrevista com o professor Inácio de Nonno foi realizada por telefone, no dia
27 de dezembro de 2010. A entrevista com a professora Ilza Corrêa foi realizada ao
vivo, no dia 28 de dezembro de 2010. A entrevista com o professor Licio Bruno foi
concedida por e-mail, no dia 2 de janeiro de 2010. O Dr. Paulo Louzada foi entrevistado
ao vivo, no dia 3 de janeiro de 2010. A última entrevista foi realizada com o Professor
Marcos Menescal, por telefone, no dia 4 de janeiro de 2010. Todas as entrevistas foram
gravadas e transcritas, sofrendo apenas pequenas edições para adaptar o discurso da fala
ao literário (com exceção da entrevista do Professor Licio Bruno, cujas respostas,
recebidas por e-mail, foram publicadas conforme redigidas pelo próprio).
Estruturamos este capítulo da seguinte forma: apresentamos uma pergunta por
vez, seguida das respostas de todos os professores e de um breve comentário nosso.
Optamos por esta estrutura por que acreditamos que ela oferece uma melhor
visualização das entrevistas e melhores condições de uma reflexão sobre cada questão
individualmente. As respostas foram organizadas por ordem alfabética dos primeiros
nomes dos entrevistados.

Primeira pergunta: Quais os fatores que o/a Sr./Sra. considera primordiais para
classificar a voz de um aluno?

Professora Ilza Corrêa: “O timbre. A voz é classificada sempre pelo timbre, nunca
pela extensão. Um soprano lírico por exemplo normalmente tem uma voz mais curta,
como a gente diz. Não tem tanta facilidade de agudo, e tem que desenvolve-los através
da técnica. Principalmente através da respiração, que para mim é tudo. Mas a
classificação é sempre pelo timbre. E nem sempre o timbre vem logo, às vezes é
impossível de classificar das primeiras vezes que lidamos com um aluno. A pessoa
ainda não está com a voz formada. A não ser com o barítono, que é a voz comum do
homem, por exemplo, a classificação é mais fácil. A mulher tem essa quantidade de
classificações, soprano lírico, ligeiro, spinto, e é difícil saber de uma hora pra outra. A
gente tem que ir sentindo com o desenvolvimento da técnica.”
Professor Inácio De Nonno: “É uma coisa que eu chamo de “pra onde a voz quer ir”.
Isso é, qual a região da voz do aluno onde a gente percebe que há uma riqueza maior,
onde há uma comodidade maior, além de uma riqueza tímbrica mais clara e mais
evidente. A maioria das vezes a classificação é muito óbvia, mas algumas vezes não é.
Quando um aluno vem estudar comigo e eu fico na dúvida com relação à classificação,
então fico pesquisando, subo, desço, procuro encontrar qual a região da voz onde ele
consegue adquirir uma maior beleza vocal e uma maior riqueza tímbrica. A partir dali eu
vou verificando se a voz vai para cima ou para baixo. Normalmente o meu trabalho é
assim, nem tenho muito essa preocupação. Às vezes os alunos ficam meio frustrados
quando vem estudar comigo e no primeiro dia de aula querem saber se são “tenores
líricos com coloratura”, pra poder cantar a “ária não sei do que”. Eu digo: “desculpe,
isso não é assim”. Eu não tenho pressa nenhuma em classificar a voz de um aluno. Com
alguns inclusive demoro muito, por que às vezes a voz vem com defeito, ou mascarada.
A gente percebe que a voz quer ir pra cima, mas não consegue subir porque sente
medo. Tem que resolver esses problemas todos pra chegar até lá. Tem uma série de
fatores, mas o primordial na classificação da voz no meu trabalho com os alunos de
canto é sempre procurar qual a região da voz do aluno onde a riqueza tímbrica aparece
com maior evidência.”
Professor Licio Bruno: “Primeiramente a amplitude de seu registro, depois as notas
características (onde a voz "muda", o que muitos chamam de passaggio). Depois o
timbre e outras características que podem ajudar na sub-classificação, como voz
aveludada ou mais metálica, brilho, legato, potencia e o vibrato natural, que também
ajuda a perceber melhor as notas características ( passaggio). Lembrando que a

classificação vocal não é assunto a ser resolvido nas primeiras aulas, e sim ao longo do
primeiro ano de trabalho. Isto se este for mais ou menos intenso (aulas regulares de
técnica ao menos três ou quatro vezes por mês).”
Professor Marcos Menescal: “Principalmente timbre e extensão. Onde se localizam as
passagens de registro também é um fator importantíssimo, principalmente pra homens.
É importante saber qual a nota de passagem para a região aguda. A extensão na verdade
pode enganar, por que o barítono às vezes tem Dó agudo. Já vi barítonos com Dó, e
barítonos com Sib são comuns, então temos que aliar isso ao timbre e à tessitura. A

extensão tem que ser observada sempre aliada à tessitura, a região da voz em que a
pessoa canta com conforto.”
Dr. Paulo Louzada: “Eu sei o seguinte: a laringe varia de tamanho. Em geral a maior é
a mais grave, a média é barítono, menor é aguda. Mas não existe estudo sobre isso, não
definitivo. O que eu disse sobre isso do ponto de vista anatômico é variável, isso é de
um modo geral. O que classifica é o que você vê que a pessoa pode cantar, a
capacidade que ela tem de executar bem. Isso é o que o professor faz. Se agüentar
cantar de tenor, canta de tenor, se agüentar cantar de barítono, canta de barítono. A
minha área é outra. Ou melhor, a área é a mesma, mas a abordagem é outra. Eu estudei a
formação da voz, como ela se instala, do que ela depende, e como atuar na voz,
modificar. Todo mundo estuda canto, então é porque precisa mudar. Ninguém está
cantando sozinho em casa e vai cantar profissionalmente. Todo mundo tem que estudar,
mesmo quem tem a voz muito generosa. Aí é que eu entro, ensino o que é bom pra voz,
qual o estudo necessário. Classificação quem vai definir é maestro, é mais uma questão
de execução. É ligado à biologia, mas é mais ligado à execução, cantar bem,
desempenhar bem. A gente sabe que o tenor vai lá em cima, o baixo vai lá embaixo.
Aliás, o baixo tem que ter uma extensão enorme, por que ele vai no Fá lá embaixo, vai
no Fá cá em cima, às vezes vai no Fá#. Do ponto de vista da classificação não tenho
muito a dizer. Mas tenho a dizer do ponto de vista biológico, quando ao rendimento da
voz. A palavra que eu prefiro é rendimento, o que a voz é capaz de desempenhar dentro
da sua tessitura. Isso eu sei, quais são as bases fisioacústicas do maior rendimento.
Quem tem a voz natural tem essas bases fisioacútiscas congênitas, facilita. Quem não
tem, tem que fazer uma adaptação. A maioria das pessoas tem uma laringe muito boa,
tem a tessitura, mas em geral faltam os agudos, não alcançam os graves. As laringes

menores teoricamente dão som mais agudo. Toda corda mais curta, em qualquer
instrumento, produz um som mais agudo, e a maior produz um som mais grave. Agora,
isso é da laringe, mas precisa ver a ressonância, o domínio, a palavra. Ninguém vai
examinar a laringe, olhar o tamanho da corda e dizer “você é tenor”. Pode errar. Há
muitos casos em que pode ser um, ou pode ser outro. De baixo pra tenor dá diferença,
mas de baixo pra barítono, ou de barítono pra tenor, nem tanto. A diferença da laringe
não é muita, mas um pouquinho já faz diferença. Existem estudos sobre tamanho, mas
não tem importância. É tão óbvio que baixos tem a laringe maior, tenores tem a laringe

menor, sopranos tem laringes pequenas, sopranos ligeiras tem laringe pequenininha e
são mulheres miúdas, por exemplo. As meio-sopranos de voz grande são altas, tem
pescoço comprido e então tem a laringe maior. Mas o importante é que a ressonância é
mais grave. O tubo de ressonância reforça mais os harmônicos mais graves. O
importante é a ressonância. Uma coisa e outra, o tamanho da laringe e o tamanho do
tubo sonoro – a distância que vai da glote até o plano anterior da boca. Aí é que é o
problema. E a variação da voz com relação ao tubo sonoro, à caixa harmônica, é assim,
variações mínimas da caixa harmônica dão uma diferença enorme na voz. Em geral o
brasileiro tem uma estatura pequena, então barítono tem pouca altura, o baixo deveria
ser mais alto e não é. O tenor leva mais vantagem, os tenores em geral são menores.
Mas quando o tenor é maior tem mais vantagem, tem mais extensão. O professor de
canto às vezes sabe isso tudo empiricamente. Essa história é muito complicada, não
acaba.”

As respostas de nossos entrevistados estão perfeitamente de acordo com os


fatores apresentados pelos autores vistos em nossa pesquisa. Foram citados timbre,
extensão, tessitura, passagens de registro e características físicas, e cada um dos
professores demonstrou atenção maior a determinados fatores.
Inácio De Nonno deu a máxima importância à tessitura nesse quesito. Licio
Bruno e Marcos Menescal destacaram também as passagens de registro, e todos
reforçam que a classificação não é um assunto para ser tratado com pressa. Ilza Corrêa
destacou o timbre como o fator mais relevante a ser observado, o que, como vimos, é
um dos procedimentos mais seguros e no entanto um dos mais perigosos, pois exige
grande experiência auditiva prévia e um ouvido muito apurado. Exige também muita

segurança do professor, pois o aluno pode facilmente mascarar o seu timbre, mesmo que
inconscientemente, para soar como deseja. O professor deve ser capaz de ouvir o timbre
e perceber se aquela é mesmo a verdadeira voz do aluno. Também Marcos Menescal
ressalta que a extensão deve ser observada junto ao timbre, pois uma voz pode ter
extensão excepcional e confundir um professor que esteja atento apenas a ela.
O Dr. Paulo Louzada reforça a questão fisiológica, e deixa clara a idéia de que a
classificação não pode ser mais importante do que a emissão correta da voz. Esse é o
objetivo a ser alcançado no estudo do canto, sendo a classificação uma questão

secundária. No entanto, diz que o quesito mais importante na variação dos tipos vocais é
o tamanho do órgão vocal, aliado às proporções de sua forma. Esses quesitos, no
entanto, além de só serem verificados com exames muito específicos, não dão respostas
exatas. O que deve ser observado o no estúdio é a tessitura, o que o entrevistado deixa
claro ao dizer que o parâmetro importante é observar aquilo cantor consegue realizar
bem.
Todos os professores concordam que a extensão não é um parâmetro seguro para
classificação.

Segunda pergunta: O (a) Sr. (Sra.) já teve necessidade de reclassificar um aluno?


Caso a resposta seja afirmativa, que fatores o (a) levaram a isso?
Professora Ilza Corrêa: “Sim, já aconteceu. E isso deve ser feito sempre pelo timbre,
mantenho. Tem baixos, por exemplo, que já tem uma voz mais escura, e é mais fácil.
Mas às vezes a voz é ambígua. Tem que trabalhar até o timbre se revelar. Já houve casos
de cantores que chegaram cantando como um tipo de voz, mas o timbre revelou ser de
outro. A gente sente que o timbre é característico, e percebe a diferença, por exemplo,
do baixo para o barítono, ou do soprano para o meio-soprano. Não dá muito pra
explicar, é o som. Tem que conhecer o som da voz. Eu nunca aprendi que a classificação
seria pela extensão, sempre pelo timbre.”
Professor Inácio De Nonno:“Isso já aconteceu várias vezes. Agora mesmo aconteceu
em Campinas. Dois alunos vieram estudar comigo dizendo “eu sou tenor, eu sou tenor”,
mas não conseguiam passar de um Fá natural. Eu fiquei desconfiado. Aí eu comecei a
perceber justamente que o centro da voz era muito rico. O centro era rico, mas na
verdade não sabiam descer. Isso por que não estavam acostumados, porque sempre

foram classificados como tenores. Normalmente esses casos são pessoas que vem de
coro, e em geral não estudaram canto sistematicamente, seriamente. Foram quebrar um
galho no coro, se apertaram e foram cantar de tenor. Aí, com o estudo, começaram a
apoiar a voz, a tentar procurar cantar com a garganta aberta, com a laringe baixa,
começou a vir o centro, e então mudaram de registro vocal. Tanto de tenor pra barítono
quanto de soprano pra meio-soprano. Uma aluna que veio como soprano, também com
grandes dificuldades de vencer o repertório, acabou descobrindo um centro muito rico.
Começou a descer, e percebeu que era um meio-soprano lírico. Com graves muito bons,

todos inclusive colocados inclusive de cabeça, sem fazer deslocamento da voz para o
peito. Volta e meia eu encontro esse tipo de aluno que eu preciso reclassificar a voz.”
Professor Licio Bruno:“Sim, às vezes recebemos alunos oriundos de outras escolas ou
professores e muitas vezes eles estão classificados erroneamente. O processo deve ser
natural, com a percepção do próprio aluno de sua capacidade e de como sua voz se
revela dentro dos registros grave, médio e agudo, bem como sua extensão. É um
trabalho que requer muita tranquilidade por parte do professor e muito mais do aluno,
pois muitas vezes este não deseja ser classificado de outra forma e se torna resistente.
Mas na maioria dos casos é uma coisa natural, basta que o aluno perceba ao longo das
aulas que suas habilidades o definem e que não é o professor que o está "enquadrando"
ou colocando numa caixinha...”
Professor Marcos Menescal:“Reclassificar de soprano pra meio-soprano, de tenor pra
barítono, não. Eu não dou aula de canto, e sim de declamação lírica. A pessoa já chega
com sua classificação, seu repertório, não mexo nisso. Ou melhor, mexo às vezes com
repertório. Algumas vezes os alunos vem com uma idéia errada da própria voz. Um
soprano lírico que achava que tinha a voz mais leve, cantava repertório leve demais,
coisas desse tipo. Então, quando acontece isso, na medida do possível eu vou
orientando. Mas oriento através do repertório que eu acho mais justo pra aquela voz.
Muitas vezes o aluno começa a cantar melhor, com mais facilidade, a voz vem mais pra
fora, e tudo se encaixa melhor. É errado cantar pra dentro pra ficar com a voz leve,
fazendo a voz leve demais, nessa idéia errada de cantar leve pra preservar o órgão vocal.
Pelo contrário, cantar pra dentro faz mal, faz pressão nas cordas vocais. Estraga a voz.
Isso pode acontecer ao contrário também. Muitas vezes alunos trouxeram repertório
pesado demais para a voz deles, e eles achavam que podiam cantar por que não

cantavam corretamente, dentro do estilo. Quando ensinava a eles como se cantava


aquela determinada ária, eles mesmos chegavam à conclusão que não era pra eles. Um
bom exemplo é O mio babbino caro. Muitas sopranos acham que é uma ária leve, mas
na verdade não conseguem dar todas as notas direito. Logo na primeira frase da ária o
“caro” simplesmente não sai.”
Dr. Paulo Louzada: “Muitas vezes, já recebi muitos casos. Os mais escandalosos
foram os de mulheres cantando de soprano que eram na verdade meio-sopranos.
Cantavam de soprano e perderam avoz. A mulher tem uma capacidade enorme de fazer

falsete, reduzir, fingir que é mais aguda. Falsete cansa, da até calo, e de repente a
mulher fica afônica. De repente perde a voz. Eu já vi muitos casos com mulheres,
homens menos. Alunas minhas que ficaram afônicas, tiveram disfonia, afonia, uma teve
até nódulo, calo na corda vocal. Eu fui verificar, pesquisar, mudei o regime e a tessitura,
e verifiquei que elas tinham graves. Mas o principal que eu fiz não foi mudar o registro,
foi mudar a maneira de produzir a voz. O falsete favorece muito o aparecimento de
nódulos. Nesses casos eu libero a voz dessa situação, e o calo até regride. Com o tempo,
mudam a maneira de usar a voz, e mudando a maneira o calo some, a voz aparece. Isso
acontece falando também, não só com cantores. É muito frequente professores perderem
a voz. E como cura a voz falada, cura a voz cantada também. O que é curar? É fazer um
rendimento maior. O que é o rendimento da voz? Isso que é importante. O rendimento é
o que você obtém de sonoridade com o esforço físico que faz, o quanto você está
despendendo de força e o quanto está produzindo de som. Isso é o rendimento. Isso é o
que é importante, e isso serve para voz falada e cantada. Tive alguns alunos de voz
falada. Sem voz, disfônicos, com calo, que depois curaram. Eu não sou fonoaudiólogo.
Não sou professor de canto, minha área não é a música. Sou um foniatra que se
especializou no canto. Eu resolvo a voz na fala, resolvo o canto também. Mas tem que
saber na prática, só quem faz na própria voz é que percebe a diferença. A gente pode
falar o que quiser, é tudo palavra perdida, não vale nada. Em termos de voz, a única
coisa que prevalece, que vale, é realizar. E dentro de si perceber o que está fazendo.
“Isso é melhor”, muda, ou “isso é melhor”, muda. Aí você é dono da sua voz. Ler,
vocalizar, não adianta nada. Pode por acaso melhor a voz, melhorar alguns atributos da
voz, mas não dá o domínio sobre a voz, o rendimento real da voz. Ela fica mais
metálica, mais rendosa, com mais intensidade. Quanto à extensão, precisa-se levar em

conta a extensão relativa e a extensão real. A extensão real é aquela que você domina.
Garante que vai dar o grave, o agudo, e dá sem problemas. Agora, existe uma extensão
fictícia, em que se um faz grave diferente, outra maneira de produzir o grave o agudo.
Mas esta não vale nada. Na hora de apresentar, não tem valor nenhum. Não é uma voz
só.”

Todos os professores relataram já ter tido que reclassificar vozes, o que só pode
nos levar a concluir que casos de alunos com problemas de classificação não são

incomuns. Dr. Louzada reforça que o grande problema na maioria das vezes é o mau
uso da voz, mais do que o pensamento de possuir uma classificação diferente. De fato,
podemos imaginar que muitos alunos podem estar tão preocupados com sua
classificação que a preocupação é maior em inserir sua voz em padrões sonoros
preestabelecidos do que em buscar o domínio técnico absoluto. Ao melhorar o
funcionamento vocal do aluno, a verdadeira classificação vem à tona.
O caso relatado pelo Professor De Nonno nos leva a ponderar que o barítono
pode ter sérias questões ao cantar em um coro a quatro vozes, em que tenores e baixos
não terão problemas em se encaixar. Já o barítono, se tiver a voz clara e leve, pode ser
levado a cantar como tenor, dado que o repertório coral pode não lhe exigir as notas que
fazem a diferença entre a extensão de tenor e barítono. Podemos concluir que o mesmo
problema pode acontecer com o meio-soprano. Mais uma vez, aqui, a questão é
observar a região de conforto do aluno, o que pode vir a faze-lo descobrir regiões de sua
voz não ainda trabalhadas.
A Professora Ilza Corrêa mais uma vez reforça a soberania do timbre na hora de
definir a classificação de uma voz, enquanto o Professor Licio Bruno destaca a
necessidade de investigar as propriedades individuais da voz, e ter paciência nesse
processo. Bruno afirma ainda que deve estar claro para o aluno que quem o classifica é
a própria voz, e não uma decisão do professor.
O Professor Menescal chama atenção para o fato de que muitas vozes podem ter
suas reais características mascaradas pela busca por leveza excessiva, o que segundo ele
pode ser prejudicial ao não permitir que o aluno desenvolva toda a potência de sua voz.
Relata que conseguiu, por vezes, auxiliar no desenvolvimento do aluno ao sugerir-lhe
repertório em que suas possibilidades vocais fossem mais exploradas. Podemos

concluir, então, que mesmo sem um direcionamento necessariamente técnico nesse


sentido, o simples fato de abordar um repertório apropriado pode ajudar o aluno a
resolver questões vocais e se identifcar como instrumento, encontrando sua verdadeira
voz.
A questão da voz verdadeira é abordada também pelo Dr. Louzada, que diz que a
mulher tem grande facilidade para fazer a voz mais aguda do que realmente é, o que
pode causar problemas de fonação. A opinião médica do entrevistado confirma a
afirmação de Marcos Menescal, de que fazer a voz excessivamente leve traz danos ao

aparelho.

Terceira pergunta: Como você lida com a ansiedade do aluno em saber sua
classificação, ainda que ela não esteja clara?
Ilza Corrêa: “Eu diria pra ter paciência, por que nada se faz no canto apressadamente.
Como diz o ditado, a pressa é inimiga da perfeição. Às vezes é impossível classificar,
“eu sou isso, eu sou aquilo”. A pessoa vai desenvolvendo, e quando começa a cantar
uma música é que a gente vai sentindo. É a forma de cantar... é difícil de explicar. Não
tem nada a ver como extensão. Pode ter agudo, superagudo, ter coloratura e ser um
meio-soprano. O que eu observei nesses anos todos, são características específicas, por
exemplo que que o soprano lírico não tem muita coloratura. Os barítonos e baixos tem
que falar bem todas as notinhas, por que senão podem ter uma tendência a embolar. Mas
não pode querer fabricar um timbre, tem que deixar ele vir com o trabalho. Se você
treina muito, você faz. E se gosta, também. Tem gente que não gosta, se recusa, resiste.
Assim o trabalho não caminha.”
Professor Inácio De Nonno: “A pressa não vai resolver o problema, é isso que eu
sempre faço os meus alunos entenderem. E é natural e previsível que venham com essa
pressa, alguns mais do que outros. Mas eu sempre digo a eles: não pode ter pressa, por
que nesse caso a pressa é inimicíssima da perfeição. Não adianta dizer ao aluno que é
um tenor, um barítono brilhante, um baixo cantante ou um soprano lírico coloratura, se
o aluno não está à vontade com o repertório, se não está formado e não está pronto pra
enfrentar nada daquilo. Isso é uma frase que eu uso muito em sala de aula: é você que
vai me dizer o que você é, não eu. Você é que vai me dar a resposta. Quando a voz
começar a aparecer, quando a gente limpar todos os problemas, as questões de técnicas

estiverem em vias de resolução, quando a emissão estiver correta no lugar, e a gente


começar a ver pra onde a sua voz quer ir – é você que vai me dizer o seu registro vocal,
não eu. Isso fica sempre muito claro. E isso normalmente abranda um pouco a
ansiedade deles. Os que são muito ansiosos, é claro, acabam não estudando muito
tempo comigo. Paciência...”
Professor Licio Bruno: “Digo que o mais importante não é sua classificação vocal e
sim como ele se sente cantando, se a técnica lhe é natural, se a voz está rendendo mais,
se ele percebe o desenvolvimento, etc. O processo deve ser natural, até porque há vozes

que tem tessitura e classificação intermediárias (um tenor dramático, um barítono


martin, um soprano dramático), que irão se definir ao longo de uma trajetória de aulas
de técnica e também através do repertório mais adequado, que se conquista junto com o
aluno. Não pode haver pressão no sentido de uma classificação, nem do professor,
muito menos do aluno. Este último precisa confiar no trabalho que está sendo realizado,
não sem estar sempre aberto e buscar em conversas com o professor dirimir suas
dúvidas. Ténica, afinal, é ciencia!”
Professor Marcos Menescal: “Eu não sou professor de canto, portanto não passo por
isso. O aluno quando vem pra mim já foi classificado. Essa ansiedade ele não traz pra
mim, a não ser em uma conversa informal. Essa classificação de tenor, barítono, baixo e
por aí vai, já vem com o aluno. Agora, se é spinto, lírico, ligeiro, muitas vezes existe
ainda a dúvida. E essa dúvida acompanha o aluno por muito tempo, e mesmo quando é
profissional ainda existe a dúvida. “Será que posso cantar essa determinada opera, será
que a minha voz é pra isso?” É muito comum. Mas eu nunca tive que lidar com isso,
com essa ansiedade.”
Dr. Paulo Louzada: “Esse negócio de classificação não tem tanta relevância quanto o
que o cantor vai produzir, e as conseqüências do que ele vai fazer. A questão é se ele dá
conta ou não. Pegar aquele registro e cantar. Deixa eu aproveitar a oportunidade para
dizer uma coisa. Isso tudo a que você se refere do canto se refere à ópera, ao canto
operístico. Esse é o tipo de canto que só vozes privilegiadas, gargantas privilegiadas tem
capacidade e direito de executar. Ou está pronto, ou então pode com treinamento ficar
pronto. Candidatos a cantar lírico são milhares, todo mundo quer cantar lírico. Você
pega uma turma de quarenta alunos, pode separar cinco, dez que tenham vozes capazes
de cantar ópera, e o resto não tem. Ou vai tapear, vai cantar falso, mas nunca vai dar em

nada. Isso que é importante: a ópera é extremamente difícil do ponto de vista


fisiológico. E no Brasil todo mundo quer cantar ópera. Não desenvolveram o canto de
câmara, canções, musica erudita de igreja, coral. O que está faltando no Brasil é canto
em geral, todo mundo quer cantar ópera. Que é um repertório, mais pobre, inclusive, do
ponto de vista musical. Do ponto de vista do grito é que é importante, todo mundo quer
grito. Nos cursos de canto, deveria haver o desenvolvimento do canto de extensão
limitada. O canto de maior rendimento é indispensável tanto para a ópera quanto para o
canto de câmara. O que está desvirtuado entre nós é a técnica vocal. O que se chama de

canto aqui, em comparação com o canto na Alemanha, o canto na Inglaterra, na Itália,


na França, não tem nada a ver. O italiano, o alemão cantando, é uma beleza. É voz
lírica, aqui não. O mecanismo de aprendizado é extremamente importante. Com quem
ele pode aprender? Eu tenho o caminho foniátrico. Como se aprendeu canto lírico
historicamente no mundo, na Europa? Como todo mundo que cantou bem aprendeu a
cantar, com quem? Como era o aprendizado de voz, como aprendiam? Imitação ou
curiosidade. Os primeiros foram aumentando a extensão por curiosidade. Depois foi por
imitação. Agora, é preciso ter o padrão pra imitar. É fácil imitar, se houver o padrão e se
o candidato tiver o instrumento apropriado para imitar. Às vezes o aluno quer imitar e
não pode. O brasileiro às vezes vai imitar o lírico e não consegue. É uma deficiência
oriunda da fisioacústica do idioma. O brasileiro aborda mal a voz. Os professores estão
ensinando música, e ensinam a voz que eles imaginam que seja boa. Cada um tem seu
padrão preferencial, e em geral é como eles fazem, acham como fazem é melhor. Mas
você vê a diferença de um professor para outro. Uns querem que grite, outros querem
mais aberto, ou mais coberto. Então, se tem tantas opiniões contrárias, não está certo. É
o Brasil ou a Europa que conhece mais o canto lírico? Onde se conhece mais a voz lírica
é onde se canta mais. A Itália, por causa do idioma, que é muito próximo da voz lírica.
A produção, as leis acústicas do idioma italiano são mais próximas do canto italiano, e o
idioma alemão do canto alemão. O italiano fala e canta muito parecido. O alemão fala e
canta muito parecido. E o brasileiro fala e canta parecido, só que não é nada parecido
com italiano nem alemão. E brasileiro vai cantar ópera brasileira? Não. Vai, cantar
ópera italiana, ou alemã. A diferença entre nós começa aí. Aqui entre nós é difícil. É
uma coisa extremamente diferente a concepção do que é voz. O italiano fala um “A”
que a gente não fala, não precisa nem ser cantor. A maneira de falar é outra, é outra

fonoacústica, outra produção vocal. Brasileiro não fala como italiano, nem mesmo
como português. Brasileiro não fala com aquela voz, não tem timbre. A laringe funciona
de maneira diferente no alemão, no italiano e no brasileiro. Não precisa ser muito
sabido, basta ouvir o som. Dizem que italiano está sempre gritando. O brasileiro fala
cheio de vento, a voz timbrada é difícil. Às vezes a gente ouve, já ouvi muitas vozes
naturais na rua. Antigamente havia os pregões, os sujeitos que anunciavam a mercadoria
gritando. Os pregões escalavam duas ou três notas, e ali desenvolviam a voz. Pra cima e
pra baixo não tinham nada, mas naquela tessitura – em geral, no início do agudo, depois

da passagem – a voz era bem forte. A pessoa que grita tem muita voz no grito. Na nota
do grito tem muito som, mas pra cima é difícil e pra baixo some. E na ópera a voz tem
que ser sempre a mesma, igual, quando sobe e quando desce, que nem um instrumento.”
Os professores são unânimes em dizer que é preciso ter paciência. Inácio De
Nonno e Ilza Corrêa ilustram a questão com o famoso ditado: “A pressa é inimiga da
perfeição”. Com efeito, uma decisão apressada, feita para saciar a curiosidade do aluno
ou para sanar sua ansiedade, pode provar-se equivocada no futuro, e provocar
dificuldades no desenvolvimento.
Licio Bruno lembra que o mais importante não é a classificação, mas sim o que
o aluno apresenta, como está sua técnica, como está usando sua voz. O professor diz
ainda que, além das classificações iniciais, há as subclassificações, e estas
evidentemente precisarão ainda mais tempo para ser reveladas, devendo ser observadas
no desenrolar dos estudos e no desenvolvimento de um repertório.
Marcos Menescal, que não é professor de canto e portanto não participa do
processo de classificação de seus alunos, relata que diversas vezes influenciou na
mudança de repertório, sugerindo-lhes árias que, segundo ele, mostraram-se mais
apropriadas ao tipo vocal dos referidos alunos e ajudando-lhes assim no
amadurecimento técnico e artístico. Diz também que dúvidas quanto a subclassificações
provavelmente acompanharão o cantor ao longo de toda sua carreira, toda vez que fora
abordar um novo papel e tiver que verificar a adequação deste papel às suas
possibilidades vocais.
Dr. Louzada mais uma vez reforça a importância da correta produção vocal, e
diz que a identificação como instrumento não é tão relevante como o domínio da voz.

Demonstra ainda grande preocupação com o mau uso da voz comum aos brasileiros
devido às peculiaridades do idioma, e reforça que condicionar o órgão vocal aos
parâmetros acústicos dos idiomas em que o cantor lírico se prepara para cantar – o autor
cita italiano, alemão e francês – é tarefa indispensável ao aluno de canto brasileiro. Diz
também que o canto lírico tem demandas que nem todos os aparelhos vocais serão
capazes de produzir, ou ao menos não sem grande dificuldade.
Outro aspecto interessante do relato do Dr. Louzada é a variedade de
possibilidades de abordagens técnicas. Cada professor tem uma estética diferente, e um

objetivo diferente para a voz do aluno. Isso significa dizer que o treinamento do cantor
vai depender em grande parte das opções do professor que ele escolher para si, o que
vem de acordo com a idéia exposta em nossa pesquisa de que o treinamento de cada
aluno com seu professor será um processo único e particular.
Quarta pergunta: Como se deu o seu processo de classificação vocal? Você passou
por dúvidas ou mudanças? Caso afirmativo, como se deu o processo?
Professora Ilza Corrêa: “Eu comecei a estudar canto muito sem horizonte. Sonhava
muito em fazer carreira lírica... Eu gostava muito, por que freqüentava muito desde
pequenina a ópera. Gostava do palco, dos cenários, da indumentária. Mas havia muita
resistência, não por parte do meu pai, mais por parte da minha mãe. Não que achasse a
carreira fosse feia, mas a é por que a gente era sempre muito criticada, as pessoas
davam muitas opiniões sempre. Ela ouvia e dizia: “você está pronta pra passar por isso
tudo?” Ela tinha medo que eu me magoasse. Como eu tinha muito tempo pra estudar,
era muito menina, não tive pressa. Mas desde a primeira vez que eu abri a boca minha
professora disse: “você é um soprano”. Um soprano forte. Não disse dramático, nem
nada, mas sabia que não era um soprano leve. Eu já sabia por mim, de ouvir outros
cantores, que não era soprano ligeiro. Fui desenvolvendo aos pouco, fui chegando lá.
Tinha dificuldade de agudos, por que a voz tinha a tendência a ficar num miolo só. Mas
eu vi que não adiantava criar dificuldade resistência. Se você quer cantar uma ária de
ópera, não pode fazer resistência. Tem que ir treinando, dentro do que o compositor
escreveu, senão não chega nunca. Eu vi isso em algumas aulas de canto. A pessoa ia
cantando, de repente vinha uma dificuldade. Descia uma oitava e os maestros deixavam,
habituavam a fazer isso. Não pode, tem que ser natural, acho que tem que conviver com
o agudo, com sua extensão, sem criar dificuldades. Tem que conviver também com o
seu timbre, e quanto o timbre combina com o temperamento, melhor ainda, é o ideal.
Geralmente acontece. Uns e outros aparecem que tem timbres que não combinam com
temperamento, mas quando há uma combinação, é o ideal.”
Professor Inácio de Nonno:“Logo depois que eu fiz a passagem de voz, de 12 para 13
anos, eu estudava no Pedro II, um colégio tradicional aqui no Rio de Janeiro. Lá entrei
para o coro, e já fui classificado como barítono, nem foi como baixo. Engraçado, por
que era um coro a quatro vozes, e mesmo assim a professora do coro logo disse que eu
era barítono. Quando eu comecei a estudar canto seriamente, a partir dos 17 para 18
anos, nenhum dos meus professores nunca tiveram dúvidas quanto ao meu registro. No
período que eu fui do Coro do Theatro Municipal alguns colegas brincavam que talvez
eu fosse tenor, pelo fato de eu ter notas agudas fáceis. O pessoal brincava que eu era
tenor disfarçado por que eu tinha as notas agudas, mas isso era brincadeira de colega.
Os professores com quem eu estudei sistematicamente nunca tiveram dúvidas, e nem eu
com 57 anos de idade, 29 de carreira, nunca tive dúvida.”
Professor Licio Bruno: “Desde o meu início, meu professor de Canto me classificou
como baixo-barítono. Isto poderia ter causado muitas dificuldades mas no meu caso foi
o melhor, pois eu comecei a me preparar com um repertório intermediário (creio que
TODOS os cantores deveriam fazer isto antes de partir para um repertório operístico
mais definido), o que me trouxe pouco a pouco um maior entendimento de minha voz e
de como ela transitava nas diferentes tessituras de baixo e de barítono. Com o tempo e a
entrada no mercado de trabalho, a própria característica vocal foi se consolidando e
abrindo possibilidades de abordar repertórios antes inimagináveis, como papéis de
baritonos wagnerianos (Wolfram, Telramund) bem como os de bass-bariton (Wotan). A
mesma coisa se deu com Verdi (Rigoletto, Iago, Re Carlo do Ernani, etc...) e outros
papéis como Gerard (Chénier) e Barnaba (Gioconda). Há que se ressaltar que a própria
maturidade técnica ajudou a definir melhor quais as possibilidades de repertório e
também em poder transitar entre alguns papéis mais graves (Cacique do Guarany, Os 4
vilões de Hoffmann) aos mais agudos (Enrico, da Lucia). Mas não creio que houve uma
mudança de classificação, continuo me classificando como baixo-baritono, porém neste
momento tenho dado mais ênfase ao repertório de barítono dramático em minha
carreira, que teve recentemente o papel de Scarpia como um dos grandes desafios, pela

tessitura alta e pela densidade vocal do personagem.”


Professor Marcos Menescal: “Eu não tive dúvida, mas a minha primeira professora
teve. Eu tinha 17 anos, e a minha voz já era naturalmente redonda e escura. Não escura
de dramática, mas não era uma voz claríssima de tenor, e ela não sabia se era tenor ou
barítono. Eu não tinha uma voz natural, que cantasse as notas agudas com facilidade no
começo. Ela sabia que eu não era baixo, mas não sabia se era tenor ou se era barítono.
Não queria dizer para não se precipitar, e fez muito bem. Estudei vários meses, tinha
aula três vezes por semana e comecei a cantar as músicas do álbum do Parisotti, que são

canções do século XVIII, XVII, e são bem centrais. Qualquer voz canta, barítono ou
tenor. Trabalhávamos o centro da voz, até que ela viu fazendo vocalizes, também, que a
voz estava se desenvolvendo mais pra cima do que pra baixo. E foi aos poucos ficando
uma voz que era de tenor, não tinha mais dúvida. Aí ela me deu a serenata do Arlequim,
que eu cantei sem problema, e pronto: tenor. Isso eu ainda tinha 17 pra 18, mas não
havia realmente muita dúvida. Foi só uma cautela da professora. Acho que existe
sempre uma dúvida dentro das subclassificações, e ela acompanha por muito tempo,
pode acompanhar pela vida inteira. É muito difícil escolher o repertório justo. É preciso
ser muito bem orientado, o próprio cantor escolher é muito difícil. Nem sempre aquilo
que é mais fácil é mais adequado. Um exemplo: uma voz ligeira, se cantar uma coisa
mais dramática, mais central, pode ser mais fácil, mas absolutamente inadequado. A voz
não rende, não vai pra frente, a gente não ouve, e no entanto a pessoa se sente
confortável cantando. Um tenor ligeiro que tem que cantarCenerentola resolve cantar,
digamos, Macbeth – a ária do Macduff. Ele se sente muito à vontade naquilo. Ele não
tem que fazer força nenhuma. Mas, também, a voz não sai. Descobrir por ele é mais
difícil, é bom ter alguém ouvindo pra ver saber a voz está indo, se está projetando, se
está encaixada naquele repertorio. É difícil, não é fácil. Tem que ter alguém ouvindo. É
difícil se definir, se classificar em umFach. Ocorre também que a pessoa pode fazer
uma voz, falsificar um timbre. Pode forçar uma barra pra fazer determinado repertório.
Não é bom.”
Dr. Paulo Louzada: “Eu sou um barítono. Um barítono que não tem ressonância grave.
Eu tenho a laringe alta, então minha voz é clara, dá idéia de tenor. Mas não tem
extensão. Tem grave, mas o grave não tem profundidade, então eu sou um barítono
curto, e muito ruim. O meu aparelho vocal é o pior que eu vi na vida, a pior voz que eu

conheci foi a minha. Fui estudar isso por curiosidade, não tinha a intenção de ser cantor.
Mas ia dar meus gritos no banheiro, e depois vi que não podia. Minha voz é das mais
difíceis. Só consegui dominar depois de estudar muito, procurar muito, os métodos
todos. Conheço muito a voz hoje. Estudo há sessenta anos e fiquei conhecendo a voz
bem de cinco anos pra cá, cada vez mais. É um assunto tremendamente difícil.
Tremendamente dissimulado, oculto, escondido. Você olha a garganta, olha a laringe, e
não vê nada. Por que tudo gira em torno das leis de ressonância. O som produzido na
fonte, para ser bem emitido, é preciso que haja a proporção adequada do comprimento

do tubo, da abertura da boca e da quantidade de ar que flui. Isso é a lei básica da


ressonância. A qualidade de som que você produz na glote tem inúmeras possibilidades,
quase infinitas. As piores e as melhores. A quantidade de ar que fui da glote você
administra, até o mínimo. Tem até glote muito apertada que passa ar de menos, mas é
difícil, em geral passa demais. E o tamanho do tubo sonoro também varia muito. Então
em cada elemento equação você tem pode ter uma variedade infinita dos fatores. Tanto
que cada pessoa tem a sua voz. A voz de um não confunde com a do outro, para ver a
multiplicidade de equações vocais que a gente tem. Eu entro pra desembaraçar esse nó.
A gente tem que atuar pra melhorar a voz no tubo sonoro, no ressonador, que é o tubo
que vai da voz até a boca, mudar, dominar, e estudar a fonte, a laringe, que tem uma
variação extrema. Tem que saber o que vai fazer. A voz tem que se tornar um
instrumento sobre o qual você tenha domínio. Aí você toca o instrumento vocal. Quem
não precisa é quem nasceu com uma voz perfeita. No mundo você encontra um, dois,
cinco casos que não precisaram estudar. É raríssimo. E os que não tem a voz boa e
querem cantar, milhões e milhões. Aqueles que tinham facilidade estudaram só música,
outros tiveram que estudar a voz. Quando o aluno tem a facilidade, o professor faz
pouco. Ajuda por métodos tradicionais, mas sempre imitando outros bons. Daí vem o
domínio, habitua-se a usar bem a voz. O que você muda na goela, na garganta, na boca,
não parece muito, mas para o que muda de som e de domínio é muito. A segurança que
traz é outra. Quando domina, traz segurança.”

Como pudemos ver, nenhum de nossos entrevistados teve grandes dúvidas


quanto à classificação. Marcos Menescal relata que sua primeira professora relutou em
classifica-lo, provavelmente mais por cautela do que por dúvida. Ilza Corrêa e Inácio De

Nonno também não tiveram dúvidas quanto à sua classificação. O Dr. Louzada, por sua
vez, é categórico em dizer que tem o pior instrumento vocal que já viu. Apesar da
limitação de recursos de sua voz, que não a permitem desenvolver-se nos padrões de
extensão e tessitura de um instrumento lírico, ele a classifica como barítono.
Menescal dá-nos um exemplo curioso: o do cantor de voz ligeira que canta
coisas mais pesadas do que o recomendado para sua voz. Essa, como pudemos ver,
poder ser uma situação perigosa, pois ainda que o repertório possa ser desempenhado
com muita desenvoltura pelo cantor, por não apresentar as demandas esperadas para o

seu tipo de voz, o resultado provavelmente não será satisfatório. Diz ainda que as
subclassificações são um assunto muito complicado, e que é muito difícil um cantor
identificar seu próprio Fach (dada a dificuldade do próprio cantor ouvir sua voz e
estabelecer parâmetros reais), e recomenda que haja uma orientação externa com
relação a isso.
Ilza Corrêa destaca um fator importante: a necessidade de lidar com toda a
extensão da voz ao trabalha-la. Segundo a professora, muitos alunos fogem dos agudos
devido às dificuldades, mas não encara-los seria pior. É preciso lidar com toda a
extensão da voz igualmente, sem bloqueios, para que se possa dispor do instrumento
com desenvoltura. Dr. Louzada também reforça a questão do domínio, e segundo ele só
o domínio dá a segurança. Já na resposta anterior o entrevistado chamou atenção para o
fato de que o aluno tem que desenvolver toda sua extensão de maneira uniforme, pois
no repertório operístico o cantor precisará exibir notas graves e agudas com a mesma
desenvoltura, tal qual um instrumento.
A professora Ilza Corrêa toca em outro ponto relevante: a identificação do aluno
com o próprio timbre. Quando há uma coerência entre a personalidade do aluno e sua
voz (o que, segundo ela, normalmente acontece), a situação é ideal. Mas pode haver
discordância, uma pessoa que tenha vocações dramáticas e voz leve, ou a voz pesada
inclinações artísticas leves, ou cômicas. Professor e aluno terão de trabalhar juntos para
resolver esta situação da melhor forma possível.
Licio Bruno traz uma importante contribuição aqui. Tendo sido classificado
desde o início como baixo-barítono, o professor afirma que todos deveriam começar
com um repertório intermediário, para permitir que a voz desenvolva-se naturalmente e

revele aos poucos o seu real caminho. Tendo cantado, ao longo de sua carreira, papéis
de baixo e de barítono, Licio Bruno deixa claro que o que importa, nesses casos, é a
adequação de sua voz ao papel mais do que a definição classificatória, e que não passa a
ser baixo ou barítono por cantar esses papéis. Esse é um ponto muito importante: ter
sempre claro que todos os parâmetros de classificação expostos nesta pesquisa são
apenas um guia facilitador, e o que importa mesmo, em última análise, é que o cantor
conheça bem seu instrumento e todas as suas características para que possa escolher o
repertório que lhe seja adequado.
CONCLUSÃO

Através de uma extensa e variada revisão bibliográfica que buscou contemplar

publicações significativas de momentos-chave da evolução da pedagogia vocal,


analisamos a opinião de diversos tratadistas e autores científicos, professores de canto e
investigadores do fenômeno vocal sobre a classificação das vozes. Na visão de autores
em educação, buscamos informações pedagógicas gerais que dialogassem com a
situação específica observada – o ambiente do ensino/ aprendizado de canto lírico e o
processo da identificação vocal. Através de entrevistas com professores de canto
buscamos a ilustração da experiência dos profissionais atuantes na área. Dada a
importância e a complexidade do assunto, nossa pesquisa pretendeu servir como
ferramenta para alunos e professores que desejem aprofundar-se nas diversas questões
que o envolvem.
Vimos que a importância da classificação remete à identificação do aluno como
instrumento, e vimos também como esse processo de identificação, por diversos fatores,
pode ser espinhoso. Citamos na introdução o caso do italiano Bonaldo Giaotti, que
acostumou-se rapidamente à idéia de ser tenor ou barítono, mas chorou ao saber que era
na verdade baixo. O aluno de canto pode não gostar, ou não se identificar com o tipo
vocal a que descobre pertencer. A situação de cada tipo vocal no mercado e a imagem de
cada um deles no inconsciente coletivo pode ser também um fator desencadeador de
complicações no processo. É compreensível que muitos cantores desejem ser tenores ou
sopranos, dada a posição privilegiada que essas vozes ocupam no repertório tradicional.
Os diferentes tipos vocais tem imagens no inconsciente coletivo diferentes, que geram
inclusive estereótipos jocosos, dando srcem a piadas e brincadeiras freqüentes.
Pedimos licença à seriedade da academia para, oportunamente, apresentar dois
exemplos do peso da classificação vocal no universo do canto lírico. Em Il“ teatro alla
moda” (“O teatro à moda”), uma publicação de cunho jocoso publicada em 1720
(anonimamente) por Benedetto Marcello, o compositor diz que diz que “quanto mais
aguda for a voz da soprano mais fácil será obter o papel principal”. (MARCELLO,
2010, p. 76). Outra publicação jocosa mais recente, “Opera for Dummies” (“Ópera para
principiantes”) diz que os meio-sopranos são assim denominados por que recebem
metade do cachê da soprano. Tenores tem fama de não ser muito inteligentes, baixos de
serem particularmente inexpressivos. Tudo isso, evidentemente, é puro folclore, mas
não se pode negar a influência psicológica dessas brincadeiras no aluno que está tendo
contato com sua classificação vocal. Mesmo as subclassificações podem gerar
insatisfação. A aluna soprano com vocação dramática pode ficar decepcionada ao ser
classificada como soubrette ou ligeiro, assim como o aluno tenor que se identifica com
o repertório de coloratura pode ficar decepcionado ao perceber sua voz mais pesada,
inclinada ao dramático.
Para além das brincadeiras, do folclore e do caráter do repertório, as diferentes
categorias vocais apresentam particularidades e necessidades técnicas específicas. A
aluna de voz mais pesada pode se sentir diminuída ao ver que suas colegas mais leves

desenvolvem-se muito mais rápido que ela, ou o aluno tenor pode se desestimular ao
enfrentar tantas dificuldades para desenvolver sua região aguda. O professor, então,
deve estar apto não só a poder identificar a classificação vocal do aluno, mas também a
ajuda-lo a lidar com o delicado processo de identificação e desenvolvimento de seu
instrumento particular. E, é claro, deve também conhecer profundamente os tipos vocais
e adaptar sua pedagogia às necessidades específicas de cada um deles.
Para poder ouvir e julgar a qualidade de som do aluno, bem como para poder
ajuda-lo a desenvolve-lo e melhora-lo, é necessário que o professor tenha em sua mente

padrões sonoros bem definidos. Segundo Clippinger (1917):


Uma grande parte do treinamento do professor de canto deveria ser aprender
como ouvir e o que ouvir. Isso significa treinar o ouvido, que está na mente,
até que ele esteja no mais alto grau de sensibilidade, tanto à qualidade do som
quanto à afinação. 195 (CLIPPINGER, 1917, p. 43)

A referência sonora é necessária ao professor para que ele possa guiar o


desenvolvimento vocal do aluno, mas também o aluno precisa ter conceitos tonais mais
ou menos definidos para que o processo possa ser bem sucedido. Ainda segundo
Clippinger (1917):
A formação da qualidade do som é um processo mental tanto quanto pensar a
afinação. Se o aluno canta um tom errado é porque ele pensou um tom
errado, e isso é verdade ao menos em grande parte, se a qualidade do som
não é boa.196 (CLIPPINGER, 1917, p. 43)

Taylor (1918) diz: “Em outras palavras, conhecimento empírico da voz é uma
compreensão das operações do mecanismo vocal, obtida através da audição atenta de
vozes.” 197 (TAYLOR, 1918, p. 176) Com efeito, o professor necessita muita bagagem
auditiva para ter referências suficientes e garantir poder lidar com as necessidades de
cada aluno através da única coisa real com que ele pode contar para se guiar – o som.
Tudo isso revisto, voltemos às nossas questões iniciais: É possível estabelecer os
fatores a ser observados para que se possa proceder a uma correta e segura
classificação? E, caso afirmativo, é possível estabelecer sob que parâmetros esses
fatores devem ser observados?
A resposta da primeira pergunta é: Sim, podemos. A literatura nos fornece, com
uma riqueza de detalhes que impressiona aquele que se aventura a estudar o assunto, as
características de cada tipo vocal. Extensão, passagens de registro, tessitura,

características físicas, timbre. A literatura sugere ser possível a determinação da


classificação vocal pela medição das pregas vocais, embora tenhamos visto que algumas
possíveis questões de proporções físicas tornam essa classificação menos segura.
Quanto à segunda pergunta: É possível estabelecer sob que parâmetros essas
características devem ser observadas? Aqui não podemos dar uma resposta tão objetiva:
Sim e não. Embora os parâmetros possam ser enunciados e reconhecidos, não se pode
195 A large part of the vocal teacher’s training should be learning how to listen and what to listen for.
This means training the ear, which is the mind, until it is in the highest degree sensitive to tone quality as
well as to pitch.
196. The formation of tone quality is no less a mental process than is thinking the pitch. If the student
sings a wrong pitch it is because he has thought a wrong pitch, and this is true to a large extent at least, if
his tone quality is not good.
197In other words, empirical knowledge of the voice is an understanding of the operations of the vocal
mechanism, obtained through the attentive listening to voices.
garantir que todos os professores (ou todos os alunos) terão os mesmos padrões sonoros
ao trabalhar a voz. Mesmo que tomemos como certos os pontos pivotais apresentados
pelos autores, como podemos garantir que um professor vá perceber passagens de
registro que são muito sutis? Mesmo que se estabeleça a extensão média esperada para
uma classificação, como garantir que o professor vá identificar que determinadas notas
que o aluno se esforce para atingir não devem ser consideradas para sua extensão real?
E, principalmente na proposta de classificação pelo timbre, como garantir que o
professor vá identificar, no som do aluno, as características que o definem?
Identificação pelo timbre é algo que demanda muita experiência auditiva, sob o risco de
descartar uma possível classificação correta pela falta de intimidade com timbres
semelhantes ao do aluno. E, ainda, o professor pode não perceber, pelo som, a srcem
do desconforto sentido pelo aluno ao cantar peças que, na verdade, não favorecem sua
tessitura.
Entendemos, pela pesquisa, que o fenômeno da registração é provavelmente a
questão primordial na classificação vocal. Se considerarmos a voz humana como um
todo, do qual cada categoria vocal tem uma parte, essas partes tem proporções
diferentes entre os registros. Como vimos, os baixos realizam uma parte maior de sua
extensão no registro de peito que os tenores, por exemplo. E, enquanto os pontos de
passagem nas vozes masculinas são mais altos ou mais baixos dependendo do tipo
vocal, nas vozes femininas as mudanças de registro são basicamente as mesmas, e o que

difere é a posição que essas mudanças ocupam em relação aos seus limites de extensão.
Mesmo a percepção do timbre pode ser bastante alterada dependendo da utilização dos
registros pelo aluno, o que pode ser muito influenciado pela teoria do registro não
utilizado de Vennard (1967).
Esperamos ter, com nossa pesquisa, contribuído para o esclarecimento da
questão da classificação vocal. Esperamos, também, ter sido válida a discussão
realizada entre as posições diversas de tantos autores, muitos dos quais pouco
divulgados apesar da relevância de suas opiniões. O diálogo entre os autores sobre canto

lírico de momentos históricos tão distantes põe-nos em contato com a realidade de cada
momento, possibilitando-nos uma visão ampla e uma perspectiva historicamente
informada de questões eternas da pedagogia vocal.
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