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23/05/2018 O que colecionar quer dizer, por Luiza Teixeira de Freitas - Notícias - SP-Arte

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"Uma visita ao art dealer", de Frans II Francken

O que colecionar quer dizer, por Luiza Teixeira de Freitas


23.05.2016 – 10h41
O que significa colecionar arte contemporânea nos dias de hoje? Como acompanhar o ritmo acelerado de transformações do mun
papel dos curadores no desenvolvimento de coleções particulares? Quais as diferenças entre elas e os acervos de museus?
São essas e outras questões que a curadora Luiza Teixeira de Freitas expõe neste texto, publicado originalmente no catálogo da S
(veja a publicação na íntegra aqui).
“Colecionar ajuda-nos a entender a história, o presente e o futuro”, sintetiza a responsável pela terceira edição do setor Solo da Fe
 
O que colecionar quer dizer
(por Luiza Teixeira de Freitas)
O ato de colecionar arte contemporânea desenvolveu-se e modificou-se muito nos últimos 15 anos, em decorrência da grande vel
transformação do mundo. A globalização possibilitou que fossem construídas muitas pontes inéditas (talvez até pontes em dema
países e culturas. Tornou-se muitas vezes impossível acompanhar o ritmo acelerado do mundo da arte.
As coisas (feitas pelo homem ou não) tornaram-se algo cada vez mais desejável e facilmente adquirível. Nunca o consumo foi tão
como atualmente. Também é fato que as coleções de arte contemporânea tendem a ser verdadeiras representações do que está a
no mundo. Sendo assim, ficou muito difícil colecionar arte contemporânea de maneira séria, metódica e planejada, bem como de
de colecionador se pretende ser.
Devido ao crescente número de colecionadores de arte contemporânea ao redor do mundo, é interessante considerar as posturas
arte de colecionar, a fim de traçar um perfil dos diferentes tipos de colecionadores.
Colecionar é “a urgência de erguer um sistema permanente e completo contra o poder destrutivo do tempo”.1 Trata-se da última t
alguém sobreviver à nostalgia profunda, à sensação de estar perdido em sua própria não infinitude.
É importante fazer uma distinção clara entre colecionar e acumular – entre o colecionador e o acumulador. Este último é visto com
que compreende o colecionar meramente como investimento financeiro e acúmulo de bens. Já o que impulsiona o colecionador,
das vezes, é a obsessão por possuir e a aventura emocional com a obra em si, “que é, em todos os aspectos, tão intensa quanto um

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investimento em paixões ‘humanas’. Sem dúvida que a paixão diária pela propriedade privada é, com frequência, mais forte do qu
outras”.2
Em geral, a coleção se torna parte da vida do colecionador, pois assume o papel de liderança em suas tomadas de decisão, até me
diminutas tarefas cotidianas. Torna-se mais do que uma simples coleção, e sim uma parte da essência do colecionador. Os objeto
convertidos em propriedades intelectuais que fazem parte dos significados individuais do colecionador.
A coleção se expande para se tornar uma totalidade privada do colecionador, e, “mesmo quando uma coleção se transforma em d
endereçado a terceiros, ela continua a ser, acima de tudo, um discurso endereçado ao próprio colecionador”.3 “Conforme a pessoa
conscientiza de seu eu, ela se torna um colecionador consciente da identidade; projetando seu ser nos objetos que escolhe para c
gosto do colecionador é um espelho de si próprio”.4
O ato de colecionar origina-se, essencialmente, da necessidade de contar histórias, embora não haja formas estruturadas de narr
isso. Quando se coleciona, compõe-se uma história que caminha com seu tempo. Anton e Annick Herbert, importantes colecionad
Ghent, na Bélgica, declararam que não colecionavam obras de arte, e sim uma nova maneira de pensar. Eles sempre colecionaram
arte que são expressões do que está acontecendo naquele determinado período.5
O que se passa entre uma coleção de arte contemporânea e seu colecionador é, em certo sentido, muito diferente do que ocorre em
coleção de selos ou livros raros, por exemplo. A arte contemporânea tem um alto nível de produção, que está aumentando em pro
colossais. É essa demanda por arte que impulsiona tal crescimento do mercado. E os colecionadores tornam-se, de certa forma, s
inimigos.
De fato, algumas das críticas e dos debates atuais mais significativos sobre arte contemporânea sugerem que o início do século X
uma produção artística exagerada. Surgiu, assim, um círculo vicioso de produção/venda/posse, o qual foi acompanhado, em muit
um exacerbado aumento da demanda, processo este em parte acelerado por galeristas e negociantes, mas principalmente impuls
colecionadores e acumuladores.
Devido a essa produção excessiva, há a necessidade crescente de um sistema mais organizado no interior das coleções. É aqui qu
curadores. Diante do caos em que se transformou o ato de colecionar, alguns colecionadores têm a necessidade de contratar ajud
a fim de expandir suas coleções de maneira criteriosa e relevante, para criar uma abordagem estruturada no subconsciente da co
outro lado, em muitos casos, os colecionadores têm se tornado cada vez mais dispostos a uma participação consciente nas aquisi
fazem para suas coleções. Assim, quando há um curador, ele muitas vezes assume o papel de um tutor privado ou, devido à falta
colecionador, simplesmente toma conta de sua coleção. Trata-se de um tipo de parceria. Consequentemente, as coleções são elab
mais reflexão, tornando-se mais parecidas com as coleções dos museus. Isso pode ser visto não só em sua estrutura conceitual, m
na crescente necessidade de transformar coleções privadas em instituições e fundações.
Colecionar ajuda-nos a entender a história, o presente e o futuro, desenvolvendo uma compreensão muito pertinente sobre como
públicas crescem e se tornam universais. É nesse ponto que o relacionamento do colecionador com os museus passa para o prim
proximidade entre o colecionador privado e uma instituição inicialmente surge do interesse do colecionador em compartilhar o q
com terceiros, tornando seu acervo visível por meio de instituições públicas – os colecionadores de arte contemporânea buscam a
por meio da exposição de suas obras em museus.6
A maior diferença entre coleções privadas e acervos de museus reside no fato de que o museu tem a responsabilidade de escreve
da arte, ao passo que as coleções privadas têm uma margem maior de liberdade. Mas há muito mais em jogo, de modo que tais re
podem ser bastante complexas. A verdade é que tudo consiste em um jogo mais amplo de toma lá dá cá.
Os colecionadores privados sempre desempenharam um papel extremamente importante nas instituições. Granjearam a posição
assessores dos museus e ganharam cada vez mais espaço para dar opiniões sobre os aspectos mais diversos da estrutura e das r
um museu. Ser doador de um museu permite um acesso mais próximo, bem como conhecimentos e informações privilegiadas.
Nas últimas duas décadas, esse estatuto se expandiu para algo nunca visto antes. Agora, os colecionadores privados não são mai
doadores abastados que tornam possíveis o acervo do museu e a efetivação de seus programas de exposição, mas também desen
muitos casos, uma visão crítica, uma participação cada vez mais ativa e instruída nos conselhos dos museus. As instituições têm
o crescente interesse por uma participação mais ativa por parte de seus doadores/colecionadores. De certa maneira, isso pode ex
necessidade e a estratégia de se aumentarem os comitês de aquisição nas estruturas das instituições. Os colecionadores veem es
como meios de se tornarem ativamente participativos e terem maior poder decisório dentro das instituições – o que pode, porém,
impressão enganosa. Por sua vez, as instituições utilizam esses comitês para desenvolver vínculos com o maior número possível
colecionadores/doadores.
A respeito de tais relacionamentos entre instituições e patronos/doadores/colecionadores, Robert Storr frisa alguns riscos import
permeiam. Ele declara que os grandes museus ao redor do mundo não são e não devem ser extensões dos gostos e das salas de e
doadores; tampouco podem se tornar mostruários dos gostos e desgostos de qualquer pessoa que esteja de alguma forma relacio
aquisição (e isso inclui os curadores do museu).7
Separar o colecionador de arte contemporânea do investidor tornou-se algo extremamente difícil. Intencionalmente ou não, quan
coleciona arte contemporânea, tal prática automaticamente se converte em um investimento. Porém, o grande equívoco reside ju
pensar na arte como investimento. Não pode haver um preço para a arte, porque seu valor vai muito além do econômico. Trata-se
social, político, estético, antropológico e daí por diante.
Manuel Borja-Villel, diretor do Museo Reina Sofía, em Madrid, define de maneira perfeita a verdadeira essência de um colecionad
época: “para mim, colecionar é uma forma de lidar com a morte e, por isso, é algo intrinsicamente arraigado no tempo. […] Uma c
viva e, enquanto viver, nunca poderá ser concluída, pois sempre haverá algo inacabado, em aberto ou ainda a ser incorporado. […
um fervoroso entusiasta de obras de arte e da prática de colecioná-las, isso significa que suas preocupações estão enraizadas no
que – até o momento da morte – estarão sempre sujeitas a uma rearticulação retroativa. […] Por isso, colecionar é uma forma de m
está livre da camisa de força da identidade”.8
 

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Luiza Teixeira de Freitas é curadora independente e trabalha entre Lisboa e Londres. Entre as exposições recentes sob sua curad
destacam-se: An Infinite Conversation (Museu Berardo, Lisboa, 2014); Apestraction, de Damián Ortega (Freud Museum, Londres, 2
Tears in Rain (Palácio das Artes, Porto, 2010); The Moon is an Arrant Thief (David Roberts Art Foundation, Londres, 2010). Luiza ta
ativamente envolvida em projetos de livros de artistas e em publicações independentes, além de ser curadora de diversas coleçõe
particulares. Foi curadora-assistente da Bienal de Marrakech de 2009 e colaborou com a galeria Tate Modern nas exposições de C
e Cy Twombly (Londres, 2008). É curadora do setor Solo da SP-Arte/2016.
 

Notas:
(1) BAUDRILLARD, Jean. A Marginal System: Collecting. In: ______ (Ed.). The System of Objects. London: Verso, 1996.
(2) Ibid.
(3) Ibid.
(4) ELSNER, John; CARDINAL, Roger. Introduction. In: ______ (Eds.). The Cultures of Collecting. Londres: Reaktion Books Ltd., 1994
(5) BORJA-VILLEL, Manuel et al. On Collecting: Private and Public. A Round Table. In: Public Space / Two Audiences, works and do
from the Herbert Collection. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2006.
(6) ALTSHULER, Bruce. Collecting the New: A Historical Introduction. In: ______ (Ed.). Collecting the New. Oxfordshire: Princeton U
Press, 2005.
(7) STORR, Robert. To Have and to Hold. In: ALTSHULER, Bruce (Ed.). Collecting the New. Oxfordshire: Princeton University Press,
(8) BORJA-VILLEL, Manuel et al. op. cit.

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