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argumentação∗
∗
Trois technique de vérité dans la Grèce classique. Aristotele et l’argumentation.
Paris: CNRS, Hermes 15, Argumentation et Rhétorique I, 1993, pp. 41-71. Tradução:
T. B. Mazzotti, para uso escolar, proibida reprodução comercial, 2003, maio. A
notação //nº/ indica o final de página do original. © CNRS, 1993.
1 O trabalho de Aristóteles sobre estas quatro técnicas discursivas podem ser
seu Tratado. Segundo Kennedy (1980, p. 72), reconhecia-se até Aristóteles que havia
diversos tipos de discursos, por exemplo “acusação”, “defesa”, “orações fúnebres”,
mas a classificação em três gêneros foi, sem dúvida, por ele produzida e se impôs
desde então como uma aquisição definitiva da teoria retórica.
5 Pois o processo atenienense clássico é concebido como um combate entre dois
11 “Pode-se distinguir três elementos constitutivo de todo enunciado: aquele que fala,
o quê se fala, aquele para quem se fala” (Aristóteles, Retórica I, 3, 1358 a, 37—b1).
12 Ver o início da Poética: “Nos vamos falar da arte poética … da maneira de compor a
fábula caso se queira que a composição poética seja bela (χαλϖς εξειν)”. A verdade
tem seu lugar (secundário e subordinado) na poética (ver Poética, 1451 b, 1-11),
exatamente como a beleza pode ter também seu lugar no discurso do orador (ver as
considerações sobre o estilo no livro III da Retórica, notadamente III, 2, 1404 b, 12-
25).
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 6
campo das convicções privadas, outras à ordem do saber. No entanto, todas repousam
sobre o que se pode chamar o mesmo “regime de verdade”: o regime democrático.
Nos três casos, de fato, a produção do verdadeiro só é possível no e pelo acordo do
outro (o interlocutor), definido apenas pelo fato de serem todos os outros um outro —
um outro como os outros, sem outra qualificação. Estas três técnicas repousam sobre
o mesmo princípio: todo homem, qualquer que seja, pode ser um locutor qualificado
suscetível de enunciar um discurso da verdade e um auditor qualificado suscetível de
julgar a verdade de um discurso, o que é a dupla condição própria regime
democrático. Certamente o acordo do auditor com o locutor (condição sine qua non
de seu veridicção) realiza-se a cada vez nas instituições e segundo modalidades
diferentes pelas quais justamente as técnicas da verdade diferenciam-se. Permanece
que elas estão todas na dependência deste acordo e obedecem, por consequência —
elas e apenas elas sem dúvida— ao que se pode chamar um “regime democrático da
verdade”; inversamente, por oposição aos poderes e às modalidade de veridicção dos
antigos “mestres da verdade13”, é sem dúvida o regime democrático que
historicamente está na origem dessas técnicas.
Retórica, dialética e ciência têm pois em comum serem técnicas discursivas da
verdade. Como técnicas, visam esta verdade “democraticamente”, //44/uma vez que
uma técnica não é reservada a qualquer indivíduo excepcional, mas se define pelas
condições de sua trasmissibilidade. O que as distingue é, de início, o lugar de inscrição
institucional dessas verdades e que determina o modo de interlocução na troca
discursiva. Mas, sendo discursivas, elas visam esta verdade sem qualquer meio que
não seja o discursivo; eis porque elas se distinguem também, evidentemente, pelos
procedimentos formais que permitem transmitir as verdades apenas pelo discurso, as
“formas de veridicção” que aí são legítimas e eficazes. Queremos mostrar que estas
diferenças também se explicam por diferenças institucionais. O que é mostrar
novamente que os diferentes tipos de argumentação (da demonstração científica ao
raciocínio retórico) não se diferenciam essencialmente nem pela forma, nem segundo
o grau de validade, nem segundo a modalidade lógica, mas segundo o lugar de
inscrição e a figura de seus destinatários.
Mas, antes de ver estas diferenças, é necessário mostrar que há uma forma geral de
veridicção que é comum e que se pode denominar “argumentação”.
que, na técnica, concerne ao discurso enquanto tal. Ora, estes dois traços podem
definir a argumentação.
Dizer que a veridicção depende do que no discurso erige-se da técnica significa, de
início, que a verdade não depende do que está fora do discurso ou do que nele erigirá
de um poder verídico de sua referência. Em outras palavras: exclui das técnicas de
verdade qualquer apelo à evidência empírica sobre a qual se fundamenta comumente
a transmissão das verdades. Estas podem sempre, sob certas condições muito
restritivas e variáveis segundo as técnicas, apelar ao acordo com o outro sobre um fato
e tomar este acordo por ponto de partida de um raciocínio; mas não pode, em alguma
de nossas três técnicas, nem ultrapassar este acordo e estabelecer que o fato impõe-se
por si mesmo sua verdade dispensando todo discurso; nem admitir que ele erige-se da
técnica. Mesmos os “exemplos” evocados pelo orador não valem como elementos de
prova, uma vez que eles já são conhecidos do auditor. Este enquadramento muito
restritivo do papel da experiência pelas regras da discursividade é comum às três
técnicas: o discurso da ciência supõe justamente que a transmissão do saber deve
evitar, ainda que se possa fazer, o apelo à evidência sensível e que a suposta força
persuasiva própria a esta não dispense a demonstração. A dialética exclui que um
debatedor deva submeter-se à autoridade dos fatos, ela supõe mesmo que ele possa
tomar uma posição que lhe pareça contrária ao que estima justamente dispor o
discurso que lhe permitindo ou julgar que //45/ seu adversário não possa dispor de
discurso para o refutar14. Assim, o discurso matemático e o discurso dialético excluem
que a verdade possa manifestar-se pela imediatez empírica (“veja bem”), mas também
pela mediação de “testemunhas” exteriores ( “X sabe bem que” 15). Quanto à retórica,
se a instituição, notadamente a judiciária, reconhece um lugar para esses modos de
veridicção não discursivas, estas estão, por definição, fora do campo da técnica
retórica, é o que Aristóteles nomeia, conforme uma distinção inscrita no Direito
grego, os “meios de provas extra técnicos” e que ele exclui, por consequência, da
retórica, sem dúvida como todos os autores dos Tratados16.
14 Assim se segue por teses paradoxais (Tópicos I, 10, 104 a, 10): pode-se, por
exemplo, sustentar que o movimento não existe caso se estime que esta posição
inexpugnável em todo o discurso.
15 É sobre isto que Platão insiste, por exemplo, em Górgias: um e apenas um
dependem da arte retórica, se bem que sua leitura pelo escrivão seja geralmente
integrada no discurso de defesa do orador. Sobre esta questão das provas ver R. J.
Bonne e G. Smith (1930) II, p. 117 e seg.; e A. R. W. Harrison (1971), p. 134 e seg. Para
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 8
[do divino e do poeta]: seus ditos de justiça, seus themistes são, de fato, espécie de
oráculos” (Détienne, 1967, p. 56).
18 Aristóteles na Retórica I, 2, 1356 a, 1 e seg., distingue três tipos de “provas
20 “Não é porque estamos na verdade dizendo que sois branco que sois branco, mas o
inverso, porque és branco que, dizendo que sois, estamos na verdade.” (Aristóteles,
Metafísica Φ, 10, 1051 b, 6-9). // Na tradução espanhola de YEBRA (1990) lemos: “Pues
tú no eres blanco porque nosotros pensemos verdaderamente que eres blanco, sino que,
porque tú eres blanco, nosotros, los que o afirmamos, nos ajustamos a la verdad”. Note-se
que há uma diferença importante ao traduzir “dizemos que” e “pensamos que”, uma vez
que no segundo caso a ênfase recai na elocução, enquanto no primeiro permanece no
âmbito daquele que pensa. (N. T.)
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 10
discursiva mínima da verdade21, ela não é a forma mínima da veridicção nas técnicas
da verdade: para que haja veridicção é preciso mais do que uma asserção verdadeira,
é preciso pelo menos duas ligadas entre si.
Entretanto, seria preciso fazer uma exceção ao que Aristóteles denomina as
máximas (γνωµαι) que ele parece reter na Retórica como um modo legítimo de
argumentação, como se elas fossem asserções suficientes para que sejam tidas como
verdadeiras? As máximas caracterizam-se, de fato, por se sustentarem no geral e não
no particular (II, 21, 1394 a22-23), que se sustentam no que deve ser escolhido ou
evitado na ação (ibid., 24-25), e, enfim, são asserções simples, sem inferências, logo as
“premissas” ou as “conclusões” de um entimema (ibid., 25-28). No caso comum, de
fato, desde que uma máxima seja justificada (i.e. acompanhada de sua razão, αιτια,
ibid. 31), ela se torna um entimema, então se encontra em uma argumentação
propriamente dita22. Mas, então, como uma máxima propriamente dita, quer dizer
enunciada sem justificação explícita, pode ser “persuasiva” e ainda erigir-se da
veridicção argumentativa (mesmo sob uma forma limitada) — em que sentido ela é
credível ou não pelo locutor? Talvez se possa distinguir três modos nos quais a
verdade de uma máxima impõe-se fora do campo da argumentação: a força
perlocutória própria da asserção faz com que seu auditor espontaneamente confie no
locutor e que as coisas ditas sempre pareçam (um pouco) verdadeira pela simples fato
de que são ditas, notadamente quando, como nas máximas, elas imitam, por sua
generalidade, as conclusões argumentadas dos sábios e dialéticos, tal seria a parte
“extra técnica” da questão. O segundo modo de veridicção da máxima seria seu
caráter implicitamente entinemático (dizendo de outra maneira: argumentado) —uma
vez que a máxima é um entimema “incompleto” //48/, ao qual o auditor reúne
mentalmente sua “justificação” geral subentendida23. Finalmente, a força persuasiva
própria somente da máxima e dela apenas (i. e. sem sua justificação, mesmo
subentendida) sem dúvida teria origem na soma implícita das experiências diversas e
da prudência que parecem aí encontrarem-se cristalizadas para todos e cada um, em
um domínio, o da ação humana, no qual, precisamente por se erigir da experiência e
da prudência, não permite o enunciado de proposições necessárias: a máxima
máxima sem sua justificação (Retórica II, 21, 1394 b, 2); “pois ele é escravo ou do
dinheiro ou do acaso” (ibid. 1394 b, 6), tal justificação torna-a entimemática.
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 11
24 Veja a este propósito as observações muito interessante da Retórica II, 21, 1395 a, 2-
8, sobre o lugar das máximas entre os velhos, e em 1395 b, 2-3, sobre as razões pelas
quais os auditores sente prazer em entender as máximas: “Eles regogizam-se ao
entender um orador que pronuncia uma fórmula geral que reencontra com as
opiniões que eles mesmo têm em um caso particular”.
25 Aristóteles censura seus predecessores em dialética (notadamente os Sofistas) por
27 Esta inversão da ordem tem por consequência compreender mal o papel, por
exemplo, do “silogismo”. Mas o silogismo não é apenas um resultado. Do ponto de
vista do sábio, o trabalho científico consiste não em deduzir novas verdades da que ele
conhece (o silogismo então efetivamente abriria seu flanco à todas as críticas
tradicionais de que foi objeto: esterilidade, redundância), mas a busca das premissas,
quer dizer remontar até ao que fundamenta a razão (“o porquê”) das proposições da
qual ele sabe a verdade (a conclusão). Ver sobre esta questão E. Kapp (1975) que
anota na p. 39 “The syllogism is in fact not a principle of intellectual advance but
rather a principle of intellectual retreat —or, better, in the syllogism the normal order
of dactum and desideratum is turned upside down.”
28 O povo julga a verdade do discurso que lhe é endereçado nos três gêneros, e não
apenas no gênero judiciário. Ver Aristóteles, Retórica II 1, 1377 b, 20-21; II, 18, 1391
b, 7-13 (ver também I, 2, 1357 a, 10-11).
29 Nisto acompanho J. Brunschwig (1967) que traduz por “raciocínio dedutivo”.
a, 25-7 e dos Primeiros Analíticos I, 1, 24 b, 19-21. Ligeiras diferenças entre estas três
definições pode explicar-se pelo fato de que a da Retórica compara situações retórica
e dialética enquanto que a dos Tópicos (e implicitamente a dos Analíticos) compara
situações dialética e científica. Assim, o conceito de necessidade (necessitas
consequentiae) não aparece na definição da Retórica, uma vez que as deduções não
são todas necessárias, como o mostramos acima.
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 14
lide. Elas diferem, de início, das premissas científicas pelo assunto que é o seu: a
dialética é, como a retórica, um método de argumentação universal, “transgenérico”,
uma vez que a ciência está limitada a um domínio determinado –e. g. a aritmética ou
a ótica33 . Mas, elas diferem em duas outras maneiras das premissas “científicas”: são
interrogativas34 (uma vez que se trata de saber se o adversário concorda ou não), em
lugar daquilo com o que o mestre se satisfaz, em geral35, o de apresentar
assertoricamente as premissas absolutamente primeiras que terá necessidade. Elas
não são verdadeiras absolutamente, mas apenas tidas como verdadeiras por aquele
que responde, dizendo de outra maneira, admitidas pelo que responde. Tal como nas
premissas científicas, pode-se pois distinguir entre as premissas que o interlocutor
admite necessariamente porque já são admitidas, e as premissas primeiras que
depende de toda dedução. Estas são, pois, as proposições Q, R, S, não necessárias,
mas que o adversário dificilmente pode recusar (salvo //50/ se ele julgar-se capaz de
sustentar um “paradoxo”) e são “as opiniões partilhadas por todos os homens ou por
quase todos, ou por aqueles que representam a opinião esclarecida, e por todos estes
últimos, ou pelos mais conhecidos e os melhores admitidos como autoridades”
(Tópicos, I, 1, 100 b19-21). A dedução dialética sempre parte, então, de um corpus de
convicções idealmente reduzidas àquelas para as quais um adversário não pode
recusar seu assentimento.
Passemos ao modo de dedução mais discutido: o entimema. Vamos mostrar que se
dá para o entimema na interlocução retórica, o mesmo que se dá nas interlocuções
dialética e epistêmica, na dedução dialética e demonstrativa.
científica”.
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 16
significa para Aristóteles em Tópicos VIII, 1, 156 b, 28-30: nunca é preciso solicitar ao
adversário que concorde com a proposição que nos servirá de premissa, mas uma
outra que lhe é consequência dedutivel.
39 Ver Retórica I, 2, 1356 b, 3; ver também I, 1, 1355 a, 8; II, 22, 1395 b, 22-23 e
44 Ainda que, de fato, que o mestre possa subentender tal ou qual ligação evidente,
ver Segundo Analíticos I, 10, 76 b, 16-21.
45 Ver a primeira frase citada dos Segundos Analíticos: “Todo ensino e toda
por efeito fixar sucessivamente cada uma das premissas sem apelar à memória de
todos as ligações intermediários. //53/
Talvez exista mesmo uma razão ainda mais fundamental na qual a omissão do
evidente dá ao entimema uma eficácia persuasiva superior em relação às deduções
completas; talvez também o torne “mais claro e intuitivamente mais acessível”, como
diz Aristóteles (a propósito da superioridade da indução em relação à dedução,
Tópicos I, 12, 105 a16-17)51. Pois, ao omitir as premissas, a argumentação talvez dê
menos a conhecer as razões que fundamentam a conclusão, mas também dá mais
razões para se acreditar nela. Eis porque toda teoria que reconhece um lugar para a
certeza no estabelecimento da verdade recomendaria as deduções elípticas. Assim,
para Descartes, vale mais procurar omitir ao máximo os liames evidentes para poder
enlaçar uno intuitu uma cadeia mais longa e, assim, mais penetrar na verdade de sua
conclusão, sem apelar para as incertezas da memória dedutiva52. A incompletude, por
mais defeituosa que possa parecer em relação ao critério de formalização, parece
muito superior em qualquer situação na qual se valoriza a persuasão e a certeza.
Em suma, não é tanto da essência do entimema omitir uma premissa quanto é da
essência da dedução dialética ou científica exprimir tudo. Mas, é da essência do
entimema ser retórico e persuasivo, como é da essência da dedução científica
demonstrar, ou da dedução dialética refutar; e quanto mais conciso, mais eficazmente
se demonstra ou refuta, mais eficazmente se persuade. Neste sentido, a concisão
caracteriza muito bem o entimema, como Aristóteles recorda ao menos três vezes53 e
como o autor da Retórica para Alexandre o confirma54. Caracteriza-o nem pelo
acidente, nem essencialmente, o que é próprio, no sentido mesmo que Aristóteles da
ao termo “próprio” nos Tópicos (I, 5, 102 a 18-20): “é próprio o que, sem exprimir o
essencial da essência de seu sujeito, apenas a ele pertence e pode trocar-se com ele
em posição de um predicado do sujeito concreto”. Autores posteriores definiram,
então, o entimema por esta propriedade, não tinham então razão completa (uma vez
que o próprio é excluído da essência, logo da definição) nem verdadeiramente errado
(uma vez que, como a definição, o próprio é co-extensivo ao seu sujeito).
51 Sem dúvida as mesmas razões que tornam a indução mais clara do que a dedução
também tornam o entimema mais claro do que a dedução completa; a indução é mais
modesta em ratio essendi e mais prolixa em ratio credenti; inversamente as
inferioridades são as mesmas, sem dúvidas: a dedução é mais constrangedora e mais
eficaz contra os debatedores profissionais do que a indução (Tópicos I, 12, 105 a, 19-
20) e, agregamos, que o entimema retórico.
52 Ver Descartes, a regra III nas Regras para a direção do espírito.
53 Retórica I, 2, 1357a, 10-21; II, 22, 1395 b, 25-27; e III, 19, 1419 a, 18-19. (Ver
55 Esta tese é aqui mostrada a propósito apenas da dedução. Mas seria evidentemente
(mais) fácil mostrar que mesmo se dá para a vertente da argumentação. Se uma
indução deve ser completa para ser válida, logo “científica” (Primeiros Analíticos II,
23), a argumentação, por exemplo, utilizada na retórica (estudada por Aristóteles nos
Primeiros Analíticos II, 24 e Retórica II, 20) distingue-se justamente da indução
naquilo que não é completa (ver Primeiros Analíticos II, 24, 69 a, 15-19) e não é pois
formalizável.
56 Ver também Retórica I, 3, 1359 a, 7-8: “Os tekemeria, os verosímeis e os signos são
verosível que Platão e Aristóteles58 conservaram duas versões muito próximas. Depois
todos os autores do Tratado reservaram um lugar importante à teoria do eikos59. Dos
quais os discursos judiciários de Antifon contêm boas aplicações. Assim, na primeira
Tetralogia, o acusador passa em revista e absolve, ponto por ponto, todas as pessoas
que poderiam ser suspeitas, salvo o acusado; não é verosímel que os assassinos sejam
bandidos, pois teriam roubado os bens dos cadáveres etc.. O acusado retoma em
seguida os mesmos argumentos para apresentar outros aspectos: “que a vítima não
fora roubada nada prova: se os malfeitores não tiveram tempo para isto; se eles
fugiram graças aos gritos dos passantes, seria sabedoria de sua parte e não loucura,
preferir a saúde ao ganho” (II, 6) etc. Estas argumentações ilustram o que Aristóteles
denominou “verosível absoluto”, diverso do “verosímel relativo”60 que o mesmo texto
de Antifon nos dá um belo exemplo (II, 6): “aqueles que apenas odeiam a vítima
cuidam menos do que eu —e há muitos— não são, com mais verosimilhança do que
eu, seus assassinos? É evidente para eles, de fato, que a suspeita recairia sobre mim,
enquanto que eu bem sabia que seria incriminado em seu lugar”61.
Todos estes exemplos, assim como os dado por Aristóteles (II. 25, 1402 b 24sg),
mostram que a teoria do eikos é, de início e antes de tudo, desenvolvida nos quadros
da retórica judiciária. O eikos consiste em apoiar, para imputar um acto a qualquer
um ou para o desculpar, sobre o que teria feito, na mesma circunstância, aqueles aos
quais se endereça. É apenas uma definição mais geral que propõe a Retórica para
Alexandre62: “um eikos é um enunciado que se apoia nos exemples presentes no
58 Platão, Fedro 273 b-c; Aristóteles, Retórica II, 24, 1402 a, 13-24.
59 O Fedro, ecoando a retórica dos antigos Tratados, notadamente o de Teodoro de
Bizâncio, faz dos eikota a quarta parte do discurso judiciário (266 e). Sobre a prática
oratória e a teoria do eikos à época de Platão e o juízo que elas inspiraram ver o texto
muito significativa de Fedon 92 c e seg.; ver também Timeu 40 e, 2; Teeteto 162 e 163
a.
60 Sobre esta distinção e “o entimema aparente” ao qual dá lugar, ver Retórica II, 24 a,
grau” nas histórias policiais, que as Tetralogias de Antifon são, de certa maneira, o
ancestral: se X é tão verosimelmente culpado, ele é verosimelmente inocente, pois ele
sabia muito bem que as verosimilhanças seriam contra ele. Notemos que certos
romances policiais têm mesmo uma estrutura que se aparentaria com uma
“verosimilhança de terceiro grau”: S sabia que parecerá inocente quanto mais parecer
culpado, mas precisamente ele é o culpado (ver L’heure zéro de A. Christie).
62 A Retórica a Alexandre mantém os eikota como uma das cinco “provas lógicas”
espírito dos auditores” (VII, 1428 a 26-27). O autor explica que o orador deve sempre
perguntar-se se seus auditores podem ter consciência de eles mesmos terem provado
os sentimentos, desejos, emoções para os quais apela para explicar, justificar e
conjurar a conduta humana. É isto pois, em geral, o que define o quadro do eikos
antes de Aristóteles: o que cada um, dada a experiência que tem de sua própria
conduta, pode conjecturar sobre a conduta humana nas circunstâncias dadas.
Aristóteles não é exceção. A maior parte dos exemplo que toma para eikos são
extraídos //55/ da conduta. Entretanto, ele alargará o quadro do eikos, o que lhe
permite cobrir o conjunto do campo da argumentação retórica. Mesmo assim, no
entanto, o eikos conserva as duas características que lhe foi dado pela retórica antiga:
ser um enunciado que concerne a um domínio (como é a conduta humana) que não é
governado pela necessidade, ou nada absolutamente previsível, mas na qual se
observa, todavia, regularidades; ser um enunciado que se apoia na experiência para os
quais se endereça afim de que eles infiram espontaneamente, das circunstâncias
dadas, a ocorrência de um ser ou de um evento ignorado. O “verosímel” (eikos) é
assim definido (Primeiros Analíticos II, 27, 70 a 2): “uma premissa geralmente
admitida (εδπξος)” que exprime “o que se sabe (ιδασιν) chegar ou não chegar, ser ou
não ser, a maior parte do tempo (ως επι το πολν)”.
As diferenças entre o signo e o verosímel são definida em pouco mais longe:
enquanto que signo é uma proposição geralmente admitida ou necessária (70 a8-9) —
para reservar o caso do telmerion— o verosímel é sempre uma premissa geralmente
admitida (70 a4); enquanto o signo exprime uma ligação (necessária ou admitida)
entre duas coisas ou dois estado de coisas, o eikos exprime apenas “o que se sabe
chegar e não chegar, ser ou não ser, o mais frequentemente” (70 a 4-6). Os exemplos
(“o que inveja, detesta”; “quando se é objeto de desejo, se ama”) são extraídos da
conduta humana, mas a definição é mais ampla e apela à noção de “a maior parte do
tempo” que tem um papel central na física aristoteleciana. Sabe-se que, para
Aristóteles, a natureza no mundo sublunar não obedece a qualquer necessidade
absoluta, mas a uma simples regularidade, nem necessária nem constante, que é o
substituto, o que ele designa pela expressão “a maior parte do tempo”63. Compreende-
se, assim, como esta noção pode servir-lhe para generalizar a do eikos, que seus
predecessores em retórica acantonaram na conduta humana: sua física deu-lhe os
meios para pensar o contingente parcialmente previsível da conduta humana como
um caso particular dos eventos do nosso mundo.
O texto da Retórica (I, 2, 1357 a 34 seg.) apresenta alguma precisão ao eikos: “O
verosímel é o que chega a maior parte do tempo, não absolutamente como certos
63 Ver Física II, 5, 196 b, 6; Metafísica E, 30, 1025 a, 15; E, 3, 1026 b, 24; 1027 a, 27
etc.
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 24
definem, mas o que, entre as coisas que podem ser de outra maneira do que são, se
encontra ser, em relação às circunstâncias nas quais ele é verosímel na relação do
universal no singular”∗. Texto difícil que se pode compreender assim: o verosímel é
uma proposição que trata do domínio contingente da ação ou da conduta humana (ou
da física sublunar) e que exprime sob uma forma universal, como se fosse necessária e
constante, o que de fato nunca chega a ser nem necessariamente; a precisão “não
absolutamente”, permite compreender o que diferencia o simples enunciado de um
evento repetido ou de um estado de coisas considerado habitual (e. g. “o homem é um
lobo para o homem”; “todos os dias são quentes”), de uma proposição denominada
eikos suscetível de servir de premissa a um raciocínio (e. g. “os homens detestam
quando são invejosos”; “os homens amam quando são objeto de desejo
(φιλειϖ τονς ερωµενονς)”; “faz calor durante a canícula”64): o verosímel exprime um
estado de coisas ou um evento reconhecido como frequente não por ele mesmo, o que
nada quer dizer, mas pelas condições ou nas circunstâncias dadas. //56/
Mas, o ponto essencial é que o eikos exprime não esta regularidade mesma, mas o
que se estima ser uma aos olhos para os quais se endereça65. É o que explica o uso do
eikos na Poética, na qual o eikos também se opõe ao necessário66 e designa a idéia que
o autor da tragédia deve ter sobre o que o espectador tem para chegar geralmente em
tal ou qual circunstância. Vê-se muito bem, também na Poética, como o eikos
concerne, como na Retórica, a dois tipos de regularidades contingentes, aquela das
condutas humanas e aquela dos eventos deste mundo onde vivem os homens: nestas
∗
Na tradução brasileira devida a Antônio Pinto de Carvalho, lemos: “Pois que o verosímil
é o que acontece as mais das vezes, mas não absolutamente, consoante a definição de
alguns; mas é também o que, entre as coisas contingentes se acha, a respeito daquilo em
relação ao qual é verosímel, na mesma relação que o universal para o particular” (Arte
Retórica e Arte Poética. S. Paulo: Ediouro, s. d., 14ª edição. N. T.).
64 Este último exemplo é tomado da Metafísica E, 2, 1026 b, 32-34. Os dois outros são
do texto dos Primeiros Analíticos já citados (II, 27, 70 a, 6); mas a Retórica faz um
uso constante de semelhantes regularidades psicológicas: tem-se exemplos em todas a
linhas, ou quase, deste pequeno “Tratado das paixões”) que constitui a Retórica II, 1-
11. A Ética a Nicômaco frequentemente proporciona observações semelhantes da
expressão “a maior parte do tempo”, e. g. III, 1, 1110 a, 32; 1161 a, 27; IX, 2, 1164 b, 31
etc.
65 Ver o texto já citado dos Primeiros Analíticos II, 27, 70 a, 2-3: “o que se sabe chega,
etc.” Ver também este outro texto da Retórica II, 25, 1402 b, 14-16, que define os
entimemas conduzidos a partir dos verossímeis “como sendo os que procedem a
partir do que chega em realidade ou parece chegar a maior parte do tempo”
(εχ επι το πολν η οντον η δοχονντων).
66 Sobre esta oposição na Poética, ver 7, 1425 a, 12; 9, 1451 a, 28; 9, 1451 a, 38, b,9, 35,
10, 1452 a, 20, 24, 15, 1454 a, 34, 36. Levantamento estabelecido com o auxílio do
“Index des notions” de R. Dupont-Roc e J. Lallot (1980).
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 25
duas técnicas discursivas, que são a retórica e a poética, o autor (da tragédia ou do
drama) deve agenciar discursivamente as condutas humanas no curso do mundo, de
sorte que elas apareçam conforme a experiência que tem o destinatário (a multidão
reunida de espectadores ou a de “juizes”), em um caso para que seja transtornado
(como se os eventos tivessem sido verdadeiramente como apresentados), no outro
caso para que seja persuadido (que eles são verdadeiramente tal como apresentados).
Mas, esta distinção, essencial para a teoria do eikos na Retórica, entre a
regularidade empírica “em si” e “para o auditor”, talvez permita também resolver uma
questio vexata: o eikos designa uma “probabilidade objetiva” ou “subjetiva”, uma
modalidade de re ou de dicto? Na realidade, três níveis são sem dúvida destinguidos,
que correspondem ao mesmo tempo aos três sentidos da modalidade “não
necessária”: o do evento que se produz “na maior parte do tempo”, o do eikos, o da
premissa “endoxal” (geralmente admitido). No primeiro nível, a expressão “a maior
parte do tempo” remete incontestavelmente a uma regularidade empírica (de re).
Mas, o eikos mesmo não é o simples enunciado de uma tal regularidade, caso
contrário não seria uma premissa retórica, mas um enunciado físico. O que constitui o
eikos como tal, é o enunciado de tal regularidade sob uma forma universal e do ponto
de vista do conhecimento das circunstâncias aos quais se endereça. Não é, por
exemplo, a asserção (verdadeira) “[a maior parte do tempo], faz calor durante a
canícula”, mas o enunciando “então sendo canícula [circunstância dada], você sabe
como faz calor nesta época [sendo dada a experiência de canícula que você tem]”. O
eikos, é o enunciado daquilo que o auditório pode razoavelmente chegar considerando
uma parte de seu conhecimento das circunstâncias do evento, e, de outro lado, sua
experiência sobre os homens e o mundo. Donde o fato de que a premissa de uma
dedução enuncia um eikos é necessariamente “endoxal” (e este é o terceiro nível): ela
não é científica, apenas expressa a opinião do maior número. Em suma, reportando à
suas circunstâncias o evento se produz “a maior parte do tempo” (não sempre, nem
necessariamente); reportando ao conhecimento que os auditores têm, o enunciado do
evento, ainda que sob uma forma universal, aparece-lhe como estando frente ao que
razoavelmente se produz (é “verosímel” e não necessário); reportando ao uso que faz
o orador, o enunciado não é necessariamente verdadeiro, é apenas geralmente
admitido pelos que ele se endereça. Mas, é porque também é refutável por outro
orador, aquele que tem o discurso contraditório frente ao mesmo auditório, poderá
sempre encontrar contra-exemplos67.
Tudo isto não impede de ser válido o entimema fundado sobre o eikos. O que não é
//57/necessário, é o eikos mesmo e, em consequência, a conclusão que se tira
(necessitas consequentis), mas não a ligação entre aqueles que permanece necessário
(necessitas consequentiae). O mesmo se dá com entimema fundado em um signo.
68 Sobre a maneira de refutar um entimema fundado em um eikos, ver Retórica II, 25,
1402 b, 24-1403 a, 1. Notemos também que o orador pode se servir do fato de que há a
verossimilhança contra ele. Ver o topos II da Retórica II, 23, 1400 a, 6 – 15:
“inverossímel mas verdadeiro, eu não teria acreditado caso eu não tivesse visto com
meus próprios olhos” etc..
69 Ver Platão, Fedro 266 e.
70 Lembremos que, como mostrou J. Brunschwig (1967, nota 3 p. 113), uma
na menor (“esta mulher tem leite”). O signo não necessário, adicionado da premissa
subentendida, dá nascimento a dois pseudos silogismos, respectivamente da terceira
figura (o termo médio é duas vezes sujeito: “Pitacus é sábio”, “Pitacus é justo”, logo
“os sábios são justos”) e da segunda figura (o termo médio é duas vezes predicado; o
exemplo aqui é: “toda mulher que deu a luz é pálida”, “esta mulher está pálida”),
segundo a ligação entre os termos do signo //58/ correspondente vá do singular ao
universal (“um signo que os sábios são justos, é que Pitacus é justo”) ou do universal
ao singular (“um signo de que ela deu à luz, é que está pálida”).
A comparação atenta destes dois textos nos dá uma das chaves da teoria do
entimema. Pois, se Aristóteles nos diz que os três signos dão origem à três
argumentações, que uma só, a que repousa no tekmerion, é um silogismo stricto
sensu, nos diz no entanto que as três argumentações são verdadeiros entimemas.
Compreende-se porque. De fato, seja a seguinte argumentação: “Toda mulher que deu
à luz é pálida; ora, ela está pálida; logo deu à luz”.
Há aí duas maneira de considerar. A primeira análise, “análise lógica”. Trata-se
evidentemente de uma argumentação não válida, um pseudo silogismo da segunda
figura: para que a conclusão seja cientificamente estabelecida, é necessário que ela
repouse seja na maior (evidentemente falsa) segundo a qual “toda pessoa pálida deu à
luz”; seja em uma outra menor (“esta mulher deu à luz”), mas então a relação entre a
menor e a conclusão (“ela está pálida porque deu à luz”) não seria mais aquela do
signo do que ela indica! Com esta menor transformada, tem-se muito mais um
verdadeiro silogismo (“toda mulher que de à luz é pálida, ora esta mulher deu à luz,
então é pálida”), cujo termo médio indicará não um signo, mas, como em toda
“dedução científica”, o porquê, a causa: dar à luz causa a palidez.
Segunda análise, “análise retórica”. Trata-se evidentemente de um verdadeiro
entimema —em oposição ao que Aristóteles denomina um entimema “aparente”71 —
que é perfeitamente legítimo utilizar: “O signo que ela deu à luz, é que está pálida”,
diz o orador que tenta persuadir seu auditório de que a mulher aqui presente acaba de
dar à luz e que, por isto, se serve de todos os signos à sua disposição. Sem dúvida, isto
não prova rigorosamente que ela deu à luz, mas é, no entanto, um argumento
aceitável, ainda que refutável. Aliás, é o que o orador oponente se esforçará por
mostrar dizendo, por exemplo, que esta mesma mulher não tem filho; esforçar-se-á de
o fazer pela argumentação de mesmo tipo72: “não creia em meu adversário quando ele
71 A teoria dos tekemeria deve ter sido feita pelos primeiros autores dos Tratados
retóricos, que lhe atribuíram a terceira parte do discurso judiciário, como testemunha
uma passagem de Platão, Fedro 266 e.
72. “Uma vez que uma argumentação pode ser uma verdadeira dedução ou não o ser,
diz que o signo de que esta mulher está no puerpério, é que está pálida; de fato, se ela
está pálida, é simplesmente porque a acusação que fazem a ela magoa-a
profundamente etc.”. É o mesmo entimema que o precedente, fundado em um signo
não necessário do universal ao singular: [maior subentendida: todo mundo sabe
muito bem que “ser profundamente magoado empalidece”73]; menor: “esta mulher
está pálida”; conclusão: “esta mulher está profundamente magoada”. O que conta,
neste tipo de entimema, é que a relação entre os termos permite estabelecer a
conclusão, não uma relação de causalidade entre as coisas às quais estes termos
remetem, mas uma relação de indicação: a palidez é o signo (não necessário) da
emoção, mesmo que a emoção seja a causa (necessária) da palidez.
Estas duas análises permitem separar com nitidez uma oposição entre dois modos
da argumentação legítima: uma, é utilizada por aquele que sabe para explicar a
estrutura do real segundo a ordem de suas razões ao que ignora (argumentação
epistêmica); a outra, é utilizada por aquele que pesquisa, nas estruturas do real, as
manifestações presentes indiscutíveis //59/ que permitem concluir a existência de uma
coisa (ou de um estado de coisas) contestada (argumentação retórica). O caráter
heurístico desta última argumentação explica porque ela e não outra é utilizada de
fato nos tratados científicos de Aristóteles, os quais se sabe que ele não as apresentam
segundo a ordem “sintética” preconizado pelos Analíticos. Consideremos, por
exemplo, o início da Metafísica: “Todos os homens desejam, por natureza, o saber.
Um signo (σηµειον) é seu prazer nas sensações…” Entimema perfeitamente rigoroso:
o prazer que os homens provam em certos modos de saber como a sensação é o signo
de sua tendência natural ao saber em geral74. Considerada “formalmente”, esta
argumentação seria evidentemente um sofisma: “Toda sensação é um saber; ora,
todos os homens tem uma tendência natural para sentir; então, todos os homens têm
uma tendência natural ao saber”.
O que distingue, pois, o entimema fundado em um signo da dedução científica ou
dialética, é uma relação de indicação expressa em uma premissa, e esta relação se faz
não ser, mas simplesmente parecer; isto é necessário, já que o entimema é um tipo de
dedução” (Retórica II, 24, 1400 b, 37-40)
73 Sobre a maneira de refutar (λνσις) um entimema fundado no signo, ver Retórica II,
25, 1403 a, 2-4. Aristóteles nota que os entimemas fundados nos signos se refutam
mesmo se são reais (νπαρχοντα); e ele remete à sua demonstração dos Primeiros
Analíticos que prova que não se integram à teoria silogística. Em outras palavras, um
verdadeiro signo, sobre o qual se fundamenta um verdadeiro entimema, é refutável
utilizando a falha do pseudosilogismo ao qual ele se aparenta.
74 Aristóteles anota como exemplos típicos de signos as relações entre estados do
corpo e da alma: “É possível julgar a partir das aparências corporais, caso se admita
que as afecções naturais provocam uma mudança simultânea no corpo e na alma”
(Primeiros Analíticos II, 27, 10 b, 6-8).
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 29
23 e 25 da Retórica: não há regra de inferência que possa ser tirada da distinção entre
verdadeiros entimemas (II, 23) e aparentes (II, 24).
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 30
que, por outro lado, fornecem ao aluno a explicação, uma dedução retórica é
verdadeiramente persuasiva se ela fornece ao auditório os motivos razoáveis para
aderir à conclusão. O que não impede de o entimema, o verdadeiro entimema, ser
forçosamente sempre refutável 79. (salvo, é claro, no caso //60/ particular no qual o
signo é um tekmerion) porque é da essência do raciocínio retórico ser discutível80.
De fato, permanece claramente um caso, justamente o do tekmerion, no qual o uso
do signo no raciocínio dá lugar a um entimema correspondente a um silogismo, o da
primeira figura: “o signo que ela pariu, é que ela tem leite”. Isto não significa de
maneira alguma que o entimema seja um silogismo da primeira figura. Aristóteles
escreve somente: “o signo pode ser considerado de três maneiras, exatamente como o
termo médio nas figuras [do silogismo], seja como na primeira, seja como na segunda,
seja como na terceira” (70 a, 11-13). Consideremos pois uma “dedução” (=um
entimema) fundado sobre o signo necessário e o “silogismo” (demonstrativo) da
primeira figura que lhe corresponderia:
Por ser dotado de sua maior expressada, o signo forma um entimema completo;
mas, por mais completo que seja, por mais bem formado e válido que seja, continua
sendo retórico e não científico, pois o termo médio nada explica, como deveria fazer
se a dedução fosse “demonstrativa”. Limita-se a dar um argumento irrefutável (um
tekemerion) que permite concluir (necessariamente) a existência de um estado de
coisas não perceptível (o parto) nas circunstâncias nas quais tem lugar o discurso.
Para obter um “silogismo científico”, deve-se fazer aparecer um termo médio que dê
ao aluno a razão explicativa de um fenômeno e não apenas a razão para acreditar
em sua existência: o leite é causado pelo dar à luz e é aliás o que explica que seja o
signo (infalível) deste. Vê-se pois que, quando o signo é um tekmerion, ele é signo de
uma coisa que por seu turno é o mais frequentemente a causa de sua existência. Eis
porque Aristóteles pode escrever a propósito do tekemerion: “a palavra tekmerion é
dada ao que nos faz saber (ειδεναι) e isto é precisamente o caso do termo médio”
(Primeiros Analíticos, II, 27, 70 b, 2).
O signo e o tekmerion têm em comum expressar um mesmo tipo de relação de
indicação (inversa da relação causal). Mas, estes dois tipos de signos (no sentido
extenso) distinguem-se das premissas do entimema: “o signo é uma premissa
demonstrativa, seja necessária seja geralmente admitida” (Primeiros Analíticos, II,
27, 70 b, 7-8). Se a premissa é um signo comum, ela é “endoxal”, do mesmo modo que
um eikos ou uma premissa dialética. Se a premissa é um tekmerion, ela é necessária,
no mesmo sentido de uma premissa científica (o orador que tem sucesso em construir
um argumento sobre uma tal premissa irrefutável marca um ponto seguro sobre seu
adversário 81). Mas as modalidades dos entimemas são diferentes: apenas o entimema
fundado no signo (stricto sensu) não é necessário (necessitas consequentiae),
enquanto que aquele fundado em um eikos é também necessário quando o fundado
em um tekmerion ou em uma dedução (dialética ou científica). //61/
Logo, vê-se o desembaraçar destas análises dos maus critérios para se distinguir os
entimemas entre os argumentos dedutivos e um bom. Os maus critérios recaem sobre
a modalidade, quer seja a das premissas ou da dedução mesmo: certos entimemas
corretos estão fundamentados em premissas necessárias (tekmeria), outros em
premissas “endoxais” (os outros); alguns entimemas corretos são deduções não
necessárias (formalmente válidas, os fundados nos signos), outras são necessárias
(formalmente válidas). O bom critério concernentes às premissas é que elas sempre
adotam o ponto de vista do auditor: o que conta, para o orador, é construir
argumentações cujos pontos de partida correspondem ao ponto de vista do auditor
na questão disputada. Em todos os casos, trata-se, de fato, de fazer com que o
auditório admita a existência de um estado de coisas ausente (futuro e pois incerto em
uma arenga; presente mais discutível em um discurso epidítico; passado, mas oculto
em um discurso de defesa). Em todos os casos é preciso apoiar-se no que a situação
presente para o auditório, e, em outro, sobre uma premissa que possa estabelecer um
liame existente, aos olhos do auditório, entre esta situação e o estado de coisas (ou o
evento) disputado. Se o orador apoia-se na experiência da situação presente que ele
imputa ao seu auditório, da qual o estado das coisas (ou o evento) disputado aparece a
maior parte do tempo como uma de suas consequências, ele deduz o que está em
questão a partir de um eikos; se, ao inverso, apoia-se na situação presente para
construir a ligação existente, para seu auditório82, com o estado de coisas (ou evento)
81 Sobre a irrefutabilidade dos entimemas fundados nos tekemeria, ver Retórica II,
25, 1403a, 9-14, em particular: “Se é evidente que o fato é real e que é um tekemeria,
então a tese adversa torna-se irrefutável”
82 Observemos, de fato, que, para Aristóteles, como o eikos, o signo enuncia menos
uma ligação natural considerada nela mesma do que uma ligação admitida por
Três técnicas de verdade na Grécia clássica: Aristóteles e a argumentação, Francis Wolff — 32
em disputa a partir de como se fosse seu princípio, ele deduz o que está em questão a
partir de um signo. Da mesma maneira, pois, que Aristóteles reagrupou todas as
“provas pelo logos” (as argumentações) em dois grandes gêneros (indutivo e
dedutivo), ele reagrupou todas as argumentações dedutivas utilizadas na retórica em
dois grandes gêneros: em todos os casos em que se busca persuadir dedutivamente
seu auditório quanto a uma tese, é preciso apoiar-se em alguma coisa particular que é
dada ao auditório pela situação presente e alguma coisa geral que faça parte do
alicerce das evidências partilhadas (verosimilhança ou signos). E, então, seja a
proposição geral que servirá para remontar da situação presente àquela que se trata
de estabelecer, contrariamente à ordem natural (caso do signo), seja a que servirá a
descer da situação presente àquele que se trata de estabelecer, conforme a ordem
natural (caso do eikos).
A dedução retórica (entimema) não é exceção. Ela obedece essencialmente às
mesmas exigências formais da dedução dialética e científica. Como estas, apoia-se em
verdades supostas admitidas pelo interlocutor para fazê-lo admitir uma outra
verdade; como elas, visam aumentar o saber (ou as crenças) do outro partindo ao
mesmo tempo do estado atual de seu saber (ou de suas crenças) e do saber (ou da
crença) que não podem deixar de ser as suas em uma dada situação interlocução.
Encontra-se somente que o quadro da argumentação e as situações de interlocução
fazem variar o tipo de saber (ou de crença) requerido (ou suposto) naquele ao qual se
endereça. A dedução demonstrativa apoia-se no saber possuído pelo aluno e ele se
reduz ao que já está //62/ demonstrado em um dado momento da transmissão dos
conhecimentos e ao que, desde o princípio, ele não pode ignorar. A dedução dialética
apoia-se nas opiniões admitidas pelo adversário e elas reduzem-se ao que já se admite
em um dado momento da disputa e ao corpus de convicções às quais os homens em
geral dão seu assentimento. A dedução retórica apoia-se nas opiniões que o orador
estima estar “do espírito” (εν ϕνµϖ) da multidão à qual se endereça e que se reduzem
ao estado de sua informação em um dado momento e ao corpus de convicções aos
quais os homens desta comunidade em geral dão seu assentimento.
A argumentação talvez seja co-extensiva à existência da linguagem, mas a
codificação da reflexão sobre a argumentação remonta ao aparecimento das técnicas
de verdade no pensamento grego clássico. De uma reflexão sobre os primeiros passos,
talvez seja possível extrair duas lições gerais sobre a argumentação.
Toda argumentação suporia o copertencimento de dois interlocutores a uma
comunidade (real ou ideal) funcionando com base em princípios universalizáveis que
aqueles aos quais se endereça, ver Primeiros Analíticos II, 27, 70 a, 22-23: “os
homens pensam que foi mostrado que esta mulher pariu”.
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Referências bibliográficas
N. B. Salvo para os primeiros livros dos Tópicos, que citamos na tradução de J.
Brunschwig (1967), traduzimos todas as citações de Aristóteles.
83É esta comunidade universal ideal suporta pela argumentação que K. O. Apel e J.
Haebrmas evocam para fundar a ética.
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