Professional Documents
Culture Documents
Os estilos de Nietzsche
-^
Jacques Derrida E D I T O R A
ESPORAS
Os estilos de Nietzsche
Jacques Derrida
Tradução
Rafael Haddock-Lobo e Carla Rodrigues
ESPORAS
Os estilos de Nietzsche
Jacques Derrida
Tradução
Rafael Haddock-Lobo e Carla Rodrigues
E D I T O R A
Rio de Janeiro
Título original
"Éperons, les styles de Nietzsche"
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
D48e
13-0055. C D D : 193
C D U : 1(43)
04.01.13 08.01.13 041922
21 A questão do estilo
23 Distâncias
31 Véus
37 Verdades
43 Enfeites
47 A simulação
51 "História de um erro"
59 Femina vita
69 Posições
75 O olhar de Edipo
79 O golpe de dom
87 Abismos da verdade
GC — A Gaia Ciência.
(7 de novembro de 1872)
A questão do estilo
5
Este título remete à primeira versão, como à primeira oca-
sião deste texto: o colóquio no qual Nietzsche foi o tema, em
Cerisy-la-Salle, em julho de 1972. A segunda versão, esta que
apresentamos aqui, foi inicialmente publicada nas edições
Corbo e Fiore (Veneza, 1976, com prefácio de Stefano Agosti
e ilustrações de François Loubrieu), em uma publicação qua-
drilíngue (francês, italiano, inglês e alemão). NA.
4
Referência ao nome de um dos capítulos do livro Versions du
Soleil, de Bernard Pautrat. NT.
22
5
Seus "autores" (Sarah Kofman, Philippe Lacoue-Labarthe,
Bernard Pautrat, Jean-Michel Rey) assistiam a esta seçáo. NA.
Distâncias
6
Derrida recorre a uma característica ambígua da palavra
voile: no masculino, le voile é o véu, essa peça do vestuário
feminino que aparece nas metáforas de Nietzsche como aquilo
que oculta. No feminino, Ia voile é a vela de um veleiro, pala-
vra que Derrida associa à força que move a embarcação mar
adentro. Essa ambivalência intraduzível da palavra voile serve
aos propósitos de Derrida: questionar as diferenças sexuais
como mera dualidade, oposição binaria e metafísica. NT.
24
" GC 60.
12
GC 59. A partir deste ponto, na tradução para o português
das obras citadas por Derrida, optou-se pelas edições brasilei-
29
14
GC 60.
Véus
'•• GC 339.
34
16
GC 69.
35
17
O autor refere-se ao suicídio de Lucrécia, dama romana semi-
lendária cuja tragédia encontra-se na origem da fundação da
República Romana (509 a.C). Lucas Cranach, tanto o velho
(1472-1553) quanto o jovem (1515-1586) - entre outros pin-
tores -, dedicaram-lhe inúmeras telas. Conta-se que Lucrécia era
uma bela jovem, esposa de um nobre romano, quando foi violada
por Sexto, filho de Tarquínio, o Soberbo, último rei de Roma.
Após relatar o fato ao marido e ao pai e pedir vingança, a jovem se
mata com uma adaga (508 a.C). NT.
18
Além do bem e do mal: prelúdio a umafilosofiado futuro, tradu-
ção de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras,
1992. "Prólogo", pág. 07. NT.
Verdades
19
ABM, prólogo.
20
A palavra grue, em sentido popular, pode também apresen-
tar o sentido de "prostituta". NT.
38
22
A palavra francesa capitonner foi abrasileirada como capi-
tonê e diz respeito a um tipo de estofamento dividido em
losangos ou quadrados marcados por botões ou pespontos
(Aulete). Os dicionários não prevêem, no entanto, o uso de
"descapitonê", possibilidade de tradução literal do termo
dècapitonner usado por Derrida. "Descapitonê" teria o sen-
tido de desacolchoar, soltar os pontos de ligação. A opção
de deixá-lo no original foi motivada também pelo grande
número de referências que o termo capitonner carrega. A ima-
gem do ponto de capitonê (point de capiton) foi usada por
Ferdinand de Saussure no Curso de Lingüística Geral como
metáfora para a ligação entre significante e significado. Em
Lacan, a figura do ponto de capitonê (point de capiton, eventu-
almente traduzido como ponto de basta) foi usada no seminário
III para se referir ao número mínimo de pontos de ligação
entre o significante e significado necessários para que um ser
humano seja tido como normal. O que formaria o psicótico
seria a incapacidade de costura desses pontos. (LACAN, J. As
psicoses. Tradução de Aluísio Menezes. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editora, 1988). NT.
41
25
Cf. Glas (Galilée, 1974), pp. 234 sq, pág. 252 sq. NA. [No
texto sobre fetichismo, Freud argumenta que o fetiche pelas
roupas íntimas femininas representaria o último momento
em que a mulher ainda pode ser vislumbrada como fálica.
Sem as roupas íntimas, a castração da mulher se desnuda ].
Enfeites
existe amor paterno entre eles, mas algo como amor aos filhos
de uma amada e habituaçáo a eles. As fêmeas têm, nos filhos,
satisfação do seu desejo de domínio, uma propriedade, uma
ocupação, algo que lhe é compreensível e com que se pode
falar: tudo isso é amor materno - comparável ao amor do
artista pela sua obra. A gravidez tornou as mulheres mais bran-
das, mais pacientes, mais temerosas e dispostas à submissão; de
igual modo, a gravidez espiritual produz o caráter contempla-
tivo, que é aparentado ao caráter feminino: são as mães mascu-
linas. - Para os animais, o sexo belo é o masculino." (GC 72).
A imagem da mãe determina, então, os traços da mulher. Eles
destinam-se, predestinam-se desde seu âmago. H D H 380:
"Vindo da mãe (Von der Mutter hei). — Todo indivíduo traz
em si uma imagem de mulher que provém da mãe: é isso que
o leva a respeitar as mulheres, a menosprezá-las ou a ser indi-
ferentes a elas em geral" (Humano, demasiado humano: um
livro para espíritos livres, tradução de Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000). NA.
31
ABM 232.
A simulação
32
Referência ao texto de Freud "O chiste e sua relação com o
inconsciente". A lógica do caldeirão serve como exemplo de
sentenças que são válidas por si, mas que, reunidas, excluem-
se mutuamente. NT.
48
"GC361.
49
36
Há aqui um jogo intraduzível com a conjugação do verbo
être (ser/estar), que na primeira pessoa do singular é je suis,
idêntico à conjugação do verbo suivre (seguir). Assim, pode-se
entender a frase também como "eu, Platão, sigo a verdade".
63
38
No original, Nietzsche opta pela palavra latina Kastratismus.
Na tradução para português, seguimos a opção de Paulo
César Sousa, castracionismo. Trata-se, aqui, de uma referên-
cia nietzschiana aos castrato, jovens castrados antes de entrar
na puberdade para preservarem a voz aguda. Os castrados sur-
gem em 1589, quanto o papa Sisto V (1585/1590) aprovou o
recrutamento dos castrato para o coro da Igreja de São Pedro,
em Roma. Os castrato foram usados pela Igreja Católica
durante mais de 300 anos e ocuparam uma posição domi-
nante na ópera dos séculos XVII e XVIII. NT.
65
40
A palavra interprelado é uma proposta de tradução de
interprêtise, neologismo criado por Derrida para adicionar o
prefixo inter, já usado na palavra interpretação (interprete), à
palavra prelado (prêtise). NT.
73
41
ABM231.
76
42
ABM 232. Ver também 230 a 239. O que não contra-
diz, mas, ao contrário, confirma tal enunciado: "A mulher
perfeita. - A mulher perfeita (das vollkommene Weib) ê um
tipo de ser humano mais elevado que o homem perfeito;
também algo muito mais raro. — A ciência que estuda os ani-
mais oferece um meio de se tornar provável esta afirmação"
(HDH 377). NA.
77
4f
EH 5.
O golpe de dom
45
"As coisas que chamamos de amor. — Cobiça e amor: que sen-
timentos diversos evocam essas duas palavras em nós! - e pode-
ria, no entanto, set o mesmo impulso que recebe dois nomes;
uma vez difamado do ponto de vista dos que já possuem, nos
quais ele alcançou alguma calma e que temem pot sua 'posse';
a outra vez dos pontos de vista dos insatisfeitos, sedentos, e por
isso glorificado como 'bom'. Nosso amor ao próximo - não é
ele uma ânsia por nova propriedade?. E igualmente nosso amor
ao saber, à verdade e toda ânsia por novidades?" (GC 14). E
depois de ter reconhecido a motivação para possuir (hesitzen)
e para se apropriar sob todos os fenômenos de desinteresse ou
de renúncia, Nietzsche define a hipérbole mas também isto que
orienta seu primeiro movimento: "Mas é o amor sexual que se
revela mais claramente como ânsia de propriedade: o amante
quer a posse incondicional e única da pessoa desejada..." (GC
14). A amizade, que Nietzsche opõe neste aforismo ao amor,
não "transcende" a pulsão apropriante, ela põe em comum os
desejos, as cobiças, as ganâncias, e os orienta para um "bem"
compartilhado, o ideal.
Outra citação para demonstrar a organização sistemática
destes movimentos de propriação: "Como cada sexo tem seu
preconceito em relação ao amor. - Por mais concessões que eu
me ache disposto a fazer ao preconceito monogâmico, nunca
admitirei que se fale de direitos iguais do homem e da mulher
no amor (...). O que a mulher entende por amor é claro:
total dedicação (não apenas entrega) de corpo e alma (...). O
81
46
Quanto à leitura pré-textual de Nietzsche por Heidegger e
ao deslocamento que a problemática da escritura pode provo-
car nela, eu retomo aqui o mote de uma questão aberta em
Gramatologia (I.I., "O ser escrito", pp. 22-24). NA.
85
47
Derrida mantém o original em alemão. A tradução bra-
sileira para o trecho é: "o ser mesmo acontece apropriati-
vamente de maneira inicial". HEIDEGGER, M. Nietzsche.
Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2008. v. II. pg. 371. NT
48
Nietzsche, trad. P. Klossowski, t. 2, p. 391-2, nota 2 do
tradutor. NA.
49
"...e, assim, se deixa acontecer mais uma vez apropriativa-
mente no próprio iniciar da pura ausência de carências; uma
88
52
Ver a Nota justificativa (princípio dos editores), tradução
francesa, p. 294.
P.S. Teriam os editores, de longe, soldado nosso aforismo a
este outro (HDH 430), cuja leitura devo à Sarah Kofman, e
que se conclui assim: "Não é raro que uma mulher tenha a
ambição de se oferecer para tal sacrifício [proteger o grande
homem e se tornarem como que o recipiente do desfavor
geral e do ocasional mau humor das demais pessoas], e então
o homem ficará satisfeito - caso seja egoísta o bastante para
tolerar em seu convívio esse voluntário para-raios, guarda
chuva e abrigo contra tempestades (um sich einen solchen
freiwilligen Blitz-, Sturm- und Regenableiter in seiner Nãhe
gefallen zu lassen)."? É pouco provável, por toda espécie de
razões, ainda que Nietzsche tenha por vezes sentido falta da
presença de uma tal mulher a seu lado. Post-scriptum de
uma carta à sua irmã (21 de maio 1887): "Tens o ar, tu tam-
bém, de te transformares em 'vítima voluntária' e de tomares
todos os aborrecimentos sobre teus ombros. E o senhor meu
cunhado, ele aceita que tu assumas este papel de para-raios?
(Ver Humano, demasiado humano — A este propósito, por que
Madame Wagner levou tão a mal justamente este aforismo?
Por causa do Wagner ou dela mesma? Isto sempre permane-
ceu um enigma para mim.)" (29-3-1973). NA.
96
53
A assinatura e o texto caem, um para fora do outro, segre-
gam-se, separam-se e excretam-se, formam-se do próprio corte
que os decapita, os ergue em tronco sem cabeça, a partir do ins-
tante de sua iterabilidade. Ora, esta começa pela expropriaçáo,
e marca tudo isto que erige com uma estrutura de cagalhão.
"Cagalhão (é-tron), s.m. Termo grosseiro. Material fecal con-
sistente e moldado. • Etron de Suisse, pequeno cone que as
crianças fazem com pólvora de canháo moldada e amassada,
que acendem pela ponta. • Hist., Séc. XIII, 'Estrons sans
orduré Jubinal, Fatrasies, t. 11, 222. • Séc. XIV 'Adonques, dit
le veneur, tous les estrons que nos chiensfont vous feussent en Ia
97
%
Gargalhada, literalmente, é rajada de riso (éclatde rire). NT.
103
Um passo ainda.
Suponham que a totalidade, de alguma
maneira, disto que eu, se se pode dizer, acabo de
dizer, seja um enxerto errático, talvez paródico,
do tipo, eventualmente, de um "eu esqueci meu
guarda-chuva".
58
O termo échéance admite tradução por herança, significado
da palavra francesa no século 13, apesar de atualmente ser
mais utilizado como prazo ou termo. NT.
107