You are on page 1of 10

DOI: 10.21604/2177-8841/moringa.

v6n2p121-130 | E-ISSN 2177 - 8841

O “NOVO MÉTODO” DE STANISLAVSKI SEGUNDO


SEU ÚLTIMO TEXTO: “ABORDAGEM À CRIAÇÃO
DO PAPEL, DESCOBERTA DE SI MESMO NO PAPEL
E O PAPEL EM SI MESMO”

The "new method" of Stanislavsky according to his last text


"Approach to building a character, finding oneself in a
character and a character in oneself"

Elena Vássina
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo - USP

Resumo: O artigo tem como objetivo analisar o “novo método” elaborado por
Stanislavski no final da vida e ainda pouco e por vias indiretas conhecido no
Brasil. A análise do seu último texto, publicado recentemente em russo e inédito
em outras línguas, ajuda a entender novas abordagens ao processo de ensaios
baseado na técnica études: improvisações sem conhecimento prévio do texto
dramático pelos atores que criam as ações físicas.
Palavras-chave: Stanislavski; “Novo método” dos ensaios; Ações físicas.

Abstract: Article aims to analyse the "new method " developed by Stanislavsky at
the end of his life and still little and indirectly known in Brazil. The analysis of his
last text recently published in Russian and unpublished in other languages helps
to understand new approaches to the process of rehearsals based on technic of
études: improvisations without prior knowledge of the dramatic text by the actors
who build physical actions.
Keywords: Stanislavsky; “New method” of rehearsals; Physical actions.

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

121
Elena Vássina

O percurso das buscas dizer, “existir” orgânica e


artísticas de Stanislavski ao longo de naturalmente na cena em condições
toda a sua vida apresenta-se como que são criadas artificialmente.
um processo dialético de Stanislavski sempre sonhou
desenvolvimento, onde cada novo em fazer uma minuciosa descrição
período parece negar e contradizer o do seu Sistema. Em 1930, enviou
anterior para, na etapa seguinte, uma longa carta à sua editora e
chegar à síntese que absorve as amiga Liubov Gurevitch dizendo que
contradições precedentes. E assim pretendia escrever oito volumes, mas
até o ultimo momento de sua vida: como se sabe, apenas conseguiu
Stanislavski sempre estava pronto a terminar um livro dedicado ao
abrir mão de sua experiência anterior Sistema, intitulado “O trabalho do
para se lançar no oceano do ator sobre si mesmo. Parte 1: O
desconhecido, em busca de novas trabalho sobre si mesmo no processo
abordagens à arte do ator. Ele nunca criador da vivência: Diário de um
parou, nunca ficou sossegado discípulo” (STANISLAVSKI, 1989),
achando que já conhecia a Verdade. que saiu pouco depois de sua morte.
Três dias antes de sua morte, em Todos os outros escritos foram
agosto de 1938, Stanislavski chamou organizados e publicados pelos
seu colega do Estúdio de Ópera e de editores, seguindo os planos e ideias
Arte Dramático, Veniamin esboçados por Stanislavski. Muitos
Radomíslenski, até sua cama e textos de Stanislavski ficaram
disse: “Parece-me que eu começo a inacabados e ele deixou vários
entender algo da arte teatral”. manuscritos onde anotou suas ideias
A evolução do seu Sistema e e observações. Por isso, para os que
as abordagens à arte do ator se querem entender o Sistema, é tão
desenvolviam e mudavam importante não se limitar apenas aos
constantemente. Já bem no final de três volumes antológicos, mas
sua vida, muito doente e sem forças também ao primeiro, já mencionado
para segurar uma caneta, acima, e a mais dois outros: “O
Stanislavski estava ditando à sua trabalho do ator sobre si mesmo.
enfermeira Liubov Dukhóvskaia a Parte 2: O trabalho sobre si mesmo
continuação do livro sobre o Sistema, no processo criador da encarnação:
falando daquilo que ele chamou de Os materiais para o livro”
“novo método” da criação do (STANISLAVSKI, 1990), publicado
espetáculo. Seu eterno desejo era pela primeira vez em russo, em
ajudar o ator a atuar ou 1948, e “O trabalho do ator sobre o
simplesmente, como ele gostava de papel: Os materiais para o livro”

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

122
O “Novo Método” de Stanislavski segundo seu Último Texto: “Abordagem à Criação do
Papel, Descoberta de si mesmo no Papel e o Papel em si mesmo”

(STANISLAVSKI, 1991), que saiu na suas descobertas metodológicas do


União Soviética, em 1957. Sistema. Mas sendo o último texto
Talvez o mais importante sobre o Sistema, não é, de jeito
seria estudar o “último Stanislavski” nenhum, seu ponto final. O Sistema
que ainda é pouco conhecido no é aberto, é um continuo “work in
Brasil. E ainda por cima, é conhecido progress” que revela as leis objetivas
apenas por via indireta, por meio de da criação do ator. É um organismo
relatos e métodos de trabalho de vivo que, durante todas as décadas
seus alunos Vassíli Toporkov, Maria que passaram desde a morte de seu
Knébel e Gueórgui Tovstonógov, criador em 1938, continua a ser
entre outros. Por isso, é tão desenvolvido pelos grandes mestres
instigante analisar alguns dos do teatro contemporâneo que
escritos de Stanislavski (censurados elaboram novos e novos elementos
na União Soviética ou guardados nos do Sistema enriquecendo os
arquivos pessoais dos seus descobrimentos de Stanislavski.
herdeiros) que foram publicados (por O último texto de Stanislavski,
enquanto, somente em russo) inédito fora da Rússia, é um resumo
recentemente. Este é o caso, por do processo pedagógico de ensaios
exemplo, do último texto “Abordagem desenvolvido no seu Estúdio de
à criação do papel, descoberta de si Ópera e de Arte Dramática que foi
mesmo no papel e o papel em si fundado em março de 1935.
mesmo”, que foi lançado pela Stanislavski sentiu que apenas
primeira vez em 1994, na nova jovens e talentosos atores, não
edição das obras completas de estragados pelos clichês teatrais e
Stanislavski. Até então, este trabalho abertos às novas e ousadas
existia como manuscrito sob os experiências podiam ajudá-lo a
números 21659 e 21661, guardado verificar na prática seu “novo
no arquivo pessoal da filha de método” dos ensaios, ou seja, a
Stanislavski, Kira Konstantínovana abordagem e a criação do papel que
Alekséieva-Falk (1891-1977). ainda estava na fase de formação. E
Algumas partes do manuscrito foram como Stanislavski ao mesmo tempo
escritos pelo próprio punho de estava sonhando no ambicioso
Stanislavski e outras ele ditou. O projeto da criação da Academia
texto enriquece e aprofunda nossa Teatral que poderia desenvolver
compreensão do ultimo período da suas abordagens pedagógicas, ele
busca teórica de Stanislavski, um idealizou o Estúdio como um espaço
dos momentos mais intensos de para aplicação do novo método de

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

123
Elena Vássina

ensino da arte dramática. (Em certo processo dos ensaios. E não é por
sentido, o ultimo Estúdio de acaso que seu ultimo texto
Stanislavski tinha os mesmos “Abordagem à criação do papel...”
objetivos e a mesma função do começa com a advertência:
Primeiro, aberto em 1912.
Naquilo que Stanislavski Desde os primeiros passos na
chama de “novo método” ele tenta abordagem ao papel, é necessário
guardar de todas as maneiras a
eliminar, antes de mais nada, toda a sua própria, espontânea, livre e
“violência” do diretor sobre o ator, do sincera relação com ele e sua
pedagogo sobre o discípulo. O “novo opinião individual sobre a vida da
nova peça e do papel. Por isso,
método” visa o desenvolvimento da não se entreguem logo e por
personalidade artística do inteiro ao poder alheio [ou seja, o
discípulo/ator-criador à base de sua poder do diretor ou do autor – EV]
e não percam a si mesmos na
independência na elaboração de criação. (STANISLAVSKI, 1994, p.
études1 e improvisações livres a 402)
partir da descoberta de si mesmo no
papel e do papel em si mesmo. Para Stanislavski explica que os
Stanislavski, o processo de criação atores que se entregam ao texto
das ações físicas e verbais dramático, passam a acreditar no
representa o caminho consciente e autor cegamente e, em vez de se
efetivo para entrar no secreto e inspirar em si mesmos, começam a
sagrado campo da criação seguir aquilo que fornece a peça e
2
inconsciente , ou seja, chegar à acabam imitando a obra alheia, e
inspiração – divina e inconsciente – não criando a partir de si próprios.
que é, sem a menor dúvida, o Stanislavski acredita fielmente que o
objetivo ideal de toda a busca único caminho para o
artística de Stanislavski. desenvolvimento da arte do ator é “a
Para o mestre, a partir de si próprio”, caso contrário,
independência dos seus discípulos começa a atuação baseada em
no decorrer do processo criativo era clichês e em procedimentos
um dos princípios básicos do repetitivos.
Para deixar livre a imaginação
1
Stanislávski sempre usava o termo francês do ator e instigar seu estado criador,
étude (estudo) para definição das
improvisações tanto no processo pedagógico, o mestre propõe uma abordagem
quanto no processo da criação do
espetáculo.
bastante radical:
2
Ainda em 1916, no seu Caderno de
anotações Stanislávski frisou: “O
inconsciente através do consciente. Eis o No primeiro momento do
lema que deve guiar o nosso futuro trabalho”. conhecimento da peça, o autor
02 com todo o poder de sua
Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

124
O “Novo Método” de Stanislavski segundo seu Último Texto: “Abordagem à Criação do
Papel, Descoberta de si mesmo no Papel e o Papel em si mesmo”

autoridade fecha o caminho livre ajuda a resolver uma série das


do artista, aquele caminho que o
tarefas: ele coloca o ator nas
leva para os fundos segredos de
sua própria alma onde se guarda o condições que são análogas ou
mais valoroso para a criação: o próximas à sua própria vida; o ator
vivo e vibrante material psicológico
do artista. Preserve a ligação tem toda independência na criação
espontânea com ele. Desta dos études e eles nascem das ações
maneira, tudo indica que o artista físicas.
precisa sentir a vida da peça e do
papel ainda antes de seu Stanislavski acha que o “novo
conhecimento. [STANISLAVSKI, método” descoberto por ele ajuda a
1994, p. 404]
fazer o trabalho sobre o papel mais
Por isso, Stanislavski rejeita a fácil e mais rápido porque os atores
leitura prévia pelos atores do texto já aprenderam a natureza, a lógica e
dramático, ou seja, aquilo que era a a coerência das ações físicas no
primeira condição sine qua non no processo de criação dos études. E
processo da encenação do não se deve decorar as palavras da
espetáculo. Afirma que, no início dos peça de antemão enquanto não se
ensaios, apenas o diretor deveria tiver formado uma linha de ações e
conhecer a peça. Mas, por enquanto, de ideias. Ele estava convencido de
em traços gerais para não ficar preso que a melhor análise do papel seria
a uma opinião definida e pessoal em agir de acordo com as circunstâncias
relação à nova obra, permanecendo propostas da peça.
aberto a seguir caminhos sugeridos O processo de ensaios no
pelas improvisações dos atores. Estúdio era organizado segundo a
Feita uma distribuição preliminar dos ideia principal do “novo método”, que
papeis, os atores são chamados para visava encontrar dentro do
o primeiro ensaio de uma peça... que inconsciente do ator a fonte criativa.
não conhecem. O diretor conta a Stanislavski insiste que cada ator
fábula muito resumidamente e traçar coloque a si mesmo a seguinte
em linhas gerais os personagens pergunta: o que eu faria se hoje e
para colocar os atores nas agora eu precisasse atingir aquilo
circunstâncias propostas da peça e, que meu personagem quer. Essa
ao mesmo tempo, deixá-los à pergunta faz nascer as ações físicas,
vontade para fazer os études a partir que se realizam frequentemente sem
da própria experiência e imaginação. a participação da razão. Um papel
A linha de ação da peça era importante, nela desempenha
estudada por meio dos études. E o
método do trabalho com os études

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

125
Elena Vássina

emoção, reflexo, hábito, editora das suas obras em inglês,


motricidade e tudo aquilo que
Elizabeth Hapgood, em 20 de
definimos como a natureza
orgânica e seu subconsciente. (…) dezembro de 1936. Achamos que,
Não se deve, nestes momentos, para melhor compreensão do “novo
recolocar o cérebro no centro do
trabalho. É necessário reforçar a método” de Stanislavski, seria
atividade do subconsciente. É a interessante citar um fragmento
ele que cabe o mais importante dessa carta:
papel em nosso método da
abordagem. [Grifo nosso]
(STANISLAVSKI, 1994, p. 408) “ O sistema vive dentro de mim,
mas num estado amorfo. Somente
Ao começar a trabalhar com o quando eu começo a procurar a
forma para o sistema, ele mesmo
“novo método”, Stanislavski não se cria e se determina. Em outras
abriu mão da memória afetiva, muito palavras, o sistema cria-se
sozinho no processo da escrita. E
pelo contrário. Só que na ultima
é por isso que eu preciso mudar e
etapa de sua busca ela era completar o que já foi escrito com
incorporada às ações físicas, o que tanta frequência. Eis um exemplo:
casualmente achei um novo
resultou numa síntese, na fusão dos conceito de papel que agora se
elementos básicos do Sistema. As tornou muito popular, primeiro, em
emoções podem ser provocadas com minha escola-estúdio, depois no
próprio Teatro de Arte. Você
a ajuda da ação, mas são criadas precisa estar a par dessas coisas.
somente a partir da memória afetiva Por isso vou lhe dar uma breve
(ou emocional) do ator. Como afirma explicação.
Agora nós fazemos assim: hoje
uma das mais profundas lemos a nova peça e no dia
pesquisadoras da herança de seguinte já a atuamos. O que
pode ser atuado dessa peça? No
Stanislavski, Irina Vinográdskaia: texto está escrito que o senhor X
entra na sala do senhor Y. Você
sabe entrar na sala? Então entre.
É evidente que o assim chamado
Digamos que no texto da peça
método das ações físicas não
esteja escrito que na sala
criou nenhuma linha de
acontece o encontro de dois
demarcação no Sistema. Ele
velhos amigos. Você sabe como
desenvolvia o Sistema, deslocava
dois velhos amigos se encontram?
alguns acentos importantes nele e
Então se encontrem. Eles trocam
abria mais um caminho para a
suas ideias. Você se lembra do
criação de natureza orgânica do
sentido delas? Então diga. Como?
homem e do ator.
Não se lembra das palavras? Não
(STANISLAVSKI, 1991, p. 17)
faz mal, use as suas próprias. Não
se lembra da sequência da
Uma explicação bastante conversa? Não faz mal, eu lhe dou
dicas de como se desenrolam os
resumida e clara do “novo método” é
assuntos. E assim percorrem a
dada por Stanislavski em carta peça inteira, de acordo com as
escrita por ele para a tradutora e ações físicas.

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

126
O “Novo Método” de Stanislavski segundo seu Último Texto: “Abordagem à Criação do
Papel, Descoberta de si mesmo no Papel e o Papel em si mesmo”

É mais fácil manejar e dirigir o do ator, ou seja, em seu próprio


corpo do que o inconstante nome. (...)
sentimento. Por isso, é mais fácil A segunda particularidade do
criar essa linha física do papel do novo método é que logo, desde os
que uma linha psicológica. Mas primeiros passos da abordagem
será que a linha física pode existir do papel, ele faz o artista
sem a linha psicológica, se a alma mergulhar na profundidade
é inseparável do corpo? É claro psicológica da vida do papel,
que não. Por isso, junto com a exatamente na profundidade de
linha física, a linha interna do sua alma. O caminho mais
papel surge por si mesma. Essa acessível para isso é a criação de
técnica distrai a atenção da uma linha de ações físicas
criação do sentimento, deixando-a externas e orgânicas. Mas no
para o subconsciente, o único que novo método de abordagem do
o tem e que sabe dirigi-lo papel, elas não são tão
corretamente. Graças a isso, importantes quanto a lógica e a
evita-se a violência contra a coerência do desenvolvimento das
emoção, obrigando a própria ações.
natureza a trabalhar. A ação física não é um objetivo
Quando, ao criar a linha física, o em si, mas o meio para a criação
ator começa de repente a sentir a da linha exterior e, depois, interior
linha interna, psicológica do papel, da lógica e da coerência no
sua surpresa e alegria são desenvolvimento do papel.
imensas. Parece-lhe que A particularidade do novo método
aconteceu um milagre. É claro que é que ele explora e afirma a mais
esse método exige uma técnica, importante linha do papel: a linha
na elaboração da qual estou da lógica e da coerência do
trabalhando agora. Revelei a você sentimento do papel. Por meio
o segredo de meu laboratório. ” desta linha do sentimento, o artista
(STANISLAVSKI, 1999, pp. 658- dirige-se mais para frente, mais
659) para a área do subconsciente
criador. Neste processo, o novo
método utiliza a ligação
No seu texto “Abordagem à inseparável do exterior com o
criação do papel...” Stanislavski interior, do corpo com a alma.
Ao criar uma linha exterior da
define cinco particularidades que
ação, sua lógica e sua coerência,
distinguem favoravelmente o “novo nosso método cria desta maneira
método” de todos os outros uma linha interior do sentimento
com sua lógica e coerência. (...)
processos do trabalho sobre o papel. A terceira particularidade do
Ele escreve: novo procedimento na abordagem
do papel é que ele foge de
qualquer tipo de violência. (...)
“ A primeira particularidade é Ela busca o caminho mais
que o novo método logo coloca acessível na etapa inicial da
todas as questões relacionadas ao criação que é, como vocês já
papel no plano da vida humana e sabem, a linha de ações físicas.
pessoal do próprio criador. O novo Ela é clara, compreensível,
método nos permite resolver as perceptível e acessível; ela é
questões do papel a partir da vida logica e coerente e não deixa que

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

127
Elena Vássina

se desviem para o caminho do criador é entregada ao poder


errado; ela é solida e fixa-se da mágica natureza humana e de
fortemente, nós a conhecemos seu subconsciente. Como se
bem, por meio de nossa sabe, o trabalho exagerado da
experiência de vida. Ela é mente e da consciência no
accessível, especialmente, momento da criação enfraquece o
durante os primeiros passos na subconsciente.
abordagem do papel. A linha das É preciso saber dar uma liberdade
ações físicas é estável como uma total à natureza do homem-artista
estrada de ferro. E, no final das e de seu subconsciente, e não
contas, ela é uma das vias mais atrapalhar o seu trabalho. Embora
diretas das que levam à vida eu admire muito a razão humana,
interior do espírito humano do ator entendo que ela não consegue
criador e do papel. tudo. Chegar à criação
O segredo é que as ações físicas subconsciente por meio da técnica
não podem existir apenas por si consciente [grifo da autora – EV] é
mesmas. Elas são mortas quando uma de nossas bases principais.
são realizadas, por si só e para si. Deixe a consciência levar o criador
As ações físicas são reanimadas até o subconsciente. Mas, assim
por dentro, pelos impulsos que o subconsciente começar a
psíquicos que justificam o trabalho trabalhar, não deixe que nada o
do corpo. A própria natureza atrapalhe.
humana baseada na ligação do A quinta particularidade feliz de
corpo com a alma, exige esta nosso novo método é que ele se
justificação. Por sua vez, é dos dirige para dentro e não tolera
impulsos psíquicos que se cria a ações físicas, que não sejam
outra linha do sentimento interior. justificadas por dentro. A busca
Assim, existem duas linhas que desta justificação obriga os
dependem uma da outra e que artistas a se voltarem para si
influenciam uma à outra: as linhas mesmos e às próprias memórias
do corpo e da alma. Por meio da vivas, e tecer a partir delas as
acessível e estável linha do corpo circunstâncias propostas do papel
e de suas ações físicas, - e não a partir das rubricas da
conhecemos a outra, menos peça e das demonstrações do
acessível e menos estável, isto é: diretor. O material extraído de si
a linha da alma com seus mesmo é análogo ou familiar ao
sentimentos e impulsos interiores. papel, porque ele é provocado
Pouco a pouco e cada vez mais, o pelas mesmas ações e criado por
artista familiariza-se com a linha impulsos humanos interiores.
da alma e do sentimento. Quando Dirigida corretamente, a atenção
ele se acostumar completamente, envolverá no trabalho, de forma
a linha dos impulsos dos natural e sem violência, não
sentimentos poderá se tornar o somente os elementos interiores
principal e dirigirá as ações físicas da alma do criador, mas também
do intérprete do papel. todo o aparelho físico do homem-
A quarta particularidade artista e provocará sentimentos e
evidente na abordagem do papel sensações, que conhecemos bem
do novo método é que nosso em nossa própria vida. Nestes
procedimento direciona toda a momentos, nos sentimos no palco
nossa atenção à ação física e ‘aqui, hoje, agora’, sentimos que
desta maneira a afasta do temos o direito de estar ali e agir
sentimento. Graças a isso, a vida em nome próprio, por nossa

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

128
O “Novo Método” de Stanislavski segundo seu Último Texto: “Abordagem à Criação do
Papel, Descoberta de si mesmo no Papel e o Papel em si mesmo”

própria conta e razão. Este


estado, em nosso idioma,
chamamos de ‘eu existo’.
Depois, com o tempo, como
diretor eu lhes apresentarei o
autor, sua obra e o personagem a
ser atuado. Eu direi qual é seu
nome e sobrenome, qual é sua
posição social, sua profissão e
contarei todas as circunstâncias
da vida de seu papel. Mas o novo
conhecido não lhe será totalmente
alheio, porque você, dentro de si
mesmo, já se perceberá bastante
em comum com ele nas ações,
nos sentimentos e, talvez, até nos
pensamentos. Estes momentos
em comum o aproximarão do
papel. Deixe que as ações físicas
comuns os aproximem, no início.
Deixe que elas, todas juntas, o
aproximem do novo papel e o
novo papel de você; que lhe
ajudem a sentir, pelo menos
parcialmente, os novos elementos
da imagem apresentada e que lhe
ajudem a ver os elementos de sua
alma no papel. ” (STANISLAVSKI,
1994, pp. 410-414)

Concluindo, podemos afirmar


que o “novo método” da abordagem
à criação do papel, desenvolvido por
Stanislavski nos últimos anos de sua
vida, é uma etapa importante e
decisiva na elaboração do Sistema:
ele sintetiza, em si, todos os seus
elementos e, conscientemente, ativa
o inconsciente do ator. Ou seja, leva-
o ao estado da inspiração – objetivo
ao qual, desde o início da criação do
Sistema, aspirava Stanislavski.

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

129
Elena Vássina

Referências

STANISLAVSKI, K. O trabalho do ator sobre si mesmo. Parte 1: o trabalho sobre


si mesmo no processo criador da vivência: O diário de um discípulo. // Coletânea
de obras em 9 volumes. Moscou: Editora Iskusstvo, 1989. Vol. 2.
[СТАНИСЛАВСКИЙ, К. Собрание сочинений в 9-ти томах. Москва:
Искусство, 1989. Т.2. Работа актера над собой. Часть 1: Работа над собой в
творческом процессе переживания: Дневник ученика / Ред. и авт. вступ. ст.
А.М. Смелянский. Ком. Г.В. Кристи и В.В. Дыбовского.]

STANISLAVSKI, K. O trabalho do ator sobre si mesmo. Parte 2: O trabalho sobre


si mesmo no processo criador da encarnação: Os materiais para o livro.
//Coletânea de obras em 9 volumes. Moscou: Editora Iskusstvo, 1990. Vol. 3.
[СТАНИСЛАВСКИЙ, К. Собрание сочинений в 9-ти томах. Москва:
Искусство, 1990. Т.3. Работа актера над собой. Часть 2: Работа над собой в
творческом процессе воплощения: Материалы к книге. Общ. ред. А.М.
Смелянского, вступит. ст. Б.А. Покровского, коммент. Г.В. Кристи и В.В.
Дыбовского.]

STANISLÁVSKI, K. O trabalho do ator sobre o papel: Os materiais para o livro. //


Coletânea de obras em 9 volumes. Moscou: Editora Iskusstvo, 1991. Vol. 4.
[СТАНИСЛАВСКИЙ, К. Собрание сочинений в 9-ти томах. Москва:
Искусство, 1991. Т.4. Работа актера над ролью: Материалы к книге. / Сост.,
вступит. ст. и коммент. И.Н. Виноградской.]

STANISLÁVSKI, K. Artigos. Discursos. Respostas. Notas. Memórias: 1917 – 1938


// Coletânea de obras em 9 volumes. Moscou: Editora Iskusstvo, 1994. Vol. 6.
[СТАНИСЛАВСКИЙ, К. Собрание сочинений в 9-ти томах. Москва:
Искусство, 1994. Т.6 Часть 1. Статьи. Речи. Отклики. Заметки. Воспоминания:
1917 – 1938. Часть 2. Интервью и беседы: 1896 – 1937 / Сост., вступит. ст.,
коммент. И.Н. Виноградской.]

Revista Moringa - Artes do Espetáculo, João Pessoa, UFPB, v. 6 n. 2, jul/dez 2015, p. 121 a 130

130

You might also like