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Introdução
As transformações no campo das políticas educacionais e que reverberaram
fortemente na reestruturação do ensino superior, só podem ser entendidas tendo como
pano de fundo as circunstâncias históricas e econômicas que guiaram a reforma do Estado
brasileiro na década de 1990 e que reverberam até os dias atuais. Essa reforma que
começa com Collor (1990), mas que vai tomar força no governo FHC (1995), vai
determinar o papel do ensino superior dentro da modernização conservadora, que
segundo Sguissard (2006), marca as políticas neoliberais para a educação superior. Nesse
artigo buscaremos compreender as transformações na educação superior à luz das
transformações nas políticas públicas orientadas por organismos mundiais. Nesse sentido,
para entender o atual cenário do ensino superior no país, se faz mister remetermos ao
marco estabelecido pela LDB, e outros dispositivos legais que a sustentaram.
O ensino superior privado no Brasil está estabelecido há mais de 100 anos e hoje
responde por 76% das matrículas nesse nível de ensino. Sua história é pontuada por duas
Constituições - a da República, de 1891, que lhe possibilitou a existência e a Constituição
de 1988 que, reafirmando o princípio liberal, manteve o ensino superior aberto à iniciativa
privada, sempre que observadas as regras gerais da educação e com a autorização e
avaliação do poder público. Esses marcos legais deram ao sistema nacional de ensino
superior uma organização dual: primeiramente, um setor público e gratuito, com
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instituições mantidas pelo poder federal, estadual ou municipal, e um setor mantido por
instituições de origem jurídica privada - laicas e confessionais - subordinada a uma
legislação federal, condição que lhe garante uma coesão formal.
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Segundo Alves, (2000, p. 112) “Brasil é, como salientaram vários autores (Iram Jacome Rodrigues,
Francisco de Oliveira e Armando Boito), de uma passagem, no plano da estratégia sindical, da
“confrontação à cooperação conflitiva” (RODRIGUES, I., 1995), ou ainda, da luta de classes na produção
para uma “convergência antagônica” (OLIVEIRA, 1993), ou um sindicalismo de “concertação social”, que
é, nada mais, nada menos, que um defensivismo de novo tipo, de caráter neocorporativo. Diríamos que
tende a prevalecer cada vez mais, na prática sindical, principalmente hegemônica no interior da CUT, um
neocorporativismo operário, que tende a debilitar a perspectiva de classe que caracterizou a luta política e
sindical nos anos 80”.
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De forma que para entender todas as mudanças que houveram no ensino superior
a partir de 1995, se faz necessário cotejar as transformações advindas com o processo de
reforma, então em curso, do Estado brasileiro, pois existe uma relação orgânica entre os
dois.
do ensino no país na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) aprovada
em 20 de dezembro de 1996.
A nova LDB introduziu os cursos sequenciais por campo de saber (redação dada
pela Lei 11.632/2007) e delegou o ensino superior às instituições públicas ou privadas,
com diferentes graus de abrangência ou especialização. Tais cursos foram pensados como
uma forma de combater a rigidez do modelo tradicional de graduação, extremamente
amarrados aos currículos mínimos, que, segundo se criticava, não atendiam mais às
exigências do mercado de trabalho. O modelo universitário com base no tripé “ensino,
pesquisa e extensão” e na universalidade de campo do saber foi atacado na sua essência,
abrindo espaço para flexibilização de conteúdos e de modelos institucionais do ensino
superior.
Em seu artigo n° 20, a LDB estabelece três tipos de instituições de ensino privado:
as particulares (empresariais), as comunitárias; as confessionais e filantrópicas. No
entanto uma redação pouco clara deixa margem para que empresas educacionais se
enquadrem como comunitárias e/ou confessionais e desfrutarem de subsídios públicos,
como CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social), entre outros
subsídios.
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Sobre entidades filantrópicas a lei Nº 12.101, de 27 de novembro de 2009, diz que essas se caracterizam
como entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social
serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades
beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social,
saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta Lei.
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Na década que se seguiu, a LDB foi ganhando aditivos (leis, decretos, portarias e
etc.) exigidos pelo mercado para que ela se adaptasse mais claramente aos desígnios da
matriz econômica neoliberal. Nesse sentido o decreto n° 2.306/97, padroniza as funções
das instituições com fins lucrativos, determinando a diversificação das instituições de
ensino superior em cinco categorias: I – Universidades; II – Centros Universitários; III –
Faculdades Integradas; IV – Faculdades3 e V – Institutos Superiores ou Escolas
Superiores.
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O senso da educação superior 2015 nos dá conta que 60% das instituições de ensino superior privadas do
Brasil possuem até 1.000 alunos matriculados. Mostrando como a flexibilização possibilitou o crescimento
das faculdades isoladas em pequenos e médios centros urbanos.
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Como forma de tentar moldar e não perder total controle sobre o ensino superior,
agora flexibilizado e descentralizado, se faz necessário estabelecer um sistema nacional
de avaliação. Dessa forma o Conselho Nacional de Educação institui avalições periódicas
das instituições e cursos superiores. Para isso edita a Portaria n° 249/96 do MEC que cria
o Exame Nacional de Cursos (ENC/Provão).
Fonte: Demonstrativo dos Gastos Tributários: 2016 - Elaborada por: Araré Carvalho
Já os dados de 2015 (mais recente senso do ensino superior), nos dão conta que
havia cerca de 8,03 milhões de alunos matriculados no ensino superior. Destes, 6,64
milhões em cursos presenciais (83%) e 1,39 milhão em cursos EAD (17%), sendo que
76% das matrículas estavam concentradas na rede privada (6,08 milhões). No período de
2014 a 2015, o setor cresceu cerca de 2,5%. Nos cursos presenciais, 4,8 milhões de alunos
estavam matriculados em instituições privadas (73%) e 1,8 milhão de alunos nas IES da
rede pública (27%), totalizando 6,6 milhões de matrículas. Em 2014 esse total era de 6,5
milhões de matrículas, das quais 1,8 milhão na rede pública e 4,7 milhões em IES
privadas. Esses números representam um crescimento total de 2,2% (0,1% na rede pública
e 3% na rede privada), com destaque para o Estado de São Paulo com mais de 1,7 milhão
de alunos matriculados (26% do total).
A inserção do ensino superior no paradigma neoliberal fez com que ele adota-se
conceitos de qualidade total (neotecnicismo), aplicado ao ensino superior. Agregam-se
novos valores para que a empresa possa corresponder aos desafios do mundo atual. Nessa
perspectiva, o estudante é visto como consumidor e a educação a mercadoria.
Como apontado, o ensino privado tem sua maior expansão nos anos de governo
FHC (1994-2001). Nas gestões subsequentes de Lula e Dilma (2002-2014) houve uma
ampliação de vagas em novas faculdades federais. No entanto, esses governos, com a
implementação de programas como o PROUNI (Programa Universidade para Todos),
PROIES (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de
Ensino Superior) e ampliação do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil)
possibilitaram uma grande transferência de recursos públicos para empresas privadas de
educação, dando ainda mais fôlego para esse setor.
Tendo como fim último o lucro, o ensino superior privado encontra um fértil
terreno na incapacidade do Estado de ofertar vagas públicas em quantidades suficientes.
Assim, as instituições privadas, que deveriam apenas complementar esse cenário da
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educação superior, acabam tendo domínio e criando grupos que determinam as regras de
seu interesse e assim desregulamentam o setor.
Logo que assume, no ano de 2003, visando dar uma resposta à crise que as
universidades públicas vivenciavam devido ao corte de 50% da verba imposta pelo
governo anterior, a Casa Civil propôs um plano chamado Bases para o enfrentamento da
crise emergencial das universidades federais. Esse documento levantava vários pontos
que mereciam atenção por parte da união, entre eles a reforma universitária (que nunca
foi aprovada), e estabelecia a meta dobrar a oferta de vagas em universidades públicas no
período de 2003 a 2007, ou seja, o país deveria ofertar 1 milhão e 200 mil vagas no ensino
superior público, o dobro das então 600 mil vagas ofertadas.4
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Dados do Censo do Ensino Superior de 2010, último do governo Lula, trazia o número de 930.000, alunos
matriculados em instituições públicas de ensino superior. As 14 novas IFES e os 124 novos campi
universitários, não foram suficientes para atingir a meta proposta em 2003.
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Mas como os dados nos mostram, a falta de uma regulação não inibiu em nada a
expansão do setor público, e muito menos o agigantamento do setor privado. Um ponto
não normatizado, teria forte impacto sobre o ensino privado era a exigência de que 70%
do capital das mantenedoras estivessem nas mãos de brasileiros, essa regulamentação
teria tido forte reverberação na participação de fundos de investimentos estrangeiros no
setor.
Fonte: Demonstrativos dos Gastos Tributários (Brasil;MF;RFB, 2016) – Elaborado por: Araré Carvalho
Considerações Finais
Referências
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<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_governo.pdf> acessado em: 16 de
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Partido dos Trabalhadores. Partido dos Trabalhadores (2002), Uma Escola do Tamanho
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<http://www.fpabramo.org.br/uploads/umaescoladotamanhodobrasil.pdf> acessado em:
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SOARES, M.C.C. Banco Mundial: políticas e reformas. In: WARDE, M.J. et al. O
Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1996,