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SEMINÁRIOS 2014

Núcleo de Psicanálise de Marília e Região

Transitoriedade: Estados Mentais Primitivos ⇆ Integração


A função materna, a função paterna e o papel do Analista

A Primeira Infância: o processo de simbolização


- Maria Thereza de Barros França

Agradecimentos:
Aos colegas componentes do grupo, pelo convite, na pessoa de Maria Aparecida
Rocha, com quem fiz os contatos que viabilizaram minha presença aqui hoje.
Agradeço também a presença de todos.

Acerca do tema dos seminários:


1.) Sobre a Transitoriedade:

O tema da transitoriedade foi abordado por Freud num belo texto de 1915.
Nele Freud fala da dificuldade de fruição estética, da beleza da natureza, pela sua
condição efêmera, e mesmo da arte, por ser passível de destruição – lembremos que se
tratava do segundo ano da I Grande Guerra.
Freud propõe então que este fato estaria relacionado à dor que os sentimentos de
luto provocam e a defesa mobilizada contra ela; uma revolta que não abre espaço para
elaborar o luto e pensar na possibilidade de substituir os objetos perdidos por outros
igualmente preciosos, pois nem a guerra, nem o inverno, serão totalmente destrutivos,
se, suportando os penosos sentimentos de perda, mobilizarmos nossa capacidade de
reconstrução.

2.) Estados Mentais Primitivos (EMP) ⇆ Integração

Os EMP devem ter sido abordados pela Teresa Haundenschild, que deu o seminário
anterior sobre a “Constituição inicial da vida psíquica”.
A dupla seta entre EMP e integração, nos remete a Bion. Ele, valendo-se das
posições propostas por Klein – esquizoparanóide (PS) e posição depressiva (PD) –
chama a atenção para o processo dinâmico, com o qual ao longo de toda a nossa vida,
nos deparamos, entre vivências de fragmentação e possibilidade de integração.
Em se tratando de EMP acredito que o mais apropriado seria dizer da oscilação entre
não-integração e integração.

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Acredito que a Teresa deva ter se detido nos processos que permitem à criança
progressivamente se tornar capaz da auto-contenção. Ou seja, a constituição inicial da
vida psíquica, que é a possibilidade de, partindo de vivências de não-integração,
desenvolver condições cada vez mais firmes no sentido da integração do self.
Tais condições, no entanto, não são permanentes, pois, por exemplo, em situações
traumáticas, na vigência de intensas ansiedades, e/ou fragilidades egóicas (p. ex.
doença), podemos perder (em maior ou menor grau) nossa condição de integração.
Entretanto, a possibilidade de suportar conviver com a fragmentação, e mesmo com
não-integração, favorecem a possibilidade de manter a integração.

3.) Função materna, função paterna e o papel do analista

A Elza já se dedicou ao tema das rêveries materna e paterna e ao papel do analista


no primeiro seminário.
Hoje também abordaremos algumas questões ligadas à rêverie materna, função
paterna e papel do analista para desenvolvermos o nosso tema: a primeira infância e os
processos de simbolização.

Qual é a minha proposta para desenvolvermos o tema de hoje:


Pensei em focar na questão da simbolização – no processo que vai da
individuação ao Édipo. Quer dizer, de como passamos da vivência primitiva de
estarmos confundidos com o objeto, nos individuamos, e evoluímos até a situação
edípica, ou seja, a possibilidade de lidar com relações triangulares – eu, o objeto e o
terceiro, isto é, o símbolo.

A primeira infância\\
Costumamos dividir as fases de desenvolvimento infantil em: primeira infância,
latência e adolescência.
Em linhas gerais podemos dizer que na primeira infância a criança desenvolve a
concepção de si como indivíduo, como ser humano; na latência se fortalecerá o senso de
ser civilizado e, ao final da adolescência, o de ser adulto com sua singularidade.
A primeira infância corresponde ao período que vai desde o nascimento até os 5-
6 anos. Ou seja, é um período que abrange intensas transformações, tanto físicas,

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ligadas à maturação, ao desenvolvimento neuromotor, como psíquicas, ligadas ao
desenvolvimento afetivo-emocional.
Ambos, maturação e desenvolvimento, se processam de forma interligada. À
medida que a maturação da criança vai se processando em interação com o
desenvolvimento psíquico que está ocorrendo, vamos observando todas as
transformações que capacitam o bebê como indivíduo cada vez menos dependente do
seu ambiente inicial: o corpo e a mente da mãe.
Na primeira infância partimos então do bebê, com todo seu potencial ao nascer e
chegamos à criança que anda, corre, fala, brinca com seus pares, vai à escola, aprende,
etc.
Como se pode perceber, estamos às voltas com uma criança com francas
manifestações do desenvolvimento da sua capacidade simbólica: ela pensa, brinca, fala
e certamente sonha. E é nisso que vamos nos deter: no desenvolvimento psíquico com
vistas ao desenvolvimento da capacidade simbólica.

Freud
Não vamos nos alongar muito com as fases de desenvolvimento da libido
propostas por Freud, pois creio que são já bem conhecidas: as fases pré-genitais (oral,
anal, genital ou fálica) até aportarmos no complexo de Édipo. A elaboração deste marca
a transição da primeira infância para o início da latência – que será abordada por
Oswaldo Barison. Ao final da latência, o início da puberdade marca a entrada na
adolescência.
É importante lembrar que Freud considera a curiosidade sobre a atividade sexual
dos pais como um forte estímulo para a simbolização, no sentido de busca de
conhecimento – ele denomina essa busca de epistemofilia (1917). Para ele a
simbolização se baseava na sublimação dos impulsos sexuais.
Freud estudou o simbolismo nos sonhos. Sugere que o trabalho onírico baniria
os impulsos sexuais proscritos da consciência e no seu lugar surgiriam representantes
destes, disfarçados em forma dos símbolos oníricos – seriam uma satisfação substitutiva
do desejo. Portanto, a necessidade de buscar o prazer das satisfações instintuais e a
tentativa de evitar o desprazer imposto por realidades frustrantes, contribuem para o
processo do simbolismo.
Embora o sonho seja construído com imagens pictóricas, Freud sugere que as
palavras também podem sofrer o mesmo processo, por meio de transformações que

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utilizam cadeias associativas, como se dá, por exemplo, com as metáforas.
Ainda sobre Freud não podemos deixar de mencionar a importância da sua
formulação de 1920 sobre a Pulsão de Morte, que representa uma grande virada na
metapsicologia psicanalítica (segundo Green). Com isso Freud agregou aos impulsos
libidinais a forte presença e atuação dos impulsos destrutivos e a interação entre os dois,
possibilitando sua modulação. Klein também se ocupou do sadismo, representante dos
impulsos destrutivos.

Desde Freud os estudos psicanalíticos sobre o desenvolvimento infantil sofreram


muitos desdobramentos, sendo que níveis cada vez mais primitivos vêm sendo
formulados.
Assim sendo, vou propor, em lugar de fases, abordarmos o desenvolvimento
emocional infantil segundo três planos, sendo que cada um deles é constitutivo de
etapas organizadoras e estruturantes.
É importante destacar que o campo da origem do desenvolvimento do
psiquismo, não tem a ver com o ponto de vista de etapas cronológicas do
desenvolvimento.
Podemos então considerar os planos:
1º.) dos estados mentais primitivos,
2º.) da elaboração edípica e
3º.) das ressignificações da adolescência.
O primeiro deles, os estados mentais primitivos – consistem no início da
constituição da mente. A importância de se conhecer os EMP deve-se à sua função
estruturante. A ausência desta competência resulta em prejuízos na construção da
subjetividade.
O terceiro, as ressignificações da adolescência – é um processo que tem início
com a entrada na puberdade, onde podemos observar as ressonâncias internas
promovidas pelas transformações corporais, com as nuances da elaboração da
sexualidade, até aportar na identidade adulta.
No segundo plano, a elaboração edípica solidifica o processo de individuação, a
constituição da identidade sexual e firma a elaboração da posição depressiva,
fortalecendo e ampliando os processos simbólicos. É nestes que nos deteremos.

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Quando falamos em desenvolvimento emocional estamos nos referindo a
desenvolvimento psíquico, desenvolvimento mental, ou seja, a criação de uma mente
capaz de simbolizar, de pensar, de criar o psiquismo.
A mente pode ser encarada como um órgão do nosso corpo, apenas que,
diferentemente dos demais órgãos que já nascem conosco, a mente é um órgão do
aparelho psíquico que deve ser gerado e amadurecido – e isto somente se dá mediante a
relação com outro ser humano. A tal ponto que Winnicott (1960) chega a dizer: “não há
tal coisa como um lactente”, significando que sempre que se encontra um bebê existe o
cuidado materno e sem este não poderia existir o bebê.
A mente depende do substrato orgânico para se constituir – ela se forma sobre
uma base corporal; seu desenvolvimento se assenta sobre o cérebro, mas não se
confunde com ele.
O aparelho psíquico se desenvolve a partir de vínculos afetivos significativos e
será responsável por toda a nossa vida psíquica.
O desenvolvimento afetivo implica que os afetos sejam vividos como estados
mentais ocorrendo dentro de uma mente, de um espaço para a construção da
subjetividade, onde se processa a construção da natureza humana – isso só é possível na
presença de outro ser humano, um objeto pensante.
O que se passa é que todo ser para alcançar sua dimensão humana, simbólica,
necessita evoluir do corporal ao psíquico, das vivências sensoriais, às vivências
emocionais, das percepções à representação, processos estes de complexa natureza pré-
verbal o que muito dificulta sua apreensão.
Talvez a capacidade imaginária dos artistas esteja mais próxima de conseguir
expressar fenômenos desta natureza, tal como diz Freud sobre as qualidades de um
escritor: “acima de tudo uma sensibilidade que lhe dá condições de perceber os secretos
impulsos da mente dos homens” (Freud – um tipo especial de escolha de objeto – Isaias
p. 271)
(Ilustração – Clarice Lispector p.136)

Retomando:
Vínculo e separação são básicos para o estabelecimento da individuação, e aqui
acrescentarei a modulação; vínculo, separação e modulação são fundamentais ao
desenvolvimento da capacidade simbólica. Chamo a atenção para a modulação devido

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ao imenso espaço, que pode ser preenchido por diversas vivências entre vínculo, como
presença do objeto e separação, como ausência do objeto; assim como entre a não-
representação e a possibilidade desta; entre o transitório e o permanente, entre o interno
e o externo, e assim por diante.

Klein
Vários autores se dedicaram ao estudo do desenvolvimento de um continente
psíquico, no interior do qual as vivências sensoperceptivas são processadas,
organizadas, ganham colorido e significado de experiências emocionais, que podem
alçar à condição simbólica, ser representadas e pensadas.
As propostas de Melanie Klein e dos assim chamados pós-kleinianos,
contribuíram muito para o enriquecimento da visão acerca de como se processa o
desenvolvimento simbólico, base da possibilidade de pensarmos os pensamentos.
Suas formulações de PS, PD e identificação projetiva foram fundantes.
Apenas lembrando: posições são um conjunto composto por um determinado
tipo de relação objetal, de sentimentos e de defesas mobilizadas contra eles.
Na PS, que para Klein corresponderia aos 2 a 3 primeiros meses de vida, o
mundo seria vivido de modo cindido e idealizado: ora muito bom, ora muito mau. Os
impulsos sádicos em seu auge resultam na angústia persecutória, característica da PS; as
fantasias são de ataques recíprocos (criando a dinâmica perseguidor/perseguido) e de
contínua ameaça ao ego primitivo. A cisão leva a uma relação de objetos parciais: seio
bom/seio mal (conforme “tingidos” pelos impulsos libidinais ou os destrutivos). Um dos
principais mecanismos de defesa seria a identificação projetiva, na tentativa de controlar
o objeto mau “desde dentro”.
A PD para Klein se daria em torno dos 4-5 meses, quando o bebê já seria capaz
de perceber a si e à mãe como objeto total. Perceber que os impulsos sádicos dirigidos
ao objeto mau poderiam causar dano ao objeto bom, uma vez que são um único – o
objeto total–, desperta intensa culpa e angústia depressiva por colocar o objeto de amor
em risco. Contra esses sentimentos mobilizam-se como defesa ou a regressão à posição
anterior PS, ou mecanismos maníacos de negação, triunfo e desprezo pelo objeto.
Entretanto, a possibilidade de tolerar as angústias depressivas e conviver com
sentimentos ligados não apenas à perda do objeto, mas de perda do amor do objeto,
pode mobilizar o trabalho de luto, que põe em ação mecanismos reparatórios.

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Conflito edípico
O bebê, ao se perceber um indivíduo separado da mãe, vive a ansiedade de
perder o objeto amado, germe do conflito edipiano.
Para Freud o superego somente surgiria em torno dos 5, 6 anos, com a
“resolução” do complexo de Édipo. Para Klein ele já estaria se formando desde o início,
com as primeiras identificações. Teria um caráter inicialmente fantástico (relacionado a
ideias, por exemplo, de fadas e bruxas cruéis), porém, com o desenvolvimento iria se
atenuando e se aproximando mais da realidade.
Klein (1945) antecipa a ocorrência da situação edípica para a segunda metade do
primeiro ano, ligada ao desmame.
Freud, como vimos, refere-se à busca de conhecimento como epistemofilia;
Klein (1930) fala em instinto epistemofílico: haveria um profundo interesse pelo interior
do corpo da mãe, não apenas no sentido de conhecer, mas também de realizar ataques
invejosos – a fantasia seria a de destruir os bons conteúdos, ou os pais em relação.
É importante destacar que embora Klein mencione a idade em que notou a
ocorrência das PS e PD, as dinâmicas características das duas posições são (re)ativadas
ao longo das nossas vidas, em constante interação, buscando novas possibilidades de
integração, tal como já mencionei no início.
O mesmo se dá com a situação edípica, fundamental para o desenvolvimento da
capacidade simbólica – a vida nos pressiona continuamente no sentido de novas formas
de lidar com triangulação.
Ter um bom objeto interiorizado, mas ter também frustrações que induzam a
buscar outros objetos, possibilita que o interesse do bebê se desloque do seio (mãe) para
o pênis (pai).
Algo que também impulsiona em direção a outros objetos é o medo de destruir o
objeto, como forma de protegê-lo.
O interesse pelo “terceiro” seria a base para a simbolização, que pode ser
semelhante, que representa o primeiro objeto, mas não é o mesmo. A semelhança estaria
no prazer que o pai pode também proporcionar ao bebê como alvo da sua libido e
mesmo do seu sadismo.
Agora vamos passar a alguns desenvolvimentos a partir de Klein; começando
por Hanna Segal.

Hanna Segal

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Hanna Segal desenvolve o tema das equações simbólicas, propostas por Klein,
fazendo uma distinção mais clara entre estas e os símbolos verdadeiros.
Klein propõe a equação simbólica, ligada à PS, em que haveria uma
indiferenciação, uma confusão entre o self e o objeto, por meio da qual os símbolos são
formados de modo bastante concreto, com muita proximidade entre o objeto e o
símbolo.
As equações simbólicas são ligadas à identificação projetiva, ao pensamento
concreto e onipotente; elas equiparam o símbolo ao objeto original. Envolvem aspectos
mais primitivos; seu conteúdo é concreto e se prestam a negar a ausência do objeto ou a
controlar um objeto persecutório. É clássico o exemplo do homem que não podia tocar
violino em público, pois, para ele era o mesmo que masturbar-se em público.
É importante destacar que mesmo assim, com toda esta concretude, as equações
simbólicas já se constituem num passo dentro do processo de simbolização.
Na PD, a capacidade de suportar a ambivalência, amor e ódio com relação ao
objeto, a culpa, a angústia de separação, o medo de perder o objeto, o trabalho de luto,
enfim, apontam para um sentimento de identidade, de separação entre o self e o objeto,
sendo o símbolo uma criação da mente no mundo interno, diferente do objeto original.
As representações simbólicas são os verdadeiros símbolos, com características
diferentes do que representam – há uma distância entre o objeto e o símbolo que o
representa.
Os símbolos propriamente ditos são ligados aos processos de introjeção e de
reparação, atendendo ao desejo de manter o objeto dentro de si. O pensamento mais
realista realiza a distância entre símbolo e objeto: o primeiro representa o segundo; há
um deslocamento cujo objetivo é proteger o objeto da agressão e da possessividade. Os
símbolos verdadeiros são utilizados para superar a perda do objeto.
De acordo com níveis de ansiedade, é possível haver uma oscilação entre as
equações simbólicas e os símbolos verdadeiros e vice-versa.
Vamos fazer um corte aqui e nos deter num conceito muito importante para o
estudo do psiquismo, que é o de fantasia inconsciente. Freud e Klein já faziam menção
às fantasias, mas foi Susan Isaacs quem mais se deteve no assunto.

Susan Isaacs
Para Isaacs fantasia é a atividade mental primária original, que em geral

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permanece inconsciente. As fantasias inconscientes são sempre inferidas, mas
despertam emoções e atitudes, e estas sim, podem ser observadas. Estão presentes desde
o nascimento, muito antes do desenvolvimento da fala.
As fantasias são os representantes psíquicos dos instintos, os anseios corporais
libidinais e destrutivos. As primeiras fantasias provêm dos impulsos físicos: p. ex. o
mecanismo de introjetar se processa por meio de fantasias de engolir, incorporar o
objeto. Todos os mecanismos mentais são experimentados como fantasias.
A função simbólica da fantasia constrói pontes e modulações entre: mundo
interno e mundo externo, entre o somático e o psíquico, entre pulsões e afetos, entre
afetos e representações, entre inconsciente e o sistema pré-consciente-consciência, entre
sujeito e objeto, entre onipotência e impotência, modulando a potência, e assim por
diante.
Toda comunicação, tanto a interna quanto a externa é feita por meio dos
símbolos – a expressão simbólica das fantasias.
As fantasias estão ligadas ao instinto epistemofílico (Klein), pela junção de um
impulso com a formação de símbolos.
Isaacs constrói também uma ponte entre Freud e Klein e as “teorias da mente
criada a dois”, tal como propostas por Winnicott e Bion (segundo Ogden), ou seja,
aquelas que destacam a importância da relação entre mãe e bebê na constituição do
psiquismo da criança e no desenvolvimento dos processos de pensamento.
Isaacs foi, portanto, diferentemente de Freud e Klein, que se interessaram pelo
quê pensamos, a precursora de Bion e Winnicott, no sentido de como pensamos.
Então vamos agora a Winnicott.

Winnicott
Como vimos, Hanna Segal propõe que há dois métodos diferentes de se
relacionar com o objeto: via equação simbólica (em que self e objeto são equacionados)
e via símbolo verdadeiro (em que existe separação entre self e objeto).
O espaço transicional, proposto por Winnicott, seria uma zona paradoxal, um
lugar de repouso eu/não-eu entre os dois, a mãe e seu bebê.
Esta seria uma zona de transição entre a ilusão narcisista da criança de que tudo
pertence a ela, e a percepção do objeto separado dela, para com o qual ela tem uma
dívida.

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Isso nos permite pensar num continuum entre estas possibilidades simbólicas: da
equação simbólica, passando ao espaço transicional e deste ao símbolo verdadeiro.
Passemos a Bion.

Bion
Bion (1972) apresenta um modelo de como se daria o desenvolvimento de um
aparelho para pensar os pensamentos e da capacidade de continência emocional.
Para ele a identificação projetiva de Klein teria uma importante função de
comunicação entre a mãe e seu bebê.
Ele sugere que no contato com a mãe, ao mamar, o bebê estaria se alimentando
de leite e de amor da mãe, como continente para suas ansiedades, mas também para sua
capacidade de pensar. O bebê precisa, ao nascer, que a mãe coloque à sua disposição a
sua mente, a sua capacidade de pensar sobre as experiências emocionais.
O bombardeio sobre o bebê de estímulos sensoriais brutos, os elementos beta,
resultam em intensas angústias vivenciadas pelo bebê, comunicadas à mãe por
identificação projetiva; estas ao encontrarem uma mãe com capacidade de rêverie, de
sonhar o sonho de seu bebê, seriam metabolizadas internamente, quase como um
processo de digestão materna, devolvendo a ele algo suportável para sua frágil mente
em formação.
Os elementos beta passam a adquirir significado, ou seja, passam a ter uma
qualidade psíquica; nos termos de Bion: transformam-se em elementos alfa, por meio da
função alfa que o bebê toma emprestado da mãe. Atenção para a importância desta
função!
A capacidade do bebê de tolerar frustração tem papel fundamental no
surgimento do processo do pensar. Isto porque para Bion é na ausência do objeto, na
ausência da gratificação, que pode surgir um pensamento.
O bebê teria uma pré-concepção do seio e a concepção do mesmo ao entrar em
contato com ele. Ao ter a realização da sua ausência, ao se deparar com a frustração, o
espaço entre o desejo e o momento da gratificação pode ser preenchido com um
pensamento, o que por sua vez ajuda a tornar a frustração mais tolerável.
Se a frustração não for tolerada, a ausência vivida internamente como a presença
concreta de um mau objeto causa sofrimento e é evacuada. Entraria aqui a questão da

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escolha: a frustração pode ser negada (evacuada), ou então ser reconhecida e modificada
por meio de pensamentos.
Neste processo são fundamentais, por um lado, a capacidade inata do bebê de
tolerar frustração, e, de outro, a possibilidade da mãe de oferecer-se como objeto
continente, emprestando ao bebê sua capacidade de pensar sobre as experiências
emocionais até que ele possa desenvolver a sua própria, ou seja, até individuar-se.
Com relação à busca de conhecimento, Bion sugere os vínculos L, H e K (em
inglês: amor, ódio e conhecimento), com sinais positivos ou negativos. Exemplificando:
o vínculo analítico por excelência seria o +K, na vigência de +L e -H. +K seria
sinônimo de instinto epistemofílico, embora numa forma mais elaborada; seria a busca
de conhecer a si mesmo e ao outro, uma tentativa de se aproximar da verdade sobre
nossa existência.
Para Bion +K seria tão essencial para a saúde psíquica como o alimento é para a
saúde física. A busca de significado é vital para o ser humano.

Anne Alvarez
Essa autora chama a atenção não apenas para o conteúdo dos símbolos como um
critério de diferenciação, ou seja, a equação simbólica muito concreta e o símbolo
verdadeiro já com uma característica mais abstrata, mas também para seu uso.
Por exemplo, se considerarmos a famosa brincadeira do “fort da”, em que o netinho
de Freud, na ausência da mãe brinca com um carretel, podemos pensar em que nível
simbólico ele estaria, bem como qual seria a função da brincadeira:
1. Se às voltas com a PS, com a equação simbólica, a função seria negar a ausência
da mãe;
2. Se às voltas com um objeto transicional (Winnicott), estaria brincando para ter
algum controle sobre o objeto e tentando tornar a ausência da mãe suportável;
3. Se às voltas com a PD, no nível da formação simbólica verdadeira, já que
poderia reconhecer a ausência da mãe, estaria procurando aprender mais acerca
dos objetos que se afastam;
4. Se às voltas com o vínculo +K (Bion), a criança poderia já ter superado a perda
da mãe e estaria estudando as propriedades de um carretel.
Defende também que para o processo de aprendizagem, para que surja um
pensamento, o objeto presente, com sua presença viva, que “reclame” (solicite) a

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criança e “amplifique” suas comunicações, que anseie por encontrar a criança após a
ausência, gerando o prazer no contato, é fundamental.
Para ela são as experiências positivas que favorecem a introjeção e depois a
internalização do contato com o objeto (uma precede a outra). Ressalta que é do
equilíbrio entre as experiências positivas e as negativas que se fortalece a aprendizagem.
Propõe pensarmos em um objeto modulador, diferente do objeto ausente: seria o
objeto presente percebido em suas características dinâmicas no tempo, em suas formas
temporais. Não apenas o ritmo presença/ausência, mas também os ritmos na presença:
balanceios, o objeto sugado de forma rítmica – constituindo um ritmo básico de vida.
Seria o objeto modulador que permitiria modularmos as vivências entre fugacidade e
permanência.
Ela diz que continência, paciência – para esperar –, e esperança – no retorno do
objeto –, são qualidades que transmitidas por ele permitem a ordenação de pensamentos
(tolerar a sequência temporal), diferentemente de quando a espera pelo objeto ausente é
um pesadelo.
Sugere que a simbolização é fortalecida quando o vínculo entre os pais inclui a
criança – quando os pais estão presentes no tempo: para e com a criança e que os
“vínculos microcósmicos” (capacidade de olhar para um rosto, ouvir uma cantiga de
ninar) precisam estar estabelecidos para que se possam construir os vínculos edípicos
maiores.

Visto tudo isso, fica claro que há níveis tanto de simbolização como de uso dos
símbolos. Podemos utilizar os conceitos apresentados para a construção de um gradiente
da função simbólica. As fantasias perpassam todo esse gradiente, entre dois polos, do
protomental ao mental: (ilustração caso Fabiana)

função alfa
Somático ----------------------------------------------------------------------------→ Psíquico
silencioso expressivo e sublimado

Elementos / Equações / Espaço / Símbolos / Vínculo / uso mais / mais


beta simbólicas transicional verdadeiros +K concreto abstrato

Partimos então das experiências corporais (sensações) e, ao constituirmos um

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espaço mental, capaz de conter e elaborar as experiências emocionais (emoções),
desenvolvemos a capacidade de gerar o psíquico (representações).
Níveis cada vez mais complexos vão se desenvolvendo, possibilitando
representações com qualidades concretas cedendo espaço às mais abstratas. É o
desenvolvimento da nossa capacidade simbólica se processando.

A situação edípica e a formação simbólica

Anne Alvarez nos fornece o “gancho” para nos aprofundarmos um pouco mais
na questão das relações triangulares.
Desde Klein fica claro que não existe “um” complexo de Édipo e muito menos
que haja uma “resolução” do mesmo – tanto é assim que ela não se referia a “complexo”
e sim a “situação edípica”.
O complexo de Édipo “clássico”, tal como descrito por Freud, baseia-se na
tragédia de Sófocles e tem um lugar central na teoria psicanalítica e em nossas vidas.
Segundo Freud, o superego seria herdeiro do complexo de Édipo no sentido de
que a criança assimilaria possibilidades que a preparam como um ser social, pois a
resolução do mesmo permitiria à criança ser capaz de reprimir tanto o amor pelo
progenitor do sexo oposto como a rivalidade pelo do mesmo sexo, submetendo-se às
leis das diferenças entre os sexos e as gerações, às interdições, aos valores morais e
éticos.
Klein permite-nos entender a situação de modo mais amplo, pois além de
chamar a atenção para o sadismo, sugere também os objetos percebidos como parciais
na PS e como na evolução para PD eles se integram, ou seja, o seio bom / mau são um
único e mesmo objeto. Além disso, abre espaço para pensarmos em situações
triangulares mais primitivas e também de alcance bem mais amplo do que aquela
proposta por Freud.
O que acontece é que quando a criança se dá conta do “terceiro”, intensos
sentimentos de posse com relação ao objeto de sexo oposto e de rivalidade com relação
ao do mesmo sexo são despertados, com intensificação dos ataques sádicos a este
último.
No caso dos meninos, isto levaria à angústia de castração (com um sentido
amplo de perda dos bons conteúdos internos) e, no caso das meninas, onde haveria

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muita inveja dos bons conteúdos internos do objeto, ao medo de ter seus próprios
conteúdos bons atacados, como retaliação.
É fundamental aqui a capacidade de reparação da criança, no sentido de
conseguir recuperar os objetos atacados e reassegurar a interiorização do objeto de
amor, de tal modo que se instaure para ela as condições de ser primeiro, segundo ou
terceiro numa relação.
Para Melanie Klein a inveja primária seria uma das primeiras manifestações da
pulsão de morte. Resultaria no desejo sádico de destruir bons conteúdos do objeto e
acabar, assim, com o motivo da inveja.
Se for algo muito intenso, poderá ser prejudicial ao desenvolvimento, no sentido
que acirra o conflito entre amor e ódio e estimula os mecanismos da PS, dificultando a
integração do ego, a síntese entre bom e mau. Pode também exacerbar a culpa e assim a
elaboração da PD, bem como do complexo de Édipo, resultando inclusive em prejuízos
intelectuais.
Klein (1957) propõe, porém, que haveria outro atributo inato, a capacidade de
gratidão, que interagindo com a inveja primária e podendo equilibrá-la de alguma
forma, favoreceria o desenvolvimento.
Simplificando, podemos dizer que a resolução do complexo de Édipo se assenta
sobre a possibilidade de suportar conviver com sentimentos depressivos (angústia de
perder ou machucar o objeto) e viabiliza a passagem da relação dual para relações
triangulares, fortalecendo os processos de simbolização e desenvolvendo o exercício de
conviver com sentimentos de culpa, ciúme, inveja e exclusão.
O sentimento de exclusão não necessariamente precisa ser vivido como algo
desvantajoso, depreciativo; além disso, é a capacidade de tolerar exclusão o que
possibilita o convívio com a diferença. O sentimento de culpa estimula a empatia e as
possibilidades de reparação.
A elaboração edípica dá espaço para que a abertura para o mundo se amplie,
sendo as regras, os valores deste assimilados, resultando nas características do período
de latência, período este que compreende mudanças significativas no funcionamento
mental, tal como vocês verão no próximo seminário.

Na verdade, o que Freud propôs como “resolução” do complexo Edípico, não


implica, como o termo poderia sugerir, que estamos às voltas com algo resolvido e

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acabado. Trata-se do desenvolvimento de uma melhor condição para enfrentar e lidar
com as angústias e conflitos edípicos, contendo, adiando, ou modificando os desejos
infantis.
Vários outros analistas contribuem para uma compreensão mais ampla da
situação edípica.
Por exemplo, Ferrari (2000) prefere utilizar a expressão “constelação edípica”,
para realçar o aspecto vivo e dinâmico desta situação que nos acompanha ao longo de
toda a vida.
Steiner chama a atenção para a dinâmica de poder que permeia a situação
edípica e como muitas vezes este aspecto é o que mais acaba chamando a atenção do
que os afetos envolvidos. Ele também realça a importância de que na triangulação a
exclusão não necessariamente seja experimentada como algo desvantajoso, mas sim
como algo apenas diferente, no sentido das diferentes qualidades de relação entre os
pais e entre os pais e os filhos.
Britton, que esteve recentemente entre nós, também traz contribuições muito
importantes. Ele lembra que Klein considerava que a possibilidade da criança suportar
as frustrações decorrentes da situação edípica sinalizavam para uma boa condição de
lidar com sentimentos depressivos e com a realidade, e, que a cada momento da vida,
quando uma nova situação triangular reativava as vivências primárias, ou anteriores,
haveria a possibilidade de lidar com essa situação de agora, de uma nova maneira, de
um modo mais harmonioso.
Para Britton elaborar a PD contribui de modo positivo para a elaboração edípica
e vice-versa. Ele propõe que o reconhecimento pela criança da relação entre os pais
delimita um espaço, o “espaço triangular”, demarcado pelas três pessoas da situação
edípica e em seu interior há um mundo compartilhado com os seus relacionamentos
potenciais .(Britton, 1989) .
Ester Sandler nos lembra que para Bion o complexo tal como descrito por Freud
não seria o ponto de partida, mas sim o ponto de chegada “almejado” por todas as partes
da personalidade, mas que as tentativas de resolução “estão muito mais dispersas no
tempo e são muito mais variadas nas suas formas e métodos de resolução adotados do
que temos nos dado conta, ou até mesmo suspeitado, até hoje”.
Do mesmo ponto de vista partilha Anne Alvarez, quando diz que os “vínculos
microcósmicos” precisam estar mais estabelecidos antes mesmo que se possam
construir os vínculos edípicos maiores.

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Sem dúvida o modo mais benigno para o qual a situação edípica pode se
encaminhar é perceber-se incluído na relação afetiva dos pais e excluído do
relacionamento erótico.
Podemos então pensar que “terceiro” pode representar qualquer tipo de privação,
desde a demora da mãe para amamentar o bebê, ou a presença de um irmão, até o
trabalho da mãe e mesmo qualquer outra atividade que desperte o interesse dela.
De todo modo, quando falamos do pai, na verdade estamos nos referindo à
“função paterna”, ou seja, aquela que permite à criança sair de uma relação fusional,
simbiótica com a mãe, abrindo as possibilidades para uma relação dual, desta para a
triangular e daí a relações cada vez mais amplas, ricas, complexas com as pessoas e o
mundo de modo geral.
O próprio bebê pode ser visto como o protótipo de um símbolo (Meltzer, 1985):
é um novo elemento, um terceiro ser resultante da união dos “signos” ♀♂, justamente
estes os utilizados por Bion para representar a relação continente/contido, sendo a
continência propiciadora à geração de símbolos, para o desenvolvimento da capacidade
de pensar.1
O “terceiro” é, pois o símbolo, aquilo que ao mesmo tempo reúne, pela
proximidade, mas que também separa; é diferente e distante do objeto, daquilo que ele
representa. O símbolo é metáfora de separação e ao mesmo tempo de reunião:
representa a ligação e a ruptura com o objeto.
O bom objeto com características totais, o objeto pensante interiorizado, é a base
para os sentimentos de identidade. Ter um objeto pensante incorporado que possa ser
reativado diante de cada nova experiência, no sentido do desenvolvimento, da busca de
conhecimento, possibilita ser um indivíduo pensante. (ilustração caso João)

Na análise
Recebemos para atendimento crianças com vários níveis de prejuízo da
capacidade simbólica. Isto pode se dever a vários fatores: além dos genéticos, os
gestacionais (Meltzer menciona a insuficiência placentária), os congênitos, as
instabilidades sociais, dificuldades emocionais dos pais, prejuízo da PMP, problemas
nas relações familiares, separação precoce mãe-bebê, perdas significativas, doenças

1
Signos: são usados não apenas para indicar, mas para representar as coisas.
Símbolos: têm um sentido que ultrapassa a experiência sensível; são usados como
instrumentos do pensamento.
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diversas, etc.
A decorrência da atuação destes fatores poderá abranger desde sintomas simples
e passageiros, até quadros severos, com prejuízos extremos do desenvolvimento, como
por exemplo, casos graves de autismo. Não há nenhum tipo de “especificidade”. As
angústias mobilizadas por estes fatores, atuando contra a vivacidade das fantasias,
prejudicam o contato com a realidade e o desenvolvimento simbólico.
A criança poderá apresentar vários sintomas, geralmente relacionados à fase de
desenvolvimento evolutivo em que se encontre; então inicialmente teremos os
distúrbios de sono, os alimentares, depois os ligados a controle esfincteriano, birra,
dificuldade com frustração, prejuízo do desenvolvimento da linguagem, agitação,
agressividade, angústia de separação, dificuldades escolares, medos, fobias, depressão,
defesas obsessivas, tiques, e mais raramente quadros psicóticos.
Klein descreve o caso Dick, em que a intensa inibição dos impulsos sádicos
levou a um enorme bloqueio da simbolização, resultando no quadro de autismo.
A falta de uma pele psíquica, nos dizeres de Ester Bick, pode impedir que a
criança passe a ter uma atividade psíquica que predomine sobre as atividades sensoriais,
e assim, por meio de excitações (como p. ex. a atividade física), defensivamente
constitui uma segunda pele, que minimamente recupere o senso de coesão do self –
imagino que a Teresa tenha falado sobre isso. Tais situações estão presentes nos tão
famosos diagnósticos feitos hoje para as crianças, o TDAH.
Já nos casos diagnosticados como “pânico” o que se nota é a perda de
representação do objeto, mais grave até do que a própria perda do objeto em si. A falta
de representação muitas vezes coloca o analista numa situação de muito desamparo. Daí
a importância dos estudos desenvolvidos pelos Botellas, acerca da figurabilidade.
A figurabilidade seria uma possibilidade no sentido da simbolização, que surge
no contato entre paciente e analista, em que este captaria angústias traumáticas, nunca
antes representadas (e o que não é representado não é passível de ser reprimido,
recalcado, esquecido), e que o analista conseguiria figurar, abrindo então caminho para
a elaboração do trauma.
Figueiredo sugere que o “terceiro” na situação analítica pode ser o enquadre, o
manejo e mesmo a interpretação. É interessante pensarmos nessa possibilidade, pois isto
nos ajuda a compreender a rejeição de interpretações da parte de pacientes com
dificuldade de reconhecer a situação edípica. A ocupação do lugar de um terceiro é para
Figueiredo a base da condição terapêutica do psicanalista.

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Muitas vezes atualmente, em nossos consultórios, precisamos trabalhar muito
antes de podermos atingir outros níveis de trabalho analítico, pois vamos precisar ajudar
a criança quase a aprender a brincar, a construir seu continente psíquico e poder criar e
desenvolver sua capacidade simbólica e sua expressividade.
A pré-linguagem do brincar prepara as crianças para a linguagem real e a
formação de símbolos possibilita a elaboração de angústias mesmo as mais primitivas.
Ferro sugere que na análise o problema do paciente deve se tornar o problema do
par – para isso se conta com a disponibilidade do analista, oferecendo sua mente como
palco para as narrativas, regulando as formulações das interpretações, pois muitas vezes
a atividade de continência precede a atividade interpretativa.
Hoje nas análises em geral e nas de crianças em particular, nossa relação com o
simbolismo é menos de decifração e mais de construção de significado. Muitas vezes,
especialmente com crianças com o desenvolvimento muito prejudicado, temos de
assumir posturas muito mais ativas do que nas “análises tradicionais” – tal como Anne
Alvarez sugere com a “reclamação” da criança e a “amplificação” de significados.
Ela também chama nossa atenção para a importância de procurarmos elaborar
nossas interpretações de acordo com o nível em que a criança se encontra – de acordo
com o gradiente de simbolização, ou seja, não apenas considerando o conteúdo mas o
uso que está sendo feito do símbolo, tal como já vimos.
As experiências de triangulação com a aceitação da privação resultam na
possibilidade de simbolização do objeto ausente, do objeto presente e do objeto
modulador, ativando o instinto epistemofílico, fortalecendo o vínculo +K, modulando os
vínculos L e H, portanto, fortalecendo o pensamento e a construção do conhecimento.
Fez muito sentido para mim a proposta de Ester Sandler de que na análise o
importante é a reparação da função-alfa, pois é dela que poderão transcorrer de modo
harmônico (no sentido de manter o contato com a realidade) o fantasiar, o sonhar, o
brincar, o pensar e o aprender. Ela continua:
“No caso do Édipo, reconhecer e entender a natureza da vida: o seio como
protótipo de objeto que nutre física e psiquicamente; a natureza criativa e geradora de
vida da relação entre os pais; a morte, ou a transitoriedade da vida; a diferença entre os
sexos; a diferença entre gerações.”
Finalizando, espero ter contribuído para que todos nós possamos colaborar com
nossas crianças, para que elas possam caminhar cada vez mais em direção ao “universo
maravilhoso da representação” (Botella, p. 31).

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