Este documento resume um livro sobre o Movimento da Educação Nova em Portugal no início do século XX. O movimento contestou a escola tradicional e propôs novas práticas como classes móveis, trabalhos manuais e visitas de estudo. No entanto, as escolas analisadas mantiveram muitos aspectos da estrutura tradicional e conceitos do movimento eram ambíguos, levando a práticas díspares.
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Um Roteiro Da Educação Nova Em Portugal, Escolas Novas e Prátics Pedagógicas Inovadoras (1882-1935)
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Um Roteiro Da Educação Nova Em Portugal, Escolas Novas e Prátics Pedagógicas Inovadoras (1882-1935)
Este documento resume um livro sobre o Movimento da Educação Nova em Portugal no início do século XX. O movimento contestou a escola tradicional e propôs novas práticas como classes móveis, trabalhos manuais e visitas de estudo. No entanto, as escolas analisadas mantiveram muitos aspectos da estrutura tradicional e conceitos do movimento eram ambíguos, levando a práticas díspares.
Este documento resume um livro sobre o Movimento da Educação Nova em Portugal no início do século XX. O movimento contestou a escola tradicional e propôs novas práticas como classes móveis, trabalhos manuais e visitas de estudo. No entanto, as escolas analisadas mantiveram muitos aspectos da estrutura tradicional e conceitos do movimento eram ambíguos, levando a práticas díspares.
Manuel Henrique Figueira, Um Ro- no desenvolvidos a partir de finais do
teiro da Educação Nova em Portu- século XVIII: a transmissão dos co- gal. Escolas Novas e Práticas Pe- nhecimentos exclusivamente através dagógicas Inovadoras (1882-1935), das aulas magistrais e dos livros es- Lisboa, Livros Horizonte, 2004, 319 tava completamente desligada do páginas. real; as aquisições cognitivas de tipo memorial não originavam qualquer saber que tivesse por base a com- Os temas relacionados com o preensão; finalmente, o ensino simul- Movimento da Educação Nova em tâneo era considerado um abuso por Portugal têm merecido especial aten- uniformizar horários, programas e ção dos investigadores nos últimos métodos, com uma absoluta falta de anos. A partir de uma diversidade respeito pela identidade própria e pela razoável de fontes, Henrique Figueira autonomia das crianças. procurou identificar o modo como Ao mesmo tempo que contestou este movimento se implantou e que a escola tradicional, este movimento desenvolvimento teve, assumindo inovador pretendeu criar uma escola deliberadamente uma atitude de regis- alternativa que respeitasse a indivi- to das actividades de doze escolas, dualidade dos alunos, procurando ter tendo como incidência cronológica em conta o desenvolvimento das suas principal as três primeiras décadas aptidões. Este propósito foi posto em do século XX. prática através da introdução de no- A obra, apresentada como Rotei- vos elementos de apoio à formação ro, procura explicar historicamente das crianças e jovens: grupos de tra- cada escola, inseri-la no meio educa- balho de composição variável ao lon- tivo da época e compará-la com ini- go do ano — as chamadas classes ciativas semelhantes. Para além disso, móveis; novos espaços para activi- são apresentados e analisados os dades educativas, além da sala de casos concretos da difusão de qua- aula — excursões científico-pedagó- tro práticas pedagógicas inovado- gicas, visitas de estudo, conferências ras — trabalhos manuais educativos, proferidas aos alunos e pelos alunos, correspondência interescolar, impren- jogos lúdico-educativos e jogos des- sa escolar e cinema educativo —, portivos; novos espaços de saber e classificadas como tal pelos protago- de saber-fazer, para além das disci- nistas que as concretizaram noutras plinas — trabalhos manuais educati- escolas espalhadas pelo país. vos, trabalhos oficinais e trabalhos O Movimento da Educação Nova agrícolas; novos espaços de auto- surgiu nos anos 80 do século XIX, re- controlo — tempos livres para activi- presentando a primeira tentativa dades de escolha dos alunos geridos estruturada de dimensão internacio- por si próprios, a par do controlo nal que pôs em causa a escola tradi- social exercido através do horário cional e os sistemas estatais de ensi- escolar; finalmente, novos espaços 731 Análise Social
de participação social — associações, iniciativa que pudessem correspon-
«solidárias», clubes, jornais escolares der à agressiva competição entre os e correspondência interescolar. países. O desenvolvimento da educação Manuel Henrique Figueira proce- nova — movimento pedagógico que deu à análise dos elementos da cultura se desenvolveu essencialmente nos organizacional das doze escolas em países ocidentais — incorporou as apreço: as manifestações conceptuais preocupações da sociedade e os (a partir dos textos de autojustifica- avanços científicos de várias discipli- ção), as práticas pedagógicas, os sis- nas nos anos finais de Oitocentos. temas de avaliação dos alunos, as Uma das influências que se podem normas e regulamentos e as activi- identificar é a do higienismo, deriva- dades educativas não curriculares, do da necessidade de correcção dos como jogos, festas, visitas de estudo, problemas causados pelo industrialis- excursões, colónias de férias e ou- mo e urbanismo desenfreados. Vá- tras. rios estudos científicos evidenciavam Apesar dos esforços de inova- também os malefícios provocados ção, estas escolas não conseguiram nas crianças escolarizadas pelo mode- romper com a estrutura organizacio- lo de organização escolar vigente, nal do modelo escolar dominante, contrário ao seu desenvolvimento fi- tendo sido compostas por uma mes- siológico e psicológico. cla de elementos estruturais e organi- Os progressos da medicina expe- zacionais. Alguns elementos foram rimental permitiram a identificação adoptados da escola que existia (e da origem dos males e a elaboração que continuou a existir). Outros fa- de soluções. A educação nova lutou ziam (e ainda hoje fazem) parte da pela afirmação da higiene escolar, no cultura escolar, de um modo geral (a cruzamento da higiene com a peda- chamada gramática da escola). Ou- gogia. A medicina pedagógica real- tros ainda eram efectivamente ele- çou a importância da observação do mentos da educação nova. indivíduo e a consideração das suas Da escola existente foi adoptada, potencialidades físicas e mentais, na maior parte dos casos (apesar de como condições prévias do processo todas as ideias inovadoras), a estrutu- de aprendizagem. A psicologia, ra fundamental: classes graduadas de emergente nos finais do século, composição homogénea; professores mostrava as especificidades da in- actuando a título individual (generalis- fância em relação à idade adulta, tas no primário e especialistas no se- dando origem ao desenvolvimento de cundário); espaços estruturados de uma pedagogia centrada essencial- acção escolar induzindo uma pedago- mente no aluno. Por outro lado, do gia centrada na sala de aula; o contro- ponto de vista político, cada vez lo social do tempo escolar através dos mais se sentia a necessidade de for- horários; a maioria dos saberes orga- 732 mação de elites com capacidade de nizados em disciplinas. Recensões
Um outro aspecto focado como Figueira identifica correctamente os
gerador de fragilidades intrínsecas propósitos políticos da maior parte foi o da ambiguidade conceptual do dos intervenientes, que visavam uma movimento, em geral, e das escolas formação do cidadão através da edu- analisadas, em particular. A educa- cação moral e cívica, baseados na ção nova enunciava um vasto con- crença maçónica e republicana da junto de princípios orientadores que transformação do mundo através da constituíram um saber pedagógico escola. Aponta ainda o caldeamento do qual resultaram novas práticas entre educação nova e os ideais que se diziam científicas, assim libertários na prática identificada da como a difusão de saberes e de sa- Escola Oficina n.º 1 de Lisboa. Po- ber-fazer em relação à criança e ao rém, apesar de apresentar alguns re- acto pedagógico. As principais bases gistos que o podiam orientar, o autor eram a psicologia infantil, o apoio na não refere suficientemente a presen- ciência, a pedagogia do interesse, a ça entre os iniciadores e mentores educação integral (intelectual, física das escolas novas de convictos e e moral), a escola activa (participa- abnegados tradicionalistas, cujos fins ção dos alunos), um novo papel do de formação divergiam acentuada- professor, uma escola na vida (liga- mente dos apontados, embora man- ção à realidade e simulação de vivên- tenham pontos de contacto. cias sociais), a actividade manual, o O Colégio Liceu Figueirense espírito criador, o respeito pela indi- (1902-1911), por exemplo, era obra vidualidade do aluno, a autodisciplina da iniciativa do seu director, que e a auto-educação. Manuel Henrique Figueira aponta Todavia, todas estas noções eram como «monárquico e bastante reli- pouco precisas e susceptíveis de gioso» quando procura explicar a di- originarem práticas díspares, se não ficuldade de adaptação ao regime mesmo contraditórias, algumas das republicano (p. 57). Porém, não tira quais necessitaram posteriormente a devida ilação dos factos apresenta- de ser explicitadas, sem que a ambi- dos — a da existência, desde muito guidade de que eram portadoras ti- cedo, de uma corrente tradicionalista vesse sido eliminada. O resultado, e católica no seio do próprio movi- segundo o autor, teria sido a aplica- mento em Portugal. ção das ideias da educação nova em Na distribuição dos tempos de diversos espaços sociais e a sua ocupação do Liceu Figueirense in- posterior apropriação por projectos cluíam-se orações (duas vezes por políticos diferentes e mesmo antagó- dia), uma disciplina de Religião e nicos, como já António Nóvoa de- Moral (duas vezes por semana) e fendeu em várias das suas obras. missa ao domingo. O Colégio foi É precisamente neste ponto que encerrado por iniciativa própria em reside a principal deficiência que se Agosto de 1911, em pleno período pode apontar a esta tese. Henrique de euforia republicana, em que o 733 Análise Social
Estado fiscalizava a laicidade do en- dade empreendedora, os pedagogos
sino particular. Embora os seus tinham (e têm) sempre subjacentes princípios apontassem no sentido da modelos de sociedade, e de cidadão, regeneração em relação a uma socie- ideais que lhes serviam (e servem) dade considerada perversa, decerto de referência. Assim sendo, é muito que o modelo de cidadão que preten- questionável qualquer alegada auto- dia formar não era o mesmo do de- nomia dos métodos e processos edu- fendido pelos maçons e republicanos cativos. Normalmente eles estão ao presentes na maioria das outras ini- serviço de sistemas de crenças (en- ciativas. tendidos como o conjunto das ideo- O tratamento deste caso é sinto- logias de legitimação e de utopias de ma do modo como a obra se desen- regeneração ou de salvação). volve. A forte presença de ideologias Um dos sistemas de crenças pre- legitimadoras e de utopias de regene- sentes na sociedade de então, apesar ração não terá sido destacada em do combate que lhe foi movido, no todas as suas vertentes, como, aliás, início, pelo Estado laico republicano, é prática comum na grande parte das foi o nacionalismo católico, aliado ou obras de história da educação produ- não às várias causas monárquicas. zidas no nosso país. O principal objectivo defendido por Embora o autor faça referência esta corrente desde os fins do século aos ideais da maior parte dos mento- XIX e, de certa maneira, implícito em res e os relacione com algumas con- toda a sua matriz doutrinal era o da cepções e práticas da educação recristianização da sociedade, rela- nova, não consegue constituir o cionando o ressurgimento pátrio com puzzle entre essa ideias e a pedago- a restauração da influência católica. gia. E, no entanto, fornece pratica- Tratava-se, portanto, de uma causa mente todas as peças para estabele- apresentada com uma dupla feição cer essa ligação. Eventualmente, não redentora: nacional e moral/religiosa. o terá conseguido por ser portador Este objectivo implicava a formação de uma perspectiva demasiado cen- de elites dinâmicas imbuídas do mes- trada nas virtualidades autónomas da mo sistema de crenças para levar por pedagogia. Ora, a pedagogia consis- diante os seus propósitos. te num conjunto de métodos e pro- Do mesmo modo que nas cor- cessos que visam atingir determina- rentes maçónica, republicana e dos fins. E não podemos confundir anarquista, também entre os tradi- esses objectivos, a maioria das vezes cionalistas católicos houve quem dissimulados ou inconscientes, com compreendesse as limitações dos as fórmulas justificativas e de autole- métodos de ensino vigentes na for- gitimação dos currículos e da propa- mação de indivíduos activos e enér- ganda. gicos. E esses formaram uma ten- Ao pretenderem formar cidadãos dência dentro do próprio Movimento 734 com iniciativa, criatividade e capaci- da Educação Nova, mesmo a nível Recensões
internacional, que havia de se tornar derno de Coimbra (1910-1921). José
preponderante nos anos 30 do século Joaquim de Oliveira Guimarães, um XX. Não se trata, portanto, de qual- dos fundadores, director e principal quer tipo de apropriação tardia pedagogo do Colégio, era membro (como é geralmente sugerido) a adop- do Centro Académico da Democra- ção e divulgação da educação nova cia Cristã, de Coimbra, desde 1906 por sectores tradicionalistas, mas (v. a revista Estudos Sociais, órgão sim o resultado da existência de uma do CADC, ano II, n.os 2, 3, 4 e 10). pluralidade de influências políticas, Durante o Estado Novo seria o ins- tentando usar em proveito próprio pector do Ensino Particular, com a um movimento que se manteve pro- função de verificar o cumprimento positadamente ambíguo nos seus das regras estabelecidas para este propósitos. tipo de ensino (de sujeição total às Em Portugal, a participação desta directrizes do governo), e um dos corrente na educação nova é, nesta obreiros da célebre reforma de Car- obra, detectável desde 1902 no Colé- neiro Pacheco em 1936. gio Liceu Figueirense. Todavia, exis- O registo de actividades do Colé- tem outros casos que merecem algu- gio, obtido por informação do pró- mas associações de ideias. prio Oliveira Guimarães em 1913, No Colégio da Boavista, no Porto não denuncia qualquer actividade li- (1905-1924), são registados o ensino gada à religião e nos propósitos da religião cristã e a missa aos do- apresentados apenas se afirma que a mingos (pp. 82-83), apesar de Hen- educação moral é toda tendente a in- rique Figueira afirmar que o seu fun- tegrar no carácter dos alunos um dador, proprietário e director, João automatismo psicológico de uma Diogo do Carmo, apenas se guiava moralidade perfeita. No entanto, em por razões educativas (p. 224). Uma 1913, dizer algo de mais concreto outra afirmação do autor, em relação para além disto poderia implicar o às iniciativas deste pedagogo, de que fecho do Colégio. não houve explicitamente um objec- Há outros pormenores que com- tivo político a atingir merece o co- plementam este raciocínio: a partici- mentário de que os fins implícitos ou pação activa de Manuel Rodrigues, dissimulados são, na maioria dos elemento próximo de Salazar, que, em casos, muito mais facilmente atingi- 1926, seria, como ministro da Justiça, dos, exactamente pelo facto de se- o concessor de um estatuto jurídico e rem menos susceptíveis de levanta- o iniciador do processo de devolução rem obstáculos e objecções externas. dos bens à Igreja, para além da sua E o manifesto anticlericalista republi- constante participação nos governos cano justificava plenamente este tipo do período de edificação do Estado de actuação. Novo (1930-1936); por outro lado, há O mesmo raciocínio pode perfei- que destacar a presença na bandeira tamente aplicar-se ao Colégio Mo- do Colégio, por trás do escudo nacio- 735 Análise Social
nal, de uma cruz de Cristo, elemento Portugal sobre o assunto. As pres-
icónico adoptado como símbolo pelo sões e a repressão exercidas sobre Partido Nacionalista (1903-1910), algumas figuras da educação nova pelo CADC, pelo Integralismo Lusita- podem ser compreendidas a partir da no e, mais tarde, pelos nacionais-sin- noção de que essas figuras eram, dicalistas. real ou supostamente, também Um último pormenor: por coinci- activistas políticos que o regime au- dência (ou não), nenhum destes três toritário não podia deixar de reprimir. colégios praticou a coeducação, op- E não se deve deixar de salientar que ção educativa considerada por Ma- o expoente máximo da educação nuel Henrique Figueira fulcral para o nova em Portugal, Faria de Vascon- desenvolvimento dos aspectos rela- celos, colaborou com o Estado Novo, cionais dentro do espírito da educa- como director do Instituto de Orien- ção nova. É conhecido o combate tação Profissional, até 1939. dos católicos contra esta opção no De qualquer forma, o presente aparelho de Estado a partir de 1926, trabalho é uma obra de referência apesar das justificações aduzidas obrigatória para os estudiosos da pelo autor em relação à sua ausência educação do período da República, e em cada um destes três estabeleci- mentos de ensino. até do Estado Novo, pela importân- A actividade de uma corrente tra- cia que as práticas pedagógicas dicionalista no seio do Movimento da inovadoras viriam a assumir nos Educação Nova é ainda atestada pe- projectos educativos para os liceus e los conflitos que levaram à mudança escolas técnicas do salazarismo. Pelo dos representantes em Portugal da conjunto da informação disponibiliza- Liga Internacional para a Educação da, pela sua forma inovadora de Nova em 1929 — Manuel Subtil, apresentação, pelas deduções explíci- Cruz Filipe e Domingos Evangelista tas ou implícitas, pela actualidade do são os principais nomes em saliên- tema, constitui também um instru- cia. Cai, assim, por terra a ideia de mento de trabalho imprescindível a uma dualidade educação nova/pro- quem se debruce sobre os problemas gressistas versus tradicionalistas, de- da educação em Portugal. fendida pelo autor nesta obra e cons- tante nos trabalhos publicados em JORGE DE SOUSA RODRIGUES