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Capitulo | As fungées das entrevistas preliminares Quando curiasamente te perguntarem, buscando saber 0 que € aguilo, Nao deves afirmar ou negar nada. Pois o que quer que seja afirmado ndo é.a verdade, E 0 que quer que seja negado nao é verdadeiro Como alguém poderd dizer com certeza 0 que Aquilo possa ser Enquanto por si mesmo ndo tiver compreendido iplenamente 0 que E? E, apés té-lo compreendido, que palavra deve ser enviada de uma Regio Onde a carruagem da palavra néo encontra uma tritha por onde possa seguir? Portanto, aos seus questionamentos oferece-thes apenas o siléncio, iléncio — ¢ um dedo apontando 0 caminho. Verso budista Em seu texto “O inicio do tratamento”, Freud diz ter 0 habito de praticar 0 que chama de tratamento de ensaio: tratamento psicanalitico de uma ou duas semanas antes do comeso da anilise propriamente dita. Isto serviria, segundo ele, para evitar a interrupgao da andlise apés um certo tempo. Freud nao especifica, porém, por que esse tratamento se interromperia. Veremos mais adiante que sua continuagio est4 absolu- tamente conectada a questéo da transferéncia, Nesse mesmo texto, Freud anuncia que a primeira meta da andlise é a de ligar o paciente ao seu tratamento ¢ 4 pessoa do analista, sendo 13 “4 As 441 condigdes da andlise mais explicito em relagio a pelo menos uma fungao desse tratamento de ensaio: a do estabelecimento do diagnéstico ¢, em particular, a do diagnéstico diferencial entre neurose ¢ psicose. A expresso entrevistas preliminares corresponde em Lacan ao tra- tamento de ensaio em Freud. Essa expressio indica que existe um limiar, uma porta de entrada na andlise totalmente distinta da porta de entrada do consultério do analista. Trata-se de um tempo de trabalho prévio, a andlise propriamente dita, cuja entrada € concebida nao como conti- nuidade, e sim — como o préprio nome tratamento de ensaio parece sugerir — como uma descontinuidade, um corte em relagao ao que era anterior e preliminar. Esse corte corresponde a atravessar 0 umbral dos pteliminares para entrar no discurso analitico. Esse preambulo a toda psicanilise ¢ erigido por Lacan em posigo de condicio absoluta: “nao ha entrada em andlise sem as entrevistas preliminares”.? Na pritica depreendemos, no entanto, que nem sempre é posstvel demarcar nitidamente esse umbral da andlise. Isto ocorte porque tanto nas entrevistas preliminares quanto na prépria andlise 0 que est em jogo é a associacao livre. “Este ensaio preliminar”, diz Freud, “é ele préprio o inicio de uma andlise ¢ deve conformar-se as suas regras. Pode-se talvez fazer a distingao de que durante esta fase deixa-se o paciente falar quase 0 tempo todo € nao se explica nada mais do que o absolutamente necessdrio para fazé-lo prosseguir no que esté dizendo.” Temos, portanto, a indicagao de que, nesse momento, a tarefa do analista ¢ apenas a de relangar discurso do analisante. Freud, entretanto, dird que “hd razées diagnés- ticas para fazer esse tratamento de ensaio”. Este € 0 momento em que, por princfpio, a questo diagnéstica est4 em jogo: ‘As entrevistas preliminares tém a mesma estrutura da anélise, mas séo distintas desta. Logo de safda a situagao &, portanto, colocada a nivel de um paradoxo que pode ser escrito assim: EP = A — ~~ EP#A € que se lé: entrevistas preliminares séo iguais & andlise, implicando que entrevistas preliminares sio diferentes da andlise. Disso se conclui que: 12 — A associacao livre mantém a identificagéo das entrevistas preliminares com a andlise (EP=A). As fungdes das entrevistas preliminares 15 28 — Esse tempo de diagnéstico faz com que se distinga entrevistas preliminares da anélise (EP# A). O analista esta submerido a esse paradoxo, a partir do qual decidir se ird ou no acatar aquela demanda de andlise. Do ponto de vista do analista, as entrevistas preliminares podem ser divididas em dois tempos: um tempo de compreender ¢ um momento de concluir, no qual ele toma sua decisio. E nesse momento de concluir que se coloca o ato psicanalitico, assumido pelo analista, de transformar o tratamento de ensaio em andlise propriamente dita Em O diva ético (cap. Il) veremos como o corte que implica essa passagem é um ato que pode ser significado ao sujeito pela indicaso do analista para que 0 analisante se deite. Esse corte é a manifestacio do analista ao candidato & andlise de que ele o accita em andlise. Indicagao importante, pois o fato de receber alguém em seu consultério nao significa que 0 analista o tenha aceito em anilise. O sujeito sabe-se candidato a analisante, ¢ fica na expectativa de que o analista por ele escolhido venha a confirmar que também o escolheu: para a anilise se desencadear & necessdtio, além da escolha do candidato, a escolha por parte do analista. Na constituicéo dessa dupla escolha, 0 sujeito seré impelido a claborar sua demanda de andlise, 0 que é verificado, como veremos, na prética, como um fator de histerizagio (§ — SI) na produsao do sintoma analitico. Podemos dividir em trés as fungées das entrevistas preliminares, cuja distribuiggo é antes Idgica do que cronoldgica: 12 — A fungao sintomal (sinto-mal). 2° — A fuungao diagndstica. 38 — A funcéo transferencial. 12 — A fungdo sintomal (sinto-mal) ‘A demanda de andlise pode ser considerada em termos de sua produgéo, sendo um produto da oferta do psicanalista. “Consegui, em suma, diz Lacan, 0 que no comércio comum se gostaria de poder realizar to facilmente — com a oferta, criei a demanda”.> Hé uma corrente de reflexdo psicossociolégica assolando nossos trépicos que se preocupa com as condigées de criagdo dessa demanda pela difusao da psicandlise.

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