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APROVAÇÃO ECLESIÁSTICA

Autor: Padre Carlos Regattieri - Publicado em: 02 de junho de


1921

Approvação

Tendo mandado examinar o presente


opusculo "O processo de Jesus", e nada encontrando nelle contra a Fé e
moral christãs, havemos por bem approval-o, e dar licença para que se
possa imprimir, como aqui o fazemos.

Botucatú, 2 de Junho de 1921.

Lucio, Bispo de Botucatú.

O PROCESSO DE JESUS - A CAPTURA


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I PARTE (Processo Religioso)

* Foi preservado o português da época (1921)

A Captura
Hoec est hora vestra et potestas tenebrarum. -
Lucas - XXII, 53

O Era uma noite de quinta-feira do 14


de Nisan, ou de 06 de abril de 783 da fundação de Roma (1).
Quem, nessa noite, se tivesse achado na cidade de Jerusalem e
precisamente nas adjacendias do Palacio do Governador
romano e dos Summos Pontificies, teria, sem duvida, notado
um movimento, uma agitação que contrastava altamente com a
calma habitual que, a essas horas avançadas, costumava
desfructar o bairro mais aristrocratico da cidade dos Prophetas.

Grupos de individuos armados de


espadas e páus (2) iam e vinham em attitude impaciente,
provocadora, resoluta. De subito, uma companhia de soldados,
sob as ordens de um Tribuno, á qual se juntaram servos e
subalternos dos grandes sacerdotes e phariseus, tambem
armados, sahiu do Pretorio, tomando, apressadamente, a
direcção noroéste.
A lua (3) que nesse momento brilhava
num céo recamado de estrellas, e envolvia, num nimbo de prata,
a antiga capital da Palestina, batia em cheio, como uma lamina
de aço, sobre o aspecto sinistro de um homem que, açulado pelo
demonio da cubiça, parecia ser, si não o chefe, certamente o guia
daquella turba eivada de odio e sedenta de sangue. Era Judas de
Keriot, o qual, seguido pelas praças e pela famulagem
subornada, atravessando de leste a oeste a cidade alta, e
tomando, depois, o rumo norte, passou o Cedron e parou um
instante ao sopé do Monte das Oliveiras, a poucos passos dos
muros que cercam o Gethsemani.

Entrou. Não lobrigando alma viva,


dirigiu os passos para o lado norte onde uma especie de corredor
descoberto, cavado, pela natureza, na pedra, dava acesso a uma
gruta de 17 metros de comprimento, 9 de largura e 3,50 de altura
(4).

O personagem que se procurava e que


nesse instante, com a alma crivada de angustias, se mantinha
prostrado num canto, ergueu-se ao rumor dos passos em tropel, e
esperou, resignado, a sorte que o odio recalcado dos seus
inimigos lhe havia preparado.

Estava para ter inicio o desenrolamento


de scenas de horror, previstas, com admiravel clareza, oito
seculos antes, pelo Propheta Isaias, scenas que deveriam ter,
como remate, a mais clamorosa infamia que registra a historia da
humanidade.

Á vista dessa matula armada e guiada


por um scelerado que, até bem poucos momentos, honrára com a
sua amizade, Jesus (porque era Elle) sentiu-se profundamente
ferido e disse:
_
Viestes capturar-me como si eu fora
um ladrão; entretanto, todos os dias eu estava comvosco no
Templo e nunca me prendestes. (5) Mas, já que procuraes a mim
só, deixae em paz estes meus amigos. (6)

Referia-se aos discipulos que levára


comsigo.

Poucos momentos depois, Jesus era


amarrado e, no meio de uma algazarra infernal, levado ao
Palacio de Annaz.

Qual fôra o motivo da captura de


Jesus? Apparentemente algum crime religioso ou político de
que os seus inmigos queriam tornal-o responsavel. Na realidade,
porém, no fundo de todo esse zelo hypocrita em defesa da
Religião ou do Estado, apparecia claro e insophismavel um
sentimento de odio, filho do ciume incontido pela popularidade
que alcançára Christo na Palestina. A majestade de seu porte, a
graça ineffavel que transluzia do seu rosto, a ternura
incomparavel do seu coração, o seu desvelo desinteressado em
pról dos infelizes, a boa nova que annunciava e que vinha abrir,
á sociedade, descortinos vastos e desconhecidos, a guerra sem
quartel que, com um desassombro mumca visto, movia á
ambição e hypocrisia dos potentados, esta e um sem numero de
outras bellezas moraes de que andava exornado e que não se
pódem traduzir em linguagem humana, arrastavam, após si, as
multidões que, em momentos de irreprimivel entusiasmo, o
acclamavam, delirantemente, Propheta e Rei!

Accresce que, ultimamente, um grande


acontecimento acabava de abalar todos os espíritos. Achando-se,
seis dias antes (8 de Nisan), Jesus, na cidade de Bethania, e
tendo ahi, morrido o seu amigo Lazaro, ressuscitára-o com um
prodigio. O facto extraordinario echoara, com a rapidez do raio,
de um canto a outro da Palestina, e cercára Jesus de uma aureola
tão luminosa que, quando, dois dias depois, entrou em
Jerusalém, fôra alvo da mais estrondosa e imponente
manifestação popular.

Este delirio suscitado por Jesus, vinha


encrustar outra camada de odio no coração dos seus inimigos
que, em precipitado concluio, juraram perdel-o: _ Que havemos
de fazer? perguntavam uns aos outros, este homem faz muitos
prodigios, si o deixarmos continuar, todos crerão nelle: "Quid
facimus? Quia hic homo multa signa facit? Si dimittimus eum
sic, omnes credent in eum" (7).

E a prisão de Jesus, effectuada na noite


do 14 de Nisan, não era outra cousa sinão a consequencia do
trama urdido no diabolico comicio.

Eil-o, pois á presença de Annaz (8)


amarrado como um malfeitor.

Não se comprehende e não se justifica a


razão pela qual a esbirralha quis arrastar Jesus á presença de
Annaz que não cobria, havia muito tempo, nenhum cargo
publico. Talvez, como opina Cornelio a Lapide, tomassem essa
resolução por méra deferencia a seu genroCaiphás, Grande
Sacerdote naquelle anno. Seja como fôr, o que não padece
duvida, é que Annaz fôra a alma de toda a conjura movida,
secretamente, contra Jesus. De engenho vivo, astucia pouco
commum, ambicioso em extremo, alcançára de Sulpicio
Quirino, Governador da Syria e da Judéia, o título de Grande
Sacerdote, cuja funcção permanecera quasi dez annos.

No dia da prisão de Jesus, havia mais de


três lustros que não ocupava esse supremo cargo.

Á sua influencia, porém, e


especialmente, ao seu genio intrigante e ao ouro que sabia
profusamente espalhar em occasião opportuna, deve-se a
nomeação, feita por Valerio Grato, do seu genro José Caiphás o
Grande Sacerdote. (9)

Estando, pois, Jesus, perante Annaz,


este, embora não lhe assistisse o direito, entendeu submettel-o a
um interrogatorio preliminar, enquanto no Palacio de Caiphás se
estavam tomando, ás pressas, as providencias para um
interrogatorio mais completo e um julgamento mais formal.

(Próximo tópico: O Interrogatório)

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Notas de rodapé * Para voltar ao texto, clique sobre o tópico


correspondente

(1) O 14 de Nisan correspondia, nesse anno,


segundo Didon, aos 06 de abril; segundo Bacuez e Vigouroux, aos 2. Vejam
Didon - Jesus Christo - App. A., pag. 902, e Bacuez e Vigouroux - Manuel
Biblique - Trois. Partie, Cap. 1.

(2) "Cum gladiis et fustibus", Math. XXVI, 42; Luc.


XVII, 52; "Cum gladiis et lignis", Marc. XIV, 48.

(3) No dia seguinte, 15 de Nisan, era o plenilunio.

(4) Vigouroux - Le Nouveau Testament et les


Decouverts Archeologiques - Livro II, 6, V.

(05) e (06) - Math. XXVI, 55 e Joann. XVIII, 8.


(07) Joann, XI, 47-48

(08) Os Evangelistas Matheus, Marcos e Lucas não


alludem ao facto de ter sido, Jesus, levado á presença de Annaz.

(09) Caiphás não foi o sucessor immediato de


Annaz, visto como a este succedeu logo Ismael, filho de Phabi, a este Eleazar, filho
de Annaz, e a Eleazar, Sinão, filho de Camith. Cada um se manteve no cargo um
anno, até que em 770 ou 771 da fundação de Roma, ou seja, no ano 16 ou 17 depois
de Christo, Simão foi succedido por José, conhecido por Caiphás, o qual se manteve
em exercício até o ano 34 d. Chr., ou 35 ou 788-789 da fundação de Roma - Confr.
Dictionnaire Encyclopedique de Theologie pour des Dotrs, Welzer e Welte, traduz.
do allemão por J. T. Goschler, Terc. Edic. Vol. II; Cap. X. pag. n. 42.

O PROCESSO DE JESUS - Interrogatório Preliminar


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I PARTE (Processo Religioso)

* Foi preservado o português da época (1921).

Interrogatorio Preliminar

Começou a interrogal-o sobre seus


discipulos e sua doutrina.

Jesus nada tinha que responder a quem, sem


se achar investido do Supremo Sacerdocio, pretendia devassar-lhe a
vida. Entretanto, por nimia condescendencia, entendeu responder-
lhe dizendo:
_
Eu sempre falei em publico e sem
mysterio. A minha doutrina foi prégada na Synagoga e no Templo
para onde vão todos os judeus, e nunca préguei ás escondidas.
Porque, pois, me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que eu
ensinei, estes devem saber o que eu disse. (1)

O Evangelista S. João, de cujo Evangelho


extrahimos esta passagem, não nos diz qual o effeito destas palavras
sobre o espirito de Annaz. A situação do astuto e Grande Sacerdote,
porém, havia de ser bastante critica. Jesus appelava, não para o
testemunho dos seus discipulos que o acompanharam por toda a
parte, pois teriam sido suspeitos e não se lhes teria acreditado, mas
para o testemunho dos seus proprios inimigos perante os quaes
tantas vezes prégara no Templo e na Synagoga. Qual testemunho
mais insuspeito desde que houvesse empenho em se querer descobrir
a verdade?

A lição, que o improvisado Juiz não pedira


ea que não estava preparado, mas que acabara de receber, havia de
tornal-o bem pequenino e ridiculo aos olhos dos circumstantes.
Então um servo bajulador, provavelmente no intuito de livral-o de
uma situação tão humilhante, descarregou uma tremenda bofetada
no rosto de Jesus dizendo:
_
Desta maneira é que respondes ao
Pontificie?

A este acto de inqualificavel vilania,


limitou-se, mansamente, a dizer:
_
Si falei mal, dá testemunho desse mal,
mas, si falei bem, porque me maltratas?

Nada mais acrescenta, o Evangelista, a


respeito desta scena selvagem, a não ser que Jesus, por ordem de
Annaz, foi logo conduzido ao Palacio de Caiphás, para ser
novamente interrogado e julgado pelo Synhedrio.

(Próximo tópico: O Sinédrio)

(*) Notas de rodapé na base * Para voltar ao texto, clique no tópico


abaixo.

(1) João. XVIII, 20-21.

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O PROCESSO DE JESUS - O Sinédrio


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I PARTE (Processo Religioso)


* Foi preservado o português da época (1921).

O Synhedrio
Podiam ser duas horas da madrugada de
sexta-feira,quando Jesus foi levado á presença de Caiphás. Numa das
salas do Palacio do Grande Sacerdote acabavam de improvisar uma
especie de tribunal, no qual, pela rapidez dos acontecimentos, não
poderam tomar parte sinão poucos membros do Synhedrio.

O Synhedrio era, entre os judeus, uma


especie de Supremo Tribunal onde eram examinados e julgados os
crimes de heresia, apostasia, idolatria, falso propheta, etc.

Era composto de 71 membros divididos em 3


Camaras: A Camara dos Grandes Sacerdotes, a dos Anciãos e a dos
Escribas ou Doutores da Lei.

(Próximo tópico: Câmara)

(*) Não há notas de rodapé

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O PROCESSO DE JESUS - Câmara dos Sacerdotes


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I PARTE (Processo Religioso)

* Foi preservado o português da época (1921).

Da Camara dos Grandes Sacerdotes

que Tomaram Parte no Processo de Jesus

Caiphás - Presidente do Supremo Tribunal.


Annaz - Sogro de Caiphás.
Eleazar

Jonathas

Theophilo

Mathias

Ananus
} filhos de Annaz

Gceva
Joazar

Eleazar

Simão
} da família de Simão
Boéthos

Kanthéro
que mais tarde fizeram parte do conselho
João e Alexandre } que julgou Pedro e João presos no dia de
Pentecostes.

Da Camara dos Anciãos

Ben Kalba Scheboua e Ben Tistsit Hocassat


} capitalistas

Simão _ Doutor da Lei

Doras _ da família do Gov. romano Feliz

João

Dorotheo

Triphão

Cornelio e José D'Arimathéa - dos que nos falam


os Evangelistas

Da Camara dos Escribas


Gamaliel - filho de Hillel, mestre de Paulo, Barnabás e
Estevão.

Simeão - Filho de Gamaliel.

Onkelos - autor da paraphrase do Pentateuco

Jonathas benm Huziel - autor da paraphrase sobre a Lei e


os Prophetas

Samuel o Pequeno

Kananias ben Khiskhias

Ismael ben Beliza

Rabbi Zadok

Jokhanan ben Zakhai

Habba Saul

Heleazar ben Partha

Ao todo 39 membros

Contavam-se 36 crimes contra os quaes era


comminada a pena de morte. Para 17 havia a pena de morte pela
lapidação, para 10 pela fogueira, para 2 pela espada, para 6 pelo
estrangulamento.

Segundo Chauvin, de cuja obra


extrahimos os nomes conhecidos dos Juizes que tomaram parte no
processo de Jesus, o Synhedrio, quando completo, constaria de 72
membros, divididos em Tres Camaras de vinte e trews membros
cada uma (e neste caso teriamos o Sinhedrio completo com 69
membros). Capecelatro (Errori del Renan nella visita di Gesú, Cap.
XIX) dá tambem o numero 72. O mesmo numero dá Cornelio a
Lapide, deva attribuir-se a um simples cochilo, e que o mesmo
numero admittido por Chauvin e Capecelatro não seja conforme a
verdade. De facto, o mesmo Cornelio a Lapide, no mesmissimo
Commentaria in Mattheum, Cap. XXVII, nota ao 1º. versiculo, dá o
Synhedrio completo com 70 membros, e outro tanto faz em outros
logares (Comm. in Num. C. XI, nota an vers. 16 - Comm. in Deut.
Cap. XVII, nota ao vers. 9).

De outra parte é sabido que Deus


ordenou a Moysés de subir o Sinai com Aarão, Nadab e Abiu, filhos
maiores de Aarão e mais setenta anciãos. Exod. XXIV, 1). Mais
tarde Deus ordenou a Moysés de escolher setenta homens como
seus auxiliares no governo do povo. (Num. XI, 16). Estes setenta
não são aquelles que acompanharam Moysés á subida do Sinai a que
allude o Exodo, mas parte daquelles e parte de outros escolhidos
posteriormente entre o povo. Estes ultimos (os dos Números) foram
os que formaram o Synhedrio em numero de setenta, numero que se
conservou, em seguida, até aos tempos de Christo. Parece, porém,
que o Presidente do Synhedrio não era dos 70, porque o officio dos
70 consistia em auxiliar o Supremo Pontifice.

"Manserunt, diz Cornelio a Lapide (Num. XI, nota ao vers. 16) hi


septuaginta deinceps, et continuos habuere successores, etiam in
Chanan, sed carentes spiritn prophetico. Nam solo consilio suo
aderant Pontifici, qui summus Hebraeorum statuitur judex, erantque
ejus consiliarii. Unde consilium horum (dos 70) cum Pontifice
summum erat, et ab Hebraeis vocatum est Sanhedrim, graece
Sunedrion.... Atque hi seniores fuerunt qui in magno illo suo
Sunedrio, sive concilio, Christum mortis reum proclamarunt, et
Pilato occidendum tradiderunt".

Sendo assim o Synhedrio teria sido um


Tribunal composto de 71 membros inclusive o Presidente, ou o
Summo Pontifice.

Esta opinião nos parece apreciavel. De


facto si dos membros que compunham o magno Conselho, setenta
careciam de espirito prophetico, e sabido como é que o dom da
prophecia era privilegio exclusivo de quem se achava, revestido do
Supremo Sacerdocio, e não sendo Summo Sacerdote nenhum dos
setenta, é forçoso admittir alêm dos 70, mais um, que, occupando a
Suprema Dignidade, fruisse desse dom divino. Este era o Summus
Judex que, cercado pelos seus setenta auxiliares, formava o Supremo
Tribunal ou Synhedrio.

Uma tal opinião é, aliás, corroborada por


Felten (Historia dos tempos do Novo Testamento, Vol. II., Vers. ital.
de L. E. Bongiovanni, Cap IX, pag. 27 e 28) e por J. Fouard (Vita di
N. S. Gesu Christo, 2ª. Edic. Vers. ital. sobre a 18 franc. Vol. I. pag.
39 e Vol II, pag. 263). Segundo os quaes o Synhedrio completo
constava de 71 membros. Estes tomavam assento em forma
semecircular. A cada um dos dois extremos do semicirculo se
assentava um secretario, encarregado, um, de tomar nota, durante o
processo, de tudo que apparecia em favor do accusado, outro de tudo
que depunha contra o mesmo. O accusado era cercado por guardas,
ou officiaes subalternos munidos de cordas e tiras de couro,
promptos, ao primeiro signal, a amarrar e a bater no réo.

Nas questões de direito civil ou


cerimonial, a votação começada pelos mais notaveis anciãos; nas
questões, porém, de direito criminal, onde se tratava de uma pena
capital, a votação começava pelos mais moços, com receio de que
estes se deixassem suggestionar pelos mais velhos. Nos crimes
passíveis de pena de morte, tinham que tomar parte no Jurypelo
menos 23 membros. Si pela votação resultasse a condemnação do
réo por um só voto de maioria, então se acrescentavam mais dois
membros, e não se alcançando, com isso, mais apreciavel maioria,
continuava-se nesse processo até que o réo era absolvido ou
condemnado por 36 votos contra 35.

(Próximo tópico: Jesus diante de Caifás)

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(*) Não há Notas de Rodapé

O PROCESSO DE JESUS - Diante de Caifás


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I PARTE (Processo Religioso)

* Foi preservado o português da época (1921).

Jesus na presença de
Caiphas
Foi, pois Jesus levado á presença de
Caiphás, precisamente na sala onde, ás pressas, se reuniram alguns
membros do Synhedrio, para o julgamento. O plano do Synhedrio
não consistia somente em eliminar Jesus, mas, entregando-o ao
poder civil, em deshonral-o com uma sentença judiciaria.

Como dissemos, pelas duas horas da


madrugada de sexta-feira, se formou o Conselho presidido por
Caiphás. Até ahi o despeito, a inveja, o odio tinham sido os unicos
factores que tinham entrado em campo para a captura de Jesus. E
agora que o mais estava feito, agora que se achava em poder de seus
inimigos, em presença dos seus juizes, tornava-se necessario definir-
lhe a responsabilidade, assacando-lhe um crime que fosse passivel
de pena capital. Outros elementos, pois, tinham que entrar em jogo,
isto é, o sophisma, a mentira e a calumnia. Tudo isso, porém, sob
uma tal qual apparencia de formalidades legaes. E como estas
exigiam que o crime fosse, antes de tudo, comprovado pelo
depoimento de testemunhas, deu-se começo aos trabalhos
procedendo-se á inquirição das testemunhas.

(Próximo tópico: Testemunhas)

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(*) Não há notas de rodapé

O PROCESSO DE JESUS - Testemunhas


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I PARTE (Processo Religioso)

* Foi preservado o português da época (1921).

Inquirição das Testemunhas

Submetteram-se, pois, ao interrogatorio


algumas não só notoriamente falsas, como dizem S. Matheus e
S. Marcos, (1) mas cujo depoimento era até contradictorio. (2)

Sobre um tal depoimento não era


absolutamente possivel construir um crime; apresentaram-se,
porém, duas que depuzeram:
_
Nós o ouvimos dizer: Posso destruir o
Templo de Deus e reedifical-o em tres dias.
_
Que respondes a isto? - pergunta
intimamente satisfeito, o Presidente do Conselho.

Jesus não respondeu. Sabia


perfeitamente que o Synhedrio jurara a sua morte, e
que,portanto, qualquer tentativa de defesa tornar-se-ia
completamente inutil. Manteve-se, pois, num silencio calmo e ao
mesmo tempo imponente. Os papeis pareciam trocados, observa
a este proposito Le Camus, "o accusado conservava a magestade
solemne de um Juiz, e o Juiz mostrava a agitação febril de um
accusado". Era preciso sahir desta situação, romper esse
silencio, mais expressivo e eloquente do que uma defesa. E visto
como não lograria, pela ameaça ou pelo medo, arrancar uma
unica palavra de Jesus, Caiphás recorreu a outro expediente:
_
Eu te peço, - então elle disse como que
_
inspirado, eu te peço em nome de Deus vivo a nos declarar si tú
és o Christo filho de Deus!

Jesus não ignorava que uma resposta


affirmativa equivalia, aqui, a um decreto de morte. Mas era
necessario não deixar a minima duvida sobre a sua
personalidade, era preciso proclamar uma verdade que era como
que o eixo moral de toda a sua vida. De modo que:
_
Tu o disseste, - respondeu
solemnemente, _ Eu o sou!

A taes palavras, rasgando as vestes:


_
Blasphemia, blasphemia! - Gritou o
_
Presidente do Conselho. Não ouvistes? Que necessidade
temos nós de testemunhas?
_
Reus est mortis! é reo de morte! -
foram as unicas palavras que echoaram lugubremente sob as
abobadas da grande sala.

E Jesus foi condemnado á morte. Desde


esse momento (podiam ser tres horas da madrugada) Jesus foi
entregue á soldadesca, sob cuja custodia foi conservado até ao
amanhecer, hora em que se reuniu, novamente, o Synhedrio.

Era, pois, o 15 de Nisan, ou 7 de abril de


783 da fundação de Roma, dia de sexta-feira, e cerca das 05
horas da manhã, quando todos os membros do Supremo
Conselho, se achavam reunidos no Gazith. (3)

Apesar da solemnidade com que se quiz


revestir o Synhedrio, tratava-se apenas de confirmar a sentença
de morte pronunciada contra Christo, na madrugada daquelle
dia, por uma fracção da assembléia. O interrogatorio, portanto, a
que foi submettido Jesus, durou breves instantes.
_
És tu o Christo? - foi-lhe perguntado.
_
Si disser que o sou, - respondeu Jesus,
_
vós o não acreditareis. Si eu vos interrogar, vós não me
respondereis, nem me deixareis em liberdade.
_
Mas, afinal, és tu o filho de Deus?
_
Vós acabaes de dizel-o, eu o Sou!

E mais nada. Era uma segunda edição,


aliás compendiada, do interrogatorio precedente, com a
differença de que aqui, não houve inquirição de testemunhas.
Mas era o sufficiente. A assembléa alcançára o seu fim, isto é,
ouvir da própria bocca de Christo a confissão de que era o Filho
de Deus, o que constituia, para elles, delicto de pena capital.

O Processo religioso estava terminado,


e ia-se, em seguida, dar inicio ao Processo civil.

(Próximo tópico: Jesus diante de Pilatos)

Notas de rodapé * Para voltar ao texto, clique sobre o tópico


correspondente.

(1) Matheus, XXVI, 60 - Marcos, XIV, 55, 56, 57.

(2) Marcos. XIV, 56

(3) Era uma grande sala destinada ás sessões.


Officiaes, no recinto do Templo.

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O PROCESSO DE JESUS - Na Presença de Pilatos


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I PARTE (Processo Civil)

* Foi preservado o português da época (1921).

Jesus na presença de Pilatos


Aos tempos de Archelao, tendo a Judéa
perdido a sua independencia, tornou-se Provincia Romana.

Administrada por um Governador, era, este,


o arbitrio supremo a quem eram deferidas todas as causas capitaes.
Na occasião do Processo de Christo, o Governador da Judéa era
Poncio Pilatos.

Descendente de uma nobre familia romana,


soube em tempo insinuar-se no animo de Tiberio, de quem
desposára uma parenta, Claudia Procula, e no anno 26 de nossa era
obteve o governo da Judéa, em substituição a Valerio Grato.
Habitualmente residia em Cesarea, capital official e praça forte
situada á beira mar.

Em momentos de grande affluencia popular


á capital da Judéa, se transferia á Jerusalém, como medida
preventiva contra possiveis desordens.

Ao Synhedrio, desde que os judeus


perderam a sua autonomia, era vedado condemnar á morte a quem
quer que fosse, tornando-se, este, um direito exclusive do
representante de roma. (1)

Eis a razão pela qual o Synhedrio, na manhã


de sexta-feira, se empenhava com tanto interesse para que a sentença
de morte, pronunciada por elle, contra Jesus, fosse confirmada pelo
Governador Poncio Pilatos.

Este, quando residia em Jerusalem, morava


no Pretorio, contiguo á Torre Antonia, ao noroeste do Templo. Para
p Pretorio, pois, foi levado Jesus, pelo Synhedrio e pelo povo.

Podiam ser seis horas da manhã. O marulho


popular a uma hora tão matutina, e em frente do seu palacio, não
deixára de causar uma sensação desagradavel a Poncio Pilatos.
Adivinhou logo, porém, de que se tratava quando viu levado á sua
presença o proprio Jesus.

(Próximo tópico: O Interrogatorio)

Notas de rodapé * Para voltar ao texto, clique no


tópico correspondente.

(1) Era lhe consentido pronunciar uma sentença de morte.


Para que, porém, tivesse valor, tornava se necessario fosse confirmada pelo representante
de Roma.

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O PROCESSO DE JESUS - O Interrogatório


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I PARTE (Processo Civil)

* Foi preservado o português da época (1921).

O Interrogatorio

Os membros do Synhedrio e o povo ficaram


de fóra. O accesso ao Pretorio, á casa da residencia de um
extrangeiro, e extrangeiro oppressor, teria sido para elles uma acção
abominavel, e especialmente nesse dia. Por isso só entraram os
soldados.

Pilatos foi ao terraço, e de lá, dirigindo-se


ao povo:
_
Que fez este homem? - perguntou. _ Qual
foi o seu crime?

Esta pergunta, assim ex abrupto, concisa e


sem preambulos, que transformava, de repente, os membros do
Synhedrio, de Juizes como pretendiam ser, em accusadores, irritou o
povo que, com mal contida arrogancia, vociferou:
_
Si elle não fosse um malfeitor, não o
teriamos levado á tua presença!
Semelhante resposta parecia pôr em termos
claros a questão. Os judeus queriam impôr, a Pilatos, o papel de
carrasco, reservando para elles o de juizes. Pilatos, porém, não
pensava deste modo, e subtrahindo-se habilmente, á cilada judaica:
_
Si é assim, - exclamou, _ visto que o
julgastes, condemnae-o tambem, de accordo com a vossa lei.
_
Mas não nos é consentido condemnar á
morte ninguem - observou a turba.

Era uma confissão publica e bem


humilhante que ao astuto Governador custára apenas uma ironia. O
desfecho não era tão facil como a princípio parecia aos judéus, e a
causa parecia tomar um caminho tortuoso e incerto. Que fazer? Não
havia outro meio sinão assumir o papel de accusadores, e por isso
gritaram:
_
Encontramol-o amotinando o povo,
aconselhando-o a não pagar o tributo a Cesar, e declarando-se
Christo-Rei.

Era evidentemente uma calumnia. Mas


assim assacavam a Jesus dois crimes: um religioso para os judeus,
por significar a palavra Christo, Filho de Deus; outro politico para o
representante de Roma, por se ter proclamado Rei.

A esta accusação Pilatos pareceu


impressionar-se, e levando Jesus aos seus aposentos particulares,
perguntou:
_
Então tu és o Rei dos judeus? - E Jesus:
_
Isso dizes de ti mesmo, ou t'o disseram de
mim?

Como si dissesse: Entrou realmente no teu


espirito alguma suspeita que eu ambicione a realeza, ou estás apenas
repetindo a accusação dos meus inimigos? No primeiro caso, tu que
ha bastante tempo és governador da Judéa, estás, melhor do que
qualquer outro, em condição de saber si algum dia pensei em
introduzir qualquer novidade politica que pudesse alterar a ordem
do Estado.

No segundo caso, compete a ti, como juiz,


em dar o devido apreço a uma accusação, que não tem outro motivo
sinão o odio dos chefes da Synagoga contra mim. (1)

Pilatos, porém, não sabia o que esperavam


os judeus, confiados nos seus Prophetas.
_ _
Porventura sou eu judeu? - tornou elle.
Tua gente e os Pontifices a mim te entregaram, que fizeste?
_
O meu reino não é deste mundo, -
_
continuou Jesus; Si o fôra, pelejariam os meus para que eu não
fosse entregue aos judeus, mas não é daqui o meu reino.
_
Assim, tu és Rei? - acudiu Pilatos.
_ _
Tu dizes que sou Rei, - respondeu Jesus
para isso nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade;
todo o que é da verdade ouve a minha voz.
_
Que cousa é a verdade? - perguntou
Pilatos.

Mas não esperou pela resposta. Convencido


de que tinha que fazer com um sonhador ou um sabio, e não com um
criminoso, dirigiu-se ao terraço e de lá falou:
_
Trouxeste-me este homem como agitador
popular, como perturbador da ordem, mas, examinado por mim,
nada encontrei que fundamentasse as vossas accusações. Não acho,
nelle, crime nenhum.
_
Como póde ser assim? - acudiu a turba. _
Pois si não ha recanto da Judéa e da Galiléa que não tenha sublevado
com a sua doutrina!!

O nome da Galiléa, pronunciado, aqui, não


sabemos si intencionalmente ou não, calou no espírito de Pilatos.
Era precisamente a Galiléa a terra onde o amor á independencia e á
liberdade se mostrava sempre mais accentuad; era de lá que
apparecia a scentelha da revolta que, num instante, se transformava
em labareda caudal, propagando-se, incendiando toda a Palestina, e
sublevando as massas contra o insupportavel e odiado jugo romano.
Perguntára, pois, Pilatos, si Christo era galiléu, e obtendo resposta
affirmativa, pensou logo em tirar proveito desta circumstancia. A
Galiléa, diz Le Camus, "offerecia lhe um dessesexpedientes de que
si utilizam sempre os homens politicos. Entrevia logo a
possibilidade de enviar o accusado do Forum aprehensionis ao
Forum originis, ou de domicílio". E este expediente offerecia-lhe
uma dupla vantagem: desembaraçar-se de um processo complicado e
importuno e reconciliar-se, por este acto de deferencia, com o
Tetrarcha da Galiléa, que, por motivos provavelmente de
jurisdicção, mantinha, com Pilatos, relações um tanto frias. Este
Tetrarcha era aquelle mesmo Herodes que mandára assassinar, na
propria prisão, a João Baptista.

(Próximo tópico: Na presença de Herodes)

(*) Notas de Rodapé na base * Para voltar ao texto, clique no tópico


abaixo

(1) Mons. A. Martini - Vang. di G. Cr. Sec. S. Giovanni,


XVIII, 34.

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O PROCESSO DE JESUS - Herodes


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I PARTE (Processo Civil)

* Foi preservado o português da época (1921).

Herodes
Governador da Galiléa desde a morte de
seu pae (1), fixava, ordinariamente, sua residencia, ora em
Tiberiade, ora em Serapides, nas proximidades do Thabor.

Nesses dias, porém, se achava em


Jerusalém para assistir ás festas de Paschoa, e occupava o
Palacio ao norte do Monte Sião, parte da cidadella de David. A
historia nol-o apresenta como homem sensual, supersticioso,
covarde e cruel.

Do Pretorio, foi, pois, Jesus levado a


Palacio de Herodes. Para este, a surpresa foi duplamente
agradavel. Era, como dissemos, da parte do Governador da
Judéa um acto de deferencia, si não de justiça, para cm o
Tetrarcha, reconhecendo, neste, o direito exclusivo de julgar, no
caso vertente, o seu jurisdiccionado. Neste ponto, a sua vaidade
ficara satisfeita. Mas havia outro motivo de satisfacção. Ouvira
falar das obras extraordinarias de Christo e esperava, já que a
sorte o protegia, satisfazer a sua curiosidade, obrigando Jesus a
praticar, em sua presença, algum prodigio, passando assim, em
companhia dos seus intimos, um quarto de hora divertido.

Enganava-se, porém. Ás perguntas que


lhe dirigia, Jesus não se dignou responder uma unica palavra.
Irritado Herodes, e querendo, de certa maneira, vingar-se da
decepção soffrida, deliberou tratal-o como louco, ordenando que
lhe puzessem aos hombros um manto branco, symbolo de
suprema dignidade em uso entre os Monarchas Hebreuse os
Magnatas de Roma. Assim trajado, teria servido de alvo ás
zombarias e remoques da garotada insolente.

Entretanto, si o incestuoso ascalonita


tivesse tido, naquelle momento, a intuição clara do futuro, teria
previsto que esse Rei de burla, exposto, nesses dias, nas praças
publicas de Jerisalém, aos apupos da patuleia, dahi a não muito,
e no correr dos seculos vindouros, havia de se tornar, na
verdade, o monarcha incontestado de milhões de corações, de
todas as raças e de todos os paizes, de todas as castas e de todas
as hierarchias, desde o jornaleiro mais humilde, até ao Soberano
mais poderoso, desde a intelligencia mais acanhada, até ao mais
rutilo genio! Teria visto que, só ao pronunciar o seu nome
adoravel, milhões de joelhos haviam de se dobrar reverentes, e
as cabeças mais altivas de imperadores e Reis haviam de se
inclinar em signal de respeito e veneração!

Mas Herodes, naturalmente, nada


previu, e reenviou Jesus, assim trajado, ao Governador Pilatos.

(Próximo tópico: De volta à Pilatos)

Notas de rodapé *Para voltar ao texto, clique no


tópico abaixo.

(1) Este Herodes Antipas era filho de Herodes


Ascalonita e avô daquelle Herodes Agrippa que condemnou á morte a Thiago
Apostolo, irmão de João. O qual Herodes Agrippa foi pae de Herodes Agrippa
Junior a quem se apresentou São Paulo para se defender das accusações dos seus
inimigos.

Herodes Antipas, aquelle de que se trata agora e


perante o qual compareceu Jesus, fôra, por testamento de seu pae, designado a
Tetrarcha da Galiléa e Perea. Adulador por calculo, denominou a cidade de
Betharamphta, Julia , em memoria de Julia, mulher de Augusto, e edificou, nas
margens do Genezareth, uma cidade a que deu o nome de Tiberiades, por bajulação
a Tiberio.

Em Roma se apaixonou pela mulher de seu irmão


Herodes Philippe, com a qual se casou clandestinamente. Esta ligação incestuosa
provocou os raios do verbo inflammado de João Baptista, que mandou degolar
durante um festim.

Accusado de ter, juntamente com Artaban, Rei dos


Parthas, conspirado contra Roma, foi exilado, segundo uns, para Lion, na Gallia,
segundo outros para a Hespanha, numa pequena cidade ás faldas dos Pirineus, onde
teve um fim miserando e tragico. - Vide Weltzer e Welte, 1. c. pag. 374, e Le
Camus: Vita di N. S. Jesú Cristo, prima vers. ital. sulla quarta ediz. franc. Vol II,
pg. 562.

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O PROCESSO DE JESUS - A Condenação


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I PARTE (Processo Civil)

* Foi preservado o português da época (1921).

A CONDEMNAÇÃO (Jesus de volta a


Pilatos)
Muito expressivo era o reenvio de
Jesus. Significava claramente que, no entender de Herodes,
Jesus era innocente. Convicção que coincidia perfeitamente com
a de Pilatos. Christo podia ser um visionario, um allucinado,
nunca, porém, um revolucionario, um turbulento, de quem
devessem temer as instituições publicas.

Convencido desta verdade, e no intuito


de salvar Jesus, depois de terem, de novo, levado Christo á sua
presença:
_
Vêde - exclamou, dirigindo-se do
terraço aos membros do Synhedrio e ao povo. _ este homem é
por vós accusado de revolucionario, perturbador da ordem,
entretanto Herodes e eu, depois de o ter examinado, nada
descobrimos que mereça a morte. Portanto, sujeital-o-ei a uma
punição e pol-o-ei em liberdade. (1) Ha, além disso, o costume
de livrar todos os annos, no dia de Paschoa, um criminoso.
Temos um, denominado Barabbas, preso por crime de morte. A
quem quereis, pois, que eu dê a liberdade, a Barabbas ou ao Rei
dos judeus?
_
A Barabbas, a Barabbas - uivou a
turba, acirrada pelos Principes dos Sacerdotes e pelos anciãos do
povo. (2) - Tolle hunc, morra Jesus, et dimitte nobis Barabbam,
e solta Barabbas. (3)
_
Mas que quereis que eu faça do Rei dos
Judeus?
_
Seja crucificado!
_
Mas que mal tem feito elle?
_
Seja crucificado! - trovejou a turba
allucinada (4)

Era evidente que o medo começava a


apoderar-se do espirito de Pilatos. Os inimigos de Jesus iam
ganhando terreno, e os Principes dos Sacerdotes, colleando entre
o povo, açulavam-n'o para que reclamasse com insistencia, a
morte de Jesus. (5) Luta terrivel travava-se na sua consciencia.
Possuia provas indiscutiveis sobre a innocencia de Christo.
Sabia perfeitamente que a guerra movida contra Elle não tinha
outro motivo senão a inveja, o ciume, o odio. Condemnar,
portanto, um tal homem a morte, teria sido uma clamorosa
injustiça. Cansado de lutar, ordenou que lhe trouxessem agua, e
lavando as mãos em presença do povo:
_
Eu sou innocente- exclamou - do
sangue deste justo, ficará por vossa conta.
_
O seu sangue foi-lhe respondido - cáia
sobre nós e sobre nossos filhos!

Pilatos tentou um ultimo esforço.


Mandou flagellar Jesus e depois, esperando mover a compaixão
do povo, lh'o apresentou, do terraço, dizendo:
_
Eis aqui o homem!

Falhara, porém, o effeito. A turba em


vez de compaixão, redobrou de furor e gritou:

Crucifige, Crucifige! Á cruz! Á cruz!


_
Pois então crufificae-o vós, - retrucou
exasperado Pilatos, _ porque, repito, não encontro, nelle, culpa
alguma para condemnação: eu não acho neste homem crime
algum. (6).

E os judeus:
_
Nós temos nossa lei, e pela nossa lei
deve morrer, porque se fez a si proprio Filho de Deus.

Pilatos tornou-se mais pensativo.

Filho de Deus? Certamente, é um


homem extraordinario! E si fosse um protegido dos Numes? A
sua morte seria, sem duvida, vingada. Os coriscos de Jupiter, o
dardo envenenado de Marte, as fléchas esfusiantes de Phebo,
não faltariam contra o audaz que se atrevesse a ferir de morte a
um amigo dos Deuses.

O governador romano era supersticioso;


era, pois, possivel que semelhantes pensamentos lhe agitassem o
espirito. Emfim, reentrou no Pretorio com Jesus, a quem
pergunrou:
_
De onde és tu?

Jesus não respondeu.


_
Não me respondes? Porventura ignoras
que tenho o poder de pôr-te em liberdade ou mandar-te
cruficar?
_
Não terias esse poder - ponderou Jesus
- si não te fosse dado do alto. Quem, porém, me entregou a ti,
commetteu peccado maior.

Realmente, Pilatos estava envolvido


neste processo mais pela pressão dos judeus do que por sua
vontade. Seu desejo, estava visto, era salvar Jesus. Os judeus
perceberam o perigo e lançaram mão de um ultimo expediente.
_
Si o puzeres em liberdade - gritaram -
accusar-te-emos de inimigo de Cesar. Não póde ser amigo de
Cesar, quem defende um indivíduo que pretende ser Rei dos
Judeus.

Esta ameaça cahira como um raio sobre


a relutancia de Pilatos. A questão já estava mudada: do terreno
religioso passára para o terreno politico, transformando de
repente, a face do processo.

De facto, não se tratava mais de um


visionario que queria ser Deus, crime com que nada tinha a vêr
com o Direito Romano, mas sim de um homem que pretendia
ser Rei de um Paiz e de um Povo, havia annos, sujeito ás aguias
romanas.

Uma tal pretensão constituia o crime de


lesa-magestade, contra o qual se mostrava sempre inexorável a
lei do paiz, especialmente imperando Tiberio, cioso em extremo
da sua autoridade. Era o perduellio, delicto contra a segurança
do Estado ou contra a ordem publica, reprimido severamente
desde os tempos de Tulio Hostilio (7), contemplado nas XII
Taboas que, segundo Justiniano, condemnavam o réu á morte
(8), e na Lei Julia que, segundo o mesmo Justiniano, alcançava
sempre quem de tal delicto se tornasse culpado. (9)

A accusação, pois, era gravíssima, e o


delicto que assacavam a Christo era o maior de todos os delictos,
omnium accusationum complementum, diz Tacito. Accresce que,
justamente nesses dias, Tiberio acabava de dar um exemplo de
rigor, condemnando, por tal crime, Antistio Vetere, de
Macedonia. (10)

É de notar, além disso, que na época em


que se desenrolavam os acontecimentos que estamos narrando,
reinavam o despotismo mais deprimente e o servilismo mais
vergonhoso. Honra, dignidade, fortuna, desgraças, perseguições,
tudo dependia da vontade de um só, o Imperador de Roma.
Sabia-o perfeitamente Pilatos. Elle mesmo devia o governo da
Judéa á protecção de Tiberio, como Antipa, Agrippa I, Agrippa
II, o deviam, respectivamente, a Augusto, Caligula e Claudio.
Os que, pela sua posição social, podiam manter-se altivos e
independentes, rastejavam vilmente como vermes da terra. O
servilismo casara-se com a bajulação, e esta se alastrara de uma
maneira tal, que alcançara os caracteres mais rijos, as
individualidades mais em destaque do paiz.

O Senado Romano, que, em tempos não


muito remotos, era cercado de uma magestade na verdade
imponente, o Senado, que outr'ora, apoiado na sua suprema
autoridade, com mão firme e segura regia, soberanamente, os
destinos da nação, estava , agora, reduzido a um miserável
rebanho de carneiros e de bajuladores abjectos. Svetonio conta-
nos, a este respeito, baixezas taes, que envergonhariam um
escravo. Houve senadores que, por méra adulação, correram a
pé, diversos kilometros, atraz do coche do Imperador Calígula,
querendo dar a entender que não lhes teria sido possível viver
longe da sua presença. Outros, jantando com elle, levantavam-
se, de repente, da mesa, para, de avental posto, terem a dita de
servir-lhe de copeiros; ao passo que outros ainda consideravam
como uma honra, uma felicidade invejavel, poderem comer
deitados aos seus pés. E o Augusto, Optimo , Maximo, o
Immortal, o Divo Imperador, sabia recompensar, não raro, tão
nojenta abjecção, com as mais cortantes affrontas. Quando lhe
dava na vontade, mandava expulsar do Circo, na hora do
espetaculo, e a vergastas, os personagens mais conspicuos do
patriciado romano (11).

E a bajulação não circulava sómente


pelas altas, mas, e com maior razão, percorria também as médias
e infimas camadas sociaes. Interessante é o que, a proposito nos
diz, numa das suas satyras, Juvenal: Era o rico fulano um tysico
transparente que mal se regia em pé? Aos olhos de seu
bajulador era um Hercules. Accendia, o poderoso, a chaminé ao
esfusiar dos primeiros ventos d'inverno? O seu bajulador era o
primeiro a concordar e affirmar que a estação era extremanente
rigorosa e corria á casa para envergar a capa forrada de lã.
Acenava, o rico, ao calor? O seu alter ego á suava em bagas.
Este até achava uma certa graça no modo de arrotar daquelle, e
não raro solicitava a honra de tirar auspicios, do que o válido
deixava no fundo do vaso nocturno. (12) Bastaria esta satyra
para definir o carater moral de uma época. Qualquer acção,
pois, por mais torpe que fosse, era licita, comtanto que della
resultasse um beneficio pessoal.

Pilatos era, portanto, o homem do seu


tempo: egoísta, adulador, covarde e, na occorrencia, cruel.

Perante a ameaça formal feita pelos


judeus, extremeceu e recuou de medo. Ja outras queixas tinham
sido levadas, contra elle, perante Cesar. Mas uma accusação
como esta, teria sido mais que sufficiente para, na melhor das
hypotheses, condemnal-o a aquae et ignis interdictio, isto é,
abrir-lhe as portas do desterro. E nem por sombra teria
cooperado para este fim.

Era, pois, preciso satisfazer, acariciar a


féra, o povo; era preciso adulal-o, e, sobretudo, era preciso
conservar-se, custasse o que custasse, no Governo da Judéa.
Afinal, que lhe importava a vida de Christo? Que fosse
sacrificado, visto que o exigia a sua tranquilidade. O dever tinha
que ceder ao interesse, a justiça havia de immolar-se em
holocausto das suas conveniencias pessoaes. Tornava-se, Jesus,
um obstaculo que lhe atravessava o caminho? Desembaraçar-se-
ia delle! Condemnando Jesus á morte, adulava Tiberio, agradava
ao povo, conservava o Poder e assegurava o futuro. Condemne-
se, pois!

Pilatos, tomara, definitivamenbte, a sua


resolução, e desde esse momento, Christo, estava perdido.

Segundo a praxe, a sentença havia de ser


ouvida pelo proprio accusado. Por isso Pilatos mandou vir á sua
presença Jesus, que se conservara no Pretorio. Outrosim, a lei
exigia que a sentença fosse dada em publico, e em logar elevado.
Era este o Lithostrotos. Pilatos subio ao throno e mostrou Jesus
ao povo, dizendo:
_
Eis o vosso Rei.
_
Á cruz, á cruz! - trovejou a multidão.
_
Condemnarei o vosso Rei?
_
Nós não temos outro Rei a não ser
Cesar.

A victoria estava ganha; o povo deicida


tinha triumphado! Pilatos lavrou o decreto fatal; Ibis ad crucem!
(13) e entregou, immediatamente, Jesus aos seus encarniçados
inimigos.

Duas horas mais tarde, sobre o cimo


cruento do Golgotha, pendia, de um madeiro infame, o corpo
livido do filho de Maria! No momento, porém, em que o
Grande Justo estava para exhalar o ultimo alento, no instante
em que a morte estava para lançar seus braços á Víctima
Divina, a natureza inteira pareceu, de repente, tomada de
indescriptível pavor! O sol escondeu sua face de luz (14), um
subito terremoto causou um abalo espantoso (15), fenderam-se
as rochas, rasgou-se de alto a baixo o véu do Sancta Sanctorum,
e uma immensa desgraça, como uma capa de chumbo, pareceu,
por momentos, cobrir a vasta superficie da terra!

Do alto do Calvario, feito êrmo pela


fuga dos homens e mergulhado em trevas profundas, ouviu-se
um grito de suprema angustia. Era o grito do Suppliciado, e era
o ultimo: Jesus tinha expirado!...

(Próximo tópico: O Processo segundo


Renan)

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Notas de rodapé *Para voltar ao texto, clique no tópico


correspondente

(1) Lucas, XXIII, 16

(2) Math. XVII, 20.

(3) Math. XXVII, 21 - Luc. XXIII,18 - Joan


XVIII,40.

(4) Math. XXVII, 23 - Marc. XV, 13 - Luc. XXIII,


21.

(5) e (6) Marc. XV, 11 e Luc. XXIII4

(7) Tito Livio - Hist. Rom. I, 26.

(8) Digest. L. XL VIII, Tit. IV, n. 3: "Lex XII


Tabularum jubet eum qui hostem concitaverit, quive civem hosti tradiderit, capite
puniri"

(9) "Lex autem Julia... praecipit eum qui majestatem


publicam laeserit, teneri". Digest. ib.

(10) C. Tacito - L. III, 38.

(11) Svetonio - Vida de Caligula.


(12) Juvenal - Sat. III.

(13) Ha uma antiquissima tradição segundo a qual


a sentença condemnatoria pronunciada por Pilatos, teria sido concebida nestes
termos: "Jesum Nazarenum, seductorem gentis, contemptorem Caesaris et falsum
Messiam, ut majorum suae gentis testimonio probatum est, ducite ad communis
suplicii locum et cum ludibriis regiae magestatis in medio duorum latronum cruci
affigite. I, lictor, expedi cruces!" Vide - No paiz de Christo - do Padre Gonçalo
Alves, v, pg. 94, nota. Esta sentença é tirada de Adrochomio. É evidente que o
probatum est é uma supposição arbitraria de Pilatos, fundamentada sobre
informações falsas . Pois Christo foi accusado de crimes cuja prova nunca foi
exhibida. Vide tambem Cornelio a Lapide, Comm. in Matheum, XXVII, 26. Pilatos,
num dos seus habituaes relatorios expedidos a Tiberio, confessa que condemnou a
Christo por pressão aos judeus, e que na sua opinião pessoal Christo era um ser
divino. Pois extraordinarias eram as cousas que operava elle mesmo quando vivo,
ou os seus discipulos, depois de sua morte, em seu nome. E que por isso era
considerado Deus. Em virtude destas informações, Tiberio apresentou ao Senado
romano a proposta de ter Christo numerado, entre os Deuses. (Corn. a Lapide,
Math, XXVII, 26). Mas o Senado não achando de peso os factos attribuidos a
Jesus, e a opinião que delle na Palestina se formára, recusou-se a pôl-o no numero
dos Deuses. "Tibesrius, diz Tertuliano, detulit ad senatum cum praerogativa
suffragii sui. Senatus, quia non ipse probaverat, respuit". Vide Tertul.
Apologeticum, v. 5.

(14) Foi um eclipse total, scientificamente


inexplicavel, visto ser o 15 de Nisan, dia de plenilunio, isto é, visto estar a lua em
opposição ao sol. Phenomeno não menos certo, porém, porque além de ser attestado
pelos Evangelistas, o foi por outros contemporaneos ou quasi, como Dionysio,
Phlegon e outros.

Dionysio presenciou o eclipse em Heliopolis, cidade


do Egypto, e narra que, pasmo á vista de um tal espectaculo, exclamou: Ou está
padecendo Deus auctor da natureza, ou está esfacelando a machina do orbe: Aut
Deus naturae auctor patitur, aut mundi machina dissolvitur.

Phlegon, celebre escriptor, liberto do Imperador


Adriano, decLara que no anno 4º da 202ª Olympiada, houve um grande eclipse
solar, sendo, repentinamente, o dia surprehendido pela noite, de maneira que se
viam as estrellas brilharem no céo. O phenomeno foi attestado tambem pelo
historico Tallus embora o achasse inexplicavel, devido á posição da lua.

(15) Faz allusão a este terremoto Svetonio (Vida de


Tiberio) e, parece, Plinio, Plutarcho e Dion. Cassio. Vide Le Camus de quem nos
servimos, em parte, pela nota precedente. E Phlegon, por sua vez, declara que
devido a um tal tremor de terra em Nicea, na Bithynia, desabaram muitas casas.

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O PROCESSO DE JESUS - Segundo Renan


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II PARTE
* Foi preservado o português da época (1921).

II Parte - O Processo segundo Renan

Estribados na narração evangelica que,


segundo o proprio Renan, se impõe ao nosso respeito pela sua
authenticidade historica, procuramos expôr, com toda a fidelidade,
tudo quanto affecta, substancialmente, o famoso Processo em que
fôra envolvido, e por que fôra condemnado, Jesus Christo.

Por essa simples narração, parece evidente,


a todo o espirito sereno e imparcial, que Jesus fôra preso, julgado e
condemnado com violação flagrante da lei e da justiça.

O Processo, pois, fôra nulo de pleno direito


e por conseguinte a pena capital comminada e executada contra
Jesus, não fora outra cousa sinão um verdadeiro assassinato legal.

Pelo que nos consta, tem sido esta, durante


19 seculos, a opinião daquelles que têm encarado i parcialmente a
horrenda e inolvidavel tragedia que teve o seu cruento epilogo no
topo do Calvario. Não podia,portanto, deixar de causar profunda e
amarga impressão o apparecimento da obra Vida e Doutrina de
Jesus Christo de J. Salvador, onde, pela primeira vez, se tem tentado
justificar o iniquo procedimento do Synhedrio relativamente ao
Processo de Jesus Christo, e defender sua suposta legalidade.

A obra de J. Salvador cahiu, felizmente, no


olvido, mas por desgraça veio substituil-a uma outra que encontrou,
e encontra ainda, acolhimento enthusiasta, especialmente entre o
publico de curta leitura e de senso critico mui limitado. Alludimos á
Vida de Jesus de E. Renan. (1)

E é justamente por isso, é por sabermos que


é mais lida e conhecida, que porfiamos em chamar a attenção do
leitor sobre as insinuações, sophismas, falsidades de que lançou
mão Renan notocante especialmente ao Processo de Christo,
soccorrendo-se, para isso, embora não o declare, da obra do
Salvador. (2)

Antes disso, porém, recordemos,


succintamente, as phases principaes do Processo.

Jesus é preso na noite de quinta-feira, 14 de


Nisan, ou 6 de abril. Nessa mesma noite de quinta para sexta feira,
é submettido a dois interrogatorios: o primeiro teve logar cerca
de meia noite na presença de Annáz; o segundo, mais ou menos ás
2 horas da madrugada de sexta, nos aposentos de Caiphás, e perante
este ultimo. Naquelle, nada se descobriu em desabono de Christo;
neste, compareceram testemunhas que accusaram Jesus de crime
contra a existencia do Templo, affirmando que Christo dissera: "Eu
posso destruir o Templo de Deus e reedifical-o em tres dias".
Mesmo assim, o depoimento era contradictorio. O proprio Caiphás
julgou-o insufficiente; este procurou, pois, outro rumo e perguntou a
Jesus si era realmente o Christo filho de Deus. E Jesus respondeu:
Eu o sou.

Caiphás não precisou de mais nada.


Considerar-se Filho deDeus era crime de pena capital, e no mesmo
instante foi julgado por alguns membros do Synhedrio e
condemnado á morte.

Na mesma sexta feira, desde as cinco horas


até cerca das onze da manhã, Christo foi submettido a quatro
interrogatorios, a saber: O primeiro, perante o Synhedrio reunido,
ao completo, ao amanhecer daquelle dia. O segundo, perante Pilatos,
mais ou menos ás 7 horas da manhã. O terceiro, perante Herodes,
das oito para as nove. O quarto, de novo perante Pilatos, das dez em
diante. No 1º. , o Synhedrio confirmou a sentença de morte,
pronunciada por alguns membros ás duas horas da madrugada. No
2º. , Pilatos o achou innocente. No 3º Herodes não descobriu crime
nenhum. No 4º, Pilatos confirmou a sua opinião anterior sobre a
innocencia de Jesus, amedrontando, porém, por uma ameaça
popular, condemnou-o á morte.

Pois bem, Renan, na sua obra citada,


começou a mystificar, sophismar, embrulhar e alterar os factos,
desde o primeiro interrogatorio. Cedamos-lhe a palavra: " Começou
o interrogatorio, diz Renan; compareceram perante o tribunal
muitas testemunhas preparadas de antemao, segundo o processo
inquisitorial exposto no Talmud".

Este topico é nebuloso. Antes de tudo, que


testemunhas são estas? Qual é o seu valor moral? Renan muito
intencionalmente nada nos diz, a este respeito; apenas nos conta que
ahi estavam preparadas de accordo com o processo inquisitorial.
Mas o processo inquisitorial não admittia testemunhas falsas. Taes,
entretanto, eram as testemunhas em questão; o Evangelho fala
claro: "E o Príncipe dos Sacerdotes e todo o Conselho buscaram
algum testemunho falso contra Jesus para o poderem matar, e não
achavam, ainda que muitas falsas testemunhas se apresentassem.
Vieram finalmente duas testemunhas - duo falsi testes - para depor,
etc, etc" (Math. XXVI, 59,60, 61) contra Jesus "depunham o
falso... e o depoimento das testemunhas era contradictorio; falsum
testimonium ferebant adversus eum... t non erat conveniens
testimonium illorum". (Marc. XIV, 57,59)

Em que estavam, pois, de accordo, as


testemunhas, com o processo inquisitorial daquelle tempo?

Si Renan entende dizer que o


comparecimento e o interrogatorio eram exigidos pelo processo
inquisitorial, nos diz uma banalidade; e si entende insinuar, e aqui é
em que está o ardil de Renan, que testemunhas e depoimentos
estavam de conformidade com as disposições legaes contidas no
processo inquisitorial, é falsissimo, porque não era admittido o
depoimento de falsas testemunhas, como não era admitido o
depoimento contradictorio.

Continuemos. "As palavras fataes, diz


Renan, que Jesus tinha realmente pronunciado - Eu destruirei o
templo de Deus e o reedificarei em três - foram citadas por duas
testemunhas".

As duas testemunhas a que alude o


philosopho francez, são as ates duas falsas testemunhas duo falsi
testes, que citamos acima e de quem fala S. Matheus.

Renan, que tanto gosta de apontar a origem


evangelica de suas citações, devia indicar tambem esta, e
especialmente esta, que é de uma gravidade excepcional. Mas, está
claro, não lhe convinha, e não lhe convinha pela simples razão, que
em todos os quatro Evangelhos não ha uma unica palavra que alluda
este facto. Jesus nunca disse tal, sabe disso Renan, mas a verdade ás
vezes prejudica.

As fataes palavras foram pronunciadas, não


por Crhisto, mas sim pelas testemunhas que desvirtuaram uma
expressão proferida por Jesus, desde o inicio de sua vida publica, e ,
precisamente, no dia em que expulsára os profanadores do templo.
Jesus expulsára-os exclamando: "Nolite
facere domum Patris mei, domum negotiationis" (Joan 11,16) , isto
é: não façaes da casa de meu Pae, uma casa de traficancia! De meu
Pae? pensaram os judeus escorraçados. Quaes são, perguntaram-lhe,
as tuas credenciaes, que signal nos apresentas, para que acreditemos
que tu és o Filho de Deus? Foi então que Jesus respondeu: "Destrui
este templo, e em tres dias o restabelecerei".

Jesus, observa a este proposito S. João,


serviu-se, aqui, de uma linguagem figurada, entendendo, por
templo , o proprio corpo; como si dissesse: matai-me, e depois de
morto resuscitarei; a minha resurreição será o signal.

As testemunhas, pois, em presença de


Caiphás, quizeram alludir a esta ciscumstancia, mas desvirtuaram,
por completo, as palavras de Jesus, dando-lhes um sentido muito
diferente.

E, Renan, sabe perfeitamente disso. Sabe


quanta perfídia ha no fundo dessa interpolação voluntaria das duas
falsas tstemunhas. Podia, pois, narrar os factos adstringindo-se,
rigorosamente, é verdade historica, mas, repetimos, isso não
convinha ao filho de Voltaire. Si assim fôra, não teria podido, aqui
como no resto, forgicar uma Vida de Jesus ad usum Renan, isto é,
um romance onde a phantasia não raro supre a realidade, onde o
meigo nazareno devia figurar com um caracter, mixto de grandezas
e baixezas, de heroismos e covardias, um Jesus, enfim, em cujos
traços physionomicos havia de prevalecer o cunho, não da
sinceridade e lealdade dos evangelistas coévos, mas da doblez
manhosa e astuta do racionalista do seculo XIX.

Mas vamos adiante.

"Segundo o judaísmo orthodoxo, assim se


exprime Renan, elle era um verdadeiro blasphemador, um destruidor
do culto estabelecido; ora a lei pune esses crimes com a morte" .

Christo, pois, na opinião do romancista


francez, teria praticado um duplo crime: um por ter blasphemado do
Templo; outro por se ter declarado Filho de Deus. E em apoio do
seu asserto cita o dispositivo legal consignado no Levitico e no
Deuteronomio.

Mas que diz a lei? Eil-o: "Leva o


blasphemador fóra do acampamento, e os que o ouviram blasfemar,
ponham-lhe as mãos sobre a cabeça e depois todo o povo o
apedreje... E quem tiver blasphemado o nome do Senhor, seja
condemnado á morte" . É do Levitico. (Levit. XXIV, 14,16)

Não citamos, ipsis verbis, o dispositivo do


Deuteronomio porque, abrangendo doze versiculos, nos tomaria
muito espaço; está, porém, condensado nisto: - Deus comndena á
morte o falso propheta e quem allicia o povo para determinal-o a
prestar culto aos falsos deuses. (Deut. XIII, 1 e seg).

Pois bem, Christo cahiria na violação do


dispositivo legal contido no Levitico? Era cabivel a accusação feita
contra Christo, isto é, ter elle blasphemado do Templo, e portanto de
Deus? Um criterio seguro sobre a culpabilidade de Jesus só podia
descansar sobre o depoimento de testemunhas dignas de fé. Mas as
testemunhas citadas para isso eram falsas, dil-o categoricamente o
Evangelho: duo falsi testes (Math. XXVI, 60) , cujo depoimento era
contradictorio: "Et non erat conveniens testimonium illorum".
(Marc. XIV, 59.). Por lei um tal depoimento e da parte de taes
testemunhas, não só era desprovido de valor , como determinava
penas contra quem o fizesse. A lei era clara a este respeito: "Non
loqueris contra proximum tuum falsum testimonium": Não
levantarás falso testemunho contra o teu proximo (Exod. XX, 16).
"Non factes calumniam proximo tuo: Não levantarás calumnia
contra o teu proximo. (Levit. XIX, 13). E si depois de um exame
escrupulosissimo, diligentissime perscrutantes, os juizes chegassem
a possuir provas de que a testemunha levantára o falso testemunho
contra o réu, deviam condemnar a falsa testemunha á lei do talião,
isto é, á mesma pena a que teria sido condemnado o imputado, uma
vez comprovado o crime: "Reddent et sicut fratri suo facere
cogitavit" (Deut. XIX, 16 e seg).

Pois bem , contrariamente a quanto


determinava a lei, as testemunhas foram deixadas em paz. Apesar
deste menosprezo legal, o seu depoimento não foi tomado em
consideração, em que pese a Renan, que parece ligar-lhe toda a
importancia. E a prova disto está no facto que o Presidente do
Conselho, não achando nelle, um ponto de apoio, uma base
sufficiente para condemnação, recorrera a outro expediente,
interpellando Jesus si era, na verdade, o Christo, Filho de Deus. A
resposta affirmativa de Jesus era justamente o crime que se
procurava, pois, segundo a orthodoxia judaica, constituia delicto
digno de morte. Foi, portanto, condemnado pelo Synhedrio, não
porque tivesse blasphemado do Templo, mas, e unicamente, porque
se declarára Filho de Deus. Esta declaração tornára-se, de repente,
o alvo dos ataques, o nucleo para o qual havia de gravitar toda a
questão, a arma da qual haviam de se servir os seus inimigos para
votal-o á morte. E foi, com effeito, por isso, repetimos, que foi
condemnado.

O que não significa, aliás, que a


condemnação fosse legal; pelo contrario. Porque é verdade que as
passagens do Levitico e Deuteronomio, citadas por Renan,
condemnam á morte a blasphemia, o suborno, o falso propheta, mas
falta justamente provar que o Christo incorrera nestes crimes.

Era blasphemador, porque se declarara


Filho de Deus? Era falso propheta? Pretendera levar o povo á
adoração de um Deus que não fosse o Deus de Abraão, Isac e
Jacob?

A Assembléa era obrigada certificar-se, e


por isso estudar desapaixonadamente e maduramente a questão.
Não podia, por ventura, ser realmente, Christo, aquelle msmo, de
quem, havia seculos, os Prophetas vaticinaram a vinda? Os signaes
característicos que lhe definiam a prsonalidade, encontravam-se,
na verdade, na sua pessôa? Eram perguntas que deviam ter sido
feitas e deveriam ter motivado serias e demoradas reflexões.

Que haviam dito, de facto, os Prophetas a


respeito de Crhisto vindouro? Que teria nascido de uma Virgem
(Isaias VII,14), na Cidade de Belém (Micheias V, 2), precedido por
um Precursor cuja voz se fazia ouvir no deserto (Isaias XL, 3). Que
faria justiça ao pobre, e sua lingua seria espada de dois gumes contra
a prepotencia dos impios (Isaias XI, 4). Que estabeleceria, em vz
dos velhos, um Sacrificio novo e grande, consagrado em todo o
universo (Malachias 1,11). Que, montado sobre uma jumenta,
entraria triumphante em Jerusalem (Zacharias IX, 9). Que teria sido
vendido por trinta dinheiros (Zacharias XI,12). Que lhe teriam
arrancado a barba e teria sido esbofeteado, cuspido, flagellado
(Isaias L, 6). Que se teria tornado o opprobrio dos homens, a
abjecção da plebe, objecto de zombaria e escarneo (Psalmos XXI,
6-7). Que seria desprezado como o ultimo dos homens, que se
tornaria o homem das dôres, ferido, humilhado, supportando tudo,
como um cordeiro, sem emitir um lamento (Isaias LXIII, 3 e seg) .
Que na hora do perigo teria sido abandonado pelos seus discipulos
(Zacharias XIII, 7), por um destes trahido. (Psal. LIV, 13-14).

Todos estes signaes encontravam-se em


Christo e constituiam os traços mais firmes e typicos de sua
physionomia moral. Havia seculos os olhares dos Patriarchas e dos
Prophetas estavam convergidos para Elle; a cada passo era
invocado, deseJado, suspirado; os ritos, as cerimonias, os symbolos,
não eram sinão o Prefacio de uma obra colosal, cujo protagonista
havia de ser o Christo-Redemptor.

Como, pois, não conhecer á sombra das


figuras, ao retrato dos Prophetas?

Ao menos houvesse uma attenuante em


favor do Synhedrio, allegando-se, por exemplo, a ignorancia das
Sagradas Escripturas. Mas como admitir isso nos membros de um
Supremo Tribunal? E ainda que, por cumulo de condescendencia, se
queira, em parte, admittir uma tal anomalia, é preciso não se
esquecer que um terço do conselho era formado de Escribas, isto é,
de Doutores da Lei, quer dizer, de technicos e profissionaes.

Estes, sem dúvida, haviam de conhecer as


passagens da Sagrada Escriptura que se referiam á pessoa de
Christo, e , de outra parte, o Jesus coevonão lhes podia ser estranho.
De facto, cousas extraordinarias deram-se em Belém, na época de
seu nascimento. Mal attingira a edade de doze annos, fôra visto na
Synagoga entr os Doutores da Lei, assombrando-os com o seu saber.
O Portento das bôdas de Chanaan, desde o inicio de sua vida
publica, abrira-lhe, de par em par, as portas da celebridade. Os
prodigios que, durante tres annos, operara na presença de
innumeras tstemunhas, levaram seu nome tão alto que, desde as
praias da Idumea até as rochas do Antilibano, desde o cabo do
Carmelo até ás nascentes do Jabboé, não havia quem o conhecesse.

Assistia, pois, a estes membros do


Comselho, o estricto dever, antes de se abalançarem a uma
sentença condemnatoria de tanta gravidade, de consultar os Livros
Sagrados, estabelecer parallelos entre o Christo vaticinado e o
Christo atual, fazer confrontos, aproximar o retrato ao original
contestado, e verificar se havia isomorphia nos traços, semelhança
nos desenhos, igualdade nas proporções. Era isso o que incumbia a
Juizes serios e imparciaes, dispostos a se manterem nas elevadas e
serenas regiões da justiça.

Mas nada disso succedera. Aggrediram-n'o,


alta noite,como um ladrão preso em flagrante, sem mesmo saber de
qual crime haviam de accusal-o; e sem julgamento, sem provas,
sem defesa, fôra da hora legal, precipitadamente, o condemnaram á
pena capital.

E o Sr. Renan, com uma sem cerimonia


que assombra, nos vem declarar que o Processo fora perfeitamente
legal,que estava de accôrdo com as regras juridicas da época, de
plena conformidade com as normas processuaes entre os hebreus!

E nos cita até a lei violada por Jesus, que


serviu de base ao processo e que justifica plenamente a attitude do
Synhedrio. E essa lei, segundo elle, é justamente a que se acha
consignada no Cap XXIV do Levitico e no XIII do Deuteronomio.
Resta apenas conhecer como é que Renan sabe que Christo fôra
condemnado precisamente por ter violado a lei citada por elle.

Porque é verdade que o Synhedrio e o


povo reclamaram a morte de Jesus em nome da lei, mas é também
verdade que, nem o Synhedrio, nem o povo, nem pessôa alguma,
nunca citou, dessa famosa lei, uma única palavra, de sorte que, até
hoje, depois de vinte séculos, não sabemos em virtude de que lei,
afinal, Jesus foi condemnado.

Renan não se incommoda por tão pouco, e


sem mais nem menos, aponta a Lei, cita os Capitulos e exhuma os
versiculos. Privilegio exclusivo do poeta e do romancista!

(Próximo tópico: Os "cidadãos romanos")

Notas de rodapé *Para voltar ao texto, clique em um dos tópicos abaixo.

(1) A Vida de Jesus de Renan foi publicada, a primeira


vez, em 1863, precisamente 21 annos depois da Vida de Jesus de Strauss. Desde esse
tempo tivemos, salvo engano, 18 edições.

(2) Renan no Prefacio de sua Vida de Jesus declina o


nome de diversos autores que lhe valeram; não cita, porém, o nome de J. Salvador, de
quem se serviu a respeito do processo de Jesus. Ver, a este proposito, B. Labanca: Jesí
Cristo. C.II, pag. 20.

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O PROCESSO DE JESUS - Cidadãos Romanos


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II PARTE (Segundo Renan)

* Foi preservado o português da época (1921).

Os "Cidadãos Romanos"
Justificada a attitude do Synhedrio,
Renan passa a preparar o animo do leitor em favor de Pilatos.
Começa, pois, dizendo que "todos os actos de Pilatos que nos
são conhecidos, o mostram como administrador". Bôa
qualidade, sem duvida, mas que não impediu a Philon, que o
conhecia mais de perto, de attribuir-lhe uma "natureza rude" e
qualifical-o de "prepotente e implacavel".

Desejára Pilatos, como observa o


escriptor francez, "salvar Jesus", porque, afinal, pareceu-lhe,
depois de o ter interrogado, apenas um "sonhador inoffensivo".
Lembrára-se então, de trocar Jesus por Barabas, mas falhou o
plano, o que lhe causou bastante embaraço, receiando até que
"tanta indulgencia com um accusado... o viesse comprometer."
(1)

Então o bom administrador, que acabára


de reconhecer em Jesus um cidadão "inoffensivo", o
condemnou, tanto para agradar á patuleia e aos membros do
Synhedrio, ao supplicio da flagellação. Supplicio barbaro, tão
barbaro, que o proprio Cicero qualificára-o de media mors,
meia morte.

Depois da flagellação os soldados


entregaram-se a outros actos de verdadeira selvageria, pondo-lhe
sobre os hombros uma farda vermelha, na cabeça uma corôa de
espinhos, uma canna nas mãos, esbofeteando-o, cuspindo-lhe no
rosto, arrancando-lhe a barba, etc., etc.

Mas veja bem o leitor: O Renan tomou


o alvitre de não crêr em tal vandalismo. Porque, "custa a
comprehender, diz elle, como a gravidade romana descesse a
actos tão vergonhosos... Cidadãos romanos, como eram os
legionarios, não desceriam a taes indignidades!".

Santa ingenuidade! Em se tratando dos


judeus, admitte, sem custo, a atroz perseguição movida contra
Jesus, e comprehende-se: os "partidos religiosos", diz elle, não
recuam, nunca, perante uma infamia. Mas tratando-se de
"cidadãos romanos", de legionarios, seria um conceder
demasiado admittir que descessem a "actos tão vergonhosos... a
taes indignidades!"

De sorte que de duas uma: ou os


Evangelistas mentiram, o que não se póde suppôr, porque o
proprio Renan reconhece nos Evangelhos o cunho da
sinceridade e authenticidade historica, ou então a gravidade
romana não era tão... grave como quer dar a entender o
philosopho francez. Gravidade romana e cidadãos romanos!

Mas o Sr. Renan zomba, sem duvida, do


bom senso dos leitores! Seria preciso que o tempo tivesse
consumido toda a historia contemporanea para poder mystificar
o publico com dez grammas de falso sentimentalismo.

Cidadãos romanos? Mas cidadão


romano, para citar só alguns e dos mais conspicuos, era Cesar
Augusto, tão augusto que fôra denominado o Pae da Patria.
Este Pae da Patria, porém, foi visto arrancar, com suas
proprias mãos, os olhos ao Pretor E. A. Galio, quebrar as
pernas a Tallo, commeter adulterio em publico e em presença
dos proprios ludibriados maridos.

Cidadão romano era Tiberio, mas


praticou acções tão torpes, diz Svetonio, que quasi não se
acreditariam "e que deveriam envergonhar não só em narral-as
como em ouvil-as".

Os romanos daquelles tempos, disse, se


não me engano, Cesar Cantú, apenas tiveram liberdade de
chorar. Mas foi, sem duvida, uma distracção do grande
historiador italiano esta, porque o citado Svetonio nos faz saber
que era prohibido, por Tiberio, chorar a morte dos parentes
assassinados por ordem imperial. E é conhecido o caso
daquella pobre velhinha, Vicia, que foi condemnada á pena
capital, pelo crime de ter chorado a morte de Gemini, seu
filho.

Cidadão romano era Caligula, mas era


um monstro, um sanguinario. Estuprou todas as irmãs. Num
jantar mandou cortar as mãos a um servo só porque tirára uma
bandeja dum logar para collocal-a em outro. Um cavalheiro
romano, condemnado a ser devorado pelas féras no Circo,
momentos antes do supplicio, só por ter proclamado a sua
innocencia, mandou-o vir á sua presença, arrancou-lhe a lingua,
e ordenou que de novo fosse atirado ás féras. Depois do
espetaculo, mandou, um dia, despedaçar, pelos animaes, todos
os velhos que lá se achavam, os invalidos, os páes de familias
aleijados e doentes.

Cidadão romano era Tiberio Claudio,


era, porém, um jogador, um bebedo, um assassino. Mandou
matar seus dois genros Pompeu e Silano, trinta e cinco
Senadores e mais de trezentos Cavalheiros romanos. O
gladiador que no Circo por uma infelicidade escorregasse, o
mandava immediatamente esquartejar á sua presença.

Cidadão romano era Nero, mas só seu


nome inspira terror. Matava e mandava matar pelos mais
futeis motivos. Assassinou Cassio Lingino porque guardava
uma effigie de C. Cassio, P. Trasea porque a natureza não lhe
dera um rosto sorridente. Obrigou quatrocentos Senadores e
seiscentos Cavalheiros a se apunhalarem no Circo. Matou
Octavia sua mulher com um pontapé no ventre, matou Poppea,
outra sua mulher, que se achava gravida, mandou assassinar a
propria mãe.

Cidadão romano era Domiciano, mas


além de assassino era ladrão. Até o proprio Tito, delicia do
genero humano, mergulhava suas mãos no sangue de seus
semelhantes.

E como se vê, estes não eram uns


simples cidadãos romanos, mas eram tidos como a fina flôr, a
nata do patriciado. Eram os homens da purpura e do sceptro,
cercados de quanto havia de mais nobre, de mais selecto na
força, na opulencia do saber.

Não consta houvesse um só povo, por


mais barbaro, que fizesse do homicidio um divertimento
publico. Esta particularidade tem sido privilegio exclusivo do
povo romano. Aos centenares, ao milhares eram, os gladiadores,
condemnados a se matarem nos amphitheatros de Roma, a se
matarem com graça e elegancia, para satisfazer o gosto
sanguinario de um povo que só pedia panem et circenses.

Quasi não havia um jantar em que os


vapores do falerno não se misturassem com os vapores do
sangue. Pobres infelizes, arrebatados da patria e do lar, viam-se
obrigados a se esquartejarem aos pés de impudicas cortezãs e
truculentos sybaritas, deitados sobre fotos triclinios, porque esta
era a moda em vigor, a sobremesa predilecta dos vencedores do
mundo.

As crueldades praticadas sobre os


escravos são inacreditaveis. Suas carnes palpitantes não raro
serviam de isca para as mureias. Por qualquer cousa eram
assassinados. Um tal, matou um escravo porque atravessara uma
leitôa com um espeto, arma que não podia usar; Gneo Domicio,
pae de Nero, matou outro, porque não podia mais beber vinho.
Uma escrava destinada ao serviço da toilette, não podia ageitar,
conforme o capricho da matrona, a rica cabelleira vinda de além
Rheno? Ou não podia delinear-lhe, com chumbo pulverizado, os
arcos superciliares, de conformidade com as exigencias da
moda? Ou deixava cahir, por um descuido involuntario, o
ramalhete de myrto destinado a ornar-lhe a esplendida fronte?
Ver-se-ia logo toldar a serenidade do rosto da illustre matrona,
e essas lindas mãos, que acabavam de ser lavadas em leite de
jumenta, guardado em vaso de finissimo metal, armadas de um
comprido alfinete de prata, com este lhe perfuraria cruelmente
os braços e os seios. E não satisfeita, mandal-a-ia suspender
pelos cabellos para que fosse flagellada pelo lorario, até julgar-
se desaffrontada e dizer: basta!

E quanto aos legionarios romanos,


basta folhear Tacito, ou qualquer contemporaneo, para ter uma
idéa do requinte de ferocidade com que se haviam com os
vencidos.

E não podia ser diversamente, desde


que a carencia absoluta de qualquer sentimento humanitario era
elevada á altura de um principio. E como podia ser de outro
modo numa época em que o homem era para outro homem um
lobo, em que a compaixão, a caridade, era uma virtude não só
desconhecida na pratica, mas tomada até como signal de
fraqueza, como vicio de caracter, em que o philosopho moralista
Seneca ensinava, alto e bom som, que a compaixão era uma
covardia, miseratio est vitium pusillanimi, a misericordia uma
doença moral, propria da ignorância, incompativel com os
espiritos cultos, misericordia est aegritudo ánimae: aegritudo
autem in sapientem virum nom cadit!"

Pois bem, depois desta pagina historica


que fomos obrigados a citar, com risco de perder de vista o
nosso principal objectivo, para dar apenas uma amostra da
vileza de sentimentos do povo romano, perguntamos ao leitor si
a perplexidade de Renan (em prestar fé á narração evangelica
no que se refere aos actos vandalicos praticados pelos
legionarios romanos sobre a pessôa de Jesus na tragica noite de
quinta para sexta-feira) perguntamos si essa perplexidade não
seria pueril e ridicula, si não soubessemos que ella esconde um
intuito ignobil, qual é o de insinuar no espirito do leitor a
duvida sobre um dos mais lugubres quadros da paixão de
Christo.

Sim, intuito ignobil com que se attenta,


a cada passo, contra a historia, com que se adulteram os factos,
e com que se põe, na maioria dos casos, o leitor na
impossibilidade de, mediante estudos comparativos, separar o
joio do trigo em beneficio da verdade, sacrificada,
constantemente, aos caprichos de uma sciencia sectaria e
falsa.

(Próximo tópico: Ilegalidades)

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Notas de rodapé * Para voltar ao texto,


clique no tópico abaixo.

(1) Schegg affirma que a apparente defesa de


Pilatos em favor de Jesus não era inspirada por um sentimento de piedade e de
justiça, mas pelo odio que Pilatos votava aos Phariseus, inimigos fidagaes e
irreconciliaveis dos romanos. E isto concorda perfeitamente com a opinião que
formaram delle os que de perto o conheceram. José Flavio, por exemplo, narra que
não viu em Pilatos si não tratos de brutalidade, perfidia e crueldade. Herodes
Agrippa I, numa carta dirigida a Caligula, classifica ao procurador romano de
"pyrronico, atrevido, implacavel" e o accusa de corrupção, prepotente violencia,
ladroeiras, maos tratos, offensas, execuções capitaes, umas seguidas a outras, sem
nenhuma sentença, continua e intoleravel ferocidade".

De que, aliás, seu sobeja prova no ultimo tumulto


que suffocou em Samaria. E singular cincidência! O cabeça do motim popular era
um individuo que se intitulava tambem Messias, quão differente, porém, daquelle
que Pilatos condemnára injustamente! Pois este ultimo Messias, que promettia aos
samaritanos de mostrar-lhes, sobre o monte Garizim, objetos sagrados ahi
escondidos por Moysés, este Messias, dizemos, foi a causa occasionalda perda e
ruina de Pilatos. O qual, para dominar a revolta, recorreu a medidas tão violentas,
que, accusado perante Vitellio, este o obrigou a ir á Roma para se defender em
presença de Tiberio. Antes, porém, de chegar á Roma, Tiberio tinha morrido.
Pilatos teve de apresentar-se ao seu successor, Caligula, o qual o desterrou para
Vienna das Galias,onde, sobrecarregado de males, multorum malorum
compendium, diz Cornelio a Lapide, morreu miseramente.

Segundo S. Agostinho, Pilatos, a instancias de sua


mulher, se converteu ao christianismo, opinião que é partilhada tambem pela
Paradosis Pilatou do seculo 5º. , mas de que muito duvida C. Lapide. O nome de
Pilatos e de sua mulher Procula, se encontram entre os Santos do Calendario
ethiopico, aos 25 de junho. Eusebio, entretanto, firmado no Chonicon e em
historiadores romanos, assevera que Pilatos acabou suicidando-se.

Existe uma lenda: Legenda Aurea de Jacobus de


Voragine, segundo o qual o cadaver de Pilatos, atirado ao Tibre, provocou tamanha
tempestade que foi preciso retiral-o e leval-o á Viena, nas Gallias, onde foi
lançado ao Rhodano, antes, á Losanna, depois, e como em toda parte se
manifestavam as mesmas convulsões meteorologicas, acabou-se por atirar o cadaver
a um pequeno lago, situado sobre o monte Frakmüd, fronteiro ao lago de Lucerna,
monte que veiu a ser denominado, por isso Monte Pilatos. Na summidade deste
monte, fôra vista, noites seguidas, uma sombra singular, tendo a forma humana, e
em attitude de lavar as mãos. Até que, afinal, o mao espirito de Pilatos encontrou
descanço. - Confr. Wetzer e Welte, I. e. Vol. XVIII, pg. 321; Le Camus, 1. e., Vol
II, pg. 562; Cornelius a Lapide , Comm. In Math. XXVII, 19, nota; Felten 1. e. ,
Vol. I, pg. 211 e seg.

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O PROCESSO DE JESUS - Ilegalidades - Final


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II PARTE

* Foi preservado o português da época (1921).

Illegalidades - Tópico Final

Si ha uma instituição a que se deva o


respeito dos homens , é sem duvida um Conselho juridico.

É elle a sentinella avançada da moralidade


do Direito, é a espada de Damocles sobre o abuso da força, é o
escudo de Pallas que dá guarida ao desamparado, é Judith que livra
o povo de seu inimigo, é Cheréa que desembaraça a humanidade
dos seus Caligulas.

Mas, para que se mantenha sempre na altura


do seu fim, torna-se necessario que seus Membros se destaquem
pela prudencia e sensatez em seus julgamentos, pela independencia
de caracter, pela rectidão nas intenções.
Não sendo assim, não teremos Juizes, mas
mercenarios de Themis, vendilhões do Templo; a Justiça seria
arrastada pela Suburra das paixões, e a Suprema Magestade do
Direito encontraria nelles, o seu maior ludibrio.

Estas foram, entretanto, as condições


moraes, que presidiram ao julgamento de Jesus Christo. O
Synhedrio, diz Lemann, citado por Chauvin: "não era, nesse tempo,
sinão uma assembléa de homens em sua maior parte indignos de
suas funcções. Nelles nenhuma piedade, nenhuma justiça, nenhum
valor moral: os proprios historiadores hebreus os condemnaram.

José Flavio qualifica-os de ambiciosos,


ladrões, soberbos e violentos.

Os proprios chefes, eram homens sem


moralidade e sem caracter. A nomeação de Caiphás a Grande
Sacerdote, a Presidente, portanto, do Conselho, fôra fructo
exclusivo dos manejos, das intrigas do seu astuto sogro Annaz, e
muito provavelmente do dinheiro profusamente expendido.

Sabemos quem era Pilatos. Creatura de


Sejano, protegido de Tiberio, não aos seus meritos pessoaes, mas á
fortuna do momento devia a Jurisdictio e o Imperium das Judéa.
Verdadeiro camaleão, ora pusillanime, outra feroz; porém, sempre
venal. Não possuindo dinheiro, roubava-o. Assim fez quando lançou
mão dos thesouros do Templo para a construção de um Aqueduto.
Quando lhe tornava mais commodo, recorria á traição. Uma vez
vestiu soldados romanos á moda dos hebreus, e, assim disfarçados,
mandou massacrar os cabeças de um motim popular. Philon nol-o
mostra pyrronico e orgulhoso.

Estes, pois, eram os Juizes perante os quaes


tinha de comparecer Jesus. Que se havia de esperar no Templo da
Justiça, de uns taes Sacerdotes?

Abuso de poder, perseguição, injustiça, eis


o que podia esperar Jesus e eis o que realmente se deu.

Queira o benigno leitor acompanhar-nos e


verificar comnosco de quantas irregularidades e illegalidades fôra
víctima o filho de Maria, no espaço de doze horas.

Judas recebeu trinta dinheiros para a


entrega de Jesus. De quem os recebeu? De quem partiu o
suborno? Dos Principes dos Sacerdotes, dos Anciãos, isto é, desses
mesmos que deviam formar o Supremo Tribunal que havia de
julgar Jesus. Ora, a Lei prohibia o suborno. E si era vedado aos
Juizes receber donativos ou dinheiro dos que estavam implicados,
directa ou indirectamente, nas malhas da Justiça, segundo o
dispositivo: "Non accipies personan, nec munera" (Deut. XVI, 18) ,
a fortiori era vedado aos Juizes offerecer dinheiro em prejuizo da
justiça: primeira irregularidade.

Jesus foi obrigado a um interrogatorio


perante Annaz. Ora, esta era uma violencia, porque Annaz não era
o Summo Sacerdote: segunda irregularidade.

Podiam ser duas horas da madrugada


quando levaram Jesus á casa de Caiphás para submettl-o, naquela
mesma hora, ao interrogatorio. Ora, as causas judiciarias, por lei,
não podiam ser tratadas durante a noite, mas sim desde o levantar
ao pôr do sol. Terceira irregularidade.

Jesus, nessa mesma noite, e pelos poucos


Membros do Synhedrio recolhidos na casa de Caiphás, foi
condemnado á morte. Ora, a sentença era nulla de pleno direito,
porque uma sentença capital só podia ser pronunciada um dia
depois do primeiro comparecimento do accusado. Quarta
illegalidade. (Ch. Letourneau: L'Evolution juridique, Cap. X, pg
288)

Uma sentença capital não podia, sob pena


de nullidade, ser proferida na vespera do grande dia de Paschoa.
Mas foi pronunciada contra Jesus. Quinta illegalidade.

Deviam ser rejeitadas as testemunhas


falsas. Os Juizes, porém, as procuraram contra Jesus (Matth.
XXVI, 39 - Marc. XIV, 55) apezar da determinação formal que
prohibia o falso testemunho (Exod. XX, 16 - 21). Sexta
illegalidade.

Contra as falsas testemunhas a lei era


inexoravel. Obrigava o Juiz a ser inflexivel contra ellas, devendo-
as condemnar á pena do talião: "Si steterit textis mendax contra
hominem, reddent ei sicut fratri suo facere cogitavit... Nom
misereberis ejus, sed animam pro anima, oculum pro oculo, dentem
pro dente, manum pro mano, pedem pro péde exiges. (Deut. XIX,
16 e seg.)

Entretanto, nada de desagradavel aconteceu


ás testemunhas que depuzaram o falso contra Jesus. É a setima
irregularidade.

As testemunhas deviam, segundo o


dispositivo legal, ser interrogadas separadamente, sem serem vistas
pelo accusado. Não se observou este dispositivo no processo de
Jesus. É a oitava.

O Grande Sacerdote, presidente do


Synhedrio, num assomo de zelo hypocrita, ao ouvir Jesus
proclamar-se Filho de Deus, rasgou as vestes. Ora, a lei prohibia
terminantemente este acto: "Caput non discoperit, vestimenta non
scindet" (Lev. XXI, 10). É a nona.

O Presidente do Conselho dispensou


ulterior depoimento de testemunhas. (Matth. XXVI, 65 -
Marc.XIV, 64,64) Mas isso era contra a lei. É a décima.

Não podia ser processado o accusado que


não tivesse previamente feito o juramento legal. Este dispositivo
não foi observado com respeito a Jesus. É a undécima.

A lei punia quem tivesse batido em


outrem: "Qui percusserit hominem, punietur" (Lev. XXIV, 21), e
era severa especialmente quando o offendido era o accusado. Quem
désse a este uma bofetada, era condemnado á multa de duzentos a
quatrocentos siclos. Entretanto Jesus foi esbofetado por um servo
brutal do Grande Sacerdote, sem que houvesse, de parte de quem
quer que fosse, o minimo protesto. É a décima segunda.

Quanto ao processo criminal perante o


tribunal romano, não se observara quasi nenhuma das normas que
estavam em vigor desde a epoca dos Reis. Todo o processo era
dividido em duas phases ou estadios: processo in jure, isto é,
perante o Magistrado, e o processo in judicio, isto é, perante os
jurados, encarregados da decisão definitiva.

O processo in jure, começava pela


accusação do accusador, ou accusadores, ao Presidente do Tribunal,
Quaesitor. Note-se, porém,o accusador devia, antes de tudo,
requerer a licença para fazer a accusação, alcançada a qual,
procedia ao seu papel accusatorio, criminis delatio, o qual era
apresentado por escripto, contendo em termos precisos a natureza e
as circumstancias do crime. Si a accusação era procedente, o
Quaesitor a acceirava, fazendo inscrever, nos Registros dos
processos criminaes, o nome do réo, nomem recipere. Feito isto,
citava-se o réo para comparecer: Si o réo confessava o crime, o
Magistrado procedia, neste caso, de conformidade com a lei,
condemnando-o; si não, era marcado o dia da convocação para o
processo. Aqui terminava a primeira phase, ou processo in jure.

O processo in judicio começava com a


formação do Conselho juridico. Os nomes dos jurados ou eram
extrahidos por sorte, como nos tempos primitivos, ou eram
escolhidos pelo Magistrado.

No primeiro caso, as partes tinham o direito


de rejeitar cincoenta dos nomes apresentados pela lista do
adversario; no segundo, podiam recusar um certo numero impar,
determinado por lei.

Formado o Jury, procedia-se ao debate


que constava de tres partes distinctas: accusação, defesa, provas.
Terminado o debate, os jurados prestavam o juramento e tratavam
da sentença que era quasi sempre dada por escrutinio secreto. O
imputado julgava-se condemnado quanto tivesse, contra, a maioria
de votos, julgava-se absolvido quando houvesse paridade, ou a
maioria em favor. (1)

O processo, desde a sua instauração até á


sua conclusão, devia passar por quatro termos ou periodos. Entre os
tres primeiros não havia intervallo determinado de tempo, entre o
terceiro e o quarto, porém, tinham de passar tres dias; si durante o
ultimo periodo, por um motivo qualquer, não se concluiam os
trabalhos, todo o processo era, por lei, considerado nullo.

Pois bem, no Processo de Christo, não foi


observada nenhuma das disposições a que alludimos e das outras
a que iremos alludindo no correr deste escripto. Não houve nem
processo in jure nem in judicio, nem ordinario, nem extraordinario.
(2)

As causas criminaes só tinham principio da


hora terceira (nove horas da manhã) em diante. A Causa de Jesus
começou ás sete. É a decima terceira irregularidade esta que
registramos.

Jesus não podia ser levado, á força, á


presença de Pilatos. Na hypothese estivesse na competencia dos
seus inimigos trazel-o ante o Procurador romano, a coacção era
admittida só no caso de resistencia do accusado. Neste caso, a lei
exigia que a rebeldia fosse testemunhada por algumas pessoas, e só
depois disso era autorizada a violencia: "Si in jus vocat, ito. Ni it,
antestamino: igitur em capito". (Lei das XII Taboas - Tab. 1. n. 1.
Leggi delle XII Tavole, Testo e Traduzione del Dottor Nereo
Cortellini.) Todos estes quesitos foram violados. Decima quarta.

A lei prescrevia que as partes se


accordassem sobre o logar do julgamento: "Rem ubi pacunt orato".
(Lei das XII Taboas - Ib. n. 6.) Não houve, porem, este accordo.
Decima quinta illegalidade.

Quem injuriasse a outrem, pena: 25 asses de


multa: Si injuriam faxit,viginti quinque poenae sunto". (Tab. VII, n.
4.) Pilatos vira a que estado tinham reduzido Jesus. Mas nem siquer
se lembrou de apurar responsabilidades. Decima sexta.

Era condemnado á morte quem falsamente


accusasse ao seu semelhante de uma falta da qual resultasse, para o
accusado, deshonra ou vergonha. (Tab. VIII, n. 1 b. Allus.) Ora,
os Principes dos Sacerdotes procuraram deshonrar a Jesus,
attribuindo-lhe um triplice crime: 1º. , de ter sublevado o povo
contra o poder constituido; 2º., de o ter subornado para não pagar o
tributo; 3º. , de se ter proclamado rei. (Luc. XXIII, 2.) Não chamou,
porém, o rigor da lei sobre os calumniadores. Decima.

Chegando a provar-se que alguem tinha


deposto o falso, era severamente punido. Sendo julgado em Roma,
era precipitado da rocha Tarpeia. "Ex XII tab. - si nunc quoque -
qui falsum testimonium dixisse convictus esset, e saxo Tarpeio
deiceretur". (Tab. VII, n. 23. Allus.) Pilatos proclamára
solemnemente, mais de uma vez, que Christo era innocente. (Math.
XXVII, 18; Luc. XXI, 2) Sabia , pois, que os que depunham contra
elle, depunham o falso. Deixou, porém, violar impunemente a lei,
em detrimento exclusivo de Jesus. Decima oitava.

A flagellação só podia ter logar depois do


julgamento e condemnação á pena capital. Violou-se esta lei com
respeito a Christo. Decima nona.

E mesmo não houvesse (como havia) a


disposição precedente, o supplicio da flagellação, por lei, só podia
ser applicado a um escravo. Ora, Jesus era pessoa livre. Vigesima.

Não podia ser processado nem


condemnado ninguem, sem previa designação e inquirição das
testemunhas. Nem esta formalidade foi preenchida por Pilatos.
Vigesima primeira.
O Juiz tinha, por lei, de conceder á parte o
tempo necessario para a escolha de um advogado. Pilatos não o
concedeu a Christo. Vigesima segunda.

Finalmente, e recapitulando, ninguem


podia ser levado á morte sem ter sido antes legalmente processado,
e legalmente condemnado: "Interficit, indemnatum quemcum que
hominem, etiam XII tabularum decreta vetuerunt". (Tab. IX, n. 6.
Allus.) Disposições que foram fria e criminosamente desprezadas
em prejuizo de Jesus.

Depois do que acabamos de expender,


poderá fazer-se uma pallida idéa do critero juridico usado por
Renan, affirmando, no seu Romance, que a condemnação de Christo
estava de accordo com a lei.

Mas era necssario que tudo isso se désse. A


iniquidade dos homens, que nesse negro momento tomaram de
assalto a pessoa de Jesus, tornava-se, nas mãos de Deus, e sem
sabel-o, o instrumento obediente encarregado de aplainar o
caminho por onde havia de passar, triumphante, o Nazareno.
Aproximava mais depressa o Christo do Calvario, que desde as
epocas mais remotas, era o ponto centripeto dos olhares dos
Prophetas e dos anhelos da humanidade. A morte de Jesus era
necessaria. E nos, que á distancia de vinte seculos, nos lembramos
ainda, com religioso terror, na tragica noite de 14 de Nisan,
abrimos, entretanto, o animo á esperança e ao sorriso ao raiar da
aurora do dia de Paschoa, e nos sentimos levados a entoar com a
Egreja: O felix culpa, quae talm, ac tantum meruit habere
Redemptorem!

FIM

(*) Nota de Rodapé na base

Notas de rodapé * Para voltar ao texto, clique no


tópico abaixo.

(1) Guido padeletti - Storia del Diritto Romano, Cap


XXXVII. No tempo de Christo acabava de ser introduzido o Voto de Minerva,
Calculus Minrve. O Imperador Augusto fôra o primeiro a valer-se desse privilegio.
Tinha logar quando o imputado era condemnado por maioria de um voto. Neste caso o
voto do Imperador equilavia á absolvição. V. Cogliolo, nota 2ª. do Cap. citado.

(2) O Processo extraordinario, extraordinem, era mais


ou menos como o ordinario. Omittiam-se, porém, as formalidades prescriptas neste
ultimo, e o réo tinha o direito de recorrer da sentença do Magistrado ao Imperador.
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