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Em pelo período ditatorial, em 1978, por influências do movimento antipsiquiátrico

italiano, nasce o movimento brasileiro de reforma psiquiátrica na formação do


Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM); grupo que se tornou o ator
social estratégico pelas reformas no campo da saúde mental.
A crítica ao modelo psiquiátrico clássico organizada pelo MTSM e suas ações de políticas
permitiram a mudança deste modelo ao investir na desinstitucionalização da saúde
mental, defendo a função social da psiquiatria e suas instituições para além de seu papel
explicitamente médico-terapêutico-asilar.
Os esforços do Movimento culminaram na I Conferência Nacional de Saúde Mental,
realizada em Bauru, em 1987. Após o evento, com a redação de um documento base,
constatou-se que a estratégia para a implantação das reformas no âmbito psiquiátrico
deveria ser repensada.
Assumindo o lema “Por Uma Sociedade Sem Manicômios”, os movimentos de
Trabalhadores em Saúde Mental mobilizaram-se para a aprovação do projeto de Lei
08/91-C, que prescrevia a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos e fazia
referência explícita ao percurso aberto por Franco Basaglia, médico psiquiatra,
responsável pelo movimento “Psiquiatria Democrática” na Itália.
De lá para cá, 30 anos após a primeira Carta de Bauru, o Movimento pelo Luta
Antimanicomial, explica a psicóloga e Conselheira do Conselho Regional de Psicologia
de Mato Grosso do Sul (CRP14/MS), Marilene Kowalski, que o debate debate em torno
dos pressupostos psiquiátricos tradicionais e dos diferentes modelos de tratamento se
intensificou e novas demandas foram criadas.
Em 2001, a Lei 10.216 foi promulgada, conhecida como “Lei Antimanicomial”, dispondo
sobre “a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental”. Mesmo não constando a expressão de “extinção
progressiva dos manicômios”, do projeto original, a lei de 2001 se fundamenta nos
direitos, específicos e difusos, e na cidadania plena dos pacientes, determinando,
preferencialmente, os serviços comunitários de saúde mental, bem como a internação, em
qualquer de suas modalidades, somente quando os recursos extra-hospitalares se
mostrarem insuficientes.

debate antimanicomial entre técnicos, usuários e sociedade civil.

Outro elemento importante nesse contexto foi a Conferência sobre a Reestruturação da


Atenção Psiquiátrica, ocorrida em Caracas em 1990, em que a declaração [5] resultante
advertiu que a assistência psiquiátrica convencional não permitia alcançar objetivos
compatíveis com um atendimento comunitário, descentralizado, participativo, integral,
contínuo e preventivo. E, dessa forma, enfatizou que a reestruturação da assistência
psiquiátrica ligada ao Atendimento Primário da Saúde, no quadro dos Sistemas Locais
de Saúde, permitiria a promoção de modelos alternativos, centrados na comunidade e
dentro de suas redes sociais, e que essa reestruturação implicaria em revisão crítica do
papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na prestação de serviços.
Naquele cenário de mudança social e de paradigmas, tornou-se clara a necessidade de
uma lei nacional que sustentasse a nova concepção da psiquiatria pública, ancorada nos
direitos humanos, na liberdade, nos métodos modernos de tratamento, na base territorial
da organização dos serviços e na cidadania.

O estatuto de crise do modelo psiquiátrico que estava sendo combatido resumia-se em


três eixos: 1) Enquanto sistema assistencial nas suas formas de atenção pública e
privada: o médico tornou-se um profissional em que a prestação de serviços não se
esgotava mais na relação íntima com o paciente, ou seja, essa relação estava cada vez
mais regulada por uma instância supraclínica. No controle da ação médica, as
instituições públicas e privadas disputavam as prioridades; 2) Como saber e enquanto
disciplina teórica: na modernidade a psiquiatria passou a ser um saber sobre a saúde
mental, sobre as suas condições de possibilidade e sobre as formas de instaurá-la
originariamente nos indivíduos, diferentemente do seu surgimento no séc. XVIII, que
seu campo abrangia o estudo das doenças e das instrumentalidades curativas. Deslocou-
se de instrumento de cientificidade sobre a doença mental para definidor da saúde
mental; 3) Crise da prática clínica: o controle do espaço terapêutico pela ativa invasão
de instituições externas e as transformações operacionais que demandam a mudança de
seu objeto passaram a confundir a prática clínica [6].

Os anos 90 foram marcados por esse intenso e ácido debate em torno dos pressupostos
psiquiátricos tradicionais e dos diferentes modelos de tratamento, da rede alternativa de
serviços e do abolicionismo manicomial.

Em 2001, a Lei 10.216 foi promulgada, conhecida como “Lei Antimanicomial”,


dispondo sobre “a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. Mesmo não constando a expressão
de “extinção progressiva dos manicômios”, do projeto original, a lei de 2001 se
fundamenta nos direitos, específicos e difusos, e na cidadania plena dos pacientes,
determinando, preferencialmente, os serviços comunitários de saúde mental, bem como
a internação, em qualquer de suas modalidades, somente quando os recursos extra-
hospitalares se mostrarem insuficientes.

Paulo Amarante [7] persiste que o debate acabou repercutindo positivamente na opinião
pública. Leis do mesmo tipo foram aprovadas em diversos estados e experiências de
desmontagem de estruturas manicomiais passaram a ser implantadas em todo o país. A
transformação do modelo virou prática política e social antes mesmo de virar lei, a
despeito do fato de muitas das experiências não vingarem no Brasil. A reforma
psiquiátrica veio a reboque das práticas inovadoras que a anteciparam.
Os questionamentos eram vários nessa nova logística em saúde mental que agora
despontava. Os desafios eram complexos e, de certa forma, nesse novo paradigma,
desconhecidos. Pertinentes e ainda atuais, diante do eterno devir das sociedades
complexas, as dúvidas seguem sem respostas fixas: Qual é a melhor saída para a rede
pública de saúde mental no Brasil? Que papel devem ter os hospitais psiquiátricos? São
necessários? Como atender adequadamente aos pacientes mais graves? Como lidar, no
Estado Democrático de Direito, com o tratamento involuntário? [8]

Antes de empreender esforços absurdos para responder tais questões e encontrar saídas
definitivas e satisfatórias que dê conta do mecanismo, vale destacar que a reforma, antes
de qualquer análise, garantiu o “direito de existir” dos pacientes, colocando em pauta as
questões relacionadas aos sujeitos invisíveis submetidos aos tratamentos psiquiátricos
asilares (e excludentes) tradicionais. Instituir a lei (apesar de não ser o suficiente nessa
busca desinstitucionalizadora) foi um ganho significativo nesse embate crítico (e de
certa forma abolicionista). É, portanto, a conquista do “direito de negar” as instituições
violentas, como pregava Basaglia.

O movimento pela reforma psiquiátrica no Brasil foi, por isso, um dos movimentos
contra a dominação política mais longos, inventivos e bem estruturados de nossa
história. Expressou-se na capacidade coletiva de inserir, no seio de um contexto social –
mesmo o constituído por palavras de ordem, iniquidades, violência explícita – o
pressuposto de qualquer discurso prepositivo: a refutação. Foi assim que, lentamente, a
luta contra o modo ‘manicomial’ de tratar a loucura se transformou também em uma
prática contra-discursiva no seio daquilo que por definição não permite diálogo [9].

A reforma inflamou o campo psiquiátrico desvelando os limites de sua forma. Além de


estabelecer um contradiscurso, trata-se de uma via de contracultura psiquiátrica, em
âmbitos macro e micropolíticos de atuação. Num trabalho inicial de perturbação das
zonas psiquiátricas de conforto − que tinha os tratamentos excludentes assimilados
como ideais − fomentou mudanças sociopolíticas e, de certa forma, ideológicas.

Em resumo, as diretrizes da reforma psiquiátrica são: a) ampla mudança do atendimento


público em Saúde Mental, garantindo o acesso da população aos serviços e o respeito a
seus direitos e liberdade; b) novo modelo de tratamento com pleno convívio familiar e
comunitário; c) fortalecimento da rede extra-hospitalar: Centro de Atenção Psicossocial
– CAPS, Residências Terapêuticas [10], Ambulatórios, Centros de Convivência; d) as
internações, quando necessárias, são feitas em hospitais gerais ou nos CAPS/24 horas.
Os hospitais psiquiátricos de grande porte vão sendo progressivamente
substituídos/extintos.
Alinhada à Lei 10.216/01, à Carta de Princípios sobre a Proteção de Pessoas
Acometidas de Transtorno Mental (ONU, 1991), às consultas realizadas pelo Ministério
da Saúde em articulação com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, às
deliberações da III Conferência Nacional de Saúde Mental e considerando as consultas
realizadas pelo Ministério da Saúde junto às instâncias municipais e estaduais do SUS,
em 2002 foi publicada a portaria nº 2391/GM/2002 [11] que “regulamenta o controle
das internações psiquiátricas involuntárias (IPI) e voluntárias (IPV), e os procedimentos
de notificação da Comunicação das IPI e IPV ao Ministério Público pelos
estabelecimentos de saúde, integrantes ou não do SUS”.

Na mesma esteira, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, através da


resolução N.º 05/2004 − que dispõe sobre as diretrizes para o cumprimento das Medidas
de Segurança, adequando-as à previsão contida na Lei nº 10.216/2001.

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Resolução n. 113, determinando em


seu art. 17 que “o juiz competente para a execução da medida de segurança, sempre que
possível buscará implementar políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº
10.216, de 06 de abril de 2001”. Ainda em atendimento aos parâmetros da Reforma
Psiquiátrica e da Política Antimanicomial, em 2011 emitiu a Recomendação n. 35,
dispondo sobre as diretrizes a serem adotadas em atenção aos pacientes judiciários e a
execução da medida de segurança.

O fecundo processo legislativo foi resultado de um forte, articulado e contínuo


movimento reformador de conotação dinâmica, sem perspectiva de soluções
institucionais fixas e completas, estabilizadoras de um quadro normativo; pelo
contrário, a chave do movimento foi suscitar o dinamismo, o debate e as transformações
inerentes à complexidade do tema, diante de um campo de incertezas, no qual
continuam a ser relevantes as ações concretas operativas, as experimentações, as
desconstruções, os aprendizados e as mudanças ideológicas, culturais e paradigmáticas.

Há que se observar, sempre em destaque, que a luta que se desenvolve é contra uma
lógica hospitalocêntrica inocuizadora, na busca contínua da responsabilidade/autonomia
e valorização dos sujeitos, como também, da superação do aparato manicomial para
que, de uma forma equivocada, não se transforme numa mera humanização e
autorreprodução desse sistema, anulando os atores enquanto sujeitos de direitos e de
transformação. E mais, a reforma brasileira, assim como a italiana, precisa ser vista e
compreendida como um derivado do processo de desinstitucionalização, ainda que não
atingido plenamente em seu campo prático. Isso porque, no momento em que profere o
objetivo da superação asilar, já confirma e alarga a ação desinstitucionalizadora.
Em tempos políticos e sociais sombrios, inclusive para a saúde mental brasileira [12], é
muito importante que continue havendo um intenso trabalho sociocultural,
administrativo e político para articular a sociedade a essa bandeira, concedendo
autonomia aos poderes municipais através da participação popular, na tentativa de
fortalecer as engenharias locais de serviços e redes assistenciais [13]. Assim será
possível, talvez, reacender a temática e continuar na luta para que não haja mais
retrocessos e para que, minimamente, seja possível executar o que determina a Lei
Antimanicomial evitando, assim, que esta não caia em letra morta no ordenamento
jurídico brasileiro.

A conjuntura presente, que intensifica o risco das conquistas duramente obtidas, exige um

posicionamento que reafirme e radicalize nossos horizontes. É preciso sustentar que uma
sociedade

sem manicômios reconhece a legitimidade incondicional do outro como o fundamento da


liberdade

para todos e cada um; que a vida é o valor fundamental; que a sociedade sem manicômios é
uma

sociedade democrática, socialista e anticapitalista.

Descontruindo o modelo asilar, reduzimos significativamente os leitos em hospitais

psiquiátricos, exercendo no território o cuidado em liberdade. Inventamos novos serviços e


redes,

arranjos e experiências, que gritam com voz forte a potência deste cuidado. Combatemos a
cada dia

o manicômio em suas várias formas, do hospital psiquiátrico à comunidade terapêutica,


incluindo o

manicômio judiciário; e a lógica manicomial que disputa o funcionamento de todos os espaços


do

viver. Gravamos, em corpos e mentes, a certeza de que toda a vida vale a pena, a ser vivida em
sua

Romper com a cultura manicomial e com todas as formas de opressão social, para construir
possibilidades de convívio com as diferenças é essencial em uma sociedade democrática que
preza pelos Direitos Humanos.

Os 30 anos da Carta de Bauru representam um período de grandes avanços para a reforma


psiquiátrica e para a luta por uma sociedade sem manicômios. Me lembro com emoção da
primeira passeata antimanicomial nas ruas de Bauru, um ano antes da Constituição-Cidadã de
1988. Desde então, tivemos notáveis conquistas no campo dos direitos humanos, das políticas
sociais, da proteção do trabalho, da ampliação dos direitos dos trabalhadores e suas famílias,
da soberania do nosso país. Na saúde mental, são 50 mil leitos manicomiais a menos, e quase
3 mil serviços substitutivos a mais. É uma vitória estupenda do movimento antimanicomial e
de toda a sociedade brasileira, e um avanço reconhecido em todo o mundo. A reforma
psiquiátrica, mesmo ainda em processo, já é uma poderosa realidade, que nos dá força para a
luta.

Porém 30 anos depois de Bauru, que temos diante de nós agora? Temos um duro combate a
travar, não apenas em defesa da reforma psiquiátrica, mas da liberdade e da democracia. A
luta agora é contra a coalizão neoliberal e fascista que tomou o poder em nosso país, e pratica
um desmantelamento dos importantes avanços das políticas de bem-estar social. Faz isso sob
a proteção de um estado de exceção, que criminaliza a política, os movimentos sociais e
sindicatos, e adota práticas de intimidação que lembram o terrorismo de estado. A crise social
e a iniquidade se aprofundam. Tecnocratas sinistros são colocados à frente dos programas
sociais, para destruir o SUS, o SUAS, a renda do trabalho, a CLT, o emprego, a soberania
nacional. Na saúde mental, congelam a habilitação de novos CAPS, transferem recursos para
os hospitais psiquiátricos e para comunidades terapêuticas, desrespeitam e tentam
desmantelar uma política pública, de saúde mental, construída coletivamente, sustentada por
lei e aprovada por 3 conferências nacionais.

É ilusório pensar que a estratégia de resistência da reforma psiquiátrica pode ficar restrita ao
plano da gestão. A luta é contra o golpe de estado de 2016.

Nosso movimento é muito forte, tem uma imensa base social. Vamos mostrar nossa
capacidade de resistência, nos articulando com uma ampla frente progressista em defesa da
sociedade sem manicômios, da liberdade, da democracia, e contra todas as formas de
fascismo.

Vou responder colocando um número para cada pergunta.

1 - Penso que todo sujeito humano é um sujeito de desejo e de direitos. É preciso que a
sociedade se organize para acolher e incluir a todos em sua singularidade. Independente da
estrutura de discurso que cada um conseguiu organizar e utiliza para construir seus laços
sociais. Somos únicos, diferentes, é preciso então respeitar essa diversidade.

2 - 30 anos depois, estivemos presente representando o CRP/14MS, na sua Comissão de


Saúde, Núcleo de Saúde Mental. Evento ímpar, com a participação de mais de 2 mil pessoas,
entre profissionais, familiares, pacientes e representantes de entidades da Sociedade Civil, dos
CAPS e das Comissões Intergestoras Tripartite, escrevemos JUNTOS uma Nova “CARTA DE
BAURÚ” incluindo crianças e adolescentes.

Em mesas redondas, de forma democrática onde todos participaram em igualdade de direitos,


se colocando, contribuindo a partir de suas próprias vivências, experiências e conhecimentos.
Foi histórico e comovente. Atualizando assim a Carta em suas propostas e intenções que foi
aprovada item por item numa grande assembléia para encaminhamentos posteriores.

3 - Portanto como disse acima, esses avanços de 30 anos de luta, com práticas até então
implementadas com os CAPS e RAPS, uma semana depois encontra um retrocesso com a
chamada reforma psiquiátrica.

Feita na verticalidade, sem ouvir os gestores e a sociedade em seus campos de atuação. E


mais, descentralizando grande parte dos aportes financeiros de recursos públicos destinados a
população geral para as chamadas Comunidades terapêuticas, que em sua maioria não atende
a todos e não dispõe de um corpo teórico/clínico/técnico para tratamento adequado e numa
proposta segregatória.

Me assusta o avanço de terapêuticas muito usadas ao longo da história de modelos


manicomiais. Os ECTs, as cirurgias de intervenções cerebrais, chamadas lobotomias, etc.
Procedimentos que em sua maioria exclui o sujeito das decisões e tratamentos.

O que acontece é a dificuldade de ouvir o sujeito que não fala o nosso discurso. Portanto o
retrocesso é preocupante e a desconsideração da subjetividade do portador da doença mental
e maior ainda.

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