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Georg Lukács. Teoria do Romance.

Antecedentes
Friedrich von Blanckenburg: Versuch über den Roman [Ensaio sobre o Romance], de
1774. Definindo-o como uma história verdadeira ficcional, Blanckenburg considera o
romance como uma das formas mais características da Aufklärung e como um
instrumento importante de educação, não no sentido moral ou didático, mas de
aprendizagem, de formação (Bildung) do leitor.1 A partir de um método empírico,
calcado em um repertório concreto de leituras que incluíram Fielding e Sterne, o teórico
alemão retoma a idéia de que o romance significa para os tempos modernos o que foi a
epopéia para os gregos, mas acrescenta-lhe uma visão absolutamente original, ao
explicar a degenerescência dessa forma literária pelas transformações sociais e ao
condicionar a diferença entre elas ao devir histórico:

Ich sehe den Roman, den guten Roman, für das an, was, in den ersten
Zeiten Griechenlands, die Epopee für die Griechen war; wenigstens
glaub’ ichs, da der gute Roman für uns das werden könne. – Aber ich
will hiermit nicht gesagt haben, da diese beyden Gattungen von Werken
gerade in Allem einerley, und sich ganz ähnlich waren. –
[Considero o romance, o bom romance, como aquilo que, nos primeiros tempos
da Grécia, era a epopéia para os gregos; pelo menos acredito que o bom
romance pode se tornar isso para nós. Contudo, não pretendo ter dito com isso
que esses dois gêneros fossem muito semelhantes em tudo.]

(…) Der erste Romanendichter würde, wenn er in ganz bürgerlichen


Zeiten geboren, und gebildet worden, an statt einen Roman zu schreiben,
gewi eine Epopee geschrieben haben.2
[O primeiro escritor de romance, se ele tivesse nascido e se formado em tempos
muito burgueses, em vez de ter escrito um romance, teria certamente escrito
uma epopéia.]

Johann Carl Wezel, no prefácio a Herrmann und Ulrike (1780), define o romance como
verdadeira epopéia burguesa (“die wahre bürgerliche Epopee”),3 formulação retomada
por Hegel mais tarde na discussão sobre os gêneros literários que o filósofo alemão
desenvolve no volume VII da Estética:

Mais poéticas [sic], embora não constituam um gênero diferente, são os


romances e as baladas, produtos da Idade Média e dos tempos modernos,
em parte épicos, pelo seu conteúdo, mas a maior parte das vezes líricos
pela forma como este conteúdo é tratado, de modo que os podemos
colocar indiferentemente num ou noutro destes dois gêneros. Dá-se
precisamente o mesmo com o romance, essa epopéia burguesa moderna.
Nela vemos reaparecer a riqueza e a variedade de interesses, de estados,
de caracteres, de condições de vida, assim como todo o plano de fundo
1
Bildung, no contexto do pensamento iluminista alemão, tinha o sentido de cultivo, de aperfeiçoamento
do coração e do gosto e se relacionava com um processo de autoformação, parte, por sua vez, do processo
de formação de um povo e da humanidade.
2
Blanckenburg, Friedrich von. Versuch über den Roman. Leipzig & Liegnitz, 1774. Ver Lämmert,
Eberhard. Romantheorie. Dokumentation ihrer Geschichte in Deutschland 1620-1880. Köl/Berlin,
Kiepenheuer & Witsch, 1971, vol. 1, p. 144.
3
Apud Lämmert, Eberhard, op. cit., p. 161.
de um mundo total e a descrição épica dos acontecimentos. Mas ao
romance falta a poesia do mundo primitivo que é a fonte da epopéia.4

Ainda Hegel:
O romance, no sentido moderno da palavra, pressupõe uma realidade já
prosaica e no domínio da qual procura, na medida em que este estado
prosaico do mundo o [sic] permite, restituir aos acontecimentos, assim
como às personagens e aos seus destinos, a poesia de que a realidade os
despojou. Um dos conflitos mais freqüentemente tratado pelo romance, e
que é o tema que mais lhe convém, é o que se trava entre a poesia do
coração e a prosa das circunstâncias, conflito que se pode resolver
cômica ou tragicamente, ou de uma das duas maneiras seguintes: ou os
caracteres que se tinham revoltado contra a ordem do mundo acabam por
reconhecer o que ele tem de verdadeiro e substancial, resignam-se às
suas condições e inserem-se nele de forma ativa; ou despojam da sua
forma prosaica o que fazem e realizam, para substituir a realidade
prosaica em que estão mergulhados por uma realidade transformada pela
arte e próxima da beleza.5

Textos auxiliares para a leitura:

Adorno, Theodor W. Exhorted Reconciliation: on Georg Lukács’ Realism in Our Time.


Notes to Literature. New York: Columbia University Press, vol. I, 1991, p. 216-240.

Antunes, Letizia Zini. Teoria da Narrativa: o romance como epopéia burguesa. In:
Antunes, Letizia Zini (org.). Estudos de literatura e lingüística. São Paulo: Ed. Arte &
Ciência; Assis, SP: Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 1998, p. 179-220.

Bernstein, J.M. Lukács’ Aesthetic: The Epic and the Novel. The Philosophy of the
Novel. Lukács, Marxism and The Dialectics of Form. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1984, p. 44-76.

Cotrim, Ana Aguiar. O Realismo nos escritos de Georg Lukács dos anos trinta: a
centralidade da ação. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, 391p.

Jameson, Fredric. The Case for Georg Lukács. Marxism and Form. Princeton, NJ:
Princeton University Press, 1974, p. 160-205.

Machado, Carlos Eduardo Jordão. As Formas e a Vida. Estética e Ética no Jovem


Lukács (1910-1918). São Paulo: Ed. UNESP, 2004.

Man, Paul de. Georg Lukács’s Theory of the Novel. Blindness and Insight. Essays in the
Rhetoric of Contemporary Criticism. London: Routledge, 1993, p. 51-59.

Miles, David H. Miles. Portrait of the Marxist as a Young Hegelian: Lukács’ Theory of
the Novel. PMLA, January 1979, volume 94, n. 1, p. 22-35.
4
Hegel, F. Estética. Poesia. Lisboa: Guimarães Ed., 1980, vol. VII, p. 190.
5
Hegel, F. Estética. Poesia. Lisboa: Guimarães Ed., 1980, vol. VII, pp. 190-1.
Netto, José Paulo (org.). Lukács: tempo e modo. Georg Lukács. São Paulo: Ática, 1981,
p. 25-53.

Silva, Arlenice Almeida da. O Símbolo Esvaziado: A Teoria do Romance do jovem


György Lukács. Trans/Form/Ação, 2006, vol. 29, n. 1, p. 79-94.

-----. A Evolução do conceito de ironia romântica no jovem Lukács. Cadernos de


Filosofia Alemã, vol. 9, 2007.

Silva, Arlenice Almeida da. O Épico Moderno: o romance histórico de György Lukács.
Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2006.

Tertulian, Nicolas. Georg Lukács. Etapas de seu pensamento estético. São Paulo:
Editora UNESP, 2008. [dois capítulos: A teoria do romance; O romance histórico]

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