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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 137-147 OUT.

2010

MAX WEBER:
DEMOCRACIA PARLAMENTAR OU PLEBISCITÁRIA?1

Carlos Eduardo Sell

RESUMO

Em seus últimos escritos políticos, Weber debateu com intensidade os desafios colocados para a Alemanha
naquele momento histórico. Acompanhando o final do II Império e os primeiros passos da República de
Weimar, o autor transitou da preferência por um modelo parlamentar de democracia para sua variante
plebiscitária. O presente trabalho retoma essa discussão e busca situá-la no contexto da evolução política
do pensamento de Weber. Ao mesmo tempo, busca-se reconstruir a argumentação weberiana destacando o
papel que a temática das instituições, da democracia e da racionalidade ocupam em sua avaliação dos
modelos parlamentar e plebiscitário da democracia. Na parte final, o esquema anterior é retomado para
sugerir uma agenda teórica que evidencie as possibilidades e atualidade das problemáticas contidas na
sociologia política que emerge dos escritos político-conjunturais de Weber.
PALAVRAS-CHAVE: Weber; democracia; parlamentarismo; presidencialismo; instituições; racionalidade.

I. INTRODUÇÃO mento. Esses debates, de forma geral, estão as-


sociados a duas questões inter-relacionadas.
Ao refletir sobre os rumos do Estado alemão
no final do II Império e nos primeiros anos da O primeiro concerne à evolução teórica de
República de Weimar, Weber apresentou uma sig- Weber. Nesse caso, a controvérsia tem a ver com
nificativa mudança de avaliação política. Enquan- a descontinuidade dos escritos político-
to o Weber de 1917, de Parlamento e governo na conjunturais desse pensador que recobrem, es-
Alemanha reordenada (WEBER, 1980), apresen- sencialmente, dois momentos. No primeiro, que
ta um renovado Parlamento como a dimensão fun- vai de 1892 a 1897, destaca-se sua aula inaugural
damental da democracia moderna, o Weber de em Freiburg, intitulada O Estado nacional e a
1919, de O Presidente do Reich (WEBER, 2004b), política econômica. O segundo período inicia-se
não tem dúvida em afirmar que “é necessário ab- após a retomada de seus trabalhos (depois de um
solutamente que o futuro Presidente do Reich seja longo período de crise) no ano de 1903. Nesse
eleito pelo povo” (WEBER, 2004a, p. 503). De período vemos Weber particularmente interessa-
um lado, um Weber “parlamentarista” e, ao final, do com os rumos dos acontecimentos políticos
uma visão enfaticamente “presidencialista”? Qual na Rússia2. Nesse mesmo estágio devem ser co-
o significado e o alcance dessa redefinição? Lon- locados os escritos que recobrem o final do II
ge de ser secundária, a abrupta modificação de Império e os primeiros anos da República de
Weber desencadeou importantes polêmicas nas Weimar. No contexto de reorganização política que
quais estavam implicadas não apenas a questão a Alemanha vive, Weber insere-se de forma inten-
em si mesma, mas todo o conjunto de seu pensa- sa no debate político, resultando daí inúmeros tex-
tos, dentre os quais merece destaque, pelo seu
alcance sociológico, o escrito Parlamento e go-
verno na Alemanha reordenada.
1 Este trabalho é fruto de pesquisa (em andamento) reali-
zada com auxílio financeiro do Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Bolsa de 2 Esses textos (WEBER, 2004b) já se encontram
Produtividade em Pesquisa). Uma versão anterior do mes- disponíveis em português, com excelente introdução crítica
mo foi apresentada no Seminário Nacional de Ciência Polí- de Tragtenberg, de quem não se pode deixar de indicar
tica da Universidade Federal do Rio grande do Sul (UFRGS), também o estudo Burocracia e ideologia (TRAGTEN-
realizado de 3 a 5 de setembro de 2005. BERG, 1992).

Recebido em 5 de novembro de 2008.


Aprovado em 10 de março de 2009.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 137-147, out. 2010
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MAX WEBER: DEMOCRACIA PARLAMENTAR OU PLEBISCITÁRIA?

Dada a diversidade de períodos e de preocu- Levando em consideração esse amplo e com-


pações factuais que assolaram a mente de Weber, plexo quadro, esse artigo focaliza a transição
emerge a pergunta sobre a unidade do conjunto. weberiana da opção parlamentarista para a visão
Há um fio condutor que perpassa seus textos e presidencialista. A pretensão não é de apresentar
reflexões políticas ou, de fato, haveria rupturas um novo marco hermenêutico da obra política
marcantes entre seus escritos? Os analistas weberiana, mas de reconstruir sistematicamente
(BENDIX, 1986; ELIAESON, 2000) tendem a o conteúdo da discussão encetada por Weber so-
concordar com a idéia de que o quadro de refe- bre o perfil político da Alemanha a partir de três
rência que Weber possuía da vida política alemã temas nucleares: instituições, democracia e
já está dado em sua aula inaugural (de 1895) e que racionalidade. Nessa direção, o trabalho está or-
seus escritos posteriores introduzem nuances, mas ganizado da seguinte forma. O primeiro tópico
não uma ruptura, nessa leitura. A partir dessa vi- possui uma função introdutória e situa as preocu-
são, o tema central da obra política weberiana seria pações de Weber em seus trabalhos iniciais. A re-
“o problema da liderança” (BAER, 1988). A preo- flexão de Weber sobre a democracia parlamentar
cupação contínua de Weber teria sido avaliar o e a democracia plebiscitária ocupam a segunda e
legado e a herança negativa de Bismarck diante de a terceira partes do texto. Na conclusão, argu-
uma Alemanha que necessitava urgentemente de mento sobre a atualidade e validade da reflexão
mecanismos para refazer suas possibilidades de weberiana na agenda de uma sociologia política
condução política do aparelho estatal. Tal tese, por da democracia.
sinal, extrapola o âmbito das avaliações
II. O PROBLEMA DA LIDERANÇA
conjunturais de Weber, na medida em que se
conecta também com o propósito de sua sociolo- De fato, quem iniciar a leitura de O Estado
gia histórico-comparada e de sua avaliação da vida nacional e a política econômica não deixa de sur-
moderna. Ou seja, o problema da liderança pode preender-se com o acentuado nacionalismo
ser lido em chave sociológica, pois refere-se à weberiano. Ipsis verbis: “Assim, a política econô-
dicotomia burocratização e carisma, ou entre a mica de um Estado alemão, assim como o critério
jaula de ferro capitalista e de seus últimos homens de valor do teórico econômico alemão, somente
e a emergência de novos profetas. podem ser alemães” (WEBER, 1991, p. 68). Mais
à frente, no mesmo tom, ele dirá: “não é a paz e a
Ligada a essa questão encontra-se o debate a
felicidade que devemos legar aos vindouros mas
respeito da orientação político-ideológica de
sim a eterna luta pela manutenção do nosso modo
Weber. Nesse caso, os estudiosos debatem-se
de ser nacional” (idem, p. 69; grifos no original).
com a dificuldade de estabelecer qual a relação
O tom realista de seu discurso é acentuado ainda
existente entre os elementos nacionalistas de seu
mais uma vez, ao afirmar que “[...] nesse Estado
pensamento e sua adesão aos ideais liberais. Para
nacional o critério de valor definitivo que vale tam-
um determinado grupo de autores (MAYER,
bém para o ponto de vista da política econômica é
1985; MOMMSEN, 1990), Weber representa
para nós a ‘razão de Estado’” (ibidem; grifos no
uma forma de “liberalismo imperfeito”, limitado
original), para arrematar dizendo: “O que quere-
pela preocupação em afirmar o poder imperialis-
mos exprimir, ao falar de razão de Estado, é a
ta da Alemanha. A postura weberiana seria um
reivindicação de que o interesse de poder econô-
reflexo da ambigüidade das forças liberais ale-
mico e político de nossa nação e do seu portador,
mãs que, em nome do perigo socialista, teriam
o Estado Nacional alemão, seja a instância final e
aderido ao projeto conservador de Bismarck.
decisiva para as questões da política econômica
Posições mais recentes (BEETHAM, 1991; 1989;
alemã” (ibidem).
GIDDENS, 1988; WARREN, 1988; HENNIS,
1996), contudo, procuram realçar, com veemên- É a partir desses critérios de valor que Weber
cia, o caráter genuíno da visão liberal de Weber. investiga, na continuidade do texto, o problema
Dentre eles, Bellamy (1994) identifica em Weber da direção política do Estado. O que ele constata
um liberalismo sociológico cujo eixo era a refle- é que “[...] o poder econômico e a vocação para a
xão sobre a plausibilidade de realização dos valo- direção política da nação nem sempre coincidem”
res liberais de autonomia e autodeterminação di- (idem, p.72). Tal frase refere-se ao fato de que o
ante de um capitalismo que parecia negar essa Estado prussiano tinha como base social o
possibilidade. estamento dos Junkers prussianos, camada social

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que Weber não hesitou em chamar de decadente. mos identificar pontos de continuidade e de rup-
Sua análise desloca-se, então, para o exame dos tura. A continuidade é dada pelo tipo de aborda-
outros principais grupos políticos de poder capa- gem existente. Em sua reflexão sobre a Rússia,
zes de fazer frente ao estamento agrário: a bur- Weber repete o esquema de “análise de classes”
guesia e o proletariado. O diagnóstico que ele ela- estabelecido em “O Estado nacional”. A marca
borou sobre essa situação é conhecido: “O ame- dessa análise é a tese de que a maturidade para a
açador da nossa situação, no entanto, é que as liderança política não são reflexos nem frutos di-
classes burguesas parecem fenecer, enquanto retos da posição econômica das classes sociais.
portadoras dos interesses de poder nacionais e que Ela depende da educação política dos grupos so-
ainda não há sinais de que as classes trabalhado- ciais e de suas cosmovisões políticas. A análise de
ras estejam começando a adquirir maturidade para Weber é eminentemente sociológica e coloca como
tomarem o seu lugar” (idem, p. 77). variável chave para entender a correlação entre
grupos econômicos e liderança política o fator
Após os anos de crise que assolaram Weber
aprendizado político, ou seja, a visão cognitiva e
entre os anos de 1897 a 1902, ele volta a interes-
valorativa das forças sociais em luta (SCAFF,
sar-se por problemas políticos e acompanha com
1973). Mas, além disso, há um evidente ponto de
imenso interesse os fatos ligados a revolução
ruptura, dado pela valoração que informa a
constitucionalista de 1905, ocorrida na Rússia.
teorização de Weber que, nesse segundo momen-
Mas, a pergunta que guia suas análises recebe to, é realizada com muito maior acento a partir de
uma nova coloração. Em A situação da democra- premissas liberais. Em suas análises subsequentes,
cia burguesa na Rússia (WEBER, 2004b), ele ri- Weber continuará a pensar a luz desses valores
diculariza aqueles que temem um excesso de de- políticos, mas sua abordagem sofrerá uma im-
mocracia e de individualismo e exaltam valores portante mudança de perspectiva, imposta sobre-
conservadores como autoridade, nobreza e hie- maneira pelas exigências da conjuntura política,
rarquia. Agora mais claramente vinculado a uma como passo a mostrar doravante.
cosmovisão liberal, Weber entende que os valores
III. DEMOCRACIA PARLAMENTAR
do individualismo e dos direitos humanos foram
fruto de uma combinação contingente que ocor- No contexto da derrota da Alemanha na I Guer-
reu somente na Europa Ocidental. Ele era pessi- ra Mundial e queda da monarquia prussiana, a
mista quanto à plausibilidade dessa mesma cons- necessidade de reorganização da estrutura políti-
telação diante dos rumos do capitalismo contem- ca do Estado alemão vai envolver diretamente
porâneo: “É ridículo no mais alto grau imaginar Weber, resultando em dos períodos mais produti-
de qualquer afinidade eletiva entre a “democra- vos em termos de sua obra política. Para apre-
cia” ou “a liberdade” (em qualquer sentido que sentar a reflexão weberiana a esse respeito, toma-
essas palavras possam ter) e o alto capitalismo de rei como ponto de partida o texto Parlamento e
nossos dias – fase ‘inevitável’ do nosso desenvol- governo na Alemanha reordenada. Escrito na for-
vimento econômico, o qual predomina nos Esta- ma de artigos entre abril e junho de 1917, esse
dos Unidos e agora está sendo importado pela texto sempre mereceu destaque não apenas pelas
Rússia” (idem, p. 103). reflexões que levanta a respeito da conjuntura ale-
mã, mas especialmente pela forma em que Weber
Daí que sua reflexão foi buscar na análise dos
conecta sua avaliação do quadro político
grupos sociais e políticos da Rússia quem seriam
germânico com suas teses sociológicas de longo
os possíveis veículos e portadores de um projeto
alcance. Buscarei reconstruir o argumento
liberal. Weber examina em seqüência os zemtstvos,
weberiano levando em consideração três temáticas
os cadetes (Partido Constitucional Democrata), a
que articulam sua reflexão: o papel das institui-
burguesia, as forças operárias (e seu populismo
ções, a concepção de democracia e a problemáti-
romântico!) e ainda o campesinato. Sua conclu-
ca da racionalidade.
são mais uma vez é pessimista, pois ele não vê em
nenhuma das classes sociais economicamente Do ponto de vista institucional, o centro da
acedentes um vínculo com o ideário liberal. discussão weberiana é o papel do Parlamento. Tal
discussão é encetada por Weber tendo em vista o
Comparando a reflexão de Weber sobre a po-
problema da liderança política, desenvolvido pelo
lítica econômica do Estado Alemão (feita antes de
autor em dois níveis inter-relacionados: conjuntural
sua crise) e sobre a democracia na Rússia pode-

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MAX WEBER: DEMOCRACIA PARLAMENTAR OU PLEBISCITÁRIA?

e histórico-estrutural. Em sua acepção conjuntural, mecanismo de seleção de verdadeiros líderes po-


ele refere-se àquele momento histórico e aos seus líticos. Em nível mais específico, ele pondera que
desafios imediatos. Trata-se do tema da “herança o Parlamento deveria transitar da política negativa
de Bismarck”, problema que Weber já vinha dis- (de representação de interesses e fiscalização do
cutindo desde 1895. Em O Estado nacional e a poder Executivo) para uma política positiva, ou
política econômica, ele já afirmava que “durante propositiva, desde que esse órgão tivesse uma
um quarto de século esteve à frente da Alemanha participação efetiva na condução do governo. Daí
o último e o a maior dos Junker” (WEBER, 1991, que Weber vá concentrar sua polêmica contra o
p. 74). Em 1917, o legado de Bismarck é nova- artigo 9º da Constituição vigente naquele momen-
mente retomado e Weber avalia que o chanceler to, pois este impedia a participação de parlamen-
alemão tinha deixado para trás uma nação sem tares nos ministérios. O resultado, avalia Weber, é
qualquer sofisticação política: “Principalmente, um Parlamento esvaziado de importância e com-
Bismarck deixou atrás de si uma nação sem qual- posto de meros diletantes. Na visão weberiana,
quer vontade política própria, acostumada que somente um Parlamento com responsabilidade
estava à idéia de que o grande estadista ao leme governativa satisfaria aos dois grandes desafios
tomaria as decisões políticas necessárias” necessários para sobrepujar a tendência para a
(WEBER, 1980, p. 14). burocratização, a saber: (1) a preponderância do
político sobre o burocrático, (2) por meio da se-
No entanto, para além da conjuntura política,
leção de políticos com vocação para a liderança
Weber eleva a questão da liderança a problema
política. Nos termos do próprio Weber: “a luta é
histórico-sociológico e passa a pensá-lo sob o re-
então conduzida por homens que tem fortes ins-
gistro da “burocratização”. De acordo com essa
tintos de poder político e qualidades altamente
tese, a burocratização era um fenômeno que ia
desenvolvidas de liderança política, e conseqüen-
além do Estado, perpassando as empresas (ou seja,
temente, a possibilidade de assumir as posições
o capitalismo), os partidos políticos, as igrejas e
mais elevadas” (idem, p. 31).
as demais instituições sociais. Ele concluía, as-
sim, que “Em um Estado moderno, necessária e A temática institucional do Parlamento não é
invariavelmente a burocracia realmente governa, discutida por Weber apenas em relação à questão
pois o poder não é exercido por discursos parla- da liderança. Weber coloca-a em confronto com
mentares nem por proclamações monárquicas, o processo de democratização da vida política ale-
mas através da rotina da administração” (idem, p. mã. É nesse contexto que o autor desenvolve suas
16). A burocratização não apenas alcança todos principais reflexões sobre a democracia, segunda
os aspectos da vida social, mas também possui das variáveis que atravessa a argumentação de
uma continuidade histórica, na medida em que Weber. A correlação Parlamento-democracia é ar-
perpassa as mais diversas civilizações. A burocra- ticulada de forma relacional, levando em conside-
cia moderna, contudo, distingue-se qualitativamen- ração os dois lados da questão, ou seja, tomando
te das demais formas históricas de burocracia, a democracia como variável independente para
pois, “em contraste com estas formas mais ve- mostrar seu impacto sobre o Parlamento e, no
lhas, a burocracia moderna tem uma característi- sentido inverso, tomando a variável Parlamento
ca que torna sua natureza (de) à ‘prova de fuga’, para indicar seu reflexo sobre a democracia.
muito mais explícita: especialização e treinamento
Passemos, pois, ao primeiro vetor, nos termos
racionais” (idem, p. 24). A partir desse diagnósti-
de Weber, ao “[...] relacionamento entre
co, Weber perguntava-se: 1) como, diante desse
parlamentarização e sufrágio democrático” (idem,
quadro, preservar os resquícios de liberdade; 2)
p. 66). A complexa cadeia de raciocínios de Weber
que forças poderiam conter e controlar a força
envolve os seguintes passos. Em primeiro lugar,
das camadas burocráticas; 3) como, na situação
ele mostra que a extensão do sufrágio eleitoral
alemã, substituir a liderança dos funcionários pela
provoca a erosão dos partidos de notáveis e o
liderança de líderes políticos?
aparecimento dos modernos partidos de massas.
É a partir desse amplo contexto que Weber Nesses partidos, por sua vez, os líderes políticos
avalia o papel do Parlamento. Seu argumento con- não são mais escolhidos no seio dos dignitários
siste em afirmar que somente o Parlamento, por políticos. A burocratização da atividade política tem
suas características intrínsecas, poderia funcio- como resultado o surgimento dos políticos pro-
nar como um freio ao poder da burocracia e como fissionais. A conclusão é que a ampliação das

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franquias eleitorais profissionaliza a vida partidá- racionalidade da democracia parlamentar. Citan-


ria e mesmo a atuação dos políticos. do expressamente o modelo britânico, ele destaca
diversos componentes chaves no modelo parla-
Mas não é apenas ad intra que os efeitos de-
mentar que, mais uma vez, é mister citar: “Em
mocráticos fazem-se sentir nas estruturas políti-
face do representante cesarista efetivo das mas-
cas. Eles produzem impacto principalmente so-
sas, o Parlamento da Inglaterra protege: 1) a con-
bre a relação entre os organismos políticos e a
tinuidade e, 2) a supervisão da posição de poder
sociedade. Weber entende que, diante da expan-
desse representante; 3) a preservação dos direitos
são do sufrágio eleitoral, a demagogia política passa
civis, 4) um campo de provas político apropriado
a ser um componente central da vida política.
para cortejar a confiança das massas; 5) a elimi-
Como ele mesmo afirma, “democratização e de-
nação pacífica do ditador cesarista uma vez que
magogia andam juntas” (idem, p. 74), indepen-
este tenha perdido a confiança das massas” (idem,
dentemente da forma de Estado, constituição ou
p. 76).
governo. É nesse sentido que ele caracteriza a
democracia moderna como uma democracia es- Assim, do tema da democracia somos conduzi-
sencialmente plebiscitária. Em “Parlamento e go- dos automaticamente ao tema da racionalidade, a
verno”, Weber apontou para esse fenômeno cha- terceira variável a organizar o discurso político
mando a atenção para o “modo cesarista de sele- weberiano. Ora, ao olharmos o texto Parlamento
ção”. Em seus termos: “Em essência, isso signifi- e Governo de maneira retrospectiva, revela-se, não
ca uma mudança em direção ao modo cesarista de por acaso, uma complexa trama em que burocra-
seleção. Na verdade, toda democracia propende cia e carisma ou racionalidade e irracionalidade
nesta direção. Afinal de contas, a técnica especifi- ocupam papéis diferentes no que concerne ao papel
camente cesarista é o plebiscito” (idem, p. 75; do Parlamento em relação ao Estado (problema
sem grifos no original). da liderança) ou em relação ao sufrágio eleitoral
(problema da democracia). No âmbito da demo-
A tese consiste em que o principal efeito da
cracia, o Parlamento funciona como um correti-
extensão da participação eleitoral democrática so-
vo racional dos impulsos emocionais das massas.
bre o Parlamento é que ele modifica o mecanismo
Mas, no nível do Estado, o papel orientador do
de seleção de líderes políticos na direção de um
Parlamento como encarnação de líderes políticos
elemento que Weber considerava “irracional”: a
carismáticos deveria sobrepujar o papel
vontade das massas. A tese é forte, e merece uma
racionalizador da burocracia. O centro de gravi-
transcrição literal: “O perigo político da democra-
dade de toda discussão é o Parlamento, confron-
cia de massas para o Estado jaz primeiramente na
tado com a dúplice e ambígua tarefa de direcionar
possibilidade de elementos emocionais virem a
racionalmente os impulsos emocionais do campo
predominar na política. A ‘massa’ como tal (inde-
social e, ao mesmo tempo, impulsionar os proce-
pendentemente das camadas sociais que a com-
dimentos formais da racionalidade burocrática com
põem em qualquer exemplo particular) só é capaz
o ímpeto emocional da liderança política. Uma di-
de pensar a curto prazo. Pois, como toda experi-
fícil dialética para a qual Weber parecia não ter
ência mostra, ela está sempre exposta a influênci-
encontrado a solução definitiva.
as diretas puramente emocionais e irracionais”
(idem, p. 82). IV. DEMOCRACIA PLEBISCITÁRIA
Dado esse cenário, o desafio é dotar a demo- As oscilações de Weber ficam ainda mais cla-
cracia de elementos de correção racional dos im- ras se tomamos os textos publicados por ele ao
pulsos emocionais das massas. Neste caso, já longo do ano de 1919. Já no contexto da redação
estamos diante de uma outra relação causal, ou da Constituição de Weimar, escritos como A for-
seja, aquela que busca pensar o impacto do Parla- ma futura do Estado Alemão e, especialmente, O
mento sobre a democracia, e não o contrário, como Presidente do Reich (WEBER, 2004a), mostram
vínhamos fazendo até agora. Entendida a partir que Weber reavaliou sua posição a respeito do papel
desse ângulo, não é difícil perceber que Weber do Parlamento no contexto da vida democrática.
trabalha com a hipótese de que o Parlamento re- Como sabemos, nesses últimos textos, Weber
presenta a possibilidade de condução racional da abandona o modelo parlamentarista e advoga o
política. Contra as tendências irracionalistas da reforço de elementos cesaristas como resolução
democracia plebiscitária, Weber contrapõe a dos desafios colocados à Alemanha naquele mo-

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MAX WEBER: DEMOCRACIA PARLAMENTAR OU PLEBISCITÁRIA?

mento histórico. Com base nesse novo ponto de presidencialista, ao contrário, reforçaria a unida-
vista, ele rejeita a idéia de que o Presidente deva de e a visão universalista de condução política na
ser indicado pelo Parlamento: “um Presidente do esfera administrativa. Nas palavras de Weber, “só
Reich eleito pelo Parlamento em função de cons- um Presidente do Reich se apoiando sobre mi-
telações e de coalizões precisas entre os partidos lhões de votos pode ter a autoridade que lhe per-
é um homem politicamente morto se estas cons- mite engajar a socialização” (idem, p. 503). Por
telações vierem a mudar” (idem, p. 506). O mo- socialização, explica Weber, leia-se administração,
delo proposto por Weber prevê, então, a eleição entenda-se ela apenas no sentido de medidas fi-
popular e o reforço do poder presidencial: “Um nanceiras inevitáveis ou mesmo como transfor-
Presidente eleito pelo povo enquanto chefe do mação completa da economia (qual seja, as op-
Executivo e da atribuição de cargos administrati- ções políticas de direita e esquerda que estavam
vos dispondo (eventualmente) de um veto disponíveis naquele momento histórico). Ele en-
suspensivo, do direito de dissolver o Parlamento tende, pois, que a nova Constituição “[...] deve
e de consultar o povo é a segura garantia de uma suprimir os obstáculos para tornar possível todas
verdadeira democracia (idem, p. 506-507). as tarefas imagináveis que possam se apresentar
a administração” (idem, p. 504). Ele cita como
Na continuidade, tomando como base o texto
exemplo negativo a inoperância da organização
O Presidente do Reich (idem) exponho a nova
política da França “[...] que não poderia jamais
posição de Weber tomando em consideração as
aportar a administração esta unidade sem a qual a
mesmas variáveis teóricas utilizadas acima.
reconstrução de nossa economia é impossível”
Relembremos que a discussão institucional de (ibidem; sem grifo no original). E, de outro lado,
Weber tem como cerne o Parlamento e envolve afirma; “o particularismo reclama alguém que seja
como seu tema básico a questão da liderança, sendo o vetor da idéia de unidade do Reich” (idem, p.
que esta desdobra-se de acordo com duas preo- 505). A eleição direta também seria um contrape-
cupações básicas: garantir a preponderância do so às tendências regionalistas da organização par-
político sobre o burocrático e a seleção de líderes tidária, pois tal “[...] movimento eleitoral será uma
políticos capazes. Mas, ao voltar a esses temas, barreira à proliferação em uma só direção de tais
em 1919, vemos que a reflexão weberiana é tendências, porque os partidos serão, então, obri-
enriquecida por um novo eixo de avaliação: a uni- gados a se organizar e a entrar em acordo sobre a
dade e a universalidade. Nesses termos, Weber feição unitária em todo Reich, da mesma maneira
deixou de acreditar no Parlamento como meca- que o Presidente do Reich eleito pelo povo face
nismo eficiente de direção política efetiva porque ao Bundesrat [Parlamento], tal é inevitável, um
entendeu que este acentuava a fragmentação e dis- contrapeso na direção da unidade do Reich”
persão política do Estado. Dois fatores adicionais (ibidem; sem grifos no original).
são apresentados por Weber nessa direção. O pri-
Ambos argumentos deixam claro que a pre-
meiro envolve a adoção do sistema de representa-
ponderância do político em relação ao burocráti-
ção proporcional. Seu resultado seria a composi-
co é transferida por Weber do Parlamento para a
ção de um Parlamento essencialmente corporativo,
figura do Presidente eleito, na medida em que sua
representando interesses seccionais e setoriais. No
base popular dar-lhe-ia a força necessária para
dizer de Weber, o sistema proporcional engendra
impor sua vontade aos quadros burocráticos e
representantes “[...] munidos de um mandato im-
tarefas administrativas, sobrepujando as tendên-
perativo em proveito de grupos que tem interes-
cias particularistas e centrípetas da estrutura par-
ses econômicos a defender” (WEBER, 2004b, p.
lamentar alemã. Agora é o Presidente e não mais o
505). A mesma tendência seria reforçada pelo ca-
Parlamento a força capaz de impor o político
ráter federalista da organização política alemã, seja
(carisma) sobre a administração (burocracia).
por conta de sua estrutura partidária, seja por conta
do poder dos governadores dos entes federativos Tal mudança de postura foi acompanha tam-
(particularmente da Prússia). De novo, o Parla- bém de uma reavaliação da capacidade parlamen-
mento ver-se-ia preso à representação de interes- tar de seleção de dirigentes: “Só a eleição pelo povo
ses de minorias em conflito: “nós ignoramos se o de um Presidente do Reich dá a ocasião e a possi-
desenvolvimento de partidos puramente regionais bilidade de uma seleção de chefes políticos de se
não continuará a progredir” (ibidem). A opção fazer, permitindo assim uma reorganização de par-

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tidos que colocará fim ao sistema atual [...] de ser em situações de crise momentânea insolúveis”
notáveis e suas práticas” (idem, p. 504). O atual (idem, p. 505-506). Mesmo assim, assevera
sistema preservava a continuidade de políticos de Weber, “devemos dar-lhe [ao Presidente] por meio
carreira e afastava os melhores quadros para o do sufrágio popular um assento sólido que lhe seja
domínio da economia. Nesse contexto, ele con- próprio” (idem, p. 506).
clui, “só a eleição pelo povo do mais alto funcio-
Ocorre, portanto, que o fluxo de poder que se
nário do Reich pode criar um novo apelo” (ibidem).
origina na vontade do povo e tinha o Parlamento
Note-se, mais uma vez, que o problema da li- como elemento de racionalização é pensado de
derança continua sendo a tônica das discussões outra forma. A vontade popular é transferida dire-
de Weber, mas a ele são agregados novos critéri- tamente à figura do Presidente, funcionando o
os de avaliação. Weber continua na busca de líde- Parlamento apenas, no limite, como guardião dos
res carismáticos capazes de imporem-se diante excessos, mas não mais da racionalidade do fluxo
do aparato administrativo, mas seu recrutamento político. Em termos conceituais, a novidade da
e seleção, bem como sua capacidade diretiva, pro- formulação weberiana não está na constatação de
vêm da força que lhes advém do apoio popular. um fator plebiscitário próprio à democracia. A
Nessa direção, o modelo presidencialista é superi- noção de democracia plebiscitária já tinha sido
or ao parlamentarista, pois este acentua as ten- apresentada em “Parlamento e governo”, pois, de
dências centrípetas do sistema, enquanto o pri- acordo com a argumentação de Weber, o elemen-
meiro oferece a possibilidade de uma visão to cesarista e plebiscitário é fator inerente da de-
universalista e unitária das tarefas políticas do mocracia. A novidade, nesse caso, parece-me re-
Estado. sidir em outro plano. Primeiro, no abandono do
tipo ideal “democracia parlamentar” como elemen-
Também podemos notar importantes desloca-
to de correção da democracia plebiscitária e, em
mentos de Weber em relação a sua concepção de
segundo lugar, na clara defesa normativa (em seus
democracia. Partindo do pressuposto de que, em
resultados) do segundo modelo de democracia.
toda parte, o sufrágio indireto estava sendo supri-
mido, ele vê como um fato absolutamente neces- Nesse contexto, a difícil dialética entre a
sário um Estado “[...] repousando sem contesta- racionalidade e a irracionalidade continua
ção possível sobre a vontade do povo todo inteiro permeando a apreciação weberiana. No entanto,
e sem que intermediários possam aí se interpor” o objetivo da mesma não é mais limitar os fluxos
(idem, p. 503). Mais a frente ele dirá ainda que emocionais da democracia plebiscitária pela me-
“[...] a ditadura das massas da qual tanto se falou diação racionalizadora da democracia parlamen-
exige justamente um ‘ditador’, um homem que as tar. A racionalidade do sistema é transferida para a
massas, elas mesmas, escolheram e no qual elas figura do Presidente e a democracia plebiscitária,
confiam e ao qual se submetem enquanto possu- de tom antes completamente negativo, ganha con-
em sua confiança” (idem, p. 504) para, ao final, tornos positivos. Essa mudança valorativa, con-
arrematar dizendo: “[...] a palavra mestre da de- tudo, não envolve uma redefinição da tese da
mocracia [é] o direito de escolher diretamente um emotividade da vontade popular. O que ocorre é
chefe” (idem, p. 506). uma reavaliação do mecanismo capaz de conferir
racionalidade à participação das massas derivada
Comparada com sua visão anterior da demo-
de sua incorporação à democracia mediante a ex-
cracia, a nova composição weberiana apresenta,
pansão do sufrágio eleitoral. Mas, como entender
de fato, uma diferenciação qualitativa importante.
o sentido dessa mudança?
Afinal, se antes sua reflexão pautava-se pela defe-
sa da democracia parlamentar diante dos elemen- Para explicitar essa transformação, podemos
tos cesaristas da democracia moderna, agora é a recorrer a outro texto de Weber. Em Economia e
democracia plebiscitária que configura a aposta sociedade, não por acaso, em tópico que trata da
política weberiana. Em seu novo esquema, o Par- dominação carismática, Weber detém-se sobre a
lamento continua a ter um papel de salvaguarda e “reinterpretação antiautoritária do carisma”. Ele
contenção das liberdades e dos limites do poder explica, então, que a figura do líder de partido
político: “como sempre, é preciso restringir o poder eleito popularmente no Estado moderno representa
do Presidente eleito pelo povo, velando para que um tipo transitório flutuante entre a dominação
ele não possa intervir na máquina do Reich a não carismática e a racional-legal: “o tipo transitório

143
MAX WEBER: DEMOCRACIA PARLAMENTAR OU PLEBISCITÁRIA?

mais importante é a dominação plebiscitária” sua relação com o governo (quadro administrati-
(WEBER, 1994, p. 176). Em seguida, ele trata vo). É por essa razão, podemos supor, que Weber
explicitamente da “democracia plebiscitária”, que faz a aposta na direção de uma democracia
é assim definida: “ o tipo mais importante da de- plebiscitária e no reforço da figura do Presidente
mocracia de líderes – em seu sentido genuíno, é do Reich.
uma espécie de dominação carismática oculta sob
V. CONCLUSÕES
a forma de uma legitimidade derivada da vontade
dos dominados e que só persiste em virtude des- As posições de Weber sobre a conjuntura po-
ta” (ibidem). Na sequência, ele lembra que o ele- lítica alemã e sua visão da democracia provoca-
mento característico da democracia com líderes ram alguns dos mais duros debates entre os espe-
é seu caráter emocional e é justamente nesse as- cialistas no autor (PFAFF, 2002). De fato, seus
pecto que “[...] estão os limites da racionalidade críticos mais acerbos (particularmente o trabalho
desse tipo de administração nos tempos moder- de Mommsen (1990)) chamaram a atenção para a
nos, racionalidade que, mesmo nos Estados Uni- ênfase exagerada de Weber na figura do líder, seu
dos, nem sempre correspondeu às esperanças” apoio ao artigo 48 da Constituição de Weimar (que
(idem, p. 177). fortalecia o poder do Presidente) e a conexão des-
ses elementos com a ascensão dos movimentos
O detalhe a observar é que Weber fala em limi-
totalitários ao longo da década de 1930. Em res-
tes, mas não em impossibilidade. Pois, logo à frente
posta a essa leitura, a adesão de Weber a princípi-
(ibidem), ao tratar da relação entre a democracia
os liberais e sua distância em relação aos fatos
plebiscitária com a economia, Weber menciona o
posteriores também foi lembrada (LÖEWENS-
potencial racional desse tipo de democracia. O
TEIN, 1966). Não obstante o valor histórico-
trecho é assaz importante, e o transcrevo inte-
exegético implicado nesse debate (que este artigo
gralmente: “A redefinição do carisma como
não pretende esgotar), esta parte final procura ir
antiautoritário conduz, em regra, ao caminho da
além do marco interpretativo para sugerir, de for-
racionalidade. O dominador plebiscitário procu-
ma indicativa, a atualidade das questões levanta-
rará geralmente apoiar-se em um quadro de fun-
das por Weber em seus últimos escritos. Para tan-
cionários que opere com rapidez e sem atritos.
to, retomo o esquema de conceitos dos quais me
Quanto aos dominados, tentará vinculá-los a seu
utilizei na apresentação do debate weberiano da
carisma, como ‘ratificado’, ou por meio de honra
democracia.
e glória militar ou promovendo seu bem-estar
material – em certas circunstâncias, pela combi- A temática institucional confere uma excepci-
nação de ambas as coisas” (ibidem). onal atualidade ao pensamento weberiano, espe-
cialmente se levarmos em conta a centralidade que
A partir desse elemento torna-se inteligível a
o tema das instituições adquiriu nos marcos da
guinada weberiana em direção à democracia
discussão política contemporânea. Ainda que a
plebiscitária. Weber não nega, mais uma vez, a
aproximação entre Weber e as teorias neo-
possibilidade de que “os poderes plebiscitários
institucionalistas (HALL & TAYLOR, 2003) não
podem ter efeitos enfraquecedores para a
nos permita converter Weber na fonte privilegia-
racionalidade (formal) da economia” (idem, p.
da dessa abordagem; a dimensão institucional da
178). Mas, tome-se nota, a democracia
vida política recebeu uma acentuada atenção da
plebiscitária, vista antes como meramente irraci-
parte do Weber tardio. Esse aspecto, até agora
onal e emocional possui, nessa nova visão, possi-
pouco explorado, permite-nos uma agenda de dis-
bilidades racionais que antes não haviam sido des-
cussões teórico-empíricas que contemplam, a meu
tacadas. As indicações de Weber nesse sentido
ver, três ordens de questões. A primeira tem a ver
também são bastante claras. A racionalidade da
com o critério que guia a análise institucional de
democracia plebiscitária repousa na capacidade de
Weber, critério esse que nos remete ao problema
seu líder de dominar o quadro administrativo e,
da liderança ou, para buscar uma formulação atu-
por outro lado, de sua capacidade de vincular os
al, a produção da governabilidade (capacidade de
dominados ao seu carisma. Weber, mais uma vez,
formulação e implementação de uma agenda de
pensa as duas pontas do processo político (soci-
políticas). À luz desse critério emerge a questão
edade e Estado) e conecta o papel racionalizador
do próprio desenho institucional proposto por
do líder político tanto à sua base popular quanto à
Weber (seja ele o modelo parlamentar ou

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 137-147 OUT. 2010

plebiscitário) e o modo como ele concebia a ca- sua dimensão de accountability horizontal (o pa-
pacidade das organizações de processar os objeti- pel de salvaguarda das liberdades do Parlamento).
vos políticos que naquele momento ele julgou Além disso, Weber apresentou uma descrição so-
prioritários. Por fim, caberia destacar também o bre as formas modelares da democracia contem-
estatuto teórico-sociológico que Weber confere porânea (os tipos parlamentar e plebiscitário) que
ao tema das instituições sociais e políticas. Em- merecem um confronto com os outros parâmetros
bora saibamos que Weber não concebia as insti- teóricos de reflexão sobre os tipos de democracia
tuições em um vácuo teórico ou mesmo como realmente existentes (penso, por exemplo, nos
variáveis ontologicamente determinantes da vida modelos de democracia de Liphardt (2003), pos-
política, pouco se esclareceu sobre o modo como sibilitando-nos pensar as tipologias (marcos teó-
ele pensou as organizações políticas como variá- ricos) e topologias (os regimes políticos do ponto
veis independentes de análise, as múltiplas rela- de sua vista de sua concretude histórica) de nos-
ções que ele estabeleceu entre os elementos que sas poliarquias contemporâneas.
compõem a estrutura política e, na ordem inver-
O tema da racionalidade presente em Weber
sa, a relação de causalidade dos elementos soci-
permite-nos, por sua vez, um duplo desdobramen-
ais, históricos e culturais sobre o nível
to. No plano formal, a problemática da racionali-
organizacional.
zação e do desencantamento do mundo é apre-
Embora Weber seja considerado autor consa- sentada pelos mais atuais especialistas no autor
grado nos marcos dos compêndios das teorias como a chave de seu pensamento
contemporâneas da democracia (HELD, 1987), (SCHLUCHTER, 1986). Logo, tomar o tema da
sua usual apresentação como precursor (ou fun- racionalidade como foco conduz-nos à conexão
dador, como se queira) de uma versão elitista da da sociologia política de Weber com sua sociolo-
democracia (elitismo democrático) tende muito gia global, evitando o confinamento de suas refle-
mais a obscurecer do que esclarecer as intenções xões de conjuntura nos marcos estritos de uma
de seus escritos. Assim, apresentado na versão reflexão política per se. Esse ganho, por sua vez,
acabada que lhe teria sido dada por Joseph transborda os limites do meramente hermenêutico,
Schumpeter, sugere-se que o núcleo da visão indicando-nos a possibilidade de pensar o político
weberiana da democracia seria a demonstração em chave sociológica ou o social na sua conexão
da impossibilidade de formas de democracia dire- com o político, e vice-versa. Assim compreendi-
ta, posto que calcado em uma versão realista e da, a discussão weberiana apresenta-nos um mo-
não normativa da democracia e no diagnóstico da delo de Sociologia Política (mais do que em uma
irracionalidade das massas e da complexidade Ciência Política isonomicamente concebida) que,
burocrática do Estado contemporâneo em última instância, representa também uma so-
(AVRITZER, 1996; BREUER, 1998). Ainda que ciologia da modernidade. Do ponto de vista subs-
essa seja uma formulação que possa ser conside- tantivo, o tema da racionalidade e de suas múlti-
rada global e formalmente correta, ela tende a ig- plas formas já está mais do que presente na Ciên-
norar a historicidade do pensamento weberiano e cia Política (teoria da escolha racional, etc.) e na
menospreza as sutilezas e oscilações de suas re- Sociologia contemporânea (racionalidade instru-
flexões, como se propôs a mostrar este artigo. mental e comunicativa de Habermas, por exem-
Mais importante do que isso, essa formulação plo), dispensando-nos da necessidade de argumen-
parece deslocar o ponto mais saliente das preocu- tar sobre a validade de um autor que tem nessa
pações de Weber cujo eixo, de fato, tinha muito dimensão seu próprio eixo de análise. Saliento
mais a ver com as características e o futuro do apenas que a ênfase na racionalidade tende a es-
regime representativo em gestação na Alemanha quecer seu contraponto (a irracionalidade), tema
do que com a crítica da democracia direta. É nes- que, weberianamente pensado, aparece tanto nas
se ponto, portanto, que uma suas contribuições suas possibilidades (carisma) quanto nos seus li-
analíticas devem ser buscadas. Nessa direção, mites (a emotividade das massas). Mais um bom
Weber não só examinou o impacto da democrati- tópico a recuperar, portanto.
zação nas instituições e no comportamento políti-
Nessas múltiplas acepções, a problemática das
co, como também pensou a democracia tanto em
instituições, da democracia e da racionalidade,
sua capacidade de produção de condições de
muito mais do que uma grade de leitura do pensa-
governabilidade (produção de liderança) quanto na
mento político weberiano, indicam possibilidades

145
MAX WEBER: DEMOCRACIA PARLAMENTAR OU PLEBISCITÁRIA?

de uma agenda de problemas teóricos que nos con- com ou contra, a partir de Weber. Um motivo a
vida ao sempre renovado exercício de pensar, seja mais para retomarmos sua leitura.

Carlos Eduardo Sell (sell@cfh.ufsc.br) é Doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da mesma
instituição.

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147
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

on the social function of this power and/or this State and its relationship to social mores that Durkheim's
political sociology should be understood.
KEYWORDS: Emile Durkheim; State; Political Sociology; sociological theory.

* * *

MAX WEBER: PARLIAMENTARY OR PLEBISCITARY DEMOCRACY?


Carlos Eduardo Sell
In his last political writings, Weber engaged in intense debate around the challenges that Germany
faced at that particular historical moment. Focusing on the end of the Second Empire and the first
steps taken by the Weimar Republic, the author examined the preference for a parliamentary model
of democracy over its plebiscitary variety. The present paper revisits this discussion up and seeks to
situate it within the context of the political evolution of Weber’s thought. At the same time, it seeks
to reconstruct Weber’s argument, highlighting the role that the theme of institutions, democracy and
rationality play in his evaluation of parliamentary and plebiscitary models of democracy. Finally, we
return to the earlier issues to suggest a theoretical agenda that demonstrates the possibilities and
current relevance of the problems contained in the political sociology that emerges from Weber’s
political-conjunctural writings.
KEYWORDS: Max Weber; democracy; parliamentarism; presidentialism; institutions; rationality.

* * *

POSITIONS AND DIVISIONS WITHIN CONTEMPORARY BRAZILIAN POLITICAL


SCIENCE: EXPLAINING ITS ACADEMIC PRODUCTION
Fernando Baptista Leite
This article represents a preliminary, exploratory study of the history of Brazilian Political Science.
We seek to aid in the identification of the historical roots underlying the two principles upon which
the division of academic production in contemporary Political Science is based: the continuums
marked by the relationships between theory-empirical reality and between the political- the societal.
We begin with a theoretical scheme that has been used to interpret the history of Brazilian political
science. We then take advantage of this presentation to discuss certain important empirical issues,
particularly those of a conceptual order. We then go on to present our research hypothesis, put
together in reference to this schema, in order to provide a direction for historical explanation. Finally,
through our hypothesis and making use of bibliographic evidence, we suggest a tentative
interpretation. This interpretation turns around the following axes: the processes of institutionalization
and autonomization of the field of Political Science, divided into two types: cultural (values, theories,
methods etc.) and institutional (referring to the institutionalization of the discipline) autonomization,
involving a conflict that is more or less explicit between different perspectives in Political Science.
KEYWORDS: Brazilian Political Science; history of Political Science; intellectuals; dividing principles;
perspectives on Political Science.

* * *

ACCOUNTABILITY FOR OPEN LISTS


Luis Felipe Miguel
This article engages in critical discussion of the perception, common in studies on the Brazilian
electoral system, that proportional representation with open lists is an effective obstacle to

252
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

(en spécial, l'Etat), surgissent dans la sociologie de Durkheim. En conclusion, nous affirmons que ce
n’est pas à partir d’une réflexion sur la question du pouvoir (ou sur l'Etat) en soi, mais sur la fonction
sociale de ce pouvoir et/ou de cet Etat et sa relation avec la morale sociale, qu’on doit comprendre
la sociologie politique de Durkheim.
MOTS-CLES : Emile Durkheim ; Etat ; Sociologie Politique ; Théorie Sociologique.
* * *
MAX WEBER: DE LA DEMOCRATIE PARLEMENTAIRE OU PLEBISCITAIRE?
Carlos Eduardo Sell
En ses derniers écrits politiques, Weber a examiné avec intensité les défis de l’Allemagne à ce
moment historique. En accompagnant la fin du II Empire et les premiers pas de la République de
Weimar, l’auteur a passé de la préférence pour un modèle parlementaire de démocratie à sa variante
plébiscitaire. Le présent travail reprend cette discussion et cherche à la situer dans le contexte de
l’évolution politique de la logique de Weber. Au même temps, on cherche à reconstruire l’argumentation
“weberienne”, en mettant l’accent sur le rôle que la thématique des institutions, de la démocratie et
de la rationalité occupe dans son évaluation des modèles parlementaire et plébiscitaire de la démocratie.
Dans la partie finale, le schéma précédent est repris pour suggérer un agenda théorique qui rend
évidentes les possibilités et l'actualité des problématiques, contenues dans la sociologie politique qui
émerge des écrits politiques et conjoncturels de Weber.
MOTS-CLES : Max Weber ; démocratie ; parlementarisme ; présidentialisme ; institutions ; rationalité.
* * *
LES POSITIONS ET DIVISIONS DANS LA SCIENCE POLITIQUE BRESILIENNE
CONTEMPORAINE : EXPLICATION DE SA PRODUCTION ACADEMIQUE
Fernando Baptista Leite
L’article est une étude préliminaire, exploratoire, de l’histoire de la Science Politique brésilienne.
Nous cherchons à fournir des éléments auxiliaires pour identifier les raisons historiques derrière les
deux principes de division de la production académique de la Science Politique contemporaine : le
continu théorique et le continu de politique et de société. Premièrement, nous présentons le schéma
théorique utilisé pour interpréter l’histoire de la Science Politique brésilienne. Nous profitons de cette
présentation pour discuter quelques questions théoriques importantes, spécialement d’ordre
conceptuelle. Deuxièmement, nous présentons l’hypothèse de recherche, construite à la lumière du
schéma, avec l’objectif de fournir une direction pour l’élaboration de l’explication historique. Enfin,
avec cet hypothèse dans les mains et en utilisant quelques évidences bibliographiques, nous anticipons
une interprétation provisoire. Cet interprétation est basée sur les axes suivants : le processus
d’institutionnalisation et le processus d’autonomisation du domaine de la Science Politique, divisé en
deux types ; l’autonomisation culturelle (de valeurs, théories, méthodes etc.), et l’institutionnelle (qui
fait référence au processus d’institutionnalisation de la discipline), qui impliquent un conflit plus ou
moins explicite entre des visions distinguées de science politique.
MOTS-CLES : Science Politique brésilienne ; histoire de la Science Politique ; intellectuels ; principes
de division ; visions de Science Politique.
* * *
L'ACCOUNTABILITY DANS DES LISTES OUVERTES
Luis Felipe Miguel
L'article discute critiquement la perception, courante dans les études sur le système électoral brésilien,
que la représentation proportionnelle avec des listes ouvertes, est un obstacle pour que l’accountability

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