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ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO

ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MILITARES

1TEN (RM2 – QT) TATHIANY BARROS BONAVITA DE ALMEIDA

A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NAS OPERAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS –


UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA SOBRE A MINUSTAH

Rio de Janeiro
2016
1 TEN (RM2 – QT) TATHIANY BARROS BONAVITA DE ALMEIDA

A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NAS OPERAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS –


UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA SOBRE A MINUSTAH

Dissertação apresentada à Escola de Comando e


Estado-Maior do Exército (ECEME)/Instituto
Meira Matos (IMM), como requisito para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Militares.

Linha de pesquisa: Estudos da Paz e da Guerra.

Orientador: Prof. Dra. Adriana Aparecida


Marques

Coorientador: Prof. Dr. TC Eduardo Xavier F.


Glaser Migon

Rio de Janeiro
2016
A447a Almeida, Tathiany Barros Bonavita de

A atividade de inteligência nas Operações das Nações Unidas –


uma perspectiva brasileira sobre a MINUSTAH. / Tathiany Barros
Bonavita de Almeida. ঳2017.
117 f. : il. ; 30 cm.

Orientação: Prof. Dra. Adriana Aparecida Marques.


Dissertação (Mestrado em Ciências Militares)঳Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2017.
Bibliografia: f. 103-110.

1. ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA. 2. MINUSTAH. 3. BRASIL. I.


Título.

CDD 355.4
Aos maiores espiões de todos os tempos, os
verdadeiros homens e mulheres sem face:
Harriet Tubman, Sidney Reilly, Mata Hari,
Richard Sorge, Virgina Hall, Duran Dusko
Popov, Harold Kim Philby, Juan Pujol, Markus
Wolf e Eli Cohen.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e meus irmãos pelo apoio incondicional em minhas empreitadas e por
acreditarem em meus sonhos, muitas vezes até mais do que eu. A toda minha família, que
esteve ao meu lado mesmo quando estive ausente. Foi muito difícil ter que abrir mão de
muitos momentos especiais e, ainda assim, todos vocês me apoiaram. À minha avó, que
sempre vibrou por mim e comigo. Amo vocês!
Aos meus queridos amigos de turma, em especial à Ana Laíse Herculano e ao Cel Moura, por
toda a força, cumplicidade, colaboração, paciência, guloseimas, cervejas, resumos e sorrisos
compartilhados mesmo nos momentos mais difíceis. “Calma, Tathy!” foi a expressão mais
famosa da turma!
Aos meus amigos do trabalho, em especial à Tenente Luiza Gomes, por todas as faxinas que
“safaram”, serviços que me substituíram, livros que me foram emprestados, chocolates pre-
senteados e por toda a colaboração.
Aos meus mais que compreensíveis amigos que ouviram tantos “não posso” ao longo destes
dois anos. “Odeio o seu mestrado” foi uma das frases que mais escutei, mas sempre acompa-
nhada do estímulo “você vai conseguir, vai acabar”. Amo vocês! Acabou, gente!
À minha orientadora Adriana Marques, por toda a paciência, compreensão e apoio ao longo
desta jornada. Obrigada por acreditar em mim desde o começo!
Ao meu coorientador, Cel Migon, por todos os muitos puxões de orelha acompanhados do
apoio absoluto.
A todos os professores do Mestrado, por todo o conhecimento partilhado e pelos “ainda podia
ser melhor”. Esta frase sempre me fez buscar mais!
Ao IMM e a todos os profissionais da ECEME que me receberam de braços abertos e me de-
ram a oportunidade de realizar um sonho.
Ao meu chefe Comandante Sandoval, por toda a credibilidade, incentivo, compreensão e
apoio durante todo este tempo.
A toda a Escola Superior de Guerra e a Marinha do Brasil, que valorizaram esta empreitada
antes mesmo de segurar um diploma.
A toda a Subchefia de Operações de Paz do Ministério da Defesa, em especial ao querido
Comandante Feitosa, pela credibilidade, confiança e disponibilidade.
Ao Coronel Vendramin e a todo o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil, pela aten-
ção e disponibilidade sempre a mim cedida. O CCOPAB é minha eterna casa.
A todos do Instituto Pandiá Calógeras, por terem se colocado a disposição e terem me recibo
tão bem, em especial ao querido amigo Antônio Jorge Ramalho.
Ao meu querido e eterno professor Kai Kenkel, que me apresentou à minha grande paixão: as
Operações de Paz. Você plantou esta semente!
Ao querido professor Marco Cepik e sua aluna e minha amiga Giovanna Kuele, por todo
apoio e incentivo. Espero que este seja apenas o início de muitas parcerias.
Ao querido amigo Vinícius Cavalcante, por todo o incentivo e compartilhamento de experiên-
cias.
Um agradecimento especial ao queridíssimo General Santos Cruz, pelas mais de duas horas
de compartilhamento de conhecimento e de chimarrão. A sua vivacidade me inspira! Brasil!
Aos dois grandes exemplos, ex-chefes e amigos especiais que sempre me deram as mãos para
subir: Ana Mariza Ribeiro e Coronel Rodrigues. Ana, obrigada por acreditar tanto em mim e
me apoiar em minhas decisões! Rodrigues, nunca esquecerei de você me dizendo: “Tathy, vo-
cê só precisa de uma vaga! Não desista!”. É bom saber que posso contar com pessoas como
vocês.
De uma forma geral, gostaria de agradecer a todos que tiveram qualquer tipo de participação
neste ciclo, principalmente àqueles que sei o quanto torceram por mim mesmo de longe.
E por o último e não o menos importante agradecimento: Obrigada Deus, por ter me dado for-
ça, coragem e perseverança. Por ter me levantado todas as vezes que o cansaço me venceu e
que tive algum motivo para desistir. Sabemos de todas as pedras de tropeço e da fé que foi
essencial para vencê-las. Obrigada pelos desertos que atravessei e por todos os oásis que en-
contrei. Foram dois anos de luta, mas serão muitos outros de glória!
“O primeiro dever da inteligência é desconfiar
dela mesma.”
(Albert Einstein)
RESUMO

A atividade de inteligência em cenários militares é comumente vinculada à operações


de guerra e representada por um estereótipo secreto e tendencioso. Este famoso estereótipo
não se aplica à atividade de operações de não guerra, embora sua demanda em referido cená-
rio seja legítima. O termo remete a uma conotação que nenhuma instituição que defende a paz
deseja estar vinculada, afetando assim seu desenvolvimento em ambientes menos hostis. Um
funcionamento eficiente da atividade de inteligência é crítico para a segurança e, consequen-
temente, para o sucesso de uma operação de uma operação de paz das Nações Unidas. Esta
atividade é que desenha todo o ambiente em que as tropas precisam agir, prevenindo-se e res-
pondendo prontamente aos desafios do terreno. Sem conhecimento, a operação passa a ser
direcionada às cegas e os riscos passam a ser imensuráveis. O presente estudo tem como obje-
tivo demonstrar a relevância da atividade de inteligência como instrumento fundamental em
operações de paz, identificando óbices institucionais e, assim, propondo soluções sob uma
perspectiva brasileira e uma possível contribuição dentro deste panorama. Através do estudo
de caso da MINUSTAH, serão identificadas as vulnerabilidades para o funcionamento da ati-
vidade de inteligência em operações de paz e, assim, testados os limites da abordagem liberal
institucionalista de Robert Keohane na fundamentação de referido esboço. Desta forma, serão
propostas soluções a partir de uma perspectiva brasileira. O Brasil vem apresentando uma po-
sição de destaque na MINUSTAH, tendo seu desempenho elogiado pela opinião pública in-
ternacional. Muito embora o Brasil não seja detentor de uma extensa tradição em atividades
de inteligência, sua tendência histórica em empregar fontes de poder não coercitivas ao longo
de sua política externa e sua postura internacional podem representar recursos facilitadores
para contribuições na atividade de inteligência no presente contexto. A verificação desta hipó-
tese tem o propósito de apresentar novas práticas de inteligência a partir de uma perspectiva
original na área.

Palavras-Chave: Atividade de Inteligência. MINUSTAH. Brasil.


ABSTRACT

The intelligence activity in military scenarios is commonly associated to war operations and
represented by a biased and secret stereotypy. This famous stereotype does not apply to mili-
tary operations other than war, even though it´s necessity is legitimate. The term refers to a
connotation that any institution that defends peace wants to be related, thus affecting its de-
velopment in less hostile environments. An efficient performance of the intelligence activity
is crucial for the security and hence to the success of a military operation other than war, such
as a UNITED NATIONS peacekeeping operation. It draws the whole environment in which
the troops must act, protecting themselves and promptly responding to the terrain challenges.
Without knowledge, the operation is blinded oriented and the risks become immeasurable.
This study aims to express the intelligence activity importance as the key in peace operations,
thus identifying institutional challenges and proposing solutions in a brazilian perspective and
its possible contributions within this panorama. Through the MINUSTAH case study, the vul-
nerabilities affecting the intelligence activity execution in peacekeeping operations will be
identified, and therefore the limits of liberal institutionalism approach of Robert Keohane will
be tested in this draft. As a result, solutions will be proposed from a Brazilian perspective.
Brazil has been demonstrating a prominent position in MINUSTAH, as its performance has
been praised by international community’s opinion. Although Brazil does not detain a exten-
sive tradition in intelligence activities, its historical trend in employing non-coercive power
sources within its foreign policy and its international position may represent enabler resources
for contributions in intelligence activity in this context. The verification of this hypothesis in-
tends to delimitate new practices from a new perspective in the area.

Key-Words: Intelligence Activity. MINUSTAH. Brazil.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.c. Antes de Cristo


ACISO Ação Cívico-Social
AF Arria Formula (Fórmula Arria)
AOR Area of Responsibility (Área de Responsabilidade)
BRABAT Batalhão Brasileiro de Força de Paz
CCOPAB Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil
CIA Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência)
CIMIC Civil-Military Cooperation (Cooperação Civil-Militar)
CJTF Combined Joint Task Force (Força Tarefa Conjunta Combinada)
CMT Crisis Management Team (Equipe de Gerenciamento de Crise)
COMINT Communications Intelligence (Inteligência de Comunicações)
COS Chief of Staff (Chefe de Gabinete da Missão)
COTER Comando de Operações Terrestres
CP Checkpoints (Postos de Controle)
CULINT Cultural Intelligence (Inteligência Cultural)
DDR Disarmament, Demobilization and Reintegration (Desarmamento,
Desmobilização e Reintegração)
DOPaz Destacamento de Operações de Paz
DPKO Department of Peacekeeping Operations (Departamento de Operações
de Paz)
ECPS Executive Committee on Peace and Security (Comitê Executivo sobre a
Paz e Segurança)
EISAS ECPS Information and Strategic Analisys Secretariat (Secretariado de
Informação e Análise Estratégica do Comitê de Paz e Segurança)
ELINT Eletronic Intelligence (Inteligência Eletrônica)
ETHINT Ethnographic Intelligence (Inteligência Etnográfica)
EUA Estados Unidos da América
FC Force Commander (Comandante da Força)
FLIR Forward Looking Infra Red (Sistemas Ópticos de Imagens de Calor)
G2 Information cell (Célula de Informação)
GA General Assembly (Assembleia Geral)
GLO Garantia da Lei e da Ordem
HNP Haitian National Police (Polícia Nacional do Haiti)
HOM Head Of Mission (Chefe de Missão)
HUMINT Human Intelligence (Inteligência Humana)
I&R Information and Research Unit (Unidade de Informação e Pesquisa)
IMINT Imagery Intelligence (Inteligência de Imagens)
IPB Intelligence Preparation of the Battlespace (Preparo de Inteligência pa-
ra o Campo de Batalha)
ISR United States Intelligence, Surveillance, and Reconnaissance (Inteligên-
cia, Monitoramento e Reconhecimento dos Estados Unidos)
JMAC Joint Mission Analisys Centre (Centro Conjunto de Análise da Missão)
JOC Joint Operation Centre (Centro Conjunto de Operações)
JOTC Joint Operations and Tasking Centre (Centro Conjunto de Tarefas e
Operações)
MI5 Military Inteligence, Section 5 (Inteligência Militar, Seção 5)
MIB Military Information Branch (Seção de Informações Militares)
MIF Military Interin Force (Força Militar Interina)
MINUSTAH Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti (Missão das
Nações Unidas para a Estabilização do Haiti)
MIR Mission Information Requirements (Requisições de Informações em
Missões)
MONUSCO Mission De L’organisation des Nations Unies Pour la Stabilisation en
Rd Congo (Missão das Nações Unidas de Estabilização da República
Democrática do Congo)
MOOTW Military Operations other than War (Operações Militares Não Tipifica-
das como Guerras)
NATO North Atlantic Treaty Organization (Organização do Tratado do Atlân-
tico Norte)
NGA US National Geospatial-Intelligence Agency (Agência Nacional Espa-
cial Americana)
OAS Organization of American States (Organização dos Estados America-
nos)
OCHA Office for Coordination of Humanitarian Affairs (Escritório para Coor-
denação de Relações Humanitárias)
ONG Organização não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
ONUC United Nations Operation in Congo (Operação das Nações Unidas no
Congo)
ONUVEH United Nations Observer Group for the Verification of the Elections in
Haiti (Grupo de Observação das Nações Unidas para a Verificação das
Eleições no Haiti)
OPS Observation Posts (Postos de Observação)
ORCI Office for Research and Collection of Information (Escritório para Pes-
quisa e Coleta de Informação)
PCC Troop/Police Contributing Country (Países Contribuintes em Policiais)
PIRs Priority Information Requirements (Requisições Prioritárias de Infor-
mações)
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
RADINT Radar Intelligence (Inteligência de Radar)
RCN Repertório de Conhecimentos Necessários
S2 Intelligence Unit (Unidade de Inteligência)
SC Security Council (Conselho de Segurança)
SG Secretary General (Secretário Geral)
SIGINT Signals Intelligence (Inteligência de Sinais)
SitCen Situation Centre (Centro Situacional)
SMT Senior Management Team (Equipe de Gerenciamento Senior)
SOFA Status of Forces Agreement (Status de Acordo das Forças)
SOMA Status of Mission Agreements (Status de Acordo da Missão)
SOP Standard Operating Procedures (Procedimentos Operacionais Padrão)
SPU Strategic Planning Unit (Unidade de Planejamento Estratégico)
SRSG Special Representative of the Secretary General (Representante Especi-
al do Secretário Geral)
TCC Troop Contributing Country (Países Contribuintes em Tropas)
TECHINT Technical Intelligence (Inteligência Técnica)
U2 Force Intelligence Branch at Mission Headquarters (Seção de Inteligên-
cia da Força na Sede da Missão)
UAV Unmanned Aerial Vehicles (Veículos Aéreos não Tripulados)
UN United Nations (Nações Unidas)
UNAMIR United Nations Assistance Mission for Rwanda (Missão de Assistência
das Nações Unidas para Ruanda)
UNDP United Nations Development Program (Programa de Desenvolvimento
das Nações Unidas)
UNHCR United Nations High Commissioner for Refugees (Alto Comissariado
para Refugiados das Nações Unidas)
UNMIL United Nations Mission in Liberia (Missão das Nações Unidas na Libé-
ria)
UNMO Military Observers (Observadores Militares)
UNPOL United Nations Police (Polícia das Nações Unidas)
UNTSO United Nations Truce Supervision Organization (Organização das Na-
ções Unidas para Supervisão da Trégua)
USSOUTHCOM US Southern Command (Comando do Sul dos Estados Unidos)
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................14
2 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NAS MISSÕES DA ONU.........................19
2.1 O Conceito da Atividade de Inteligência em Operações de Paz.............................21
2.2 O Histórico da Evolução da Atividade de Inteligência em Operações de Paz: Ci-
clos, Métodos e Recursos............................................................................................27
2.3 Recursos e Métodos Atuais.........................................................................................35
2.4 Limitações diagnosticadas..........................................................................................40
2.5 O Centro Conjunto de Análise da Missão (JMAC) e o Ápice da Atividade de Inte-
ligência no século XXI – Contribuições da MINUSTAH.........................................45
3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA MINUSTAH – UM ESTUDO DE CA-
SO.................................................................................................................................49
3.1 O Histórico da Atividade de Inteligência na MINUSTAH......................................50
3.2 O Desenvolvimento do Centro Conjunto de Análise da Missão e as Contribuições
da Institucionalização da Atividade de Inteligência................................................69
3.3 Limitações diagnosticadas..........................................................................................71
3.4 A Relevância de Perspectivas Internas e entre Níveis para Contribuições Futu-
ras.................................................................................................................................75
4 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA MINUSTAH - UMA PERSPECTIVA
BRASILEIRA..............................................................................................................77
4.1 Metodologia Utilizada.................................................................................................80
4.2 Informações Coletadas...............................................................................................82
4.2.1 Nível Estratégico – Operacional: A Percepção de um Comandante da Força......84
4.2.2 Nível Operacional - Tático: A Perspectiva das Lições Aprendidas.......................89
4.3 Análise Final: As Perspectivas de Contribuições Brasileiras e a Disseminação de
Resultados....................................................................................................................97
5 CONSIDERAÇOES FINAIS....................................................................................100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................103
14

1 INTRODUÇÃO

Uma das profissões mais antigas do mundo, a espionagem, é relatada desde o antigo
testamento. O termo, conhecido por sua associação ao segredo, também apresenta uma cono-
tação com o desenvolvimento de ações sigilosas, ilícitas e até ofensivas para a aquisição de
informações relevantes. A atividade de inteligência acabou por herdar esse estereótipo.
Sun Tzu [500 a.C. (2006)], o grande estrategista da arte da guerra, já demonstrava a
importância da inteligência, muito embora nunca tenha utilizado propriamente o termo em
seus escritos.1 Da mesma forma, o vocábulo também passou um bom tempo sem aparecer na
maioria dos documentos e de outras fontes abertas de informações da Organização das Nações
Unidas (ONU). A instituição, tão quão Sun Tzu, percebeu a sensibilidade ética e política do
emprego da palavra em questão.
As Nações Unidas não compreendiam a atividade de inteligência como um elemento
legítimo, inclusive em campo (ERIKSSON, 2003, p.297). Essa postura reforçava o estereóti-
po do termo e limitava a atuação da organização no contexto, influenciando assim os resulta-
dos de suas operações. Contraditoriamente, suas operações de manutenção de paz clássicas2
desenvolviam técnicas associadas à coleta de informações, como a observação e o monitora-
mento. Entretanto, ainda que apresentasse características da área, a ONU demorou a reconhe-
cer a relevância de se desenvolver de fato uma atividade de inteligência em suas operações.
Somente após um largo período de experiências negativas em campo e ao longo da evolução
das dinâmicas das relações internacionais – e da enorme complexidade dos terrenos – a inteli-
gência passou a ser inserida na pauta da organização (muito embora ainda aparecesse caracte-
rizada pelo termo informação).
A atividade de inteligência é uma necessidade que perpassa todos os níveis das opera-
ções militares, sejam estas realizadas em cenários de guerra ou de paz. No entanto, é preciso
considerar as particularidades de seu desenvolvimento em ambientes onde não existam inimi-
gos declarados e em que a transparência deva direcionar a atuação militar e civil no terreno.

1
Citação de Sun Tzu, General, estrategista e filósofo chinês, conhecido por sua obra “A Arte da Guerra”,
composta por 13 capítulos de estratégias militares, possivelmente publicada em 500 a C.
2
Kai Kenkel (2013) identifica um crescimento natural de meios e uma progressão traçada através de gerações
analíticas de operações de paz; gerações essas divididas com base no nível da força utilizada pelo pilar militar,
no tipo e profundidade de tarefas conduzidas pelo pilar civil e na inserção de organizações regionais no
desenvolvimento da missão. O uso da força em nome de questões humanitárias para a imposição da paz (Peace
Enforcement) e o maior envolvimento civil em questões securitizadas (como moradia, saúde, alimentação e
educação, por exemplo), bem como seus aspectos para a construção da paz (Peacebuilding), passaram a fazer
parte da agenda das operações de paz, complementando a tradicional operação de manutenção da paz
(Peacekeeping).
15

Logo, compreende-se que a atividade de inteligência em espaços conduzidos pela Organiza-


ção das Nações Unidas – uma instituição que defende a neutralidade e o consentimento – tor-
na-se um desafio ainda maior.
A relutância da ONU para com a atividade de inteligência encontra-se muito além dos
limites inerentes a sua imparcialidade. O funcionamento, além de ser dificultado pela episte-
mologia da inteligência em si3, é influenciado pela dinâmica das relações de poder sob as
quais a organização se desenvolve. Mandatos com altas demandas por produtos de inteligên-
cia podem colocar em risco os interesses dos Estados envolvidos, gerando assim resistência.
Essa aversão foi um dos aspectos que influenciou no retardamento no desenvolvimento de
uma atividade de inteligência mais estruturada (RAMJOUÉ, 2011, p.1). A evolução da área
deveria ter acompanhado a evolução das operações de paz, mas suas vulnerabilidades ainda
apresentam-se de diferentes formas. Superá-las é um trabalho árduo e que exige integração.
A antecipação e a previsão de eventos futuros contribuem para um maior planejamen-
to do Departamento de Operações de Manutenção de Paz da ONU (Department of Peacekee-
ping Operations - DPKO) em missões, facilitando assim a neutralização de possíveis ameaças
e as respostas às demandas em campo. A atividade de inteligência funciona como um alimen-
to para esse processo, evitando uma espécie de “cegueira operacional” (NEVILLE-JONES,
2003, p. iii).
Dentre muitas missões de paz, a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Hai-
ti (Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti – MINUSTAH) foi a que repre-
sentou, de acordo com autores renomados como Walter Dorn, um marco no desenvolvimento
da inteligência neste contexto. Em meio a altos e baixos, a missão, cuja participação mais ati-
va foi a brasileira, conseguiu atingir significativos níveis de estabilidade após a realização de
operações conduzidas pela atividade de inteligência.
Assim, a fim de compreender o funcionamento da atividade de inteligência em opera-
ções de paz e identificar as fragilidades que a ela acometem, o presente trabalho selecionou a
MINUSTAH como estudo de caso para verificar os elementos essenciais da área, investigan-

3
A inteligência apresenta uma natureza carregada de características associadas à espionagem, como o sigilo, as
ações ofensivas e a parcialidade, por exemplo. Aspectos como esses tipificam uma imagem diametralmente
oposta a Organização das Nações Unidas; o que dificulta o desenvolvimento da atividade em seu contexto.
Entretanto, é difícil realizar a coleta, processamento e análise de informações de forma totalmente transparente.
Além disso, o conhecimento produzido não pode ser compartilhado de forma totalmente aberta. Portanto,
compreende-se a existência de uma tensão que envolve a atividade. O seu funcionamento nas operações de paz
precisa flutuar entre o segredo e a exposição.
16

do ainda a capacidade de contribuição brasileira em referido escopo através de uma perspecti-


va interna4, ou seja, do contingente brasileiro.
Por meio da identificação de contribuições brasileiras diferenciadas, o objetivo deste
estudo é deliberar se o modus operandi da atividade de inteligência desenvolvida pelo país na
MINUSTAH pode contribuir para a criação de futuras práticas da área em operações de paz
da ONU.
A fim de delinear um perfil do arquétipo de inteligência em operações de paz através
dessa perspectiva brasileira, as etapas e visões analíticas foram desenvolvidas a fim de evi-
denciar a relevância da atividade de inteligência em operações de paz das Nações Unidas,
compreendendo sua estrutura, funcionamento e vulnerabilidades; analisar sua mecânica na
MINUSTAH, no intuito de identificar sua possível influência no desenvolvimento da opera-
ção e verificar o modus operandi, isto é, o modo de operação do Brasil na área, constatando
suas contribuições para o arcabouço em análise, examinando ainda sua legitimidade e sua vi-
abilidade de implementação como prática em outras missões. O resultado de todo o levanta-
mento de dados para referido trabalho será apresentado em três capítulos:
No primeiro capítulo, será traçado um histórico da atividade de inteligência em opera-
ções de paz da ONU, abordando ainda seus conceitos fundamentais e mecanismos, além da
questão organizacional, espaço político para o seu funcionamento, seus desafios e vulnerabili-
dades institucionais ao longo da mudança na natureza das operações.
O segundo capítulo irá explorar a atividade de inteligência no estudo de caso selecio-
nado: a MINUSTAH. Através do mapeamento da atividade de inteligência em referida mis-
são, serão identificados seus pontos fracos e fortes, além de sua influência para a segurança do
ambiente.
Aprofundando o estudo, o último capítulo, ponto fundamental da dissertação, irá traçar
uma interface entre a metodologia adotada para análise e os produtos gerados pela entrevista
realizada e pela análise dos documentos oficiais não publicados5. Assim, pretende-se identifi-

4
A escolha da perspectiva interna, isto é, de um país que tenha participado da missão, possibilita a apreciação do
assunto através de experiências práticas e lições aprendidas. Certamente, leitores podem questionar sobre uma
análise tendenciosa. Entretanto, foram considerados documentos oficiais e depoimentos de forma neutra.
Nenhuma informação foi manipulada durante o desenvolvimento deste processo. O senso crítico do texto baseia-
se em questões acadêmicas e empíricas. O objetivo era tentar identificar pontos que indicassem algum tipo de
diferencial; que poderia vir a ser ou não refutado.
5
Para o presente trabalho, foi desenvolvida uma entrevista semiestruturada com um dos ex-comandantes
brasileiros da MINUSTAH, e utilizados documentos classificados da Subchefia de Operações de Paz do
Ministério da Defesa do Brasil. Considerando a sensibilidade do tema aqui exposto e das informações
adquiridas, respaldada pela Constituição brasileira de 1988 (artigo 5º, inciso XIV), optou-se pela não divulgação
completa do material e de suas fontes, bem como do esboço da entrevista realizada.
17

car a existência de contribuições brasileiras diferenciadas associadas à atividade de inteligên-


cia na MINUSTAH.
Para concluir, será verificada a possibilidade de este estudo particular colaborar para o
desenvolvimento de novas práticas gerais no que tange a atividade de inteligência em opera-
ções de paz das Nações Unidas. Para que seja proposto um perfil coerente das escolhas a se-
rem adotadas, a pesquisa será realizada de forma qualitativa através de uma análise crítica
embasada pela teoria institucionalista.
Para os institucionalistas, como o autor Robert Keohane6, as instituições detêm um po-
tencial grandioso de contribuição para a cooperação mundial. Elas representam as expectati-
vas dos atores os quais dela fazem parte e seu grupo de regras conectadas prescreve o com-
portamento desses integrantes, restringindo suas atividades e principalmente afetando suas
expectativas. A teoria entende que atores como esses, com diferentes estratégias e interesses,
podem atuar em um contexto específico de cooperação. Ela herda a visão realista de um mun-
do anárquico, em que os Estados são atores racionais e egoístas, mas apresenta a cooperação
como instrumento fundamental para estabilidade e, consequentemente, para a redução de con-
flitos; o que representa um caminho para paz (KEOHANE, 1988, p.381-383).
A cooperação é a base para o funcionamento das Nações Unidas. É ela que alimenta
sua engrenagem. Entretanto, compreende-se que esta cooperação apresenta algumas restri-
ções. Assim como na teoria, a cooperação redundante do auto-interesse leva à baixa instituci-
onalização e, consequentemente, ao desenvolvimento de uma dinâmica de balanço de poder,
dificultando o funcionamento da organização em alguns aspectos, como na atividade de inte-
ligência. Talvez os Estado membros da ONU, ainda que cooperem, não estejam preparados
para cooperar tão profundamente, compartilhando informações mais delicadas.
A dinâmica é cíclica: quanto maior a cooperação, mais institucionalizada torna-se a
organização, influenciando assim na cooperação; o que fecha o ciclo. Se a cooperação apre-
senta-se debilitada, o ciclo encontra-se prejudicado. No caso da inteligência, a dificuldade na
cooperação implicou diretamente no tempo em que a ONU levou para institucionalizá-la, ain-
da que minimamente. Seu funcionamento pode ter sido afetado pelos interesses de seus Esta-
dos, que são compartilhados limitadamente. Concomitantemente, o processo de institucionali-
zação, que deveria contribuir para um melhor funcionamento da atividade de inteligência,
acaba restringindo-a em função de características inerentes à própria atividade, que vão de
embate à organização, como o sigilo, por exemplo.

6
Robert Owen Keohane é professor na Universidade de Princeton e autor de “After Hegemony”, publicação de
1984, responsável por atrelar seu nome à teoria do institucionalismo liberal das Relações Internacionais .
18

Assim, o presente estudo tem por objetivo testar os limites do institucionalismo liberal
neste contexto e, assim, compreender a viabilidade de mudanças na atividade de inteligência e
no comportamento dos Estados que dela participam. Desta forma, a referida teoria irá possibi-
litar analisar a hipótese de contribuição e cooperação do Brasil em referido contexto, verifi-
cando como o comportamento do país em terreno pode (e se de fato pode) afetar a instituição,
considerando a dificuldade de mudança estrutural e doutrinária na área.
Na tentativa de suprir as lacunas e assim responder aos desafios do funcionamento da
atividade de inteligência em operações de paz, sob uma perspectiva brasileira, acredita-se que
o estudo chegará a um resultado que permita a construção de modelos gerais, reproduzidos
futuramente no adestramento das tropas para a eficácia da atividade em outras missões. O
efeito de um estudo como esse pode facilitar a execução de uma operação de paz, minimizan-
do o emprego desnecessário da força, considerando inclusive “o direito e o dever do Soldado
da Paz (Peacekeeper) de coletar informações e a necessidade das outras partes de cooperar
com os referidos” (ERIKSSON, 2003, p.300).
19

2 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NAS MISSÕES DA ONU

Dentro de uma perspectiva de paz e segurança, a Organização das Nações Unidas é


uma das mais relevantes engrenagens das relações internacionais. A instituição representa um
importante laço de cooperação entre múltiplos atores em diferentes áreas. Suas operações de
paz representam um mecanismo que aciona seu funcionamento neste contexto e a atividade de
inteligência é um dos recursos que o alimenta.
Para que seja possível questionar o porquê da relevância de se desenvolver uma ativi-
dade de inteligência em um cenário de uma missão de paz da organização, é importante en-
tender as razões pelas quais uma operação como essa é realizada. De acordo com Bellamy
(2010), embora não haja consenso sobre os objetivos das missões de paz, seus conceitos tradi-
cionais convergem em suas premissas: consentimento, imparcialidade e emprego mínimo da
força. A chamada santíssima trindade (BELLAMY et al., 2010, p. 173), que representa os três
princípios básicos da ONU, permite que essas operações forneçam legitimamente segurança e
suporte internacional na difícil transição de um ambiente de conflito para um ambiente pacífi-
co (UNITED NATIONS, [s.d.]f).
Assim, de uma forma geral, a segurança e a paz internacionais podem ser interpretadas
como os objetivos fins de uma missão. No entanto, as múltiplas configurações das dinâmicas
internacionais passaram a exigir operações de paz mais complexas e até robustas7. Dentro
desse contexto, os objetivos de seus mandatos e, consequentemente, as atribuições de seus
integrantes expandiram seu campo de atuação. O arcabouço antes restrito a observação e a
mediação e/ou resolução de conflitos passou a incorporar outros aspectos de segurança8, como
o suporte em processos políticos, proteção de civis (e todos os seus desmembramentos relati-
vos aos direitos humanos) e assistência em processos como desarmamento, desmobilização e
reintegração (UNITED NATIONS, [s.d.]b). Todo este ambiente, em que as tropas precisam
agir prevenindo-se e respondendo prontamente aos desafios do terreno, demanda uma consci-

7
Missões robustas são desenvolvidas com base no polêmico capítulo VII da Carta das Nações Unidas (1945),
que faz alusão à autorização do emprego de ações mais coercitivas por meio de forças aéreas, navais ou terrestres
(UNITED NATIONS, 1945, p. 26). O emprego da força pelo componente militar de uma missão de paz depende
de seu mandato e de suas regras de engajamento. O mandato, nesse contexto, é responsável por determinar as
circunstâncias em que a força pode ser utilizada e as regras de engajamento por indicar quais os níveis e formas
em que ela pode ser empregue. Tudo precisa ser autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU (UNITED
NATIONS, 2003, p. 57). Missões com esta nomenclatura são mais polêmicas e menos frequentes.
Ocasionalmente, uma missão mais simples também pode ser direcionada a uma postura mais robusta de acordo
com a evolução do terreno.
8
Dentro do conceito de segurança e todas as discussões associadas à securitização de temas internacionais,
compreende-se que a atuação das tropas, antes restrita a ações diretamente vinculadas a segurança de uma forma
simplista, ganharam uma nomenclatura e um conteúdo multidimensional e, assim, suas ações voltadas para a paz
e segurança passaram a inserir aspectos mais amplos, como a cooperação em processos eleitorais, por exemplo.
20

ência situacional (Situational Awareness)9. Para que essa consciência, isto é, esse conheci-
mento possa ser produzido, é fundamental o desenvolvimento de uma atividade de inteligên-
cia que seja capaz de produzir informações de qualidade que orientem o planejamento e a
execução da missão.
Em qualquer tipo de operação, seja de guerra ou de não guerra10, o processo de orien-
tação suscitado pelos produtos da atividade de inteligência contribui diretamente para a redu-
ção de riscos no terreno e, consequentemente, para a segurança do ambiente. No contexto das
Operações de Paz das Nações Unidas – operações de não guerra –, o domínio prévio do maior
número possível de informações permite um melhor arranjo para prontas respostas às amea-
ças. Afinal, “uma operação só pode ser sustentada se seus objetivos não forem expostos a óbi-
ces que não possam ser confrontados, e a atividade de inteligência funciona evitando justa-
mente esta cegueira operacional” (NEVILLE-JONES, 2003, p.iii). Entretanto, o compartilha-
mento de informações entre todos os atores de referido contexto, cuja relevância é reconheci-
da nos princípios e parâmetros das operações de paz (UNITED NATIONS, 2008b, p. 73),
apresenta dificuldades. “O sistema político em questão e suas características influenciam dire-
tamente no poder efetivo da atividade de inteligência” (DIAMANTI, 2013, p. 99)11.
O histórico da atividade de inteligência no presente contexto demonstra o vácuo exis-
tente entre a teoria e a prática. Embora o tema tenha evoluído (assim como suas capacidades),
as vulnerabilidades diagnosticadas ao longo da evolução da produção de inteligência na insti-
tuição ainda persistem, influenciando no desenvolvimento de uma doutrina de inteligência em
operações de paz. “Essa doutrina deve ser direcionada considerando todas as especificidades
demandadas pelo ambiente de uma missão, isto é, pelo ambiente de informação global”
(THEUNENS, 2003, p.63). O conhecimento produzido a partir dessas informações, ou seja, o
produto da inteligência pode influenciar na possibilidade de sucesso da missão, muito embora
ainda exista relutância em relação a esta afirmação e até discordância a seu respeito. O assun-
to, assim como o seu conceito, além de ser controverso, apresenta-se de forma complexa.

9
A chamada consciência situacional (Situational Awareness) refere-se às informações táticas reunidas para a
concretização do conhecimento a respeito de tendências, atividades operacionais e áreas de potenciais problemas
em determinado cenário (UNITED NATIONS, 2012c, p. 149).
10
As Operações Militares de Não Guerra fazem referência ao termo em inglês Military Operations Other than
War (MOOTW). De acordo com o Manual de Fundamentos EB20-MF-10.103 Operações do Ministério da
Defesa (2014), essas operações podem dar-se em situações de paz (estável ou instável) ou de crises, para evitar
escalada de conflitos ou anular a possibilidade de realização de campanhas e operações militares de guerra
declarada.
11
Tiziano Diamanti (2013) acredita que o poder real e efetivo da atividade de inteligência varia de acordo com o
sistema político em questão.
21

Existem diferentes visões e as discussões incluem até mesmo a sua terminologia (VAN KAP-
PEN, 2003, p. 3-4).

2.1 O Conceito da Atividade de Inteligência em Operações de Paz

As operações de paz têm representado o principal instrumento de intervenção autori-


zada em regiões conflituosas. A Organização das Nações Unidas envia militares para media-
ção e/ou resolução de conflitos em países que não detêm capacidades suficientes para evitá-
los e/ou solucioná-los12. No entanto, o arcabouço de uma missão de paz difere em vários as-
pectos de uma operação tradicional de guerra. As ameaças difusas, os inimigos não declara-
dos, a grande quantidade de civis em campo e a própria origem da operação, assim como seus
objetivos, requerem características particulares das ações dos envolvidos. Ao mesmo tempo,
cada missão possui suas especificidades de acordo com seu mandato, com suas resoluções e
com o próprio teatro de operações. Assim, a reprodução de qualquer tipo de atividade realiza-
da em operações de guerra não supre as demandas deste cenário. É preciso uma adaptação ao
ambiente em questão. A atividade de inteligência que nele funciona deve ser compreendida
considerando todas as suas particularidades.
Se pensarmos a atividade de inteligência, de forma sucinta, como a absorção de infor-
mações, tudo pode fazer parte de seu conceito. Desde um bom dia até uma conversa corriquei-
ra, qualquer contato pode funcionar como um instrumento de coleta de algum tipo de infor-
mação. Contudo, a atividade reside em um processo muito mais elaborado. Não basta ter
acesso às informações relevantes se não há confiança e credibilidade das fontes. A coleta de
informações não é suficiente se não for possível filtrar o que realmente tem utilidade. Da
mesma forma, não tem serventia um relatório que apresente as melhores informações se o
mesmo não for disseminado a quem de fato interesse.
Existe uma discordância a respeito do significado da atividade e dos verdadeiros obje-
tivos por trás de suas definições e emprego. A coleta de informações, por exemplo, pode ser
interpretada como concentração de inteligência; da mesma forma, a inteligência estratégica
pode ser percebida como espionagem. Até os seus níveis estratégico, operacional e tático so-
frem com a dificuldade de compreensão (VAN KAPPEN, 2003, p.3). À atividade de inteli-
gência é frequentemente atribuída uma conotação negativa, uma associação com a espiona-

12
A primeira operação de paz da ONU foi a Organização das Nações Unidas para Supervisão da Trégua
(UNITED NATIONS Truce Supervision Organization – UNTSO), datada de 1948, onde observadores foram
enviados ao Oriente Médio com o objetivo de monitorar o acordo armistício entre Israel e os Árabes (UNITED
NATIONS, [s.d.]b).
22

gem e com meios ilícitos na busca13 por informações. Entretanto, é importante constatar que a
mesma não deve ser rotulada como boa ou ruim, mas como um instrumento necessário.
Considerando pilares da ONU, como a transparência e a neutralidade, é compreensível
que a organização não faça uso constante do termo informação para referir-se à atividade;
possivelmente até como forma de afastar-se de uma imagem negativa.14 Seus documentos di-
ficilmente mencionam a inteligência como atividade oficialmente desenvolvida pela institui-
ção15.
“A atividade de inteligência funciona como um instrumento na produção de conheci-
mento” (KENT, 1965, p. 3) e conhecimento é poder16, principalmente sendo situacional e pre-
cedente, permitindo assim a antecipação de ameaças. No contexto das operações de paz, dis-
por da possibilidade de prever ações de beligerantes significa mais que evitar o emprego da
força em confrontos diretos. Uma missão que consiga precaver ações ostensivas garante a
proteção da população e de seus componentes, reforçando ainda a legitimidade da instituição,
que não tem na força o recurso primordial para a consecução da paz e da segurança internaci-
onal. Portanto, a atividade de inteligência é estratégica em muitos aspectos para as operações
de paz da ONU.
Essa inteligência, de acordo com Sherman Kent (1965), pode ser compreendida em
três configurações: a inteligência como a junção de informações para a produção de conheci-
mento a ser disseminado, uma ação antecedente, a contra-inteligência, que vem a ser uma
pronta resposta para neutralizar atividades de outrem, e as operações de inteligência, que são
ações para obtenção de dados não abertos (KENT, 1965, p.xxiii).
No âmbito das missões de paz da ONU, somente a definição do termo inteligência já é
palco de infindáveis discussões. Seria preciso vencer esta primeira barreira para que pudesse
ser tratado o desenvolvimento de uma contra-inteligência ou de operações na área. Portanto, o
presente estudo limita-se a compreender a inteligência como ação precedente, primeira defini-
ção abordada por Sherman Kent (1965)17. Em sua concepção, a inteligência não formula obje-

13
É fundamental esclarecer a diferença entre os termos busca e coleta de informações. A busca está associada ao
emprego de meios secretos na aquisição de informações enquanto a coleta é um processo mais aberto e
transparente, sem associação à espionagem. Infelizmente a atividade de inteligência é associada de forma
generalizada a espionagem, possivelmente resultante do estereótipo vendido pelas mídias.
14
Alguns autores acreditam que ciclos que utilizam informações abertas não produzem inteligência. Essa menta-
lidade restringe a atividade diretamente à prática de espionagem.
15
Durante a pesquisa realizada para o desenvolvimento deste trabalho, foi constatado o emprego do termo
informação em substituição ao termo inteligência na maior parte dos documentos oficiais da Organização das
Nações Unidas.
16
A expressão em Latim Scientia potentia est, cuja tradução significa “Ciência é Poder”, tem sua origem
atribuída a Francis Bacon, embora não haja evidências de sua precisão.
17
O autor, renomado na área, fez parte da primeira geração da Agência Central de Inteligência dos Estados
23

tivos, mas exerce uma função de serviço de assessoramento. Seu papel é “informar aos toma-
dores de decisão, chamando atenção para o que negligenciam e, quando requisitada, analisar
cursos alternativos sem indicar uma escolha específica” (DAVIS, 1991, p. 93). Ela pode ser
definida como um produto (gerado a partir de conhecimento produzido), como organização
(serviços secretos, estruturas organizacionais na área) e ainda como processo (o ciclo de cole-
ta e/ou busca de informações, sua análise e processamento, e disseminação aos tomadores de
decisão) (KENT, 1965, p. xxiii).
A Organização das Nações Unidas possui um vasto acesso a informação, uma gama de
recursos e métodos para o desenvolvimento da atividade, embora apresente muitas limitações
em diferentes aspectos. “Seja de forma direta ou indireta, oficial ou extra oficial, seu escopo
de atuação e abrangência permitem que desenvolva uma rede de contatos, de instruções in-
formais a estruturas estabelecidas” (EKPE, 2007, p. 378). Neste arcabouço, convergindo com
o tripé do conceito de inteligência de Kent (1965), compreende-se que a Organização das Na-
ções Unidas pode ser associada às três vertentes de sua definição acima mencionadas: produ-
to, organização e processo.
A inteligência como produto é essencial para o funcionamento de uma missão da
ONU. Os produtos da inteligência, isto é, o conhecimento produzido a partir do desenvolvi-
mento do ciclo da atividade, são os responsáveis (ou pelo menos deveriam ser) pelo direcio-
namento de uma operação. Tomadores de decisão como o Comandante da Força (Force
Commander – FC), o Secretário Geral (Secretary General – SG) e o próprio Conselho de Se-
gurança (Security Council – SC) devem tomar conhecimento de possíveis acontecimentos an-
tes (Pre-Deployment), durante (In Mission) e após as missões (After Mission), e a inteligência
precisa fornecê-los estimativas de possibilidades que sejam de fato relevantes e acionáveis em
todas estas fases. Do contrário, o produto não é inteligência verdadeira, mas mera informação
(COX, 2009, p. 5).
A inteligência também é uma instituição, ou seja, uma organização física de pessoas
que almejam determinado tipo de conhecimento (KENT, 1965, p. 69). A institucionalização
da inteligência pode influenciar sua organização18 e, consequentemente, seu funcionamento.
Na ONU, a inteligência como estrutura organizacional deve fornecer conhecimento especiali-
zado inclusive para o desenvolvimento de uma diplomacia preventiva19. Existe uma pressão

Unidos (Central Intelligence Agency – CIA).


18
Refere-se aqui organização como estrutura organizacional na área, sem qualquer conotação associada a
serviços secretos.
19
Como o próprio nome já demonstra, a diplomacia preventiva trata-se das ações diplomáticas que têm como
objetivo evitar o advento de conflitos. Ela é uma das modalidades de atuação da ONU para manutenção da paz e
24

natural para que a organização estabeleça seu próprio sistema de inteligência, com meios pró-
prios para seu processo de coleta, análise e disseminação (SMITH, 2003, p. 246). Entretanto,
seu histórico de insucessos dentro de uma lista de tentativas de transformação da inteligência
em uma estrutura mais elaborada simboliza a dificuldade desse processo.
A inteligência no âmbito da ONU, assim como Kent (1965) compreende, também po-
de ser considerada como um processo que envolve o ciclo da atividade: coleta, análise e dis-
seminação. Cox (2009) também apresenta o direcionamento, fase correspondente à definição
e requerimento do que será coletado, como parte do processo. Compreende- se também que o
produto da atividade depende do processo para que seja produzido.
A coleta de informações corresponde à fase inicial do processo da atividade. É através
dela que toda informação crua e geral é adquirida. O conceito de inteligência da ONU prome-
te transformar antigos princípios. A inteligência deve ser coletada através de métodos que não
firam quaisquer grupos e principalmente que não comprometam a integridade e imparcialida-
de da instituição (SMITH, 2003, p. 230). Entretanto, Dorn (2010) afirma que a organização
coleta informações em um espectro que vai do permitido, que corresponde à zona branca, ao
proibido (método extra oficial correspondente a uma zona negra); além de métodos questio-
náveis (que seriam parte da zona intermediária, uma zona cinza) (DORN, 2010, p. 280).
Além do emprego de meios próprios, a instituição conta, em grande parte, com outros
métodos e recursos. A comunidade de inteligência de cada Estado membro possui uma plura-
lidade de informações que podem complementar os subsídios das missões. Algumas de suas
agências como, por exemplo, o Escritório para Coordenação de Relações Humanitárias (Offi-
ce for Coordination of Humanitarian Affairs – OCHA), também colaboram na área de segu-
rança e paz; além da própria mídia e de organizações não governamentais. Contudo, a legiti-
midade no compartilhamento dessas informações pode ser prejudicada por interesses nacio-
nais. Fatalmente, se alguma informação afetar diretamente os interesses de quem a detém, esta
certamente não será compartilhada (EKPE, 2007, p. 378).
Todas as informações coletadas, independente de sua origem, formam apenas um
aglomerado de dados desconexos e duvidosos se não passarem por algum tipo de análise.
Somente através de uma apreciação, é possível transformar todo esse material em um produto
que tenha utilidade prática para uma tomada de decisão na missão.
A análise das informações coletadas corresponde à segunda fase da inteligência como
processo. É nela que se desenvolve o produto, o conhecimento. Ela refere-se ao “exame e fil-

da segurança internacional.
25

tragem de uma gama de informações coletadas e sua transformação em inteligência verdadei-


ra através de sua compilação, validação e avaliação” (COX, 2009, p.7). Na ONU, cada escri-
tório, unidade, departamento ou agência é responsável pela análise de suas informações, de-
senvolvendo seu próprio produto de inteligência (EKPE, 2007, p. 384), embora cada produto
precise estar de acordo com os requisitos do consumidor e dentro de um limite de tempo útil.
A relação entre produtor e consumidor do produto de inteligência requer esforço, sendo ex-
tremamente difícil (KENT, 1965, p. 194).
A disseminação do produto de inteligência corresponde à terceira fase de seu ciclo. O
conhecimento é disseminado a quem o requer (ou a quem ele interessar) e para um determina-
do procedimento. Em uma operação de paz, o produto da inteligência é importante em todas
as suas fases e pode ser consumido por diferentes níveis, separadamente ou simultaneamente.
Na sede da organização, o Conselho de Segurança, a Assembleia Geral e o Secretaria-
do (e obviamente o Secretário Geral) são seus principais consumidores; além de diretores de
escritórios, unidades, departamentos e agências. Em campo, a inteligência é disseminada para
a proteção de seus recursos (inclui-se aqui recursos humanos), geralmente funcionando de
acordo com uma demanda imediata (EKPE, 2007, p. 392). No terreno, o FC, os comandantes
de contingentes e diretores de escritórios, unidades, departamentos e agências locais sãos os
principais interessados no produto da atividade de inteligência. A relação que Kent (1965)
afirma ser delicada reside no compartilhamento desse conhecimento. Muitas vezes, o conhe-
cimento que deveria ser repartido, pode acabar concentrando-se em um dos níveis. O produto
da inteligência da ONU deve alimentar três diferentes níveis: estratégico, operacional e tático
(CHAMPAGNE, 2006, p. 9).
Se fosse possível identificar as fronteiras de cada nível na organização, teoricamente, o
fluxo de informações no nível estratégico deveria circular em sua sede, onde estão localizados
os mais altos níveis de tomada de decisão no arcabouço das missões. De acordo com Smith
(1994), as informações estratégicas são requeridas para a compreensão do contexto da missão,
uma vez que os soldados da paz (peacekeepers)20 são desdobrados, e para a antecipação de
movimentos políticos do governo e de beligerantes, além de seu risco iminente de violência.
Embora a requisição seja de informações políticas (palavra chave para definir este nível), o
ciclo da atividade não pode ser isoladamente delimitado. A coleta e análise das informações
que são disseminadas em nível estratégico são provenientes inclusive de níveis táticos e ope-
racionais, além de níveis estratégicos de outras agências e afins. Além disso, o produto de in-

20
Termo retirado do texto original "You are a Peacekeeper”(DORN, 2012).
26

teligência para este nível serve justamente para a elaboração de mandatos e relatórios que irão
determinar o direcionamento da missão, uma ação a ser desenvolvida nos níveis tático e ope-
racional.
No nível operacional, a inteligência é requerida para desenhar o perfil do cenário e de
seus beligerantes, alimentando o planejamento do desdobramento da missão e da distribuição
de seus recursos através da prática de seu mandato. Ele está concentrado em campo, no caso
do Haiti representado pelo Centro Conjunto de Análise da Missão (Joint Mission Analisys
Centre – JMAC), e seu principal consumidor é o Comandante da Força. O oficial de informa-
ções, ou oficial de inteligência, é a ligação entre o JMAC e o FC. Além disso, o produto de
sua atividade de inteligência alimenta os outros dois níveis vinculando informações políticas e
militares (SMITH, 2003, p.231).
O último nível da atividade de inteligência corresponde ao tático. Ele concentra-se no
teatro de operações e sua demanda atende principalmente os comandantes das tropas de uma
missão. “À inteligência tática interessam informações militares associadas às ações dos beli-
gerantes no ambiente em questão” (SMITH, 2003, p. 230). Além de receber oficialmente or-
dens do nível estratégico, este nível aufere informações do nível operacional sobre o arcabou-
ço da operação. Os contingentes também são instruídos em seus países de origem. Em seus
treinamentos, os militares desdobrados recebem informações21 provenientes principalmente
de participantes de contingentes anteriores. No entanto, os meios oficiais não atendem toda a
demanda das tropas. Assim, o nível tático produz inteligência (através inclusive de imagens) a
partir do desdobramento de suas tropas no teatro de operações. Cada tropa produz conheci-
mento próprio e tem suas particularidades. Assim, o compartilhamento de referidas informa-
ções é extremamente delicado. Apenas informações que julguem de interesse de outro contin-
gente ou superior são compartilhadas (CAPITÃO ALFA, 2015)22. Este nível apresenta um
maior grau de vulnerabilidade da atividade, pois seus recursos humanos convivem diretamen-
te com os beligerantes e com a população local. Seu gerenciamento é responsável pela manu-
tenção ou perda da credibilidade da instituição entre as partes em conflito, podendo esta ser
rotulada como parcial e de lenta resposta (SMITH, 2003, p. 231). Neste nível, a contra-
inteligência também possui bastante utilidade, considerando a necessidade de ações reativas.
Embora autores como Kent (1965), Smith (1994) e Champagne (2006) delimitem a
atividade de inteligência nos três níveis apresentados, o presente estudo compreende que, na

21
Essas informações recebem a nomenclatura de lições aprendidas.
22
A referida informação foi fornecida por um Capitão do Exército Brasileiro, cuja identificação é protegida, de
acordo com o artigo 5º, inciso XIV, da Constituição brasileira de 1988. O oficial representou o Brasil na
MINUSTAH e em outras missões da ONU.
27

ONU, a fronteira entre os níveis apresenta-se extremamente tênue. Não existe um grau de hie-
rarquia definido entre eles no que tange a produção de inteligência, já que todos agem simul-
taneamente como produtores e consumidores, compartilhando e retendo informações. Essa
irregularidade reflete na dificuldade de institucionalização da atividade. No contexto das ope-
rações de paz, esta vulnerabilidade apresenta-se como uma das razões para uma série de tenta-
tivas falhas ao longo do histórico da atividade.

2.2 O Histórico da Evolução da Atividade de Inteligência em Operações de Paz: Ciclos,


Métodos e Recursos

O receio de uma possível associação a serviços secretos e a negligência da ONU para


com a informação já foram responsáveis por consequências desastrosas, como o genocídio de
Ruanda23. Em 1994, durante a Missão da ONU no país, foram recebidas informações valiosas
através do famoso fax do genocídio24, de acordo com Dorn, (2010), sobre o genocídio e os
planos de aniquilação dos peacekeepers na região. Sua sede em Nova Iorque acabou por ne-
gligenciar referidas informações pelo temor de comprometer sua imagem transparente e neu-
tra através de possíveis associações a uma operação secreta de busca por informações. O re-
sultado foi um massacre de mais de cem dias. O genocídio poderia ter sido previsto e preveni-
do (DORN, 2010, p. 289-290). Episódios como este reforçaram a responsabilidade do mundo
e suas organizações para com a paz e segurança internacional.
Possivelmente, por pressão de acontecimentos controversos que a organização passara
e por demanda dos terrenos de suas missões, a ONU tenha cedido à sua resistência para com a
atividade de inteligência. Somente o conhecimento possibilitaria a tomada de ações
preventivas, evitando resultados, como o acima mencionado, que comprometeriam inclusive a
credibilidade da instituição no cenário internacional. Assim, a organização não poderia
cumprir seu papel desconsiderando a produção de conhecimento, condição sine qua non para
o direcionamento de suas ações.
Desde sua primeira intervenção, desenvolvida em 1948, a Organização das Nações
Unidas para Supervisão da Trégua (United Nations Truce Supervision Organization –
UNTSO), podemos afirmar que a instituição já desenvolvia operações vinculadas a área de

23
O genocídio de Ruanda, resultado de tensões entre as etnias Tutsi e Hutu, durou cem dias. Entre 800.000 a
1.000.000 de pessoas foram mortas na frente da comunidade internacional (SPALDING, 2009, p.24).
24
O Major General Romeo Dallaire, Comandante da Força da Missão de Assistência das Nações Unidas para
Ruanda (United Nations Assistance Mission for Rwanda – UNAMIR, enviou um fax à sede da ONU em Nova
Iorque alertando sobre dados fornecidos por um informante Hutu, delatando sobre a campanha de extermínio que
estaria prestes a acontecer no país (SPALDING, 2009, p.24).
28

inteligência, ainda que intrinsecamente. Muito embora não fosse uma relação oficialmente
declarada, seus observadores desempenhavam funções diretamente atreladas à coleta de
informações, através do monitoramento do armistício entre Israel e os Árabes (UNITED
NATIONS, [s.d.]b).
Seguramente, toda operação é fundamentada em seu mandato que, aprovado pelo
Conselho de Segurança, restringe seu escopo e define seus meios e recursos a serem utilizados
em prol dos objetivos da missão. Portanto, seria incoerente falar de informações em missões
de paz sem abordar o seu compartilhamento na Assembleia Geral e no Conselho de Seguran-
ça, órgãos relevantes para o desenvolvimento da paz e da segurança internacional.
Desde o princípio do processo de desenvolvimento de uma operação de paz, a ativida-
de de inteligência está presente, ainda que com uma nomenclatura dissociada. A base de ori-
gem de uma operação é sustentada pelo SC e pela GA. Nos órgãos, tramita um grande fluxo
de informações através de comunicações, documentos e relatórios, cuja difusão é de respon-
sabilidade do Secretário Geral, e também Chefe do Secretariado25, e do Chefe do Escritório
Administrativo da instituição (DORN, 2001, p. 1). Este procedimento se desenvolve de duas
formas: através de informações disseminadas pelo SG a estes órgãos de forma ativa, ou seja,
quando o mesmo julga relevante (UNITED NATIONS, 1945, p. 55), e através da demanda de
referidos órgãos ao SG a respeito de determinado assunto, correspondendo assim a um con-
torno mais passivo.
As informações são provenientes de fontes como os governos de seus Estados mem-
bros, a mídia, as próprias missões e escritórios locais, agências internacionais, organizações
não governamentais (ONGs), indivíduos, além do mundo acadêmico. O conteúdo que passa
pelo SG segue o formato de instruções diárias repassadas aos membros do SC. Já as informa-
ções diretamente solicitadas pelos membros do SC são provenientes de fontes distintas. Seu
ciclo – coleta, análise e disseminação – pode ser repetido de acordo com a sua demanda sobre
determinado assunto (DORN, 2001, p.1-2).
Por um longo tempo, as informações circularam basicamente entre esses dois princi-
pais órgãos da ONU através de demandas ad hoc26 chamadas de Alertas Prévios27 (Early

25
O Secretariado também fornece suporte administrativo às organizações subsidiárias do Conselho de
Segurança, como os cinco Comitês de Sanção (dentre eles o do Haiti), às dezesseis operações de paz vigentes, ao
corpo de inspeção/destruição de armas e aos dois tribunais criminais (DORN, 2001, p. 1).
26
Ad hoc é um termo latino que faz referência a algo desenvolvido para uma finalidade específica.
27
Os alertas prévios foram oficialmente incentivados pelas Nações Unidas em 1992, após o fim do ORCI, atra-
vés da resolução 47/120, da Assembleia Geral, que estimulava membros da organização e organizações intergo-
vernamentais (produtoras e consumidoras de informações) a participarem ativamente na construção de um siste-
ma que informasse ao Secretário Geral a respeito de eventos e desafios que pudessem ameaçar a paz e segurança
29

Warnings), que divulgavam informações a respeito de possíveis ameaças a segurança e a paz


internacional. O fato da ONU deixar de ser reativa para fazer uso de mecanismos proativos
influenciou diretamente no aumento da demanda por capacidades na área de inteligência. Na
tentativa de desenvolver estas capacidades de forma estruturada, em 1987, foi criado o Escri-
tório para Pesquisa e Coleta de Informação (Office for Research and Collection of Informa-
tion – ORCI) pelo então Secretário Geral Pérez de Cuéllar (DORN, 2010, p. 280).
O Escritório, que representava uma pequena unidade dentro do setor político dos escri-
tórios do SG, era responsável por coletar informações, conduzir pesquisas, avaliar tendências
globais, reportando (uma vez por semana, ou quando necessário) ao SG sobre potenciais focos
de problemas incipientes e situações críticas de segurança no mundo, fornecendo assim Aler-
tas Prévios (elemento vital na diplomacia preventiva do SG) (SUTTERLIN, 2003, p. 44). Seu
funcionamento contribuía na prevenção de conflitos, já que mediá-los era um processo muito
mais complexo. Excepcionalmente, durante a guerra fria, o órgão passou a ser indesejado por
governos que temiam a invasão da ONU em assuntos soberanos e uma possível tendência So-
viética. Sua pequena estrutura também dificultou o desenvolvimento de análises mais profun-
das de eventos internacionais e a coleta de informações diretas em campo, sendo então dissol-
vido em 1993, após a criação do DPKO, em 1992 (DORN, 2005, p. 443).
Assim, membros do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral detinham (e ainda
detêm) informações provenientes de diferentes fontes, como agências de inteligência de seus
próprios países, além de organizações não governamentais e indivíduos, estes através do em-
prego da Fórmula Arria (Arria Formula – AF)28. A Fórmula Arria, criada somente em 1992
durante a presidência do SC pelo Embaixador da Venezuela Diego Arria, permitia que infor-
mações não oficiais fornecidas por não membros, organizações não governamentais e indiví-
duos (ainda que sem reconhecimento formal ou registros oficiais) chegassem ao Conselho de
Segurança (PAUL, 2003, apud EKPE, 2007, p. 379). Ainda que não explicitamente, o método
fazia uso de informações classificadas, possivelmente na zona cinza definida por Dorn
(2010)29.

internacional, permitindo assim ações preventivas. A resolução defendia ainda um treinamento específico inclu-
indo a coleta e a análise de informações, duas etapas fundamentais do ciclo da inteligência. As informações po-
deriam ser compartilhadas em status confidencial quando necessário. Todo este processo invoca o Artigo 99 da
Carta da ONU (1945), que concede ao Secretário Geral um importante papel político de alertar ao Conselho de
Segurança e a Assembleia Geral sobre possíveis ameaças (UNITED NATIONS, 1992).
28
A Fórmula Arria, método que não consta na Carta das Nações Unidas ou nas Regras Provisórias de Procedi-
mentos do Conselho de Segurança, era uma prática de consultas informais e confidenciais de um ou mais mem-
bros do Conselho de Segurança (além de convidados de governos e organizações não governamentais). Ela per-
mitia que seus participantes compartilhassem informações de forma privada (UNITED NATIONS, 2002).
29
Dorn (2010) identifica zonas de atuação da atividade de inteligência da ONU. A zona cinza corresponde a uma
30

Toda a polêmica dos métodos e recursos utilizados pela instituição não a afastaram
completamente de seu envolvimento com o processamento de informações. Embora não fosse
desenvolvida oficialmente por um órgão específico, a atividade de inteligência sempre esteve
presente no âmbito das missões de paz, antes mesmo da criação do Departamento de Opera-
ções de Paz (Department of Peacekeeping Operations – DPKO).
Com intuito de gerenciar as crises e o aumento de conflitos, o DPKO foi oficialmente
criado o em 1992. O departamento da ONU, em pleno funcionamento atualmente, é responsá-
vel por assistir aos Estados membros e ao SG em seus esforços para a manutenção da paz e da
segurança internacional, norteando as operações de paz (UNITED NATIONS, [s.d.]a). Ele
demanda informações políticas, militares, de segurança, humanitárias, econômicas, educacio-
nais, sociais, além das demandas particulares de cada missão e de seus respectivos mandatos
(EKPE, 2007, p. 388).
É importante ressaltar que, ainda que o DPKO não seja especificamente um departa-
mento voltado para a produção de inteligência, a institucionalização das missões neste forma-
to contribuiu para o desenvolvimento de outras tentativas mais bem estruturadas no campo
das missões, como o Centro Situacional (Situation Centre – SitCen), criado após a dissolução
do ORCI. O Centro Situacional, que funcionava dentro do próprio DPKO, tinha como objeti-
vo amparar a expansão da complexidade da natureza das missões, estabelecendo comunicação
integral (24 horas por dia) entre seus membros (localizados na sede em Nova Iorque) e suas
missões em campo, além de organizações humanitárias e Estados membros (estes através de
missões diplomáticas). Sua função era complementar os sistemas de gerenciamento de infor-
mações da sede, integrando informações civis e militares em nível estratégico para o processo
decisório. O órgão coletava e analisava informações advindas do campo através de sua Uni-
dade de Informação e Pesquisa (Information and Research Unit – I&R) (EKPE, 2007, p. 388).
O I&R foi criado em 1993, junto ao SitCen, para desenvolver redes de informações e
assim conduzir analises mais profundas, que produziam mapas, estatísticas e informações bá-
sicas de cunho político, militar e econômico. Todos esses materiais produzidos eram recursos
fundamentais para o desenvolvimento dos já mencionados Alertas Prévios (EKPE, 2007, p.
388). As fontes utilizadas pelo I&R eram geralmente abertas, provenientes das missões (atra-
vés de monitores e observadores em campo) e também de agências de inteligência de seus

área intermediária e questionável, que funciona entre a transparência e o sigilo, entre o que é permitido e
proibido.
31

componentes (dentre eles alguns Estados não participantes de operações de paz)30. Essa cap-
tação de informações, cuja origem procedia de agências nacionais de atores externos ao con-
texto, expunha a missão a possíveis manipulações de dados, o que fatalmente poderia com-
prometê-la. Além desses recursos, em 1998, o SG também recebia informações da Unidade de
Planejamento Estratégico (Strategic Planning Unit – SPU) (CHAMPAGNE, 2006, p. 10).
Criada por Kofi Annan (SG vigente no período), a SPU, que funcionava junto ao seu
escritório executivo, era formada por um singelo time de analistas de informações e pesquisas,
cujas tarefas eram identificar e analisar assuntos e tendências globais, fornecendo-lhe assim
informação estratégica para o desenvolvimento de políticas (EKPE, 2007, p. 381). A unidade
era formada por oficiais da França, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos (oferecidos sem
qualquer custo por esses países), o que a deixava vulnerável a algum tipo de juízo de valor.
Sua capacidade também era limitada pelo seu tamanho e por problemas de recursos. No ano
seguinte a sua criação, em 1999, em votação na Assembleia Geral, a I&R foi dissolvida sob a
justificativa de descontinuação do uso de oficiais gratuitos na atividade de inteligência
(DORN, 2010, p. 281). Resta saber até que ponto as questões financeiras não funcionaram
como justificativa para ocultação de informações reveladas.
Ainda que as lições aprendidas a partir do modelo do I&R tenham sido fundamentais
para o desenvolvimento futuro de uma atividade de inteligência, seu desmembramento consti-
tuiu um importante contratempo para a ONU em termos de análise de informação, impactan-
do no funcionamento do próprio SitCen (DORN, 2010, p. 282). A produção de informações
sempre foi um tema sensível dentro da instituição ONU.
O processo de institucionalização da atividade de inteligência nas Nações Unidas ar-
rastou um sentimento de frustração por um longo período. Em 2000, o então criado Relatório
do Painel das Operações de Paz da ONU (Report of the Panel on UNITED NATIONS Peace
Operations), conhecido como Relatório Brahimi31 (Brahimi Report), também não conseguiu
escapar da conjuntura. Suas recomendações sofreram grande resistência, sendo impossibilita-
das de implementação. O documento revolucionário reconhecia a inteligência como ferramen-
ta final para evitar o contexto de guerra32 (STEELE, 2006, p.62).

30
A unidade também gozava de autonomia para requisitar informações específicas sobre determinados assuntos,
disseminando-as para autoridades, como o Secretário Geral, e outros departamentos relacionados às missões.
31
O Relatório Brahimi foi o produto final do Painel sobre as Operações de Paz das Nações Unidas. O documen-
to recomendava possíveis caminhos para melhorar seu desempenho nesse campo. O nome do relatório é originá-
rio do nome do Presidente do painel, o senhor Lakhdar Brahimi (UNITED NATIONS, 2000).
32
O termo inteligência foi mencionado no Sumário Executivo do Relatório Brahimi (UNITED NATIONS, 2000,
p.3).
32

A atividade de inteligência se apresentava dentre as muitas dificuldades e inconformi-


dades identificadas pelo Relatório Brahimi no planejamento, implementação e suporte às ope-
rações de paz das Nações Unidas. O relatório verificou vulnerabilidades referentes à coleta e
análise de informações no Comitê Executivo sobre a Paz e Segurança (Executive Committee
on Peace and Security – ECPS)33. De modo a sanar tais vulnerabilidades, o painel propôs a
criação do Secretariado de Informação e Análise Estratégica do Comitê de Paz e Segurança
(ECPS Information and Strategic Analisys Secretariat – EISAS)34, um sistema profissional
que acumulasse conhecimento sobre situações de conflito, e o distribuísse de forma eficiente
em uma base mais ampla. Desta forma, seria possível gerar análises políticas e formular estra-
tégias de longo prazo (UNITED NATIONS, 2000, p.28).
A recomendação de criação do EISAS, localizado no Secretariado, foi frustrada por
oposições dos Estados membros. Embora o Conselho de Segurança tenha recebido positiva-
mente a criação do escritório, o Comitê Especial posicionou-se contra em suas duas tentativas
de implementação, alegando a necessidade de utilização de “recursos” já existentes (recursos
estes reprovados pelo próprio Painel Brahimi). Os Estados não alinhados temiam que o escri-
tório funcionasse como um condutor seletivo de inteligência nacional (UNITED NATIONS,
2000, p. 39) – vulnerabilidade de qualquer órgão de inteligência na instituição, não sendo as-
sim um novo formato de intimidação ao seu funcionamento – e que possíveis intervenções
militares ameaçassem sua soberania. O EISAS não foi desenvolvido com base nesses argu-
mentos.
As recomendações do Relatório Brahimi sobre melhorias nas capacidades de inteli-
gência em operações complexas foram negligenciadas. A discussão pública de assuntos rela-
cionados à atividade de inteligência no âmbito da ONU sempre foi um processo delicado para
muitos de seus Estados membros, que hesitavam (e ainda o fazem) em tomar uma posição
mais firme a seu respeito. Para um Estado membro da ONU, ser contra o funcionamento de
uma atividade de inteligência equivalia a negar a relevância da detenção de informações para
a segurança. Ao mesmo tempo, posicionar-se a favor significava mexer em uma antiga ferida
da instituição. Neste caso, o silêncio poderia significar uma flexibilidade para que os planeja-

33
O ECPS, um dos quatro comitês Executivos estabelecidos pelo Secretário Geral em seu pacote inicial de
reforma em 1997, foi designado para facilitar o gerenciamento entre os departamentos participantes de forma
mais ordenada, oferecendo-lhes poderes de coordenação e de tomada de decisão. Embora promovesse maior
intercâmbio de informações e cooperação entre seus departamentos, o relatório ainda não desempenhava o papel
de tomador de decisões (UNITED NATIONS, 2000 p.28).
34
O escritório faria uso de informações abertas, dando suporte à prevenção de conflitos, e apoiaria os esforços na
construção da paz, reportando diretamente ao Conselho de Segurança (UNITED NATIONS, 2000, p. 38).
33

dores militares e comandantes decidissem quando e como construir capacidades em referida


área para o cumprimento da missão em campo (UNITED NATIONS, 2000, p. 23).
É de grande complexidade tentar identificar o tipo de informação e delimitar seu esco-
po de atuação; já que sua circulação acontece entre diferentes níveis, raramente se concen-
trando e se atendo exclusivamente ao seu nível de produção. Fisicamente, todas as estruturas
de inteligência anteriormente apresentadas funcionavam na sede das Nações Unidas, em Nova
Iorque, embora informações coletadas em campo também circulassem nesse ambiente. O pro-
gresso no desenvolvimento destas capacidades de inteligência, ou seja, de inteligência estraté-
gica, foi extremante lento principalmente em função da resistência de sua oficialização dentro
da própria organização. Em campo, o processo apresentou-se bem diferenciado.
A atividade de inteligência desenvolvida em campo não era receptora de grandes dire-
cionamentos provenientes da atividade em sede. Talvez essa escassez de orientação tenha sido
uma das razões para que suas prioridades fossem definidas por conta própria. Cada missão,
desde o primeiro momento que se detectava o funcionamento de qualquer atividade relacio-
nada à produção de inteligência, era responsável por criar seus próprios termos, estrutura e
diretrizes na área. Ainda que a coleta de informações tivesse seu palco de atuação restrito pelo
mandato da missão, uma vez que as forças eram desdobradas em campo, unidades e divisões
tomavam a iniciativa de adquirir alguma inteligência, ao menos para orientação operacional e
para sua própria proteção (EKPE, 2007, p. 390). Dentre os métodos utilizados neste tipo de
ação, a Inteligência Humana (Human Intelligence – HUMINT) foi um dos pioneiros.
Oficialmente enviados pela ONU, os Observadores Militares (Military Observers –
UNMO) podem ser considerados os precursores na coleta de informações em campo. A fun-
ção principal de um Observador Militar era monitorar, supervisionar arranjos militares de
acordos entre as partes em conflito e reportar a situação militar da sua área de responsabilida-
de ao Escritório de Relações Políticas (Political Affairs Office) e ao Escritório Militar de In-
formação (Military Information Office), cuja responsabilidade era analisar e identificar deta-
lhes que contribuíssem na construção do desenho da missão. Esse processo sofria, e ainda so-
fre, com questões no ciclo da atividade. As análises eram consideradas superficiais e sua ve-
racidade de difícil comprovação. A disseminação de seus produtos nem sempre chegava aos
níveis mais altos como na sede, por exemplo. Ainda que chegassem, tinham sua credibilidade
questionada e seus relatórios facilmente engavetados. Algumas lições aprendidas indicavam
ainda que havia uma tendência na produção de inteligência para benefício próprio em missões
(MALAN, 2005, p. 14). Contudo, todas essas deficiências não impediram o desenvolvimento
de novas tentativas de institucionalização.
34

A missão da ONU pioneira na institucionalização da atividade de inteligência foi a


Operação das Nações Unidas no Congo (UNITED NATIONS Operation in Congo – ONUC)35,
estabelecida em 1960. O crescimento das hostilidades incitou a criação de uma Seção de In-
formações Militares (Military Information Branch – MIB)36, em 1962.
A priori, civis e militares discordavam sobre o papel da inteligência em campo. En-
quanto os militares posicionavam-se a favor, para os civis, ainda que sua relevância fosse re-
conhecida, uma possível associação da instituição à atividade gerava um enorme desconforto
(EKPE, 2007, p. 391). Apenas após a ONU e os cidadãos congoleses tornarem-se alvo das
partes em conflito no país, o SG autorizou a criação da primeira unidade dedicada, a MIB,
para conduzir, juntar e analisar essas informações em campo (DORN, 1999, p. 422).
A MIB fazia uso de amplos métodos de coleta de informações, mais que quaisquer ou-
tras operações em campo antes da nova geração de operações de paz, em 1990 (DORN, 2001,
p.7)37. Ela contava com inteligência aérea (inteligência de imagens e sinais), inteligência hu-
mana, cifras e códigos, sempre disseminando as informações (ou pelo menos tentando disse-
miná-las) de forma imparcial aos órgãos apropriados (DORN, 1999, p. 422). No entanto, as
particularidades dos mandatos e dos terrenos dificultavam a padronização das Seções de In-
formações Militares em operações de paz. Sua coordenação também era vulnerável, pois cada
batalhão gerenciava sua própria célula de inteligência em sua área de responsabilidade (Area
of Responsibility – AOR), com estruturas e doutrinas distintas (EKPE, 2007, p. 392).
As prioridades dos atores que participam em operações de paz nem sempre coincidem
com as da missão, já que estes apresentam agendas próprias; interferindo assim na coordena-
ção de suas ações. As missões lidam com elementos político, militar e humanitário, cada um
com seus próprios recursos, métodos e objetivos atrelados à atividade de inteligência (MA-
LAN, 2005, p. 17). Essa multiplicidade resulta em dificuldades de convergência de objetivos
na área de inteligência. Entretanto, Bassey Ekpe (2007) acredita em sua possibilidade de inte-
gração.
A Doutrina Capstone (2008) partilha da crença de Ekpe (2007). Ela afirma ser de res-
ponsabilidade de uma operação de paz o compartilhamento de informações com todos os ato-

35
A ONUC foi estabelecida em 1960 na República do Congo. Seu mandato original previa a assistência militar
e técnica após o colapso de serviços essenciais e a intervenção militar de tropas belgas no país. O cenário com-
plexo levou a missão a assumir responsabilidades para além das previstas pelo seu mandato inicial (UNITED
NATIONS, [s.d.]c).
36
O termo inteligência foi substituído pelo termo informação, embora em campo a palavra inteligência fosse
utilizada pelos militares.
37
Ainda que a instituição fizesse uma série de exigências a respeito do funcionamento de uma atividade de inte-
ligência em campo, em situações excepcionais, a realidade destoava da oficialidade (EKPE, 2007, p. 391).
35

res envolvidos em seu ambiente, harmonizando atividades e respondendo as solicitações de


cooperação. Baseado nesse contexto, na tentativa de suprir todas as lacunas e vulnerabilidades
da atividade de inteligência em campo, em 2005, o DPKO elaborou um novo conceito de cen-
tralização de informação, através de estruturas integradas e conjuntas formadas por civis e
militares: o Centro de Operações Conjuntas (Joint Operation Centre – JOC) e o Centro Con-
junto de Análise da Missão (Joint Mission Analisys Centre – JMAC).
De acordo com os Procedimentos Operacionais Padronizados do JMAC (Standard
Operating Procedures – SOP), somente após a criação do DPKO, foi desenvolvido um do-
cumento de Requisições de Informações em Missões (Mission Information Requirements –
MIR) como diretriz periódica, documento este que visava atender às demandas por informa-
ções (UNITED NATIONS, 2005 apud MALAN, 2005, p.15). Além do novo recurso, Requi-
sições de Informações Prioritárias (Priority Information Requirementes – PIR) também passa-
ram a ser publicadas. Ainda assim, os novos métodos e recursos não garantiram um funcio-
namento eficiente da atividade de inteligência. Diferentes patologias ainda a caracterizam tan-
to em sede quanto em campo.

2.3 Recursos e Métodos Atuais

A inteligência em operações de paz é um termo recente que caracteriza uma nova for-
ma de se realizar a atividade dentro de um ambiente que se difere de uma guerra tradicional.
O compartilhamento multilateral de inteligência, as dificuldades na interoperabilidade e as
particularidades de cada missão são algumas das características que diferem a atividade de
inteligência desenvolvida nesse contexto. Para que seu funcionamento seja possível neste am-
biente, onde os inimigos não são declarados e o uso da força é limitado, seus métodos e recur-
sos, assim como seu conceito, devem ser adaptados para que possam atender às suas deman-
das. Neste contexto, atualmente, as Nações Unidas fazem uso de recursos e métodos que ten-
dem a apresentar uma postura que oficialmente rejeita associações oficiais ao sigilo38.
Walter Dorn (2001) apresenta alguns tipos de recursos e autoridades legais associadas
à coleta de informações na ONU, como os governos, a mídia, as missões em campo e seus
escritórios, as agências internacionais, as organizações não governamentais e os indivíduos,

38
Ainda que a maior porcentagem das informações brutas seja extraída de recursos abertos, estima-se que a
organização trabalhe com recursos fechados. A aplicação dos termos aberto e fechado parece ser mais analítica
que técnica, pois toda informação é classificada como fechada a partir do instante em que faz parte do produto
final da inteligência (EKPE, 2009, p.134).
36

além das próprias universidades. Estes recursos são as fontes de onde são extraídas as infor-
mações brutas, isto é, sem nenhum tipo de lapidação, de análise.
Atualmente, os Estados membros ainda representam um importante recurso de infor-
mação para a paz e segurança internacional. Eles proveem, em grande parte, subsídios através
de comunicações orais e escritas no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral, cuja res-
ponsabilidade de divulgação é do Secretariado. Essas informações podem ser provenientes de
discursos, comunicações escritas39, relatórios periódicos, missões em Nova Iorque, escritórios
de publicações, embaixadas e consulados em países estrangeiros, e até de seus próprios servi-
ços de inteligência40. Além disso, muito conhecimento relevante é compartilhado informal-
mente em conversas nos chamados corredores diplomáticos41. No entanto, para a instituição,
as gravações públicas transcritas têm maior valor; já que apresentam a transparência necessá-
ria para a tomada de decisão (DORN, 2001, p.2-5).
Além dos Estados membros, a mídia é um importante recurso de informação sobre
eventos internacionais42. Notícias atualizadas também são coletadas na internet e em progra-
mas de rádio e televisão. A organização recebe ainda informações de jornais locais indepen-
dentes, que fornecem dados sobre pronunciamentos, nomeações, testemunhos, entrevistas e
informações de corredores. Notícias de diferentes países também são traduzidas para que a
organização possa monitorar pronunciamentos oficias de Estados membros, principalmente
em áreas de conflito. Serviços de comunicação interna e externa são responsáveis pelo filtro e
coleta de notícias. Seu monitoramento é realizado por um serviço comercial computadorizado
do SitCen (DORN, 2001, p. 5-6).
A ONU conta também com outros tipos de contribuições, como do Programa de De-
senvolvimento das Nações Unidas (United Nations Development Program – UNDP). Embora
sua função primária seja disseminar informações e auxiliar no desenvolvimento de nações
hospedeiras de missões, suas agências, centros e escritórios estão localizados estrategicamente
em vários países do mundo recolhendo informações para a sede da ONU. É importante ressal-
tar que esta coleta requer uma diplomacia delicada; já que a instituição sempre negou sua as-
sociação com a busca43 por informações (DORN, 2001, p. 5-6).

39
Comunicações escritas recebidas pelo Secretário Geral são traduzidas para os seis idiomas oficiais da ONU e
distribuídas.
40
A ONU apenas recebe essas informações através de computadores especiais do SitCen.
41
Informações de corredores ou corredores diplomáticos são termos que se referem às informações
compartilhadas em conversas informais na organização.
42
A ONU faz uso desse recurso de forma não oficial, pois em seus documentos não constam a mídia como fonte
de informação para tomada de decisão. Este fato deve-se principalmente a incerteza da veracidade das
informações veiculadas pela mídia. De qualquer forma, a mídia adequa-se a classificação de recurso aberto.
43
Lembramos que busca refere-se à forma secreta de coletar de informações.
37

Indivíduos e organizações não governamentais são outros recursos utilizados pelas


Nações Unidas. Sua grande prerrogativa está nos métodos que utilizam para a coleta de in-
formações. Por não fazerem parte do sistema, podem fazer uso de métodos não adotados pela
instituição e, assim, contribuir com informações relevantes para além das fronteiras da ONU
(DORN, 2001, p. 9).
As organizações não governamentais têm mais liberdade de expressão, de investigar
atrocidades e até mesmo de receber críticas. Elas podem obter informações em primeira mão e
podem averiguar atividades no Estado hospedeiro de uma missão. A cooperação em questões
humanitárias entre a ONU e ONGs já se encontra consolidada. Embora existam poucas ONGs
especializadas em questões de paz e segurança, o OCHA possui um sistema interno que per-
mite o compartilhamento de informações com ONGs, agências da ONU e governos (DORN,
2001, p.10). Da mesma forma, indivíduos contribuem com informações importantes.
Assim como os recursos midiáticos, as ONGs e os indivíduos não constam oficialmen-
te em documentos da instituição. Apenas relatórios respaldados pelos governos ou pelo SG
podem circular em status oficial. Entretanto, o terreno continua desempenhando papel rele-
vante no fornecimento de vastas informações em missões de paz; afinal, os conflitos se encon-
tram nesse ambiente.
De acordo com Dorn (2001), as operações em campo são os olhos e ouvidos e os
membros da ONU, enquanto sua sede funciona como cérebro. Criadas para a mediação e/ou
resolução de conflitos, são as missões, isto é, o terreno que fornece em média a metade do vo-
lume de informações que alimentam o SitCen. Elas representam recurso fundamental para os
três níveis da atividade de inteligência e, assim, demandam diferentes métodos para a coleta
de informação.
Walter Dorn (2010) reconhece como métodos oficiais adotados pela organização a
“observação visual, os sensores, as comunicações humanas e os documentos oficiais da orga-
nização”, que são disseminados internamente e para o público em geral. Já Champagne (2006)
apresenta dois métodos principais na inteligência: a inteligência humana (Human Intelligence
– HUMINT) e a inteligência técnica (Technical Intelligence – TECHINT)44. Eriksson (2003)

44
O emprego dessas formas de inteligência começou em campo com os MIBs. A revolução tecnológica permi-
tiu que as Nações Unidas desenvolvessem novas capacidades para o monitoramento e aquisição de informações
relevantes no terreno da missão. Atualmente, esses métodos são mais refinados, sendo utilizados por células de
inteligência, como o JMAC. A TECHINT refere-se a todo tipo de recurso técnico na coleta de informações co-
mo, por exemplo, inteligência de sinais (Signals Intelligence – SIGINT), a inteligência eletrônica (Eletronic In-
telligence – ELINT), a inteligência de comunicações (Communications Intelligence – COMINT), a inteligência
de radar (Radar intelligence – RADINT) e a inteligência de imagens (Image Intelligence – IMINT) (CHAM-
PAGNE, 2006, p. 5).
38

complementa a visão de Champagne (2006) com os métodos tradicionais para a coleta de in-
formação da instituição, como, por exemplo, os postos de controle (checkpoints – CP) e os
postos de observação (observation posts – OPS). Entretanto, o presente estudo compreende
que estes métodos tradicionais, isto é, métodos que fazem parte do contexto de uma missão e
que, de alguma forma, provém informação – ainda que indiretamente – estão inseridos na in-
teligência humana, pois os indivíduos ainda são um instrumento básico para o seu funciona-
mento.
A ONU vem expandindo sua base de dados e sistema geográfico de informação, assim
como sua alimentação de mídia, alertas de e-mail, internet e até intranet. A tecnologia de vigi-
lância também passou a ser um método utilizado para a coleta de informações. Acordos de
transferência de informação de satélites nacionais, como o dos Estados Unidos, colaboram
com informações, mas não funcionam em tempo real e apenas atendem sob demanda (e quan-
do a nação acredita que a ONU de fato precise). Equipamentos de visão noturna também fa-
zem parte dos métodos tecnológicos utilizados. Alguns equipamentos, como telescópios tér-
micos, óculos de proteção, radares e equipamentos de fiscalização aérea ainda são mais raros
(DORN, 2010, p. 278-279)45.
Apesar do recente progresso, seu Departamento de Operações de Paz ainda carece de
métodos adequados para o treinamento de investigações e análise de informação tanto em
campo quanto na sede, a fim de suprir as demandas por informação e por documentação
(DORN, 2001, p.7). Assim, a necessidade de desenvolvimento de outras tecnologias na área
ainda persiste.
Muito embora os métodos tecnológicos contribuam veementemente na observação e
na coleta de informações, as verdadeiras intenções dos beligerantes e o possível direciona-
mento dos conflitos não podem ser previstos por máquinas. A revolução tecnológica não des-
prestigiou a inteligência humana como o principal método de coleta de informação (DORN,
2010, p. 279). As mais importantes agências de inteligência dos Estados Unidos e da Inglater-
ra, a Central Intelligence Agency (CIA) e o Military Inteligence, Section 5 (MI5), respectiva-
mente, compartilham deste mesmo pensamento (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY,
2013; SECURITY SERVICE, s.d.).
Os postos de controle, os postos de observação, as patrulhas, todos estes procedimen-
tos padrões e os próprios observadores militares ainda representam importantes desdobramen-
tos da HUMINT, contribuindo em larga escala na coleta de informações. Em campo, os mili-

45
Militares dos Estados membros participantes das missões também são desdobrados já munidos de equipamen-
tos próprios.
39

tares envolvidos nestas ações e os civis integrantes da missão convivem diariamente com a
população local, criando um ambiente favorável para a absorção de todo o tipo de informação.
Compreende-se que esta coleta pode dar-se de forma oficial (como em linhas telefônicas de
denúncia criadas no Haiti) como não oficial (através ações de cooperação civil-militar as
chamadas Civivilian-Military Cooperation – CIMIC).
Para KAPLAN (2006, p.216), a inteligência é melhor coletada não através de pergun-
tas diretas, mas simplesmente através do estabelecimento de relações, e essas ações de coope-
ração civil-militar criam um ambiente favorável para tal. Entretanto, acredita-se que cada país
apresente maior ou menor habilidade de desenvolver estas relações. Sua bagagem cultural in-
fluencia no processo.
Da mesma forma em que a cultura influencia cada país participante de uma missão em
sua concepção de inteligência, ela contribui para a configuração de seu modus operandi na
atividade. O multiculturalismo do contexto de uma missão da ONU dificulta o consenso sobre
o assunto e, consequentemente, a criação de um padrão de conduta a seu respeito. Países com
maior flexibilidade cultural, como o Brasil, tendem a se integrar com mais facilidade em am-
bientes assim, facilitando a criação de relações interpessoais. Acredita-se que, quase de forma
equacional, quanto maior a habilidade de engajamento, maior a interação e a criação de canais
de comunicação para a absorção de informações. Portanto, maior o potencial para se desen-
volver a inteligência humana.
Os limites entre os métodos oficiais e oficiosos na coleta de informações no âmbito
das operações de paz das Nações Unidas nem sempre são claros, embora se compreenda a
sensibilidade do assunto. O material humano, além de estar exposto à violência, representa a
imagem da instituição. Sua possível associação a uma operação secreta pode denegrir toda a
transparência e neutralidade da ONU. Logo, a atividade de inteligência desenvolvida no âmbi-
to das operações de paz flutua entre seus extremos: a negligência e o emprego de todo tipo de
recurso e método. A Organização das Nações Unidas precisa encontrar um ponto ótimo.
Genocídios não são passíveis de acontecer devido à negligência no emprego da ativi-
dade de inteligência. Da mesma forma, a atividade precisa funcionar respeitando alguns limi-
tes, como procedimentos ilegais, operações secretas e a espionagem. A maior patologia da
atividade de inteligência na ONU é resultante justamente da sua necessidade de adaptação ao
contexto, que de alguma forma já fragiliza o seu desenvolvimento. Ela não pode deixar de ser
desenvolvida, mas também não deve ser desenvolvida como ela é de fato, trazendo todos os
seus aspectos comuns aos cenários de guerra. Apenas diagnosticando suas vulnerabilidades,
será possível combatê-las e propor novas alternativas.
40

2.4 Limitações Diagnosticadas

A atividade de inteligência enfrenta muitos desafios no âmbito das operações de paz


das Nações Unidas. Desde o seu significado até as particularidades de seu funcionamento,
existe uma divergência entre seus Estados membros, que apresentam ainda uma relutância em
compartilhar informações entre si e com a organização. Esse comportamento de não coopera-
ção talvez reflita o receio de que seja desenvolvida uma atividade de inteligência instituciona-
lizada e efetiva, que ameace suas preferências e interesses nacionais (CHAMPAGNE, 2006, p.
13). Esta é apenas uma das diversas patologias diagnosticadas neste contexto.
O diagnóstico aqui desenvolvido consiste na identificação de vulnerabilidades, pontos
fracos e óbices que interferem na atividade de inteligência no domínio de atuação das Nações
Unidas, para a paz e segurança internacional. O sistema de inteligência per si, seja em mis-
sões de paz um em uma operação de guerra, apresenta fragilidades em sua própria estrutura e
funcionamento. Através do estudo realizado para o desenvolvimento do presente trabalho,
constatou-se que, para além dessas limitações intrínsecas, a atividade de inteligência é acome-
tida por diversos outros problemas relacionados ao contexto da ONU. Dentre eles, foram di-
agnosticados como principais: o ciclo da atividade, a inteligência como produto, questões fi-
nanceiras, questões legais, a cooperação a e inteligência como sistema.
O ciclo da atividade de inteligência em operações de paz padece com diferentes fragi-
lidades. Sua fase de coleta têm seus recursos e métodos limitados tanto pelo mandato da mis-
são, que limita a atuação das forças, quanto pelas próprias características da organização (co-
mo transparência e neutralidade, por exemplo). Recursos e métodos passivos e invisíveis tor-
nam-se mais atrativos por se adequarem ao perfil da instituição (ERIKSSON, 2003, p. 305),
embora nem sempre sustentem um ambiente de múltiplas ameaças. Dentre os recursos passi-
vos encontram-se os abertos; isto é, aqueles que não demandam sigilo.
A utilização oficial e em grande escala de recursos abertos é uma das principais vul-
nerabilidades da atividade de inteligência neste contexto. A instituição normalmente opta por
este tipo de recurso a fim de não comprometer sua imagem, o que acaba por restringir seu es-
copo de atuação e de seus escritórios e agências. Assim como os recursos, os métodos utiliza-
dos, sejam estes humanos ou tecnológicos, não devem ser utilizados de forma secreta, o que
expõe a produção de inteligência da instituição. Além disso, existe uma descentralização na
estrutura da coleta de recursos e uma dependência de recursos alheios, o que dificulta o funci-
onamento do ciclo. O Conselho de Segurança, por exemplo, coleta informações de governos,
41

mídias, agências da ONU, ONGs, indivíduos e das próprias missões, o que dificulta a avalia-
ção da autenticidade das informações e da neutralidade das fontes.
Na fase de análise dos dados coletados, não existem métodos de prestação de contas
(accountability) que garantam a ausência de um juízo de valor. A ONU é formada por Estados
e seus cidadãos estão espalhados em todas as agências da instituição e órgãos de assessora-
mento, sendo possível que determinado material seja analisado com base em valores, prefe-
rências e interesses particulares dos países. Além disso, não existe um processo concentrado e
tampouco padronizado de análise, o que coloca em dúvida a qualidade do produto final.
A última fase do ciclo da atividade de inteligência abordada em referido estudo, a dis-
seminação do produto gerado, apresenta problemas principalmente associados aos interesses.
Além da desorganização na circulação de informações, a relação entre seus produtores e con-
sumidores é questionável. Não há um monitoramento do que é realmente compartilhado. Co-
mo a instituição é formada por diferentes Estados cujos interesses nem sempre convergem, é
possível que informações sejam estrategicamente disseminadas ou propositalmente vetadas.
No passado, funcionários da ONU (de todos os níveis) trabalhavam secretamente para suas
agências nacionais de inteligência, retendo informações. Da mesma forma, a disseminação de
informações em mãos erradas coloca em risco o funcionamento da atividade assim como da
instituição. A transparência, um dos pilares da ONU, favorece o vazamento de informações
sensíveis; já que a organização não está suficientemente preparada para lidar com material
classificado e para garantir a segurança do conhecimento produzido (CHAMPAGNE, 2006, p.
13).
A inteligência como produto deste ciclo herda problemas intrínsecos à atividade. Em
qualquer tipo de atividade de inteligência, existe o risco de engavetamento do conhecimento
produzido, já que sua função é apenas de assessoramento. Portanto, os tomadores de decisão,
como o Secretário Geral, o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral das Nações Unidas
gozam de determinada autonomia para fazer ou não uso desse conhecimento gerado. Infeliz-
mente, em eventos como o Genocídio de Ruanda, acredita-se que havia conhecimento a res-
peito da iminência de hostilidades, porém, possivelmente os altos níveis decisórios tenham
desconsiderado as informações recebidas. O resultado, conforme já mencionado neste traba-
lho, foi catastrófico.
A inteligência como produto em operações de paz também apresenta outras fragilida-
des, como sua classificação. A ONU reconheceu oficialmente a relevância de se classificar
suas informações apenas em 2007. Contudo, seus princípios básicos de abertura e transparên-
42

cia foram mantidos. Demandas por confidencialidade referem-se a exceções46 (UNITED NA-
TIONS, 2007c, p.1), o que debilita qualquer conhecimento produzido que receba esse status;
já que a confidencialidade é uma característica estratégica do produto da inteligência47.
Outras vulnerabilidades também influenciam no funcionamento do ciclo da atividade.
Restrições financeiras podem prejudicar desde os recursos e métodos disponíveis até a criação
de uma estrutura mais elaborada. Embora os escritórios, agências e as missões tenham orça-
mentos próprios, não existe nenhum dado que confirme o direcionamento de parte desses or-
çamentos especificamente para o desenvolvimento de uma atividade de inteligência. Não
existe um investimento padronizado. Cada agência delimita o quanto utiliza neste processo,
possibilitando assim um funcionamento irregular. A proposição de um orçamento direcionado
para a atividade seria de difícil aprovação de seus Estados membros, considerando o aumento
dos custos para a ONU, e a postura de muitos de seus integrantes contra a produção de inteli-
gência na instituição.
No que diz respeito às questões legais, embates entre os aspectos da atividade e as
normas das operações de paz dificultam o desenvolvimento de uma inteligência estruturada.
Documentos como o Status de Acordo das Forças (Status of Forces Agreement – SOFAs) e o
Status de Acordo da Missão (Status of Mission Agreements – SOMAs), que detalham os direi-
tos, obrigações e deveres entre a ONU e o Estado hospedeiro da missão (UNIVERSITY OF
ESSEX, 2010, p.2), apresentam diretrizes que limitam os recursos e métodos utilizados na
coleta de informações. A legitimidade, o consentimento, a transparência, a imparcialidade e a
neutralidade vão de encontro a alguns princípios mais ofensivos relacionados à atividade, co-
mo o combate a inimigos definidos e principalmente o sigilo. Uma das grandes barreiras na
produção de inteligência é a transparência das Nações Unidas. Muito de seus Estados Mem-
bros enxergam a atividade como secreta e, consequentemente, divergente de seu princípio de
soberania (CHAMPAGNE, 2006, p. 13).
Dentre todas as vulnerabilidades apontadas, a cooperação foi identificada como a de
maior peso. Diferentemente da atividade tradicionalmente desenvolvida, a inteligência em
operações de paz requer principalmente um alto índice de cooperação entre os integrantes dos
países membros da instituição, o país hospedeiro da missão, a população local e muitos dos
envolvidos no teatro de operações. Divergências são comuns. Até mesmo membros e funcio-
46
O Boletim do Secretário Geral de 12 de fevereiro de 2007 não explicita os critérios que definem a
confidencialidade de uma informação, mas os princípios envolvidos em sua sensibilidade (UNITED NATIONS,
2007c, p.1).
47
Informações coletadas podem ser abertas, mas o resultado de sua análise, isto é, a inteligência como produto,
não deve ser amplamente compartilhado; já que expõe a instituição e invalida qualquer objetivo estratégico da
atividade em si.
43

nários da ONU, que compartilham algum grau de interesse e cooperam para o funcionamento
da instituição, desacertam principalmente no ambiente da inteligência. Os impactos gerados
pelo conhecimento produzido pela atividade dentro de uma missão de paz podem ser negati-
vos.
O nível de cooperação entre atores depende, em grande parte, de suas expectativas em
relação à conduta recíproca e da natureza das instituições (KEOHANE, 1984, p.45). A nature-
za da ONU e a natureza da atividade de inteligência são afastadas. Os princípios da organiza-
ção divergem da atividade em muitos aspectos; podendo gerar desconfiança. As expectativas
dos atores na detenção de informações relevantes envolvem poder e interesses privados48, pre-
judicando o seu compartilhamento e dificultando a cooperação (EKPE, 2007, p. 393; KEO-
HANE, 1984, p.49). Nesse ambiente, a coletividade nem sempre fala mais alto.
Como então um Estado pode cooperar sabendo da possibilidade de atores deterem in-
formações que prejudiquem seus interesses? Como colocar os objetivos da atividade de inteli-
gência em uma missão da ONU acima de objetivos nacionais?
É natural que os Estados membros relutem em cooperar no compartilhamento de de-
terminadas informações. A atividade de inteligência pode parecer invasiva à sua soberania e,
consequentemente, aos seus interesses. Da mesma forma, é provável que compartilhem estra-
tegicamente apenas informações que os beneficiem ou que não interfiram em seus objetivos.
Governos, por exemplo, utilizam documentos para fazer circular informações que reforcem
suas ações em prol de seus objetivos, divulgam informações para influenciar debates na insti-
tuição e até fornecem informações para atingir outros governos. Já informações classificadas
são raramente fornecidas, ocorrendo apenas quando o governo acredita de fato que a ONU
precise saber de determinado assunto (DORN, 2001, p.3). Esses cenários comprometem o
funcionamento da atividade. Os interesses distintos podem influenciar na comunicação, ge-
rando perda de informações relevantes por parte de algum nível; o que prejudica o processo
de assessoramento, atividade fim da inteligência.
A deficiência na neutralidade interfere na confiança e, portanto, na cooperação. Como
não há formas oficiais de verificação, espera-se, por exemplo, que um funcionário do SitCen,
seja ele paquistanês ou indiano, não permita que os valores e interesses de seu país influenci-
em o seu trabalho de coleta, análise ou disseminação. Seus integrantes devem tomar conheci-
mento de todos os problemas da política internacional e de suas causas de forma imparcial

48
Compreende-se que a ONU como um todo envolva poder e interesses. Entretanto, a detenção de informações
relevantes pode tanto expor quanto beneficiar determinados atores, gerando um ambiente de tensão.
44

(KENT, 1965, p. 72). A parcialidade dificulta inclusive o processo de institucionalização da


atividade.
O desenvolvimento da inteligência como organização faz parte de muitas das diferen-
tes tentativas do histórico da ONU. A organização ainda apresenta inúmeros desafios para a
institucionalização da atividade. Todos os diagnósticos anteriormente expostos influenciam
em seu funcionamento e, portanto, em sua estrutura. Institucionalizar a atividade de inteligên-
cia em operações de paz implica em declarar um vínculo oficial com a produção de conheci-
mento e com toda a conotação negativa arrastada pelos seus métodos e recursos tradicionais
em ambientes de guerra. A possibilidade de associação da ONU às operações secretas e ile-
gais, além de ter atrasado o seu desenvolvimento, prejudicou a criação e funcionamento de
uma estrutura mais elaborada. Além disso, sua institucionalização demanda uma série de con-
vergências entre seus integrantes, além de maiores recursos, mão de obra especializada, atua-
lização de documentos, envolvendo assim a estrutura da instituição como um todo.
Esse e todos os outros sintomas diagnosticados no presente trabalho são apenas alguns
dos que contaminam a atividade de inteligência em operações de paz, influenciando seu fun-
cionamento. O emprego de recursos e métodos próprios e alheios, o compartilhamento irregu-
lar, o desenvolvimento simultâneo da atividade por diferentes células e estruturas, a falta de
uma padronização e, assim, a falta de coordenação da atividade dificultam sua estruturação.
As particularidades de cada país hospedeiro, dos teatros de operações, das populações
e dos mandatos das missões também interferem na atividade, bem como em suas limitações.
Operações que declarem a necessidade de emprego da força respaldada pelo capítulo VII da
Carta das Nações Unidas (1945) apresentam ameaças mais iminentes e, portanto, a instituição.
Já operações menos ofensivas demandam uma atividade mais branda. Essa oscilação é a razão
pela qual a estrutura da inteligência em operações de paz foi, em grande parte, baseada em
procedimentos ad hoc, tanto no estágio de planejamento ou de desenvolvimento da missão
(SMITH, 2003, p. 232), impedindo uma padronização e atrapalhando a institucionalização da
atividade no presente contexto.
É possível ainda que algumas vulnerabilidades sejam propositais, já que nem todos os
Estados membros partilham do interesse de que haja uma atividade de inteligência bem defi-
nida em operações de paz. Até seus problemas estruturais podem apresentar fundamentos po-
líticos.
A inteligência deveria ser uma instituição física cujo processo concentrado de procura,
análise e disseminação de conhecimento que atendesse prontamente e de forma eficaz a de-
mandas específicas da ONU. “Uma estrutura que deveria ser formada por profissionais habili-
45

dosos e que estivesse preparada para colocar países estrangeiros sob averiguação e assim ex-
por seus passados, presentes e possíveis futuros” (KENT, 1965, p. 69). Entretanto, alguns de-
safios permanecem e “erros na grande estratégia da paz podem não produzir um espetáculo
desastroso de um campo de batalha, mas podem produzir algo ainda pior” (KENT, 1965, p.
77).
Assim, no esforço de suprir algumas das lacunas presentes ao longo do histórico da
atividade de inteligência em operações de paz das Nações Unidas e sintetizar informações,
produzindo uma análise integrada, o DPKO desenvolveu os Centros Conjuntos de Operações
(Joint Operation Centres – JOCs) e os Centros Conjuntos de Análise das Missões (Joint Mis-
ssion Analisys Centres – JMACs). Acredita-se que os centros tenham representado um marco
na institucionalização da atividade de inteligência em operações de paz, criando um novo pa-
radigma.

2.5 O Centro Conjunto de Análise da Missão (JMAC) e o Ápice da Atividade de Inteli-


gência no século XXI – Contribuições da MINUSTAH

Deter conhecimento em um ambiente de uma missão de paz significa portar as ferra-


mentas necessárias para a construção de um processo decisório que melhor sustente a opera-
ção. O conhecimento interfere na segurança, no desenvolvimento, na execução da missão e,
por conseguinte, em seus resultados. Contudo, a ONU e seus Estados membros levaram muito
tempo para reconhecer a necessidade de desenvolver uma atividade de inteligência voltada
para o ambiente das operações de paz. Institucionalizar a inteligência nas Nações Unidas
sempre foi um processo delicado, considerando todas as barreiras a serem superadas, que pos-
tergaram a construção de uma estrutura mais organizada que respondesse prontamente e de
forma eficiente as demandas das missões.
Desde os anos 90, as operações de paz ganharam um status central na contenção de
conflitos, requerendo maiores capacidades das Nações Unidas. A organização passou a de-
mandar uma maior diplomacia preventiva e assim capacidades de previsão, principalmente
após episódios como o genocídio de Ruanda. Não obstante, o terrorismo apontou como nova
ameaça global, revelando algumas das muitas limitações estratégicas de inteligências estrei-
tamente nacionais (RAMJOUÉ, 2011, p. 2). As novas dinâmicas internacionais exigiram
mandatos mais fortes e, assim, uma estrutura organizada que respondesse aos desafios con-
temporâneos tornou-se essencial. Desta forma, o Departamento de Operações de Paz da ONU
desenvolveu o Centro Conjunto de Operações e o Centro Conjunto de Análise da Missão. Sua
46

diretiva política determinara seu estabelecimento em todas as missões de forma prioritária


(UNITED NATIONS, 2006b, p.2).
De acordo com Dorn (2009), a distinção entre o JOC e o JMAC não se apresenta de
forma clara. O próprio JOC funciona como um condutor de informação, muito embora sua
nomenclatura sugira algo mais operativo. A política diretiva do DPKO (2006) atribui ao JOC
a responsabilidade por informações de curto prazo (assim como todo o processo dentro do
ciclo da atividade), disponibilizando-as em turnos de 24 horas por dia. Já o JMAC seria encar-
regado de todo o tipo de informação, produzindo análises integradas de médio e longo prazo
(UNITED NATIONS, 2006b, p. 3-4). Com a sobreposição de seus mandatos e requisições, a
coordenação entre ambas unidades torna-se fundamental (DORN, 2009, p.832).
Estabelecido na sede da missão, o Centro Conjunto de Operações é uma estrutura civil
integrada que funciona como ponto principal de comunicações e informações da operação que
participa. A unidade monitora todas as operações de segurança da missão, requisita e coleta
atualizações situacionais de entidades relevantes, coleta e dissemina informações de interesse
operacional imediato e provê conhecimento situacional ao Representante Especial do Secretá-
rio Geral/Chefe da Missão (Special Representative of the Secretary General/Head of Mission
– SRSG/HOM) através do Chefe de Gabinete da Missão (Chief of Staff – COS) (UNITED
NATIONS, 2006b, p.3). Ela desenvolve um serviço contínuo de produção de relatórios e ins-
truções diárias ao nível sênior e médio na sede da missão (além de relatórios situacionais por
escrito aos escritórios em campo) e análises preliminares necessárias para o processo de to-
mada de decisão da Equipe de Gerenciamento Senior (Senior Management Team – SMT).
Junto ao JMAC, ela desempenha um papel importante na provisão de Alertas Prévios (Early
Warnings) ao SRSG/HOM e alerta aos Gestores Seniors sobre crises iminentes49 (OSWALD
et al., 2010, p. 573). O JOC e o JMAC coordenam o ciclo de processamento das informações
no nível da missão (UNITED NATIONS, 2012c, p. 64)
Já o Centro Conjunto de Análise da Missão Conjunta foi a estrutura que marcou uma
nova fase da ONU no que diz respeito ao desenvolvimento da atividade de inteligência em
operações de paz. Com apoio dos Estados membros das Nações Unidas, o centro foi criado
em 2005 pelo DPKO de forma experimental, tendo sua política formalizada apenas em 2006.
Sua estrutura multidisciplinar (composta por civis, militares e policiais) tinha como objetivo o
desenvolvimento de produtos analíticos integrados para as missões, incorporando múltiplas
perspectivas, como a política, a de segurança, a humanitária, a de gênero e a de direitos hu-

49
Em períodos de crise, o JOC opera como centro de gerenciamento para o HOM e outros membros da Equipe
de Gerenciamento de Crise (Crisis Management Team – CMT).
47

manos (RAMJOUÉ, 2011, p.3). Trabalhando dentro do mesmo espaço, seus integrantes con-
centravam a produção da atividade de inteligência da missão, coletando informações de dife-
rentes fontes (internas, com os componentes da missão, e externas), produzindo análises inte-
gradas de médio e longo prazo para o Representante Especial do Secretário Geral/Chefe da
Missão e para a Equipe de Gerenciamento Senior. Era o JMAC quem preparava e dissemina-
va avaliações operacionais (e no nível da missão) para fornecer bases para o seu planejamen-
to, para o processo decisório e para a execução dos mandatos (UNITED NATIONS, 2006b, p.
4).
O primeiro JMAC, implementado na Missão das Nações Unidas na Libéria (United
Nations Mission in Liberia – UNMIL), funcionava como parte da equipe do Comandante da
Força, como uma célula de análise de operação militar; embora sua subordinação oficial fosse
ao SRSG/HOM e ao SMT. Essa dupla subordinação dava-se em função da carência de mão de
obra especializada na área, sendo conveniente deixar os militares, que estavam acostumados a
desenvolver este tipo de atividade, responsáveis pela liderança da estrutura. A unidade enfren-
tou resistência em seu estágio inicial, tendo seu valor provado ao longo dos seus cinco anos
de existência (RAMJOUÉ, 2011, p. 4).
O JMAC destacou-se principalmente em outras missões, estas de grande porte, como a
Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (UNITED NATIONS Mission for the
Stabilization of Haiti – MINUSTAH). Esta unidade foi responsável por estabelecer o padrão
ouro para o suporte de inteligência no planejamento e execução das operações de paz (DZIE-
DZIC; PERITO, 2008, p. 8).
Seguramente, o desenvolvimento de missões que tiveram o JMAC a frente de sua ati-
vidade de inteligência foi diferenciado. A unidade, que contribui na determinação da demanda
de informações prioritárias (Priority Information Requirements – PIR) da liderança da missão,
desenvolve os planos de coleta (através de outros níveis da missão50), responsáveis por suprir
suas necessidades (UNITED NATIONS, 2012c, p.64). A interação do JMAC e JOC com os
militares é facilitada pela Divisão da Força de Inteligência na missão. A estrutura dessas uni-
dades contribui para a efetividade em todo o processo da atividade de inteligência, assim co-
mo no compartilhamento de informações. No entanto, as particularidades de cada missão,
bem como as questões políticas que as envolvem, influenciam no seu desempenho. A missão
cujo desempenho do JMAC demonstrou maior eficiência foi a MINUSTAH51.

50
Os Comandantes dos Batalhões, junto do Comando das PIRs, geram demandas adicionais por informações no
nível do batalhão.
51
Giovanna Kuele (2014, p.64,65) acredita que os produtos da inteligência contemplados pela MINUSTAH não
48

De acordo com Dorn (2009), a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Hai-
ti (UNITED NATIONS Mission for the Stabilization of Haiti – MINUSTAH) foi um exemplo
de sucesso do JMAC, através da realização de uma série de operações de busca e captura de
gangues a partir do preparo da inteligência no ambiente em questão. A MINUSTAH fez uso
extensivo da inteligência através do JMAC e da Divisão da Força de Inteligência na missão e
suas Unidades de Inteligência, junto das bases dos batalhões regionais (DORN, 2009, p. 806).
O fato da ONU desempenhar um papel grandioso no conflito também facilitou o emprego da
atividade, bem como a robustez de seu mandato, isto é, um mandato mais ofensivo
(RAMJOUÉ, 2011, p. 5).
Na MINUSTAH, o JMAC fez uso de informantes locais (existia inclusive uma linha
telefônica específica para denúncias) para determinar a localização e atividades dos beligeran-
tes. A missão também engajou em um planejamento rigoroso, incluindo um Preparo de Inteli-
gência para o Campo de Batalha (Intelligence Preparation of the Battlespace – IPB) do com-
ponente militar e um Preparo de Inteligência do Ambiente (Intelligence Preparation of the
Environment) do JMAC.
Apesar da oposição inicial, a experiência da MINUSTAH foi crucial, fornecendo li-
ções aprendidas no emprego da atividade de inteligência para outras missões (DORN, 2009,
p. 807). Assim, o funcionamento da atividade de inteligência na MINUSTAH se destacou de
modo a tornar-se uma espécie de modelo para outros tipos de missões. Essa nuance será anali-
sada no capítulo a seguir.

necessariamente indiquem um maior desenvolvimento de sua atividade de inteligência em detrimento as das


outras missões. Para a autora, esses resultados podem ser provenientes de uma ampla documentação, processo
que nem todas as operações de paz realizam.
49

3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA MINUSTAH – UM ESTUDO DE CASO

A parte de todos os questionamentos relacionados à atividade de inteligência em ope-


rações de paz no âmbito das Nações Unidas, a instituição já reconhece a relevância da disse-
minação de informações no desenvolvimento de operações em prol da paz e da segurança in-
ternacional. Desde a Missão das Nações Unidas na Libéria, missão pioneira no desenvolvi-
mento de produtos integrados no respectivo contexto52, identificou-se que a atividade de inte-
ligência vem passando por transformações em muitos de seus aspectos e dimensões. A atual
operação de paz vigente no Haiti, a MINUSTAH, é um dos grandes exemplos de sucesso de-
rivado dessas mudanças.
O Haiti, país localizado no mar do Caribe, têm em sua história altos índices atrelados a
tragédias resultantes de catástrofes naturais, da falta de recursos, da corrupção e principalmen-
te da violência. Toda sua descrição geográfica, econômica, política e humanitária revela uma
nação acometida por crises de diferentes contornos, o que a têm elevado a pauta de organiza-
ções internacionais, como a ONU.
A primeira intervenção da ONU no Haiti data de 1990. Embora o Departamento de
Operações de Paz ainda não tivesse sido criado, a instituição já apresentava atividades no pa-
ís. A primeira missão de cunho intervencionista, decorrente de problemas de segurança inter-
na, foi o Grupo de Observação das Nações Unidas para a Verificação das Eleições no Haiti
(United Nations Observer Group for the Verification of the Elections in Haiti – ONUVEH)
(SUTTERLIN, 2003, p. 45-46), que funcionava com um componente de segurança de 64 ob-
servadores, 36 dos quais retirados de outras operações de paz (BROWNE, 2005, p.6). Embora
não tenha recebido a classificação oficial de missão de paz, a operação foi de grande relevân-
cia. Ela representou o primeiro passo para o caminho traçado pelas intervenções subsequentes
até a operação de maior escopo na região: a MINUSTAH.
A MINUSTAH, Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, foi estabele-
cida em 2004 e representa avanços galgados em degraus construídos com ajuda da atividade
de inteligência, dentre eles operações militares e policiais de busca e apreensão de gangues
realizadas entre 2006 e 2007 (DORN, 2009, p. 805).
Ao longo de mais de dez anos de missão, o Brasil foi o país cuja participação apresen-
tou grande projeção, fosse pelo número de militares, pelas importantes funções exercidas53, ou

52
Conforme mencionado no primeiro capítulo, o primeiro JMAC foi desenvolvido nesta missão (RAMJOUÉ,
2011, p. 4).
53
Desde o início da missão, de doze Comandantes da Força, onze foram brasileiros e apenas um de outro país.
50

mesmo pela sua proeminência no terreno. Ainda que o Haiti não fosse aqui54, o Brasil dedi-
cou-se intensamente às melhorias do país55, envolvendo militares e civis até mesmo na ativi-
dade de inteligência. O Brasil e a inteligência se cruzaram e se destacaram na missão. Entre-
tanto, a operação permanece enfrentando desafios referentes à produção de conhecimento. A
MINUSTAH foi palco de transformações, mas ainda é cenário de questionamentos.
Desta forma, o presente capítulo tem como objetivo a compreensão do funcionamento
da atividade de inteligência na MINUSTAH, identificando sua influência no desenvolvimento
da missão. Será apresentado um histórico da atividade desde o início da operação, passando
pelo desenvolvimento do Centro Conjunto de Análise da Missão (Joint Mission Analisys Cen-
tre – JMAC56), até os dias atuais. Através da análise das mudanças neste arcabouço, serão
identificadas as vulnerabilidades persistentes e corroborada a relevância de perspectivas inter-
nas, isto é, de seus participantes brasileiros para contribuições futuras.

3.1 O Histórico da Atividade de Inteligência na MINUSTAH

A MINUSTAH foi a principal tentativa de contribuição da comunidade internacional


no Haiti. A missão, cuja duração já ultrapassa dez anos e encontra-se em dissolução, teve uma
trajetória de grande evolução; principalmente no que diz respeito à atividade de inteligência.
Seu desenvolvimento contra alvos específicos foi uma forma de confrontar efetivamente as
ameaças violentas (DZIEDZIC; PERITO, 2008, p.8). Entretanto, muitos desafios estiveram
presentes. Outros ainda permanecem.
No ano do bicentenário de sua independência como ex-colonia francesa, 2004, o am-
biente do Haiti era antagônico à comemorações. O novo mandanto57 do Presidente Jean-
Bertrand Aristide herdara problemas antigos do país e, consequentemente, insatisfações de
sua população. A corrupção, a escassez de recursos e de uma polícia eficiente, além de abusos
políticos (principalmente no judiciário e na polícia haitiana), incitavam o clima de reinvindi-
cação. Os métodos de retaliação que o governo utilizava contra seus opositores, como a re-
pressão por parte da polícia local e o fornecimento de armas às gangues 58, deterioravam a si-

54
Referência à frase da música “Haiti”, de Caetano Veloso.
55
Não se pretende aqui questionar as verdadeiras intenções do Brasil em suas contribuições na MINUSTAH.
56
Conforme já explicado no capítulo anterior, o JMAC é uma estrutura multidisciplinar (composta por civis,
militares e policiais), que tem como objetivo o desenvolvimento de produtos analíticos integrados para as
missões (RAMJOUÉ, 2011, p.3).
57
Em 2004, o Presidente Aristide assumira seu segundo mandato como Presidente do Haiti.
58
O governo era acusado de fazer uso de grupos armados para manter a sua autoridade. Esses grupo eram co-
nhecidos como os Chimères, traduzido como os Fantasmas (FAUBERT, 2006, p.12; HEINE;THOMPSON,
2011, p.13).
51

tuação do país, gerando movimentos insurgentes (THOMPSON, 2006, p. 62). Em meio a uma
série de especulações e a um ambiente violento, Aristide, governante por decreto, isto é, sem
o funcionamento de seu parlamento, acabou deixando o país59. Começava aqui uma nova eta-
pa de intervenção internacional no Haiti.
Em 29 de fevereiro de 2004, em função das hostilidades e da dissolução política, hu-
manitária e de segurança, o presidente interino solicitou ajuda ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas, que autorizou o estabelecimento de uma Força Militar Interina (Military Inte-
rin Force – MIF) na região. O órgão declarou-se ainda de prontidão para desenvolver futura-
mente uma Força de Estabilização das Nações Unidas (o que se tornaria a MINUSTAH no
futuro) que subsidiasse “o processo de manutenção de segurança e da estabilidade do ambien-
te em questão” (UNITED NATIONS, 2004a, p. 1-2).
A MIF60 foi precursora da MINUSTAH e responsável por preparar o ambiente para
sua execução. Estabelecida em 2004, principalmente do Norte do Haiti, a Força também mo-
bilizava tropas em outras cidades e desenvolvia patrulhas itinerantes61 (UNITED NATIONS,
2006c, p. 292). Um total de 3.700 militares das forças dos Estados Unidos, França, Chile e
Canadá (NAPOLI, 2007, p.41) foram desdobrados para:
[...] contribuir com a segurança e estabilidade do ambiente do país e, assim, dar su-
porte ao processo político constitucional em andamento; facilitar na provisão e aces-
so de ajuda humanitária para atender às demandas da população; facilitar a provisão
de ajuda internacional para a polícia e guarda costeira local no estabelecimento e
manutenção da segurança pública e da lei e da ordem para a promoção e proteção
dos direitos humanos; dar suporte no estabelecimento das condições favoráveis para
organizações regionais e internacionais, como a própria ONU, na assistência a popu-
lação e coordenar, quando necessário, com a Missão Especial da Organização dos
Estados Americanos (OAS Special Mission)62 e com o Assessor Especial das Nações
Unidas para o Haiti (UNITED NATIONS Special Adviser for Haiti) 63, a prevenção
da deterioração futura da situação humanitária do país (UNITED NATIONS, 2004a,
p.2).

A MIF, instrumento temporário do Conselho de Segurança com escopo bem definido,


era uma força de emprego imediato, cujos objetivos visavam uma pronta resposta às ondas de
violência que impregnavam o país e ameaçavam o cenário internacional. A missão foi funda-
mental para o estabelecimento de um ambiente favorável para o desenvolvimento da MI-

59
O Presidente Aristide acusou os Estados Unidos de forçá-lo a sair do país em um golpe de Estado. Os Estados
Unidos negam a acusação (CNN, 2004).
60
O Brasil apoiou, mas não participou diretamente da MIF.
61
Patrulhas similares foram estabelecidas em Porto Príncipe e no Centro e Sul do país. As patrulhas
funcionavam como método para observação e coleta de informações.
62
A Missão Especial da Organização dos Estados Americanos foi estabelecida para fortalecer a democracia no
país, contribuindo para a promoção da segurança, da justiça, dos direitos humanos e da governança (UNITED
NATIONS, 2004d, p.249).
63
O Assessor Especial das Nações Unidas para o Haiti foi designado pelo Secretário Geral para identificar
formas da ONU contribuir ara a redução da crise no país (UNITED NATIONS, 2006c, p. 289).
52

NUSTAH. Respaldada oficialmente pelo capítulo VII da Carta das Nações Unidas (1945), a
missão tinha autorização do Conselho de Segurança para fazer uso de quaisquer meios, inclu-
indo o emprego da força, para a consecução dos objetivos determinados pela sua resolução
(UNITED NATIONS, 2004a, p. 1-2)
Seu planejamento era responsabilidade do Comando do Sul dos Estados Unidos (US
Southern Command – USSOUTHCOM)64, orientado pelo Departamento de Defesa dos EUA
e pelo Estado-Maior Conjunto (Joint Staff). Parceiros de coalizão, atores interagências e estra-
tegistas do país também estavam envolvidos em seu desenvolvimento. Encontros diários com
representantes da força no Centro de Coordenação MIF-Haiti (MIF-Haiti Coordination Cen-
ter), localizado na sede do USSOUTHCOM, criaram um forum que identificava demandas e
facilitava a troca de informações entre a missão, o Departamento de Defesa, o Departamento
de Estado e a própria ONU (NAPOLI, 2007, p.43).
O USSOUTHCOM funcionava como instrumento de informação do Conselho de Se-
gurança. A Equipe de Assistência das Nações Unidas (UN Assessment Team)65 coletava in-
formações a respeito da segurança do país e as reportava ao Secretário Geral para que fossem
submetidas em forma de relatórios ao Conselho de Segurança. Assim, o órgão poderia definir
mudanças no escopo da missão (NAPOLI, 2007, p.42-43). Entretanto, ainda que houvesse um
fluxo de informações na MIF, a missão não era orientada pela inteligência e sua produção não
era institucionalizada. Oficialmente, a única estrutura documentada que concentrava o fluxo
de informações era o próprio Centro de Coordenação MIF-Haiti, que não fazia parte do orga-
nograma oficial da missão. A estrutura não funcionava como uma unidade voltada para a pro-
dução de inteligência, embora fosse um ambiente de troca de informações.
A MIF não apresentava um organograma que discriminasse unidades específicas da
área de inteligência, mas apenas as forças contribuintes dos respectivos países. Embora a mis-
são lidasse com o monitoramento através da execução de patrulhas, isto é, de um instrumento
de inteligência humana para a coleta de informações, não foram encontrados disponíveis rela-
tos a respeito de unidades na missão cujas responsabilidades fossem voltadas exclusivamente
para a atividade. Assim, identificou-se fragilidade na produção de inteligência durante a MIF.

64
Antes da operação por ele realizada em 2010, após o terremoto, o USSOUTHCOM já estava presente no Haiti.
Durante o período acima mencionado, França e Estados Unidos estavam envolvidos na resolução da crise. O
USSOUTHCOM já trabalhava com planejamentos em caso de migração massiva por conta da violência e na
possibilidade de envio de uma força de intervenção (NAPOLI, 2007, p.40). Alguns autores questionam as reais
intenções por trás dessa participação. Contudo, o presente estudo não pretende entrar nesse mérito.
65
A primeira Equipe de Assistência das Nações Unidas em nível estratégico foi desenvolvida somente em 2009,
para suprir as demandas por informações militares (DIAMANTI, 2013, p.108). Acredita-se que, em 2004, essas
equipes fossem voltadas para suprir demandas por informações em níveis mais baixos, como o tático e o opera-
cional.
53

A função emergencial e tática da força restringia a produção de conhecimento, muito


embora não necessariamente excluísse sua demanda por informações. Existia um fluxo de in-
formações a priori, que embasaram a tomada de decisão de estabelecimento da missão, bem
como durante seu desenvolvimento – ainda que em pequena escala. Acredita-se que outros
atores, como agências estrangeiras, possivelmente estivessem presentes no terreno contribuin-
do com dados coletados66, mas essa dinâmica não era compatível com as demandas de uma
atividade de inteligência na ONU. Embora sua atuação tenha sido benéfica ao Haiti naquele
período, a missão ainda carecia de informações.
Mesmo com a escassez na produção de conhecimento, os esforços da MIF colabora-
ram para a estabilidade no Haiti. A operação foi de grande progresso para o país, contribuindo
para uma situação antes caracterizada pelo colapso das estruturas públicas e pela violência.
Entretanto, embora os níveis de hostilidades tenham sido reduzidos, ainda havia demanda pe-
lo aumento do nível de segurança. A MIF não estava apta a responder a todos os desafios do
país. Desta forma, o Conselho de Segurança das Nações Unidas deu continuidade às reco-
mendações da resolução 1529 (2004), transferindo assim a autoridade da missão para uma
outra de maior escopo. Em 01 de junho de 2004, foi oficialmente estabelecida a Missão de
Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Mission des Nations Unies pour la stabilisation en
Haïti), a MINUSTAH.
A Missão foi autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 30 de
abril de 2004, período em que o Haiti ainda apresentava-se palco de grande instabilidade. Ini-
cialmente, a MINUSTAH era uma força de estabilização composta por civis e militares, cujo
mandato herdara as diretrizes da MIF (UNITED NATIONS, 2004b, p. 1, p.2): “a garantia de
um ambiente seguro e estável que apoiasse o governo transitório e contribuísse com o proces-
so político, com a polícia nacional e com os direitos humanos” (UNITED NATIONS, 2004b,
p.1, p.4).
A operação aprofundava o mandato da MIF, cooperando com a extensão da autoridade
do governo transitório e seu diálogo e reconciliação no país. Além de seu esforço para contri-
buir na organização, execução e monitoramento do processo eleitoral, também assistia à polí-
cia nacional no monitoramento, além de sua reestruturação e reforma. À MINUSTAH cabia
colaborar com seus programas de desarmamento, desmobilização e reintegração (Disarma-
ment, Demobilization and Reintegration – DDR), e com a ordem e a segurança pública do

Em um documento do Pentágono de transcrição de uma instrução no Departamento de Defesa dos EUA, o então
Secretário de Defesa de 2004, Donald H. Rumsfeld, declarou ser reportado pela Embaixada norte-americana,
bem como pela inteligência do país, a respeito de informações da situação do Haiti (UNITED STATES DE-
PARTMENT OF DEFENSE, 2004).
54

país. A missão também estava envolvida com a segurança humana, monitorando e reportando,
em cooperação com o Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas (UNITED NA-
TIONS High Commissioner for Refugees – UNHCR), e até investigando violações de direitos
humanos (UNITED NATIONS, 2004b, p.2-4); atividades estas relacionadas à produção de
conhecimento.
Em um primeiro momento, era fundamental tentar combater os desafios já conhecidos
pela MIF, mas principalmente, preencher as lacunas por ela deixadas. A estrutura da MI-
NUSTAH deveria apresentar ramificações mais desenvolvidas no que tange a diversos aspec-
tos, dentre eles à atividade de inteligência. Porém, ainda que documentos formais do Ministé-
rio da Defesa67 reconhecessem a ação de oficiais na área, o organograma da missão não apre-
sentava nenhuma unidade exclusivamente dedicada a este tipo de atividade nesse primeiro
contato com o terreno.
A fase inicial da operação desempenhou um papel mais reativo. A missão, embora ti-
vesse autorização do emprego proporcional da força, era fundamentada nos preceitos de uma
missão menos coercitiva. Sua estrutura integrada (com a participação de civis e militares) ain-
da não conseguia combater às ameaças locais, pois não era direcionada para grupos armados
ou criminosos heterogêneos. Pronta para interceder no conflito entre partes, ela teve que adap-
tar-se às ameaças irregulares (COCKAYNE, 2011, p. 120-121; HAMMOND, 2012, p. 14-15).
Focos de instabilidade permaneciam no país: manifestações, disputas financeiras, vio-
lência inclusive em áreas rurais, movimentos de grupos armados que controlavam regiões e
assassinatos faziam parte da realidade haitiana (COCKAYNE, 2011, p. 120-121). As respos-
tas eram lentas, as primeiras patrulhas demoraram a acontecer (em função do atraso no des-
membramento das tropas) e a habilidade da missão de proteger era restrita pelas demandas de
seu mandato (HAMMOND, 2012, p. 15). Havia pouca coordenação da sede da missão com
outras agências e o direcionamento e planejamento em longo prazo eram deficientes. Ainda
não existia uma atividade de inteligência confiável que desse suporte à missão, antecipando a
natureza e a extensão das ameaças e, consequentemente, orientando o emprego efetivo dos
meios para a elas fazer frente (HAMMOND, 2012, p. 14-15; MORNEAU, 2006, p.78).
A MINUSTAH demandava inteligência humana e de sinais para aprimorar suas ações
contra beligerantes e contra policiais corruptos. Faltavam ainda habilidades que permitissem a

67
Esses documentos referenciados são os relatórios não publicados utilizados no capítulo a seguir. Conforme
solicitação da Subchefia de Operações de Paz do Ministério da Defesa do Brasil, os documentos referentes às
lições aprendidas na MINUSTAH não podem ser inteiramente divulgados. Portanto, na bibliografia, não constam
os nomes, autores e datas dos relatórios. Apenas no corpo do último capítulo foram citados como referências o
Ministério da Defesa e os respectivos anos dos relatórios.
55

condução de operações mais ofensivas nas comunidades haitianas (MORNEAU, 2006, p.78).
Nesse primeiro momento, o perfil dos militares brasileiros, acostumados a integrar Operações
de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)68 no Brasil, atendia as demandas do terreno, que com-
partilhava características comuns a esse tipo de operação.
O Brasil vem desempenhando papel expressivo nas missões no Haiti. O país apoiou o
desenvolvimento da MIF (ainda que não tenha contribuído diretamente com a força69) e tem
participado da MINUSTAH desde o seu primeiro mandato. Em 19 de março de 2004, antes
mesmo de oficializar sua presença na missão70, o país já havia enviado um elemento de reco-
nhecimento para a coleta de informações71. No mês seguinte, sua contribuição já somava uma
Equipe de Ligação (Liaison Team) para o USSOUTHCOM e um contingente (NAPOLI,
2007, p.45). O Brasil atuou ativamente no primeiro e conturbado ano da operação.
No final desse ano, a nova resolução do Conselho de Segurança que estendia o manda-
to da operação até metade do ano de 2005, requeria ao Secretário Geral a produção de relató-
rios que retratassem o desenvolvimento da missão em intervalos de três meses (UNITED
NATIONS, 2004c, p.2). Acredita-se que a redução no intervalo na produção de informação
tenha incitado à coleta de dados e, consequentemente, o funcionamento da atividade de inteli-
gência. A mudança não era brusca, mas qualquer passo adiante na atividade era significativo.
A inteligência caminhava em passos lentos e permanecia restrita aos cargos específi-
cos de oficiais que desenvolviam atividades relacionadas à área. Não foram encontrados indi-
cativos da existência de células de inteligência (G2) no organograma da missão nesse período.

68
As Operações de Garantia da Lei e da Ordem são operações militares conduzidas pelas Forças Armadas,
ocasionalmente, em área antecipadamente estabelecida e por um período limitado. Seu objetivo é “a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos
para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da
ordem” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013, p.14-15). Acredita-se que as similaridades dessas operações com o
terreno do Haiti possam ter facilitado as ações dos militares brasileiros na MINUSTAH. Existe uma vasta
discussão a respeito do assunto.
69
Após muita resistência, em maio de 2004, a Câmara dos Deputados recebeu do então Presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva, a solicitação de autorização para o envio de 1.200 militares para o Haiti.
Posteriormente, a participação do Brasil na MINUSTAH foi autorizada. Embora o Brasil tenha se apresentado a
favor do estabelecimento da MIF, o país se absteve de participar de referida missão (DINIZ, 2007, p.95). O
envolvimento oficial e direto da operação com o emprego da força, respaldados pelo capítulo VII da Carta das
Nações Unidas (1945), o que lhe conotava o status de peace enforcement, ou seja, de imposição da paz,
comprometia os valores respaldados pela Constituição Brasileira (1988) e, consequentemente, restringia sua
aprovação e participação na mesma. A MINUSTAH também foi alvo de discussões no Senado. A missão, embora
caracterizada oficialmente como peacekeeping, ou seja, de manutenção de paz (sem a utilização oficial de muitos
meios coercitivos e métodos de combate), tem nas entrelinhas e na prática o uso da força.
70
A participação brasileira foi oficializada no dia 23 de março junto ao USSOUTHCOM e à Força Tarefa Con-
junta Combinada Haiti (Combined Joint Task Force Haiti – CJTF-Haiti), embora a MINUSTAH ainda não hou-
vesse sido estabelecida nessa data (NAPOLI, 2007, p.45).
71
Este é o primeiro registro da participação brasileira na MINUSTAH. É importante ressaltar que sua primeira
ação foi desenvolvendo inteligência.
56

Existe uma grande possibilidade de que a fragilidade na atividade tenha influenciado no baixo
êxito do combate às ameaças e, assim, dificultado o desenvolvimento da missão72.
Desde a MIF, a operação apresentava dificuldades em lidar com o cenário do país. Seu
mandato, que apenas sofreu extensão no período já mencionado, não adquiriu características
mais robustas ou voltadas para sua capacitação em inteligência. Enquanto a missão não deti-
vesse meios coercitivos e nem informações ou estratégias que a permitissem lidar com um
terreno tomado por gangues, a segurança e paz da região permaneceriam comprometidas.
Somente a partir de 2005, ações pontualmente relacionadas à produção de conhecimento fo-
ram autorizadas.
Nesse ano, o governo passou a realizar investigações sobre violações de direitos hu-
manos, principalmente por parte de sua polícia local em colaboração com a missão. Para tal
feito, foi preciso a criação de uma Unidade Conjunta de Investigação Especial (Joint Special
Investigation Unit) (UNITED NATIONS, 2005b, p.3). Essa foi apenas uma das importantes
inovações do período.
O ano de 2005 foi um divisor de águas para a MINUSTAH. Dentre as transformações
ocorridas ao longo da missão, esse foi o ano em que a atividade de inteligência ganhou maior
projeção. Estavam previstas eleições no país e uma hábil produção de conhecimento tornou-se
essencial para a orientação da missão na promoção de um ambiente pacífico, seguro e demo-
crático.
No início do ano, com a extensão de seu mandato, a operação teve um aumento de
pessoal civil e militar (o que reforçou sua pronta resposta), estimulando ainda sua integração
com a polícia local (UNITED NATIONS, 2005b, p.2). Ela sofreu também uma mudança de
paradigma, com a autorização da implantação de uma nova célula que facilitava a integração
e, logo, a cooperação na produção de conhecimento: o Centro Conjunto de Análise da Missão
(Joint Mission Analisys Centre – JMAC), cujo funcionamento foi tardio.
O JMAC era uma célula fora da estrutura que interagia diretamente com o Comandan-
te da Força, com o Representante do Secretário Geral e com o Comissário de Polícia (DORN,
2009, p.831). Ela possibilitava a concentração e um melhor aproveitamento e compartilha-
mento das informações disponíveis entre todos os componentes da missão. Este era o primeiro
grande passo para a institucionalização da atividade de inteligência em um momento oportu-

72
Sprague (2012, p. 214) afirma que foram identificados agentes estrangeiros com credenciais de jornalistas no
terreno em busca de informações a respeito dos acontecimentos. De acordo com o autor, os EUA desenvolviam
essa prática.
57

no. Sua relevância estava diretamente associada aos novos fluxos da informação e ao novo
processo de análise integrado para a produção de conhecimento.
Além do JMAC como instrumento de inteligência, a MINUSTAH fazia uso de veícu-
los aéreos chilenos e uruguaios equipados com sistemas ópticos de imagens de calor (For-
ward Looking Infra Red - FLIR) (DORN, 2010, p. 291) para suporte à segurança das opera-
ções. O Haiti apresentava um cenário recheado de gangues. Informações que permitissem que
os batalhões identificassem futuras ameaças eram importantes para fazer frente às hostilidades
provenientes principalmente destes grupos.
Antes de 2005, os oficiais de inteligência coletavam dados que permitiam ações táti-
cas, mas de forma mais modesta e descoordenada, isto é, sem que houvesse um fluxo de in-
formações claro e um compartilhamento organizado. Identificou-se que o JMAC foi um im-
portante degrau para a institucionalização da atividade de inteligência e, logo, para a integra-
ção e a cooperação na área. Entretanto, o centro passou a funcionar somente em 2006.
O termo investigação, ainda que controverso, passou a ser utilizado nos documentos
da ONU (relatórios do Secretário Geral e resoluções do Conselho de Segurança) 73 e a fazer
parte da realidade da MINUSTAH. As violações de direitos humanos levaram ao aumento dos
esforços da missão. O Secretário Geral autorizou que as “tropas contribuintes tomassem me-
didas preventivas e ações disciplinares para garantir que a exploração sexual e abusos fossem
investigados e punidos, em casos de envolvimentos da organização” (UNITED NATIONS,
2005b, p.4). Essa Política de Tolerância Zero, do Secretário Geral, foi apenas uma das medi-
das que demandaram a produção de conhecimento.
As transgressões aos direitos humanos apresentavam-se de forma crônica no Haiti. O
envolvimento dos integrantes da missão no combate às violações acresceu ao longo das reso-
luções. Concomitantemente, a produção de inteligência associada à segurança humana ganhou
espaço em referida operação de paz. Antes do JMAC, a MINUSTAH estabeleceu uma Unida-
de Conjunta Especial de Investigação no intuito de identificar estes casos. A unidade, que
ainda não era operativa em 2005, era composta por oficias de direitos humanos e policiais ci-
vis, que coletavam informações através de visitas e entrevistas às vítimas (UNITED NATI-
ONS, 2005a, p.8). Embora as capacidades tenham aumentado, ainda havia demanda por re-
cursos e por autoridade. O atraso no funcionamento do JMAC, por exemplo, pode ter contri-
buído para o prolongamento das instabilidades no terreno. Com a debilidade da inteligência e

73
Esta informação é proveniente de investigação feita pela autora deste trabalho.
58

das ações pontuais, o número de sequestros aumentou e as eleições foram adiadas. A missão
ainda não tinha controle sobre a violência do país.
Em 2005, a MINUSTAH ainda carecia de ”uma atividade de inteligência confiável
que fornecesse suporte necessário” (MORNEAU, 2006, p.79). Para aumentar a eficiência das
ações realizadas no combate às gangues armadas e aos outros elementos de corrupção, a mis-
são demandava principalmente elementos de inteligência humana e de sinais (HUMINT e SI-
GINT), métodos estes reconhecidos como de grande relevância por autores como Walter Dorn
(2009).
No início do ano de 2006, ocorreram as eleições presidenciais no Haiti. As eleições
municipais e locais ainda estavam previstas para o mesmo ano. Novamente, um ambiente se-
guro era vital para que o processo eleitoral fosse concluído de forma democrática (UNITED
NATIONS, 2006a, p.1). Portanto, o ano foi marcado por toda uma mobilização de ações vol-
tadas para a garantia da paz e da estabilidade no terreno, como o início do funcionamento do
JMAC e o apoio da missão à Polícia Nacional contra os beligerantes. A contribuição dos
componentes da MINUSTAH visava maximizar o seu papel na prevenção de crimes como
sequestros e ameaças de gangues armadas. As operações também exigiam policiais mais qua-
lificados (UNITED NATIONS, 2006a, p. 3-4).
A MINUSTAH sempre esteve envolvida no suporte à Polícia Nacional, incluindo a
identificação de membros envolvidos com corrupção e crimes, conforme recomendado em
muitas das resoluções do Conselho de Segurança. Essa atividade requeria a coleta de dados e
a produção de inteligência74. Assim, a fim de preservar a segurança das informações, entre
2006 e 2007, a missão passou a liderar as operações contra as gangues, limitando o seu com-
partilhamento com a Polícia Nacional (HAMMOND, 2012, p.24). A missão passou a apoiar
também à Guarda Costeira no controle do tráfico nas fronteiras (UNITED NATIONS, 2006a,
p. 4). Seu efetivo militar e civil foi reforçado, bem como seu papel ampliado. O número de
militares em 2006 aumentou antes mesmo das eleições75.
Embora a missão tenha focado seus esforços no processo político democrático em
2005, o ambiente evoluiu apenas no final de 2006. As eleições no início do ano e a tentativa
do governo de negociações junto ao Representante do Secretário Geral vigente na área de se-
gurança não foram suficientes para manter a estabilidade na região.

74
A participação da Polícia das Nações Unidas (United Nations Police – UNPOL) nas missões de paz varia de
acordo com as especificações de seus mandatos. Ela pode atuar provendo suporte operacional, funcionando co-
mo polícia interina e exercendo funções de assessoramento. A UNPOL pode ainda orientar e treinar polícias
nacionais e contribuir no combate ao crime (UNITED NATIONS, [s.d.]d).
75
As eleições de 2005 foram adiadas para 2006.
59

O mandato da MINUSTAH ainda era frágil e os peacekeepers demoravam para res-


ponder no terreno. A violência permanecia. Assassinatos e sequestros ainda sucediam e em
julho, a missão e a estação policial foram atacadas. Após uma série de tentativas de negocia-
ções mais pacíficas do governo, foi reforçado um plano de segurança endereçado às gangues
(HAMMOND, 2012, p. 15-17; HEINE; THOMPSON, 2011, p. 14-15). Somente no final de
2006, com o JMAC já em funcionamento, deram início as operações de segurança.
O DPKO adotou uma política que determinava que todas as operações de paz deveri-
am estabelecer um JOC e um JMAC (UNITED NATIONS, 2006b, p.2), em que militares,
policiais e civis estivessem envolvidos no ciclo da inteligência. Essas estruturas dedicadas à
produção de inteligência permitiam à missão um melhor controle/emprego da força. As publi-
cações da área acadêmica voltadas para a atividade na MINUSTAH apresentam as primeiras
operações de busca e apreensão a partir de 2006, mesmo ano de funcionamento do JMAC no
Haiti. Essas operações apenas foram possíveis graças ao preparo da inteligência do ambiente
em questão. Foi delas a responsabilidade pela queda da violência no país (DORN, 2009,
p.805).
Nesse período, houve uma significativa mudança no Haiti. Os militares e a polícia lo-
cal realizaram uma série de operações de busca e apreensão orientadas pela atividade de inte-
ligência (DORN, 2009, p.805). A inteligência da missão conseguiu identificar fragilidades na
estrutura de comando e controle das gangues, assim como sua dependência em relação aos
seus líderes, que foram removidos graças a informações relevantes (HAMMOND, 2012,
p.22).
A própria população local contribuiu com inteligência humana (HUMINT) no teatro
de operações. O descontentamento para com os grupos violentos, as linhas de denúncias anô-
nimas (que já funcionavam em 2005) e até incentivos monetários (prática não replicada ofici-
almente em operações) faziam com que a população desempenhasse um papel importante na
coleta de informações sobre localizações e atividades de beligerantes. Era utilizada ainda a
inteligência de imagens (IMINT) para identificação de membros de gangues, sua localização e
recursos. Faltava ainda a inteligência de sinais (SIGINT) em função da delicadeza do assunto,
mas a interceptação de sinais locais envolvia o desrespeito à soberania; ponto de divergência
entre os Estados membros da organização (HAMMOND, 2012, p. 23-24).
Na medida em que a missão detinha um melhor produto de inteligência, ela apresenta-
va-se melhor direcionada para agir e, consequentemente, para empregar a força. Logo, da
mesma forma que reduzia os riscos de ações ofensivas, ela tornava-se apta a combater com
60

mais propriedade as ameaças no país, aumentando seu nível de segurança. Ainda assim, a in-
teligência tática não fazia parte da pauta oficial do JMAC.
As operações orientadas pela inteligência (Intelligence-led Operations) no Haiti entre
2006 e 2007 foram consideradas pioneiras. Elas eram conduzidas tanto para a aquisição de
conhecimento ou por ele impulsionadas, dando vantagens à missão que, através de operações
noturnas, do elemento surpresa e de táticas de manobra, minimizava riscos colaterais e permi-
tiam uma pronta resposta. Grande parcela das cidades haitianas, inclusive sua capital, ainda
permanecera ameaçada por gangues e o funcionamento institucionalizado, isto é, integrado
das inteligências (do JMAC, da sede da Força e dos batalhões dos contingentes nacionais) era
fundamental para identificar suas atividades e localizações e, portanto, garantir a segurança do
pessoal da ONU e da população local76 (DORN, 2010, p.292-293; DORN, 2009, p. 806,814).
O valor da inteligência sistematizada, isto é, institucionalizada em campo fora final-
mente descoberto neste período. O Haiti está entre os três países que apresentam maior pro-
gresso no ranking global da paz desde 200777 (INSTITUTE FOR ECONOMICS & PEACE,
2013, p. 2), isto é, desde o primeiro ano após o funcionamento do JMAC.
O início de 2007 manteve a campanha de combate às gangues urbanas sendo realiza-
do, de janeiro a março, um total de doze operações. Essas operações, conforme mencionado,
contribuíram na desarticulação das gangues e na redução da violência (HAMMOND, 2012,
p.22; BARANYI, 2011, p. 214). Em fevereiro, as forças militares do Batalhão Brasileiro de
Força de Paz (BRABAT) ocuparam uma estrutura conhecida como Casa Azul (Blue House,
nome dado também à operação), em função da cor de suas paredes, cuja visão privilegiada de
uma das gangues mais poderosas do país, os Evans, permitiu o desenvolvimento de ações de
combate. O monitoramento forneceu a inteligência necessária para aperfeiçoar o tempo e o
planejamento de ação (DZIEDZIC; PERITO, 2008, p. 4; DORN, 2009, p. 815). Essa foi ape-
nas uma das muitas operações de segurança, conhecidas como de busca e apreensão, realiza-
das pela missão.
Em abril de 2007, após o fim do período das operações direcionadas pela atividade de
inteligência e, por conseguinte, do período mais intenso, ocorreram as eleições locais do Haiti.

76
A MINUSTAH também fez uso do Preparo de Inteligência do Campo de Batalha e do Preparo de Inteligência
do Ambiente pelo JMAC. Ambos se tratavam de rigorosos planejamentos que permitiam que a missão agisse
ofensivamente e pontualmente sobre ameaças para a proteção de militares e civis em campo (DORN, 2009,
p.807).
77
A posição do Haiti no ranking é analisada a partir da paz negativa, ou seja, da ausência de envolvimento em
conflitos com países vizinhos e de guerras/violência interna. Embora paz seja um termo de ampla definição, o
GPI a compreende de forma simples como o período com ausência de guerra, de conflito, violência ou medo
destes (INSTITUTE FOR ECONOMICS &PEACE, 2013, p. 49).
61

Embora fossem passos para uma estabilidade e democracia duráveis, o governo deveria conti-
nuar trabalhando em prol da reforma de segurança (e de sua Polícia Nacional) e a contribuição
internacional ainda se fazia fundamental para possibilitar este feito. A MINUSTAH permane-
cia responsável pelo apoio no fortalecimento das instituições, inclusive fora da capital (UNI-
TED NATIONS, 2007a, p.1-3)
O papel da missão continuava associado ao monitoramento e ao treinamento da Polícia
Nacional no combate às ameaças locais, principalmente às gangues armadas, coordenando
ações de dissuasão78 junto ao governo (UNITED NATIONS, 2007a, p.3). As campanhas con-
tra as gangues obtiveram sucesso, mas a violência política estava enraizada no país; assim
como o tráfico e as drogas. O monitoramento e o patrulhamento ao longo das fronteiras terres-
tres e marítimas junto à Polícia Nacional ainda eram fundamentais para a missão (DZIEDZIC;
PERITO, 2008, p.6; UNITED NATIONS, 2007b, p.1-4). A atividade de inteligência perma-
necia presente, principalmente na investigação de violações de direitos humanos. A demanda
por informações detalhadas referentes ao desenvolvimento da missão aumentava por parte do
Secretário Geral (UNITED NATIONS, 2007b, p. 5). O Haiti requeria cuidados para que o
arcabouço anterior, tomado pelo poder paralelo, não voltasse à tona. Do mesmo modo, o país
também estava exposto a outros tipos de ameaças: as catástrofes naturais.
Em 2008, uma temporada de furacões e tempestades foi responsável por prejudicar
ainda mais a infraestrutura do Haiti. A estabilidade e segurança do país também foram com-
prometidas tanto pelo fenômeno quanto pela proximidade das eleições e por um ataque aos
componentes da MINUSTAH. A inconstância fez emergir desafios de múltiplas naturezas,
exigindo cada vez mais da missão vigente. Essas prioridades do terreno influenciariam nos
ajustes da missão ainda que sua configuração geral fosse mantida (UNITED NATIONS,
2008a, p.3). Desta forma, as atribuições da missão se expandiam.
O Conselho de Segurança incentivava ações associadas à atividade de inteligência. A
missão estava cada vez mais envolvida com o apoio à reforma da Polícia Nacional, tanto no
monitoramento quanto na identificação de ações ilícitas (UNITED NATIONS, 2008a, p. 4-5).
Walter Dorn (2009, p.825) afirma que o período foi marcado pelo desenvolvimento das capa-
cidades tecnológicas da missão para a coleta de informações; o que condiz com o aumento da

78
Compreende-se dissuasão como a dinâmica de se evitar conflitos diretos através do desenvolvimento da
percepção do adversário sobre os altos custos do combate. Se um confronto for mais custoso que a paz, os países
irão optar por ela.
62

demanda por ações no país79. A tecnologia era utilizada para complementar a inteligência
humana, método essencialmente utilizado na operação.
No ano seguinte, a resolução 1892 (2009) reconhecera o progresso na estabilidade das
áreas mais críticas. As demonstrações de violência eram bem menos frequentes. Os esforços
da MINUSTAH e de outros governos no fortalecimento das instituições do país contribuíram
para a sua segurança. O decorrer das eleições para senador e a reforma constitucional também
contribuíram para melhorar a estabilidade do ambiente (UNITED NATIONS, 2009, p.1-2). A
redução no número de fatalidades relacionadas aos conflitos internos elevou o país no ranking
global da paz em 201080 (INSTITUTE FOR ECONOMICS & PEACE, 2010, p. 34). Entretan-
to, o Haiti ainda carecia de ajuda internacional, considerando principalmente os desafios ge-
rados pelo último furacão que o atingiu.
O sistema judicial precisava ser fortalecido, a população precisava de projetos de tra-
balho, o desenvolvimento do país estava cada vez mais na pauta da missão. Era fundamental
não só manter a paz, mas construí-la. A MINUSTAH adquirira características de uma opera-
ção de construção da paz (Peacebuilding Operation).
O Secretário Geral esforçava-se para frequentemente revisar a missão, buscando assim
uma abordagem estratégica para o seu desmembramento em parceria com os países contribu-
intes em tropas e policiais. Como parte do processo de transferência progressiva de responsa-
bilidades ao governo local, as prioridades da operação de paz junto a Polícia Nacional perma-
neciam as mesmas (UNITED NATIONS, 2009, p.3-5). Contudo, observou-se que a segurança
perdeu espaço para o desenvolvimento na pauta da MINUSTAH; vulnerabilizando o ambiente
do país. A missão sofrera um ataque no mesmo ano. A atividade de inteligência não poderia
garantir a segurança da operação se o escopo das recomendações do Conselho de Segurança
fosse orientado para outra direção. A missão precisava estar atenta a todo e qualquer sintoma
de instabilidade. O desenvolvimento nunca seria possível sem que a estabilidade e a paz esti-
vessem aprofundadas.
Ao longo dos anos, o Conselho de Segurança ajustou o mandato da MINUSTAH,
adaptando-se aos desafios do terreno e aos eventos que surpreenderam o ambiente. Suas trans-
formações ditaram as demandas da missão e, em 2010, não foi diferente. Nesse ano, as dinâ-

79
De acordo com o autor, a MINUSTAH adquiriu câmeras de extensa visão (snake cameras e remote vídeo
cameras). O batalhão uruguaio e chileno também se equipou de câmeras térmicas (FLIR cameras), que inclusive
poderiam enviar imagens à sede da missão e ao JMAC.
80
De 2009 para 2010, o Haiti subiu duas posições no Ranking Global da Paz (INSTITUTE FOR ECONOMICS
&PEACE, 2010, p.11)
63

micas relacionadas à MINUSTAH foram consideravelmente alteradas, a começar por sua lo-
gística81.
Dono de um arcabouço político, econômico e social ainda instável e vulnerável, o Hai-
ti também se encontra em uma região de alto risco, exposta a desastres naturais como furacões
e terremotos; razão pela qual a logística do país deveria estar preparada para prontas respostas
humanitárias. No entanto, o desempenho logístico da região encontrava-se entre os piores do
mundo. Seguramente, uma catástrofe natural levaria o país ao caos.
Embora ainda enfrentasse desafios, o país parecia sob controle, avançando para me-
lhorias futuras após um longo período conflituoso. Os esforços combinados das autoridades
haitianas, da Organização das Nações Unidas e da comunidade internacional pareciam ter
conseguido controlar os níveis de violência. Contudo, o Haiti e a ONU não previram a ocor-
rência de um desastre natural que pudesse desestabilizar a então realidade em construção dos
haitianos.
Em 12 de janeiro de 2010, um terremoto de 7.0 de magnitude atingiu o país. Em nú-
meros, o cenário transformou-se em mais de 230.000 mortos e 300.000 feridos. Praticamente
um quarto das escolas foi atingida, 15% da população ficou desabrigada e pelo menos 96 mi-
litares da MINUSTAH perderam suas vidas (CNN, 2015). Porto Príncipe, a capital do país,
ficou completamente devastada. O período de progresso foi quebrado e sua economia e infra-
estrutura, ainda instáveis, tiveram seus esforços de reconstrução prejudicados. A MINUSTAH
encontrava-se vulnerável. Uma pronta resposta de ajuda humanitária era um grande desafio
em um cenário de milhares de vítimas em uma região geograficamente irregular e que dispu-
nha de poucos recursos.
Após o terremoto, novos desafios e ameaças fizeram-se presentes no terreno. O ambi-
ente demandava a expansão da assistência internacional e da própria missão. Os subsídios
mais próximos que o Haiti possuía eram da MINUSTAH. A missão, ainda que diretamente
atingida pela catástrofe, desenvolveu um papel complementar82 e fundamental para o país. A
MINUSTAH acabou acumulando funções, sobrecarregando assim sua atividade de inteligên-
cia que temporariamente se voltara principalmente para uma pronta ajuda humanitária, em
especial para os grupos vulneráveis pós-terremoto83 (UNITED NATIONS, 2010, p. 1-2).

81
Thomas & Kopczak (2005) compreendem sua definição como “o processo de planejamento, implementação e
controle da eficiência, fluxo de custo-benefício e armazenagem de bens e materiais, assim como, do ponto de
origem ao ponto de consumo, com o objetivo de aliviar o sofrimento de pessoas vulneráveis”.
82
A missão não previa em seu mandato original uma pronta resposta de assistência humanitária em casos de
catástrofes naturais.
83
As informações do desastre não são de responsabilidade da missão, mas se seus atributos aumentam, automa-
ticamente o escopo de informações que a mesma precisa dominar aumenta e sua atividade de inteligência tam-
64

O fluxo de informações era fundamental em um contexto que exigia pronta resposta,


principalmente humanitária. Para que o processo decisório pós-desastre fosse mais efetivo, era
necessário que se baseasse na habilidade de coletar informações precisas sobre o ambiente de
crise e sobre as demandas da população afetada 84 (HEINZELMAN; WATERS, 2010, p.2). A
falta de comunicação proveniente da destruição dificultava a coordenação das ações no terre-
no. Os desafios estavam associados e as necessidades de todos os tipos nem sempre conse-
guiam ser divulgadas.
A falta de mecanismos formais para a troca de informações e a debilidade ainda pre-
sente em relação à institucionalidade da atividade de inteligência fragilizaram o compartilha-
mento de dados entre os atores de segurança85 e os atores humanitários. A escassez na produ-
ção de conhecimento principalmente em zonas rurais fez com que as primeiras respostas (para
demandas e pontos críticos) fossem baseadas em estimativas e concentradas na capital (NA-
TO, 2012, p. 18).
O sistema de resposta emergencial da ONU não estava organizado para integrar inteli-
gência. A abordagem tradicional da atividade na instituição focava na coleta de informações
através de canais internos. Durante o terremoto, diferentes fontes externas contribuíam com
uma grande quantidade de informações e a organização não estava preparada para agregá-las
ou priorizá-las (HEINZELMAN, WATERS, 2010, p.3). Desta forma, era necessário um ponto
focal que centralizasse a comunicação; minimizando assim a demanda por subsídios já dispo-
níveis (BHATTACHARJEE; LOSSIO, 2011, p.14)
A catástrofe natural fez com que os órgãos da ONU e os atores internacionais unissem
esforços no que tange à atividade de inteligência para maximizar o fluxo de informações e,
assim, responder prontamente às demandas do terreno. O JMAC86 deixava de ser o ator mais
importante, passando a desempenhar um papel de colaborador dentro de uma teia de informa-
ções reforçada principalmente pelo OCHA87. Em parceria com o referido escritório, a MI-
NUSTAH estabeleceu um Centro Conjunto de Tarefas e Operações
(Joint Operations and Tasking Centre – JOTC), formado também por oficiais militares de li-

bém. É importante ressaltar a relevância do compartilhamento de informações nesse período com outras agên-
cias.
84
A inteligência humana continuava a fazer a diferença em campo para a consciência situacional. Contatos
informais e o conhecimento pessoal foram fundamentais na coordenação de esforços pós-terremoto (NATO,
2012, p. b6).
85
Ainda que informações importantes tenham sido rapidamente coletadas pelas forças de segurança, a troca de
informações apresentou-se enfraquecida.
86
O JMAC poderia ter contribuído de forma ainda mais incisiva durante a epidemia de cólera. Sua vigorosa base
de dados em inteligência para segurança e crimes poderia ter adicionado informações referentes às epidemias.
87
O OCHA contribuiu (com algumas falhas) para as demandas de informações para respostas humanitárias no
primeiro momento após o terremoto (BHATTACHARJEE, Abhijit; LOSSIO, 2011, p.12-13).
65

gação dos Estados Unidos da Força Tarefa Haiti, da Força Tarefa Canadense e do Centro Si-
tuacional da União Europeia e da Comunidade do Caribe.
O JOTC funcionava como uma plataforma de coordenação civil-militar para o plane-
jamento do emprego de recursos, permitindo ainda um intercâmbio de informações entre ato-
res humanitários, militares e policiais. Ele organizava reuniões regulares entre diferentes pro-
vedores de serviços (dentre eles o JMAC) e provia, através de seu time de coordenação, uma
consciência situacional do ambiente humanitário e de segurança, a fim de evitar a duplicidade
de esforços (UNITED NATIONS, 2011a, p.1,7). Foram utilizadas novas formas de coleta e
coleta de informações como as mídias sociais, os sistemas geográficos de informações e os
mapas disponíveis na internet, além de plataformas para o compartilhamento de informações
por mensagens de texto de celular.
O sistema era frequentemente atualizado, oferecendo assim rapidez na distribuição de
informações. Entretanto, a sua veracidade não era comprovada. As primeiras imagens do de-
sastre foram fornecidas, de forma mais vagarosa, pelo Órgão de Inteligência, Monitoramento
e Reconhecimento dos EUA (US Intelligence, Surveillance, and Reconnaissance – ISR) atra-
vés de satélites, aeronaves de reconhecimento e veículos aéreos não tripulados (unmanned
aerial vehicles – UAV). Já a Agência Nacional Espacial Americana (US National Geospatial-
Intelligence Agency – NGA) e outras fontes, como a Digital Globe and GeoEye e o Banco
Mundial, liberaram imagens e informações rapidamente. Entretanto, essas informações eram
incompletas, pois não apresentavam a identificação de danos em estradas ou localização de
recursos médicos; dificultando assim seu emprego como base operacional (NATO, 2012, p. v,
18, a4, a5).
As consequências do terremoto não se restringiram aos desafios humanitários. Todo o
processo exigia também a reparação da segurança, que foi diretamente atingida no período. O
terremoto deixou o país vulnerável a grupos armados e gangues. A catástrofe foi responsável
pela destruição de prisões; elevando assim os índices de violência. A exposição de gênero nos
campos de desabrigados aumentou e o crime e a insegurança voltaram a se desenvolver prin-
cipalmente na capital. A grande quantidade e multiplicidade de problemas exigiam atenção
das autoridades e da própria MINUSTAH, que assumiu um relevante papel nesse período.
A demanda por recursos e seu processo de distribuição agravaram as tensões, exigindo
assim a presença de forças militares (WASSENHOVE; MARTINEZ; STAPLETON, 2010,
p.5). A vulnerabilidade que expunha o país à violência fez com que a missão aumentasse o
número de peacekeepers desmembrados. O componente militar reforçou suas patrulhas, prin-
cipalmente ao redor dos campos de desabrigados, assistindo ainda em sua segurança.
66

Para que a estabilidade voltasse à região, era necessário o fortalecimento do binômio


segurança-desenvolvimento. Os desafios apresentavam-se conectados e a reconstrução do país
era fundamental para a paz, o que incluía o combate e prevenção à violência e, concomitan-
temente, a assistência às instituições do governo.
A pronta resposta das Nações Unidas foi uma das maiores já realizadas. A missão con-
tribuiu com assistência humanitária, construiu campos de desabrigados e ainda reergueu parte
da infraestrutura do país; aumentando ainda sua coordenação com a polícia local. A realização
das eleições também fazia parte do projeto referente ao ano do desastre. Cabia ao Secretário
Geral informar ao Conselho de Segurança sobre o status do país e suas vulnerabilidades após
um período tão conturbado.
Os anos posteriores ao terremoto no Haiti foram difíceis. O país passara pela recons-
trução da reconstrução. Entretanto, os esforços até então realizados pela missão das Nações
Unidas não foram de todo soterrados. No final de 2010, o Haiti conseguiu passar pacificamen-
te por um processo eleitoral.
A catástrofe natural e a epidemia de cólera que o país passara mostraram a importância
da interconexão de dados para o desenvolvimento de um contorno operacional comum. O diá-
logo entre a segurança e as questões humanitárias era fundamental, assim como o comparti-
lhamento de informações para respostas e emprego de recursos. Padrões e requisitos mínimos
acordados possibilitam uma integração entre os que proveem conhecimento e os que o aces-
sam, contribuindo assim para uma melhor consciência situacional em tempo real (NATO,
2012, p. 18-19). Essa consciência influencia nas ações e, logo, nos resultados obtidos. Essa foi
a fórmula adotada pela MINUSTAH durante a crise humanitária.
Após um longo período caótico, o Haiti começou a reagir. Pela primeira vez foi pre-
senciada uma transição de governos opostos de forma democrática. A segurança do país havia
se aprimorado, mas as fragilidades e a herança deixada pelo terremoto ainda se faziam presen-
tes (UNITED NATIONS, 2011a, p.1). O período pós-crise (2011-2012) apresentou, simulta-
neamente, melhorias no que tange à segurança e aos assuntos humanitários e desafios. Ao
mesmo tempo em que o judiciário progredia, o número de desabrigados dificultava o controle
da epidemia de cólera. Os campos de desabrigados tornaram-se alvos vulneráveis também da
violência, embora a segurança geral tivesse evoluído. O número de crimes como assassinatos,
estupros e sequestros ainda crescia. Desta forma, a fim de facilitar os relatos de crimes, a inte-
ligência humana foi fortalecida88. Os policiais da HNP, com apoio da MINUSTAH, reforça-

88
Embora não conste abertamente essa informação na resolução da ONU, a aproximação entre a população e a
polícia local representa um exemplo de HUMINT. Por outro lado, também não constam dados que comprovem
67

ram patrulhas, além de sua presença e engajamento com a população local dentro dos campos
de desabrigados; aumentando assim o número de denúncias (UNITED NATIONS, 2011b, p.
1-3; UNITED NATIONS, 2012c, p. 3).
Nas entrelinhas da resolução 2012 do Conselho de Segurança, subentende-se que a
MINUSTAH seria mais cautelosa com o emprego da força a partir desse período, o que exigia
uma maior produção de inteligência. Os futuros reajustes da configuração da missão deveriam
ser desenvolvidos com base na situação geral do terreno, considerando o impacto no país
(UNITED NATIONS, 2011a, p.4-5). Para evitar o retorno do nível de violência causada pe-
las gangues armadas, a missão deveria ainda cooperar com os atores internacionais para assis-
tência ao governo. Essa coordenação manteria a relativa estabilidade e segurança no país
(UNITED NATIONS, 2012a, p.1).
A partir de 2012, o efetivo da MINUSTAH começou a sofrer reduções e a operação a
tomar um caminho cada vez mais direcionado para a construção da paz. Os direitos humanos
e o desenvolvimento apareciam com frequência nas recomendações do Conselho de Seguran-
ça.
No ano de 2013, surgiram especulações sobre uma possível retirada da MINUSTAH
do Haiti. Contrariando essas expectativas, o mandato da missão foi novamente renovado. O
país ainda precisava de ajuda internacional. O Colégio Transitório do Conselho Permanente
Eleitoral e a submissão de uma lei eleitoral à Assembleia Nacional representam alguns dos
progressos rumo ao desenvolvimento e à segurança do país. Ainda assim, os desafios nunca
deixaram de fazer parte da realidade haitiana. Muitos deles ainda decorrentes do terremoto de
2010 (UNITED NATIONS, 2013b, p.1-2).
Diante das persistentes fragilidades, era fundamental que a ONU, em coordenação
com outros importantes atores, continuasse a dar suporte ao país e, consequentemente, conti-
nuidade a produção de inteligência. Entretanto, a resolução 2119 reforçara o papel da missão
no desenvolvimento, distanciando-a da segurança como foco. O contingente já reduzido seria
divido entre militares de infantaria e da companhia de engenharia, esta responsável por muitas
das contribuições de infraestrutura pós-terremoto. Os esforços seriam divididos entre seguran-
ça e desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2013b, p.4).
A missão deveria continuar desenvolvendo uma abordagem voltada para a redução da
violência, principalmente nos campos de desabrigados. O monitoramento dos direitos huma-
nos e a capacitação operacional e institucional da polícia local permaneciam em sua agenda.

que a HNP tenha sido devidamente treinada para atuar desta forma.
68

O suporte fornecido pela MINUSTAH à HNP, através de operações conjuntas e do aumento


do compartilhamento de informações, deveria permanecer; já que a polícia haitiana ainda de-
mandava habilidades relacionadas à atividade de inteligência para a prevenção e gerenciamen-
to de crimes (UNITED NATIONS, 2013a, p.7).
Em 2014, após dez anos de MINUSTAH, emergiram questionamentos a respeito de
sua eficiência no terreno. Especulações sobre seu encerramento continuavam sendo desmenti-
das por renovações constantes, ainda que seu pessoal sofresse reduções. Certamente, não se
pode deixar de reconhecer os esforços da missão e até do governo em prol de melhorias em
diferentes setores ao longo deste período. Apesar disso, o Haiti ainda apresentava perturba-
ções no nível de segurança e dificuldades em seu processo de desenvolvimento.
Os patrulhamentos chegaram a 14.981 na área metropolitana e a 13.604 na capital.
Embora a grande maioria ainda fosse realizada exclusivamente pela missão, seus oficiais da
polícia continuavam assessorando a HNP89 em patrulhas, em operações conjuntas e check-
points, para observação e coleta de informações. O policiamento junto às comunidades foi
fundamental para resolver crimes de sequestros (UNITED NATIONS, 2014, p.1-6). O ele-
mento humano desempenhou um papel proeminente.
O que se observa nos anos posteriores é um retorno, ainda que pontual e acanhado, dos
níveis de violência e desafios para a estabilidade e desenvolvimento do Haiti. Observou-se
que a missão apresentou um crescimento gradativo em direção às melhorias, com ápice entre
2006 e 2007, período em que as operações de inteligência no combate às gangues foram reali-
zadas. Entretanto, logo após a criação do JMAC e o sucesso dessas operações, e do aumento
da estabilidade no país, essa linha imaginária passou a decair, com maiores vulnerabilidades
durante o terremoto e a epidemia de cólera e pequenas melhorias, principalmente humanitá-
rias, após esses ocorridos. Desde então, a MINUSTAH se mantém driblando os imprevistos e
respondendo paulatinamente aos desafios do terreno.
As mudanças de escopo do mandato e seu direcionamento cada vez mais contundente
para a reconstrução, isto é, para o desenvolvimento, expandiram o foco da atividade de inteli-
gência. Acredita-se que essa expansão tenha ocasionado uma dispersão na produção de co-
nhecimento; dificultando assim o seu emprego de forma prática. Contudo, não se deve esque-
cer que qualquer atividade de inteligência funciona somente no nível de assessoramento. Por-

89
As resoluções e relatórios da ONU referentes à MINUSTAH insistiam em recomendações diretas a polícia
local, pois as deficiências para a formação de uma polícia estruturada dificultavam o combate à violência.
69

tanto, torna-se interessante questionar as orientações e o posicionamento dos tomadores de


decisões a respeito dos produtos solicitados e gerados.
Seguramente, ainda que de forma instável, pode-se afirmar que a atividade de inteli-
gência esteve presente ao longo da operação de paz com alguns períodos de vulnerabilidades
e outros de importantes contribuições; esses associados principalmente a sua institucionaliza-
ção.

3.2 O Desenvolvimento do Centro Conjunto de Análise da Missão e as Contribuições da


Institucionalização da Atividade de Inteligência

Uma vez que uma missão é executada, sua realidade operacional pode desafiar os me-
lhores planejamentos. Assim, dispor de instrumentos de análise contínua e de habilidades que
permitam lidar com as peculiaridades do terreno torna-se fundamental para contornar impre-
vistos (UNITED NATIONS, 2008b, p.33). A flexibilidade de cada missão pode garantir sua
adaptação ao ambiente em questão, permitindo o desenvolvimento de características específi-
cas que atendam demandas ocasionais. A atividade de inteligência é o combustível necessário
para o funcionamento dessa engrenagem.
Nesse contexto, para que o conhecimento pudesse ser produzido a tempo de responder
aos desafios do terreno, foram criados o Centro de Conjunto Operações (JOC) e o Centro
Conjunto de Análise da Missão (JMAC) (SHETLER-JONES, 2008, p. 521). O JOC e o
JMAC mudaram o estereótipo da atividade de inteligência em operações de paz. A Diretiva
Política do DPKO de 200690 estabeleceu um novo paradigma da atividade de inteligência. O
estabelecimento dessas estruturas foi estratégico e a MINUSTAH teve a oportunidade de des-
frutar de seus benefícios.
O JMAC e a seção de inteligência da força na sede (U2), assim como suas unidades
regionais de inteligência nos batalhões (S2) desempenharam importantes funções na MINUS-
TAH (DORN, 2009, p.806). A concentração das fases de coleta de informações e de trata-
mento dos dados permitiu o desenvolvimento de operações integradas no combate às gangues
– maior ameaça à segurança do Haiti. Essa dinâmica representou um esboço dos aditamentos
da institucionalização da inteligência.
Acredita-se que uma atividade de inteligência institucionalizada seja capaz de reduzir
as incertezas, limitando as assimetrias de todo o processo de coleta, análise e disseminação.

90
O documento foi publicado apenas em 2007.
70

Quanto mais institucionalizado, melhor pode ser o processo e, consequentemente, seu produ-
to. Torna-se, portanto, mais conveniente aceitar as regras impostas pela ONU, neste caso pe-
las dinâmicas dessas células determinadas pelo DPKO, ainda que constranjam a própria liber-
dade de ação em outras situações91. O efeito dessas ações recíprocas é a redução das incerte-
zas (KEOHANE, 1984, p.31). E a redução das desconfianças, tratando-se principalmente de
um tema tão peculiar e delicado como a produção de inteligência em uma operação multidi-
mensional, pode facilitar a cooperação.
Interesses em comum podem gerar cooperação ou discórdia. Na atividade de inteli-
gência, considerando uma ameaça iminente aos batalhões de diferentes nacionalidades, a coo-
peração parece ser mais interessante na redução dos riscos. A institucionalização da atividade
de inteligência na MINUSTAH gerou maior organização e transparência no processo, aumen-
tando a confiança entre os que dela partilharam. “Em condições como estas, de interdepen-
dência, a cooperação tornou-se necessária, já que alguns de seus interesses apenas puderam
ser conduzidos desta forma” (KEOHANE, 1984, p.24,26).
Ainda que os atores envolvidos na missão apresentassem interesses particulares, exis-
tia um mínimo interesse em comum no arcabouço em questão. A atividade de inteligência não
estava ligada somente aos benefícios gerados para a segurança do país, mas a própria sobrevi-
vência e sustentação da missão. Portanto, havia um compartilhamento de interesses em rela-
ção à estabilidade como um todo.
A participação conjunta, o diálogo e a concentração da atividade de inteligência, após
a criação do JMAC, facilitaram o processo de cooperação e, consequentemente, de coordena-
ção da produção de conhecimento. A dinâmica gerada pela cooperação entre militares, polici-
ais e civis ampliou o espectro de contribuintes e da análise dos produtos, isto é, dos campos
possivelmente impactados pelos resultados da inteligência e até os impactos desses resultados
entre si (CARMENT; RUDNER; HEIDE, 2006, p.xxiii). A convergência dos recursos de in-
formações disponíveis e seu gerenciamento representaram uma das bases para o bom desem-
penho da célula. Ela forneceu avaliações completas ao SRSG e uma sólida consciência situa-
cional ao componente militar e policial que influenciou no rumo da missão. Tecnologias no-
turnas permitiram ainda o desenvolvimento de operações essenciais para fazer frente às amea-
ças (DZIEDZIC; PERITO, 2008, p.8; DORN, 2009, p.814).

91
É possível que uma maior institucionalização da inteligência nas operações de paz engesse ainda mais a
atividade. No entanto, uma estrutura melhor definida por contribuir para a construção de confiança e, assim,
aumentar os laços de cooperação tanto entre seus Estados membros, quanto com a população do país da missão.
71

A velocidade na aquisição e no processamento das informações também se distinguiu.


A abordagem tripla do JMAC prometia atender as demandas dos níveis tático, operacional e
estratégico. A inteligência tática fornecida pelo JMAC (em tempo real) a respeito da localiza-
ção dos líderes e membros de gangues orientou o planejamento e execução das operações. Es-
sas operações, direcionadas pela atividade de inteligência, foram responsáveis pela busca e
apreensão de diversos criminosos (DZIEDZIC; PERITO, 2008, p.8). A rede de informações
gerada representou a transição de um modelo tradicional de operação de paz para um modelo
guiado pela coleta de informações, por uma vigilância encoberta e por um policiamento dire-
cionado pela inteligência (COCKAYNE, 2011, p.125).
A MINUSTAH flutuou entre diferentes modelos de missões (de manutenção da paz,
de imposição da paz e de construção da paz), alternando principalmente entre questões de se-
gurança e de desenvolvimento, entre maior e menor uso da força. As limitações do mandato
em relação ao seu emprego – ainda que o mesmo fosse respaldado pelo capítulo VII da Carta
das Nações Unidas (1948) -, exigiram uma pró-atividade por parte da missão e de sua ativida-
de de inteligência. O planejamento através do comando e controle e, principalmente, da inte-
ligência em diferentes níveis, inclusive no nível militar (embora mais negligenciado), permitiu
a prática de ações mais ofensivas (HERMAN, 2008, 6-7). A MINUSTAH conseguiu alcançar
objetivos diferentes adaptando sua atividade de inteligência, isto é, ampliando e reduzindo seu
funcionamento de acordo com o contexto.
Ainda que a inteligência nas operações de paz tenha evoluído, principalmente na mis-
são no Haiti, a atividade ainda apresenta-se como um desafio de múltiplas faces. Uma célula,
como o JMAC, reforçou a relevância do processo de institucionalização e da criação de confi-
ança para uma maior cooperação entre os atores envolvidos, mas não foi capaz de resolver
todos os problemas associados ao tema.

3.3 Limitações Diagnosticadas

A atividade de inteligência na MINUSTAH, assim como na ONU, passou por trans-


formações e através delas conseguiu evoluir. Após muitas tentativas frustradas e afrontadas, a
produção de conhecimento em operações de paz assumiu uma posição de importância. Porém,
o longo caminho percorrido ainda não se encontra totalmente pavimentado. Por motivos in-
trínsecos a própria atividade e por razões provenientes do escopo de seu funcionamento den-
tro das Nações Unidas, ela ainda apresenta-se vulnerável. Para que seja possível combater es-
sas debilidades, é imprescindível diagnosticá-las.
72

Dentre as oito prioridades correntes de trabalho da ONU, estão as operações orienta-


das por informações (Information-led-operations). As missões de paz passaram muito tempo
sem a orientação de uma atividade de inteligência declarada, principalmente no terreno. A ins-
titucionalização da atividade se aprimorou ao longo de uma série de tentativas e erros e, so-
mente em 2006, se fortaleceu com a criação de centros de informações, como o JOC e o
JMAC. De uma forma geral, a criação desses centros representa um momento importante no
histórico da inteligência em referido contexto. No entanto, a atividade de inteligência ainda
apresenta problemas.
O JMAC representou um novo modelo de inteligência na ONU e na MINUSTAH. En-
tretanto, o centro, considerado de excelência estratégica, não contemplava suficientemente a
atividade de inteligência no nível militar, isto é, no nível tático. Como afirmava Herman
(2008, p.6-7), “Um sucesso estratégico poderia não ser um sucesso tático”. As informações
que circulavam no nível do JMAC nem sempre atendiam as demandas do terreno para a ação
das unidades. Na realidade, existe uma diferença significativa entre o que o mandato de uma
missão recomenda e o que seu terreno e, consequentemente, seu Force Commander precisam
fazer na prática. Assertivas provenientes do alto escalão nem sempre atendem às demandas do
campo. A estratégia e a tática nem sempre convergem. O terreno é instável e as informações
que dele procedem devem ser dinâmicas e pontuais.
A atividade de inteligência em operações de paz deve atender principalmente as neces-
sidades que aparecem no ambiente. Entretanto, o trâmite das Nações Unidas determina que
esses produtos cheguem à Nova Iorque, para somente depois orientarem a missão em campo.
Existem vácuos de comunicação entre a missão e os países contribuintes em tropas e policiais
(Troop/Police Contributing Country – TCC/PCC). Na prática, o caminho é longo, burocrático
e lento. Esses obstáculos dificultam prontas respostas. Evitar ações beligerantes em tempo
hábil transformou-se em um grande desafio. A difusão dos produtos de inteligência e os pro-
blemas de coordenação no fluxo de informações também.
A MINUSTAH, além de ter sofrido com o sistema rudimentar de classificação de in-
formações das Nações Unidas, não reforçou seus métodos de controle dentro deste contexto.
O JMAC mantinha servidores isolados e compartilha os seus bancos de dados apenas dentro
da célula. Entretanto, todo esse controle não impedia cópias ou reproduções internas, pois não
havia nenhum mecanismo de controle (DORN, 2009, p. 827). Essa conjuntura, além de preju-
dicar o processo de disseminação de informações entre outros atores relevantes, ameaçava a
sensibilidade do conhecimento processado. O embate entre o compartilhamento e a sensibili-
73

dade da informação pode dificultar tanto a proteção dos dados quanto sua disseminação, res-
tringindo assim seu escopo de atuação. A inteligência não é democrática.
A ONU precisa reduzir as incertezas e limitar as assimetrias das informações nas mis-
sões. Ao mesmo tempo, a organização precisa proteger seus dados. Para que haja cooperação
na área de inteligência, os atores devem criar confiança e, logo, partilhar interesses suficien-
temente importantes. A instituição deve ser resultado da distribuição de poder de interesses
compartilhados (KEOHANE, 1984, p. 49).
Dziedzick e Perito (2008, p.9, 10) acreditavam que havia uma tendência à segregação
e ao planejamento descoordenado. De fato, essa disposição aparecia no JMAC, que deveria
dispor de procedimentos e de uma doutrina padronizados. Faltava um plano de coleta de in-
formações sofisticado e integrado, que identificasse os óbices e que fosse empregado por mi-
litares, policiais e civis para garantir a efetividade das operações táticas e a segurança das for-
ças. No JMAC os ruídos na cooperação e na coordenação influenciaram negativamente o de-
senrolar da atividade de inteligência e, consequentemente, o interesse dos atores na área. Em-
bora a célula fosse multiplamente composta, não havia um documento comum que consoli-
dasse um planejamento.
Inevitavelmente, existem exceções como a operação realizada em Cité Solei92 em
2007. As demais operações de fevereiro para limpeza de gangues falharam em agregar o efe-
tivo policial a um planejamento. A assistência civil também desconsiderou essa integração.
Tendo em vista esse cenário, o contingente brasileiro empregou meios próprios para suprir as
demandas do terreno (DZIEDZICK; PERITO, 2008, p.9, 10). Além de um planejamento con-
vergente, também faltavam recursos.
As capacidades da atividade de inteligência na MINUSTAH não eram as melhores. A
missão não dispunha de tecnologias de observação muito significativas, como sensores sísmi-
cos e acústicos, radares para observação aérea e para vigilância terrestre93 e interceptação de
sinais. A SIGINT, inteligência de sinais, era extremamente frágil. A inteligência de imagens,
IMINT, durante o terremoto era proveniente de outras fontes externas à missão. Mapas eram
retirados de fontes online abertas e fornecidos por outros países, como os Estados Unidos.
Apenas a partir de 2008, a sede da ONU exigiu melhorias nesse sentido (DORN, 2009,
p.825).

92
Cité Soleil é uma Comuna localizada em Porto Príncipe, no Haiti. O objetivo principal na região era manter a
estabilidade de áreas controladas por gangues (DZIEDZICK; PERITO, 2008, p.9, 10).
93
O Brasil foi o primeiro país a enviar um Veículo Aéreo não tripulado para o Haiti, mas o mesmo foi removido
(DORN, 2009, p. 825).
74

Em contraste com as limitações tecnológicas, estavam as capacidades humanas. Em


quantidade, elas representavam a maior parte da missão, tornando valiosa sua rede de contatos
(DORN, 2009, p.818, 830). No entanto, ainda que a HUMINT, inteligência humana, tenha
apresentando grande destaque na MINUSTAH, ela não fazia parte de uma estrutura instituci-
onalizada.
Observou-se que a HUMINT foi o mais importante e o mais adverso método da ativi-
dade de inteligência nas missões de paz e, na própria MINUSTAH. Sua falta de institucionali-
zação dificultou e ainda dificulta seu desenvolvimento, prejudicando inclusive a cooperação
entre os que dela participam. Por outro lado, ela permite a atuação de “agentes”, se é que po-
demos usar essa nomenclatura.
Institucionalizada ou não, a inteligência humana precisa relacionar-se com o ambiente
de uma forma que se distancie da imagem do agente tradicional (aquele que busca informa-
ções) e ao mesmo tempo se aproxime da população. A maior limitação desse método foi e
ainda é justamente encontrar um meio termo entre a desconfiança de quem coleta informações
e a credibilidade em quem atua junto à população. Ainda assim, ela se destacou e fez diferen-
ça na MINUSTAH. Compreende-se que a fase de maior estabilidade e segurança correspon-
deu ao período de maior atuação da HUMINT.
É complexo medir a eficiência da inteligência, seja ela humana ou de sinais. Determi-
nar índices ou indicadores é um processo que não pode ser engessado e padronizado para to-
das as missões da ONU. Além de serem instáveis, os países e conflitos apresentam particula-
ridades. Seus mandatos sofrem alterações e as estruturas das missões também. O que pode ter
representado um êxito em determinado momento, pode não lograr bons resultados em outro.
Na MINUSTAH, oito anos após a criação do JMAC, as eleições de 2016 precisaram ser adia-
das em função principalmente do clima de tensão que voltou a assombrar o haitiano. A evolu-
ção da atividade de inteligência e a criação de novos instrumentos não foram suficientes para
manter a estabilidade do país em todo momento. Qualquer operação precisa sempre estar se
reinventando, mas modelos de sucesso, como este, apresentam grande utilidade.
Talvez as lições aprendidas na MINUSTAH possam ser replicadas para outras missões
como forma de incentivo para uma pró-atividade e um maior desenvolvimento da atividade de
inteligência; principalmente através do emprego da HUMINT. Não existem manuais que ori-
entem a atuação da inteligência durante uma missão de paz94. Logo, as perspectivas de quem
já esteve inserido nesse contexto detêm um valor incomensurável.

94
Após conversa com integrantes da ONU, não foi encontrada nenhuma informação a respeito da existência de
manuais de treinamento para a realização da atividade de inteligência nas operações de paz.
75

3.4 A Relevância de Perspectivas Internas e entre Níveis para Contribuições Futuras

Analisar o contexto da atividade de inteligência nas operações de paz das Nações Uni-
das é um processo que oscila entre períodos débeis e fortes. Essa inconstância foi exatamente
representada na MINUSTAH. É difícil imaginar um padrão de conduta a ser seguido, conside-
rando as particularidades apresentadas no terreno e no desenrolar das complicações decorren-
tes do ambiente em conflito. É preciso que atividade de inteligência desenvolva um modelo
institucional (talvez ainda mais elaborado que o JMAC), que oriente os procedimentos (ainda
que minimamente), mas ao mesmo tempo seja passível de articulação. A compilação de expe-
riências em referido contexto pode colaborar nesse intuito.
Aprendemos que perspectivas externas podem permitir que assuntos sejam analisados
de forma mais neutra. Afinal, o olhar do crítico vem de alguém que não esteve envolvido no
ambiente em questão. Já análises internas, provenientes daqueles que conhecem o terreno e
presenciam (ou presenciaram) dia a dia aquela realidade, podem estar impregnadas de juízo
de valor. Por outro lado, as experiências condicionam a algumas ações que somente quem vi-
venciou na prática está apto a desenvolver. Ele é o que melhor consegue compreender suas
contribuições e limitações. Através da percepção interna é possível entender as escolhas reali-
zadas, as direções escolhidas e as ações desenvolvidas.
No contexto das operações de paz, uma perspectiva interna envolve civis, militares e
policiais de distintas nacionalidades, em diferentes níveis de atuação. Considerando o desem-
penho brasileiro na MINUSTAH, optou-se por reduzir esse escopo às experiências dos con-
tingentes do país que integraram a missão ao longo dos anos. Para que fosse possível compre-
ender esta dinâmica, o presente trabalho foi além das análises teóricas e acessou os conheci-
mentos de profissionais brasileiros envolvidos nos três níveis de atuação da atividade de inte-
ligência em operações de paz: o tático, o operacional e o estratégico.
Compreende-se que haja uma demanda por uma maior integração entre os níveis, ain-
da que estes não sejam claramente identificados. Suas perspectivas permitem visões e análises
múltiplas dos óbices e possíveis alternativas. Ravndal (2009, p. 20,75,76) compreende a rele-
vância de uma mentalidade de cooperação assegurada em todos os níveis para uma perspecti-
va comum no combate aos desafios. Da mesma forma, Carment, Rudner e Heide (2006, p.5-6)
acreditam que um alinhamento triplo entre os métodos, os níveis e um compartilhamento ho-
rizontal do produto da inteligência devem se fundir para que o papel e as funções da atividade
em operações de paz possam ser transformados. A integração vertical entre níveis, em que o
76

conteúdo produzido seja absorvido por todos, é importante para a interoperabilidade do siste-
ma de inteligência, que precisa ser fundamentado em métodos tecnológicos e humanos.
A abrangência da MINUSTAH dificultou a conexão entre os objetivos e os planeja-
mentos das atividades de inteligência de cada nível, cujas lógicas e objetivos nem sempre
convergiam, requerendo assim informações diferentes (RAVNDAL, 2009, p. 20). O conheci-
mento situacional, por exemplo, era proveniente em parte dos níveis tático e operacional, dos
relatórios de reconhecimento e vigilância. Já o nível estratégico fornecia informações de fun-
do, assim como eventos históricos relevantes, informações estimadas e indicadores e alertas
do desenvolvimento de situações futuras (CARMENT, RUDNER, HEIDE, 2006, p.59). Por-
tanto, a complementação entre níveis torna seu diálogo relevante. Consequentemente, se exis-
te um grau quase de dependência entre estes, uma vulnerabilidade que afete um nível, acabará
prejudicando outros. Entretanto, fragilidades podem ser pontuais e mais graves em determina-
dos níveis. Todo o conjunto somente funciona se cada parte do todo funcionar sozinha e em
harmonia com as outras.
Considerando o estudo de caso desenvolvido no presente trabalho e a atuação relevan-
te do Brasil no contexto, a ponderação da perspectiva brasileira ao longo de seus doze anos de
desenvolvimento no terreno pode contribuir para a identificação das suscetibilidades e de suas
respectivas respostas.
77

4 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NA MINUSTAH - UMA PERSPECTIVA BRA-


SILEIRA

Em operações de guerra, a eleição dos métodos da inteligência costuma ser direciona-


da por suas demandas, pelo tempo e pelos recursos disponíveis para atendê-las. Em operações
de paz, um cenário sem inimigos declarados, a inteligência funciona como pré-requisito, pois
os peacekeepers precisam conhecer o ambiente que enfrentarão. Nele, as informações coleta-
das irão facilitar as negociações de paz e o desenvolvimento da missão (ERIKSON, 2003,
p.301-302).
A visão cronológica da MINUSTAH aqui exposta permite compreender a evolução da
inteligência, mas também seus momentos de estagnação. As transformações no terreno leva-
ram às adaptações do mandato recomendadas pelo Secretário Geral. O fluxo de informações
permitiu que a missão se desenvolvesse, ajustando-se a essas mudanças. Os métodos e recur-
sos utilizados na atividade de inteligência nem sempre supriram suas necessidades, mas a
MINUSTAH conseguiu driblar algumas dificuldades, alcançando níveis significativos de se-
gurança mesmo com algumas restrições de ação.
Walter Dorn (2010, p.278) acredita que a inteligência gerada em campo goza de auto-
nomia para determinar suas requisições prioritárias de informações (Priority Information Re-
quirements – PIRs), assim como os recursos e métodos a serem utilizados. Ao longo dos anos,
esses métodos foram evoluindo. Por exemplo, a revolução da tecnologia da informação con-
tribuiu para a expansão do diâmetro de alcance da coleta de informações através de imagens
aéreas (através de patrulhas aéreas, veículos aéreos não tripulados e outros), solucionando as-
sim problemas provenientes de restrições geográficas. Contudo, o elemento humano ainda
aparece destacado na atividade de inteligência para a coleta de informações e no Haiti não foi
diferente. As tradicionais e conhecidas agências de inteligência CIA 95 e MI596 reconhecem na
HUMINT, isto é, na inteligência humana um grande potencial (CENTRAL INTELLIGENCE
AGENCY, 2013; SECURITY SERVICE, s.d.).
A inteligência humana se fez presente como método nas operações de paz da ONU
muito antes da institucionalização da atividade. Conforme anteriormente mencionado, os ob-

95
A Agência Central de Inteligência (Central Intelligence Agency – CIA) é engajada na coleta/busca por infor-
mações, desenvolvimento ainda a análise e o compartilhamento de conhecimento que afete a segurança nacional
dos Estados Unidos da América (CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY, 2013).
96
A Seção de Inteligência Militar (Military Intelligence Section 5 – MI5) é o órgão de segurança que prove
conhecimento sobre as ameaças que podem vir a afetar o Reino Unido (SECURITY SERVICE, s.d.).
78

servadores militares, pioneiros nessas missões, desenvolviam ações relacionadas à produção


de conhecimento através do contato direto com a população local no terreno.
A observação e a aquisição de informações eram algumas das principais funções dos
observadores, que deviam compilar rascunhos e anotações, transformando os dados coletados
em relatórios. Essas informações eram (e ainda são) adquiridas através de procedimentos está-
ticos, como postos de observação (como a Casa Azul no Haiti), e procedimentos móveis, co-
mo patrulhas (até mesmo a pé ou através de veículos não tripulados) (UNITED NATIONS,
2001, p. xxxv-xxxvi).
Assim como os observadores da ONU, a atividade de inteligência na MINUSTAH po-
de fazer uso de elementos tecnológicos e humanos. Ainda assim, os maiores períodos de segu-
rança e estabilidade da missão estão associados ao emprego da inteligência humana. A tecno-
logia não dispunha de habilidades para se aproximar e criar afinidades com a população local.
A principal vantagem da HUMINT é que ela contribui para a compreensão da popula-
ção, de sua cultura, de suas necessidades e do ambiente operacional. Missões que dominam
esse mecanismo e possuem uma inteligência minimamente estruturada, isto é, com a presença
de células como o JMAC, interagem melhor com a população, produzindo assim informações
mais críticas a respeito das intenções dos adversários e de suas capacidades.
Mc Dermott (2010, p.91-92) entende que é imperativo compreender o máximo possí-
vel a cultura da população cuja missão se faz presente, visto que esse processo afeta direta-
mente a interação entre o componente da missão e os locais. Além de simplesmente conhecer
o idioma, é importante a aproximação e a construção de confiança para se absorver informa-
ções valiosas. Esse arcabouço permite o desenvolvimento de mais que uma consciência situa-
cional, mas uma consciência cultural (cultural awareness).
A fim de facilitar as práticas em uma missão, o código de conduta do peacekeeper
apresenta a consciência cultural como parte do preparo do militar (UNITED NATIONS,
[s.d.]e). código de conduta Essa consciência permite que o mesmo crie um entendimento a
respeito das diferenças culturais de seu país em relação ao país em que da operação e, assim,
um senso de aceitação Esse senso de aceitação aproxima a operação de paz do país contribu-
inte, resultando em interações mais pacíficas. Essa consciência cultural pode ser desenvolvida
no preparo das tropas através de instruções, do entendimento da cultural local e da aprendiza-
gem de técnicas de comunicação intercultural (Mc DERMOTT, 2010, p.92). Alguns países
apresentam culturas que favorecem essa dinâmica, culturas múltiplas, que abarcam diferenças
sociais, étnicas, religiosas. Essa multiplicidade também influencia na natureza da inteligência.
79

A influência da cultura nacional na inteligência não pode ser excluída do contexto das
Nações Unidas. Ainda que os países estejam sob o guarda-chuva da ONU, suas identidades,
suas práticas culturais, suas bagagens históricas afetam seus comportamentos na execução da
inteligência. De fato, a neutralidade, ponto fundamental da organização, pode ser comprome-
tida. Entretanto, ela também pode ser facilitada. Acredita-se que, quase de uma forma equaci-
onal, quanto maior o multiculturalismo de um país e suas habilidades de integração, maior
torna-se o seu potencial para desenvolver inteligência humana.
Culturas nacionais interferem nas perspectivas de ameaças, assim como de segurança e
de políticas de defesa. Da mesma forma, a natureza da inteligência é influenciada pela cultura
do país que a desenvolve (CEPIK, 2009, p. v-vi). O conhecimento cultural (Cultural Aware-
ness) influencia na habilidade de entendimento, de comunicação e, assim, de interação (UNI-
TED NATIONS, 2012b, p. 30-31), prática essencial para a coleta de informações. A MI-
NUSTAH foi uma grande oportunidade para o desenvolvimento e aplicação de habilidades de
pessoal na inteligência (SWENSON; LEMOZYL, 2009, p.14) e o Brasil conseguiu aprimorá-
las de modo a criar um modus operandi particular que gerou bons resultados à missão.
Pode-se afirmar que o primeiro contato do Brasil com a MINUSTAH deu-se, antes
mesmo da missão ser oficializada, na área de inteligência, com o envio de um elemento para
reconhecimento do local e coleta de informações. Até os dias atuais, o país continua envolvi-
do na atividade de inteligência, ocupando altos cargos como de chefia do JMAC97.
A MINUSTAH é um importante mecanismo de projeção do Brasil no cenário interna-
cional. Seu maior contingente presente em operações de paz da ONU encontra-se no Haiti,
como também seus esforços financeiros e militares. A missão apresenta um histórico de ativa
participação brasileira, inclusive com Comandantes da Força. Além das contribuições tradici-
onais, o país também é reconhecido por um padrão particular de atuação. O famoso “jeitinho
brasileiro” 98 em operações de paz está atrelado à identidade cultural do país e a atividade de
inteligência também foi influenciada por esse brasileirismo.
A forma em que o Brasil atuou, inclusive diretamente no terreno, suas habilidades cul-
turais provenientes de uma pluralidade intrínseca ao cidadão brasileiro e sua perspectiva glo-
bal afetaram diretamente a atividade de inteligência desenvolvida pelo país no Haiti. Partindo
dessa premissa, compreende-se que a consciência cultural do Brasil criou naturalmente uma

97
Desde 2011, Flávio Pelégio é o brasileiro responsável pela chefia do JMAC.
98
O jeitinho brasileiro refere-se a uma expressão popular utilizada por autores, como Roberto DaMatta, que
simboliza a maneira improvisada que o cidadão brasileiro utiliza para tentar solucionar problemas.
80

prática que contribuiu para um melhor desempenho da missão e, assim, da ONU no cenário
internacional.
Considerando as dificuldades de se analisar uma operação de paz e a pequena dimen-
são do universo da atividade de inteligência, o capítulo final será desenvolvido com base nos
dados coletados e analisados a partir de uma entrevista a um brasileiro, ex Comandante da
Força da MINUSTAH, e de documentos oficiais não publicados do Ministério da Defesa do
Brasil. O objetivo final é a produção de conhecimento através dessa perspectiva brasileira,
identificando vulnerabilidades da atividade e, quiçá, propondo contribuições no desenvolvi-
mento da inteligência nas operações de paz da ONU como um todo.

4.1 Metodologia Utilizada

A atividade de inteligência é um dos mecanismos que contribuem na engrenagem de


uma operação de paz. Sua relevância para a segurança está galgada no seu potencial em per-
mitir uma postura mais proativa e resguardada das Nações Unidas em relação às ameaças im-
postas pela realidade do teatro de operações. É ela quem direciona, ou deveria direcionar todo
o contexto da missão. O estudo de caso de uma missão como a MINUSTAH permite a com-
preensão de seu funcionamento na prática e a orientação para caminhos futuros. Assim, a me-
todologia do presente trabalho tem por desígnio expor a forma como o problema de pesquisa
foi desenvolvido e os demais procedimentos para o alcance de seus resultados e conclusões.
Após um levantamento teórico e geral para a compreensão dos conceitos relacionados
à atividade de inteligência em operações de paz da ONU, foi traçado um histórico da evolução
da atividade, assim como de seus recursos e métodos até os dias atuais. Com um panorama
definido, foi possível identificar seus pontos mais vulneráveis e as mais incisivas contribui-
ções na área ao longo dos anos, dentre elas, seu mais relevante desenho institucional: o
JMAC. Essa abordagem permitiu a compreensão da base da atividade de inteligência no con-
texto das Nações Unidas e seus particularismos.
Através da análise de artigos científicos, livros, manuais oficiais e alguns documentos,
foi possível traçar o caminho da inteligência na ONU e identificar os problemas mais comuns
em seu progresso lento e difícil. A compreensão desse amplo espectro embasou o desenvol-
vimento de um estudo mais aprofundado. Para que fosse possível entender na prática a evolu-
ção da atividade de inteligência no teatro de operações e seus desmembramentos, foi selecio-
nado um estudo de caso: a MINUSTAH.
81

Conforme apresentado, a MINUSTAH foi uma missão cuja atividade de inteligência


desempenhou papel fundamental para a segurança do Haiti e o Brasil participou ativamente
nesse contexto. Por essas razões, a missão foi eleita como foco deste estudo.
Para a análise do estudo de caso, foram consideradas resoluções, relatórios e outros
documentos oficiais das Nações Unidas e de outras instituições, como a OTAN, referentes à
Missão. Este levantamento permitiu uma visão prática da atuação da atividade de inteligência
e dos desafios enfrentados ao longo dos doze anos da operação. Entretanto, para que o estudo
fosse ainda mais aprofundado, era preciso a construção de uma perspectiva entre os níveis tá-
tico, operacional e estratégico, que apontasse seus maiores desafios e possíveis contribuições.
Compreendeu-se que a percepção do Brasil, ator interno à missão, seria a mais adequada para
esta avaliação prática.
A fim de verificar a perspectiva brasileira da inteligência na MINUSTAH, foram ana-
lisados, de forma qualitativa, diversos documentos não publicados cedidos pela Subchefia de
Operações de Paz do Ministério da Defesa do Brasil, cujo conhecimento parte das experiên-
cias em campo de integrantes dos batalhões brasileiros em diferentes períodos da operação, e
também uma entrevista realizada com o ex Comandante da Força, o General Santos Cruz.
A MINUSTAH foi a missão em que o Brasil apresentou destaque por adotar um mo-
dus operandi atribuído principalmente ao famoso “jeitinho brasileiro”. Seu desempenho, re-
conhecido inclusive pelas Nações Unidas, lhe rendeu importante status na política internacio-
nal, funcionando como vitrine para a política externa do país. Interesses a parte, o Brasil cer-
tamente desempenhou um papel relevante em diversos aspectos na missão, preenchendo até
cargos de alto escalão.
Acredita-se que a cultura do país tenha auxiliado em suas relações com outros países –
neste caso com o Haiti – em função de seu pluralismo. Esse é um dos aspectos que contribuiu
para a construção de espaços para o diálogo, mobilizando o interesse do outro, reduzindo des-
confianças e, logo, aumentando o nível de cooperação (fosse entre os cidadãos do Brasil e os
haitianos ou entre as tropas). E a cooperação é uma das bases para a teoria utilizada como pa-
no fundo deste trabalho: o institucionalismo liberal.
A teoria foi selecionada com base na ideia de que interações como a do Brasil com ou-
tros atores (países, agências e órgãos), em diferentes níveis, ditam o grau de cooperação que
pode ser alcançado no presente contexto. A compreensão desse aspecto é importante para en-
tender em quais condições os interesses mútuos (ou complementares) conduzem a cooperação
e de que forma a instituição ONU afeta suas estruturas (KEOHANE, 1984, p. 22).
82

Keohane (1984, p. 304) acredita que ambientes ricos em informações podem gerar
comportamentos diferentes entre os atores que dele fazem parte:
Os sistemas internacionais que contêm instituições geradoras de grande quantidade
de informação de alta qualidade e que as distribuem sobre uma base razoavelmente
equitativa entre seus atores principais experimentarão provavelmente uma maior co-
operação [...].

A cooperação e a informação funcionam em um processo de retroalimentação positiva,


isto é, quanto maior a quantidade e qualidade das informações, maior a cooperação. Quanto
mais os Estados participantes de uma missão de paz cooperam na atividade de inteligência,
maior a o conhecimento produzido. Infelizmente, compreende-se que a cooperação na ativi-
dade de inteligência não é um processo simples. Conforme explicitado, a inteligência apresen-
ta problemas intrínsecos, e a própria dinâmica da ONU também diverge de muitos de seus
aspectos. Esse contexto resulta em um cenário que dificulta a cooperação. Ainda que o Brasil
tenha sucedido na área, a atividade ainda precisa evoluir.
Para que haja cooperação mútua, é preciso que haja adaptação das políticas de Estado.
“Quando os interesses compartilhados são suficientemente importantes e outras condições
chaves convergem, a cooperação pode surgir” (KEOHANE, 1984, p.49, 73). Em uma opera-
ção de paz, a colaboração em prol da produção de conhecimento pode atender demandas par-
ticulares de seus integrantes, mas também da missão como um todo. A expansão da coopera-
ção na área de inteligência pode possibilitar um melhor cumprimento do mandato e, conse-
quentemente, gerar bons resultados para a ONU e para a paz e segurança internacional. Para
que haja maior integração, é preciso uma consciência de interdependência. Essa consciência,
além da consciência cultural, pode ter alavancado as ações brasileiras e sua forma de atuação
pode funcionar como exemplo em missões no futuro.
O resultado final do presente estudo é a compreensão, tanto na teoria quanto na prática
(neste caso através de experiências do Brasil) dos pontos fracos e fortes da atividade de inteli-
gência na MINUSTAH e nas operações de paz da ONU em geral. A identificação de ações
particulares e pontuais brasileiras cujo resultado tenha sido positivo podem instigar investiga-
ções futuras para o desenvolvimento de padrões e até mesmo de uma doutrina de inteligência
na ONU.

4.2 Informações Coletadas

“A coleta de informações envolve a pesquisa dos dados disponíveis a respeito do ma-


terial de interesse e o esforço do pesquisador em procurar novos documentos para preencher
83

as lacunas por estes deixadas” (KENT, 1965, p.157). Ela é a atividade mais característica da
inteligência (talvez em função da sua associação a espionagem), sem a qual a mesma não de-
senvolve as outras fases de seu ciclo. Porém, a comunidade de inteligência ainda é frequente-
mente criticada por sua ausência de limites (JOHNSON, 1989, p.64). Nas Nações Unidas, es-
ses limites ainda despertam questionamentos.
Existe uma linha cinza dentro do perímetro da coleta de informações na ONU, como
afirma Dorn (2010, p.280), que gera discussões por localizar-se entre o que é permitido e o
que é proibido, de acordo com os preceitos da instituição. A aprovação do que é desenvolvido
é exigida até mesmo na zona branca, onde métodos e recursos são totalmente abertos (DORN,
1999, p. 417). A coleta precisa estar de acordo com uma imagem neutra e imparcial e quais-
quer caminhos que a confrontem ameaçam não só a reputação da organização, mas o funcio-
namento da atividade de inteligência como um todo.
No presente estudo, a intenção inicial era fazer uso de fontes de informação abertas.
Seguramente, os textos acadêmicos, os livros e documentos disponíveis contribuíram veemen-
temente para seu desenvolvimento. No entanto, os documentos utilizados para a averiguação
da inteligência na prática foram classificados. Compreendeu-se que tanto os documentos
quanto a entrevista realizada apresentaram informações sensíveis sendo, portanto, aqui divul-
gadas apenas as informações pertinentes ao trabalho. Ironicamente, esse contexto, onde o sigi-
lo acaba sendo parte inevitável do todo, foi frequentemente abordado ao longo do trabalho por
descaracterizar a imagem da ONU.
É comum a associação automática da palavra inteligência à busca por informações e às
informações classificadas; o que leva a mal entendidos frequentes. Métodos e recursos fecha-
dos levam a produtos altamente classificados e, consequentemente, de pouca disseminação; o
que restringe consideravelmente sua atuação (KOLISNEK, 2006, p.61). No desenvolvimento
desta pesquisa, alguns documentos acessados continham informações cuja divulgação apre-
sentava-se desnecessária e expositiva. Da mesma forma, algumas fontes preferiram não se
expor, considerando o fato de estarem lidando com uma área ainda delicada para as Nações
Unidas. Entretanto, o status desses mecanismos não isenta a possibilidade de divulgação do
conhecimento aqui produzido, pois o objetivo desta pesquisa é justamente ampliar o escopo
de participação do Brasil na área da atividade de inteligência em operações de paz e alargar os
estudos desenvolvidos em prol do assunto.
As informações adquiridas, de uma forma geral, dividem-se em perspectivas e percep-
ções:
84

- No nível estratégico – operacional: apresentadas através de uma entrevista semiestru-


turada e gravada (com duração de mais de noventa minutos) com o General Santos Cruz, ex
Comandante da Força na MINUSTAH;
- No nível operacional – tático: provenientes de experiências brasileiras ao longo da
missão, oficialmente computadas em documentos oficiais não publicados cuja divulgação é
restrita pela Subchefia de Operações de Paz do Ministério da Defesa.
Essas múltiplas visões tendem a contribuir de forma mais ampla para os estudos na
área, identificando assim os particularismos da atuação brasileira nos níveis da atividade de
inteligência na operação de paz no Haiti.

4.2.1 Nível Estratégico – Operacional: A Percepção de um Comandante da Força

A inteligência faz parte da demanda de todos os níveis envolvidos em uma missão de


paz. “Todos da cadeia de comando deveriam dispor do mesmo grau de consciência situacional
e de avaliação de ameaças e riscos para a proteção da força e garantia de seu emprego apro-
priado, além de sua transparência” (KOLISNEK, 2006, p. 62).
O Comandante da Força é responsável pela gerência da força de paz e representa o ní-
vel militar mais alto da operação. Na concepção deste estudo e considerando a dificuldade de
se identificar claramente as fronteiras de cada nível da inteligência em uma missão de paz,
esta autoridade flutua entre o nível estratégico e o operacional.
No Haiti, durante o período de desenvolvimento do maior número de ações direciona-
das pela inteligência, as operações de busca e apreensão, quem ocupava o respectivo cargo era
o General de Divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz. O General Santos Cruz, famoso por
exercer também a função de Comandante da Missão das Nações Unidas de Estabilização da
República Democrática do Congo (MONUSCO), identificou alguns dos problemas que impli-
caram e ainda implicam no desenvolvimento da atividade de inteligência em operações de
paz, em uma entrevista realizada no dia dois de outubro de 2015, no Ministério da Defesa, em
Brasília. A MINUSTAH, missão cujo comando exerceu por cerca de dois anos, serviu de refe-
rencial para o desenvolvimento de seu ponto de vista.
O ex Comandante apontou deficiências de diferentes espécies e relatou algumas de
seus conhecimentos na área. Dentre as suas considerações gerais, ele compreende que a inte-
ligência é um assunto cuja conotação política apresenta-se muito forte, o que atrapalha o seu
desenvolvimento desde a sua definição. Para ele, o sistema de inteligência das Nações Unidas
ainda encontra-se muito debilitado em função da falta de uma mentalidade de inteligência, de
85

uma cultura de inteligência: “recursos tecnológicos se compram, basta ter orçamento; já o es-
paço da inteligência dentro da organização é um problema”. Autores como Swenson e Le-
mozy (2009), compartilham essa crença. Ele acredita que uma democratização da atividade
somente torna-se possível através dessa consciência:
A Organização não tem mentalidade, ainda esta engatinhando até para aceitar a dis-
cussão sobre inteligência. A inteligência passou muito tempo conectada aos proble-
mas políticos, aos governos ditatoriais [...]

Para o General, o primeiro problema da inteligência é conceitual. A ONU precisa de-


finir suas aspirações nesse contexto para, assim, poder desenvolver a atividade. O problema
não é a só a falta de orçamento, mas a vontade de fazer, a falta de empenho voltada para o as-
sunto, que ainda é delicado na organização.
Dificuldades relacionadas a disposição orçamentária não são exclusivos da atividade,
mas interferem diretamente nos métodos utilizados para a coleta de informações e na mão-de-
obra utilizada para o seu processamento. Santos Cruz reforça essa questão ao reconhecer a
ausência de recursos exclusivamente destinados ao funcionamento da inteligência na missão,
identificando ainda as tecnologias básicas como as primordiais, mas de maior debilidade.
Ele percebe as Nações Unidas como uma espécie de indústria que demanda tecnologi-
as. Entretanto, os grandes problemas são decorrentes da ausência de tecnologia básica. Para
ele, a MINUSTAH necessitava de:
[...] uma viatura boa, um elemento bem treinado, uma arma boa, com munição boa,
saber comunicar bem, se orientar bem no terreno, dispor de conhecimento para ope-
rar sistemas de localização, fazer esboços, esquetes da área se não tem mapa, saber
usar os equipamentos de visão noturna para observação e emboscadas durante a noi-
te, ser mais especializado [...] o inimigo que enfrentávamos não era de alta tecnolo-
gia [...]

Equipamentos de monitoramento, como veículos aéreos não tripulados e controlados


remotamente, por exemplo, eram importantes para a missão. De uma forma geral, sua ausên-
cia no Haiti limitava a coleta de informações. O idioma local era outra barreira. Era preciso
uma grande contratação de intérpretes, que acabavam por passar informações. Entretanto, ca-
ía-se aqui mais uma vez nas questões orçamentárias. A ONU não dispunha de recursos finan-
ceiros suficientes.
No que tange a estrutura da atividade de inteligência, a experiência do General no Hai-
ti permitiu que ele identificasse a análise como ponto forte do JMAC (ainda que produzisse
alguma inteligência operacional):
[...] informações operacionais são para a tomada de medidas imediatas. O JMAC
podia produzi-las, mas as unidades militares que as faziam, a polícia e os batalhões
que pegavam muita informação para montar sua rede de inteligência [...]
86

Por isso, ele acredita que as seções de inteligência das unidades militares precisem
dispor de um reforço de pessoal (oficiais, sargentos e outros) devidamente especializado na
área. A observação por tecnologias ainda deve ser complementada pela inteligência humana.
Nesse contexto, o Brasil teve uma participação importante ao Haiti.
Outro problema institucional por ele identificado foi a ausência de integração das mui-
tas informações disponíveis na ONU:

Relatórios de diferentes órgãos da ONU deveriam ser compilados e replicados de


maneira rápida para o desenvolvimento de respostas oportunas e a instituição não
dispunha dessa capacidade.

Embora ele percebesse uma grande quantidade de boas informações em fluxo, elas en-
contravam-se dissociadas. A MINUSTAH não possuía uma estrutura que as filtrasse, que
concentrasse tudo e imediatamente passasse adiante para que fossem utilizadas. Vinculada a
essa fragilidade apontada pelo General, está outra grande questão: o destino e o emprego do
produto final da inteligência. De nada adianta um produto de inteligência bem desenvolvido
se o fim dele for arquivado em uma gaveta.
Santos Cruz destacou que o estágio final da inteligência é seu resultado, que deve to-
mar como base as informações geradas. O objetivo final é justamente conseguir combater as
ameaças antes mesmo que elas se desenvolvam:

O mais importante é a informação gerar ação, tem que ter consequência [...] o mo-
mento de glória não é fazer o relatório, mas quando você age em função da informa-
ção que você tem, mas a ONU é uma organização que tem uma cultura de relatórios.

Essa tendência da ONU em ser uma organização burocrática, ou seja, de relatórios é


um problema para a atividade de inteligência. O excesso de papeis dificulta a prontidão e as
iniciativas. Como agravantes, não há treinamentos específicos para a inteligência e nem con-
fiança suficiente na cadeia de comando, o que dificulta a cooperação. Este efeito dominó atin-
ge tanto o fluxo de informações e quanto o tempo de reação. Nesse contexto, o General re-
lembrou ainda o episódio de Ruanda, missão que não respondeu suas ameaças em tempo por
não confiar nas informações compartilhadas. “É difícil atingir resultados finais se os integran-
tes têm receio em agir e responder pelos seus atos”.
A autoridade compreende ainda que a ONU demanda resultados finais positivos e que
somente o interesse de seus integrantes em agir pode atingi-los. Para ele, é preciso pensar
além das capacidades e de sua orientação de emprego. A falta de operacionalidade da institui-
87

ção e de vontade para responder às possíveis ameaças desacelera o processo de produção de


inteligência.
Nem sempre uma tropa tem condições (orçamentárias, técnicas, de capacidades, etc.)
para agir em campo. Da mesma forma, dispor de todos os recursos não é sinônimo de uma
atuação plena. É importante que as tropas possam e, principalmente, queiram agir e para isso
é preciso que estejam suficientemente motivadas.
Essa disposição operacional não está vinculada somente a ação das tropas após o ciclo
da inteligência. É preciso que ela exista também na coleta de informações. Entretanto, para
que haja iniciativa é preciso confiança. Os militares precisam estar convencidos que precisam
assumir uma responsabilidade de ação em todos os níveis, mas para isso é necessário uma es-
trutura precisa ser sólida.
Aos olhos do General, a atividade de inteligência em operações de paz ainda tem mui-
to a melhorar. Para além das restrições da Organização das Nações Unidas, é preciso que os
países participantes contribuam com tropas preparadas para o terreno e para certo nível de ris-
co e, assim, de resposta. E, para além do treinamento, é preciso muita motivação tanto para
coletar informações quanto para agir a partir delas.
Santos Cruz reforçou ainda que o interesse é o responsável pela qualidade da ação. Pa-
ra ele, cabe ao comandante mobilizar as tropas, seja através da liderança em todos os níveis,
de treinamentos bem desenvolvidos e/ou até mesmo da solidariedade para com o sofrimento
humano. Esses três pontos convergem com a postura brasileira no Haiti e com a linha de pen-
samento deste trabalho.
Em relação ao a liderança, o Brasil esteve envolvido em diferentes níveis. O comando
da força da MINUSTAH foi praticamente de responsabilidade do país, por exemplo. Tratan-
do-se de treinamentos bem desenvolvidos, é importante lembrar que o Centro Conjunto de
Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) recebeu reconhecimento da ONU por seus treinamen-
tos para as missões de paz. Ao terceiro ponto mencionado pelo General podemos associar to-
do o trabalho desenvolvido principalmente pelo Batalhão de Engenharia no Haiti junto à po-
pulação local. Essa postura aproximou os brasileiros dos haitianos, criando uma ponte para o
diálogo e a coleta de informações.
O General, assim como outros integrantes brasileiros, teve uma postura diferente de
muitos países da ONU, que não estão dispostos a correr riscos ou entrar em combate direto.
Tanto na MINUSTAH quanto no Congo, o Brasil apresentou-se preparado para enfrentar
quaisquer ameaças. Talvez essa seja uma característica brasileira que de alguma forma contri-
88

bua em missões de paz. Entretanto, na visão da autoridade, nem todas as características do


país são positivas.
Quando questionado a respeito das contribuições brasileiras na MINUSTAH, Santos
Cruz afirmou que o sucesso do Brasil deve-se ao seu preparo e competência. Ele não acredita
que o ilustre “jeitinho brasileiro” possa ter contribuído para nosso desempenho na atividade
de inteligência. Para ele, a coleta de informações através da inteligência humana depende do
contexto e do profissionalismo:

[...] eu não vejo no Brasil nenhum jeitinho especial de fazer isso não. Eu acho que o
jeitinho brasileiro é responsável por um monte de problemas que nós temos, não pe-
la solução. A sensação que tenho é que o jeitinho brasileiro às vezes resolve a situa-
ção num curto prazo e às vezes cria grandes problemas em longo prazo [...] a infor-
mação humana é um negócio muito complexo.

A autoridade declarou que, em ambientes vulneráveis como o Haiti, a tendência da


população é de não passar informações, a não ser que estejam altos riscos. O General chamou
atenção para a impermanência das missões e para a descontinuidade da proteção dos infor-
mantes, o que restringia sua disponibilidade em compartilhar dados por medo da exposição.
Além disso, a pobreza presente no país estimulava a venda de informações, ponto este que vai
de embate a organização. “A boa informação acabava tendo algum interesse”. Assim, a in-
formação de caráter humano na estrutura da ONU precisava de gente especializada em todo o
seu processo e em maior quantidade. Todas essas dificuldades exigiam grandes estruturas de
inteligência.
Para Santos Cruz, a descoordenação das informações dificultavam ações imediatas. O
reforço do JOC, da força armada, do componente militar e policial, foi essencial para que fos-
se possível o intercâmbio de informações. De uma forma geral, o JMAC também contribuiu
em sincronização com as tropas.
Desta forma, com base na vivência do General Santos Cruz na MINUSTAH (e no
Congo), compreende-se que os problemas da atividade de inteligência em missões de paz es-
tão relacionados, em grande parte, às Nações Unidas. Ele percebe que quaisquer contribuições
brasileiras na área foram estreitamente técnicas. Em outras palavras, talvez, para a autoridade,
não exista uma forma brasileira de se manter a paz a partir do famoso “jeitinho brasileiro”. O
modus operandi do país está atrelado, na verdade, ao comprometimento e à motivação do
Brasil. Entretanto, acredita-se que os limites entre o “jeitinho” e as capacidades profissionais
dos integrantes brasileiros não sejam bem definidos. A fim de compreender essa e outras
questões da área, através de uma visão mais técnica, o presente trabalho analisou também uma
89

série de relatórios fornecidos pela Subchefia de Operações de Paz do Ministério da Defesa a


seguir.

4.2.2 Nível Operacional – Tático: A Perspectiva das Lições Aprendidas

Dentro do contexto militar, as lições aprendidas dizem respeito ao produto de um pro-


cesso similar ao da atividade de inteligência, cuja “coleta, registro e tratamento de experiên-
cias (individuais e coletivas) e de relatórios de análises pós-ação e/ou de operações possam
contribuir para a evolução da Doutrina Militar” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2015, p. 155).
Essas lições aprendidas partem da superação das vulnerabilidades do terreno. Elas são o pano
de fundo para muitos dos importantes relatórios confeccionados pelos contingentes brasileiros
durante a MINUSTAH. Através de sua apreciação, é possível identificar os óbices enfrenta-
dos e as soluções para o aperfeiçoamento da participação do país em futuras operações de paz
(COTER, 2004, p.1). Identificar os pontos fortes e as dificuldades no terreno é uma forma de
aprimorar o preparo e a atuação de todas as tropas, no nível operacional e tático. Esses apren-
dizados podem contribuir inclusive para a inteligência. No Haiti, “a experiência demonstrou o
valor da atividade repassada por missões anteriores” (CARMENT, RUDNER e HEIDE, 2006
p.7).
Desde o início da MINUSTAH, a atividade de inteligência apresentava debilidades.
Ainda que o tema tivesse evoluído nas Nações Unidas, ele mantinha-se vulnerável. Conforme
mencionado anteriormente, o Brasil esteve envolvido na inteligência desde o seu primeiro
contato com o Haiti, durante a MIF. Após a evolução da MIF e o desmembramento dos pri-
meiros batalhões brasileiros, a participação do país passou a ser mais incisiva. Entretanto, os
elementos de inteligência da missão não sofreram alterações (MINISTÉRIO DA DEFESA,
2004, p.1,2).
As equipes combinadas de planejamento de operações psicológicas, de comunicação
social e de inteligência herdaram alguns problemas. As dificuldades iniciais já ultrapassavam
as limitações conceituais, mencionadas anteriormente pelo General Santos Cruz, alcançando
um status muito mais prático. A falta de informações junto à ONU sobre a estrutura e tarefas
da missão atrapalhou o bom direcionamento dos planejamentos. A cooperação entre os países
que compunham a Força Interina no Haiti e a ONU também era deficiente nessa fase (MI-
NISTÉRIO DA DEFESA, 2004, p.5). Os deslocamentos rápidos e reconhecimentos eram
complexos em função da irregularidade do terreno, que exigia também maiores capacidades e
medidas de segurança. A situação difusa quanto às reais ameaças e a falta de interlocutores
90

aumentava a demanda por intérpretes de creole, idioma local, fundamentais para a coleta de
informações. Os meios disponíveis deveriam ser adaptados (MINISTÉRIO DA DEFESA,
2004, p. 3,4,6).
O difícil cenário haitiano apresentava características comuns às comunidades cariocas,
onde militares brasileiros já haviam desenvolvido operações conhecidas como de Garantia da
Lei e da Ordem. Tais semelhanças, em um primeiro momento, podem ter contribuído para a
atuação brasileira na missão. Contudo, a MINUSTAH precisava ser cumprida de acordo com
seu mandato e resoluções, que lhe conotavam status de uma operação de manutenção da paz e
não de polícia ou GLO. Portanto, o Brasil precisou adaptar-se à realidade operacional no Haiti
para, assim, ser capaz de realizar a missão e desenvolver ações voltadas para a inteligência.
O país identificou a necessidade de capacitação dos profissionais da área e de um re-
forço do efetivo da seção de inteligência para atender às demandas da área operacional. As-
sim, seria possível contornar algumas dificuldades como, por exemplo, estabelecer contatos
com a ONU e com outras organizações locais e lidar com uma grande quantidade de informa-
ções em trâmite (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2004, p. 5,6).
No começo da missão, as dificuldades operacionais eram maiores. No entanto, algu-
mas dessas vulnerabilidades persistiram ao longo da missão, conforme apontado nos relató-
rios dos batalhões brasileiros e na entrevista com o General Santos Cruz. As capacidades téc-
nicas e humanas eram alguns dos problemas constantes na inteligência da MINUSTAH.
As capacidades técnicas da missão apresentavam uma defasagem (MINISTÉRIO DA
DEFESA, 2010, p.20). As debilidades logísticas dificultavam o recebimento de materiais para
o desenvolvimento do trabalho da seção de inteligência (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2010,
p. 9), era um dos problemas identificados. Faltavam equipamentos de tecnologia básica como
GPS, aparelhos de celulares, rastreadores e câmeras (de fotografia e de filmagem) (MINIS-
TÉRIO DA DEFESA, 2013, p. 40). Havia poucas capacidades para a inteligência de imagens
(MINISTÉRIO DA DEFESA, 2006, p.14).
Muitos dos equipamentos de tecnologia básica foram solicitados diretamente às forças
brasileiras, sendo posteriormente fornecidos. O Brasil também colaborou com tecnologia
avançada, sendo a primeira força da ONU a operar um veículo aéreo não tripulado (ainda que
por um curto período) (DORN, 2009, p.825). Da mesma forma, foram realizados investimen-
tos aéreos e construídas instalações, aprimorando assim a segurança (MINISTÉRIO DA DE-
FESA, 2013, p. 11). Porém, as contribuições brasileiras não se restringiram à tecnologia. O
país teve uma participação relevante com capacidades humanas.
91

A dificuldade do idioma local criou na operação uma dependência por intérpretes de


creole (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2007, p.19). A escassez de profissionais capacitados di-
ficultava a comunicação com a população e, consequentemente, a coleta de informações atra-
vés da inteligência humana. O repasse de dados provenientes de sinais, por exemplo, também
se encontrava prejudicado (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2006, p.14, 23). Ao longo da mis-
são, havia uma grande demanda pelo aumento do quantitativo desse e de outros tipos de pro-
fissionais da área (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2005, p. 2), o que remete às questões orça-
mentárias.
A MINUSTAH carecia de pessoal especializado na área de inteligência. Faltavam ofi-
ciais e auxiliares capacitados para compor o quadro e efetivos para a Seção de Inteligência do
Componente Militar com experiência prévia (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2010, p. 9-10).
Também era importante o aumento da rede de colaboradores de informações em função da
descontinuidade de seu fluxo. A coleta de dados ainda demandava uma maior integração com
as agências de inteligência (principalmente do componente policial) e uma ampla participação
de civis e militares (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2014, p. 4).
Alguns desses pontos fracos da inteligência humana apareceram ao longo da MINUS-
TAH. A fim de solucioná-los, os contingentes brasileiros realizaram diversas instruções na
área de inteligência para desenvolver as habilidades do seu pessoal. O sexto contingente rece-
beu um acentuado apoio por parte do Centro de Inteligência do Exército para a preparação de
especialistas, mesmo sem estar previsto em planejamentos anteriores (MINISTÉRIO DA DE-
FESA, 2007, p. 26). Houve também um esforço para o aumento do número de intérpretes,
conforme apresentado no relatório a seguir:

O BRABAT-1/12 possuía uma Seção de Intérpretes composta por oito militares,


sendo composta por três oficias e cinco praças. Até o 9º Contingente esta equipe era
de apenas dois oficiais e seis praças, sendo dividida igualmente entre os idiomas
francês e inglês. A partir do BRABAT/10, em função das mudanças na missão e a
presença de intérpretes locais contratados para apoiar a área do francês/creole, esta
divisão passou a ser de três militares para o francês e cinco para o inglês (MINIS-
TÉRIO DA DEFESA, 2010, p.1).

Além de fornecer subsídios para a capacitação e ampliação do quantitativo na área de


inteligência, o Brasil apresentou-se de maneira diferenciada em relação a motivação. O termo,
destacado por Santos Cruz, aparece com frequência nos relatórios verificados como elemento
fundamental para o funcionamento das tropas.
O moral elevado influencia na dedicação das tropas e a liderança, em todos os níveis, é
a responsável por sua manutenção (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2006, p. 30; MINISTÉRIO
92

DA DEFESA, 2006, p.58). Característica marcante das Forças Armadas brasileiras e de seu
treinamento, o moral dos contingentes era cuidadosamente tratado pelos seus líderes na MI-
NUSTAH. Havia uma preocupação com seu lazer e bem-estar, sua rotina, suas dispensas e
promoções. Foram conduzidas, por exemplo, pesquisas de opinião junto aos militares do
BRABAT 2 com o objetivo de mapear a evolução dos fatores responsáveis pelo estresse das
tropas brasileiras e sua percepção de sentimentos de coesão e camaradagem. Seus resultados
influenciaram ainda nas decisões em todos os níveis (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2011, p.
4).
O moral elevado contribui ainda para o desenvolvimento de uma mentalidade de inte-
ligência, ainda inexistente em grande escala em operações de paz (MINISTÉRIO DA DEFE-
SA, 2008, p. 16). A ausência dessa mentalidade, conforme mencionado pelo General Santos
Cruz e encontrado nos relatórios do Ministério da Defesa, prejudica a cooperação e, logo, a
integração das tropas de diferentes nacionalidades.
Operações de paz complexas, como a MINUSTAH, demandam um alto grau de coo-
peração dos envolvidos e sua coordenação é delicada em todos os níveis. Parte do comporta-
mento dos Estados é ditada pelo grau de institucionalização em seu relacionamento. Como na
inteligência essa institucionalização ainda é frágil, compreende-se que o comportamento dos
Estados seja menos cooperativo. Porém, o Brasil atuava de forma antagônica.
O país era integrado aos outros Estados contribuintes, bem como às organizações e aos
líderes locais. O batalhão brasileiro interagia com outras unidas de segurança do mundo, co-
mo as Unidades de Polícia da Jordânia, Senegal e China, por exemplo, realizando operações
conjuntas. Países latino-americanos como Uruguai e Chile também participavam (MINISTÉ-
RIO DA DEFESA, 2006, p. 11). Seu relacionamento com as tropas estrangeiras foi estreitan-
do-se, de modo a proporcioná-lo o controle operacional de até sete de suas unidades (MINIS-
TÉRIO DA DEFESA, 2006, p. 46).
O batalhão brasileiro permitia ainda a integração de fontes de informações, fortalecen-
do a credibilidade dos dados coletados através de reuniões quinzenais com a participação do
JMAC, da Bolívia, do Peru, da Embaixada brasileira no Haiti e de todas as estruturas do G2 99
(MINISTÉRIO DA DEFESA, 2007, p.22). A evolução do teatro de operações norteava o de-
senvolvimento das operações do BRABAT (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2006, p.10), que
eram baseadas na inteligência.

99
O fato do JMAC e do U2 apresentarem integrantes brasileiros facilitou os contatos informais (MINISTÉRIO
DA DEFESA, 2013, p.13).
93

Walter Dorn (2009, p.805), Michael Dziedzic e Robert Perito (2008, p.1) chamam
atenção para a relevância das operações orientadas pela atividade de inteligência no Haiti en-
tre 2006 e 2007, destacando ainda a participação do já existente do JMAC. Constatou-se que o
Brasil realizou mais operações com esse perfil do que apenas as retratadas em suas publica-
ções.
Considerando todas as dificuldades associadas à atividade de inteligência no âmbito
das Nações Unidas, o desenvolvimento de operações de inteligência não era um procedimento
simples, exigindo disposição, manobras e adaptações importantes. A inteligência realizada
pelo batalhão brasileiro na MINUSTAH permitiu ações pontuais sem efeitos colaterais.
Logo no início das atividades do 4º contingente, foram desenvolvidas várias operações
sistemáticas e exploratórias. Operações de polícia e de combate também foram estabelecidas
em toda a área de responsabilidade. ”Durante o cumprimento da missão, o batalhão brasileiro
desenvolveu ações previstas na doutrina militar brasileira”, todas fortemente associadas à in-
teligência humana como, por exemplo, o patrulhamento a pé e operações de busca, apreensão,
cerco e vasculhamento (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2006 , p 6-8, 25). Essas atuações “fo-
ram bastante relevantes, ocasionando o aprisionamento de uma quantidade significativa de
armamentos, de munições e de bandidos” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2007, p.14). A postu-
ra pró-ativa da missão foi essencial para confrontar as ameaças violentas dos beligerantes e as
operações direcionadas pela inteligência ajudaram a ONU a tomar iniciativas, a aumentar o
controle do terreno e, assim, minimizar suas perdas (DORN, 2009, p.807).
Essas operações realizadas pelos contingentes brasileiros foram de muito sucesso. To-
davia, elas não eram isoladas. Em paralelo, o país participava da assistência à população local;
despertando assim a simpatia do povo haitiano. Essa estratégia estreitava os laços com a po-
pulação local, incitando ainda a sua cooperação até mesmo com informações (MINISTÉRIO
DA DEFESA, 2005, p. 19, 22).
Forman (2011, p.139) acredita que, desde 2004, o Brasil atribuiu à missão no Haiti
uma face regional. Seu modus operandi foi o responsável por sua aproximação com a popula-
ção:
A experiência brasileira em trabalhar as atividades de ajuda humanitária con-
juntamente com operações militares foi um fator diferenciador do batalhão
dos demais contingentes. Tal fato foi percebido e permitiu que o batalhão ti-
vesse um tratamento diferenciado em relação às demais forças (MINISTÉ-
RIO DA DEFESA, 2006, p. 28).

Todos os tipos de ações, fossem elas de cunho operacional, social, administrativo ou


assistencial, eram desenvolvidas com a premissa básica de auxílio à população, a fim de man-
94

ter e fortalecer o consentimento haitiano. Desta forma, o brasileiro teve uma boa receptividade
se comparado com outras tropas (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2006, p. 15, 45).
O Brasil desenvolvia atividades junto à população haitiana. Eventos como o Jogo da
Paz, jogo de futebol do time brasileiro contra o haitiano em que ingressos eram trocados por
armas, funcionavam como forma de aproximação. Outras atividades cívico-sociais (ACISOS),
como a participação brasileira na distribuição de alimentos, criavam um ambiente de confian-
ça que facilitava a troca de informações e, logo, o desenvolvimento da inteligência (MINIS-
TÉRIO DA DEFESA, 2005, p. 2, 5). Essas atuações na área de operações (AOR) tinham co-
mo objetivo estratégico a obtenção do apoio da população (MINISTÉRIO DA DEFESA,
2007, p. 51). As chamadas atividades de cooperação civil-militar (Civil and Military Coope-
ration – CIMIC) sensibilizavam a população, atendendo a estratégia das forças de se conquis-
tar corações e mentes (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2007, p. 24). Essa relação promovia um
ambiente mais estável e, assim, seguro.
Relatórios do JMAC também reconheciam que projetos de engenharia contribuíram
para a diminuição das hostilidades (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013, p.51). Boot (2002, p.
297) compreende que as CIMIC “são a interface entre militares e civis nas operações de paz,
funcionando como a melhor opção para adentrar na população, fazendo assim com que a inte-
ligência flua”.
Essa “integração entre operações psicológicas e de inteligência em todas as áreas do
BRABAT desempenhou papel relevante para a aquisição de informações junto à população e
para o planejamento e execução de campanhas” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2008, p. 22). O
ambiente de aproximação gerado a partir de técnicas de contato pessoal resultou na obtenção de
dados de inteligência sobre as forças adversas (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2010, p. 6).
A forma de aproximação utilizada como estratégia brasileira para a construção de confian-
ça e credibilidade com o povo haitiano e, consequentemente, como técnica para a coleta de infor-
mações, é uma postura particular do país. A abordagem brasileira, que não teve orientação da
Organização das Nações Unidas, fez uso de características culturais e etnográficas; desenvol-
vendo assim um melhor domínio dos aspectos humanos do ambiente operacional
(VALEYRE, 2011, p.14).
A inteligência desenvolvida pelos contingentes brasileiros fez uso principalmente de
fontes humanas e de imagens (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2011, p. 5). Walter Dorn (2009) e
Bram Champagne (2006) são apenas alguns dos autores que reconhecem a inteligência huma-
na como um valioso método de coleta de informações. As operações de paz modernas tendem
a acontecer em ambientes ricos em HUMINT (BRULS; DORN, 2014, p.134).
95

A HUMINT, composta pelas tropas, colaboradores locais e até informantes (ainda que
não oficialmente declarados) (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2005, p. 13, MINISTÉRIO DA
DEFESA, 2010, p. 9), estava diretamente atrelada à estratégia do Brasil de desenvolver ope-
rações juntamente a ações sociais. Conforme mencionado anteriormente, essa duplicidade de
atuação brasileira resultou numa ampla produção de conhecimento (MINISTÉRIO DA DE-
FESA, 2010, p. 9). Desta forma, o Brasil driblava algumas das vulnerabilidades que acometi-
am à inteligência humana.
O batalhão brasileiro confeccionou o primeiro Plano de Inteligência e de contra inteli-
gência da MINUSTAH, apresentando ainda um Repertório de Conhecimentos Necessários
(RCN) para o assessoramento do Comando da missão e para o direcionamento dos trabalhos
desenvolvidos pela Seção de Inteligência (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2014, p.3; MINIS-
TÉRIO DA DEFESA, 2006, p.13; MINISTÉRIO DA DEFESA, 2010, p.9). Além disso, os
policiais brasileiros facilitaram os contatos necessários com o componente policial (MINIS-
TÉRIO DA DEFESA, 2010, p.10).
Forças de Operações Especiais100 também foram importantes mecanismos nas opera-
ções. O DOPaz (Destacamento de Operações de Paz) teve seu emprego voltado principalmen-
te para a área de inteligência. Ele desenvolveu vários reconhecimentos e levantamentos do
terreno, coletando dados importantes da AOR e produzindo conhecimento operacional, sem-
pre de acordo com a fundamentação doutrinária da Inteligência Militar do Exército Brasileiro
e do Memorando de Entendimento para MINUSTAH. Ele também foi responsável pela pro-
moção da reestruturação da rede de colaboradores do BRABAT (MINISTÉRIO DA DEFE-
SA, 2010, p.8; MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013, p.5). Através das frequentes reuniões do
JMAC, o DOPaz estreitou o contato com outros integrantes da comunidade de Inteligência da
MINUSTAH, como militares, policiais e civis. Essa interação permitiu o acompanhamento
dos eventos ocorridos nas áreas de interesse do batalhão brasileiro e no Haiti como um todo
(MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013, p.40).
O Brasil destacou-se igualmente por sua rede de colaboradores controlada pelo Oficial
de Inteligência, suas equipes dos postos de observação, suas equipes operacionais (quando
empregadas no terreno), seus pacotes de patrulhamento (principalmente patrulhas realizadas a
pé) e outros métodos (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013, p.39).
A integração com o CCOPAB também foi de extrema relevância para a difusão dos
conhecimentos adquiridos durante a missão aos contingentes subsequentes. Ela influenciava

100
São consideradas Forças de Operações Especiais as unidades compostas por militares capacitados cujo
treinamento é diferenciado.
96

“desde o aspecto moral da tropa, evitando decepções com o cenário, bem como o amplo
conhecimento das interações políticas no país que refletiam diretamente no planejamento
estratégico do BRABAT” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013, p.43).
A postura proativa dos contingentes, tanto voltada para ações táticas quanto para a
conjuntura política e social do Haiti (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2008, p.3), permitiu que o
componente militar penetrasse mais facilmente e de forma mais eficaz no terreno ( MINISTÉRIO
DA DEFESA, 2013, p. 39), preenchendo lacunas e manobrando dificuldades impostas pela coleta
de informações por parte da inteligência humana. A alternativa brasileira, ou o “jeitinho” encon-
trado pelo país, apresentou uma nova forma de se realizar inteligência humana em operações de
paz.
O Brasil desenvolveu um perfil de inteligência humana vinculado a uma espécie de in-
teligência etnográfica (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2013, p.5 2013, p.9). “Um entendimento
mais aprofundado das intenções e capacidades dos adversários através do conhecimento da
história, da cultura e da política da sua região” gera oportunidades de ganhos de corações
ementes e, logo, de uma ampla coleta de informações (GENDRON, 2006, p.167).
O método de inteligência etnográfica (Ethnographic Intelligence – ETHINT ou EI)
considera as formas disponíveis de organização social como um mecanismo de conhecimento
de uma sociedade. Ele cria redes invisíveis, de difícil percepção, por não serem culturalmente
familiar, o que demanda atenção e treinamento adequados (RENZI, 2006, p. 17). Essa
compreensão do Brasil a respeito da estrutura da população haitiana vinha ainda
acompanhada de um entendimento cultural.
A adaptação dos militares à cultura do Haiti e sua assimilação à população
(MINISTÉRIO DA DEFESA, 2015, p.3) contribuíam para sua atuação no terreno. Segundo
Coles (2005, p.1), o método de coleta de inteligência cultural (Cultural Intelligence –
CULINT) comporta:
[...] a análise das informações sociais, políticas, econômicas e de outras dimensões
demográficas que permitem a compreensão da história de uma nação ou de seu
povo, instituições, psicologia, crenças (como religião) e comportamento [...] a
inteligência cultural fornece a base para o desenvolvimento de estratégias para
interação com povos estrangeiros sejam eles neutros, uma população de um
território ocupado, ou inimigos.

Após identificar os efeitos do conhecimento cultural e etnográfico, o Estado-Maior


brasileiro buscou o apoio de um antropólogo. Sua contribuição facilitou a retomada de contato
com líderes locais, além da realização de atividades para obter ainda maior apoio da popula-
ção (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2005, p.9).
97

A percepção do valor da MINUSTAH para a população haitiana e seu consentimento


criado a partir de uma combinação equilibrada de ações de efeito cinético e não cinético por
parte dos contingentes brasileiros resultaram no apoio massivo ao Brasil (MINISTÉRIO DA
DEFESA, 2005, p.11). Essa conquista de corações e mentes foi uma realização alcançada gra-
ças à consciência etnográfica e cultural do país.
O Brasil tentou driblar muitos desafios da área de inteligência. O país, que tinha limi-
tações de ação (por questões orçamentárias, políticas e de outras origens), participou e colabo-
rações para além de suas obrigações na MINUSTAH. Dentre a evolução e o retrocesso da ati-
vidade de inteligência na missão, ele mostrou-se apto tecnicamente e estrategicamente, desen-
volvendo um modus operandi que contemplou a coleta de dados junto da compreensão socio-
lógica do ambiente. Essa combinação gerou resultados positivos para a MINUSTAH e para o
Brasil na missão e no cenário internacional.

4.3 Análise Final: As Perspectivas de Contribuições Brasileiras e a Disseminação de Re-


sultados

Da mesma forma que o ciclo da inteligência apresenta uma fase de análise das infor-
mações coletadas para a produção de conhecimento, o presente estudo fez uso dessa ferra-
menta. A apreciação aprofundada dos dados coletados é importante para a transformação de
informações dispersas em conhecimento direcionado. Neste caso, o conhecimento direcionado
são as contribuições brasileiras na área de inteligência e sua possível difusão.
Foi constatado um grande número de fontes que abordavam o tema atividade de inteli-
gência em operações de paz das Nações Unidas. Todavia, poucos autores descreviam com
propriedade a atuação do Brasil na área. Assim, este trabalho buscou fontes alternativas que
informassem a respeito das dificuldades e das contribuições do país no terreno, especifica-
mente na MINUSTAH.
A entrevista com o General Santos Cruz, ex-comandante da missão, e os diferentes ti-
pos de relatórios brasileiros acessados e não publicados referentes às lições aprendidas neste
contexto apresentaram um grande conjunto de dados com percepções diretas e internas deta-
lhadas de referida missão de paz. Essas informações indicavam vulnerabilidades, contribui-
ções e algumas soluções encontradas pelo Brasil, bem como seu jeito particular de agir no tea-
tro de operações. Basicamente, foi possível constatar como o país percebia a missão, como
acreditava que a missão deveria ser desempenhada e o como os contingentes brasileiros agi-
ram na prática em prol dessa percepção.
98

A experiência no terreno permitiu a identificação de problemas referentes ao seu ciclo.


O desenvolvimento do JMAC contribuiu para suprir demandas analíticas enquanto os contin-
gentes brasileiros desenvolveram um método particular para coletar informações diretamente
no terreno humano, tentando assim responder às suas limitações. Entretanto, o fluxo de in-
formações ainda demanda coordenação, agilidade e principalmente aptidão para prontas res-
postas.
A institucionalização da atividade de inteligência em missões de paz, ainda que super-
ficial, não impediu a ocorrência de problemas relacionados ao seu produto final. Ele permane-
ce atrelado a alguns interesses da própria ONU, como suas questões legais, por exemplo. For-
talecer sua atuação na área de inteligência e o emprego de métodos mais discretos ainda não é
o objetivo das Nações Unidas; o que interfere diretamente no orçamento da área.
O orçamento é uma questão que ainda atinge todos os níveis da missão, influenciando
no potencial de planejamento e de ação. Embora o Brasil não pudesse suprir questões finan-
ceiras, ele desenvolveu planejamentos e executou ações estratégicas, sempre motivando a atu-
ação na área de inteligência e a criação de uma mentalidade a ela associada. A opção por uma
postura proativa do país na área de inteligência foi reforçadas nos relatórios. A opção por um
comando com o mesmo status foi veementemente defendida pelo ex-comandante da força.
Porém, a destacada mentalidade de inteligência continua sendo um desafio para a instituição e
para muitos de seus integrantes; dificultando assim a cooperação entre eles.
A cooperação, ponto discutido pela teoria que embasa este trabalho, apresentou-se
como um fator complicador para o desenvolvimento da inteligência. Entretanto, o Brasil des-
tacou-se por bons relacionamentos com outros países, contingentes, organizações e líderes
locais mesmo quando o assunto era referente ao intercâmbio de informações.
As perspectivas aqui abordadas convergem no que tange à participação brasileira na
MINUSTAH como referência. Embora Santos Cruz não percebesse vantagens diretas associ-
adas ao “jeitinho brasileiro”, mais comuns ao nível operacional-tático, ele acreditava e, um
perfil estratégico genuinamente brasileiro de atuação nas operações de paz. Os relatórios ana-
lisados, além de descreverem esse modus operandi, apontam para um “jeitinho” caracteristi-
camente brasileiro que rende a vinte e um contingentes um amplo espaço para atuação na área
de inteligência, além de bons resultados.
Talvez, o limiar entre o “jeitinho” e a estratégia não seja muito bem definido. Talvez o
Brasil estivesse apto tecnicamente para responder algumas das vulnerabilidades aqui levanta-
das, mas é importante também questionar o que fez dele um país competente para tal: treina-
mentos adequados? Experiências em GLO? Vivência em ambientes parecidos? Sensibilização
99

por identificação? Características culturais como a herança militar de se conquistar corações


e mentes? A habilidade de improvisar e manobrar situações?
É difícil responder adequadamente essas questões, mas certamente foi identificado,
através da análise de todas as informações aqui computadas, uma forma particularmente brasi-
leiro de se fazer não somente operações de paz, mas inteligência em missões de paz.
Este resultado pode ser transposto para missões cujo cenário convirjam com a MI-
NUSTAH. O desenvolvimento de novos métodos de coleta e de conduta na atividade, como
os executados pelo Brasil, podem ser empregados em terrenos e até mesmo institucionaliza-
dos futuramente. Se o país cooperou, aumentando os níveis de segurança no Haiti, por que
não aproveitar seu modus operandi e incorporar esse tipo de atuação nas orientações dos sol-
dados da paz? Essa resposta encontra-se nas mãos dos tomadores de decisão. Mais uma vez,
os resultados disseminados dependem dos interesses de quem os detêm. Afinal, a atividade de
inteligência é apenas para orientação.
100

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas operações de paz, a atividade de inteligência – ainda que flutue sobre óbices con-
ceituais e empíricos – desempenha papel único no reconhecimento do terreno e de seus desa-
fios e ameaças; influenciando assim diretamente na efetividade da ação dos integrantes da
missão e, consequentemente, em seus resultados. Entretanto, como doutrina, ela ainda apre-
senta-se frágil. Há muitos desafios a serem vencidos.
Ao longo do desenvolvimento das operações de paz, a atividade apresentou um cená-
rio de tentativas e erros frequentes, evoluindo em passos lentos, mas progressivos. A ONU
precisou quebrar estereótipos e viver experiências negativas resultantes da sua ausência inicial
para absorver a verdadeira importância da inteligência para a segurança do terreno e da pró-
pria missão. O JMAC representou um ápice no caminho percorrido, principalmente em rela-
ção à fase de análise das informações, mas as vulnerabilidades decorrentes do contexto, das
dinâmicas da atividade e da própria instituição como um todo permaneceram e ainda perma-
necem afrontando o teatro de operações, como o da MINUSTAH.
Os mais de dez anos da missão no Haiti, sem contar as interferências internacionais a
ela precedentes, demonstram altos e baixos na atividade da inteligência. Conforme a missão
tomou uma forma mais definida e os problemas do terreno foram melhor compreendidos, a
atividade de inteligência passou a ser mais direcionada. Concomitantemente, conforme a mis-
são se afastou de seus objetivos iniciais de segurança e passou a priorizar as demandas por
desenvolvimento, sempre orientadas por seu mandato e suas resoluções, ela apresentou uma
queda no esforço de produção de conhecimento. Todavia, os dados coletados demonstraram
que, mesmo em períodos como esse, o Brasil continuava desempenhando um papel ativo nes-
te arcabouço.
O conhecimento proveniente das experiências do General Santos Cruz, ex Comandan-
te da Força da missão, e dos relatórios disponibilizados pela Subchefia de Operações de Paz
do Ministério da Defesa do Brasil demonstraram uma participação incisiva do Brasil na MI-
NUSTAH em relação a atividade de inteligência. Os relatos de desafios e vulnerabilidades
apresentados, normalmente, eram complementados com respostas brasileiras – muitas delas
adaptadas.
Após a análise de todas as informações coletadas, compreendeu-se que o Brasil apre-
sentou algumas contribuições para a atividade de inteligência na MINUSTAH. O país enfren-
tou restrições provenientes da falta de recursos direcionados pela própria instituição e outras
101

impostas pelo terreno e pela própria ONU. Por outro lado, ele foi capaz de adaptar-se aos de-
safios do cenário.
Caracterizar as operações de campo com traços de GLO, criar novos métodos de cole-
ta de informações associados à inteligência humana, como a inteligência etnográfica e a inte-
ligência cultural, realizando paralelamente operações militares, psicológicas e de assistência
humanitária, sempre conquistando corações e mentes, foi a receita encontrada pelo Brasil para
desenvolver um modus operandi que lhe rendeu resultados positivos e reconhecimento inter-
nacional. Os altos cargos preenchidos na missão, a postura proativa do país e sua disposição
de pronta resposta (ainda que limitada) também caracterizaram seu perfil de ação. A falta de
uma mentalidade de inteligência na ONU e em seus integrantes, frequentemente levantada
neste trabalho, parece ter sido suprida de alguma forma pelo esforço, motivação e cooperação
brasileiros.
Essa forma de se fazer inteligência em operações de paz apresenta características pos-
sivelmente associadas às capacidades técnicas, aos treinamentos, às habilidades, às heranças
culturais e até mesmo ao perfil do peacekeeper brasileiro. A origem dessa forma de operar no
terreno não é clara, mas as contribuições resultantes dessa alternativa são explícitas.
Talvez a motivação brasileira de agir de forma proativa no Haiti tenha sido derivada
de seus interesses associados a sua projeção internacional. Talvez tenha sido pela simples so-
lidariedade e motivação do bem comum. O importante é que seu comportamento o levou a
cooperar e assim, contribuir diretamente nos resultados da missão. Neste caso, o comporta-
mento do país afetou a instituição ONU e poderia afetar ainda mais caso a mesma aproveitas-
se e adaptasse este modelo em outras missões.
Assim, foram identificadas contribuições brasileiras na atividade de inteligência, uma
forma particular de se operar e ainda estratégias características do país; independente de esta-
rem associadas ou não ao famoso “jeitinho brasileiro”. O Brasil desenvolveu novos procedi-
mentos na área. Essas lições aprendidas poderiam ser difundidas e adaptadas pela Organiza-
ção das Nações Unidas em futuras missões. Contudo, os resultados do país na MINUSTAH e
o conhecimento produzido por esta pesquisa não garantem sua utilização. Ela depende, na
verdade, das escolhas e do interesse da instituição.
O comportamento brasileiro na MINUSTAH produziu um efeito cascata: seu modus
operandi na atividade de inteligência influenciou os resultados da operação de paz; o que for-
taleceu a ONU como instituição e assim, seu papel na segurança internacional. Essa forma de
atuação e seus desmembramentos, cujos resultados foram positivos, beneficiariam as Nações
102

Unidas se fossem inseridas em suas orientações, seus manuais, sua doutrina. Porém, essa di-
nâmica coloca em questão muitas outras dentro da organização.
Assim como no desenvolvimento da atividade de inteligência existe uma lacuna entre
o conhecimento produzido e as ações dele provenientes, o aproveitamento futuro doutrinário e
prático das contribuições brasileiras no cenário da atividade de inteligência nas operações de
paz depende da vontade das Nações Unidas de delas fazer uso. O Brasil tem muito a oferecer
e apresenta uma postura promissora na área, mas a ONU precisa, antes de tudo, consentir a
propagação dessas lições aprendidas e ainda sustentar, politicamente e financeiramente, seu
emprego. Estaria a ONU disposta a cooperar desta forma?
Infelizmente a cooperação não é uma característica comum à área de inteligência. No
entanto, a ONU deve compreender que nesse caso o nível de cooperação corresponde propor-
cionalmente ao nível de segurança alcançado. A organização já experimentou os resultados de
sua recusa ao conhecimento produzido pela atividade de inteligência. Que não sejam necessá-
rias lições ainda mais custosas. Que não sejam indeferidas novas formas de se fazer inteligên-
cia.
103

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101
Considerando a dicotomia entre o sigilo (característica inerente à atividade de inteligência) e a relevância da
exposição e compartilhamento de referido tema para a expansão dos estudos na área, o presente estudo optou por
não divulgar nas referências bibliográficas os relatórios detalhados, disponibilizados pela Subchefia de Opera-
ções do Ministério da Defesa, que foram utilizados como fontes no terceiro capítulo. De acordo com o artigo 5º,
inciso XIV, da Constituição brasileira (1988), é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo
da fonte, quando necessário ao exercício profissional, conforme julgado pela autora neste caso.
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