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Universidade de Brasília

Departamento de Antropologia
Curso: Introdução à Antropologia (Turma G)
Docente: Martina Ahlert
Discente: Ana Carolina de Sousa 09/89118

Um breve estudo sobre o comportamento homossexual

Brasília
2010
INTRODUÇÃO

Durante uma discussão sobre exótico e familiar, conceitos presentes no texto de Da Matta
(1978), em uma das aulas de Introdução à Antropologia da professora Martina Ahlert na
Universidade de Brasília (UnB), me deparei com a possibilidade de estranhamento daquilo que já
se tornou comum para mim: o contato diário com homossexuais. O presente trabalho de
conclusão da matéria anteriormente citada procura, portanto, analisar o comportamento dos meus
amigos homossexuais, suas peculiaridades, as formas de manifestação da sexualidade, como o
grupo se define e se caracteriza e o que faz deles homossexuais1.

PROBLEMA DE PESQUISA

Procuro analisar as mudanças no comportamento de um grupo de homossexuais em dois


ambientes de identidades distintas: a) boates de Brasília destinadas a esse público, cuja identidade
é ligada diretamente à manifestação da homossexualidade; b) lugares públicos que não são pontos
de encontro de homossexuais. Ao dividir o trabalho de campo em dois tipos de lugares, busca-se
apontar semelhanças e diferenças no comportamento dos meus amigos em ambientes que
supostamente apresentam dois graus de aceitação distintos à manifestação da homossexualidade.

INSERÇÃO EM CAMPO

Observei os meus amigos gays em seu cotidiano. Fui a um café da cidade na companhia
do Rafa, meu melhor amigo desde a quinta série do ensino fundamental, e de seus amigos do
grupo de teatro2. Além disso, participei, como de costume, dos momentos dos meninos de REL3
na UnB, tanto nas aulas quanto nas conversas de corredor. Além disso, acompanhei o esse grupo
em uma “balada gay”. Fomos à boate Blue Space, que é um lugar de Brasília destinado a
homossexuais.

1
Faz-se necessária a ressalva de que o termo “homossexual” não é utilizado como um rótulo, mas apenas como uma
referência da orientação sexual do grupo, que é uma característica comum a todos os integrantes.
2
Chamarei de pessoal do teatro o grupo dos amigos do Rafa que se afirmam como homossexuais.
3
Por grupo dos meninos de REL deve-se entender o grupo dos meus amigos de turma (4º semestre) do curso de
Relações Internacionais da UnB.
1
Algumas semelhanças podem ser apontadas para todos eles. Todos os meninos têm entre
19 e 22 anos, e estão situados na faixa entre a classe média e a classe alta em termos de renda.
Todos moram sem os pais, ou sozinhos, ou em repúblicas de estudantes. O Rafa faz faculdade de
Comunicação Social e de Teatro Musical nos EUA e sempre participa das atividades do Grupo de
Teatro Musical de Brasília quando passa férias no Brasil, os meninos de REL são todos de fora
de Brasília e moram aqui sem os pais. Alguns deles têm carro próprio. Além disso, nenhum deles
é negro. Ou seja, todos pertencem à minoria mais rica do país. Vale observar que o padrão de
consumo de todos eles é bastante elevado e que eles não economizam em gastos com comida,
diversão ou vestuário. Todos já viajaram para fora do país e todos usam roupas de marca.
Em uma descrição dos aspectos correspondentes ao espírito do grupo, em termos
malinowskianos, pode-se afirmar que o fato de o grupo ser conformado por homossexuais não
significa dizer que a sexualidade é o elemento que os identifica e liga como grupo. O elemento
unificador é o fato de todos serem colegas de curso ou de teatro. Há uma identificação
relacionada com a orientação sexual do grupo. Todos são amigos e andam juntos também por
serem gays. Esse fato colabora para que os interesses do grupo sejam coincidentes e permite que
as atividades sejam feitas em conjunto, mas não é um fator decisivo para a união dos integrantes.
Pode-se dizer que, nos dois casos, esse é um elemento coesivo, mas que não é determinante, já
que há antipatia entre elementos do grupo e outros homossexuais e que existem heterossexuais
que participam dos grupos. Pode-se dizer também que a classe social a que pertencem é um
elemento coesivo, já que dá um grau de homogeneidade para os assuntos, os interesses, as
possibilidades de gastos com diversão e alimentação, etc.
A homossexualidade pouco importa para a relação dos dois grupos. Não há uma tensão
sexual entre os integrantes. São todos claramente amigos e possuem uma relação de amizade,
como o próprio grupo dos meninos de REL define: limpa e transparente. Fazer Relações
Internacionais é um fator que liga o grupo, mas a convergência dos interesses (acadêmicos,
culturais, de diversão) é o que os faz amigos. A sexualidade colabora, entre outros fatores, para
essa convergência de interesses.
É possível apontar alguns sinais correspondentes ao que Malinowski apontaria como
carne dos indivíduos estudados. O modo de se vestir é característico. Algumas marcas de roupa
são preferidas pelo grupo, como Armani Exchange e Calvin Klein, já que são marcas que não se
diferenciam apenas pela qualidade da roupa, mas também pelo corte e pelo design. Usam,
2
geralmente, calças e camisas mais justas que as roupas usadas por heterossexuais, além de
preferirem cores inusitadas para as camisetas, como rosa, roxo e amarelo vibrante.
Outra marca é a forma de se expressar de cada um dos integrantes do grupo. Ao refletir
acerca das formas como os meninos se expressam, ocorreu-me certo estranhamento. Eles
possuem traços femininos? Procuram imitar as mulheres? A expressão corporal, a forma de falar,
de gesticular, de sentar e de andar é peculiar a cada um, mas todos possuem traços tidos como
femininos pela nossa sociedade. Os assuntos do grupo também podem ser caracterizados como
“de mulher”. Conversam bastante sobre o curso e as obrigações com as matérias, falam também
de outras pessoas, criticam as roupas, os jeitos de falar, comentam coisas que aconteceram, ou
seja, “fofocam” de uma forma que se aproxima da abordagem das mulheres. Os gostos também
apresentam características femininas: um gosta de cozinhar, outro é apaixonado por museus, e um
terceiro adora música, dança e participa de um grupo de teatro. Ou seja, há uma grande
sensibilidade, diferindo muito do comportamento de homens que se afirmam heterossexuais.
Outro aspecto que compõe a carne dos dois grupos é a linguagem. Algumas gírias e
expressões são preferidas, algumas delas são: “a louca”, usada para definir alguém que disse algo
sem nexo ou absurdo; “ah, fala!”, usada quando alguém diz algo que é óbvio; “beijos, me liga”,
usado tanto para se despedir, quanto para expressar que não se importam com a situação; e
“racha”, usada para se referir a mulheres, muito própria desses grupos. Algumas dessas gírias são
também observadas em outros grupos.
O pessoal do teatro se reúne sempre para ensaios e aulas, além de saírem muito. O
cotidiano dos meninos de REL é permeado pelos estudos. Grande parte das atividades envolve
aulas, grupos de leitura e de estudos e discussões de textos. Nos finais de semana, o grupo
frequenta museus, cinemas, teatros e as boates. As boates, apesar de ser um recorte importante
para o trabalho, não representam uma das atividades principais dos grupos. Eles se juntam
bastante para cozinhar uns nas casas dos outros, para conversar, assistir filmes, passar tempo
juntos, além dos passeios citados.
Além desses aspectos gerais e comuns aos dois grupos observados, alguns fatos que
ocorreram durante o trabalho de campo podem ser ilustrativos das mudanças, ou não ocorrência
de mudanças, no comportamento dos indivíduos observados em lugares públicos ou destinados
ao público homossexual.

3
Alguns episódios que corresponderia à noção malinowskiana de esqueleto do grupo são
ilustrativos da análise que procederá. O primeiro deles foi observado numa manhã de Quinta,
quando não tive uma das minhas aulas e fiquei sentada sozinha do lado de fora da sala na FA4.
Um casal gay, de dois “calouros” meus, estava sentado próximo a mim. Os dois conversavam e
riam alto, mas não se tocaram nenhuma vez. Quando a aula deles terminou, os dois entraram na
sala para pegar seus respectivos materiais. Novamente do lado de fora, ficaram algum tempo
conversando com uns amigos e um pouco antes de sair deram um beijo muito curto e rápido, sem
quase encostar suas bocas. Saíram lado a lado, novamente, sem se tocarem.
Em outra ocasião, fui a um café da Asa Norte com o grupo de teatro do qual o Rafa faz
parte. O Rafa tinha conhecido, no dia anterior na Blue Space, um menino muito bonito que
aceitou o convite de ir ao café conhecer os amigos do Rafa. Eles ficaram “de casalzinho” durante
todo o tempo em que ficamos no café. Ficaram de mãos dadas, se beijaram várias vezes, se
abraçaram. Agiram como o que é socialmente esperado para os casais apaixonados em ambientes
como um café ou um restaurante.
Na noite de Sexta que fomos à boate Blue Space, não notei nenhuma mudança
significativa no comportamento de nenhum dos meninos. As roupas, conversas, modos de
expressão, tudo foi semelhante ao observado em outros lugares.

ANÁLISE

A análise que se segue busca destrinchar as características dos indivíduos observados,


bem como os fatos observados durante a pesquisa de campo.
Um primeiro ponto que exige uma análise mais aprofundada é a questão da feminilidade.
Podemos dizer que os meninos apresentam traços de feminilidade no seu jeito de ser. É
necessário observar, entretanto, que os conceitos de feminino e de masculino são socialmente
construídos. Esses conceitos variam de sociedade para sociedade, ou mesmo dentro delas, sendo
difícil delinear características fixas e gerais do que feminino e masculino significam. Da mesma
forma que a masculinidade é definida, no contexto do jogo das bolinhas em Ipanema, de forma
invertida, no sentido de “elogiar denegrindo” (CARVALHO, 1990), a masculinidade e a
feminilidade são concebidas de forma diferente entre os estudantes universitários e atores de

4
Prédio da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade de Brasília,
4
teatro de Brasília. Longe de pretender delinear esses dois conceitos no contexto da UnB, o que é
importante ressaltar é a relação do grupo estudado com os dois conceitos.

“Ultimamente, tem-se procurado entender a sexualidade não como expressão


de uma essência humana, mas como uma construção social que deve ser
vista dentro de seu contexto histórico. O conteúdo da sexualidade e
fornecido, em última instância, pelas relações sociais humanas, as atividades
produtivas e a consciência”. (MACRAE, 1987, p.81)

Algumas características como usar roupas justas, gesticular de forma peculiar, e ter
afinidade por teatro, música e cozinha podem ser apontadas como atitudes ligadas ao que a
sociedade em que se inserem vê como feminino. Há, entretanto, traços de masculinidade também
assaz presentes, três dos seis rapazes usam barba, todos malham e têm corpos bem delineados,
por exemplo. Acredito poder afirmar, portanto, que há uma mescla complexa de traços tidos
como femininos e masculinos, de acordo com as preferências, formações, visões de mundo e
experiências de cada um. Citando Jean-Claude Bernardet, MacRae destaca que:

“Homossexualidade não é privativo dos homossexuais, nem


heterossexualidade de heterossexuais, nem masculinidade de homens, nem
feminilidade de mulheres. Homo e heterossexualidade não designam
estados, mas formas ou possibilidades de comportamento extensivas ao
conjunto do corpo social, envolvendo todas as pessoas independentemente
da forma específica de sua genitalidade e da pratica sexual a que se entregam
exclusiva ou predominantemente”. (MACRAE, 1987, p.86)

Nesse contexto, pode-se defender que não existe um ser homossexual, mas um estar
homossexual. O autor supracitado apresenta a ideia de Peter Fry acerca da homossexualidade.
Para Fry, o desejo sexual por um parceiro do mesmo sexo é apenas um aspecto das atividades da
pessoa. Qualquer um pode potencialmente se relacionar com alguém do mesmo sexo, é uma
questão de liberdade de escolha. A homossexualidade se relaciona, nesse sentido, a uma maior
liberdade de escolha à qual o indivíduo se permite confrontar. As pessoas que se definem como
5
homossexuais encaram de forma menos restrita as suas opções de escolha com relação a um
parceiro homossexual.
Outro fato que gerou estranhamento e contrariou minhas expectativas do início do
trabalho foi a não ocorrência de mudanças significativas ou expressivas no comportamento do
grupo nos dois tipos de lugares observados. Em lugares destinados ou não ao público
homossexual, todos os indivíduos observados agiram de forma semelhante, naquelas
características gerais delineadas acima como a carne, nos termos de Malinoski, do grupo. Há,
entretanto, uma certa tensão com relação à manifestação da homossexualidade em ambientes
públicos e/ou formais, como a UnB.

“A maioria dos casais de mesmo sexo não se permite fazer manifestações de


afeto em público, se beijar na rua ou pegar na mão de seu companheiro ou
companheira na frente de outras pessoas. O medo do olhar reprovador e
mesmo da violência física determina o conjunto de gestos de carinho entre
parceiros homossexuais, ao passo que os mesmos gestos são encorajados e
estimulados em sua forma heterossexual. A educação na luta contra a
homofobia consistiria em sensibilizar a população para que deixe de
considerar a heterossexualidade como a única sexualidade normal e natural”.
(BORRILLO, 2009, p. 46)

Como descrito anteriormente, o caso do casal que evitou o contato físico na FA é um


exemplo dessa afirmação de Borrillo que tive a oportunidade de presenciar e observar de longe.
Em outros casos, como o exemplo do Rafa e seu novo namorado no café da Asa Norte, observa-
se um rompimento com essa expectativa presente na sociedade atual de convivência apenas com
casais heterossexuais. Creio que há cada vez mais espaço para essas manifestações de afeto
homossexuais. Acredito também que a sociedade precisa se confrontar cada vez mais com esse
tipo de atitude desafiadora da suposta normalidade, como forma de busca uma afirmação cada
vez maior dos homossexuais frente à sociedade.

6
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o comportamento dos meus amigos que se afirmam homossexuais, em um


trabalho de campo consideravelmente curto e restrito, apresentaram-se algumas características
passíveis de generalização e alguns fatos ilustrativos do comportamento dos indivíduos em
diversas situações com as quais se deparam. As experiências que tive me permitiram afirmar que
não há diferenciação de comportamento em diferentes ambientes que possuem, supostamente,
graus distintos de aceitação das manifestações de homossexualismo. Mesmo em um contexto
histórico e social marcado pela tolerância e pela crescente incorporação das diversidades na vida
pública cotidiana, os homossexuais ainda sofrem preconceito e segregação. Talvez devido a esse
fato, observa-se que ainda ocorrem certos episódios de tolhimento da liberdade de expressão por
parte da minoria aqui tratada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORRILLO, Daniel. In: Homofobia & Educação: um desafio ao silêncio / Tatiana Lionço;
Debora Diniz (Organizadoras). Brasília: LetrasLivres : EdUnB, 2009. Disponível em:
http://sites.google.com/site/concursonigs/referencia-da-semana/ahomofobiaumtextodedanielborrillo.
Acesso em: agosto de 2010.

CARVALHO, José Jorge de. O Jogo das Bolinhas. Uma Simbólica da Masculinidade. Anuário
Antropológico/87. Rio de Janeiro/Brasília: Tempo Brasileiro/Editora Universidade de Brasília,
1990.

DA MATTA, Roberto. O ofício do etnólogo ou como ter Anthropological Blues. In: NUNES,
Edson de Oliveira (Org.). A Aventura Sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. P. 23-35.

MACRAE, Edward. Afirmação da identidade homossexual: seus perigos e sua importância.


Campinas: Pontes, 1987. Disponível em:
http://www.giesp.ffch.ufba.br/Textos%20Edward%20Digitalizados/8.pdf. Acesso em: agosto de 2010.

MALINOWSKI, B. “Introdução: tema, método e objetivo desta pesquisa” In Os Argonautas do


Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural (Col. Os Pensadores), 1978.

MOTT, Luis. Homo-afetividade e direitos humanos. Revista Estudos Feministas. Florianópolis,


14(2): 248, maio-agosto/2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v14n2/a11v14n2.pdf.
Acesso em: agosto de 2010.

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