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esde a queda do Muro de Berlim, instalar o setor por definição não compe-
1989, seguida pelo colapso da titivo da economia (a infraestrutura e a
União Soviética, em 1991, o capitalismo indústria pesada), mas falhou quando, a
triunfou sobre o “socialismo” – na ver- partir de meados dos anos 1960, o desa-
dade, sobre o estatismo –, que deixou de fio era a diversificação através de um nú-
ser uma forma alternativa de organização mero infinito de empresas que formam o
econômica e social das sociedades mo- setor competitivo da economia. Para esse
dernas. Isso não obstante fosse sabido setor o planejamento estatal era altamen-
que, de acordo com a terminologia de te ineficiente quando comparado com a
Marx, o modo de produção dominante coordenação pelo mercado. O estatismo
nos países comunistas não era o socialis- fracassou por essa razão; porque se reve-
mo – não era a sociedade democrática lou uma forma de organização econô-
e igualitária, a sociedade sem classes –, mica e social menos eficiente do que o
mas algo que eu, há muito, denominei capitalismo. O controle pela tecnoburo-
“modo de produção tecnoburocrático cracia da sociedade foi mantido na China
ou estatal” – uma forma de organiza- porque sua elite dirigente percebeu que
ção econômica e social onde havia mais o modelo centralizado e planejado havia
igualdade econômica do que no capita- esgotado suas possibilidades, e tratou de
lismo, mas não havia democracia nem colocar uma grande parte de sua econo-
se podia falar em sociedade sem classes mia sob a coordenação do mercado.
porque a tecnoburocracia substituíra a O capitalismo venceu sua competição
burguesia no papel de classe dominante. com o estatismo porque era mais eficien-
Na verdade, o socialismo começou a te, e, ao vencer, tornou o ideal socialista
se revelar inviável quatro anos depois da mais longínquo, não obstante esse ideal
Revolução Socialista de 1917, quando houvesse sido abandonado pela União
Lenin decidiu fazer uma abertura para o Soviética muito tempo antes do seu co-
capitalismo com sua Nova Política Eco- lapso. Hoje o capitalismo impera em
nômica. Entretanto, isso só se tornou cla- toda parte, tudo se tornou mercadoria,
ro quando Stalin estava no poder. Primei- quase tudo se submeteu à lógica do lu-
ro, porque a “ditadura do proletariado” cro e da acumulação de capital, ou seja, à
revelou-se uma estratégia permanente lógica do mercado. Ao socialismo demo-
de dominação; e, segundo, porque o co- crático, coordenado pelo Estado e pelo
mando dessa ditadura não coube ao povo mercado, resta a utopia insuperável, mas
ou aos trabalhadores, mas à classe tecno- que enfrenta o paradoxo de que só será
burocrática ou profissional. Essa socieda- viável no dia em que sua promessa maior
de tecnoburocrática na qual a relação de – a da razoável igualdade econômica e de
produção era a organização (a proprieda- conhecimento entre os seres humanos –
de coletiva dos meios de produção pela seja alcançada.
tecnoburocracia) foi bem-sucedida no Expresso sumariamente essa minha
plano econômico enquanto se tratava de visão das coisas para procurar entender e
seus malefícios são muito grandes. Mas Comparato é otimista. Fiel a seu mé-
isso não o leva a prever o seu desapa- todo, ele está convencido de que o ca-
recimento no curto prazo: “a civilização pitalismo será superado no plano ético.
capitalista não desaparecerá subitamente A civilização que irá suceder à capi-
por efeito de uma revolução; o seu deces- talista começou a partir da “crise da
so será precedido de um longo período consciência europeia” a que me re-
de agonia” (p.281). Como “o capitalis- feri linhas atrás [Paul Hazard, 1961,
mo encarna a primeira e única civilização La crise de la conscience européenne
mundial na história... sua capacidade de 1680-1715]. E sua linha de desen-
resistência à mudança é incomparavel- volvimento estabeleceu-se em tor-
mente maior do que as civilizações que a no da dignidade suprema da pessoa
precederam” (p.267). humana, como fundamento de toda