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Tarefas de Desenvolvimento e História de Vida de Idosos:


Análise da Perspectiva de Havighurst

Developmental Tasks and Life History of the Elderly:


Analysis of Havighurst’s Theory

Eduarda Rezende Freitas, a, Altemir José Gonçalves Barbosaa, Natália Scoralick-Lempkeb,


Neide Cordeiro Magalhãesa, Aline Francine Corrêa Vaza, Christina Nogueira Dareta,
Fabrícia Souza Peresa & Mariana Fonseca Carvalhoa
a
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil
& bFaculdade de Pará de Minas, Pará de Minas, Minas Gerais, Brasil

Resumo
Para analisar as tarefas de desenvolvimento propostas por Havighurst, 12 idosos foram submetidos
ao método de História de Vida. Eles relataram suas histórias em entrevistas grupais e em textos di-
gitalizados. Desconsiderou-se a primeira infância, pois as memórias autobiográficas dessa fase são
limitadas. Uma análise de conteúdo temática das verbalizações e dos textos revelou que somente
quatro das 40 tarefas das demais fases do curso de vida – meia infância, adolescência, adultez inicial,
adultez intermediária e maturidade tardia – não foram mencionadas. As alterações recomendadas para
algumas tarefas e a inclusão de uma nova demanda para a maturidade denotam o caráter contextual e
histórico delas. Todavia, considera-se que as tarefas de desenvolvimento de Havighurst apresentam
evidências de validade ecológica para o contexto brasileiro.
Palavras-chave: Desenvolvimento humano, Havighurst, curso de vida, tarefas de desenvolvimento,
idoso.

Abstract
In order to analyze the developmental tasks proposed by Havighurst, 12 elderly people were submitted
to the life history method. They told their stories in group interviews and reported them in written
texts. Early childhood was disregarded because autobiographical memories of that phase are limited.
A thematic content analysis of the verbalizations and texts revealed that only four out of the 40 tasks
of the remaining life course phases – middle childhood, adolescence, early adulthood, middle age
and later maturity – were not mentioned. The results suggest the need of altering five of the six tasks
originally proposed by the author. It is also necessary to include new demands for later maturity
which denote the contextual and historical character of the process. Havighurst’s developmental
tasks showed ecological validity evidence for the Brazilian context, though.
Keywords: Human development, Havighurst, life course, developmental tasks, elderly.

Compreender a continuidade durante o curso de vida gica delas. Com base nisso, foi feito, ainda, um exercício
é um dos principais desafios teórico-metodológicos da que propôs ‘novas’ tarefas de desenvolvimento ou atuali-
Psicologia do Desenvolvimento. Desse modo, com base zação daquelas formuladas por Havighurst.
no método de História de Vida (Silva, Barros, Nogueira, Teorias que adotam o construto tarefas de desenvolvi-
& Barros, 2007), o presente estudo teve como objetivo mento (TD) propõem que a competência em um período
identificar, ao longo da vida de idosos, as tarefas de de- de desenvolvimento serve como base para o êxito futuro
senvolvimento propostas por Havighurst (1953). Almejou, (A. Shaffer, Burt, Obradovic, Herbers, & Masten, 2009).
também, analisar a contemporaneidade e a validade ecoló- Esse conceito teve origem nos anos 1930, desenvolveu-se
na década de 1940 e passou a ser usado mais intensamente
durante os anos 1950 (Havighurst, 1956). Inicialmente

Endereço para correspondência: Instituto de Ciências ligado à área de Educação, o conceito foi influenciado,
Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Campus também, pelas pesquisas psicológicas e sociológicas sobre
Universitário, São Pedro, Juiz de Fora, MG, Brasil 36001-
970. E-mail: duda_2504@hotmail.com, altgonc@gmail. atitudes e papéis sociais (Havighurst, 1956).
com, nataliascoralick@yahoo.com.br, neidemag@gmail. Desde os primórdios, TD têm sido definidas como um
com, alinefrancinecorrea@hotmail.com, christinadaret@
ig.com.br, fabricia.peres@hotmail.com e carvalho_ma-
conjunto de demandas relacionadas a um determinado
rianaf@hotmail.com período do curso de vida que devem ser cumpridas (Ha-

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vighurst, 1953, 1956) para um desenvolvimento saudável. na forma de maturação física, como aprender a andar.
Quando há falha na realização de alguma delas, o indivíduo Outras decorrem da pressão cultural, como aprender a
pode se tornar infeliz, sofrer desaprovação da sociedade e ler, e há aquelas que advêm dos valores e aspirações
ter dificuldade na realização das tarefas posteriores (Havi- do sujeito, como a escolha de uma profissão. Por fim,
ghurst, 1953, 1956). Em síntese e fundamentalmente, TD a maioria surge de combinações de todos esses fatores.
constituem padrões de adaptação que são específicos para (Havighurst, 1953).
um período de desenvolvimento, moldados por expectati- Havighurst (1953) propôs que o curso de vida é com-
vas prevalecentes em determinado contexto sociocultural posto por fases sucessivas, a saber, infância – subdivida
e histórico (Roisman, Masten, Coatsworth, & Tellegen, em primeira infância e meia infância –, adolescência,
2004). adultez – subdividida em inicial e intermediária – e matu-
A expressão TD e seu significado foram sendo for- ridade tardia, demarcadas por limites de idade. A seguir
temente incorporados ao campo da Psicologia do De- são especificadas algumas características dessas etapas do
senvolvimento ao longo do tempo e, atualmente, é um desenvolvimento com base na obra Human Development
conceito chave para várias perspectivas que se dedicam and Education (Havighurst, 1953).
à compreensão do desenvolvimento humano (Roisman et As TD a serem cumpridas na infância dependem, es-
al., 2004). Dentre elas, a Life-Span é uma das mais im- sencialmente, da realidade biossocial em que a criança está
portantes e tem esse conceito como um dos pilares de sua inserida e da maneira como ela analisa as atividades, já que
estrutura epistemológica. Baltes (1987) – autor referência uma mesma tarefa pode ser considerada de alta ou baixa
dessa concepção – destaca que, para dar sentido à noção complexidade por grupos diferentes de crianças. Nesse pe-
de desenvolvimento ao longo da vida, é preciso considerar ríodo, são aprendidas atitudes básicas de confiança, senso
os tipos de demanda e oportunidades que os indivíduos de autonomia, além do desenvolvimento da consciência.
enfrentam e como eles lidam com elas no decorrer do curso Na primeira infância, as TD são divididas em algumas
de vida, ou seja, identificar quais são as TD, se e como categorias menores. Propõem-se para essa fase as seguintes
os indivíduos concretizam-nas. Essa perspectiva propõe, demandas: ‘Aprender a andar’; ‘Aprender a ingerir alimen-
porém, que as TD são fortemente influenciadas por fatores tos sólidos’; ‘Aprender a falar’; ‘Aprender a controlar a
históricos e não normativos, ampliando a concepção de eliminação de resíduos do corpo’; ‘Aprender as diferenças
Havighurst que atrela a realização das tarefas a fases de entre os sexos e a moderar os impulsos sexuais’; ‘Apren-
desenvolvimento e idades específicas. der a se relacionar emocionalmente com pais, irmãos e
Segundo a perspectiva Life-Span, a sociedade contri- outras pessoas’; ‘Aprender a distinguir o certo e o errado,
bui para a construção de cursos de vida, pois prescreve desenvolvendo a consciência’; ‘Alcançar estabilidade fisio-
formas apropriadas de comportamento e papéis sociais lógica’; e ‘Formar conceitos simples da realidade física e
para as diferentes faixas etárias que são internalizados social’. Já a meia infância é caracterizada por três grandes
pelas pessoas e instituições (Neri, 2006). Essas ‘formas impulsos desenvolvimentais: (a) a entrada da criança em
apropriadas de comportamento e papéis sociais’ constituem novos grupos fora do ambiente familiar; (b) o desenvolvi-
TD. Assim, o curso de vida pode ser compreendido como mento físico que permite a inserção no mundo dos jogos
um movimento ao longo de estágios, sendo que cada fase e a realização de atividades que demandam habilidades
possui TD que devem ser concretizadas para que os indi- neuromusculares; e (c) o desenvolvimento cognitivo que
víduos tenham êxito em seu processo desenvolvimental permite a inserção no mundo da lógica, do simbolismo e
(Havighurst, 1953). da comunicação próprios da vida adulta. Dentre outras,
Tanto Havighurst (1953, 1956) quanto a perspectiva constitui TD dessa fase a aquisição de habilidades funda-
Life-Span (Baltes, 1987) asseveram que o desenvolvimento mentais de leitura, escrita e cálculos.
não ocorre meramente como produto bruto da maturação, A adolescência é concebida como um período de
e sim pela associação de aspectos biológicos, sociais e aquisição de um conjunto de valores morais e éticos que
psicológicos. Para Havighurst (1953), os fatores biológicos compõem um modelo de homem e cidadão a ser seguido.
abrangem, dentre outros, as bases orgânicas do desenvol- Esse é um processo que se inicia na infância com a forma-
vimento corporal e do sistema nervoso, a predisposição ção de conceitos éticos, tomada de consciência moral e a
genética etc. Os fatores sociais incluem, por exemplo, responsabilidade nas relações com os outros. É um período
as expectativas da sociedade e do meio cultural. Os psi- em que há o desenvolvimento da autonomia pessoal, sendo
cológicos, por sua vez, compreendem, dentre outros, os esperado que o indivíduo se torne independente emocional,
processos cognitivos, as percepções, as preferências e as financeira e intelectualmente. O grupo de pares assume
reações emocionais. uma importância maior na vida do indivíduo, tendendo a
À medida que o indivíduo cresce, são desenvolvidos complementar o círculo familiar e escolar e tendo, muitas
seus recursos físicos e psicológicos, desencadeando de- vezes, prioridade sobre estas instituições. Estabelecer re-
mandas e expectativas da sociedade em torno dele. Essas lações novas e mais maduras com companheiros de idade
forças internas e externas são responsáveis pela definição do mesmo sexo é um exemplo das TD a serem cumpridas
de muitas TD. Assim, o surgimento de várias delas ocorre nessa etapa.

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Freitas, E. R., Barbosa, A. J. G., Scoralick-Lempke, N., Magalhães, N. C., Vaz, A. F. C., Daret, C. N., Peres, F. S. & Carvalho, M. F.
(2013). Tarefas de Desenvolvimento e História de Vida de Idosos: Análise da Perspectiva de Havighurst.

A próxima fase, adultez inicial – compreendida entre os et al. (2008) desenvolveram um estudo com 766 suíços,
18 e 30 anos –, é tida como o período em que mais se têm de três coortes diferentes - uma com média de idade de 75
momentos de aprendizagem. É aquela na qual, geralmente, anos, outra de 50 anos e a última com média de idade de 25
ocorre o casamento, a primeira gravidez, o primeiro tra- anos. A eles foi enviado um questionário contendo pergun-
balho formal, a compra de uma casa, dentre outros. É um tas acerca de eventos importantes da vida, objetivos, metas,
período que pode ser marcado por grande estresse, devido satisfação com a vida, dentre outras. Os resultados obtidos
à passagem de uma fase de transição graduada pela idade revelaram que os membros das coortes mais velhas men-
para uma influenciada pelo status social. cionaram metas relacionadas com TD clássicas, enquanto
A adultez intermediária, compreendida entre 30 e 55 os membros de coortes mais novas indicaram metas mais
anos, é considerada como um período da vida que passa individualistas e voltadas para a educação. Dessa forma,
muito rapidamente, uma vez que a maioria das pessoas, os autores concluem que os resultados obtidos apoiam a
após essa etapa, sente-se surpresa e com a sensação de hipótese de que TD variam intergeracionalmente.
ainda estar se preparando para iniciá-la. As alterações Maniar e Joshi (2010) desenvolveram um estudo com
biológicas, que não eram percebidas, também começam idosos indianos com o objetivo de avaliar a influência da
a ser constatadas. televisão em algumas TD da velhice. Os autores elencaram
Ao mesmo tempo em que, nessa fase, homens e mu- itens relacionados à televisão e verificaram sua alta, média
lheres atingem o auge de sua influência sobre a sociedade, ou baixa influência em determinada tarefa. Observaram,
esta estabelece demandas específicas sobre eles no que entre outros, uma alta influência da televisão na compra de
diz respeito à responsabilidade social e cívica. Tradi- objetos desnecessários, na promoção de um sentimento de
cionalmente, o homem deve desempenhar as funções de inutilidade nos idosos, dificultando assim a realização da
marido, provedor e pai, enquanto da mulher são exigidos tarefa ‘Ajustar-se à aposentadoria e à redução de renda’.
os papéis de esposa, dona de casa, gerente de família e No Brasil, são poucas as publicações acerca das TD
mãe. Uma das TD apresentadas para essa fase é assumir propostas por Havighurst (1953). Destacam-se os estudos
a responsabilidade cívica e social. de Junqueira (2010) e o de Witter (2006). Junqueira (2010),
Como nas demais fases do desenvolvimento, na matu- em sua pesquisa com adolescentes usuários de um serviço-
ridade tardia as pessoas também estão em constante apren- -escola de orientação profissional, descreve as diversas TD
dizagem. Assim, nessa fase possuem novas experiências pelas quais os jovens devem passar, enfatizando, sobre-
e situações a conhecer, juntamente com TD a cumprir. O tudo, aquelas relacionadas com a escolha profissional. Já
ajustamento à aposentadoria e a manutenção de obrigações Witter (2006) faz uma revisão teórica acerca do contexto
sociais e cívicas são propostos como tarefas para essa etapa sócio-histórico em que Havighurst se encontrava ao propor
do curso de vida. o modelo de TD e discorre sobre elas, enfatizando, sobre-
Na maturidade tardia, entretanto, as tarefas vão se tudo, aquelas a serem cumpridas pelos idosos.
diferenciar daquelas relativas às demais fases por serem Faltam, portanto, investigações que analisem todo o
mais defensivas e preventivas. Tais aspectos vão possibi- conjunto de TD proposto por Havighurst (1953) para o
litar ao indivíduo aprender novas formas de viver – muitas curso de vida. Pelo menos três estratégias distintas podem
vezes sendo necessário desaprender as formas antigas –, ser adotadas para pesquisá-las. A primeira e mais evidente
ajustar-se a eventos típicos desse período e lidar melhor diz respeito aos estudos longitudinais, que são demorados
com as limitações encontradas, que se tornam evidentes, e dispendiosos, mas retratariam de modo mais consistente
sobretudo nas esferas física, mental e econômica. como os indivíduos vivenciam as múltiplas demandas que
Apesar de Havighurst ter proposto um conjunto de TD surgem ao longo da vida. Os estudos transversais consti-
para todo o curso de vida há mais de cinco décadas, pes- tuem uma segunda alternativa e são bastante práticos e
quisas e revisões de literatura recentes ainda as têm usado econômicos, mas esbarram nas diferenças intergeracionais.
como base. No entanto, geralmente, isso tem sido feito Recorrer a idosos e às suas histórias de vida é uma terceira
abrangendo somente uma fase da vida (Krings, Bangerter, possibilidade, que, da mesma forma que as duas anterio-
Gomez, & Grob, 2008; Maniar & Joshi, 2010; Pinquart, res, possui vantagens e limitações enquanto estratégia de
Silbereisen, & Wilesner, 2004) e/ou grupos específicos pesquisa, pois, se controla o fator intergeracional, está
(Pfeiffer & Pinquart, 2011). sujeita ao viés de memória dos participantes. Não obstante
Pinquart et al. (2004) realizaram um estudo lon- suas circunscrições, esse último delineamento constituiu
gitudinal com mais de 800 adolescentes para analisar a opção metodológica desta investigação para analisar o
discrepâncias entre o estado real e o desejado para se conjunto de TD formulado por Havighurst.
concretizar as TD nessa fase do curso de vida e sua rela-
ção com autoestima. Dentre outras conclusões, os autores Método
asseveram que o êxito nas TD se associa positivamente
ao aumento da autoestima. A alternativa metodológica adotada neste estudo foi
Buscando verificar a influência das mudanças sócio- a História de Vida (Glat, Santos, Pletsch, Nogueira, &
-históricas nos objetivos pessoais de adultos jovens, Krings Duque, 2004; Silva et al., 2007). Ela faz uso de uma ou

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mais entrevistas abertas em que os participantes falam Nos primeiros 40 minutos de cada encontro, fizeram-
livremente sobre sua vida, um determinado período ou -se, em grupo, as entrevistas de História de Vida e, nos
aspecto dela, cabendo ao entrevistador aprofundar deter- 50 minutos restantes, foram realizadas, também em grupo,
minado ponto a partir do discurso do entrevistado (Glat oficinas de informática, provendo situações de aprendi-
et al., 2004). zagem para que os idosos tivessem conhecimentos para
criar textos, editar imagens e vídeos, navegar na internet
Participantes e criar um blog pessoal registrando suas histórias de vida.
Constituíram a amostra deste estudo 12 idosos que Ressalta-se que, na etapa final de cada encontro, dos idosos
participaram de um programa de alfabetização digital demandava-se criar ‘memórias digitais’ (textos, fotos, de-
realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) poimentos etc.) sobre suas histórias de vida. Assevera-se,
em 2008 (Scoralick-Lempke, 2009). Para a presente in- ademais, que os procedimentos foram realizados de forma
vestigação, foram selecionados aqueles que apresentaram equivalente e paralelamente nos dois grupos.
maior envolvimento e desempenho nas atividades pro-
postas naquela ocasião, pois as aprendizagens anteriores Análise dos Dados
eram pré-requisitos para o presente estudo. Dentre os Os registros dos observadores e somente os textos
participantes desta pesquisa, 66,7% (n=8) eram do sexo produzidos pelos próprios participantes sobre cada fase
feminino, 75% (n=9) se declararam brancos e os demais do curso de vida constituíram as fontes de dados deste
afirmaram ser pardos, 41,6% (n=5) pertenciam à classe estudo. Eles foram submetidos a uma análise de conteúdo
econômica B2, três (25%) ao estrato C1 e os restantes temática, sendo que as TD propostas por Havighurst (1953)
às classes A1 (8,3%; n=1), A2 (8,3%; n=1) e B1(8,3%; constituíram eixos temáticos previamente definidos, mas
n=1). Quanto ao estado civil, houve uma proporção existia a possibilidade de se incluir novos temas, isto é,
igual (33,3%; n=4) de casados e viúvos; três (25%) eram novas TD. Ressalta-se que a primeira infância não foi
divorciados e um (8,3%) era solteiro. A média dos anos considerada na análise, uma vez que ela abrange demandas
estudados foi de 7,83 (DP=3,83) e a idade média em anos desenvolvimentais que nem sempre possuem ‘memórias’
foi de 65,8 (DP=4,02). (p.ex., ‘ingerir alimentos sólidos’).
Munidos com uma folha que descrevia as TD de cada
Materiais fase de vida, dois colaboradores com conhecimentos sobre
Este estudo teve como materiais um termo de con- análise de conteúdo procuraram identificá-las nos textos
sentimento livre e esclarecido, folhas para registro de elaborados pelos participantes e nos registros realizados
observações que continham campos para data, horário, pelos observadores. Esse procedimento foi submetido à
participantes presentes, fase do curso de vida e espaço revisão de, pelo menos, um juiz. Em caso de discordância
suficiente para registro contínuo cursivo das atividades, entre analistas e juízes, chegou-se a um consenso dialoga-
transcrições dos registros efetuados, impressões de textos do. Ainda que tenha recorrido à estatística descritiva, este
elaborados pelos participantes e cópias impressas das TD. estudo é, portanto, essencialmente qualitativo.
Além disso, utilizaram-se, evidentemente, hardwares
(computadores etc.) e softwares (editor de texto etc.) para Resultados
as oficinas de informática.
Quanto à meia infância (Tabela 1), oito (88,88%) das
Procedimento nove TD propostas por Havighurst (1953) apareceram nas
Após aprovação por um comitê de ética, efetuou-se histórias de vida de um ou mais participantes. ‘Apren-
contato telefônico com os idosos. Aqueles que, inicial- der habilidades físicas necessárias para brincadeiras’
mente, aceitaram participar da pesquisa, foram distribuí- (n=12; 100%) e ‘Alcançar independência pessoal’ (n=8;
dos aleatoriamente em dois grupos. Na primeira reunião, 66,66%) parecem ser as mais presentes nas histórias de
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido vida. ‘Desenvolver conceitos necessários para a vida
para confirmar a participação na investigação. cotidiana’ foi identificada em apenas um (8,33%) idoso
Foram realizados 20 encontros, análogos a um grupo e ‘Construir atitudes sadias em relação ao próprio corpo’
focal, dois por semana, com duração de, aproximadamente, não foi relatada.
90 minutos cada, perfazendo uma carga horária total de 30 Considerou-se que somente duas das nove tarefas pro-
horas. Eles aconteceram entre os meses de maio e setem- postas por Havighurst (1953), a saber, ‘Aprender habilida-
bro do ano de 2009 em um laboratório de pesquisa, com des físicas necessárias para brincadeiras’ e ‘Apropriar-se
condições ambientais suficientes para assegurar conforto e do papel social masculino e feminino’, demandam altera-
confidencialidade. Foram conduzidos por uma psicóloga, ção em sua forma original. Sugere-se que elas passem a
com a colaboração de graduandos de Psicologia, sendo ser enunciadas da seguinte forma: ‘Aprender habilidades
que dois deles auxiliaram nas entrevistas e no ensino de necessárias para brincadeiras’ e ‘Desenvolver papéis
informática e três se incumbiram do registro cursivo dos sociais de gênero’.
discursos dos idosos.

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Freitas, E. R., Barbosa, A. J. G., Scoralick-Lempke, N., Magalhães, N. C., Vaz, A. F. C., Daret, C. N., Peres, F. S. & Carvalho, M. F.
(2013). Tarefas de Desenvolvimento e História de Vida de Idosos: Análise da Perspectiva de Havighurst.

Tabela 1
Tarefas de Desenvolvimento da Meia Infância

Tarefa Original Exemplo Atualização Ocorrência

Aprender habilidades “Brincávamos muito no quintal de nossa casa Aprender n = 12;


físicas necessárias ou na rua”. habilidades 100%
para brincadeiras necessárias para
brincadeiras
Alcançar independência “Com idade de 7 anos já tinha minhas obrigações: ------- n = 8;
pessoal varrer a casa, socar arroz no pilão, debulhar milho, 66,66%
tocar as vacas para o pasto, e buscar nas manhãs de
geada que era pesado . . .”.
Apropriar-se do papel “Eu, Dora e Selma tivemos a ideia de brincar de Desenvolver n = 7;
social masculino casinha. Cada uma tinha sua casa . . . nossas bonecas papéis sociais 58,33%
e feminino nossas filhas, fazia mamadeira, o banho delas, hora de gênero
do colégio e passear com elas”.
Desenvolver habilidades “Tomava todos os dias a tabuada, verbos e os pontos ------- n = 7;
fundamentais de leitura, que mandava estudar Eu sempre tirava notas boas”. 58,33%
escrita e cálculos
Aprender a conviver “Pela manhã, ir à escola e, à tarde, encontrar os ------- n = 6;
com companheiros amigos na rua”. 50%
da mesma idade
Desenvolver a moral “Ainda morava conosco meus avós paternos e uma ------- n = 6;
e os valores tia solteira, professora que nos ajudaram bastante na 50%
criação, principalmente na educação, na formação
de caráter”.
Desenvolver atitudes “Nós, as crianças, ficávamos lá no meio daquele ------- n = 4;
em relação a grupos povo, muito felizes, participando da festa”. 33,33%
sociais e instituições
Desenvolver conceitos Meu pai trabalhava na estrada de ferro ... de ------- n = 1;
necessários para a vida propriedade do governo inglês, que também estava 8,33%
cotidiana em fase de guerra, solicitou uma licença do seu
trabalho ... tendo conseguido ótimo emprego ...
nossa vida mudou muito, pois ganhava muito bem ...
Construir atitudes sadias ------- ------- -------
em relação ao próprio
corpo

Todas as dez TD propostas por Havighurst (1953) a aparência física e usar o corpo de forma eficaz’ (n=2;
para a adolescência apareceram nas histórias de vida, 16,6%), ‘Alcançar um papel social masculino ou femini-
sendo citadas por, pelo menos, dois idosos (Tabela 2). no’ (n=4; 33,2%) e ‘Desenvolver habilidades intelectuais
‘Obter garantias de independência econômica’ (n=9; e conceitos necessários para a competência cívica’ (n=4;
75%), ‘Estabelecer relações novas e mais maduras com 33,2%) foram pouco frequentes.
companheiros de mesma idade de ambos os sexos’ (n=8; Destaca-se que, para a adolescência, considerou-se
66,7%) e ‘Desejar alcançar um comportamento socialmen- necessário alterar uma das TD proposta por Havighurst
te responsável’ (n=7; 58,3%) foram mencionadas por mais (1953). Recomenda-se que ‘Alcançar um papel social
da metade dos participantes. Ainda que não seja adequado masculino ou feminino’ seja alterada para ‘Alcançar um
fazer inferências, é possível afirmar que as TD ‘Aceitar papel social de gênero’.

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Tabela 2
Tarefas de Desenvolvimento da Adolescência
Tarefa Original Exemplo Atualização Ocorrência

Obter garantias de independência “. . . com 13 para 14 anos assumi o emprego do ------- n = 9;


econômica meu pai, pois precisava de alguém para sustentar 75%
a família”.

Estabelecer relações novas e mais “Gostávamos muito de passear na Rua Halfeld ------- n = 8;
maduras com companheiros de para ver os jovens rapazes e paquerar os possíveis 66,7%
mesma idade de ambos os sexos candidatos a namorados”.

Desejar alcançar um “Quando completei 18 anos, fui para o Exército, isso ------- n = 7;
comportamento socialmente em 1938”. 58,3%
responsável

Adquirir um conjunto de valores “Gostava de farrear, mas sempre respeitei os outros”. ------- n = 6;
e um sistema ético como um guia “Antigamente o único medo dos pais era que a gente 50%
para o comportamento perdesse a virgindade. Eu era estabanada, mas era
ajuizada. As pessoas podiam ficar faladas”.

Preparar-se e selecionar uma “Recordo com saudades do meu tempo de estudante, ------- n = 6;
ocupação de meus professores e de meus colegas. Fiz dois 50%
cursos: Auxiliar de Escritório e Formação de
Professor”.

Preparar-se para o matrimônio “. . . fiquei noiva muito nova, com 16 anos, para ------- n = 6;
e a vida familiar constituir família . . .”. 50%

Alcançar a independência “Eu era doido pra sair de casa. Sempre fui muito ------- n = 5;
emocional dos pais e outros reprimido. Meu pai controlava tudo. . . . Quando fui 41,6%
adultos para o Rio de Janeiro servir a Marinha, me senti
bem mais livre”.

Alcançar um papel social “Eu ficava em casa ajudando minha mãe. Quando Alcançar um n = 4;
masculino ou feminino eu tinha 12 anos, a minha mãe saía e eu tinha que papel social 33,2%
cozinhar, lavar e cuidar dos meus irmãos”. de gênero.

Desenvolver habilidades “Se eu fiz um primeiro ano bem feito, era porque eu ------- n = 4;
intelectuais e conceitos necessários tinha obrigação”. 33,2%
para a competência cívica

Aceitar a aparência física e usar “No final daquele ano foi formado um batalhão ------- n = 2;
o corpo de forma eficaz para ir para o Canal de Suez. Tentei ir, porém não 16,6%
consegui por não ter altura”.

A Tabela 3 descreve as TD da adultez inicial. Das oito (1953). Sugere-se que ‘Ingressar numa profissão’ seja
possíveis, somente ‘Assumir responsabilidade cívica’ não alterada para ‘Ingressar numa profissão e mantê-la’.
apareceu nas histórias de vida dos idosos e ‘Formar um Recomenda-se, ademais, que os verbos ‘adaptar’ e ‘aceitar
grupo social comum ao casal’ foi relatada por menos de e adaptar’ sejam substituídos, respectivamente, por ‘lidar
50% dos participantes (n=5; 41,7%). As outras demandas com’ e ‘desenvolver estratégias de enfrentamento quanto’,
desenvolvimentais dessa fase do curso de vida tiveram como exposto na Tabela 3.
escores mais expressivos, sendo que merecem destaque Havighurst (1953) propôs sete TD para a adultez inter-
‘Aprender a conviver com o companheiro’ e ‘Escolher mediária (Tabela 4), sendo que seis delas apareceram nas
um companheiro’, que foram identificadas nos discursos histórias dos idosos. A única que não foi identificada nos
de dez (83,3%) idosos. discursos foi ‘Aceitar e se adaptar às mudanças fisiológicas
Identificou-se, também para a adultez inicial, a neces- da meia idade’.
sidade de revisar algumas TD propostas por Havighurst

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Freitas, E. R., Barbosa, A. J. G., Scoralick-Lempke, N., Magalhães, N. C., Vaz, A. F. C., Daret, C. N., Peres, F. S. & Carvalho, M. F.
(2013). Tarefas de Desenvolvimento e História de Vida de Idosos: Análise da Perspectiva de Havighurst.

Tabela 3
Tarefas de Desenvolvimento da Adultez Inicial

Tarefa Original Exemplo Atualização Ocorrência


Aprender a conviver “Eu não trabalhava fora, meu marido não deixava”. ------- n = 10;
com o companheiro 83,3%
Escolher um “Casei com um simpático carioca, numa cerimônia belíssima . . ------- n = 10;
companheiro . e meu pai caprichou na festa”. 83,3%
Constituir uma família “Logo engravidei, passei muito mal . . . nasceu meu bebê um ------- n = 9;
menino muito sadio. Eu e meu marido ficamos muito satisfeitos, 75%
queríamos menino”.
Gerenciar o lar “Nem móveis tinha direito. A primeira geladeira que eu tive era ------- n = 9;
de porta de madeira, porém atendia às necessidades e nunca me 75%
deu trabalho. Com o passar dos tempos fomos pondo as coisas
em seus devidos lugares”.
Ingressar numa “Assim aconteceu o primeiro momento da minha carreira, Ingressar n = 9;
profissão aprendi a trabalhar com topografia, recebi classificação de numa profissão 75%
nivelador”. e mantê-la
Criar os filhos “Fiz tudo para proporcionar a eles uma infância tranquila”. ------- n = 7;
58,3%
Formar um grupo so- “Moramos naquela cidade por 2 anos. Fizemos muitas e boas ------- n = 5;
cial comum ao casal amizades”. 41,7%
Assumir responsabili- ------- ------- -------
dade cívica

Tabela 4
Tarefas de Desenvolvimento da Adultez Intermediária
Tarefa Original Exemplo Atualização Ocorrência

Ajudar os filhos a se tor- “Batizamos com o nome de Emerson. Ele nos deu ------- n = 5;
narem adultos responsá- muita alegria, nos preocupava com a educação 41,7%
veis e felizes dele. Época do colégio, e colocamos em outros
cursos para o bem dele”.

Estabelecer e manter “Eu ficava no vai e vem todo fim de semana. Fiquei ------- n = 4;
um padrão de vida nessa luta durante uns seis meses até que consegui 33,3%
econômico pôr as finanças em dia . . .”.

Realizar atividades “Fiz diversas viagens aéreas e terrestres, conheci ------- n = 4;


de lazer de adultos todas as capitais do nordeste e um pouco do sul”. 33,3%

Adaptar-se às mudanças “Trabalhei em fábrica... depois parei para cuidar do Lidar com as mudanças n = 3;
do companheiro ao longo marido”. do companheiro ao lon- 25%
do relacionamento go do relacionamento

Alcançar responsabilida- “Convivendo com a cidade, passei a fazer parte do ------- n = 3;


de social e cívica adultas Lions Clube, no qual fui presidente”. 25%

Adaptar-se ao envelheci- “Fiquei muito triste com a morte de minha mãe”. Lidar com o envelheci- n = 1;
mento dos pais mentodos pais 8,33%

Aceitar e se adaptar ------- Desenvolver estratégias -------


às mudanças fisiológicas de enfrentamento quan-
da meia idade to às mudanças fisioló-
gicas da meia idade

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Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(4), 809-819.

Apesar de aparecerem nas histórias de vida dos idosos, des de lazer de adultos’, ambas citadas por quatro (33,3%)
as TD da adultez intermediária não apresentaram escores idosos, merecem menção.
expressivos, sendo que nenhuma foi identificada em, pelo Quanto à maturidade tardia (Tabela 5), observou-se,
menos, 50% dos discursos. Não obstante, ‘Ajudar os filhos por um lado, que quatro (57,1%) TD foram citadas por,
a se tornarem adultos responsáveis e felizes’, presente no pelo menos, 83,3% (n=10) dos participantes. Por outro
relato de 41,7% (n=5) dos participantes, ‘Estabelecer e lado, ‘Estabelecer arranjos físicos satisfatórios para viver
manter um padrão de vida econômico’ e ‘Realizar ativida- bem a velhice’ não foi mencionada.

Tabela 5
Tarefas de Desenvolvimento da Maturidade Tardia
Tarefa Original Exemplo Atualização Ocorrência
Ajustar-se às mudanças “Sei que o envelhecimento é um processo Lidar com as mudanças n = 11;
físicas e de saúde (ajustar- biológico, que pode ser controlado, por isso relacionadas à saúde (p. 91,7%
se ao decréscimo de força procuro ocupar minha mente com hábitos ex. lidar com o decréscimo
física e saúde) saudáveis. Faço caminhada, boas leituras, uma de força física, alterações
alimentação controlada, cuido de minha saúde cognitivas e na
com exames uma vez ao ano”. sexualidade)
Ajustar-se à aposentadoria “Estou aposentada, tenho meu salário que me Lidar com a aposentadoria n = 10;
e à redução de renda garante muita tranquilidade e me permite ser 83,3%
independente e fazer as coisas que eu quero”.
Ajustar-se à morte do “Hoje não tenho mais meu marido, mas tenho Desenvolver estratégias n = 4;
esposo (a) meus filhos, noras e neto”. de enfrentamento para 33,2%
lidar com a morte
Estabelecer filiação a um “Na igreja São Mateus eu participo do Curso Estar filiado a um grupo n = 11;
grupo de pessoas (idosas) Bíblico, de um grupo da Legião de Maria e social 91,7%
da Pastoral do Batismo. Essas atividades me
proporcionam muitos conhecimentos e amizades
maravilhosas”.
Manter obrigações sociais “Me sinto responsável pela educação dos meus Engajar-se em n = 1;
e cívicas netos. Tenho muita preocupação com isso”. compromissos sociais 8,3%
e cívicos
Estabelecer arranjos ------- ------- -------
físicos satisfatórios para
viver bem a velhice
------- . . . rodeada de amigos que conquistei ao longo Manter e estabelecer laços n = 12;
dos anos e no meio de uma família privilegiada familiares e de amizade 100%
e querida. Minha mãe aos 91 anos, as quatro
irmãs maravilhosas e preciosos sobrinhos e
sobrinhos netos me deixam plena no campo
afetivo e sentimental.

Identificou-se a necessidade de acrescentar a tarefa Discussão


‘Manter e estabelecer laços familiares e de amizade’ às seis
propostas por Havighurst (1953) para essa fase. Além de Ao considerar os resultados, há que se destacar, inicial-
relevante, essa demanda desenvolvimental foi apresentada mente, que o fato de algumas TD propostas por Havighurst
por todos os idosos (n=12, 100%). (1953) não terem aparecido ou terem baixa frequência
Mais do que nas demais etapas do curso de vida, nas histórias de vida dos idosos não significa que elas
verificou-se, também, a necessidade de alterar as TD pro- não tenham sido vivenciadas e cumpridas com maior ou
postas por Havighurst (1953). Recomenda-se a alteração de menor êxito. O método de História de Vida é um processo
cinco das seis tarefas originalmente propostas pelo autor. de rememorar, de revisitar a vida do sujeito (Silva et al.,
As sugestões aparecem na Tabela 5. 2007). Nele, as pessoas são ativas, recorrem à memória,

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Freitas, E. R., Barbosa, A. J. G., Scoralick-Lempke, N., Magalhães, N. C., Vaz, A. F. C., Daret, C. N., Peres, F. S. & Carvalho, M. F.
(2013). Tarefas de Desenvolvimento e História de Vida de Idosos: Análise da Perspectiva de Havighurst.

mais especificamente à memória autobiográfica, que é “a Na adultez intermediária, como destacado anterior-
síntese e a referência de nossas histórias de vida” (Gauer mente, nenhuma tarefa obteve uma ocorrência expressiva
& Gomes, 2008, p. 507) e reconstrói mais do que repre- entre os participantes. Assim, parece que as demandas
senta fielmente as vivências (Josselson, 2009). Portanto, dessa etapa foram menos salientes nas histórias de vida
selecionam aspectos mais significativos de suas histórias. dos idosos. Ressalta-se que, apesar disso, elas não são
Desse modo, é possível afirmar que as TD identificadas são, menos importantes do que as demais TD elaboradas para
provavelmente, as mais salientes e não necessariamente as outras fases da vida.
as que foram vivenciadas pelos idosos. TD da maturidade tardia relacionadas à manutenção
Os trechos dos discursos dos idosos apresentados em de laços sociais e adaptação às mudanças na saúde fo-
Resultados denotam o quão proeminentes as tarefas foram ram as mais mencionadas pelos idosos. De acordo com
para eles. De modo geral, os participantes parecem revelar Baltes (1987), uma das características do envelhecimento
que elas foram cumpridas com êxito. Por se tratar de uma saudável é o engajamento ativo na vida, que inclui a par-
amostra de idosos com características de envelhecimento ticipação e a interação social. Esse estilo de vida coaduna
bem sucedido, isso era esperado. Cumpre retomar que, para com as características da amostra deste estudo, constituída
Havighurst (1953, 1956), o fracasso na concretização de predominantemente por idosos saudáveis. Isso, entretan-
algumas delas pode fazer com que o indivíduo se torne in- to, não invalida a necessidade de adaptação às diversas
feliz, sofra desaprovação da sociedade e tenha dificuldade mudanças típicas e inevitáveis que ocorrem nessa fase da
no atendimento das demandas posteriores. Pesquisas mais vida (Baltes, 1987).
recentes, como a de Pinquart et al. (2004), têm corroborado Observou-se, também, que algumas das TD propos-
isso, pois o êxito nas TD se associou positivamente ao tas por Havighurst (1953) podem ser ‘atualizadas’. As
aumento da autoestima. demandas desenvolvimentais da adultez intermediária e,
Exceto na adultez intermediária, algumas tarefas se principalmente, da velhice são as que mais necessitam de
destacaram por obter ocorrências bastante expressivas. atualizações. Parcela expressiva das alterações sugeridas
Na meia infância, merece realce a tarefa ‘Aprender ha- diz respeito ao uso dos verbos ajustar e adaptar, que, para
bilidades necessárias para brincadeiras’. As brincadeiras os Autores, devem ser substituídos pelos verbos lidar, de-
contribuem para o desenvolvimento físico, social, intelec- senvolver ou outros que, ao contrário daqueles, denotem o
tual e emocional da criança (D. R. Shaffer & Kipp, 2012) papel ativo das pessoas na ‘gestão de suas vidas’ (Freund,
e constituem sua principal atividade (Papalia, Olds, & 2001), enfatizem menos as forças externas e expressem
Feldman, 2010). Essas características, aliadas ao caráter mais a combinação de forças biológicas, psicológicas e
lúdico inerente ao brincar, são responsáveis, provavel- sociais que atuam na concretização das TD, como proposto
mente, pela saliência dessa tarefa desenvolvimental na por Havighurst (1953).
memória biográfica dos idosos. Além disso, as atualizações sugeridas buscam destacar
A adolescência, por sua vez, é um período em que o o processo de ganhos e perdas que, para a perspectiva
sujeito é convidado a participar ativamente da construção Life-Span (Baltes, 1987), caracteriza o desenvolvimento
do seu projeto de vida (Martins, Trindade, & Almeida, humano. Consideraram-se, ademais, as mudanças sociais
2003) e de sua identidade. Em consonância, as TD que e culturais hodiernas que fazem com que os idosos: não
abrangem a independência econômica, o estabelecimento tenham, necessariamente, perdas de poder aquisitivo devi-
de um grupo de amigos, a responsabilidade e a formação do à aposentadoria (p.ex., sistemas de previdência privada,
de valores se destacaram entre os participantes. A tarefa seguridade social); não se filiem somente a grupos de
‘Obter garantias de independência econômica’ foi a que idosos, estabelecendo relações intergeracionais, incluindo
obteve a maior ocorrência. Cabe destacar que, na atualida- participação ativa na criação dos netos; não tenham ‘obri-
de, o cumprimento dessa tarefa tem acontecido principal- gações’ sociais e cívicas, mas sim ‘compromissos’ sociais
mente na adultez inicial (Pimenta, 2007), sobretudo entre e cívicos que demandam engajamento (Witter, 2006).
os jovens de classes sociais mais favorecidas. O aumento da expectativa de vida, a maior valorização
Na adultez inicial, as TD relacionadas com a formação social, a melhoria da qualidade vida, as mudanças nos pa-
e manutenção de uma família, como ‘Escolher um com- péis familiares e comunitários, a maior participação social
panheiro’ e ‘Aprender a conviver com o companheiro’, dentre outras características contemporâneas da velhice,
foram as mais citadas pelos participantes. Embora haja têm feito com que os idosos não só mantenham os laços
atualmente novas formas de organização familiar e visões familiares e de amizade constituídos ao longo do curso de
relativas ao casamento, como o aumento na idade média vida, mas, também, estabeleçam novos relacionamentos,
das mulheres ao se casarem (Instituto Brasileiro de Geo- incluindo casamentos e grupos de pares que se reúnem para
grafia e Estatística [IBGE], 2010), a escolha do cônjuge e atividades educacionais e de lazer. Desse modo, recomen-
a manutenção da relação com ele ainda são tarefas contem- dou-se a inclusão de uma ‘nova’ tarefa desenvolvimental
porâneas. Os relacionamentos pessoais contribuem para para essa fase do curso de vida – ‘Manter e estabelecer
a consolidação da identidade do sujeito e trazem consigo laços familiares e de amizade’ –, que enfatiza as demandas
o reconhecimento social (Magalhães & Gomes, 2005). de desenvolvimento social propostas ao idoso atualmente.

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Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(4), 809-819.

Foram recomendadas, também, atualizações para TD não normativo. Isso ficou evidenciado, por exemplo, na
da meia infância, adolescência e adultez inicial. As altera- necessidade de efetuar inclusões e alterações de TD as-
ções almejam contemplar características sociais e culturais sinaladas neste estudo e na constatação de, por exemplo,
contemporâneas. Reitera-se que as demandas desenvol- Maniar e Joshi (2010) de que tecnologias, como a TV,
vimentais traduzem expectativas predominantes em um podem influenciar o êxito em algumas demandas desen-
determinado contexto sociocultural e histórico (Roisman volvimentais.
et al., 2004) e, portanto, não são ad eternum, devendo ser Ao generalizar os resultados deste estudo, é preciso, po-
alvo de revisões. Krings et al. (2008) verificaram em seu rém, considerar as limitações metodológicas dele, especial-
estudo com três coortes diferentes que as TD variaram mente aquelas relacionadas à amostra, que é circunscrita
intergeracionalmente. quantitativa e qualitativamente e, como abordado anterior-
Dentre as TD sugeridas para a meia infância, ‘Aprender mente, baseiam-se no método de História de Vida, que, da
habilidades físicas necessárias para brincadeiras’ teve sua mesma forma que outras estratégias metodológicas, possui
nomenclatura alterada para ‘Aprender habilidades neces- limitações. Além das limitações inerentes a esse delinea-
sárias para brincadeiras’. Tal atualização contempla outras mento (p.ex., dependência da memória autobiográfica), o
habilidades, além das físicas, que são importantes para a fato de as entrevistas terem sido realizadas em grupo pode
participação das crianças em atividades lúdicas, como, ter gerado constrangimentos para os participantes no que se
por exemplo, a criatividade, as habilidades motoras, a refere às vivências da sexualidade, explicando os escores
coordenação e a capacidade de abstração (D. R. Shaffer & menos expressivos nas tarefas relacionadas ao gênero.
Kipp, 2012). A TD ‘Apropriar-se do papel social masculi- Assim, recomenda-se, evidentemente, que sejam
no e feminino’ também foi atualizada para ‘Desenvolver realizadas pesquisas sobre TD com amostras mais re-
papéis sociais de gênero’, uma vez que o atual conceito presentativas e com outros delineamentos. Não obstante,
de gênero enfatiza a influência de processos sociais e cul- assinala-se que esta pesquisa contribui para a literatura
turais, sendo mais abrangente do que a antiga concepção científica brasileira tanto por abordar um autor relevante
de ‘masculino ou feminino’, pautada essencialmente na em Psicologia do Desenvolvimento, que tem poucos textos
biologia (Perucchi, 2009). a seu respeito em língua portuguesa, quanto por apresentar
A alteração da tarefa ‘Alcançar um papel social mas- uma proposta de compreensão do curso de vida em prati-
culino ou feminino’, a ser realizada na adolescência, para camente toda sua extensão.
‘Alcançar um papel social de gênero’ destaca, também,
a importância do contexto sociocultural na definição dos Referências
papéis esperados para homens e mulheres. Havighurst
(1953) salienta que o sucesso nessa tarefa resultaria, dentre Baltes, P. B. (1987). Theoretical propositions of Life-Span deve-
lopmental psychology: On the dynamics betwen growth and
outros, no desenvolvimento de sentimentos heterossexu-
decline. Developmental Psychology, 5, 611-626.
ais. Em virtude das atuais concepções sobre os papéis de Freund, A. M. (2001). Developmental psychology of life-mana-
gênero, sugere-se a modificação no conteúdo dessa tarefa, gement. In N. J. Smelser & P. B. Baltes (Eds.), International
ressaltando que seu sucesso resulta no desenvolvimento encyclopedia of the behavioral and social sciences (Vol. 13,
de sentimentos afetivos, não unicamente heterossexuais. pp. 8827-8832). Oxford, UK: Elsevier Science.
A única tarefa da adultez inicial que sofreu alteração foi Gauer, G., & Gomes, W. B. (2008). Recordação de eventos
‘Ingressar numa profissão’, que adquiriu a forma ‘Ingres- pessoais: Memória autobiográfica, consciência e julgamento.
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 24(4), 507-514.
sar numa profissão e se manter no mercado de trabalho’.
Glat, R., Santos, R. S., Pletsch, M. D., Nogueira, M. L. L., &
Atualmente, a vida laboral apresenta características muito Duque, M. A. F. T. (2004). O método de história de vida na
distintas das observadas em meados do século passado, pesquisa em educação especial. Revista Brasileira de Edu-
desafiando cada vez mais os trabalhadores que são leva- cação Especial, 10, 235-250.
dos a terem educação continuada, a se especializarem e, Havighurst, R. J. (1953). Human development and education.
principalmente, a lidarem com instabilidades decorrentes New York: Longmans.
das mudanças nos modos de produção. Havighurst, R. J. (1956). Research on the developmental-task
concept. The School Review, 64(5), 215-223.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Estatís-
Considerações Finais
ticas do registro civil. Recuperado em 10 de janeiro, 2012,
de www.ibge.gov.br
É possível afirmar, ainda que parcimoniosamente, que Josselson, R. (2009). The present of the past: Dialogue with
tanto o conceito quanto as TD propostas por Havighurst memory over time. Journal of Personality, 77(3), 647-668.
apresentam, ainda hoje, evidências de validade ecológica Krings, F., Bangerter, A., Gomez, V., & Grob, A. (2008). Cohort
para o contexto brasileiro. Reitera-se que o autor propôs o differences in personal goals and life satisfaction in young
conjunto de tarefas que constituiu o foco desta investiga- adulthood: Evidence for historical shifts in developmental
ção há mais de 50 anos, em um momento histórico muito tasks. Journal of Adult Development, 15, 93-105.
Junqueira, M. L. (2010). Maturidade para a escolha da carreira
distinto do atual.
em adolescentes de um serviço de orientação profissional
Há que se retomar, como proposto pela perspectiva (Tese de mestrado, Departamento de Psicologia e Educação,
Life-Span (Baltes, 1987), que as TD têm caráter histórico, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil).

818
Freitas, E. R., Barbosa, A. J. G., Scoralick-Lempke, N., Magalhães, N. C., Vaz, A. F. C., Daret, C. N., Peres, F. S. & Carvalho, M. F.
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Recebido: 30/03/2012
1ª revisão: 16/08/2012
Aceite final: 08/10/2012

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