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O Lado Errado da Estrada

Capitulo Um
A chamada na calada da noite

But the place is filled with the sweetest memories


Memories so sweet that I cry
Dreams that I've had left me feeling so bad,
I just want to give up and lay down and die

So if you've just lost your sweetheart,


And it seems there's no good way to choose
Come along with me, misery loves company
You're welcome at the Home of the Blue
- Johnny Cash

Era uma noite nublada, quase não dava para ver a lua, e lá da cozinha enquanto procurava mais uma
garrafa de whisky, ouvia mais uma vez a canção Wrong Side of the Road na voz de Tom Waits. O dia estava
como sempre era naquela mesma data. A casa continuava a mesma, os livros amontoados, alguns fora das
estantes no chão, outros dentro delas; entre a lareira e o sofá de couro, uma mesinha de vidro no centro da
sala; encostada na parede atrás do sofá, uma mesa de escritório, que para nada servia além de ser mais um
lugar para amontoar livros e papéis dos quais não cabiam mais em lugar algum. O cheiro de álcool era
inconfundível, havia duas garrafas de whisky vazias juntas ás partituras de musicas, jogadas ao lado de
pílulas para dormir, que, caso não funcionassem, já serviriam, ao menos, para amenizar a dor de cabeça;
tudo estava amontoado em cima do piano preto no canto direito da sala ao lado das janelas, a direita da
lareira. Realmente, tudo aquilo estava com o clima e como um cenário dos quais lemos nas obras de Charles
Bukowski, e para ser sincero, se alguém passasse em frente de casa e olhasse para o lado de dentro da janela,
iria se deparar com um cenário que muito lembrava um clube de Stripers; mas, na verdade, não era; era
apenas mais uma noite comum depois do trabalho; e para ser exato, naquele momento, já se fazia horas que
a Striper não se encontrava mais do lado de cá da janela.
Eu já havia tomado cinco das desgraçadas pílulas e o sono só se dissipava cada vez mais, eu ainda
procurava alguma garrafa que pudesse me fazer companhia nesta linda noite de julho, quase Agosto - talvez
quem venha a ler isso pode pensar que sou um bêbado compulsivo atrás de algo para saciar meu vicio, mas
na verdade, você há de concordar comigo, ficar a noite toda acordado sem ter o que beber seria passar do
nível suportado de melancolia, não é? - Enfim, lá estava eu quase desistindo de achar algo para beber,
quando me lembrei da garrafa de White and Black que ganhei no natal passado de um amigo do trabalho, ele
tinha comprado para tomarmos juntos quando estivermos com um tempo livre, mas com certeza ele iria
entender a situação. Como já havia copos de outras noites em cima do piano, não me incomodei em pegar
mais um e, assim, fui em direção ao piano enquanto abria o bocal da garrafa. Estava uma linda noite e nada
melhor do que dedilhar algumas notas naquele belo Yamaha no canto sala. Sentei, coloquei um pouco do
liquido no copo e peguei mais algumas das pílulas no frasco laranja, coloquei na boca e engoli junto com um
gole de whisky, e depois de alguns instantes lá estava eu acompanhando a musica que tocava na vitrola:
Hymn to Freedom aos dedos de Oscar Peterson... Que bela canção!
Havia se passado horas que eu estava ali dedilhando aquele lindo piano e quando eram 2h da manhã, ali,
em frente ao sofá, na mesinha de vidro, o telefone tocava. Pensei seriamente em simplesmente ignora-lo
como eu geralmente fazia, mas como podia ser alguém do trabalho precisando de mim e eu já não
conseguiria mais dormir, um pouco de ação não cairia mal. Então levantando da cadeira peguei o copo de
whisky e fui em direção ao telefone, sentei no sofá e esperei mais alguns instantes enquanto deixava o copo
sobre a mesinha de vidro; peguei o telefone e enquanto o segurava na orelha com a mão direita, com a
esquerda deslizava o dedo em torno da boca do copo e esperava que falassem algo do outro lado da linha.
Como muitas noites já vinham acontecendo, sempre depois da meia-noite, alguém ligava e, quando eu não
ignorava o telefone e o deixava tocar, ninguém respondia do outro lado. Ás vezes eu apenas ouvia uma
respiração do outro lado da linha, eu falava “Alo”, mas ninguém respondia. Esta noite a vida me pregou uma
peça e ao atender uma voz soou do outro lado. Fazia dois anos que eu não ouvia aquela voz, parecia que
nem eu, nem ela estávamos preparados ou esperando aquilo. Eu não estava pronto por imaginar que nunca
mais ouviria a voz dela novamente; e ela não estava pronta por imaginar que eu ignoraria o telefone, não por
ser ela quem ligava, mas por me conhecer tão bem e saber que eu não queria ser perturbado nas minhas
noites de solidão, dais quais eu bebia e tocava piano até cair no sono. Mas, com certeza, não estávamos
prontos para aquilo.
- Olá, Sponki... Sou eu.
Neste momento os últimos cinco anos passavam como flashbacks em minha mente, anos dos quais já
haviam morrido para mim; mas que terei de explica-los para que você entenda a situação presente.

Capitulo Dois
Os primeiros meses

Os primeiros fatos que tenho de explicar, para que todas as situações que estão por vir façam sentido,
começam em um consultório psiquiátrico onde eu procurava que me dessem algumas pílulas para dormir, já
se faziam dois dias que eu não pregava o olho e isso já estava me deixando de saco cheio. O Psiquiatra era
um baixinho careca de nome Jeff, que muito me lembrava aquele tipo de criança chata que encontramos nos
colégios e que, frequentemente, apareciam com a cueca quase toda levantada até o pescoço.
Caso seja algum conhecido meu lendo este relato, pode pensar “Meu Deus, o Sponki indo a um
Psiquiatra, o mundo deve estar pra acabar”. Sim, realmente, eu odeio Psiquiatras, Psicólogos e todo tipo de
conselheiro que estão dispostos a ajudar o próximo com suas “milagrosas” curas de Auto-Ajuda; eles são
patéticos.
Mas, enfim, lá estava eu tentando conseguir as malditas pílulas e lá estava Jeff tentando levar todo aquele
momento para alguma conversa pessoal. Ele comentava sobre todo tipo de coisa: como você esta se
sentindo? Como vão as coisas? Você se sente feliz? E toda aquela palhaçada desses “profissionais da saúde
psicológica”. Então chegou o momento que ele comentou sobre o amor que minha mãe tinha por mim e
como, talvez, o fato de eu não me abrir com as pessoas pode depender de que ela- minha mãe- pode não ter
me amado tanto na infância; Ali minha paciência já havia ido á horas e então resolvi mostrar ao “Dr Freud”
minhas incríveis habilidades na arte da Oratória-Ludibriadora (talvez, para quem não esta acostumado, esta
arte seja um tanto estranha, mas ela é praticada a muitos anos, mas foi oficializada logo depois do
Iluminismo; quer um exemplo? abra um livro qualquer de filosofia, sociologia e afins, um que esteja sendo
aplaudido na grande mídia, universidades e em todo o meio acadêmico... Sim, esta bela porcaria, com
certeza, esta cheia desta arte, a arte de negar a realidade e acreditar em suas próprias mentiras; em outras
palavras, A Arte dos Histéricos; isso quando não é um “intelequitual” falando um monte de asneira, mas
com um discurso tão bonito, que você até deixa passar, afinal, que discurso bonito, parece até um príncipe
falando). Mas voltando ao Psiquiatra:
- James, - ele me dizia enquanto me olhava sério- se você não me contar quais são seus problemas, eu não
poderei ajudar; e não me leve a mal, mas seus comentários irônicos não irão me fazer dar algo que possa te
ajudar a dormir.
- Ok... Irei contar o que esta me perturbando, assim o senhor pode me ajudar.
- É claro, eu estou aqui para isso.
- Quando eu era pequeno meus pais mandaram eu e meu irmão irmos trabalhar na madeireira para que assim
pudéssemos levar o dinheiro para casa, já que éramos muito pobres. O dia estava lindo e eu queria, de
qualquer jeito, sair para pescar; então pedi a meu irmão que ficasse no meu lugar e terminasse o trabalho por
mim e, como todo bom irmão mais velho, ele aceitou e disse que eu podia ir e que ele terminaria tudo. Eu
fui, e depois de algum tempo meu pai foi me buscar no rio onde eu pescava, ele dizia que meu irmão tinha
sofrido um acidente; fomos ao hospital e lá estava meu irmão quase cortado ao meio. Semanas depois ele
morreu. Morreu fazendo o meu trabalho. É isto que me perturba doutor.
- Impressionante James, isso é impressionante, principalmente pelo fato de isso ter acontecido ao Johnny
Cash... Da mesma forma que você me contou.
- Nossa, é serio? Que estranho... muito estranho.
Dali em diante foram mais 30 Min de mentiras melodramáticas para ver se ele se cansava e me dava a
droga das pílulas para dormir. E no final, quando eu estava indo embora com a receita em mãos, ele me
perguntou se alguma das historias que eu contei eram verdadeiras, e, é claro, eu respondi que não e sai.
Em frente ao consultório Martin, um amigo meu, me esperava para irmos almoçar. Martin era negro,
extremamente gordo e com um cabelo black power não muito definido, que, ao certo, parecia mais o cabelo
da Marge Simpson, mas eu nunca dizia isso a ele, afinal, meu cabelo era liso, mas também não era lá essas
coisas. Martin era um amigo extremamente fiel e verdadeiro, eu não conhecia ninguém - fora eu - que
gostava tanto de ouvir a verdade, seja ela qual for; ele não era muito esperto e, para ser sincero, não dava a
mínima pra a “Verdade” da qual os filósofos discutem, e também, em questão de outras matérias, ele só
gostava daquilo que o convinha, e se fosse algo que elevasse a cultura negra... Muito melhor! A verdade da
qual Martin gostava, era a verdade em ser uma pessoa verdadeira com ele; em ser, assim como ele é, um
amigo verdadeiro. Não irei detalhar aqui muito suas opiniões e crenças, pois neste almoço ficam evidentes
alguns traços de sua personalidade, e, durante esses cinco anos, muitas coisas vão mudar, muitas irão nascer
e muitas irão se esclarecer.
Eu o cumprimentei com um abraço e, enquanto entrava no carro, perguntei como estavam as coisas.
Estávamos indo em direção a sua casa, já se faziam dez minutos de estrada e eu já não aguentava mais,
queria sair do carro e ir a pé mesmo; por mais impressionante que fosse aquela situação, estávamos em um
carro e quase não tínhamos saído do lugar; Martin dirigia como uma velha sem óculos, mas como era um
dos melhores cozinheiros que já conheci, toda a espera valeria a pena. Ele me contava uma historia da qual
já discutíamos á muito tempo e sempre voltávamos ao assunto, era sobre uma garota da sua igreja que iria se
casar com um idiota da mesma igreja; uma morena extremamente linda, daquelas latinas que vemos em
filmes de Hollywood, sem duvida, era uma morena realmente linda.
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