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Elaborado em 05/2010.
É hoje consenso na grande maioria dos países ocidentais que a gestão de um Estado
agigantado não tem mais viabilidade para atender aos anseios dos cidadãos,
principalmente no que se refere à prestação dos Serviços Públicos. A realidade tem
revelado que o chamado Estado empresário não tem competência para concorrer com a
iniciativa privada, não sendo capaz de atingir níveis de eficiência e rentabilidade
desejáveis para os Serviços Públicos, ou seja, não é capaz de satisfazer os anseios dos
cidadãos usuários.
Tomada a decisão de afastar o Poder Público da prestação direta dos serviços públicos –
que passa a exercer apenas as atividades tipicamente estatais que não podem ser
transferidas aos particulares –, resta definir como se dará a sua atuação nesse setor,
tendo em vista que "mesmo quando a execução do serviço público é delegada a
terceiros, ele não deixa de ser público. O Estado abandona a prestação direta dos
serviços, mas não se despe do papel de gestor comum". [01] Muito embora esteja
outorgando ao setor privado, por meio de concessões ou permissões, a execução do
serviço público, ele não deixa de ser o seu titular, devendo zelar pela sua correta e
eficiente prestação.
é neste contexto que surge o papel da regulação a ser exercida pelo Estado e a
importância da legislação genérica e setorial destinada a regulamentar os serviços
públicos que deverão ser objeto de concessão ou permissão aos particulares, legislação
esta que tem entre suas finalidades a harmonização de situações conflitantes, em que
afloram interesses do Poder Público, da população (usuários dos serviços) e dos
concessionários. [02]
Todavia, a atuação isolada desses novos entes da administração indireta não significa a
garantia de serviços públicos eficientes. A participação direta da sociedade na regulação
e na fiscalização dos serviços é necessária, extremamente útil e, antes de tudo, um
imperativo da reforma administrativa de 1998, que visa implantar no país o modelo da
administração pública gerencial em substituição à administração burocrática clássica,
seguindo a tendência atual de um Direito Administrativo aberto cada vez mais à
participação do cidadão na tomada de decisões que o influencia. Portanto, o tema
essencial nos contornos dessa nova estrutura administrativa é justamente a participação
popular na gestão e no controle dos serviços públicos privatizados.
Nesse contexto, pode-se definir o Controle Social da Prestação dos Serviços Públicos
concedidos aos particulares como a atividade positiva da Administração que visa ao
atendimento, em concreto, de determinadas necessidades ou utilidades públicas que a
sociedade, ao desejar vê-las prestadas com generalidade, regularidade, eficiência,
modicidade de custos e cordialidade, demanda o Estado, por meio da Constituição ou de
lei, para a elaboração e o desenvolvimento de normas e controles de direito público, a
fim de que sejam prestados os serviços públicos de acordo com seus anseios. [08]- [09]
Essa delimitação tem extrema relevância, tendo em vista que existem certas atividades
que são prestadas diretamente pelo Estado, como os serviços de saúde, educação e
previdência. [10] Nesses tipos de serviços, é lícito aos particulares desempenhá-los
concorrentemente com o Estado, independentemente de concessão, sendo submetidos
apenas a uma rigorosa fiscalização deste. Em hipótese alguma poderá a administração
pública utilizar do instituto da concessão para outorgar tais atividades aos particulares,
uma vez que tem obrigação constitucional de prestá-los diretamente, e por isto cabe
também ao estado melhor fiscalizá-los quando prestados de forma concorrente pelo
particular. [11]
Esses serviços quando considerados públicos, como bem salienta Juarez Freitas,
também foram contemplados pelo constituinte originário com o controle social "nos
arts. 194, VII (caráter democrático da gestão da seguridade social), 198, III
(participação da comunidade como diretriz do sistema único de saúde), 204, II
(participação da população no controle das ações de assistência social), 206, VI (gestão
democrática de ensino público)" [12]. Portanto, apesar de sobre estes serviços também
caber o Controle Social, o estudo se concentra em como e o porquê é importante o
cidadão atuar em conjunto com as agências reguladoras na regulação e fiscalização dos
Serviços Públicos prestados pelos particulares através de processos de concessão ou
permissão, em prol de tentar garantir a sua prestação de forma eficiente e satisfatória, a
luz do art. 37 da Constituição Federal.
O Controle Social se mostra hoje como um dos meios mais eficientes de controle da
função administrativa, [13] principalmente quando os Serviços Públicos são em parte
outorgados aos particulares. Logicamente, é por demais inocente e exagerada a
confiança de que o controle social, por si só, seria capaz de resolver qualquer tipo de
improbidade na gestão da coisa pública e dos Serviços Públicos, mas é indiscutível a
sua grande influência na legitimidade e na eficácia dos processos e decisões
administrativas. Juarez Freitas bem enfatiza esse entendimento:
Nada mais coerente que em uma administração gerencial, que tem o foco voltado para o
cidadão, uma administração a serviço do público e não para ele, o controle social exerça
papel fundamental em sua organização. Pode-se dizer, até mesmo, que o controle social
é da sua essência e, como tal, deve ser estruturado de modo coerente para que a vontade
do público (destinatário maior da administração) seja valorada, e que realmente influa
nas decisões administrativas que irão, por fim, refletir diretamente na esfera individual
de cada usuário.
Foi devido, justamente, ao papel fundamental desse tipo de controle que a Emenda
Constitucional nº 19/98 reformulou o § 3º do art. 37 da Constituição, introduzindo
comando para a elaboração de uma lei para disciplinar as "formas de participação do
usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as
reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a
manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e
interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos
e a informação sobre os atos de Governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII;
III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo,
emprego ou função na administração pública".
Na minha avaliação, este comando constitucional pode ter um efeito tão poderoso
quanto o Código de Defesa do Consumidor. Na verdade, trata-se de elaborar uma Lei de
Defesa do Usuário dos Serviços Públicos. Como todos sabemos, o Código de Defesa do
Consumidor alcançou tal dimensão que hoje, na lição de mestres como Ruy Rosado de
Aguiar e Sérgio Cavalieri, a sua presença social é mais importante do que o Código
Civil. E por isso cuida diretamente de direitos de cidadania, tão pouco valorizados, até a
edição do Código, no que se refere ao povo consumidor. Ora, o que se poderá dizer de
uma lei garantido ao usuário do serviço público direito de representação contra o
exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração
pública?. [17]
Portanto, para uma atuação real e efetiva dos usuários em contato direto com as
agências reguladoras ou mesmo atuando de forma isolada, estes mecanismos deveriam a
muito terem sido definidos através da Lei de Defesa dos Usuários dos Serviços
Públicos. A criação legal, que, antes de mais nada, é um imperativo constitucional,
também é uma necessidade que não mais pode ser negligência pelos legisladores, sendo
esta um elemento essencial para a garantia da máxima eficiência na prestação dos
serviços públicos, corroborando, assim, com um dos nortes idealizadores da nova
administração pública gerencial, promovida pela reforma administrativa de 1998.
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