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A Perspectiva Budista

Por

Ajaan Brahmavamso

Tendo em vista o estabelecimento pela primeira vez de antigas religiões como o Budismo no
Ocidente, todos nós temos que repensar a nossa compreensão da religião. O Dicionário de
Inglês Oxford define religião como "a crença em um poder de controle sobre-humano,
especialmente em um Deus pessoal ou deuses aos quais se deve obediência e adoração". Isso
não é bom o suficiente! Desde seu início no nordeste da Índia há 2588 anos, o Budismo nunca
acreditou em um poder de controle sobre-humano, nem reconheceu um Deus pessoal que
tenha o direito de obediência e adoração. O Buda claramente rejeitou a existência de um Deus
criador. O Budismo não se encaixa nesse tipo de definição de religião tal como é encontrada
em obras respeitadas como por exemplo o Dicionário de Inglês Oxford. No entanto, o Budismo
é compreendido por todos como sendo uma religião.

Precisamos refinar nossa compreensão do significado da palavra "religião", de modo a incluir


os sistemas de crenças como o Budismo. No momento, por preconceito ou preguiça intelectual,
o Budismo está sendo distorcido e deformado para caber nas idéias antigas, porém
confortáveis, sobre o que é religião. Por exemplo, ouvi aqui hoje um dos palestrantes afirmar
que o Buda foi mais um profeta de Deus. Isso simplesmente não é verdade. O Buda não era
nem Deus, nem profeta de Deus. O Budismo não necessita de um Deus desse tipo. Como um
observador sagaz certa vez afirmou, o Budismo é a única verdadeira religião de não-profetas
no mundo! Assim, não é razoável mudar o Budismo para encaixá-lo nas definições obsoletas
de religião. Em vez disso, precisamos mudar a definição.

O Budismo, como todas as religiões, aborda as questões perenes sobre o que transcende o
mundano. Com os seus ensinamentos sobre Karma e Renascimento, com as suas práticas
místicas de meditação e insight, com os seus ensinamentos sobre sabedoria e a ênfase na
compaixão que é não-violenta, e com a sua rica liturgia de cerimônia e ritual - o Budismo
certamente se qualifica como uma religião. Esta é a minha tentativa de uma definição mais
abrangente de "religião":

Religião: um sistema de crenças, revelado ou realizado, que dá sentido à vida em relação ao


que transcende o mundano.

Definições são valiosas. As atuais inadequadas definições de religião podem excluir os sistemas
de crenças como o Budismo e deixar de lado as suas idéias. Excluir e humilhar uma
comunidade tão grande de pessoas levou no passado, e levará no futuro, a conflitos para todos
nós. Tais conflitos já são aparentes. Nos 17 anos em que vivi como um monge Budista na
Austrália, vi Budistas serem desfavorecidos em áreas da sociedade, como por exemplo o
direito, porque a sua cultura religiosa foi mal interpretada.

Por exemplo, a prática Budista efetivamente extingue a noção de culpa. Quando um Budista
erra, ele é ensinado a adotar, aquilo que aqui na Austrália chamo o Código RPA - Reconhecer,
Perdoar e Aprender. [1] A culpa é um processo de auto-punição que é vista como inútil.
Tomando isso como referência, é assim como um Budista deveria encarar uma sentença num
tribunal de justiça. No entanto, a sua equanimidade em relação ao que tenha sido feito, pode
facilmente ser mal interpretada pelo juiz como uma falta de remorso, e a pena poderá ser
mais severa do que seria dada em outra situação.

Em outro exemplo, uma Budista Caucasiana há alguns anos descobriu que seu marido havia
abusado sexualmente dos seus dois filhos. O marido foi para a cadeia e ela e seus filhos foram
obrigados por lei a passar por um processo de aconselhamento psicológico. No período
compreendido entre a terrível descoberta e a primeira consulta com o conselheiro, ela
rapidamente acabou reconhecendo a realidade do evento traumático, aceitou e perdoou o
marido. Ela não tinha mais nenhum desejo de manter um relacionamento com aquele homem,
mas ela não sentia mais nenhuma má vontade. Quando ela disse isso para o conselheiro, isso
foi visto como uma reação de negação e, em suma, ela não seria liberada do aconselhamento
obrigatório até que admitisse sentir raiva em relação ao ex-marido, que ela simplesmente não
sentia. Foi necessário que eu escrevesse uma longa e detalhada carta para que ela pudesse
ser liberada, convencendo o psicólogo responsável que a sua rápida aceitação e perdão eram
práticas Budistas normais e não uma negação. A propósito, a rápida solução para o problema
também fez com que os seus filhos aceitassem o trauma com mais facilidade. As suas feridas
eram pequenas e a família se recuperou.

Vou dar um último exemplo, algo pessoal. Monges Budistas dividem o seu tempo entre servir
a comunidade Budista leiga e o seu próprio desenvolvimento espiritual em isolamento. Este
último exige um monastério pacífico, geralmente fora da cidade, mas não muito distante.
Então, os monges tomam as qualidades que eles nutrem em seu monastério, como a
compaixão e a sabedoria, e as levam para a cidade para servir a comunidade. O monastério
Budista local é visto como o coração da religião e a fonte para a orientação da comunidade
Budista. Nosso monastério em Serpentine, ao sul de Perth, foi recentemente ameaçado,
primeiro por uma pedreira na vizinhança, e em seguida por um campo de tiro. Ambas ameaças
foram superadas. Mas um terceiro empreendimento foi aprovado, com o envio de enormes
caminhões carregados de terra trovejando ao longo da fronteira do nosso monastério entre as
6:00-18:00 horas durante muitos e muitos dias. Até agora fomos incapazes de parar o que
está ameaçando a própria existência do nosso monastério. A ameaça ao monastério ameaça
a prática religiosa da grande comunidade Budista leiga que depende do nosso monastério. Se
fôssemos uma escola, hospital ou asilo, então a necessidade de silêncio seria reconhecida no
planejamento de ocupação das terras e o movimento dos caminhões seria interrompido. Um
monastério, em particular um monastério Budista, não tem esse reconhecimento legal e nisso
está a raiz do nosso problema. Se os nossos legisladores reconhecessem a importância vital
de um monastério Budista para os Budistas em geral, dos quais já há várias centenas de
milhares na Austrália, então, nós não seríamos tão desfavorecidos.

Em resumo, os Budistas não procuram ser tratados de forma diferenciada na lei, eles procuram
ser melhor entendidos pelas leis. Eles também não têm uma lei "divina" que tomam como
superior à lei secular, com base na qual esta última pode ser rejeitada. Até mesmo a lei Budista
transcendente de Karma é vista pelos Budistas como encontrando expressão na lei secular,
nunca tomando o seu lugar. Quando o nosso sistema legal levar em conta não só o paradigma
Judaico-Cristão, mas também outros paradigmas, como o Budista e Aborígene, então vamos
estar nos movendo para um sistema legal mais justo para todos.

Notas:

[1] Em inglês AFL Code - Acknowledge, Forgive and Learn.

Fonte: Palestra na University of Western Australia, em 9 Março 2000.

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