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A Propriedade Intelectual sobre Obtenções de

Variedades Vegetais e a Adesão do Brasil à UPOV

Responsável: Gerson Teixeira - assessor técnico


Brasília, em 16 de fevereiro de 1998

(Fonte http://www.pt.org.br/assessor/upov.htm)

I - Introdução

Tramita, na Câmara dos Deputados, a Mensagem Presidencial nº 910, de 1997,


através da qual o governo busca o referendo do Congresso Nacional para a adesão
do Brasil à Convenção Internacional para Proteção de Obtenções Vegetais, na Ata
revisada em 1978.

Com a aprovação dessa proposição, o governo formalizará o ingresso do país na


versão correspondente da UPOV - União Internacional para a Proteção de
Obtenções Vegetais, organização criada em 1961, com sede em Genebra, com
atribuições atuais de regular, no âmbito internacional, direitos e deveres relativos à
propriedade intelectual no campo do melhoramento vegetal.

Para a adesão do Brasil à citada Convenção e, posteriormente, à UPOV, o país


cumpriu exigência prévia, com a instituição de legislação interna sobre a matéria -Lei
nº 9.456, de 25.04.97-, com formato tido como ajustado ao padrão preconizado pela
UPOV-versão 1978.

Atualmente, trinta e três países são signatários da referida Ata da UPOV, sendo seis
deles, sul-americanos: Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai.
Portanto, sete países do continente ainda estão fora do sistema.

A adesão do Brasil à UPOV constitui a etapa final de um processo de consolidação,


no país, dos interesses das grandes empresas transnacionais da química e da
biotecnologia que, controlam, também, o mercado mundial de sementes. Com a
criação da legislação nacional sobre proteção de cultivares, com perfil bem mais
restritivo do que os preconizados pela UPOV, conforme veremos adiante, consagra-
se a tendência de monopólio do mercado desses materiais, no país.

Para chegar ao estágio atual de operação da filiação do Brasil à UPOV/78, o


governo cumpriu, com relativa facilidade, o que poderia ter sido a etapa mais difícil
do processo, caso tivéssemos um Congresso Nacional soberano, e mais disposto a
discutir os temas, de fato, relevantes para os interesses nacionais. Estamos nos
referindo à legislação nacional sobre a matéria que, seguramente, foi aprovada com
o desconhecimento, por parte da maioria absoluta de Deputados e Senadores,
sequer, do que seja uma cultivar.
A compreensão do significado político sobre a instituição de legislação interna
visando dar "proteção às obtenções de variedades vegetais " e sobre a filiação do
Brasil à UPOV, exige uma base mínima de entendimento prévio a respeito dos
interesses econômicos que cercam tais iniciativas.

Procuraremos fazer essa exploração, na sequência, por meio da tentativa sumária


de resgate da evolução dos interesses do setor de sementes. Para isso, assim como
para o desenvolvimento do conteúdo integral do texto, nos valeremos, além,
obviamente, do acumulo próprio sobre o tema, de análises realizadas por
pesquisadores como Carlos Rosseto, do Instituto Agronômico de Campinas, e de
Ângela Cordeiro, da AS-PTA (Assessoria e Serviço a Projetos em Agricultura
Alternativa) e David Hathaway (AS-PTA/RJ). Especificamente durante a gestão 1995
da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados, esses
especialistas tiveram participação marcante nos debates processados sobre a
matéria, naquela época.

II - Sementes: Do Livre Acesso à Proteção

Preliminarmente, cabe que se entenda o conceito de cultivar. Para os efeitos da


legislação sobre o tema, entende-se como cultivar, a variedade de qualquer gênero
ou espécie vegetal superior, que seja claramente distinta de outra, através de
margens mínimas de características específicas que apresentem baixa variabilidade
quando utilizada em plantio em escala comercial, mesmo em gerações sucessivas, e
que seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal.

Evidentemente, não deixa de ser uma cultivar, a variedade que não se enquadre nos
rigores técnicos preconizados pelas legislações que versam sobre a propriedade
intelectual desses materiais, como é o caso da diversidade de cultivares, até então
livremente utilizadas pelos agricultores. Só que, neste caso, não são passíveis de
proteção mas, de expropriação pelas empresas que, após trabalharem em cima
dessas variedades, requerem o direito de propriedade sobre as mesmas.

Introduzindo a exploração proposta, devemos enfatizar que, atualmente, produtos


que compõem a dieta alimentar da população mundial foram, em algum momento
anterior ao início da agricultura, há cerca de 12 mil anos, plantas silvestres.

Com o início da agricultura, ou seja, a partir das ações do homem nos processos de
seleção e domesticação, combinadas com a ação dos fatores climáticos e mudanças
de ambiente, as plantas que hoje cultivamos foram passando por alterações
genéticas e fenótipas.

Isso mostra o lento e prolongado processo de domesticação e de melhoramento das


plantas desenvolvido conjuntamente pelo homem e pela natureza que originaram os
alimentos e matérias primas vegetais, atualmente disponíveis e que, com a Lei de
Cultivares, passam à propriedade privada de algumas poucas empresas pela
"maquiagem" processada sobre o produto desse trabalho coletivo.
Portanto, durante todo esse tempo de desenvolvimento da agricultura, as sementes
sempre foram um recurso de livre acesso aos agricultores. Quem plantava, produzia
a sua semente que a trocava com outro agricultor, num processo de ampla liberdade
de acesso a esse insumo básico da agricultura.

Por volta de 1880, avanços científicos na área da genética, mais exatamente no


melhoramento vegetal, começam a ser desenvolvidos, graças aos estudos de
Mendel, permitindo, então, que se vislumbrasse a exploração comercial das
sementes.

À época da Convenção de Paris, em 1883, definindo os primeiros acordos sobre


propriedade intelectual, sequer se cogitava a inclusão das plantas, ou de suas
partes, em mecanismos correlatos.

A partir do momento em que a semente se transforma em mercadoria, começa a se


consolidar um segmento industrial dedicado à produção desse insumo, começando
a surgir a preocupação pela imposição de propriedade intelectual, também sobre
esses produtos.

A primeira tentativa de implantação de legislação para proteção de plantas ocorreu


nos EUA, em 1930.

Com a expansão do mercado de sementes, a idéia de proteção aos obtentores


(empresas do ramo), ganha fôlego, na Europa. Em 1961, as empresas européias,
após convencimento dos governos dos países correspondentes, conseguiram criar a
UPOV. Na ocasião, foi consensuado que o padrão de proteção aos direitos dos
melhoritas recomendado pela organização não alcançaria o instituto de patentes, por
ser tido, pelos padrões da época, muito radical e conflitivo com valores éticos, já que
incidente sobre formas de vida.

Criada a Convenção, foi definida uma série de normas visando orientar as


legislações nacionais dos países signatários, tendo em vista a definição da proteção
dos direitos dos melhoristas.

Ficou garantido que os melhoristas deveriam ter direitos sobre a comercialização


das sementes das variedades que viessem a desenvolver. A despeito, dessa
restrição, mantinha-se uma série de concessões, como a livre utilização da cultivar
protegida por outro pesquisador, para o desenvolvimento de outra cultivar. Da
mesma forma, naquele momento inicial do processo de apropriação das cultivares, o
agricultor estava livre para reproduzir a semente por ele plantada.

Durante a década de 1970, houve uma avanço significativo na Ciência, com o


surgimento das modernas biotecnologias. Até então, para se obter o melhoramento
de uma variedade vegetal, era preciso utilizar plantas dessa espécie, recorrendo-se,
por vezes, a espécies de parentes silvestres que possibilitavam o cruzamento entre
si. Com a engenharia genética essa restrição parece ter sido superada, o que
ensejou a ampliação do leque da proteção.
Observando-se o mercado de sementes, constatava-se até recentemente, que o
produto que mais movimentava dinheiro nesse mercado, era o milho- o híbrido, no
caso.

Para se chegar no milho híbrido, são usadas variedades plantadas pelos agricultores
-que foram melhoradas por muito tempo, ressaltamos-, de linhagens geneticamente
diferentes, com características que interessem ao melhorista, que são cruzadas
entre si, várias vezes.

Depois, as variedades são novamente cruzadas várias vezes, até que se consiga um
vigor à planta que implica em que o produto resultante (o híbrido), apresente um
extraordinário potencial produtivo mas, apenas na primeira vez em que é cultivado.
Significa que o produtor não pode guardar a semente para novos plantios; tendo,
portanto, que adquirir a semente do produto, de propriedade da grande empresa, a
cada plantio. Resulta, então, uma espécie de Lei natural de proteção dessa cultivar.

A patente natural propiciada pelo milho híbrido, combinada com a superações de


restrições técnicas para outras plantas com o desenvolvimento das novas
biotecnologias, ensejou a busca, pelas grandes empresas do setor, da
institucionalização da proteção, no rigor possibilitado pela "patente natural" do milho
híbrido.

Veremos, na sequência do texto, como se dá atualmente a proteção e as


circunstâncias políticas que a envolvem.

Destacamos, ainda nessa fase preliminar do documento que, a partir de tais


legislações e da regulação da metéria a nível internacional, pela UPOV, todo o
acervo milenar de trabalho e saber coletivos que envolveram o processo de
melhoramento vegetal passam, progressivamente, do domínio público, para as mãos
de algumas poucas empresas (multinacionais, basicamente), que tendem a dominar
o setor.

Com a entrada em vigor da Lei brasileira, já se observa o processo de


desnacionalização e concentração do mercado nacional de sementes,
especialmente de plantas autógamas, até então dominado por empresas brasileiras.
Esse fato foi previsto por vários especialistas, anteriormente à aprovação da Lei.

Entre empresas nacionais que passaram para o controle de empresas estrangeiras


após a aprovação da legislação referida, citamos as recentes aquisições, pela
MONSANTO (gigante americana dos setores da química e biotecnologia), da
principal empresa de sementes de soja (FT Sementes) e, da maior empresa nacional
de sementes (AGROCERES).

Corroborando o virtual processo de concentração econômica do setor, vale


reproduzir trechos de documento insuspeito, elaborado pelo Dr. José Amaury
Dimazzio (Presidente da ABRASEM), que o orientou em pronunciamento na
Comissão Especial da Câmara, que apreciou a matéria, em 1996. Prognosticou o
representante da entidade nacional representativa do setor de sementes: "as
empresas produtoras de sementes, pequenas e familiares, possivelmente
desaparecerão........os produtores(agricultores) trabalharão com menos e maiores
fornecedores.......empresas sem alianças ou acesso à biotecnologia não
sobreviverão..."

Perpassando o processo de desnacionalização e de concentração do mercado,


outra consequência parece iminente: os agricultores de menor porte econômico
serão duramente afetados com a adesão do Brasil à UPOV. Isto porque, além de
legalmente impedidos de continuarem as suas práticas milenares de troca de
sementes entre produtores e comunidades (exceto se amparadas por programas
oficiais), serão virtualmente ignorados pelas empresas públicas de pesquisa que, até
por estratégia de sobrevivência serão obrigadas a canalizar os seus recursos para
pesquisas com produtos nobres. Será que a Embrapa vai dar prioridade a pesquisas
de novas variedades de mandioca? Definitivamente, não. Tudo indica que, tanto a
Embrapa, como os outros órgãos oficiais de pesquisa agrícola, intensificarão
estratégias de associações a empresas multinacionais (como já está ocorrendo),
cuja resultante parece muito mais favorável para os interesses dessas empresas do
que para os interesses do país.

Observe-se que a Ata final da Rodada Uruguai do GATT, homologada pelo


Congresso Nacional, prevê, no Acordo TRIPS (Acordo sobre os Aspectos
Comerciais dos Direitos de Propriedade Intelectual Incluindo o Comércio de Bens
Falsificados), a adoção de sistemas sui generis para a proteção de variedades e
plantas pelos países signatários (art. 27. 3. "b"), fixando para isso, prazo até o ano
2.005 (grifei).

Vale registrar que esse compromisso não implica, absolutamente, na


obrigatoriedade da adesão do Brasil à UPOV. Pois, salvo melhor juízo, sistema sui
generis não coincide, necessariamente, com os padrões de legislação impostos
pela UPOV, fundados no monopólio privado do mercado das cultivares, o que colide
com a posição alternativa defendida por setores nacionalistas da comunidade
científica brasileira que recomendam o sistema de franquia (franchising), como o
mais adequado perfil para a legislação sui generis brasileira.

De acordo com o entendimento desses pesquisadores, com tal sistemática, que


resultaria no recolhimento de royalties aos obtentores de cultivar na
comercialização das sementes, se incentivaria, efetivamente, a pesquisa nacional,
sem necessidade de se eliminar a liberdade de acesso dos produtores e
pesquisadores, evitando-se, ainda, a desnacionalização e a concentração do
mercado.

Em seguida, procederemos à recuperação das motivações anunciadas e sobre os


procedimentos oficiais que orientaram a conduta do Governo desde a tramitação da
Lei de Cultivares.

III - A Falsa Argumentação do Governo, em Defesa da Lei e


da Adesão do Brasil à UPOV.

Desde o momento em que enviou o Projeto de Lei sobre a matéria, para o


Congresso, em regime de urgência, por ocasião da pauta extraordinária de janeiro
de 1996, o Governo centra o discurso sobre o imperativo da Lei e da adesão
brasileira à UPOV/78, em cima de argumentos, como:

1. providência necessária para se evitar os prejuízos, para o país, decorrentes da


continuidade de práticas de 'pirateamento' de cultivares brasileiras por outros
países, em especial, os da América Latina;

2. relacionado ao item anterior, o reconhecimento, pelos demais membros da


UPOV/78, da proteção das obtenções vegetais por empresas brasileiras (e,
reciprocamente), mediante o reconhecimento de instituto sui generis de propriedade
intelectual;

3. medidas indispensáveis para evitar o isolamento político do Brasil, particularmente


no atual contexto da globalização, o que implicaria em pesados ônus para o país;

4. o estímulo à pesquisa de novas variedades vegetais, em função da proteção


especial desses materiais, o que implicaria em impulso significativo ao
desenvolvimento científico e tecnológico do país e, portanto, ao desenvolvimento da
agricultura e da economia nacional;

5. o fato de muitos países, inclusive os parceiros do Brasil, no Mercosul, fazerem


parte da UPOV/78, cujo quadro técnico qualificado seria de particular relevância na
formação do serviço nacional de proteção de cultivares.

6. o perfil da Ata de 1978, que estabelece proteção equilibrada para as novas


obtenções vegetais, em consonância com o padrão estabelecido pela Lei de
Proteção de Cultivares vigente, no país;

7. a ênfase dada à suposta tolerância da UPOV, para com o Brasil, para o ingresso
do país em sua versão 1978, sob pena de obrigar-se a aderir à Versão 1991,
daquele Fórum, muito mais restritiva. A Mensagem Presidencial nº 81/96, que
encaminhou o Projeto de Lei sobre a matéria, para o Congresso, alertava que o
prazo estipulado para a adesão à UPOV/78, teria expirado em 31 de dezembro de
1995. Assim registrou a Mensagem Presidencial nº 81/96: "Caso o Brasil não venha
a dispor de lei de proteção de cultivares nesse prazo concedido
excepcionalmente....., só restará a alternativa de vir a aderir à mesma convenção na
sua versão revisada em 19.3.91, o que não parece adequado, por permitir a dupla
proteção, inclusive mediante patentes."

8. como exemplo das vantagens, para o Brasil, da "tolerância" da UPOV para a


filiação do país à Ata de 1978, o governo sublinhava (e sublinha), o alcance da
proteção, até à semente e, não, ao produto comercializado, como determina a
versão 1991. Sob esta versão, sustentam ainda, que o país seria obrigado a adotar
a dupla proteção das cultivares (proteção especial e patente), ao contrário do que
prevê a UPOV/78, que impõe, alternativamente, a proteção especial e o sistema de
patentes.

Por fim, alegam, ainda, mais exatamente para justificar a aprovação da Mensagem
Presidencial, em referência, que o Brasil já submeteu formalmente a sua legislação
interna à apreciação daquele Fórum, com resultados favoráveis. Isto quer dizer que
a UPOV considerou a legislação nacional ajustada ao padrão recomendado pela
organização.

Portanto, conforme demonstraremos, em seguida, os argumentos centrais do


governo para viabilizar os seus propósitos no tocante ao monopólio e à
desnacionalização do setor de sementes, no Brasil, constituem um aglomerado de
falácias e blefes.

Neste sentido, a instalação de uma Comissão Especial, na Câmara, para apreciar a


proposição sobre cultivares, ao contrário do que poderia sugerir, resultou em ação
deliberada para subtrair, dos membros desta Casa, o direito de um debate profundo
sobre o alcance da propositura e sobre as verdadeiros intenções do governo, com a
iniciativa. A Comissão promoveu oito reuniões de audiência pública, e ouviu 21
pessoas, sendo 19 técnicos do governo e, lobistas e empresários de grandes
corporações com interesse na Lei. Somente dois pesquisadores, críticos à instituição
do monopólio da propriedade sobre a variedades vegetais, no Brasil, foram ouvidos
pela Comissão.

No clima de desenvoltura das ações dos lobistas naquela Comissão, os falsos


argumentos em favor da legislação e da adesão à UPOV, passaram a ser
ardilosamente convertidos em discursos relacionando-os às demandas superiores
do país.

IV - A Contestação aos Discursos do Governo

A análise seguinte, confirma a total improcedência dos argumentos governistas.

Conforme registrado acima, o governo aponta o "isolamento" diplomático do País,


caso não adira à UPOV. Subjacente a esse alerta, está a ameaça velada de
iminentes retaliações políticas e comerciais ao país, caso não nos filiemos àquela
organização.

Em primeiro lugar, ressalte-se que até à presente data, os Estados Unidos da


América mantêm-se "isolados" do restante do mundo por não haverem reconhecido
a ‘Convenção da Biodiversidade’, que já em 1992, teve a adesão de mais de 150
países, e não, de apenas 33 países, como no caso da UPOV, criada em 1961.

Ao sustentar essa posição, os EUA negam-se, na prática, a reconhecer os direitos,


especialmente dos países do terceiro mundo, onde se localizam a maioria dos
chamados "Centros de Vlavilov", no controle e proteção do acesso ao seu patrimônio
genético vegetal. Em outras palavras: a não homologação da Convenção da
Biodiversidade, pelos EUA, significa a institucionalização, por aquele país, da
biopirataria, em favor dos seus grandes laboratórios e, em prejuízo de países como
o Brasil, detentores de ricos e diversificados patrimônios bióticos.

Estima-se que a etnobiopirataria na Amazônia, especialmente por laboratórios


americanos localizados na Califórnia, resulta na movimentação anual de bilhões de
dólares, sem qualquer compensação financeira para o Brasil e, em particular, para
as populações indígenas. Estas, além das substâncias fornecidas aos laboratórios,
repassam todo o conhecimento acumulado sobre as propriedades das mesmas,
sendo que, posteriormente, após o desenvolvimento desses produtos pagamos
royalties a essas empresas e reconhecemos os direitos seus patentários sobre os
produtos roubados do país.

A propósito, em postura que denuncia a dimensão do servilismo e da falta de


compromisso do atual governo com a defesa dos interesses nacionais, observa-se
que, enquanto pressiona intensamente pela aprovação da adesão do Brasil à UPOV,
atua contra a tramitação, no Senado, do Projeto de "Lei do Acesso", de autoria da
Senadora Marina Silva. Essa iniciativa, respaldada pela Convenção da
Biodiversidade, viria dotar o país de mecanismos garantidores de um controle
mínimo no acesso aos seus recursos genéticos.

Mas, o melhor exemplo sobre a improcedência do veredito acerca do isolamento do


Brasil e dos ‘ônus derivados’, caso não nos filiemos à UPOV/78, está no próprio
caso brasileiro.

Durante todo esse tempo não tivemos legislação sobre cultivares e tampouco
aderimos à UPOV. Aconteceu algo importante ao país em decorrência da
manutenção dessa situação supostamente isolacionista?

Nada. Ou melhor, aconteceu, sim: ainda que socialmente seletiva, desenvolvemos,


de forma notável, a nossa tecnologia agrícola, especialmente na área do
melhoramento vegetal. Criamos uma das maiores empresas de pesquisa
agropecuária do mundo, a Embrapa e, vários outros centros de excelência nessa
área como são os casos do Instituto Agronômico de Campinas e do IAPAR, no
Paraná. Nos tornamos referência no desenvolvimento da genética de produtos
importantes, a exemplo da soja, que os argentinos, com lei de cultivares e UPOV,
estão há "anos-luz", atrás.

Destaque-se, também, que algo muito importante deve ter levado países europeus,
como a Espanha, com grande tradição agrícola, a preferir o "isolamento" e não
aderir à UPOV/78!. Igualmente, motivos relevantes devem ter orientado idêntico
procedimento por parte da Bélgica.

Na Índia, grandes mobilizações populares impediram que o país, sequer, criasse


legislação sobre a matéria.

Como no caso da tese do "isolamento", da mesma forma, não passa de chantagem


política o discurso do governo pela oportunização da tolerância da UPOV para que o
Brasil adira à sua versão/78; e assim, livrando-se da Ata de 1991.

Até à presente data, a versão 1991 não entrou em vigor, simplesmente porque
durante todo esse período, não conseguiu ser ratificada por cinco países - número
mínimo exigido. O mais grave é que três anos após, o governo insiste no discurso;
agora, para pressionar pela aprovação da referida Mensagem Presidencial.

Independente do mérito da adesão a quaisquer das duas versões da UPOV, nada


garante que, aderindo, agora, à versão 1978, futuramente, todos os signatários da
UPOV, não estejam sob a versão de 1991. Afinal, essa Ata, que ajusta o modelo
UPOV às exigências atuais das empresas transnacionais do setor, não foi criada à
toa. Acreditem: é apenas uma questão de tempo. Assim que acharem o quinto país
que assine a versão de 1991, a UPOV estabelecerá um prazo para que os demais
membros façam as alterações necessárias e adequem-se à versão 1991. E assim
sucessivamente, com a UPOV 2000, 2010, etc....

Vale, neste momento do texto, comprovar o que talvez seja a maior fraude do
governo que denuncia as suas reais intenções com a aprovação da Lei e a adesão ã
UPOV/78. Trata-se da absoluta inconsistência do discursos oficial sobre o
ajustamento da legislação brasileira aos padrões da referida versão da UPOV.

Na verdade, a Lei nº 9.456/97, em pontos essenciais, é extremamente mais rigorosa


que a estrutura exigida pela UPOV/78 e, mesmo em relação à preconizada pela
Versão/91, em muitos aspectos. Assim, caracteriza instrumento lesivo aos interesses
do país. Para demonstrar o fato, vale um breve cotejo entre alguns dispositivos da
Lei e das Versões UPOV, 1978 e 1991:

a - a Lei brasileira incluiu o conceito de 'cultivar essencialmente derivada',


inexistente na Versão 1978 e incorporada na de 1991. Com esse instituto, foi
ampliado, internamente, o alcance da 'proteção', alargando, por conseguinte, as
restrições e os custos para a utilização desses materiais pelos agricultores. Portanto,
por esse dispositivo, a legislação brasileira está compatível com a Versão 1991;

b - pela Lei brasileira, os Direitos Protegidos da empresa obtentora sobre a semente


da cultivar compreendem a venda, o oferecimento à venda, a reprodução, a
importação e exportação, a embalagem, o armazenamento e a cessão a qualquer
título, constituindo prerrogativas bem mais amplas do que as definidas até pela
UPOV/91;

c - a Convenção de 1978 permite que o instituto da proteção alcance o cultivar


comercializado até 12 meses, anteriormente ao pedido de proteção. A legislação
brasileira prevê, além desse dispositivo, que mesmo antes do período em questão, o
cultivar que já estivesse no mercado possa ser objeto de 'proteção', para fins de
criação de uma nova cultivar, pelo prazo remanescente da 'proteção'. Significa uma
ampliação injustificável do 'pipeline', com repercussões restritivas adicionais ao
acesso a esses materiais, o que não ocorre nos outros países signatários da UPOV;

d - o governo argumenta, em defesa da adesão à UPOV/78, que esta (assim como a


Lei brasileira) limita o direito de proteção, ao material de reprodução, enquanto a
Ata de 1991, estende a proteção ao produto comercializado.

Ocorre que a Convenção de 1978 (Art. 5º, § 2º), prevê a possibilidade de cada
Estado-membro incluir, em sua Lei, a extensão da proteção até o produto agrícola
comercializado. Assim, através de uma simples Medida Provisória, o governo
poderia proceder à essa alteração no texto da Lei dos Cultivares. Convenhamos; há
grandes possibilidades de que isso venha a ocorrer, brevemente. Afinal, trata-se do
controle e lucros em torno de 40% do PIB brasileiro, e não, de US$ 1 bilhão/ano que
envolve o mercado de sementes.
Além da grande probabilidade dessa alteração, pela via da legislação interna, a
Convenção UPOV/78, prevê a revisão dos seus termos, através dos votos de 5/6
dos seus membros (art. 27), o que constitui, portanto, em outro meio para o provável
ajustamento dos limites de proteção previstos atualmente pela Versão 1978, aos
fixados pela de 1991;

e - o governo também advoga a adesão imediata do Brasil à UPOV/78, para que o


país não se submeta à sistemática da dupla proteção fixada pela UPOV/91. A Ata de
1978, admite, alternativamente, a outorga de título especial de proteção, ou a
patente.

No entanto, ainda que a legislação sobre cultivares proíba o patenteamento desses


materiais, a Lei de Patentes (Lei nº 9.279/96), sujeita plantas às patentes de
processo para a sua obtenção (art. 42,II), e às patentes sobre genes de
microrganismos transferidos para o seu genoma. Assim a dupla proteção já está
consagrada no país.

f - a lei brasileira garante a possibilidade de proteção à 'nova cultivar' de qualquer


gênero ou espécie vegetal (art. 4º), sendo que essa determinação entrou em vigor
na data da publicação da Lei. A Versão 1978 define o maior número possível de
gêneros e espécies botânicas, fixando escala progressiva do número de espécies
passíveis de proteção (Arts. 4-2 e 4-3). Já a UPOV/91, define o prazo de 10 anos
para que os novos membros abram a possibilidade de proteção para todos os
gêneros ou espécies vegetais (art3-2). Vê-se, pois, que a Lei brasileira vai além de
qualquer das duas versões da UPOV, ao abrir a possibilidade de proteção imediata
para todos os gêneros e espécies vegetais.

g - como no caso anterior, a Lei brasileira extrapola ambas as versões da UPOV, ao


prevê a proteção de uma cultivar 'derivada da derivada', enquanto, mesmo a
Convenção de 1991, só prevê a 'derivada' de outra cultivar, e não, a derivada de
cultivar 'essencialmente derivada';

Portanto, a síntese da leitura dos itens acima, indica que a adesão do Brasil à
UPOV/78 e, à própria Versão/91, em alguns casos, significará a imposição de
regulamento, no exterior, para os obtentores brasileiros, à feição do recomendado
pela UPOV/78. Em contrapartida, as empresas estrangeiras, por conta da
radicalização da proteção fixada pela legislação brasileira, gozarão de privilégios, no
Brasil, não previstos pela referida Ata, importando em vantagens adicionais para a
concentração e desnacionalização do setor de sementes no Brasil e, em restrições
aos agricultores brasileiros, bem mais graves do que as verificadas aos agricultores
estrangeiros.

Sobre outro discurso apelativo do governo, relativo ao virtual salto tecnológico na


pesquisa brasileira na área do melhoramento vegetal, com a Lei de Cultivares e com
a adesão do Brasil à UPOV, merece ser registrado que os países que já possuem
legislação sobre cultivares, como os Estados Unidos, por exemplo, apresentam
evidente estagnação dos níveis de investimento e da produtividade dos produtos
agrícolas.
De acordo com o professor Edward Schuh, da Universidade de Minnesota, em
palestra proferida no Seminário O Agro nas Américas, realizado em São Paulo nos
dias 29 e 30 de agosto de 1997, "a oferta de alimentos não está conseguindo
acompanhar a demanda mundial. O problema é sério, já que os níveis de
produtividade do trigo e do arroz, cereais que respondem por 80% do consumo
humano de grãos em todo o mundo, estão estacionados há anos por falta de
investimento em pesquisa. Os trabalhos de investigação científica com estes
produtos estão paralisados há mais de doze anos. A 'revolução verde' empacou. A
faixa de produtividade do arroz está estacionada desde 1968. O único grão que
ainda tem espaços para ganho de produtividade é o milho mas ele não substitui o
trigo e o arroz como alimento para o consumo humano" (grifei).

Em segundo lugar, se a existência de Lei de Cultivares resultasse no estímulo ao


desenvolvimento da pesquisa, a Argentina, que já possui legislação dessa natureza,
há vinte anos, sendo também signatária da UPOV, não estaria na dependência dos
avanços do Brasil (que só recentemente passou a dispor da Lei) na área da genética
da soja, por exemplo.

Mas, a diretoria da Embrapa, técnicos e autoridades do governo e lobistas das


multinacionais, afirmam, como vimos, que com a Lei e dentro da UPOV, cessarão os
"atos" de pirataria das cultivares nacionais que têm implicado em graves prejuízos
ao país.

Para contra-argumentar esse diagnóstico apelativo, reproduzimos colocações feitas


pelo engenheiro agrônomo Carlos Rosseto, pesquisador do Instituto Agronômico de
Campinas, na reunião de audiência pública da Comissão de Agricultura, realizada
em 1996. Afirmou o pesquisador: "Ora, não há como negar que outras nações se
beneficiaram do nosso esforço de pesquisa. Mas temos de reconhecer também que
usamos muito, e muito, o esforço de pesquisa das outras nações. Já tomamos muito
leite da vaca holandesa, que produz trinta, quarenta, cinqüenta litros de leite por dia.
E os holandeses não nos estão dizendo: "Vocês 'piratearam' a nossa vaca, estão
tomando leite 'pirateado' da nossa tecnologia.....Meus amigos, toda a cultura da
manga no Brasil é baseada em variedades americanas.....Conheço um fazendeiro
em Mococa que está ficando rico vendendo um capim americano, altamente
resistente ao solo ácido. Ele está distribuído por todo o Brasil. É uma riqueza da
agropecuária brasileira. E os americanos não nos estão acusando de estarmos
'pirateando' o capim deles.......Vejam, por exemplo, o caso da soja. Como surgiu a
sojicultura no Brasil? Com variedades de sojas americanas...Só começamos a usar
as variedades brasileiras depois de muitos decênios de uso das variedades
americanas, depois de a sojicultura já estar estabelecida e haver enriquecido muitas
pessoas. Depois disso fizemos pesquisas e variedades brasileiras. Como surgiu a
canavicultura no Brasil?.......E digo mais: ainda hoje, bom percentual da lavoura
canavieira no Brasil usa variedade argentina. E os argentinos não nos estão
acusando de ter 'pirateado' sua variedade......".

Afora os pontos acima que procuram contestar os principais argumentos usados


pelo governo em defesa da adesão à UPOV, cabe arrolar aguns outros fatores que
denunciam toda a trama e a chantegem do governo.
O pesquisador David Hathaway (AS-PTA/RJ), lembra, em mensagem enviada para
contribuir neste esforço de contestação, que "A pressa do governo em aprovar a
adesão à UPOV mais uma vez é hipócrita, e esconde os fatos. De acordo com
decisão da Conselho da UPOV em 28/04/97, os países (entre os quais o Brasil), que
já tenham em vigor uma Lei de Cultivares, que tenham consultado a UPOV sobre a
sua adequação às condições da UPOV/78 e que tenham recebido da UPOV uma
resposta positiva a essa consulta, terão ainda um ano a partir da entrada em vigor
da UPOV/91 para depositar a sua adesão à UPOV78."(grifo nosso).

Outro fator a ser considerado é a absoluta impropriedade de se pretender a imediata


adesão do Brasil à UPOV, quando em 1999 será procedida ampla revisão do tema,
pela OMC, conforme já definido desde a finalização do Acordo relativo à Rodada
Uruguai do GATT.

Portanto, somente a conivência do governo FHC aos interesses das grandes


empresas transnacionais da química e da biotecnologia, que revela mais um
exemplo da sua absoluta indiferença aos valores públicos e dos interesses
nacionais, explica os propósitos acima discutidos.

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