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Clara Brum

Edir Mello
Gilberto Aparecido Angelozzi
Vassia Alexandre Pouchain

Sociologia da educação

1ª Edição

Brasília/DF - 2018
Autores
Clara Brum
Edir Mello
Gilberto Aparecido Angelozzi
Vassia Alexandre Pouchain

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e
Editoração
Sumário
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa.......................................................................................................4

Introdução...............................................................................................................................................................................6

Aula 1
A Questão do Conhecimento......................................................................................................................................9

Aula 2
A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica................................................................... 20

Aula 3
A Educação como Fenômeno Social e Objeto de Estudo da Sociologia.................................................. 36

Aula 4
As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional...... 43

Aula 5
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social........................................................................................... 80

Aula 6
Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação......... 94

Referências.........................................................................................................................................................................102
Organização do Caderno de
Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos,
de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com
questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável.
Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras
e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de
Estudos e Pesquisa.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

Cuidado

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

Importante

Indicado para ressaltar trechos importantes do texto.

Observe a Lei

Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem,
a fonte primária sobre um determinado assunto.

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Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa
e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio.
É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus
sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas
conclusões.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Posicionamento do autor

Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o
aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado.

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Introdução
Seja bem-vindo ao curso de Sociologia da Educação. É com grande alegria que iniciamos esta
jornada junto com você. Nosso objetivo central aqui é examinar algumas das principais propostas
relativas às teorias sociais sobre Educação, refletindo sobre a problemática que informa cada
análise, contrastando-as e destacando os esforços de síntese.

Nosso propósito, por meio da comparação de algumas correntes teóricas, será o de colocar em
perspectiva as concepções sobre educação vigentes em diferentes contextos histórico-sociais.
Para tanto, faremos uso da literatura clássica publicada na área de Ciências Sociais sobre os
processos educacionais e materiais de pesquisas em andamento na atualidade.

Um dos pontos básicos da discussão será a relação entre educação e sociedade e os processos
de produção e reprodução do fenômeno educacional na sociedade capitalista.

De certo teremos um olhar voltado para as especificidades da relação entre Sociologia e o campo
educacional e, tanto quanto possível, buscaremos contemplar demandas específicas da escola
reconhecida como instituição formal, responsável pela aprendizagem.

Objetivos

Este Caderno de Estudos tem como objetivos:

»» Conhecer as principais matrizes teóricas da sociologia.

»» Compreender a educação como fenômeno social.

»» Relacionar os estudos sociológicos com a educação.

»» Identificar os principais estudos feitos na área educacional.

»» Conhecer os principais marcos teóricos da Sociologia.

»» Compreender os vários processos sociais que propiciam a criação, manutenção,


reprodução, crise, revolução e/ou inovação das instituições sociais, tais como família,
escola, o Direito.

»» Identificar as relações entre Estado, estrutura social e a educação.

»» Reconhecer as contribuições das teorias sociológicas para a interpretação dos fenômenos


educacionais.

»» Compreender a escola como espaço de construção de identidades sociais.

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»» Diferenciar os dois critérios de cientificidade que se encontram por trás das Ciências
Naturais e das Ciências Sociais, alargando, com isso, a própria noção de ciência.

»» Refletir sobre as diferenças existentes entre as Ciências Naturais e as Ciências Sociais,


no que diz respeito aos três elementos básicos para a existência de um conhecimento
científico: sujeito, objeto e método.

»» Identificar Ciências Sociais e Ciências Naturais.

»» Compreender a sociedade como objeto de estudo científico.

»» Entender a Sociologia como um novo tipo de ciência.

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8
A Questão do Conhecimento
Aula
1
Apresentação

Pretendemos nesta aula esclarecer a especificidade do conhecimento científico, enquanto


instrumento de superação do senso comum, a partir da constatação de que a ciência busca,
por meio da investigação metódica, ir além de uma forma de saber limitada às aparências da
vida cotidiana.

Assim sendo, esta aula tem como objetivo refletir sobre as diferenças existentes entre o conhecimento
de senso comum e o conhecimento científico, no que diz respeito aos três elementos básicos
para a existência de um conhecimento científico, a saber: sujeito, objeto e método.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

»» Localizar no conhecimento científico uma condição essencial para se romper com uma
visão superficial dos acontecimentos sociais.

»» Esclarecer a especificidade do conhecimento científico enquanto instrumento de


superação do senso comum, a partir da constatação de que a ciência busca, por meio
da investigação metódica, ir além de uma forma de saber limitada às aparências da
vida cotidiana.

»» Saber a diferença entre senso comum e conhecimento científico.

A questão do conhecimento

A organização da Sociologia como ciência se deu no século XIX, após muitos séculos, nos quais
primeiramente os filósofos – e os cientistas depois – procuraram desvendar as relações entre
homem e meio social. Conceber o comportamento social como decorrente de leis próprias à vida
em sociedade e não da vontade divina ou das características pessoais dos agentes em questão,

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AULA 1 • A Questão do Conhecimento

como até então se fazia, representou uma profunda ruptura nas formas de interpretação da
sociedade.

Saiba mais

Édipo Rei é uma peça de Sófocles – filósofo grego – e se trata da tragédia que se abate sobre a família de Édipo.
Segundo a lenda grega, Laio, o rei de Tebas havia sido alertado pelo Oráculo de
Delfos de que uma maldição iria se concretizar: seu próprio filho o mataria e que
este filho se casaria com a própria mãe.

Por tal motivo, ao nascer Édipo, Laio abandonou-o no Monte Citerão pregando um
prego em cada pé para tentar matá-lo. O menino foi recolhido mais tarde por um
pastor e batizado como “Edipodos”, o de “pés-furados”, que foi adotado depois pelo
rei de Corinto e voltou a Delfos.

Édipo consulta o Oráculo que lhe dá a mesma previsão dada a Laio, que mataria seu
pai e desposaria sua mãe. Achando se tratar de seus pais adotivos, foge de Corinto.

No caminho, Édipo encontrou um homem e sem saber que era seu pai o matou,
pois Laio o mandou sair de sua frente.

Depois de derrotar um homem casa-se com a sua mãe, não sabendo que era também a sua mãe biológica.

Após derrotar a Esfinge que aterrorizava Tebas, que lançara um desafio (“Qual é o animal que tem quatro patas de
manhã, duas ao meio-dia e três à noite?”), Édipo conseguiu desvendar, dizendo que era ele mesmo. “O amanhecer é
a criança engatinhando, entardecer é a fase adulta, em que usamos ambas as pernas, e o anoitecer é a velhice em que
se usa a bengala.”

Conseguindo derrotar o monstro, ele seguiu a sua cidade natural e casou-se, “por acaso”, (já que ele pensava que
aqueles que o haviam criado eram seus pais biológicos) com sua mãe, com quem teve quatro filhos. Quando da
consulta do oráculo, por ocasião de uma peste, Jocasta e Édipo descobrem que são mãe e filho, ela comete suicídio e
ele fura os próprios olhos por ter estado cego e não ter reconhecido a própria mãe.
Fonte https://pt.wikipedia.org/wiki/edipo_Rei

Sobre a imagem Édipo e a esfinge (Oedipus et Sphinx), 1808, pintura de Jean Auguste Dominique Ingres; Paris, França

Até esse momento em que se constitui o pensamento sociológico, como veremos, as interpretações
míticas e transcendentais tinham pleno sucesso, uma vez que viam nos fenômenos sociais e nas
calamidades públicas formas de castigo divino. Mesmo os gregos – que já buscavam analisar as
possíveis causas e relações entre as coisas – tendiam a interpretar questões sociais, ao menos em
suas tragédias, como resultantes dos desígnios dos deuses. Quem não se lembra de Édipo Rei,
Sófocles, o autor da tragédia atribui a peste de Tebas ao desonroso casamento de Jocasta com
seu próprio filho, Édipo. Na idade Média, as pestes também eram atribuídas ao pecado humano.

A emergência e a sistematização do pensamento sociológico – a separação entre senso comum e


ciência – constituíram, assim, um processo de lenta gestação. À medida que as teorias foram se
desenvolvendo e cada vez mais se desvendava a base social do comportamento humano, mais
fidedignos se tornavam os procedimentos de pesquisa e análise. Mais se compreendia que a vida
social tem características próprias, existindo uma regularidade nos fatos sociais. E, ainda, que

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A Questão do Conhecimento • AULA 1

essa regularidade, empiricamente constatável, e até mensurável, pode ser expressa sob forma
de uma tendência que se manifesta no tempo e no espaço.

Senso Comum versus Conhecimento Científico

O que é senso comum?

Chama-se senso comum o conhecimento espontâneo, o saber resultante das experiências


cotidianas do homem no enfrentamento dos obstáculos do dia a dia. Fazem parte desse
conhecimento, o acúmulo de experiências dos homens, suas tradições, crenças, o aprendizado
do cotidiano.

Esse tipo de conhecimento, também chamado de vulgar, é assistemático e ametódico, pois não
existe rigor ou critérios para observação de um fato, não se produz crítica sobre aquilo que se
vê ou se sente. O conhecimento de senso comum se contenta com as evidências imediatas, ele
parte do empirismo, isto é, da observação imediata de um fenômeno.

Por esse motivo o conhecimento de senso comum, muitas vezes é presa das aparências.
ARRUDA (2000)

Exemplo: Quando uma pessoa faz um bolo, segue a receita e incorpora uma série de informações
para o melhor sucesso do seu trabalho. Sabe que, ao bater as claras em neve, elas crescem e se
tornam esbranquiçadas; que não convém abrir o forno quando o bolo começa a assar, senão
ele murcha; que a medida adequada de fermento faz o bolo crescer. Se estiver fazendo pudim
em banho-maria, sabe que uma fatia de limão na água evita o escurecimento da vasilha, o que
facilitará seu trabalho posterior de limpeza. Essa pessoa sabe tudo isso, mas não conhece as
causas, não consegue explicar por que e como ocorrem esses fenômenos. (ARRUDA ARANHA;
PIRES, 2001)

O senso comum é frequentemente um conhecimento subjetivo, o que ocorre, por exemplo,


quando avaliamos a temperatura do ambiente com a nossa pele, já que só o termômetro
dá objetividade a essa avaliação. Ainda mais: o senso comum depende de juízos pessoais a
respeito das coisas, com envolvimento das emoções e dos valores de quem observa. É difícil
para a mãe avaliar objetivamente a conduta do filho. Do mesmo modo, se temos antipatia por
alguém é preciso certo esforço para reconhecer, por exemplo, o seu valor profissional. Também,
ao observar o comportamento de povos com costumes diferentes dos nossos, tendemos a
julgá-los a partir de nossos valores, considerando-os estranhos, ignorantes, engraçados ou
até desprezíveis.

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AULA 1 • A Questão do Conhecimento

Sugestão de estudo

Sociologia no cinema
Uma ilustração interessante sobre a questão de ciência e senso comum pode ser vista no
filme O nome da Rosa, 1986, do diretor Jean-Jacques Annaud.

Veja também o filme Erin Brockovich – uma mulher de talento, de 2000, dirigido por
Steven Soderbergh e escrito por Susannah Grant.

Saiba mais

Quem foi galileu?


Galileu Galilei (1564-1642) foi um físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano. Ele
foi personalidade fundamental na revolução científica.

O italiano Galileu Galilei desenvolveu instrumentos ópticos, além de construir


telescópios para aprimorar o estudo celeste. Este cientista também defendeu a ideia
de que a Terra girava em torno do Sol, o que marcou a ruptura do conhecimento
mítico-religioso e deu início à ciência moderna. Esse motivo fez com que Galileu fosse
perseguido, preso e condenado pela Igreja Católica, que considerava essa ideia como
heresia. Galileu teve que desmentir suas ideias para fugir da fogueira.

A revolução científica

No século XVII, uma parte da Europa, especialmente a Itália, foi palco de mudanças significativas
no modo de pensar. Isso naturalmente influenciou as questões da ciência e vice-versa. A gradativa
substituição de uma visão de mundo centrada nas doutrinas teológicas e religiosas pelo estudo
sistemático da natureza, que tivera origem no Renascimento, consolidava-se cada vez mais. Um
representante dessa atitude renascentista foi Leonardo da Vinci (1452-1519), que exerceu, ao
mesmo tempo, a engenharia, a arquitetura e a pintura, dentre outras atividades.

12
A Questão do Conhecimento • AULA 1

Da Vinci afirmava que “aqueles que se entregam à prática sem ciência são como o navegador que
embarca em um navio sem leme nem bússola”. Sempre a prática deve se fundamentar na boa
teoria. Antes de fazer de um caso uma regra geral, experimente-o duas ou três vezes e verifique
se as experiências produzem os mesmos efeitos. Não se pode considerar verdadeira ciência
nenhuma investigação humana se não passar por demonstrações matemáticas.

A semente dessa nova forma de conhecimento germinou e deu seus maiores frutos no século
XVII, quando explodiu a grande revolução galileana. Da vasta obra deixada pelo italiano Galileu
Galilei (1564-1642), o primeiro aspecto a destacar é a sua adesão ao modelo heliocêntrico.
Galileu seguiu o caminho que havia sido aberto pelo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543),
acrescentando, porém, novos e decisivos argumentos a favor de um modelo cosmológico em que
o Sol se encontra no centro do sistema – em vez do modelo geocêntrico da doutrina aristotélica.

Pela primeira vez, na história da nossa civilização, foi usado um instrumento óptico para olhar
os céus: a luneta, que acabara de ser inventada pelos holandeses. Com esse instrumento, Galileu
descobriu que existiam corpos celestes girando em torno do planeta Júpiter.

Essa constatação contrariava o modelo geocêntrico, pois esse afirmava que todos os corpos
celestes giravam em torno da Terra. Galileu descobriu também que a Lua tinha crateras e relevo
análogos aos da Terra, também contrariando a tese de que haveria uma diferença essencial entre
os elementos da Terra e os celestes, presente na doutrina aristotélica.

Apoiado nesses argumentos, Galileu sustentava que o modelo copernicano do heliocentrismo


era, de fato, uma descrição verdadeira do mundo, e não apenas uma forma mais cômoda de
descrever matematicamente as representações do universo heliocêntrico de Copérnico.

O conhecimento científico

Embora desde a antiga Grécia, homens como Sócrates se preocupassem com a definição de
conceitos, na busca pela essência das coisas e Platão com seu empenho em mostrar o caminho
a ser seguido para ir da doxa (opinião) à episteme (ciência) tenham buscado um saber mais
rigoroso, o conhecimento científico é relativamente recente. Somente ao procurar o seu próprio
caminho, ou melhor, o seu método (já na Idade Moderna), a ciência se desvincula da Filosofia e
passa a determinar objetos específicos a serem apreendidos e controlados por meio do método
científico. Em vez de uma ciência, surgem, gradativamente, ciências particulares, com campos
mais ou menos delimitados de pesquisa. Esse avanço ocorreu a partir do século XVII e tem a
revolução galileana como um dos seus marcos.

Diante do exposto podemos afirmar que a ciência moderna nasce ao determinar um


objeto específico de investigação e ao criar um método pelo qual se fará o controle desse
conhecimento.

13
AULA 1 • A Questão do Conhecimento

A utilização de métodos rigorosos permite que a ciência atinja um tipo de conhecimento


sistemático, preciso e objetivo, segundo o qual são descobertas relações universais e necessárias
entre os fenômenos, o que permite prever acontecimentos e também agir sobre a natureza de
forma mais segura.

Cada ciência se torna, então, uma ciência particular, no sentido de ter um campo delimitado
de pesquisa e um método próprio. As ciências são particulares na medida em que cada uma
privilegia setores distintos da realidade; a física trata do movimento dos corpos; a química, da
sua transformação; a biologia, do ser vivo etc.

Saiba mais

Há especialistas que consideram além da Sociologia, da Antropologia e da Ciência Política outras áreas do
conhecimento, tais como Psicologia, a Etnologia, a Geografia Humana, a Economia, a Administração e as Ciências
Jurídicas.

Todavia, a designação usualmente mais aceita é aquela que reconhece apenas três disciplinas como parte
constitutiva desse campo científico.

Por outro lado, as ciências são também gerais, no sentido de que as conclusões não valem apenas
para os casos observados, e, sim, para todos os que a eles se assemelham. Ao afirmarmos que o
“peso de qualquer objeto depende do campo de gravitação” ou que “a cor de um objeto depende da
luz que ele reflete” ou, ainda, que “a água é uma substância composta de hidrogênio e oxigênio”,
fazemos afirmações que são válidas para todos os corpos, todos os objetos coloridos ou qualquer
porção de água, e não apenas para aqueles que foram objeto da experiência.

A preocupação do cientista está, portanto, na descoberta das regularidades existentes em


determinados fatos. Por isso, a ciência é geral, isto é, as observações feitas para alguns fenômenos
são generalizadas e expressas pelo enunciado de uma lei.

Enquanto o saber comum observa um fato a partir do conjunto dos dados sensíveis que
formam a nossa percepção imediata, pessoal e efêmera do mundo, o fato científico é um fato
abstrato, isolado do conjunto em que se encontra normalmente inserido e elevado a um grau
de generalidade: quando nos referimos à dilatação ou ao aquecimento como fatos científicos,
estamos muito distantes dos dados sensíveis de certo corpo em determinado momento. Além
disso, estabelecemos entre tais fatos uma relação de variação do tipo “função” (na qual o volume
é, em dado momento, função da temperatura). Isso supõe a capacidade de racionalização dos
dados recolhidos, e nunca aparecem como dados brutos, mas sempre passíveis de interpretação.
(COSTA, 1997).

14
A Questão do Conhecimento • AULA 1

A sociologia no quadro das ciências

A importância do ensino de Sociologia na formação de profissionais de diferentes áreas é cada


vez maior. Assim, ela constitui disciplina obrigatória do ciclo básico dos diversos cursos da área
de Humanidades, objetivando responder à pergunta básica: o que torna possível vivermos em
sociedade?

Saiba mais

A bem da verdade, esta pergunta não é propriamente original ou exclusiva aos sociólogos. A novidade que a
Sociologia traz, no século XIX, é a tentativa de entender o social de maneira científica, segundo o modelo das ciências
da natureza e com igual objetivo: a partir do conhecimento científico da sociedade, os homens poderiam prever
e controlar os rumos da vida social, assim como a física e a química lhes havia permitido controlar as forças da
natureza.
(COSTA, 1997).

A Sociologia é uma das disciplinas constitutivas das assim chamadas Ciências Sociais. Dentro
deste campo científico podemos destacar ainda a Antropologia e a Ciência Política*.

As disciplinas Sociologia, Antropologia e a Ciência Política, estudam fenômenos muito semelhantes,


ou seja, fatos que resultam da vida em sociedade. Mas, embora estas áreas do conhecimento sejam
muito próximas entre si, não são totalmente iguais. Dado o recorte aqui proposto, trataremos
em nossos estudos mais especificamente de elementos da análise sociológica.

Atenção

Antropologia: estuda as diferentes culturas do homem, os diversos grupos sociais, culturais ou étnicos e as
transformações ocorridas em função da interação entre os grupos.

Ciência política: estuda os sistemas de poder, as instituições e os partidos políticos de um país, o comportamento e
as políticas públicas em suas diversas fases (elaboração, implantação e avaliação).

Sociologia: investiga as relações sociais, as estruturas e a dinâmica das sociedades modernas, analisando os
processos históricos de transformação das organizações sociais.

Quanto à análise sociológica, pode-se dizer que esta envolve a tentativa de compreensão dos
processos de estruturação e relacionamento dos indivíduos entre si e com as sociedades.
Para isso, parte, geralmente, do conhecimento de coletividades com o objetivo de entender o
comportamento grupal e/ou individual. Seu foco está, em regra, na investigação das estruturas
da sociedade procurando compreender como estas influenciam os grupos ou indivíduos no que
se refere a seu comportamento, seus costumes e sua cultura.

15
AULA 1 • A Questão do Conhecimento

Durante nosso curso, contextualizaremos a Sociologia como conhecimento científico historicamente


situado, cuja realidade de referência é a sociedade capitalista. Diferentemente de outras ciências,
a Sociologia lida não apenas com o que se chama de realidade, com fatos exteriores aos homens,
mas, igualmente, com as interpretações que são feitas sobre a realidade. Em outras palavras, o
conhecimento científico da vida social não se baseia apenas no fato, mas na concepção do fato
e na relação entre a concepção e o fato. Seu objeto de estudo se refere à ação dos homens em
sociedade, de sua estrutura, das aspirações que os animam e das alterações que sofrem.

As Ciências Históricas e Humanas não são, portanto, como as Ciências Naturais. A diferença nas
condições de trabalho dos físicos e químicos e a dos sociólogos não é de grau, mas de natureza:
enquanto os primeiros trabalham em um ambiente em que há unanimidade nos juízos de valor
sobre a pesquisa e o conhecimento, os sociólogos enfrentam divergências de todo tipo.

Semelhanças e diferenças

A partir de um célebre texto de DaMatta (1987), construiremos a diferença fundamental entre


as Ciências da Natureza e as Ciências Sociais.

Ciências Naturais: estudam fatos simples, eventos que presumivelmente têm causas simples e
são facilmente isoláveis. São fenômenos recorrentes e sincrônicos.

»» O objeto de investigação ou matéria-prima: conjunto de fatos que se repetem e têm


uma constância verdadeiramente sistêmica;

»» Tais fatos podem ser vistos, isolados e reproduzidos dentro de condições de controle
razoáveis, num laboratório.

Para refletir

Elabore uma lista de palavras e imagens que vêm à sua cabeça quando você pensa em Natural e no Social. Estipule
um período de 30 segundos para este brainstorm ou tempestade de ideias.

Ciências Sociais: estudam fenômenos complexos. Não será fácil investigar sua matéria-prima
por ser difícil isolar causas e motivações.

»» O objeto de investigação ou matéria-prima: o homem nas relações intersubjetivas, os


fenômenos sociais, ou seja, eventos com determinações complicadas e que podem
ocorrer em ambientes diferenciados;

»» No âmbito das Ciências Sociais torna-se difícil desenvolver uma teoria capaz de transmitir
com precisão uma causa única ou motivação exclusiva;

16
A Questão do Conhecimento • AULA 1

»» Muitas vezes atitudes semelhantes têm significados diferentes. Cada cultura constrói
seu significado social. Os fatos estudados pelo cientista social podem ser reproduzidos
em situações muito distintas. Não podem ser reproduzidos em condições controladas.

Para refletir

Não será fácil isolar as causas ou motivos das ações! Vejamos um exemplo simples do nosso cotidiano:

fulano deseja comer bolo.

Posso comer bolo porque tenho fome.

Posso comer por solidariedade a alguém que faz aniversário.

Posso comer o bolo para agradar a minha mãe.

Compare
Ciências Naturais Ciências Sociais
»» Os fenômenos podem ser percebidos, divididos, »» Os fenômenos são complexos.
classificados e explicados dentro de condições de
»» As percepções são variadas, porquanto históricas.
relativo controle e em condições de laboratório.
»» Corre-se o risco de simplificar demais as situações.
»» Alcança-se a objetividade científica.
»» O resultado prático é visto em livros, romances, arte, teatro,
»» As descobertas possibilitam o desenvolvimento
novelas, em que tais ideias podem ser aplicadas para produzir
de novas tecnologias.
modificações no comportamento das pessoas – nos sistemas
de valores.
Reproduzível Irreproduzível
»» Os fatos naturais são reproduzíveis em condições »» Os fatos sociais são irreproduzíveis em condições controladas
controladas. e, por isso, quase sempre fazem parte do passado. São eventos,
a rigor, históricos e apresentados de modo descritivo e
narrativo, nunca na forma de uma experiência.
»» As reproduções dos fatos sociais são sempre parciais!

Atenção

Na área das Ciências Naturais encontramos a possibilidade de objetividade.

Uma mesma experiência poderá ser repetida e observada por dois cientistas em locais distintos

Uma diferença crucial: relativizar

Nas Ciências Sociais trabalhamos com fenômenos que estão bem perto de nós. Nas Ciências
Naturais há uma distância irremediável. Um exemplo claro disso é o fato de que o cientista não
sabe o que sentem as baleias ou as aves, quando realiza seus estudos.

As teorias e os métodos científicos serão os mediadores entre os cientistas e as baleias. O cientista


poderá afirmar o que quiser sobre as baleias e elas não poderão contestar e continuarão vivendo.

As teorias descobertas poderão ser usadas para alterar a vida das baleias, mas nunca usadas
diretamente pelas baleias. Por isso são considerados conhecimentos objetivos, externos,
independentes de baleias, aves e investigadores.

17
AULA 1 • A Questão do Conhecimento

Nas Ciências Sociais temos um tipo de interação complexa entre o investigador e o investigado.
Ambos compartilham de um mesmo universo de experiências humanas, ainda que seus
significados possam vir a ser diferentes para ambos.

Os homens se separam pela organização de suas experiências, sua história, pelo modo como
classificam suas realidades internas e externas.

Nesse âmbito, percebemos que podemos adotar costumes de outros povos, aprender seus credos,
modificar nossas leis inspiradas. Podemos assimilar um costume diferente do nosso, ou, até
mesmo, perceber o melhor de nossas tradições quando estamos em contato com outras culturas.

Para refletir

Indaga-se: É possível reproduzir determinados acontecimentos?

Podemos reproduzir: época da Proclamação da República, a época dos descobrimentos, o nosso último aniversário?

Podemos reunir os mesmos personagens, músicas, comidas, vestes, mobiliário, animais.

Não será possível reproduzir o clima daquele momento, a atmosfera da época. Estaremos criando outro significado.

Considerando o quadro ao lado, podemos pensar os seguintes desafios:

Como estudar os fenômenos complexos?

Como observar funerais, aniversários, rituais de iniciação, trocas comerciais, proclamações de leis, revoluções,
perseguições etc.?

Ao observar tais fenômenos temos que enfrentar nossa própria posição, nossos valores, nossa visão de mundo que
interfere na nossa pesquisa. Nossa fala, nossos gestos, nosso modo de ser e de agir revela o tipo de socialização que
tivemos e influencia em nossa visão de mundo.

Saiba mais

Quando investigo um objeto das Ciências Sociais, abro o meu ser para uma relativização dos meus parâmetros
epistemológicos. Nasce um debate inovador, numa relação dialética entre investigador e investigado. Trata-se de uma
avenida de mão dupla.

“Cada sociedade humana conhecida é um espelho onde nossa própria existência se


reflete.”
(DAMATTA, 1987).

Sintetizando

»» Senso comum: chama-se senso comum o conhecimento espontâneo, o saber resultante das experiências
cotidianas do homem no enfrentamento dos obstáculos do dia a dia. Fazem parte desse conhecimento, o acúmulo
de experiências dos homens, suas tradições, crenças, o aprendizado espontâneo.

18
A Questão do Conhecimento • AULA 1

»» Conhecimento científico: o conhecimento científico é relativamente recente. Somente ao procurar o seu próprio
caminho, o seu método (já na Idade Moderna), a ciência se desvincula da Filosofia e passa a determinar objetos
específicos a serem apreendidos e controlados com esse método.

»» Senso comum é o conhecimento de todos nós, homens comuns, não especialistas. Trata-se de um conhecimento
espontâneo, um saber resultante das experiências de vida. Suas principais características são: ametódico,
assistemático, fragmentação e empirismo.

»» O conhecimento científico é conquista recente da humanidade, surgiu no século XVII, com a revolução de Galileu
Galilei. Utiliza métodos rigorosos para a produção de um saber sistemático, preciso e objetivo. Busca-se um saber
que possa descobrir as relações necessárias e universais entre os fenômenos.

»» Cada ciência destina-se a um campo delimitado de pesquisa e elabora um método próprio.

»» As ciências são gerais apenas no sentido de que suas conclusões valem para todos os casos similares.

»» O conhecimento científico precisa do processo de racionalização dos dados recolhidos. Suas conclusões aspiram à
objetividade. Isso significa dizer que podem ser observadas por qualquer outro cientista.

»» Os fenômenos podem ser percebidos, divididos, classificados e explicados dentro de condições de relativo controle
e em condições de laboratório.

»» Alcança-se a objetividade científica.

»» As descobertas possibilitam o desenvolvimento de novas tecnologias.

»» Os fatos naturais são reproduzíveis em condições controladas.

»» Ciências Sociais: os fenômenos são complexos.

»» As percepções são variadas, porquanto históricas.

»» Corre-se o risco de simplificar demais as situações.

»» O resultado prático é visto em livros, romances, arte, teatro, novelas, em que tais ideias podem ser aplicadas para
produzir modificações no comportamento das pessoas – nos sistemas de valores.

»» Os fatos sociais são irreproduzíveis em condições controladas e, por isso, quase sempre fazem parte do passado.
São eventos, a rigor, históricos e apresentados de modo descritivo e narrativo, nunca na forma de uma experiência.

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Aula
A Sociologia como Ciência: uma
Perspectiva Histórico - Crítica 2
Apresentação

Na aula anterior vimos as diferenças que marcam o campo das Ciências Naturais e das Ciências
Sociais. Salientamos, sobretudo a especificidade da ciência que tem por objetivo estudar a
sociedade. Agora, apresentaremos o contexto histórico da Europa, na segunda metade do século
XIX – época na qual se deu o surgimento da Sociologia como ciência independente. Pretende-
se, assim, que possamos compreender os processos que conduziram à formação da corrente
positivista: a primeira forma de pensamento social.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

»» Identificar os antecedentes históricos que contribuíram para o surgimento da Sociologia


como ciência.

»» Conhecer os princípios do cientificismo e organicismo que nortearam o século XIX e se


fizeram presentes no nascimento da Sociologia como ciência independente.

»» Definir Darwinismo e Darwinismo Social e suas ligações com o pensamento positivista.

»» Compreender os fundamentos básicos da doutrina positivista.

Cenário histórico: a revolução industrial

A palavra revolução provém do vocabulário da astronomia e serve para designar o movimento


circular que um astro realiza, movimento cíclico que lhe permite voltar ao ponto de partida. Porém,
no plano político e econômico o termo é usado para expressar um movimento de transformação
que, na visão dos seus protagonistas, traz transformações significativas, positivas e benéficas
para a sociedade.

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A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

De fato, as revoluções trazem grandes transformações e com a Revolução Industrial não poderia
ter sido diferente. Tais transformações já se fizeram presentes na transição do feudalismo para
o capitalismo.

Já no século XV os cercamentos (enclosures) transformaram o uso da terra. Tanto os campos


abertos (open fields) quanto às terras comunais, antes utilizados pelos senhores feudais e depois
pelos pobres para plantio, extração de madeira, pasto e criação de animais, foram açambarcados
pelos cercamentos.

Sugestão de estudo

McNeill,

William H.

As gangues de rua são uma antiga herança da civilização.

In: Oliveira, Nilson Vieira (Organizador). Insegurança pública. São Paulo: Nova Alexandria, 2002, pp. 11-31.

Zaluar, Alba. Violência: questão social ou institucional? In: Ibid., pp. 75-85.

Por meio dos cercamentos, os proprietários reuniam lotes de campos abertos ou de terras
comunais em unidades compactas, separadas por cercas vivas ou estacas, surgindo, assim, a
exploração capitalista da terra. As terras cercadas foram transformadas em pastos de ovelhas,
que passaram a atender à demanda da manufatura têxtil. Os camponeses foram expulsos das
suas terras, formando um grande número de desempregados que nada possuía de seu além da
força de trabalho.

Os cercamentos foram acompanhados por várias leis visando, antes de tudo, controlar a mão
de obra, o número de desempregados ou desocupados e, na visão inglesa, evitar a desordem.

Atenção

LEIS CRIADAS A PARTIR DO CERCAMENTO DOS CAMPOS

»» 1601 – Lei dos Pobres: segundo essa lei, o aumento de desocupados e mendigos resultava de uma indisposição
para o trabalho. Por isso, punia a vagabundagem com o chicote e a marca de ferro em brasa. Caso o indivíduo
reincidisse, seria aplicada a pena capital.

»» 1662 – Lei de Domicílio: visava impedir que os pobres se transferissem de uma paróquia para outra e autorizava a
expulsão dos não residentes naquela paróquia. Isso confinou os trabalhadores e evitou a locomoção. Somente em
1795 uma nova lei retirou das autoridades locais o direito de expulsar os não domiciliados na paróquia.

»» 1795 – Lei Speehamland: estabelecia que todos os homens tinham o direito a uma renda mínima. Caso o
trabalhador obtivesse pelo seu trabalho uma renda inferior à mínima, cabia à sociedade pagar a diferença. Essa lei
favorecia manufatureiros e fazendeiros, que lucravam pagando salários inferiores à renda mínima estabelecida,
enquanto os contribuintes arcavam com o prejuízo.

»» 1760 a 1840: os cercamentos passaram a ser regulamentados por leis instituídas pelo Parlamento inglês.

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AULA 2 • A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica

Com a abolição da Lei de Domicílio, os trabalhadores voltaram a circular livremente, sem o


risco de serem expulsos. Os cercamentos, autorizados pelo Parlamento desde 1760, permitiram
que um número cada vez maior de pessoas deixasse os campos em busca das manufaturas nas
cidades, como forma de sobreviver e em busca de melhores condições de vida. Deu-se, assim,
um grande êxodo rural e um inchamento das cidades. Tal fato torna-se visível ao analisarmos
os dados dos censos demográficos da época:

»» Em 1801, a Inglaterra possuía apenas 15 cidades com mais de 20.000 habitantes. Esse
número praticamente dobrou em 1851, passando para 28 o número de cidades com
população superior a 20.000, e em 1891 esse número cresceu para 63 (BRIGS, 1998, p. 204).

»» Cidades como Manchester, Sheffield, Birmingham e Leeds tiveram taxa de crescimento


populacional superior a 40% entre 1820 e 1830 (BRIGS, 1998, p. 204).

»» Oxford cresceu de 12.000 habitantes, em 1801, para 28.000, em 1851 (BRIGS, 1998, p. 204).

»» York, grande centro ferroviário, cresceu de 17.000 habitantes, em 1801, para 36.000, em
1851 (BRIGS, 1998, p. 204).

»» Em Westminster, segundo o Journal of Statistical Society, de 1840, moravam 5.366


famílias de operários em 5.294 habitações, num total de 26.830 indivíduos, dispondo
¾ dessas famílias de somente uma peça para viver (BRESCIANI, 1989, p. 25).

Sugestão de estudo

BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 25.

O inchamento das cidades transformou o cenário urbano e, como vimos anteriormente, pobreza
e riqueza passaram a conviver lado a lado.

Sobre a pobreza do proletariado inglês, Friedrich Engels escreveu:

Todas as cidades possuem um ou vários “bairros de má reputação” – onde se


concentra a classe operária. É certo que é frequente a pobreza morar em vielas
escondidas, muito perto dos palácios dos ricos, mas em geral lhe designam um
lugar à parte onde, ao abrigo dos olhares das classes mais felizes, tem de se safar
sozinha, melhor ou pior. Esses “bairros de má reputação” são organizados em toda
a Inglaterra mais ou menos da mesma maneira: as piores casas, na parte mais feia
da cidade, a maior parte das vezes são construções de dois andares ou de um só,
de tijolos, alinhadas em longas filas, se possível com porões habitados e quase
sempre irregularmente construídas [...] As casas são habitadas dos porões aos
desvãos, tão sujas no exterior como no interior, e têm tal aspecto que ninguém
as desejaria habitar. Mas isto ainda não é nada comparado às habitações nos
corredores e vielas transversais, aonde se chega através de passagens cobertas

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A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

e onde a sujeira e a ruína ultrapassam a imaginação (...), aí que habitam os mais


pobres dos pobres, os trabalhadores mais mal pagos, com os ladrões, os escroques
e as vítimas da prostituição, todos misturados.

(BRESCIANI, 1989, p. 25)

Londres e outros centros urbanos da Europa cresceram em função da indústria. Paris, por
exemplo, na metade do século XIX, era formada por uma multidão de trabalhadores que desde
a madrugada circulava pela cidade esfregando os olhos e empurrando suas ferramentas. À
noite saíam as prostitutas, os jogadores, os ladrões e todas as pessoas de passos abafados que
fervilhavam pelos becos e ruas de Paris (BRESCIANI, 1989, pp. 12-13).

Como consequência dessa alteração urbana, a literatura registrou grandes crimes, como Os
crimes da rua Morgue, de Edgar Alan Poe, ou os famosos casos do detetive Sherlock Holmes, de
Conan Doyle. Também nessa época surgem nomes como o de Jack, o estripador, e casos que se
tornaram lendários, como o do barbeiro de Londres. A criminalidade estava diretamente ligada
ao aumento populacional, à pobreza, à busca de vida melhor, à cobrança do direito de cidadania,
enfim, a diversos fatores combinados.

O desenvolvimento industrial se fez acompanhar pelo desenvolvimento científico, que, por sua
vez, impulsionou ainda mais a indústria em função de descobertas e invenções. Nos centros
urbanos europeus respirava-se desenvolvimento e acreditava-se que a tecnologia e a máquina
resolveriam todos os problemas do homem. A indústria cresceu e, com esse crescimento, vieram
as crises de produção porque a superprodução não era acompanhada pelo consumo. A solução
para a crise de consumo foi encontrada no neocolonialismo, ou imperialismo do século XIX.

Diferente do colonialismo dos séculos XV e XVI, o neocolonialismo representou nova etapa do


capitalismo, do momento em que as nações europeias saíram em busca de matérias-primas
para sustentar as indústrias, de mercados consumidores para os produtos europeus e de mão
de obra barata. Esse colonialismo se direcionou para a África e a Ásia, que foi partilhada entre
as nações europeias. A América escapou desse colonialismo porque se tornara independente
pouco antes. Porém, se não foi dominada politicamente pela Europa e pelos EUA, o foi
economicamente, pois dependia dos banqueiros e do capital industrial europeu. Naquela época,
por exemplo, grupos franceses e ingleses iniciaram a exploração da borracha na região amazônica
porque era mais barato produzir aqui e exportar para a Europa e para os EUA: afinal, aqui se
encontrava a matéria-prima, a mão de obra barata e o favorecimento governamental.

O período entre 1875 e 1914 pode ser identificado como Saiba mais
a Era dos Impérios, não só porque criou um novo tipo
de imperialismo, mas também pelo grande número de HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios: 1875-
1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
governantes que se intitulavam imperadores.

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AULA 2 • A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica

Escondendo os interesses econômicos das nações europeias ou, se preferirmos, como justificativa
humanitária para o colonialismo, estava a missão civilizadora do homem branco, por meio da
qual ele deveria levar a civilização aos povos não civilizados. Sobre isso, Rudyard Kipling, o poeta
inglês do colonialismo, escreveu:

Assumi o fardo do homem branco,

Enviai os melhores dos vossos filhos,

Condenai vossos filhos ao exílio,

Para que sejam os servidores de seus cativos,

Para que velem, pesadamente ajaezados,

Os povos sublevados e selvagens,

Povos recém-dominados, inquietos,

Meio demônios, meio infantis.

Assumi o Fardo do Homem Branco,

Tudo o que fizerdes ou deixardes

Servirá a esses povos silenciosos e consumidos,

Para pesar vossas mercadorias e vós mesmos.


(DEFRASNE; LARAN, 1962, p. 270).

A África e a Ásia foram o cenário onde atuaram uma infinidade de cientistas e religiosos que
assumiram o fardo do homem branco. Na Índia, por exemplo, qualquer membro da raça branca
era tido como membro da classe dos amos e senhores, respeitado e reverenciado. Situações
semelhantes fizeram o fundador da República do Quênia, na segunda metade do século XX,
referir-se, assim, à dominação imperialista:

Quando os brancos chegaram, nós tínhamos as terras e eles a Bíblia; depois eles
nos ensinaram a rezar; quando abrimos os olhos, nós tínhamos a Bíblia e eles
as terras.

Todas as tentativas de reação por parte das nações dominadas pelos impérios europeus foram
enfrentadas com o uso das armas por parte das nações europeias.

Nem a China ficou de fora da corrida imperialista: foi dominada economicamente e teve territórios
ocupados pelos japoneses.

A literatura também participou do processo, assaltada pelo cientificismo. Mais uma vez, a figura
de Sherlock Holmes se destaca. Porém, por outro lado, viu-se inundada de histórias de meninos

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A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

lobos, como Greystoke, a lenda de Tarzan. Outras obras características da época são as de Júlio
Verne (Vinte mil léguas submarinas, Viagem ao centro da terra, 80 dias em um balão), ou, ainda,
Frankenstein, de Mary Shelley, ou Dr. Jekyll & Mr. Hyde, um clássico dos clássicos de horror e
mistério, de Robert Louis Stevenson.

O cientificismo esteve presente em tudo. Foi também nessa época que se desenvolveu a teoria de
Charles Darwin sobre a evolução e adaptação das espécies. O autor colocou em xeque as ideias da
imutabilidade das espécies. Assim, a formação dos sistemas vivos começou a ser entendida não
como criação simultânea, mas como decorrência de etapas sucessivas. Na sua obra A origem das
espécies, publicada em 1859, em consonância com o espírito da época, Darwin defendeu a noção
de variação gradual dos seres vivos graças ao acúmulo de modificações pequenas, sucessivas e
favoráveis, e não por modificações extraordinárias, surgidas repentinamente. Nessa obra Darwin
apresentou o núcleo da sua concepção evolutiva: a seleção natural, ou a persistência do mais
capaz; com o passar dos séculos, a seleção natural eliminaria as espécies antigas e produziria
novas espécies.

Logo as teses de Darwin estavam sendo discutidas em todo o meio científico e o próprio liberalismo
econômico adotou o pressuposto da competição. Ao defender a propriedade privada, o liberalismo
postula que todo homem compete em igualdade no acesso à propriedade privada. Aquele que
não a conquista, não o faz porque é vicioso ou preguiçoso. É claro que essa tese, presente em
nossas mentes até hoje, interessava e interessa à manutenção do domínio da classe burguesa.
Isso será discutido mais adiante.

Se o Liberalismo apropriou-se do conceito de competição, de Charles Darwin, não foi o único.


Logo surgiu o “Darwinismo Social”.

Saiba mais

Segundo o Darwinismo Social, as sociedades se modificam e se desenvolvem como os seres vivos. As transformações
nas sociedades representam a passagem de um estágio inferior para outro superior, em que o organismo social
se mostra mais evoluído, adaptado e complexo. Se na natureza a competição gera a sobrevivência do mais forte,
também na sociedade favorece a sobrevivência de sociedades e indivíduos mais fortes e evoluídos. A expressões: luta
pela existência e sobrevivência do mais capaz, tomadas de Darwin, apoiaram o individualismo liberal e justificaram o
lugar ocupado pelos bem-sucedidos nos negócios. Por outro lado, as sociedades foram divididas em raças superiores
e inferiores, cabendo aos mais fortes dominar os mais fracos e, consequentemente, aos mais desenvolvidos levar
o desenvolvimento aos não desenvolvidos. A civilização deveria ser levada a todos os homens. É claro que o
Darwinismo Social serviu para justificar a ação imperialista das nações europeias.

Foi nesse cenário de constantes conflitos sociais, políticos, econômicos e religiosos, cenário
marcado pela industrialização, pelo cientificismo e pela luta de classes, que nasceu a Sociologia.

Na França do século XIX, alguns cientistas, determinados a reorganizar a sociedade, acharam


necessário fundar uma nova ciência. Entre eles estavam Saint-Simon e Augusto Comte, sendo

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AULA 2 • A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica

este o primeiro a usar o termo Sociologia e a identificá-la como ciência independente e, mais
do que isso, como a mais importante das ciências.

Augusto Comte e o nascimento da nova disciplina

Augusto Comte nasceu em Montpellier, na França, aos 19 de janeiro de 1798.


Filho de um fiscal de impostos, nasceu em família pobre. Pelo que sabemos,
suas relações com a família sempre foram tempestuosas e difíceis. Em uma
carta escrita antes de morrer, sua mãe alegava sentir-se, em relação ao filho,
como um mendigo a solicitar um pedaço de pão. Comte acusava os familiares
(à exceção de um irmão) de avareza e da precária situação da família. Na primeira
oportunidade que teve transferiu-se para Paris a fim de estudar na Escola Politécnica, onde foi
aluno brilhante e chamou a atenção dos mestres bem cedo.

Observemos que Comte nasceu apenas um ano antes da ascensão de Napoleão ao Consulado e
a primeira etapa da sua trajetória educacional foi feita durante o Período Napoleônico, fase em
que se deu o grande desenvolvimento social e industrial da França. Em 1816 – quando Napoleão
já estava exilado definitivamente em Santa Helena, os ventos do Congresso de Viena queriam
trazer a Europa à condição que possuía antes da Revolução Francesa e os levantes liberais se
espalharam pela Europa – é que Comte se transferiu para Paris onde, sem sombra de dúvidas,
foi influenciado por todo esse processo, tanto que foi afastado da Escola Politécnica, juntamente
com alguns amigos, acusado de agitação. A seguir, tornou-se assistente de Casimir Périer e depois,
entre 1817-1824, de Saint-Simon, com quem declarou ter aprendido uma multidão de coisas que
em vão procurara nos livros.

Sugestão de estudo

LALLEMENT,

Michel. História das idéias sociológicas. Das origens a Max Weber. Petrópolis: Vozes, 2003.

Em 1824 veio o rompimento com Saint-Simon, motivado por questões de autoria legítima de
ensaios que Comte devia publicar. A solução, que Comte considerou injusta, foi que cem cópias
do trabalho saíram sob o nome de Comte, enquanto mil cópias, intituladas Catéchisme des
industriels, indicavam a autoria de Henri de Saint-Simon. Outra causa do rompimento foi o
fato de Comte desdenhar a ideia de um paradigma religioso no projeto de Saint-Simon. Mesmo
assim, posteriormente, ao criar a Religião Positiva, o próprio Comte adotou para si essa ideia,
proclamando-se Sumo Sacerdote da Humanidade.

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A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

Comte cunhou o termo Sociologia. A princípio, quis chamar essa disciplina de física social, a
fim de enfatizar que ela estudaria a natureza fundamental do universo social; porém, por não
acreditar na aplicação das probabilidades no campo dos fenômenos sociais, cunhou o termo
Sociologia a partir de dois termos: Socio, do latim socius, que significa associado ou sócio, e
logia, do grego log+ia, significando discurso científico. O termo apareceu pela primeira vez na
lição número 47 do Curso de Filosofia Positiva.

Na visão de Comte, a Sociologia devia ser uma disciplina dedicada ao estudo da sociedade, por
isso as velhas disciplinas acadêmicas, como a Teologia, a Ética e o Direito, sentiram-se ameaçadas.
Por isso Comte preocupou-se em demonstrar a importância da Sociologia e o seu direito de ser
reconhecida como ciência.

Comte estabeleceu uma hierarquia das ciências, ordenando-as de acordo com a sua complexidade
e o seu movimento no Estado Positivo; assim, partindo da menos complexa para a mais complexa,
estabeleceu a seguinte classificação (2000, pp. 206-208):

»» Matemáticas: possuem o maior grau de generalidade e estudam a realidade mais simples


e indeterminada;

»» Astronomia: acrescenta a força ao puramente quantitativo, estudando as massas dotadas


de forças de atração;

»» Física: soma a qualidade ao quantitativo e às forças, ocupando-se do calor, da luz etc.;

»» Química: trata de matérias qualitativamente distintas;

»» Biologia: ocupa-se dos fenômenos vitais, nos quais a matéria bruta é enriquecida pela
organização;

»» Sociologia: é o fim essencial de toda a Filosofia Positiva.

Isto porque:

»» As demais ciências atingem o Estado Positivo, mas permanecem adstritas a parcelas do


real, não conseguindo instaurar a Filosofia Positiva em sua plenitude;

»» A totalização do saber só pode ser alcançada com a Sociologia;

»» A Sociologia culmina com a formulação de um sistema verdadeiramente indivisível,


em que toda decomposição é radicalmente artificial, tudo se relacionando com a
humanidade, única concepção completamente universal;

»» A Sociologia é entendida por Comte incluindo uma parte essencial da Psicologia, toda
a Economia Política, a Ética e a Filosofia da História.

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AULA 2 • A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica

Naquele momento histórico, o problema central da Sociologia era o que fora articulado pelos
pensadores no Iluminismo, ou seja, como a sociedade deve ser mantida unida, mesmo quando
se torna maior, mais complexa, mais variada e mais diferenciada.

O positivismo se compõe essencialmente de uma filosofia e de uma política,


necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta de
um mesmo sistema universal, onde inteligência e sociabilidade se encontram
intimamente combinadas. De uma parte, a ciência social não é somente a mais
importante de todas, mas fornece, sobretudo, o único elo, ao mesmo tempo lógico
e científico, que de agora em diante comporta o conjunto de nossas contemplações
reais. Ora, a ciência final, ainda mais do que cada uma das ciências preliminares,
não pode desenvolver o seu verdadeiro caráter sem uma exata harmonia geral
com a arte correspondente. Mas, por uma coincidência de nenhum modo fortuita,
a sua fundação teórica encontra logo imenso destino prático, a fim de presidir
hoje toda a regeneração da Europa Ocidental.

(COMTE, 2000, p. 71)

Comte acreditava necessário estabelecer consensus universalis para dar à sociedade moralidade
universal. Por isso, para resolver a crise social – que, como vimos, se fazia presente na França e
em toda a Europa do seu tempo – Comte não propunha a atividade revolucionária, mas, sim,
uma nova ordem social, com base na Filosofia Positiva. No seu pensar, combinando Ordem e
Progresso o Positivismo superaria a teologia e a revolução. Por isso identificou dois movimentos
na sociedade: a Estática Social e Dinâmica Social.

Estática social
»» As condições constantes da Sociedade. Esta corresponde à Ordem. É responsável pela
preservação dos elementos permanentes da ordem social: religião, família, linguagem,
acordo entre o poder espiritual e o temporal etc.;

»» As instituições mantêm a coesão e garantem o funcionamento da sociedade. Por isso,


o progresso deve aperfeiçoar os elementos da ordem, e não destruí-los.

Dinâmica social
»» Corresponde às leis do progressivo desenvolvimento social: ao Progresso;

»» Representa a passagem para formas mais complexas de existência, como a industrialização;

»» A Dinâmica Social subordina-se à Estática Social, pois o Progresso provém da Ordem


e aperfeiçoa os elementos permanentes de qualquer sociedade, religião, família,
propriedade, linguagem, acordo entre poder temporal e espiritual etc.;

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A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

»» Tais conceitos defendem a sociedade burguesa industrial em face dos movimentos


reivindicatórios porque permitem que essa mesma sociedade industrial, na figura do
Estado que a representa, intervenha para manter a ordem e garantir o progresso.

Para refletir

Um exemplo da aplicação desses conceitos pode ser encontrado na destruição do Arraial do Bom Jesus – Canudos –
no sertão da Bahia.

Canudos era visto como um movimento que tirava dos coronéis a mão de obra quase gratuita do sertanejo.

O movimento não pagava impostos à República e interferia na vida religiosa, já que o arraial não precisava de padres,
mas possuía uma igreja. Alguns religiosos visitaram Canudos e nada encontraram que atacasse a Igreja Católica;
mesmo assim, esta se sentia afetada. Logo, Canudos interferia na Ordem da República e, por isso, visando garantir
o progresso na chamada República Velha, durante o governo de Prudente de Morais, cinco mil soldados atacaram e
destruíram o Arraial.

Outro elemento essencial do pensamento de Auguste Comte é a Lei dos Três Estados.

O positivismo se compõe essencialmente de uma filosofia e de uma política,


necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta de
um mesmo sistema universal, onde inteligência e sociabilidade se encontram
intimamente combinados. De uma parte, a ciência social não é somente a mais
importante de todas, mas fornece, sobretudo, o único elo, ao mesmo tempo lógico
e científico, que de agora em diante comporta o conjunto de nossas contemplações
reais. Ora, a ciência final, ainda mais do que cada uma das ciências preliminares,
não pode desenvolver o seu verdadeiro caráter sem uma exata harmonia geral
com a arte correspondente. Mas, por uma coincidência de nenhum modo fortuita,
a sua fundação teórica encontra logo imenso destino prático, a fim de presidir
hoje toda a regeneração da Europa Ocidental.
(COMTE, 2005)

O estado teológico

»» Diante da diversidade da natureza, o homem só consegue explicá-la mediante a crença


na intervenção dos seres pessoais e sobrenaturais;

»» O mundo torna-se compreensível apenas por meio da ideia de deuses e espíritos.

Tal Estado divide-se em três períodos:

»» Fetichismo: uma vida espiritual semelhante à do homem é atribuída aos seres naturais.
Esta fase corresponde à etapa em que o homem constrói totens, cultua a lua, o sol, as
estrelas, as árvores, os seres da natureza em geral;

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AULA 2 • A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica

»» Politeísmo: esvazia os seres naturais de suas vidas anímicas e atribui a animação desses
seres a outros seres, invisíveis e habitantes de um mundo superior. Neste estado, o deus
sol – por exemplo – ganha personalidade distinta, como no Egito, e se torna Amon-Rá,
Aton etc.

Saiba mais

Para Augusto Comte existem o Politeísmo Conservador ou Sacerdotal, de característica intelectual, que se manifestou
principalmente na elaboração grega entre os séculos XIII a.C. e I d.C., e o Politeísmo Progressivo ou Militar, de
característica social, que se apresentou na Civilização Romana entre os séculos VIII a.C. e III d.C. (COMTE, 1957, pp.
76-77)

Augusto Comte acreditava que “a maioria da nossa espécie não saiu ainda de semelhante estado, que persiste hoje na
mais numerosa das três raças humanas, no escore da raça negra e na parte menos avançada da branca.” (COMTE)

»» Monoteísmo: a distância entre os seres e os seus princípios explicativos diminui ainda


mais; o homem reúne todas as divindades em uma só.

Sugestão de estudo

COMTE, Augusto. Discurso sobre o espírito positivo. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Mores. Disponível em:
www.jahr.org. Acesso em: 6/1/2005.

Pode-se, assim, desde logo, demonstrar em toda a sua plenitude como o espírito
teológico foi por muito tempo indispensável à constante combinação das ideias morais
e políticas, ainda mais especialmente do que a de todas as outras, não só em virtude
de sua complicação superior, mas, também, porque os fenômenos correspondentes,
primitivamente muito pouco pronunciados, só podiam adquirir um desenvolvimento
característico após o avanço muito prolongado da civilização humana.
(COMTE, 2005)

Saiba mais

Surge um deus apresentado acima de todos os deuses e criador de todas as coisas, porém distante no homem, no
mais alto dos céus.

Segundo Augusto Comte a etapa Monoteísta corresponde à civilização católica feudal, situada entre os séculos V e
XIII d.C., quando se dá a transição para o Pensamento Metafísico.

O estado metafísico
»» Caracteriza-se pela dissolução do Estado Teológico;

»» Nele a argumentação, penetrando nos domínios das ideias teológicas, traz à luz as suas
contradições inerentes;

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A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

»» Substitui a vontade divina por ideias ou forças;

»» Destrói a ideia de subordinação do homem e da natureza ao sobrenatural.

Saiba mais

Para Augusto Comte esta é a fase da transição ocidental, estendendo-se desde o século XIV, ou seja, da fase de
transição feudo-capitalista, e passando pelos descobrimentos e pela Revolução Científica dos séculos XVII e XVIII
(COMTE, 1957, pp. 76-77).

Por isso, na esfera política, o espírito metafísico corresponde à substituição dos reis pelos juristas; supondo-se a
sociedade como originária de um contrato, a tendência é basear o Estado na soberania do povo.

O estado positivo
»» Caracteriza-se pela subordinação da imaginação e da argumentação à observação;

»» Cada proposição enunciada de maneira positiva deve corresponder a um fato, seja


particular ou universal;

»» A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos
(procedimento teológico ou metafísico) e torna-se pesquisa de suas leis, entendidas
como relações constantes entre fenômenos observáveis;

»» A Filosofia positiva considera impossível a redução dos fenômenos naturais a um só


princípio (Deus, Natureza ou outro equivalente);

»» Ao buscar compreender os fenômenos psicológicos, o espírito positivo deve visar a


relações imutáveis neles presentes, como quando trata de fenômenos físicos (por
exemplo, movimento ou massa), que só assim podem ser explicados;

»» O espírito positivo instaura as ciências como investigação do real, do certo e indubitável,


do precisamente determinado e do útil;

»» O conhecimento positivo caracteriza-se pela previsibilidade. Ver para Prever é o lema


da Ciência Positiva.

Saiba mais

Para Comte, a sociedade só poderia ser reorganizada por meio da completa reforma intelectual do homem. Para
tanto, era necessário fornecer aos homens novos hábitos, de acordo com as ciências do seu tempo.

Tal previsão, consequência necessária das relações constantes descobertas entre


os fenômenos, não permitirá nunca que se confunda a ciência real com essa vã
erudição que acumula maquinalmente fatos sem aspirar deduzi-los uns dos
outros. Esse grande atributo de todas as nossas sãs especulações importa tanto
à sua utilidade efetiva, quanto à sua própria dignidade; pois a exploração direta

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AULA 2 • A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica

dos fenômenos realizados não poderia bastar para nos permitir modificar a sua
realização, se não nos levasse a podê-lo convenientemente. Assim, o verdadeiro
espírito positivo consiste sobretudo a ver para prever, a estudar o que é, a fim
de concluir daí o que será, segundo o dogma geral da invariabilidade das leis
naturais. (COMTE, 1972, p. 237, apud LALLEMENT, 2003, p. 74)

O Positivismo procurava resolver os conflitos sociais por meio da exaltação à coesão, à harmonia
natural entre os indivíduos e ao bem-estar do todo social. Por isso representou uma ação política
conservadora que justificava as relações desiguais entre as sociedades. Por outro lado, o Positivismo
também representou um esforço concreto de análise científica da sociedade, partindo dele as
primeiras formulações objetivas sobre a sociabilidade humana, abrindo as portas para uma nova
concepção da realidade social com suas especificidades e regras.

Por fim, devemos verificar que para Comte a história não é pensada como um vir a ser, mas
como uma sequência congelada de Estados definitivos; e a evolução é a realização, no tempo,
daquilo que já existia em forma embrionária e que se desenvolve até alcançar o seu ponto final.
O seu conceito de ciência é o saber acabado, que se mostra sob a forma de resultados e receitas.

O seu principal postulado é o de assegurar a marcha normal e regular da sociedade industrial


ocidental, a que habita o Estado Positivo, o que não é de se estranhar, já que se encontra inserido
no contexto do cientificismo e da euforia desenvolvimentista do século XIX.

Naquela sociedade e naquele momento histórico, quando a teoria de Charles Darwin e o


Darwinismo Social representaram uma justificativa para o avanço imperialista ou neocolonialista,
a Lei dos Três Estados também prestou o seu serviço a esse processo, fortalecendo a ideia de
“culturas desenvolvidas” (as europeias), em detrimento das “mais atrasadas”, como a africana, a
asiática, as culturas da Oceania e mesmo da América Latina. Na verdade, justificava a missão do
homem branco europeu. E, assim, como na natureza, a competição gera o processo de adaptação
e evolução na medida em que garante a vitória do mais forte. Nas sociedades o mesmo processo
garante a sobrevivência das sociedades mais aptas, fortes e evoluídas, as que se encontram no
Estado Positivo.

Saiba mais

Por darwinismo social entende-se a transposição das ideias de Darwin, em especial a da “sobrevivência dos mais
aptos” do campo das Ciências Naturais para o das explicações acerca da vida social e da História da Humanidade.
Esse conceito é muito usado no contexto da competição entre os indivíduos no capitalismo, mas motivou, de
forma similar, o racismo, o imperialismo, o nazismo etc., etnias nacionais. O termo foi popularizado em 1944 pelo
historiador americano Richard Hofstadter.

As ideias positivistas justificaram o avanço imperialista europeu sobre a África e a Ásia, porém o
Positivismo não foi capaz de resolver a crise daquela sociedade europeia, na qual nem todas as

32
A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

pessoas participavam da sociedade positiva nem usufruíam dos seus benefícios, já que a riqueza
de poucos convivia com a pobreza de muitos e essa maioria também não tinha acesso aos bens
culturais, educacionais etc.

O pensamento positivista não se resumiu a Augusto Comte. O seu desenvolvimento teve variantes
como a de Émile Durkheim, também na França. E o ideal positivista de ciência permeou todo
o pensamento social, político, jurídico, econômico, educacional, histórico e literário do século
XIX e de uma boa parcela do século XX.

A influência de Auguste Comte no Brasil e na educação

A Filosofia positivista de Comte tornou-se uma das mais importantes influências na intelectualidade
brasileira. A doutrina comtiana foi introduzida aqui por volta de 1850, trazida por estudantes
brasileiros que tinham tido contato com as ideias positivistas na França e foi facilmente absorvida
por intelectuais daqui que buscavam reagir à inscrição confessional católica, vigente no país
daquela época. (SÊGA, 2004)

Sugestão de estudo

Faça a leitura do texto Positivismo: uma primeira forma de pensamento social, de Cristina Costa, que está na
página 155.

A doutrina positivista, em sua fase científica ganha relevo no Brasil a partir dos debates realizados
no Colégio Militar e depois se dissemina pelos ambientes de outras escolas, dentre elas o Colégio
Pedro II.

Essas reflexões, feitas no interior das escolas militares da cidade do Rio de Janeiro possibilita
que se comece a pensar a educação brasileira como um projeto para alcançar grande parte da
população brasileira.

Nesse sentido observa Sêga (2005):

A atuação doutrinária levada a cabo por Benjamim Constant Botelho de Magalhães


(1833-1891), professor da Escola Militar e defensor do princípio positivista da
valorização do ensino para alcançar o estado sociocrático, ganha destaque
nesse contexto. Contudo, se para Comte o ensino, no continente europeu,
deveria ser destinado às camadas pobres, no Brasil essa meta foi impossível,
devido ao baixíssimo nível do proletariado nacional. Assim, a transmissão dos
ensinamentos positivistas acabou se restringindo aos poucos que estudavam
nas escolas militares.

33
AULA 2 • A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica

O desenvolvimento do Positivismo no Brasil foi muito profundo e quase se tornou doutrina


oficial do Estado. Tal doutrina deixou traços sociopolíticos e culturais importantes na sociedade
brasileira: o conservadorismo, certo apego à hierarquia, uma aversão a mudanças e um “pavor”
do confronto.

Benjamim Constant promoveu a adoção do pensamento positivista como base para o programa
de estudo das escolas oficiais. Em 1880, foi fundado um Instituto do Apostolado, e no ano seguinte
era inaugurado no Rio de Janeiro um templo positivista para celebrar o culto da humanidade.
A divisa “Ordem e Progresso” figura no pavilhão brasileiro, cujo verde é, também, a cor das
bandeiras positivas.

Com efeito, uma das contribuições mais significativas do


Positivismo foi a Bandeira nacional adotada pelo Decreto no
4, de 19 de novembro de 1889, projeto de Teixeira Mendes,
com a cooperação de Miguel Lemos. Justificaram da seguinte
forma: a bandeira deverá ser símbolo de amor, solidariedade,
crenças partilhadas; a expressão ordem e progresso simboliza
as necessidades imperiosas do povo brasileiro, pois é
imprescindível manter as bases da sociedade e o aperfeiçoamento nas instituições. A harmonia
entre esses termos desvela-se na política e na moral. Observa-se a frase de Comte: “O progresso
é o desenvolvimento da ordem, como a ordem é a consolidação do progresso”. O estandarte da
República representa nosso passado, nosso presente e o porvir – a Lei dos Três Estados. A cor
verde não só lembra as terras brasileiras como convém ao sentido do porvir, por isso caracteriza
esperança.

Sintetizando

Vimos até agora:

»» O processo de consolidação do Capitalismo colocou em evidência os mais diversos problemas da estrutura


societária emergente.

»» Vários pensadores sociais irão procurar refletir sobre as alterações na realidade social, entre eles Saint-Simon e
Auguste Comte.

»» Auguste Comte (1748-1857) foi um desses filósofos sociais, sistematizando a primeira corrente teórica do
pensamento sociológico: o Positivismo. Essa corrente teórica foi a primeira a definir precisamente o objeto, a
estabelecer conceitos e uma metodologia de investigação.

»» O Positivismo caracteriza-se pela suposição de que o saber passa por três estágios: teológico, metafísico, positivo.

»» A visão que Comte tinha da Sociologia correspondia ao modelo da física. Por isso as características de uma ciência
assim compreendida a fundamentação na pesquisa empírica e a formulação e leis universalmente válidas.

»» Para reformar a sociedade, Comte propôs: (a) Reconhecer a existência de princípios reguladores; (b) Estudar os
processos e estrutura social; (c) Reconhecer a existência de dois movimentos: estático (fator de permanência e
harmonia) e dinâmico (fator de progresso).

34
A Sociologia como Ciência: uma Perspectiva Histórico-Crítica • AULA 2

»» O Positivismo foi uma diretriz filosófica criada por Augusto Comte na segunda metade do século XIX, que refletiu o
entusiasmo burguês pela consolidação capitalista, por meio do desenvolvimento industrial e científico.

»» O tema central da obra de Augusto Comte é a Lei dos Três Estados, em que ele divide a evolução histórica e cultural
da humanidade em três fases, de acordo com seu desenvolvimento; a classificação e a hierarquização das ciências,
da mais simples à mais complexa, já que para ele a ordem é necessária ao progresso; e a reforma da sociedade,
com mudanças intelectuais, morais e políticas destinadas principalmente a restabelecer a ordem na sociedade
capitalista industrial; (COTRIM, 1997).

»» Os traços mais marcantes do Positivismo são certamente a excessiva valorização das ciências e dos métodos
científicos, a exaltação do homem e suas capacidades e o otimismo em relação ao desenvolvimento e progresso da
humanidade; (THE NEW GROLIER MULTIMEDIA ENCYCLOPEDIA, 2000).

»» Essa corrente filosófica foi muito influente no pensamento da época. Prova disso é o lema da bandeira brasileira
– Ordem e Progresso –, um dos principais preceitos do Positivismo, que afirma que, para que haja progresso, é
preciso que a sociedade esteja organizada.

Saiba mais

Sociologia vai ao cinema


Para compreensão da situação europeia no século XIX, veja Oliver Twist (Original), 2005 –
Roman Polanski.

Para relação com darwinismo social, veja Gattaca – Título Nacional: Gattaca – Experiência
Genética.

Direção: Andrew Niccol

Roteiro: Andrew Niccol

Elenco Principal: Ethan Hawke, Uma Thurman e Jude Law, Gênero: Ficção –

Ano: 1997 – País: Estados Unidos

Duração: 106 min.

35
Aula
A Educação como Fenômeno
Social e Objeto de Estudo da
Sociologia 3
Apresentação

Na aula anterior apresentamos o contexto histórico da Europa, na segunda metade do século


XIX – época na qual se deu o surgimento da Sociologia como ciência independente. Também,
vislumbramos de forma crítica a situação histórica da Europa na segunda metade do século XIX
e os processos que conduziram à formação da corrente positivista. Agora, veremos a Educação
como objeto de estudo da Sociologia e os vários processos que envolvem esse estudo.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

»» Compreender a educação como fenômeno social.

»» Relacionar a educação e a Escola como principal fator socializador.

»» Identificar as matrizes teóricas que estudam o fenômeno educacional.

»» Refletir sobre a função social da escola.

A Escola como instituição sempre mereceu atenção especial dos estudos sociológicos. Nesse
sentido, tem-se como pressuposto fundamental que ela seja um espaço de sociabilidade, no qual
as relações sociais se caracterizam por práticas que afirmam valores educacionais e constroem
identidades, em que, sobretudo, também se elaboram e (re)elaboram-se papéis sociais.

O ser humano, ao nascer, necessita de outras pessoas para a sua sobrevivência, no mínimo de
mais uma pessoa, o que já faz dele membro de um grupo. Por isso, podemos dizer que desde o
primeiro momento de vida o indivíduo está inserido em um contexto histórico, pois as relações
entre o adulto e a criança recém-nascida seguem um modelo ou padrão de cada sociedade,
modelo que ela veio desenvolvendo com o passar dos tempos e que considera correta.

36
A Educação como Fenômeno Social e Objeto de Estudo da Sociologia • AULA 3

A importância da sociologia da educação no curso de


pedagogia

A Pedagogia é um campo de conhecimento interdisciplinar, aglutina contribuições de vários


campos de conhecimentos, especialmente das Ciências Humanas. Nesse sentido, a disciplina
Sociologia da Educação, caracterizada como um olhar sociológico sobre como o fato educativo
tem contribuído para fundamentação de diversas disciplinas que compõem o currículo do
curso e para a compreensão da realidade educacional no contexto da sociedade brasileira, o que
justifica a sua presença na estrutura curricular dos cursos de Pedagogia desde o início desses
cursos no Brasil.

Diversos autores (TURA, 2001; SILVA, 2003; SOUZA, 2003) discutem o papel da Sociologia da
Educação para uma compreensão crítica da realidade social, política, econômica e cultura na
qual a escola e a educação estão inseridas e contribui para uma formação de educadores com
uma visão crítica que possa formar indivíduos para compreenderem e transformarem a realidade
em que vivem.

A educação entendida como uma prática social que busca formar indivíduos para a vida em
sociedade deve proporcionar uma visão que lhes permita uma compreensão da sociedade em
todas as suas dimensões. Para tanto, se torna necessário um currículo que em seus conteúdos e
em suas práticas possibilite uma problematização e reflexão crítica das relações sociais, relações
de poder existentes na sociedade, pois, como discute Bernstein, citado por Forquin (1993, p.
85): o modo como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia os saberes
destinados ao ensino reflete a distribuição do poder em seu interior e a maneira pela qual aí se
encontra assegurado o controle social dos comportamentos individuais, pois, como nos ensina
Foucault:

Todo conhecimento, seja ele científico ou ideológico, só pode existir a partir de


condições políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito
quanto os domínios do saber. A investigação do saber não deve remeter a um
sujeito de conhecimento que seria a sua origem, mas a relações de poder que
lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é político.
(FOUCAULT, 1986, p. 21)

Saiba mais

Michel Foucault – França – (1926-1984) foi um filósofo, historiador das ideias, teórico social, filólogo
e crítico literário. Suas teorias abordam a relação entre poder e conhecimento e como eles são usados​​
como uma forma de controle social por meio de instituições sociais. Embora muitas vezes seja citado
como um pós-estruturalista e pós-modernista, Foucault acabou rejeitando essas etiquetas,
preferindo classificar seu pensamento como uma história crítica da modernidade. Seu pensamento
foi muito influente tanto para grupos acadêmicos, quanto para ativistas.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Foucault

37
AULA 3 • A Educação como Fenômeno Social e Objeto de Estudo da Sociologia

Embora o campo de conhecimento da Sociologia não garanta por si o compromisso de promover


uma educação crítica transformadora, pela sua especificidade de analisar a sociedade sob o
prisma de vários olhares que as diversas perspectivas analíticas ensejam, já possibilita uma
ampliação da compreensão da realidade social e da educação como um fenômeno fundamental na
transmissão da herança cultural, dos modos de vida, das ideologias, na formação para o trabalho
que guarda uma estreita relação com a realidade em cada contexto histórico. Daí a importância
dessa disciplina no currículo dos cursos de formação de educadores.

Alguns autores da Sociologia – como Durkheim, Manheim, Parsons e Merton – incluíram a


Educação entre seus objetos de pesquisa e de reflexão teórica. Entre os marxistas destacam-se
Althusser e Gramsci. No Brasil, Florestan Fernandes e Fernando Azevedo foram os expoentes
que tiveram a Educação como foco de suas preocupações.

Marcos teóricos da sociologia da educação

Dentre os inúmeros enfoques da sociedade e da educação, destacam-se os paradigmas considerados


clássicos que enfocam em suas análises o consenso ou o conflito, correspondendo às correntes
positivista/funcionalista e crítica/dialética, originadas, respectivamente, em Émile Durkheim e
Karl Marx, que influenciam análises e pesquisas no campo da Sociologia da Educação.

O estudo dos autores considerados clássicos propicia o entendimento da sociedade relacionada


com a práxis educativa. Émile Durkheim é um marco no surgimento da Sociologia como ciência e
como disciplina. Além de ter contribuído para a definição do objeto e do método sociológico, foi
um dos pioneiros na inclusão da Sociologia no currículo acadêmico, especificamente no curso de
formação de professores, no qual lecionava. Destaca-se na teoria durkheimiana sua concepção
de sociedade como um organismo composto por distintas instituições que se complementam
e se interpenetram, cada uma desempenhando uma função e formando um todo homogêneo
e consensual.

Nesse arcabouço explicativo a Educação ocupa lugar central como um fato social, que contribui
para a “socialização metódica das novas gerações” (DURKHEIM, 1987, p. 41) e para integrar os
indivíduos na sociedade em que estão inseridos, disseminando a consciência coletiva. Vendo a
Educação com duplo aspecto, uno e múltiplo, como seus constituintes básicos Durkheim (1967,
p. 40) aponta suas principais funções:

Suscitar na criança: 1) certo número de estados físicos e mentais, que a sociedade a que pertença
considere como indispensáveis a todos os seus membros; 2) certos estados físicos e mentais, que
o grupo social particular (casta, classe família, profissão) considere igualmente indispensáveis
a todos quantos o formem.

38
A Educação como Fenômeno Social e Objeto de Estudo da Sociologia • AULA 3

Ao tratar das relações entre o educador e a criança submetida à sua influência, Durkheim (1967, p.
5.354) defende que a criança fique “por condição natural, em estado de passividade” e o educador
assume uma posição de superioridade advinda da sua experiência, sua cultura e da moral que
ele encarna. Assim, a ação educativa é entendida como um trabalho de autoridade. A autoridade
é o meio essencial da ação educativa. “A autoridade moral é a qualidade essencial do educador”.

Essa concepção de educação e do papel do professor influenciou as práticas pedagógicas adotadas


no Brasil ao longo da história da Educação e a atividade docente que nela se realiza. Como pode
se observar nas tendências pedagógicas analisadas por Libâneo (1989), especialmente na sua
vertente tradicional que tem no professor a figura central do processo ensino-aprendizagem,
como detentor do domínio de conteúdos que devem ser repassados aos educandos, que devem
se portar passivamente como receptores de conteúdos.

Saiba mais

Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a educação brasileira no
século XX, Anísio Teixeira (1900-1971) foi pioneiro na implantação de escolas públicas de todos os
níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para todos. Como teórico da
Educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas ideias. Muitas delas eram inspiradas na
filosofia de John Dewey (1852-1952), de quem foi aluno ao fazer um curso de pós-graduação nos Estados Unidos.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/anisio-teixeira

Prática docente denominada de bancária e enfaticamente criticada por Paulo Freire. As ideias
de Durkheim influenciaram vários autores destacando-se Fernando Azevedo e Anísio Teixeira
influentes educadores da Escola Nova.

Noutra perspectiva, temos a teoria crítica fundamentada no materialismo histórico dialético de


Karl Marx, que influenciou todo o pensamento crítico em Educação, começando pelas ideias
reprodutivistas de Althusser, Establet e Baudelot, que ressaltaram a contribuição da Educação
na reprodução das relações sociais de produção. A análise materialista histórica de Marx vê a
sociedade capitalista sob a perspectiva do conflito resultante das contradições produzidas pela
divisão da sociedade em classes sociais, definidas pela apropriação dos meios de produção,
demarcando uma classe detentora dos meios de produção e da riqueza que advém do trabalho
da classe trabalhadora.

Para Marx, a sociedade se estrutura por uma base constituída das forças produtivas e das relações de
produção, donde se originam as ideias, a política, a religião, o Direito e a Filosofia, que constituem
a superestrutura. As relações de produção classistas são conflitivas e contraditórias provocando
constantemente crises que não encontram solução nos marcos da sociedade burguesa. Assim, ele
defende uma revolução liderada pelas classes trabalhadoras para superar essa sociedade classista

39
AULA 3 • A Educação como Fenômeno Social e Objeto de Estudo da Sociologia

e a criação de uma sociedade em que não mais existiria a exploração do homem pelo homem,
culminando numa sociedade comunista, na qual os meios de produção seriam coletivizados.

Marx não se deteve numa discussão sobre a Educação, sua teoria se concentrou na análise
econômica, sociológica, histórica e filosófica, da sociedade capitalista, mas o desdobramento
de suas análises das relações de poder inerentes às relações classistas produziu contribuições
importantes para a compreensão da escola e da ação educativa.

Originadas da teoria marxista, surgem as concepções crítico-reprodutivistas, de Althusser (1983),


Bourdieu e Passeron (1982), Establet e Baudelot (1971), que denunciavam o caráter classista,
excludente, ideológico e reprodutor das relações sociais de produção e dominação da Educação
no sistema capitalista. Esses autores ressaltam a atuação da educação escolar na reprodução
das relações sociais de produção e de dominação. O primeiro desvenda a atuação do Estado
capitalista na reprodução das classes sociais, por meio dos aparelhos repressivos e ideológicos
que o compõem, e apresenta a escola como o principal aparelho ideológico do Estado que
atua essencialmente pela transmissão e inculcação da ideologia, especialmente a ideologia
que interessa à classe dominante. Uma vez que atua ao longo de vários anos na preparação de
crianças e jovens, transmitindo a ideologia da classe dominante, recalcando e reprimindo uma
ideologia orgânica à classe, ao mesmo tempo em que proporciona a reprodução da submissão
às normas da ordem vigente, contribuindo, dessa forma, para a reprodução das relações sociais
de exploração (entre explorados e exploradores), ao escamotear, esconder, dissimular as reais
condições de exploração.

Antonio Gramsci, outro autor que bebeu da fonte sociológica marxista e desenvolveu sua
análise social e educacional, partindo do pressuposto da existência de uma sociedade
conflituosa e contraditória, baseada em princípios capitalistas de exploração e submissão,
vincula a educação a uma estrutura de combate ideológico hegemônico e contra-hegemônico
e a considera um espaço pedagógico que funciona tanto como instrumento de dissimulação,
a serviço da classe dominante, quanto revela à classe dominada as contradições existentes,
permitindo a esta última reagir. A defesa de Gramsci define-se na utilização da escola como
centro de formação da consciência crítica e política para realizar uma mudança real da
estrutura social vigente.

Essas e outras diferentes concepções de Sociedade e de Educação permitem uma análise de


diversos temas tratados pela Sociologia da Educação destacando-se: concepções de sociedade, de
educação, a relação entre Educação e Sociedade, as relações de poder na escola, as determinações
das políticas educacionais, a relação entre classes sociais e o acesso à educação escolar, os
fundamentos das tendências pedagógicas na prática escolar, questões das realidades sociais e
educacionais.

40
A Educação como Fenômeno Social e Objeto de Estudo da Sociologia • AULA 3

Sintetizando

Vimos até agora:

»» A escola como instituição sempre mereceu atenção especial dos estudos sociológicos.

»» O pressuposto fundamental é de que a escola seja um espaço de sociabilidade, no qual as relações sociais se
caracterizam por práticas que afirmam valores educacionais e constroem identidades, em que, sobretudo,
elaboram-se e reelaboram-se papéis sociais.

»» O ser humano, ao nascer, necessita de outras pessoas para a sua sobrevivência, no mínimo de mais uma pessoa, o
que já faz dele membro de um grupo.

»» Desde o primeiro momento de vida o indivíduo está inserido em um contexto histórico, pois as relações entre
o adulto e a criança recém-nascida seguem um modelo ou padrão de cada sociedade, modelo este que ela veio
desenvolvendo com o passar dos tempos e que considera correta.

»» As normas são o que basicamente caracterizam os papéis sociais e que determinam as relações sociais. Ou
seja, os papéis de pai e de mãe se caracterizam por normas que dizem como um homem e uma mulher se
relacionam quando eles têm um filho, e como ambos se relacionam com o filho e este no desempenho de seu
papel com os pais.

»» Ao tratar das relações entre o educador e a criança submetida à sua influência, Durkheim (1967, pp. 5.354)
defende que a criança fique “por condição natural, em estado de passividade” e o educador assume uma posição
de superioridade advinda da sua experiência, sua cultura e da moral que ele encarna. Assim, a ação educativa é
entendida como um trabalho de autoridade. A autoridade é o meio essencial da ação educativa. “A autoridade
moral é a qualidade essencial do educador”. Essa concepção de Educação e do papel do professor influenciou as
práticas pedagógicas adotadas no Brasil ao longo da história da Educação e a atividade docente que nela se realiza.

»» Karl Marx, que influenciou todo o pensamento crítico em Educação, começando pelas ideias reprodutivistas de
Althusser, Establet e Baudelot, que ressaltaram a contribuição da Educação na reprodução das relações sociais
de produção. A análise materialista histórica de Marx vê a sociedade capitalista sob a perspectiva do conflito
resultante das contradições produzidas pela divisão da sociedade em classes sociais, definidas pela apropriação
dos meios de produção, demarcando uma classe detentora dos meios de produção e da riqueza que advém do
trabalho da classe trabalhadora.

»» Para Marx, a sociedade se estrutura por uma base constituída das forças produtivas e das relações de produção,
donde se originam as ideias, a política, a religião, o Direito e a Filosofia, que constituem a superestrutura. As
relações de produção classistas são conflitivas e contraditórias, provocando constantemente crises que não
encontram solução nos marcos da sociedade burguesa. Assim, ele defende uma revolução liderada pelas classes
trabalhadoras para superar essa sociedade classista e a criação de uma sociedade em que não mais existiria a
exploração do homem pelo homem, culminando numa sociedade comunista, na qual os meios de produção
seriam coletivizados.

41
AULA 3 • A Educação como Fenômeno Social e Objeto de Estudo da Sociologia

Saiba mais

A Sociologia vai ao cinema


Para refletir sobre a escola como fenômeno social veja o filme Entre les Murs, filme francês
vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2008. A história baseia-se no livro
homônimo escrito por François Bégaudeau que, além de escritor, é também professor.

Data de lançamento: 24 de setembro de 2008 (França) Direção: Laurent Cantet

Autor: François Bégaudeau

Roteiro: Laurent Cantet, François Bégaudeau, Robin Campillo

Veja também A sociedade dos poetas mortos (Dead Poets Society) é um filme estadunidense
de 1989, do gênero drama, dirigido por Peter Weir.

Data de lançamento: 28 de fevereiro de 1990 (Brasil)

Direção: Peter Weir

Duração: 2h9min.

Roteiro: Tom Schulman

42
Aula
As Matrizes do Pensamento
Sociológico e as Diferentes
Análises do Fenômeno
Educacional 4
Apresentação

Nesta parte de nosso estudo tomaremos contato com três dos mais ilustres teóricos do pensamento
sociológico. São eles: Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Tamanha é a importância desses
pensadores que são eles considerados os clássicos da Sociologia, isto é, seus pilares de sustentação,
os fundadores desta ciência que estamos aprendendo.

Chamamos a atenção para o fato de que, de uma forma ou de outra, cada um deles contribuiu
profundamente para o pensamento crítico sobre a escola e os processos educacionais.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

»» Relacionar as transformações da sociedade moderna com o surgimento do pensamento


sociológico.

»» Explicitar os conceitos sociológicos fundamentais da teoria de Émile Durkheim.

»» Caracterizar os conceitos sociológicos fundamentais da teoria de Max Weber.

»» Definir alguns conceitos fundamentais da teoria de Karl Marx.

»» Desenvolver a articulação entre teoria e dados empíricos.

Émile Durkheim (1858-1917)

O pensamento de Durkheim marcou decisivamente a Sociologia contemporânea. Considerado um


dos fundadores da Sociologia científica, sem dúvida, sua maior contribuição foi o estabelecimento
de um método e objeto de estudo próprio à investigação social. Além disso, ao combinar a
pesquisa empírica com a teoria sociológica, Durkheim consolidou definitivamente a Sociologia
como disciplina acadêmica.

43
AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

Saiba mais

David Émile Durkheim


David Émile Durkheim nasceu em Epinal no dia 15 de abril de 1858, região da Alsácia, na França.
Iniciou os estudos em Epinal, posteriormente partindo para Paris, no Liceu Louis Le Grand e na
École Normale Superiéure (1879). Considerado um dos pais da Sociologia moderna, Durkheim
formou-se em Filosofia, quando começou a interessar-se pelos Estudos Sociais.

Foi o fundador da Escola Francesa de Sociologia, em 1887, quando é nomeado professor de


Pedagogia e de Ciência Social na Faculdade de Bordeaux, no sul da França.

Obras Principais de Durkheim

a. Da divisão social do trabalho (1893);

b. Regras do método sociológico (1894);

c. O Suicídio (1897);

d. As formas elementares de vida religiosa (1912).

e. Fundou também a revista L’Anné sociologique, que afirmou a preeminência durkheimiana no mundo inteiro.

Fatos sociais: externalidade e coercitividade


Os fatos sociais são considerados o objeto de estudo da Sociologia, segundo Durkheim. Os
fenômenos que o autor denomina fatos sociais são entendidos como: “toda maneira de agir
ou pensar fixa ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, apresentando
uma existência própria independente das manifestações individuais que possa ter” (DURKHEIM,
1991, p. 1).

Dizemos que são Externos porque são fatos coletivos, como a religião ou o sistema econômico,
por exemplo, independentes dos indivíduos, que já os encontram prontos quando nascem e que
morrerão antes que esses deixem de existir.

Ou seja, existem fora dos indivíduos e são internalizados por meio do processo de socialização.

Essas maneiras de agir e pensar são, além de externas, capazes, pelo seu poder coercitivo, de
obrigar um indivíduo a adotar um comportamento qualquer. A coerção pode se manifestar
direta ou indiretamente.

É direta, por exemplo, quando o professor estabelece seus critérios de avaliação, aos quais o
aluno é coagido a se adaptar para se sair bem na prova. Mas é indireta quando um empresário
passa a utilizar computadores para administrar os seus negócios, pois ele faz isso pressionado
pela concorrência, embora não exista nenhuma lei que o obrigue explicitamente.

A coerção pode também ser formal ou informal. É formal, como o próprio nome já diz, quando
a obrigação e a punição pela transgressão estão estabelecidas formalmente. O Código Penal, por
exemplo, apresenta um grande número de coerções formais para diversos atos predefinidos.

44
As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

É informal quando é exercida espontaneamente pelas pessoas no seu dia a dia. Quando, por
exemplo, uma pessoa chama a atenção de outra por tentar furar uma fila.

Finalmente, a coerção pode estar oculta. A pessoa que cumpre de bom grado e com satisfação
as suas obrigações sociais não sente o peso da coerção sobre o seu comportamento. Uma pessoa
que gosta de sua profissão, por exemplo, geralmente cumpre seus deveres com prazer, sem a
necessidade de imposições. Mas a coerção nunca deixa de existir. Está sempre à espreita.

Fatos sociais: fixos e não fixos

Quando se diz que são fatos sociais fixos ou não fixos significa que podem se apresentar de duas
maneiras diferentes: como maneiras de agir ou como maneiras de ser.

As maneiras de agir são formas de atuar e pensar coletivas, que determinam o comportamento
dos indivíduos, que os obrigam a agir de determinada forma, mas não têm uma longa duração
no tempo, ou seja, são efêmeras e instáveis.

Um linchamento seria um bom exemplo desse tipo de fenômeno, se considerarmos que, na


maioria das vezes, os participantes, individualmente, não seriam capazes de praticar tal ato.
É o grupo, a coletividade, pela sua capacidade de coerção, que os leva a agir de determinada
maneira em dado momento.

As maneiras de ser também são fenômenos de ordem coletiva que determinam o comportamento
dos indivíduos, mas, nesse caso, há uma durabilidade no tempo, uma permanência ou estabilidade.

Um sistema religioso ou econômico estabelecido pode ser um bom exemplo desse tipo de fato
social. Os dogmas de uma religião, que não foram criados por nenhum dos fiéis, se impõem de
maneira estável e contínua no tempo, coagindo as pessoas a os aceitarem.

Há uma relação importante entre esses dois tipos de fenômenos. Muitas vezes um movimento
social se inicia como maneira de agir e pode vir a se fixar e estabelecer (se institucionalizar) e
daí se tornar uma maneira de ser.

Por exemplo, um movimento religioso de caráter momentâneo (um grupo de pessoas que se
reúne para ouvir um líder carismático, por exemplo) pode vir a se estabelecer como uma nova
religião organizada, estável e permanente.

Teríamos bons exemplos também no caso da língua que falamos. A língua portuguesa, em sua
versão formal, apresenta uma série de padrões e regras fixos, estáveis e, até mesmo, codificados.
Nesse aspecto, seria uma maneira de ser.

45
AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

Por outro lado, a língua usada no dia a dia é viva e está em constante processo de transformação.
Novas palavras, gírias, novas sintaxes, novas formas verbais surgem o tempo todo. Nesse aspecto,
a língua estaria recheada de maneiras de agir passageiras e efêmeras.

É interessante observar que muitas dessas, digamos, maneiras de agir linguísticas se transformam
em maneiras de ser à medida que vão sendo incorporadas à língua padrão, à gramática e ao
dicionário. Basta lembrar-se da história da forma de tratamento Vossa Mercê, que se transformou
em Vosmecê, depois em Você (já incorporado) e que hoje, pelo menos em Minas Gerais, é CÊ.

FATOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

Qual a importância de se definir um fato social?

Como vimos, em primeiro lugar Durkheim procura demonstrar que existe toda uma ordem de
fenômenos que devem ser explicados por meio do que ele denomina fato social. É porque esses
tais “fatos sociais” existem que a Sociologia existe. Do contrário, poderíamos explicar a ação
humana e a ordem social por meio de outras disciplinas.

O que seriam, então, estes “fatos sociais”?

É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de
uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter.

A primeira observação importante é que a Sociologia deve explicar apenas os fatos sociais e
não todo e qualquer fenômeno que tenha “algum interesse social”. Assim Durkheim enumerará
fatos de importância social, mas que não fazem parte da província explicativa sociológica, como
comer, dormir e beber.

É bastante óbvio que os seres humanos precisam comer, beber e dormir, e que uma sociedade
não perdurará se eles pararem de fazer isso (apesar de que Durkheim, nos seus momentos
mais exaltados, chega a afirmar que a sociedade continuará existindo mesmo se todos os seus
integrantes morrerem. Obviamente, não podemos tomar isso ao pé da letra.) Mas isso deve ser
explicado pela Biologia e pela Sociologia.

E como nós sabemos, era preciso distinguir a Sociologia não só da Biologia e Psicologia, mas,
também, da História, da Economia e da Filosofia.

Consoante Durkheim afirma: “Na verdade, porém, há em toda a sociedade um grupo determinado
de fenômenos com caracteres nítidos, que se distingue daqueles estudados pelas outras ciências
da natureza.” (p. 1)

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O que nos chama a atenção é a frase “pelas outras ciências da natureza”. Não sei se se trata de
um lapso, mas Durkheim deveria ter escrito “pelas ciências da natureza”, pois a Sociologia é uma
Ciência Social, e não Natural. Esta frase, aliás, pode ser um “lapso” de escrita, referindo-se às
preocupações metodológicas do autor.

Quando lemos esses trechos nunca podemos nos esquecer de que os escritos de Durkheim
continham um forte conteúdo programático, no sentido de estabelecer um “lugar ao sol” para
a Sociologia no mundo acadêmico.

A Educação é um componente primordial para entendermos os fatos sociais, pois é principalmente


por meio dela que os fatos sociais, que são externos e coercitivos, se impõem a nós.

Quando nascemos nos deparamos com uma infinidade de instituições que nós não criamos, por
exemplo, “os sistemas de sinais de que sirvo para exprimir meus pensamentos, o sistema de moedas
que emprego para pagar as dívidas, os instrumentos de crédito..., as práticas seguidas na profissão”.

Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam


a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais. (p. 2)

Mais uma vez, a consciência individual é aquela que é apenas do indivíduo tomado
isoladamente e outras ciências da profusão de instituições previamente existentes faz com
que a sua consciência se torne social.

E como isto se dá, para Durkheim? Pela Educação. Ele afirma:

Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras
de ver, de sentir e de agir às quais não chegariam espontaneamente – observação
que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são e tais
quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas
a comer, beber, dormir em horas regulares; são constrangidas a terem hábitos
higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a
pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho,
etc. Se, com o tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco
dá lugar a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que não a
substituem senão porque dela derivam. (pp. 5-6)

Vários pontos devem ser comentados nessa passagem. Em primeiro lugar, é de se ressaltar que,
para Durkheim, a Educação é o mecanismo por meio do qual deixamos de ser “individuais”
e nos tornamos “sociais”, ou seja, como uma sociedade não perdura se os atores forem
puramente individuais, conclui-se que o papel da Educação é fundamental para nos tornarmos
agentes sociais.

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Saiba mais

Émile Durkheim é considerado o fundador da cadeira de Sociologia e tem na Educação uma importante obra
chamada Educação e Sociologia. Sua ligação com a Educação é forte não só por ter sido titular da cadeira de Ciência
da Educação na renomada instituição Sorbonne, como ainda por ter lecionado no curso de Normal Superior. Em sua
vida acadêmica, Durkheim foi privilegiado por chegar à universidade no momento de expansão do ensino francês.
À época, impera a Terceira República francesa que derruba as universidades antigas, datadas da Idade Média, para
transformá-las para algo grandioso: a universalização do ensino público. As novas universidades possuem o triplo
do tamanho das anteriores. É nesse momento que nosso autor vai adentrar na vida acadêmica. Terá em sua vida
acadêmica, como um todo, a preocupação com o ensino, e sua função para a constituição da vida social.

Durkheim pode ser enquadrado como o principal teórico funcionalista da Sociologia da Educação.
Em sua concepção, a Educação cumpre a função de preparar as crianças para a sociedade. Assim,
seu papel principal é gerar os indivíduos que a sociedade deseja ter no futuro. E, ainda, que essa
educação se estabelece socialmente. Não cabe aos pais a escolha do tipo de educação que querem
dar ao seu filho, mas, sim, adequá-la aos padrões estabelecidos pela sociedade.

Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se os


desrespeitarmos, muito gravemente eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma
vez adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos,
com os quais não encontrarão harmonia. Que eles tenham sido educados,
segundo ideias passadistas ou futuristas, não importa; num caso, como noutro,
não estarão em condições de vida normal. Há, pois, a cada momento um tipo
regulador de educação, do qual não nos podemos separar sem vivas resistências,
e que restringem as veleidades dos dissidentes.
(DURKHEIM, 1967)

Vimos que a Educação nos obriga a nos adequar a determinadas situações. Todavia, faz-se mister
definir, afinal, o que é Educação. Segundo Durkheim, a Educação é quando uma geração de
adultos impõe às crianças determinada forma de conduta. A Pedagogia – teoria educacional –,
para isso é diversa, pois diversos são os caminhos para um indivíduo se realizar na vida social.

A Educação não é única, pois a sociedade exige várias aptidões para realizá-la. Com isso, essa
diversidade social produzida pela diversidade educacional será benéfica para a sociedade
como um todo. Essa visão é contrária, por exemplo, a visão kantiana de que a Educação deveria
ser única; desenvolver ao máximo as habilidades do indivíduo. Nosso autor acredita que uma
educação única só poderia existir em uma sociedade simples, como na existente no passado,
pois a Educação única seria reflexo de uma sociedade pouco desenvolvida. A sociedade atual
produz indivíduos diversos para cargos diversos. O nosso sentimento de igualdade, de pertencer
a um mesmo grupo, ocorrerá pela religião, nacionalismo e certos valores morais apreendidos
durante a vida.

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A sociedade não poderia existir sem que houvesse em seus membros certa
homogeneidade: a educação a perpetua e reforça, fixando de antemão na alma
da criança certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida coletiva.
(DURKHEIM, 1967)

O homem, na concepção durkheimiana, é um ser que nasce individualista e insocial. Sua mente
nesse momento está vazia, em estado de uma tábula rasa. Apesar de o homem possuir herança
genética, ela é insuficiente para realizá-lo em sociedade. A Educação, dessa forma, prepara o
indivíduo para esse novo momento social, já que as condições que ele encontrará serão diferentes
da do seu pai, assim como o prepara para a vida social.

»» Aptidão que ele não possui. A sociedade, dessa forma, obriga o indivíduo egoísta a aceitar,
em seu interior, o social. Depois de formado, o homem terá dentro de si dois elementos
que o constituem como Homem. O lado privado, individual; e o lado coletivo, social.
O homem só aceita esse domínio do social pela necessidade de aceitação coletiva e,
ademais, ele só é considerado Homem quando realizado em sociedade.

Saiba mais

Da Consciência Comportada à Dialética da Existência constitui exercício de reflexão sobre a


Sociologia formulada por Émile Durkheim, mais precisamente no que se refere à abordagem da
dimensão normativa da vida social e sua relação com a individualidade dos sujeitos. Essa
questão é problematizada observando-se o conceito de consciência em sua expressão coletiva e
individual e os aspectos concernentes às representações (eixo da cultura) e distorções da
percepção (eixo do conhecimento). O confronto dos aportes teóricos de Durkheim com a teoria
psicanalítica permite ao autor, ao mesmo tempo, considerar o reducionismo sociológico de um
ponto de vista crítico e verificar em que sentido os conceitos formulados por Sigmund Freud
podem contribuir para enriquecer o debate sobre as mediações entre a vida coletiva e o indivíduo no contexto da
Teoria Sociológica.
Scortecci Editora – Psicologia, 1ª edição, 2014, 328p.

Digno de nota é que posteriormente essa ênfase na Educação foi substituída pelos mecanismos
de introjeção da psicanálise, mais conhecidos como processos de internalização e socialização.
Em outras palavras, trata-se de especificar como tornamos internos os elementos sociais, e daí
deriva o nome socialização.

A Sociologia Durkheimiana é pré-Freudiana. Subsequentemente a teoria freudiana será utilizada


na Sociologia para explicar os processos de socialização, em especial a formação do superego
e do ego.

Mas, seja lá qual for o suposto mecanismo, o relevante é que as normas, convenções e hábitos
sociais tornam-se parte da personalidade individual, elas passam a constituir as pessoas. De
regulativas tornam-se constitutivas. Evidentemente esses dois tipos de normas irão coexistir

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sempre, pois os processos de socialização nunca são perfeitos e sempre são realizados sobre um
substrato biológico e psicológico individual.

Assim, para retomarmos nossas discussões sobre a inter-relação entre fatores genéticos e
sociológicos, é bastante plausível pensar que dois atores diferentes respondam de maneiras
diferentes a processos de socialização semelhantes devido a diferenças de cunho genético. E as
diferenças resultantes podem levar esses atores a contatar diferentes grupos de referência que,
por sua vez, levam a diferentes influências sociais que reforçam essas diferenças individuais.

Durkheim afirmará que:

...a educação tem justamente por objeto formar o ser social... A pressão de todos
os instantes que sofre a criança é a própria pressão do meio social tendendo
moldá-la à sua imagem, pressão de que tanto os pais quanto os mestres não são
senão representantes e intermediários. (p. 6)

Mais uma vez essa frase pode sugerir a existência de uma entidade sociológica superior quando diz
que os responsáveis pelos processos de socialização, os pais e mestres, são meros intermediários.
Mas Durkheim está querendo dizer que eles também não inventaram as instituições sociais,
que eles também foram formados sob a sua influência e que agora estão repassando esse
conhecimento, esse conteúdo social.

A Educação, assim, é uma forma de coerção. Os fatos sociais são externos e coercitivos, mas
Durkheim afirma que “com o tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco
dá lugar a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que não a substituem senão
porque dela derivam”.

O ponto a ser destacado é que, com a internalização dos conteúdos sociais, nós nos tornamos
sociais e que há – parafraseando Parsons – uma mudança no significado do termo coerção. Mas
isso não quer dizer que deixamos de ser “sociais”.

Se “coerção” é concebida como algo puramente externo ela se torna parte das condições para a
ação. Se as ações devem ser analisadas como o encontro da volição subjetiva com as condições
objetivas, então a coerção – concebida como elemento externo – deve ser vista como mais uma
condição objetiva que deve ser levada em conta, da mesma maneira que uma montanha ou
determinada disponibilidade de recursos.

Mas as normas sociais coercitivas deixam de ser externas por meio da Educação. O que acontece,
segundo Parsons, é que:

Os elementos individuais da ação não mais são identificados com o indivíduo


subjetivo concreto, mas este último é equacionado com um composto de diferentes
elementos. Os fins do esquema meios-fins [obs: utilizado para analisar a ação

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individual] não é mais por definição “individual”, mas contém um elemento


“social”. (1949, p. 382)

O resultado é que Durkheim deixa de conceber a conformidade com as normas (ou seja, a
operação dos fatos sociais) como fruto de um desejo de não sofrer as prováveis consequências
externas desse ato.

Durkheim afirma que é “... incontestável que a maioria de nossas ideias e tendências não são
elaboradas por nós, mas nos vêm de fora, conclui-se que não podem penetrar em nós senão através
de uma imposição”.

É digno de nota que Durkheim utiliza a palavra penetrar, há uma transferência de elementos
externos para o interior (superego?) do ator.

Durkheim afirma que, para sentirmos o jugo da sociedade, basta tentarmos violar as normas sociais.
É possível e muitas pessoas violam as normas sociais, mas sempre sofrem as consequências, da
resistência das estruturas sociais (se você é empresário e teima em utilizar técnicas ultrapassadas)
e das outras pessoas (vingança, ostracismo, reprimendas e fofocas etc.)

Uma das maneiras de sentir o jugo das forças sociais são os efeitos que os grupos e massas
exercem sobre a consciência individual. Durkheim afirma:

Mesmo quando há colaboração espontânea de nossa parte, para a emoção comum,


a impressão que ressentimos é inteiramente diferente da que experimentaríamos
se estivéssemos sozinhos. Assim também, quando nos encontramos de novo a sós,
desfeita a reunião de que participávamos, os sentimentos por que acabamos de
passar produzem-nos o efeito de algo de estranho, neles não nos reconhecemos.
Percebemos então que não os produzimos antes muito pelo contrário, os sofremos.
Pode acontecer que venham até a nos causar horror, tanto eram contrários à nossa
natureza. É assim que indivíduos, em geral perfeitamente inofensivos, podem
se deixar arrastar em atos de atrocidade quando reunidos em multidão. (p. 5)

É exatamente isso que Durkheim denomina elementos sui generis, pois eles não estão nas partes
que o compõem, mas são propriedades emergentes das interações.

Saiba mais

No dia 20 de abril de 1997, cinco rapazes de classe média de Brasília atearam fogo no índio pataxó
Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, bairro
nobre da capital Federal.
Fonte: Carolina Jardon, do G1, em Brasília.

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Ao ler sobre a biografia dos cinco garotos que incendiaram e mataram o índio Pataxó, não podemos
deixar de pensar que talvez eles nunca fizessem isso se estivessem sozinhos; que houve certo
“efeito-gangue”, que os tornou capazes de cometer aquela atrocidade. Muito provavelmente
nenhum deles se reconhece no ato que cometeu, e daí o espanto das famílias, que conhecem,
na maior parte das vezes, seus filhos enquanto atores isolados.

Um exemplo óbvio é a violência nos estádios de futebol. Cidadãos pacatos podem se transformar
em pessoas violentas, prontas para massacrar seu oponente. Esses “efeitos-gangue” podem ser
muito importantes para compreendermos certas facetas de movimentos sociais, quais sejam,
aquelas caracterizadas por ações violentas. Pois é muito mais fácil a emergência de violência
e agressividade se o efeito-gangue se faz presente. Evidentemente a pré-condição para um
movimento social e para o efeito-gangue é a multiplicidade dos atores, a convivência grupal.

Durkheim afirma que os fatos sociais são gerais devido à sua obrigatoriedade, ou seja, a relação de
causalidade é inversa. Saímos de uma instância coletiva (“Os fatos sociais são crenças, tendências,
práticas de grupo tomadas coletivamente”) e passamos à incorporação individual (“... quanto às
formas que os estados coletivos revestem ao refratar nos indivíduos, são coisas de outra espécie.”),
e não que fatos individuais são generalizados até se tornarem coletivos.

Para corroborar a sua tese, Durkheim argumenta que a natureza coletiva das determinações
sociais fica evidente nos sentimentos coletivos que “explodem” numa reunião, é a existência de
uma energia especial, cuja fonte é coletiva.

A dualidade dos fatos morais

Fatos morais ou sociais são externos em relação aos indivíduos e, portanto, são estranhos a eles
em alguma medida. No mínimo, são coisas que não foram criadas pela pessoa e, assim, podem
diferir mais ou menos de seu pensamento. Além disso, esses fatos externos e estranhos têm a
capacidade de exercer coerção, isto é, podem se impor aos indivíduos como uma obrigação.

Desse ponto de vista, a sociedade, as regras e a moral aparecem como realidades que constrangem
o indivíduo, que limitam a sua ação e a possibilidade de realização de suas vontades. Viver em
sociedade representaria, assim, um sacrifício ou, no mínimo, um incômodo.

Mas esse é apenas um dos lados dessa questão. Se a sociedade e a moral só tivessem esse lado
negativo e coercitivo, seria muito difícil explicar a existência da ordem social.

É sabido que nenhum grupo ou sociedade pode sobreviver por muito tempo com base apenas
na coerção. Pessoas muito insatisfeitas são capazes de enfrentar qualquer tipo de perigo para
encontrarem uma saída. Basta observar que mesmo nos regimes políticos muito fechados,

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mantidos pela violência, a resistência não deixa de existir e, na maioria das vezes, leva o sistema
à ruína.

Os fatos sociais ou morais não são apenas obrigações desagradáveis que temos que seguir
independentemente de nossa vontade. São também coisas que queremos e necessitamos. Nesse
caso, a coerção deixa de se fazer sentir, transforma-se em respeito. Aquilo que antes era uma
obrigação se transforma em um dever. Algo que poderia ser visto como um sacrifício passa a ser
visto como um prazer.

Isso acontece porque o indivíduo não se realiza fora da sociedade ou do grupo. Só entre outras
pessoas, num meio em que exista ordem e um conjunto de instituições morais reguladoras do
comportamento coletivo, o indivíduo pode encontrar segurança (tanto física como psicológica)
e tranquilidade para levar a sua vida.

Por isso, ou seja, em retribuição a essa segurança, o indivíduo passa a ver a sociedade não como
um conjunto de obrigações estranhas a ele, mas como um conjunto de direitos e deveres que
ele precisa e, acima de tudo, quer respeitar.

A sociedade é nosso cárcere, se dela nós não nos sentimos prisioneiros é porque
a ela nos conformamos.
(DURKHEIM, Émile, 1967, pp. 41-65)

Regras relativas à distinção entre o normal e o patológico

Para Durkheim, a sociedade, como todo organismo vivo, apresenta estados normais e patológicos
(saudáveis e doentes). Émile Durkheim desenvolveu o caráter normal e patológico dos fatos.

Como ele define o que é fenômeno normal?

Normalidade social

Os fenômenos sociológicos são definidos como normais pela:

»» Sua generalidade (comum aos membros de uma sociedade) na “espécie” social a que
pertencem (“são normais suas formas que se repetem em todos os casos observados.”);

»» Sua correspondência às condições de vida social (pois existem fenômenos que persistem
em toda a extensão da espécie, embora não correspondam mais às exigências da situação);

»» Quando se encontra generalizado pela sociedade; é unânime, é consenso social, é


vontade coletiva;

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»» Quando desempenha alguma função importante para a adaptação ou evolução da


sociedade, isto é, é útil à saúde da sociedade.

Assim, é normal o fato que não extrapola os limites dos acontecimentos mais gerais de determinada
sociedade que refletem as condutas mais aceitas pela maior parte da população.

Diante disso, afirma que: assim, uma instituição, uma prática costumeira, uma conduta, uma
regra moral, serão considerados normais ou patológicas conforme se aproximam ou se afastem,
respectivamente, do tipo “médio” da sociedade.

A distinção entre normal e patológico passa pela fuga do mediano. Dessa forma, o que é normal
varia de sociedade para sociedade.

Patologia social

Os fenômenos considerados patológicos variam na proporção inversa daqueles considerados


normais. Assim, patológicos são aqueles fenômenos que se encontram fora dos limites permitidos
pela ordem social e moral vigente. Eles são transitórios e excepcionais, assim como as doenças.

Crime

...os atos qualificados de crime não são os mesmos em toda a parte; mas sempre
e em todo lugar existiram homens que se conduziram de maneira a chamar sobre
si a repressão penal.

Frequentemente consideramos o crime como um fenômeno sociológico patológico da sociedade.

Para Durkheim (1985, pp. 41-65), ele deve ser avaliado como um fato social normal nas espécies
sociais:

1. É encontrado em todas as sociedades de todos os tipos (ou seja, em qualquer sociedade


sempre há uma forma de criminalidade) e em todos os tempos;

2. O crime pode ser entendido como necessário (útil) para uma sociedade, pois se a
consciência coletiva (moral) fosse excessiva, se cristalizaria, e a consciência individual
inovadora não se manifestaria. Desse modo, onde o crime existe é porque os sentimentos
coletivos estão no estado de maleabilidade necessária para tomar nova forma;

3. Representa um fato social que integra as pessoas em torno de uma conduta valorativa,
que pune o comportamento considerado nocivo, que fere a consciência coletiva.

...o crime se liga às condições fundamentais de toda a vida social e, por isso mesmo
tem sua utilidade; pois estas condições de que é solidário, são elas próprias,
indispensáveis à evolução normal da moral e do direito.

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Importante para a evolução e adaptação das instituições sociais cujo papel é moldar e
controlar padrões perduráveis de comportamento.

4. O crime é normal porque seria inteiramente impossível uma sociedade que se mostrasse
isenta dele.

...é impossível que a consciência moral da sociedade seja encontrada por inteiro
em todos os indivíduos e com suficiente vitalidade para impedir qualquer ato
que a ofendesse, fosse esta falta puramente moral ou propriamente um crime.

5. Quando os sentimentos coletivos são fortemente atingidos, algumas ofensas passam


de faltas morais para delitos e crimes.

6. É por essa lógica que ele irá avaliar o castigo imposto, não como forma de acabar com
o crime, mas, sim, para mantê-lo na taxa social “média” (principalmente na sociedade
orgânica).

Anomia

»» Ausência ou desintegração das normas sociais;

»» Estado de anomia gera conflitos e desordens;

»» Seu aparecimento ocorreria quando diversas funções sociais se tornassem muito tênues
ou intermitentes.

Como as sociedades mais complexas são baseadas na diferenciação, é necessário que as tarefas
individuais correspondam a seus desejos e aptidões; como isso nem sempre acontece, os valores
ficam enfraquecidos e a sociedade é ameaçada pela desintegração – essa desintegração que é
resultante da divisão social do trabalho, é solucionada com formas cooperativistas de produção
econômicas, com grupos profissionais, associações de grupos que socializam o indivíduo e
despertam valores comunitários e disciplina moral.

As forças litigantes se desenvolvem sem limites e acabam se chocando umas contra as outras
para se recalcarem e se reduzirem mutuamente.

As paixões humanas só cessam diante de uma potência moral que respeitem. Não
são sancionadas senão pela opinião, não pela lei, e sabe-se quanto a opinião se
mostra indulgente com a maneira pela qual essas vagas obrigações são realizadas.
Os atos mais censuráveis são frequentemente absolvidos pelo sucesso, que o
limite entre o que é proibido e o que é permitido, o que é justo e o que não é,
não tem mais nada fixo.

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Coesão, solidariedade e os dois tipos de consciência

A Solidariedade Social, para Durkheim, é formada pelos laços que ligam os indivíduos, membros
de uma sociedade, uns aos outros, formando a coesão social.

Há dois tipos diferentes de solidariedade social. Esses tipos têm relação com o espaço ocupado
na mentalidade dos membros da sociedade pela consciência coletiva e pela consciência
individual.

A Consciência Coletiva é representada pelo “conjunto das crenças e dos sentimentos comuns
à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado que tem
vida própria”. São as crenças, os costumes, as ideias que todos que vivem em um mesmo grupo
compartilham uns com os outros.

A Consciência Individual é aquilo que é próprio do indivíduo, que o faz diferente dos demais.
São crenças, hábitos, pensamentos, vontades, que não são compartilhados pela coletividade,
mas que são especificamente individuais.

Solidariedade mecânica ou por semelhanças

A consciência coletiva recobre espaços de distintos tamanhos na consciência total das pessoas
de acordo com o tipo de sociedade onde elas vivem. Assim, quanto maior for o espaço ocupado
pela consciência coletiva em relação à consciência total das pessoas em uma sociedade, mais a
coesão, nessa mesma sociedade, origina-se da conformidade e da semelhança existente entre
seus membros. Nesse caso, segundo Durkheim, a ordem social se fundamenta na solidariedade
mecânica.

Isto é, quanto maior a consciência coletiva, mais os indivíduos se parecem uns com os outros
e, portanto, se ligam, se aproximam pelo que têm em comum. Pelo fato de terem os mesmos
pensamentos, os mesmos costumes, acreditarem nas mesmas coisas etc. A coesão, ou solidariedade
resulta das semelhanças.

Solidariedade orgânica ou por diferenças

Quanto menor for o espaço ocupado pela consciência coletiva em relação à consciência total
das pessoas em uma sociedade, ou quanto maior for a área ocupada pela consciência individual,
mais a coesão se fundamenta nas diferenças existentes entre os indivíduos.

Se a consciência individual é maior numa sociedade, os indivíduos são diferentes uns dos outros
e a solidariedade só pode surgir da percepção geral de que cada um, com suas especialidades,

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contribui de uma maneira diferente, e importante, para a sobrevivência do todo, ao mesmo


tempo em que depende dos demais membros, especialistas em outras funções. É essa rede de
funções interdependentes que promove a solidariedade orgânica.

Os indicadores dos tipos de solidariedade

Durkheim não podia visualizar a olho nu qual tipo de solidariedade seria predominante em
uma dada sociedade. A solidariedade, como um fenômeno moral, só seria identificada a partir
de algum indicador que a fizesse visível.

Os tipos de normas do direito indicam, para Durkheim, o tipo de solidariedade que predomina
em uma sociedade.

»» Direito Repressivo: a preocupação principal desse tipo de direito é punir aquele que
não cumpre determinada norma social por meio da imposição de dor, humilhação
ou privação de liberdade. A questão é que o criminoso agride uma regra social
importante para a coletividade e, portanto, merece um castigo de intensidade
equivalente a seu erro.

Assim, quanto mais o Direito tende a essa forma repressiva (Direito Penal), mais forte e
abrangente é a consciência coletiva em uma sociedade. É assim porque todo erro que é punido
repressivamente representa uma agressão contra a sociedade como um todo e não contra uma
parte dela apenas.

»» Direito Restitutivo: a preocupação principal nesse tipo de direito é fazer com que as
situações perturbadas sejam restabelecidas e retornem a seu estado original. Ao infrator
cabe, simplesmente, reparar o dano causado.

Isso acontece porque o dano causado não afeta a sociedade como um todo, mas apenas uma
função específica desempenhada nela. Quanto maior é a participação do direito restitutivo em
uma sociedade, menor é a força e a abrangência da consciência coletiva, maior é a diferenciação
individual.

Portanto, ao identificar o tipo de direito que predomina em uma sociedade, estamos identificando
o tipo de solidariedade existente. Predomina o direito repressivo, uma maior quantidade
de normas é mantida pela consciência coletiva (solidariedade mecânica). Se predomina o
direito restitutivo, uma menor quantidade de normas diz respeito à sociedade como um todo
(solidariedade orgânica).

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Teoria da história

(EVOLUÇÃO DAS SOCIEDADES ou evolução das formas de solidariedade entre os homens)

IDEia CENTRAL: a substância (conteúdo, cimento, matéria, base) da sociedade é


a solidariedade (relações de harmonia, consenso, integração social, articulação
funcional de todos elementos da realidade social).

Princípio da integração entre indivíduos e grupos no interior da sociedade.

SOCIEDADE INDUSTRIAL
SOCIEDADE SEGMENTAR
MODERNA

SOLIDARIEDADE MECÂNCIA SOLIDARIEDADE ORGÂNICA

Divisão social do trabalho

» A ordem social é mantida Por meio de um processo de » O indivíduo nessas


porque há uma divisão adensamento (por contato sociedades já é mais
social do trabalho social, por crescimento independente em relação
baseada em critérios ao grupo; existem maiores
tradicionais tamanho da sociedade, variações individuais.
aparecem novas funções,
» Neste caso a » Neste caso o que
novas tarefas sociais; A
autoridade da tradição mantém a ordem é
medida que as sociedades
é a autoridade da uma interdependência
se avolumam, a consciência
consciência coletiva, funcional, ou seja, há
comum passa de concreta
porque é no legado de uma maior divisão
para abstrata, permitindo um
gerações anteriores que social do trabalho,
afrouxamento da vigilância
ela existe, se cria e se criam-se diferentes
coletiva.
modifica lentamente; funções decorrentes das
necessidades do sistema
» Ou seja, a consciência
produtivo;
coletiva esmaga a
consciência individual, » Cada indivíduo (ou
o indivíduo é o que o Instituição social, como
grupo social lhe permite unidades do organismo)
ser cumpre seu papel social
» Os indivíduos estão » Quanto maior for a divisão,
integrados pela maior será a dependência
identidade (similitude ou da função desempenhada
semelhança) pelo outro.

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Sintetizando

Émile Durkheim
»» Criador da Escola Sociológica francesa, Durkheim inaugura o uso da estatística em Sociologia. Acreditava que
métodos científicos deveriam ser aplicados no estudo da sociedade:

»» É preciso delinear com certeza os fatos que podem e devem ser objeto de estudo da Sociologia.

»» Não se confundem com fenômenos orgânicos, pois consistem em representações e ações coletivas, nem com os
fenômenos psíquicos que têm por substrato o indivíduo.

»» Crenças, tendências, práticas do grupo tomadas coletivamente é que constituem os fatos sociais.

»» Fatos sociais são maneiras de agir, pensar e sentir exteriores aos indivíduos, dotados de um poder de coerção que
são imperativos.

»» Para Durkheim, a solidariedade social é formada pelos laços que ligam os indivíduos, membros de uma sociedade,
uns aos outros formando a coesão social. São dois os tipos de solidariedade para este autor: solidariedade
mecânica e solidariedade orgânica.

»» São dois os tipos de consciências na Sociologia de Durkheim: a consciência coletiva define-se pelo conjunto
de crenças, costumes e ideias que todos que vivem em um mesmo grupo compartilham uns com os outros. A
consciência individual é aquilo que é próprio do indivíduo, que o faz diferente dos demais.

Saiba mais

Karl Marx (1818-1883)


Karl Heinrich Marx nasceu em Trèves, ao sul da Prússia; foi o segundo de oito filhos do advogado
Hirschel Marx e de sua esposa, a holandesa Henriette Pressburg. Seu avô paterno era um rabino
judeu, porém, Hirschel, por temer as consequências das leis antissemitas promulgadas pelo rei da
Prússia, converteu-se ao protestantismo quando Karl ainda era criança. A mãe de Marx também
descendia de rabinos judeus, mas em momento algum de sua vida interessou-se em exercer
influência doutrinária sobre o filho. Os pais de Karl constituíam um casal harmonioso, o que
parece ter contribuído de forma substancial para a formação de sua personalidade.

Originalidade e importância da obra de Karl Marx

Marx foi um grande homem e um gênio, quer da Filosofia, quer da Sociologia, quer da Economia
Política, e isso poucos ousam questionar. Não podendo abarcar todo o alcance e extensão da obra
de Marx, que é um dos pais da Sociologia e presença obrigatória em diversos cursos acadêmicos,
podemos começar dizendo que o pensamento de Marx é, fundamentalmente, uma tentativa de
compreensão da sociedade capitalista.

Marx se dedicou a analisar as contradições existentes no capitalismo, resultantes da distância


imensa e do desequilíbrio entre os que detêm os instrumentos para a produção, como máquinas

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AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

e equipamentos vários, e a terra (meios de produção) e os que nada têm a não ser sua força de
trabalho (os assalariados, empregados e operários), constituindo duas classes básicas e cada
vez mais polarizadas.

O conflito humano resultante das desigualdades econômicas intrínsecas a essas duas classes
são, para Marx, o ponto-chave das sociedades industriais modernas, juntamente com o modo,
a forma ideológica de manipular as ideias para que o grande povo não perceba o vínculo entre
poder econômico e poder político e sua influência na qualidade de vida de todos (alienação
política e cultural).

A história de toda a sociedade humana, até nossos dias, é a história do conflito


entre classes. Entre o homem livre e o escravo, patrício e plebeu, barão e servo,
mestre de ofício e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos se
encontram sempre em conflito, ora disfarçada, ora abertamente, e que termina
sempre por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou então
pela ruína das diversas classes em luta.
(KARL, 1848)

Portanto, para Marx, o que vemos constantemente na história humana é uma luta entre setores
opostos, classes antagônicas, que, em seu processo de interação, buscam uma solução para as
tensões econômicas resultantes de suas diferenças. E a sociedade atual capitalista, a sociedade
da globalização econômica, não é diferente, ou é até ainda mais explicitamente antagônica do
que a de outros tempos.

Charges do livro Marx, manual de instruções, de Daniel Bensaïd e Charb.

Segundo Catani (1992), a abordagem que Marx faz do capitalismo é a-histórica, pois o “... capitalismo
é definido como um determinado modo de produção de mercadorias, gerado historicamente desde
o início da idade moderna e que encontrou plenitude no processo de desenvolvimento inglês, ao
qual se chamou revolução industrial”.

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As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

A proposta Marxista
Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que
importa é transformá-lo.
(MARX, 1987)

A partir de uma discussão com Hegel, Marx pôde expor uma de suas teses fundamentais. Hegel
dizia que a razão-abstrata (as ideias) é autogeradora e, além disso, geradora dos homens. Marx
rebate, defendendo a tese de que é o mundo concreto e, portanto, as pessoas em seu processo
real de vida que determinam a superestrutura ideológica; esta nada mais é do que o reflexo das
relações que se processam na base econômica.

Sobre Hegel e a filosofia alemã, afirmava:

(...) Hegel completou o idealismo positivo. Para ele, não apenas todo o mundo
material tinha se transformado num mundo dos pensamentos e toda a história
numa história dos pensamentos. Ele não se limita a registrar as coisas do
pensamento, mas procura também expor o ato de produção (...)

Todos os críticos filosóficos alemães afirmam que os homens reais têm sido até
aqui dominados e determinados por ideias, representações e conceitos, que o
mundo real é um produto do mundo ideal. Isso, que tem acontecido até o presente
instante, deve, entretanto, modificar-se (...)

No sistema de Hegel, as ideias, os pensamentos e os conceitos produzem,


determinam, dominam a vida real dos homens, seu mundo material, suas relações
reais. Seus rebeldes discípulos tomam-lhe isso de empréstimo.
(MARX, 1987)

Para Marx as ideias são criadas pelos homens e não existem independente deles. Logo, a
superestrutura, enquanto sistema articulado de ideias que vem a constituir a consciência coletiva,
também não existe independente dos homens e estes se definem pelo modo que se inserem na
produção.

Assim, o desenvolvimento da superestrutura ideológica não se dá de forma autônoma, mas,


ao contrário, está condicionada ao desenvolvimento das forças produtivas e das relações de
produção. “O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparecem aqui ainda
como fluxo direto do seu comportamento material.” (KARL, 1848)

Nesse sentido são os homens realmente ativos, condicionados pelo modo de produção de sua
vida material, que produzem suas representações e ideias. Essas não se modificam ou evoluem
por si mesmas, mas, sim, em consequência de transformações que ocorrem na base material,
que mudam a realidade e, gradativamente, também mudam o pensamento e os produtos do
pensamento.

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AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

ESQUEMA ANALÍTICO – ESTRUTURA SOCIAL

Daí resulta a concepção materialista da História, não mais como uma coleção de fatos mortos
ou como uma ação imaginada de sujeitos imaginados, trata-se, agora, de uma história real,
resultante do estudo do processo real da vida e da ação dos indivíduos em cada época determinada.

Podemos, assim, apontar alguns tópicos centrais da teoria marxista:

»» A partir do modo de produção é possível identificar as diferenças históricas e as relações


sociais presentes em cada época determinada;

»» Não é a consciência que determina a vida material, mas a vida material que determina
a consciência;

»» Na história, podemos distinguir pelo menos cinco grandes modos de produção: primitivo;
o regime asiático; escravatura; servidão (feudal) e a capitalista;

Vejamos alguns conceitos elaborados por Marx a fim de explicar a sociedade capitalista.

O estado: um coletivo ilusório

Para chegarmos a esta concepção de Estado, é preciso, antes de tudo, compreendermos o seguinte
processo:

Saiba mais

A divisão do trabalho é iniciada com a apropriação dos bens de produção por determinada classe e não por outra.
A divisão do trabalho acarreta, também, a divisão desigual dos produtos do trabalho; com isso, é inevitável o
aparecimento de interesses antagônicos e, consequentemente, a luta de classes.

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As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

Nesse sentido, é simplesmente impossível que em uma sociedade de classes existam interesses
que possam ser considerados coletivos. “A história dos homens tem sido a história da luta de
classes” (Marx, K. O 18 de brumário de Luís Bonaparte.) O que realmente pode existir (e existe)
são interesses específicos da classe dominante passados à população como interesses de toda
a coletividade.

É nesse momento que se pode perceber o papel desempenhado pelo Estado enquanto mediador
das tensões sociais e, acima de tudo, enquanto elemento que expressa as relações de dominação
(dominantes x dominados), à medida que encarna um suposto interesse coletivo, na realidade,
ditado pela classe dominante.

O Estado nada mais faz do que transformar o particular em coletivo por duas vias: ideológica
e repressiva. Coletivo este que nunca existirá realmente, sendo, portanto uma mera ilusão
alimentada por diversos interesses, dadas as condições anteriormente explicitadas.

Saiba mais

O estado e a sociedade
»» O Estado não está descolado da sociedade;

»» O Estado é produto das contradições inerentes à própria sociedade;

»» O Estado é a expressão essencial das relações de produção específicas do capitalismo;

»» O monopólio do aparelho estatal, diretamente ou por meio de grupos interpostos, é a condição básica do exercício
da dominação;

»» O poder político é, na verdade, o poder organizado de uma classe para a opressão das outras.

Práxis

Para Marx, práxis seria a “atividade livre, universal, criativa e autocriativa, por meio da qual
o cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico e a si mesmo”
(BOTTOMORE, 1979).

A práxis é um conceito central no pensamento de Marx. A práxis não se confunde com a prática.
A práxis é a união da interpretação da realidade (teoria – conhecimento científico) à prática
(realização efetiva, atividade), em outras palavras, é a ação consciente do sujeito na transformação
de si mesmo e do mundo que o cerca;

Para Marx:

a doutrina materialista sobre a alteração das circunstâncias e da educação esquece


que as circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador

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AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

deve ser educado. Ela deve, por isso, separar a sociedade em duas partes – uma
das quais é colocada acima da sociedade. A coincidência da modificação das
circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode se
apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária.
(MARX, 1987)

...Não se trata, como na concepção idealista da história, de procurar uma categoria


em cada período, mas sim de permanecer sempre sobre o solo da história real; não
de explicar a práxis a partir da ideia, mas de explicar as formações ideológicas a
partir da práxis material; chegando-se, por conseguinte, ao resultado de que todas
as formas e todos os produtos da consciência não podem ser dissolvidos por força
da crítica espiritual, pela dissolução na ‘autoconsciência’ ou pela transformação
em ‘fantasmas’, ‘espectros’, ‘visões’ etc. - mas só podem ser dissolvidos pela
derrocada prática das relações reais de onde emanam estas tapeações idealistas.
(MARX, 1987)

Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência
idealista.
(MARX, 1987)

Dialética

O que é Dialética?

Dialética é o modo de pensarmos as contradições da realidade, de pensarmos as diferenças


sociais e, consequentemente, a transformação permanente da realidade – a realidade dialética.

Princípios básicos da dialética: tudo se relaciona; tudo se transforma; mudanças qualitativas;


luta dos contrários – tudo cíclico:

A aplicação das teses fundamentais do materialismo dialético à realidade social deu origem à
concepção materialista da história. Segundo essa concepção, o entendimento da realidade da vida
só é possível à medida que conhecemos o modo de produção da sociedade – modo de produção é
aqui entendido como a maneira pela qual os homens obtêm seus meios de existência material. É
pelo modo de produção que conhecemos uma sociedade em sua especificidade histórica e social.

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As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

História
O que distingue as diversas épocas econômicas não é o que produzem, mas sim
como produzem, com que instrumentos o fazem. Os instrumentos de trabalho
não são apenas o marco indicador do desenvolvimento da força de trabalho do
homem; são também o expoente das condições sociais em que trabalha. E, entre
os instrumentos de trabalho, os instrumentos mecânicos, cujo conjunto forma
o que podemos denominar sistema ósseo e muscular da produção, apresentam
as características essenciais de uma época social de produção de um modo
muito mais definido que os instrumentos que se limitam a servir de receptáculos
aos objetos de trabalho e aos quais em conjunto poderíamos designar, de um
modo bastante genérico, como sistema vascular de produção, isto é os tubos,
os barris, as canastras, os jarros, etc. A indústria química é a única na qual estes
instrumentos adquirem uma importância considerável.
(MARX, 1959)

Ideologia
As ideias da classe dominante são as ideias dominantes em cada época; em outros
termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo
tempo, seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os
meios para a produção material dispõe com isso, ao mesmo tempo, dos meios
de produção espiritual, o que faz com que submetam a si, no tempo devido, em
termos médios, as ideias dos que carecem dos meios necessários para produzir
espiritualmente. As ideias dominantes não são outra coisa que a expressão ideal
das relações materiais dominantes, as mesmas relações materiais dominantes
concebidas como ideias; portanto, as relações que fazem de uma determinada
classe a classe dominante são também aquelas de conferem o papel dominante
às suas ideias (...)

Com efeito, cada nova classe que passa a ocupar o posto da que dominou antes
dela se vê obrigada, para poder levar adiante as finalidades que persegue, a
apresentar seu próprio interesse comum de todos os membros da sociedade, ou
seja, expressando isso em termos ideais, a imprimir às suas ideias a forma geral, a
apresentar suas ideias como as únicas racionais e dotadas de vigência absoluta (...)
(MARX; ENGELS, 1970)

Marx e a escola

Karl Marx, mesmo sem se aprofundar ou escrever uma obra específica sobre educação, abordou
este tema. Segundo ele, como as condições materiais determinam a consciência do indivíduo,
seria necessário modificá-las para alterarmos a escola burguesa. Entramos, aí, em uma situação
dialética em relação à escola. A sociedade precisa ser modificada para alterar a escola. Mas,
sem alterar a escola, a sociedade não pode ser modificada. Ademais, a escola que é designada

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AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

aos pobres é a escola técnica. Alienadora, incompleta, ensinando à criança não a produção por
inteiro, desenvolvendo, dessa maneira, todo o seu potencial, mas apenas uma parte dela. Agindo
assim, como a mola propulsora da diferenciação social e da determinação das classes sociais.

A divisão do trabalho aprisiona os operários a um determinado ramo da indústria


e que muitos indivíduos “são arruinados pela falta de mobilidade causada pela
divisão do trabalho” [..] sua concepção do ensino tecnológico “teórico e prático”
é capacidade de se trabalhar com o cérebro e as mãos, porque isto corresponde
a uma plenitude do desenvolvimento humano.
(MARX; ENGELS, 1978)

Para modificar tal situação seria mister modificar o modo de construção do conhecimento da
criança. O trabalho infantil seria unicamente a semente da transformação individual. A criança
trabalharia apenas o suficiente para compreender a realidade da produção, mas o foco seria,
então, a escola transformadora socialista.

E vossa educação, não é ela também determinada pela sociedade? Não é


determinada pelas relações sociais nas quais educais nossos filhos, pela ingerência
mais ou menos direta ou indireta da sociedade através das escolas, etc.?
(MARX; ENGELS, 1978)

Marx, àquela época, tinha uma visão que ainda é hoje revolucionária. Importante lembrar que
no momento em que nosso autor vive, as crianças trabalhavam nas fábricas como se fossem
adultas. Marx estipula que não mais do que duas horas seriam necessárias para ensinarmos à
criança aquilo que ela deveria aprender no trabalho. Vemos aqui algo de surpreendente. O trabalho
infantil seria “um dos mais poderosos meios de transformação da sociedade” pelo reconhecimento
das condições materiais dadas – do seu tempo.

Sugestão de estudo

MARX, Karl.

Glosse

Marginali al Programma del Partito Operaio Tedesco. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, Il Partito e L’Internazionale;
p. 244. In: MANACORDA, 2000, p. 93.

Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do trabalho das


crianças nas fábricas em sua forma atual. Combinação da educação com a
produção material, etc.
(MARX, p. 244, in: MANACORDA, 2000, p. 93)

Perceba que ocorre aqui uma diferenciação do conceito de criança. Se no século XXI cabe à criança
apenas o mundo da diversão, do prazer, do consumo, em suma, o mundo lúdico; no mundo
socialista a igualdade entre os homens romperia a questão temporal de adulto e criança. Não

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As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

haveria um momento da vida sem responsabilidade social, um momento de formação teórica


apenas. Mas, sim, uma interação entre a teoria ensinada nas escolas e a prática do cotidiano da
sociedade industrializada. O processo de criação do ser ultrapassa a separação burguesa entre
mundo de adulto e mundo infantil.

O filósofo Lois Althusser fascinou os jovens da década de 1960 e imprimiu unidade


à reflexão marxista, cujas bases teóricas consolidou. Nascido em Biermandreis,
Argélia, em 1918. Ingressou no Partido Comunista Francês em 1948. Na Escola
Normal Superior, de Paris, formou uma equipe de grande importância para a
discussão de seu pensamento. Entre suas obras temos Pour Marx (1965; Em
defesa de Marx); Lire le Capital (1964-1965; Leitura do Capital), Lénine et la
philosophie (1969) e finalmente o clássico, Ideologia e Aparelhos ideológicos
do Estado, de 1970.
(MARX; ENGELS)

Existe, na concepção marxista, a noção de que o Estado é um aparelho desenvolvido para garantir
as relações de produção capitalista. Sua divisão entre infraestrutura e superestrutura é, para
tanto, fundamental. Ainda dentro dessa clássica concepção marxista, o Estado, quando se faz
valer, utiliza-se de seus aparelhos repressivos – polícia, exército etc. Louis Althusser argumenta que
nem só do aparelho repressivo vive o Estado. Ele precisa de outros mecanismos que garantam a
criação de valores, ideias ou a ideologia capitalista de aceitação quanto a condição de submissão
à lógica capitalista; da divisão social do trabalho e da divisão de classes. Dessa forma, existem,
na verdade, dois aparelhos fundamentais no Estado: os Aparelhos Repressivos do Estado (ARE)
e os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). É exatamente nesse último elemento que entra a
escola, objeto de nosso estudo.

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AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

Althusser afirma que ao longo do desenvolvimento do sistema capitalista, outras instituições


foram criadas ou passaram a substituir as antigas instituições feudais. Na visão do nosso autor, a
escola foi a grande novidade do sistema capitalista na divulgação de sua ideologia. Se no mundo
feudal tínhamos o par Igreja-Família, hoje em dia temos Escola-Família.

Certamente muitas destas Virtudes (modéstia, resignação, submissão de uma


parte, cinismo, desprezo, segurança, altivez, grandeza, o falar bem, habilidade)
se aprendem também nas Famílias, na Igreja, no Exército, nos Belos Livros, nos
filmes, e mesmo nos estádios. Porém nenhum aparelho ideológico do Estado
dispõe durante tantos anos da audiência obrigatória (e por menos que isso
signifique gratuita...), 5 a 6 dias num total de 7, numa média de 8 horas por dia,
da totalidade das crianças da formação social capitalista.
(ALTHUSSER, 2003)

A escola, assim, é um locus privilegiado, pois as crianças estão ali no momento de maior fragilidade,
já que não possuem capacidade crítica ou opinião própria. São obrigadas a se adequarem às
regras institucionais, aos seus professores – que muitas vezes não percebem qual é o seu papel
dentro dessa instituição. Assim, os anos de estudo de uma criança significam anos que a sociedade
possui para inculcar determinada ideologia sobre ela. A escola não se caracteriza, como citado
anteriormente, de uma violência física – como polícia ou exército, mas sua violência é sutil,
dissimulada ou simbólica. Esse recurso garante a eficiência daquilo que se quer ensinar, modela
os alunos a sua maneira.

Assim, temos uma situação semelhante à figura anterior, só que agora o grande produtor da ação
é o professor. Vejamos, então, o ciclo completo da ação do Estado sobre os indivíduos.

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As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

Saiba mais

Pierre Félix Bourdieu (França, 1930-2002), sociólogo francês. De origem campesina, filósofo de
formação, foi docente na École de Sociologie du Collège de France. Desenvolveu, ao longo de sua
vida, diversos trabalhos abordando a questão da dominação e é um dos autores mais lidos, em todo
o mundo, nos campos da Antropologia e Sociologia, cuja contribuição alcança as mais variadas áreas
do conhecimento humano, discutindo em sua obra temas como educação, cultura, literatura, arte,
mídia, lingüística e política. Também escreveu muito sobre a Sociologia da Sociologia.
Fonte: http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/.

Pierre Bourdieu segue essa linha de raciocínio ao publicar, anos depois, o livro A Reprodução.
Nele argumenta que o processo educacional é uma violência simbólica no indivíduo. Essa
violência ocorre, pois o indivíduo é coagido de várias maneiras a reproduzir determinado
comportamento de classe, isto é, a classe à qual pertence. Assim, toda forma de educar é arbitrária
“na medida em que a estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de nenhum
princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de
relação interna à natureza das coisas ou a uma natureza humana” (BOURDIEU, 1974). A cada ser
socializado significa que determinada maneira de pensar, agir ou falar, foi imposta pela família,
escola ou meio de comunicação. Na verdade, essas várias formas agem em conjunto, cada qual
inculcando, ou tentando inculcar, um pouco de si no indivíduo. Vejamos um pouco da teoria
para ficar mais claro.

Sugestão de estudo

BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio
de Janeiro: Francisco Alves. 1974.

A teoria começa supondo que violência simbólica significa que determinada forma de pensar
pode ser inculcada em um indivíduo. O agente que possui essa força é o agente capaz de exercer
a violência simbólica. Há Instituições-Estado, escola, família etc., capazes de inculcar sua
violência simbólica em um indivíduo. Assim, se pensarmos no todo da estrutura social, vemos
que o Estado pode ser a primeira instância da violência simbólica, pois ele é capaz de criar leis
que imponham determinada forma de pensar e agir e, ainda, pode criar leis que legitimem suas
proposições. As instituições que obedecem ao Estado, de uma forma ou de outra, acabam não
só por inculcar como por legitimar essas determinações. Esse domínio não deve ser explícito e,
às vezes, nem quem o exerce percebe sua força de imposição. Assim, o homem social é o homem
em quem foi inculcada uma forma de pensar que pode ser da classe dominante ou não. Há uma
vantagem da classe dominante em termos de domínio do poder, pois, ao controlar o Estado, pode
usá-lo como instrumento de imposição de suas ideias, valores, moral etc., e, em muitos casos,
excluindo por meio de concurso e de artifícios relativos ao capital cultural educacional. Ou seja,
apenas os indivíduos que sejam capazes de articular as palavras, ideias de determinada maneira
serão capazes de ter acesso a determinado cargo social. Esse concurso que visivelmente não tem

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AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

preferência social, no fundo esconde as determinações de classe que pela origem do indivíduo
acabam por limitar sua vida profissional a algo pré-condicionado, reproduzindo, assim, sua classe.

Apesar de mostrar uma perversidade social, quando pensamos em termos de classes sociais,
Bourdieu explicita no prefácio de seu texto que esse mecanismo não é uma ação consciente de todos
os agentes sociais; muitos são levados a reproduzi-lo. Apenas alguns possuem plena consciência
do seu papel na sociedade. Outro ponto que merece destaque, que é uma consequência desse
primeiro, é que um grupo qualquer que seja ele, produz violência simbólica. Não importa, assim,
a ideologia para reproduzir esse fenômeno. Se alguém, ou alguma instituição desejar renunciar
ao papel de inculcador, estará se autoaniquilando, pois não existe a possibilidade de se produzir
a vida social sem que o substrato social se imponha ao indivíduo. Aquele que diz não o fazer, na
verdade, não tem consciência de sua ação social.

Algumas correntes teóricas, como veremos a seguir, consideram a escola como um microcosmo
da sociedade onde as crianças são socializadas, ou seja, aprendem os valores morais da sociedade
e a se comportar como um membro dela. Para Marx, o papel principal da escola é a manutenção
do status quo. O aluno recebe a educação adequada à sua situação de classe. Assim, teríamos
diferentes tipos de escola para diferentes tipos de pessoas. A escola seria membro fundamental da
imposição das classes sociais. Isso significa que o indivíduo que passa por determinada escola terá
o seu destino traçado por ela. Ao receber uma forma de informação, ele estaria automaticamente
adentrando em uma classe posta. Daí a necessidade de transformação da escola.

Saiba mais

Louis Althusser (Birmandreis, Argélia, 16 de outubro de 1918 – Paris, 22 de outubro de 1990) foi um
filósofo francês de origem argelina. Diversas posições teóricas de Althusser permaneceram muito
influentes na filosofia marxista. O ensaio Sur le jeune Marx, constante de Pour Marx, faz uso de um
termo do filósofo da ciência, Gaston Bachelard, ao propor uma “corte epistemológico” entre os
escritos do jovem Marx, inspirados em Hegel e Feuerbach, e seus textos posteriores, propriamente
marxistas.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Louis_Althusser

Bourdieu e Althusser seguem uma linha bem próxima de análise da escola. Para eles, a escola seria
um agente que busca reproduzir as situações de classe. O fato mais marcante dessa análise é o
papel do professor, pois ele é um agente do Estado, mesmo contra a sua vontade. Essa capacidade
de Estado de inculcar às crianças determinada forma de pensamento e de comportamento
social exterioriza o fato de que somente uma alteração no grupo dominante possa fazer uma
mudança social. Entretanto, cabe a observação de que as forças inculcadoras não são únicas e
não convivem sem conflito. Essas disputas ocorrem entre as instituições do Estado e até entre
os membros de uma mesma sociedade.

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As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

Nesse sentido, emerge, por um lado, a função política do Estado de manter o controle social,
e, por outro, a questão da função política da escola de manutenção de um sistema social dado.

Faz-se necessário salientar, nessa relação Estado-Escola, a importância da escola como elemento
integrador da vida social. É pela escola que o indivíduo, para o bem ou para o mal, adquire
determinada formação social. Aprende valores e normas morais, uma profissão e a se socializar
com outros indivíduos. Caso ele não passasse por esse processo, seria um marginal, não
seria apto à vida social. Ademais, com seu conhecimento adquirido, torna-se agente ativo das
transformações que são vividas pela sociedade. Pode ajudar a fazê-las ou não. Não é apenas um
ser que observa a vida passar. Dessa forma, o Estado e a Educação são elementos centrais na
aquisição de cidadania pelo indivíduo.

Sintetizando

Karl Marx
»» Para Marx, não basta interpretar o mundo, é preciso transformá-lo → instaura-se, assim, o tribunal da Práxis.

»» Partindo dessa visão, Marx estabelece o conceito de dialética materialista: no conceito marxista, o termo
materialismo refere-se à teoria filosófica preocupada em destacar a importância dos seres objetivos (os homens)
como elementos constitutivos da realidade do mundo.

»» Função política do Estado de manter o controle social, e, por outro, a questão da função política da escola de
manutenção de um sistema social dado.

»» Relação Estado-Escola: a importância da escola como elemento integrador da vida social. É pela escola que o
indivíduo, para o bem ou para o mal, adquire determinada formação social. Aprende valores e normas morais.

»» Formulação marxista identifica o Estado como um coletivo ilusório. O Estado, nessa visão, transforma o particular
em geral.

Max Weber (1864-1930)

Sociólogo alemão, Max Weber nasceu em Erfurt, Turíngia, em 21 de abril de


1864 e morreu e Munique a 14 de junho de 1930.

Weber estudou Direito nas universidades de Heidelberg, Göttingen e Berlim,


adquirindo competência profissional em História, Economia e Filosofia. Em
1893, iniciou, em Berlim, sua carreira universitária como docente de Economia
Política. No ano seguinte, foi nomeado professor de Economia na Universidade de Freiburg im
Breisgau; em 1895, professor catedrático em Heidelberg.

Influenciado na mocidade pelo filósofo Wilhelm Dilthey, manteve, depois, contato permanente
com Alfred Weber (seu irmão), com o historiador Eberhard Gotheim, com o filósofo Wilhelm
Windelband, com o historiador literário Friedrich Gundolf, com Werner Sombart, Ferdinand

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AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

Tönn ies, Robert Michels, Georg Simmel e Georg Lukács. Três gerações da elite intelectual alemã
participavam das reuniões em casa de Max e Marianne Weber, em Heidelberg.

Da multiplicidade desses contatos nasceu o grande trabalho Die Protestantisch Ethik um der
Gesit des Kapitalismus (“A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”). Seus trabalhos, nessa
época, têm, muitas vezes, veemente tendência política: combateu o latifúndio na Alemanha
oriental dos Junkers, predizendo-lhes catástrofe parecida com a do império romano; também
combateu a burocracia prussiana e o semiabsolutismo do imperador Guilherme II. Durante
a guerra de 1914/1918, fez apaixonada oposição jornalística ao governo imperial, citando as
advertências dos profetas do Velho Testamento.

Saiba mais

Die Protestantisch Ethik um der Gesit des Kapitalismus:


Primeiro exemplo de um estudo interdisciplinar; no caso, de uma síntese de pesquisas de História Econômica e de
História da Religião. Esse trabalho, que é até hoje a obra mais famosa de Weber, saiu entre 1904 e 1905 no Archiv für
Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Arquivo de Sociologia e de Política Social), revista cuja direção tinha assumido,
junto com Sombart, em 1903.

Posição teórica

A sociologia compreensiva de Max Weber

Segundo Weber, a Sociedade não pode ser vista como uma realidade material independente dos
indivíduos. Ao negar essa tese positivista, Weber procura compreender a sociedade como um
agregado de indivíduos que possuem suas motivações próprias. Ao mesmo tempo, o estatuto de
realidade objetiva é mudado para uma concepção menos determinista de sociedade, segundo
a qual a realidade é um fenômeno compósito; por isso, o cientista não conhece a sociedade de
antemão, nem consegue abarcá-la totalmente.

Para compreender a sociedade, é preciso entender as redes de significações estabelecidas pelos


indivíduos em suas ações e relações sociais. Para criar uma imagem, ao passo que Durkheim
via a sociedade como uma coisa, Weber a compreendia como um conjunto de ações parciais
que precariamente se totalizavam. Assim, somente podemos compreender pequenos “pedaços”
dessa realidade. Como cada indivíduo tem sua própria visão parcial do mundo, há um conflito
permanente entre os indivíduos que compõem a sociedade. Por isso Weber propõe a reconstrução
do sentido subjetivo original da ação e o reconhecimento da parcialidade da visão do observador.

Portanto, o objeto da Sociologia, para Weber, é o sentido da ação social, que deve ser buscado
pela apreensão da totalidade de significados e valores atribuídos pelos indivíduos. Nesse sentido,

72
As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

ele procura mostrar que não há apenas uma causa dos fenômenos sociais; por meio da ideia
de “adequação de sentido”, Weber mostra a convergência da ação em duas ou mais esferas que
compõem o todo social (a economia, a política, a religiosa etc.), ou seja, a ação social é determinada
por mais de uma causa, tendo cada causa importância variada sobre determinada ação.

Weber, preocupado com o valor que cada indivíduo atribui à sua ação, procurou elaborar uma
tipologia para compreender as características particulares, definindo quatro tipos de ação:

Tipos de ação social


»» Ação Afetiva

É aquela ditada pelo estado de consciência ou humor do sujeito, é definida por uma
reação emocional do ator em determinadas circunstâncias e não em relação a um
objetivo ou a um sistema de valor, por exemplo, a mãe quando bate em seu filho por se
comportar mal.

»» Ação Tradicional

É aquela ditada pelos hábitos, costumes, crenças transformadas numa segunda natureza,
para agir conforme a tradição. O ator não precisa conceber um objeto, ou um valor nem
ser impelido por uma emoção, obedece a reflexos adquiridos pela prática.

Tanto a ação afetiva quanto a tradicional produzem relação entre pessoas (relações
pessoais), são coletivas, comunitárias, nos dão noção de comunhão e conceito de
comunidade.

»» Ação Racional com Relação a um Valor

É aquela definida pela crença consciente no valor – interpretável como ético, estético,
religioso ou qualquer outra forma – absoluto de determinada conduta. O ator age
racionalmente aceitando todos os riscos, não para obter um resultado exterior, mas para
permanecer fiel a sua honra, qual seja, a sua crença consciente no valor. O que importa
é a própria ação.

Exemplo: um capitão que afunda com o seu navio.

»» Ação Racional com Relação a Fins

É determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior


como de outros homens e utiliza essas expectativas como condições ou meios para
alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos. É uma ação concreta
que tem um fim específico, pautada por cálculos e previsibilidade. O que importa é
alcançar os objetivos.

Exemplo: Empresa capitalista

73
AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

O método weberiano

Weber chamou seu método de construção de tipos ideais. Partindo da ação social, categoria
construída como unidade analítica básica, constrói unidades lógicas mais abrangentes, sempre
apontando tipologias similares, implícita ou explicitamente, em cada unidade. Mostra que a ação
social é mutuamente referida por significados comuns e compõe o conceito de relação social,
tratando, a seguir, do conceito de associação. Nas associações, destaca o caráter ordenado, um
contexto organizado que serve como referência para os agentes individuais dele participantes.
De modo análogo à ação social, as associações desempenham atividades sociais orientadas no
sentido dos fins determinados pela ordem em que têm existência.

Refinando o conceito de ordem, elabora mais dois outros com ele relacionados: o de validez
e o de legitimidade, com vistas a demonstrar o caráter de dominação de todas as associações
humanas. Desse modo, explicita uma tipologia de autoridade, sua mais divulgada contribuição
para a Sociologia e a Ciência Política.

Weber considera que uma progressiva tendência à racionalização se constitui no princípio mais
geral da transformação social. Tal tendência se expressa em uma reorganização dos significados
internalizados nos agentes sociais, permitindo a implantação de ordens sucessivas. Desse modo, a
realidade histórica é pontilhada de descontinuidades. Nessa perspectiva, a história apresenta ciclos
totais, interrompidos por movimentos de caráter excepcional, chamado por ele de carismáticos.
Em torno de uma oscilação entre o cotidiano e o extracotidiano – a rotina e o carisma –, compõe
um padrão de transformação multilinear, conforme demonstra a vinculação sistemática de todos
os seus estudos sobre a religião e sobre a burocratização que chega a substituí-la.

O método em Ciências Sociais, isto é, nas disciplinas que aspiram a conhecer os fenômenos da
vida segundo a sua significação cultural, possui uma peculiaridade decisiva, não podendo ser
reduzido ao estabelecimento de leis gerais.

O método weberiano funda-se em:

»» Regressão causal histórica – produção do nexo causal (RCH);

»» Partir do que é específico em cada cultura para o que é geral, e deduzir daí o que é
significativo do ponto de vista científico;

»» Tornar inteligível a causa e a natureza dessa significação – explicação histórica, formulação


conceitos historicamente comunicáveis – universais e compreensíveis culturalmente –
noção de legitimidade científica;

»» Avaliação das constelações de fenômenos sociais possíveis no futuro – prognósticos;

»» O tipo ideal: no que se refere à investigação, o conceito de tipo ideal propõe-se a formar
o juízo de atribuição, não é uma hipótese, mas pretende apontar o caminho para a

74
As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

formação de hipótese. Embora não constitua uma exposição da realidade, pretende


conferir a ela meios expressivos unívocos.

Originalidade
Sua contribuição transcende escolas e correntes de pensamento filosófico e social porque a
singularidade de suas ideias não permite identificação com as existentes em sua época. Todos
os que tentam interpretá-lo fora de suas premissas esbarram em equívocos paradoxais. Como
político, usava o partido liberal para combater o kaiser; ao negar Marx, concede-lhe a dignidade que
nenhum outro membro da elite intelectual alemã lhe quis dar; como ateu, valoriza extremamente
o papel das crenças religiosas; como nominalista, pratica a construção sistemática de conceitos
científicos para a Sociologia; como racionalista, teoriza sobre tipos de ação emocional, concedendo
papel importante a esta tanto quanto às ações racionais; como herdeiro de hegelianismo, nega
o absoluto e utiliza a dialética de modo autônomo.

utros traços apresentados em sua contribuição não são suficientes para defini-lo de modo claro.
Muitas vezes, sua teoria é vista como subjetivista, quando sua posição quanto à objetividade é
claramente manifesta. Outras vezes á chamado de psicologista, quando suas opiniões a respeito
das descobertas de Freud são muito cépticas. No entanto, sua teoria oferece importante paralelo
entre a Sociologia e a Psicologia, como respeito ao fato de a ação de um ego estar referida a um
alter, conforme mostra Talcott Parsons, ao associá-lo a Freud.

Como empiricista, Weber é historicista confesso. Defendendo basicamente a posição de construir


uma razão sociológica autônoma, cuja teoria e método apresentassem eficácia na interpretação
de fenômenos sociais, Weber conseguiu, por meio dela, questionar não só as ideias preconcebidas
a respeito do mundo, como a própria filosofia de seu tempo.

Como filósofo, Weber foi político e, como político, foi cientista. Mas não teve filosofia sistemática:
seu espírito era filosófico. A empresa intelectual de Weber, antes de tudo, foi surpreender a
sociedade tal como é pensada pelos agentes individuais, e acompanhar a maneira como seus
significados mentalizados se modificavam no tempo. Realizou seu empreendimento, criando
uma crítica da razão sociológica.

Contribuições teóricas

Relação social
Uma conduta plural (de vários), reciprocamente orientada, dotada de conteúdo significativos
que descansam na probabilidade de que se agirá socialmente de certo modo, constitui o que
Weber denomina de relação social. Podemos dizer que relação social é a probabilidade de que
uma forma determinada de conduta social tenha, em algum momento, seu sentido partilhado
pelos diversos agentes numa sociedade qualquer.

75
AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

Quando, ao agir, cada um de dois ou mais indivíduos orienta sua conduta levando em conta
a probabilidade de que o outro ou os outros agirão socialmente de modo que corresponde às
expectativas do primeiro agente, estamos diante de uma relação social. Como exemplo de relação
social, as trocas comerciais, a concorrência econômica, as relações políticas.

Estratificação social
A concepção de sociedade construída por Weber implica uma separação de esferas – como a
econômica, a religiosa, a política, a jurídica, a social, a cultural – cada uma delas com lógicas
particulares de funcionamento.

Partindo, portanto, do princípio geral de que só as consciências individuais são capazes de dar
sentido à ação social e que tal sentido pode ser partilhado por uma multiplicidade de indivíduos,
Weber estabeleceu conceitos referentes ao plano coletivo – a) classes; b) estamentos ou grupos de
status, e c) partidos – que nos permitem entender os mecanismos diferenciados de distribuição
de poder, o qual pode assumir a forma de riqueza, de distinção ou do próprio poder político,
num sentido estrito.

As classes se organizam segundo as relações de produção e aquisição de bens; os estamentos,


segundo princípios de seu consumo de bens nas diversas formas específicas de sua maneira de
viver; as castas seriam, por fim, aqueles grupos de status fechados cujos privilégios e distinções
estão desigualmente garantidos por meio de leis, convenções e rituais.

Enfim, as diferenças que correspondem, no interior da ordem econômica, às classes e, no da ordem


social ou da distribuição da honra, aos estamentos, geram na esfera do poder social os partidos,
cuja ação é tipicamente racional: buscar influir sobre a direção que toma uma associação ou uma
comunidade. O partido é uma organização que luta especificamente pelo domínio, embora só
adquira caráter político se puder lançar mão da coação física ou de sua ameaça.

Poder e dominação
O conceito de poder é amorfo já que significa a probabilidade de impor a própria vontade dentro
de uma relação social, mesmo contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa
probabilidade.

Dominação é a probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo a certo mandato.

Poder + Legitimidade = Dominação.

Tipos puros de dominação legítima


»» Dominação legal: obedece-se não à pessoa em virtude de seu direito próprio, mas à regra
estatuída, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida deve obedecer.
Seu tipo mais puro é a burocracia.

76
As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

»» Dominação tradicional: se estabelece em virtude da crença na santidade das ordenações


e dos poderes senhoriais de há muito existentes. Seu tipo mais puro é o da dominação
patriarcal.

»» Dominação carismática: dá-se em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a


seus dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente: a faculdades mágicas, revelações
ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória. Seu tipo mais puro é a dominação do
profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo.

Desencantamento do mundo

A humanidade partiu de um universo habitado pelo sagrado, pelo mágico, excepcional e chegou a
um mundo racionalizado, material, manipulado pela técnica e pela ciência. O mundo de deuses e
mitos foi despovoado, sua magia substituída pelo conhecimento científico e pelo desenvolvimento
de formas de organização racionais e burocratizadas.

Ética protestante e espírito do capitalismo

O trabalho torna-se um valor em si mesmo, e o operário ou capitalista puritano passa a viver em


função de sua atividade ou negócio e só assim tem a sensação da tarefa cumprida. O puritanismo
condenava o ócio, o luxo, a perda de tempo, a preguiça.

Para estarem seguros quanto à sua salvação, ricos e pobres deveriam trabalhar sem descanso,
o dia todo em favor do que lhes foi destinado pela vontade de Deus, e glorificá-lo por meio de
suas atividades produtivas.

A essa dedicação verdadeiramente religiosa ao trabalho, Weber chamou de vocação. Essa ética
teve consequências marcantes sobre a vida econômica e, ao combinar a restrição do consumo
com essa liberação da procura da riqueza, é obvio o resultado que daí decorre: a acumulação
capitalista por meio da compulsão ascética da poupança. Mas esse foi apenas um impulso inicial.
A partir dele o capitalismo libertou-se do abrigo de um espírito religioso.

Saiba mais

OBRAS PRINCIPAIS DE WEBER

a. Die Protestantisch Ethik um der Gesit des Kapitalismus (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo), 1904;

b. Politik als Beruf (A Política como Missão), 1919;

c. Gesammelte politische Schriften (Escritos Políticos Reunidos), 1921;

d. Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade), 4 volumes, 1922.

77
AULA 4 • As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional

Estado

O Estado é um instrumento de dominação do homem pelo homem, para ele só o Estado pode
fazer uso da força da violência, e essa violência é legítima (monopólio do uso legítimo da força
física), pois se apóia num conjunto de normas (Constituição).

Sintetizando

Max Weber

O Método

O método em Ciências Sociais, isto é, nas disciplinas que aspiram a conhecer os fenômenos da vida segundo a sua
significação cultural, possui uma peculiaridade decisiva, não podendo ser reduzido ao estabelecimento de leis gerais.

A Objetividade do Conhecimento

Como é possível, apesar da existência dos valores, alcançar a objetividade nas Ciências Sociais?

É preciso distinguir entre os julgamentos de valor e o saber empírico. Os valores devem ser incorporados
conscientemente à pesquisa e controlados por meio de procedimentos rigorosos de análise, caracterizados como
esquemas de explicação condicional.

Os Tipos Ideais

Um conceito típico-ideal é um modelo simplificado do real, elaborado com base em traços considerados essenciais
para a determinação da causalidade, segundo os critérios de quem pretende explicar um fenômeno.

O tipo ideal é utilizado como instrumento para conduzir o autor numa realidade complexa.

Ação Social

Toda conduta humana dotada de um significado subjetivo (sentido) dado por quem a executa e que orienta essa
ação.

A explicação sociológica busca compreender e interpretar o sentido da ação social, não se propondo a julgar a
validez de tais atos nem a compreender o agente enquanto pessoa. Compreender uma ação é captar e interpretar
sua conexão de sentido, somente a ação com sentido pode ser compreendida pela Sociologia. Em suma: ação
compreensível e ação com sentido.

78
As Matrizes do Pensamento Sociológico e as Diferentes Análises do Fenômeno Educacional • AULA 4

Saiba mais

Sociologia vai ao cinema


Para relações com a teoria marxista veja:

Ilha das flores

Ficha Técnica

Direção: Jorge Furtado

Roteiro: Jorge Furtado

Produtor: Mônica Schmiedt, Giba Assis Brasil e Nôra Gulart

Ano: 1989

Gênero: Documentário, Curta-metragem


Duração: 90’

Para relações com a teoria Durkheimiana

Filme de 1982

Pink Floyd The Wall é um filme produzido em 1982 pelo diretor britânico Alan Parker,
baseado no álbum The Wall, da banda Pink Floyd.

Data de lançamento: 14 de julho de 1982 (Reino Unido)

Direção: Alan Parker

Adaptação de: The Wall

Música composta por: Roger Waters, David Gilmour, Bob Ezrin

Canções originais: Another Brick in the Wall, Comfortably Numb

Filme: “V” de Vingança

Especificações Técnicas: Mídia: DVD, Ano de produção: 2006, Duração: 132 min., Estúdio:
Warner Bros. / Silver Pictures / Anarchos Productions Inc. / Virtual Studios.

Possibilidades de trabalho: O filme é ambientado em uma Inglaterra do futuro e fundamentado


nos conteúdos estruturantes “Poder, política e ideologia”.

79
Aula
Diferença, Exclusão Social e
Desigualdade Social 5
Apresentação

Na aula anterior vimos algumas abordagens que enfatizam a questão da estrutura social e sua
relação com o fenômeno educacional. Salientamos, sobretudo, a visão marxista da relação entre
Estado e Educação, fonte de inspiração de muitos estudiosos sobre a Educação.

Nesta aula, vislumbraremos algumas das principais contribuições da Sociologia na análise do


conceito de raça e desigualdade social. Abordaremos, ainda, os processos históricos e sociais
que possibilitaram o surgimento da segregação e discriminação social da população negra no
Brasil contemporaneamente.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

»» Compreender os conceitos de raça e etnia.

»» Analisar os processos históricos que contribuíram para construção da segregação da


população negra no Brasil.

»» Construir uma visão crítica sobre a realidade brasileira no que diz respeito à população
não branca.

»» Compreender os conceitos de desigualdade, diferença e exclusão social.

»» Compreender o espaço da escola como um dos principais núcleos de socialização e


formação de identidade social e étnica.

»» Relacionar o espaço da escola como lócus privilegiado da formação da identidade


étnica-cultural.

80
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social • AULA 5

Raça e etnia

A discussão em torno do tema raça e etnia é um dos debates mais constantes na sociedade
contemporânea. Sobretudo porque essa questão está no cerne dos conflitos que o mundo vem
atravessando, seja por causa das guerras entre os povos, os constantes conflitos étnicos, por
exemplo, no Oriente Médio, seja por causa da exclusão social pela qual alguns grupos raciais
passam em diversos países, aqui no Brasil, negros e índios; nos EUA; os latinos dentre outros.

Contudo, esses conceitos precisam ser bem compreendidos antes de adentrarmos nas principais
pautas de discussão relacionadas a esse tema.

Saiba mais

Para aprofundamento de estudo leia o livro Raça e História (no original em francês, Race et histoire)
é um ensaio de Antropologia, escrito pelo antropólogo, etnólogo e filósofo francês Claude Lévi-
Strauss, publicado em 1952 na França, pela Unesco.

O conceito de raça está intimamente relacionado com o âmbito biológico, as diferenças de


características físicas que fazem daquele grupo social um grupo particular. Pode-se compreender
melhor o que se quer dizer quando se fala de raça quando se atenta para as questões de cor de
pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial, ancestralidade e genética. O conceito de Etnia
está relacionado ao âmbito da cultura, os modos de viver, costumes, afinidades linguísticas de
determinado povo criam as condições de pertencimento naquela determinada etnia. As questões
étnicas podem ser mais bem compreendidas a partir dos inúmeros exemplos que enchem a
televisão de manchetes, como os eternos conflitos entre grupos étnicos no oriente médio que
vivem em disputa política por territórios ou por questões religiosas.

Porém, esses conceitos não são suficientes para que se possa compreender a realidade dos
grupos sociais que sofrem com essas questões. Como afirmou Octavio Ianni (1988), “a questão
racial parece um desafio do presente, mas tem sido permanente. Transforma-se ao acaso das
situações, das formas de sociabilidade, dos interesses políticos, sociais e econômicos, mas reitera-
se continuamente, modificada, mas persistente”. Nesse sentido, a questão racial revela, de forma
particularmente evidente, um jogo de forças sociais que compreende identidade e alteridade,
diversidade e desigualdade, cooperação e hierarquização, dominação e subjugação.

Ainda segundo Ianni (1985), “em perspectiva ampla, a história do mundo moderno é também a
história da questão racial, um dos dilemas da modernidade”. A questão racial revela-se um desafio
permanente, ao lado de outros dilemas, também fundamentais, como as guerras religiosas, as

81
AULA 5 • Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social

desigualdades masculino-feminino, o contraponto natureza e sociedade e as contradições de


classes sociais. Todos, indivíduos e coletividades, cientistas sociais, filósofos, artistas somos
clamados, com frequência, a viver situações e/ou interpretá-las, sem alcançar a explicação, nem
resolver a situação. São muitas, recorrentes e diferentes, as tensões e contradições polarizadas em
termos de preconceitos, xenofobias, etnicismos, segregacionismos ou racismos, multiplicadas
ou reiteradas no curso dos anos, décadas e séculos, em diferentes lugares do planeta.

Conceituando

Preconceito

É um julgamento prévio negativo sobre uma pessoa, um grupo, uma cultura etc. Quem age com
preconceito costuma estar fundamentado em estereótipos negativos, indicando desconhecimento
ou ausência de informações suficientes a respeito de quem está sendo julgado. O preconceito
pode levar à discriminação.

Discriminação

A palavra vem do latim discriminis, que significa separar. É o nome que se dá ao ato de restringir
certos indivíduos de oportunidades ou privilégios que estão disponíveis para outros indivíduos.
Discriminar é, portanto, atuar de forma a fazer uma distinção de certas pessoas, podendo levá-
las à exclusão ou à marginalização.

Segregação

É uma ação política, pautada em leis ou normas, que tem como objetivo manter a distância, em
espaços próprios que lhes são reservados, determinados indivíduos ou grupos considerados
indesejados ou inferiores. Para isso, são estabelecidas fronteiras espaciais ou sociais, que aumentam
as desvantagens entre grupos discriminados. Essa prática é baseada na ideia de superioridade
étnica, de gênero, de nacionalidade etc. Podemos citar como exemplos de práticas segregacionistas
o regime do Apartheid, na África do Sul; o regime de segregação racial, nos Estados Unidos, e o
Nazismo, na Alemanha.

Agora que já firmamos a base conceitual, fica mais evidente como o preconceito pode ser
bastante perigoso para os indivíduos e para a sociedade? Ele é transmitido muitas vezes sem que
percebamos e tende a misturar-se ao contexto cultural, de modo que fica mais difícil de superá-
lo. Desse modo, o preconceito pode levar à discriminação e à segregação de outros indivíduos.

Ainda percebemos a persistência de preconceitos relacionados a diversos aspectos, como aqueles


ligados à orientação sexual, à etnia, à classe, ao gênero etc.

82
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social • AULA 5

Preconceito racial

O preconceito racial, também chamado racismo, é uma violação aos direitos humanos. Desde o
tempo da escravidão, o domínio de brancos sobre negros tem escrito uma história de violência
e desigualdade. Mas esse processo não aconteceu apenas no Brasil. O preconceito racial é uma
forma de exclusão comum no mundo todo.

Tal fenômeno, cujas origens são complexas, ocorre com maior ou menor intensidade em todas
as etnias, em todos os países e continentes, e suas origens são muito complexas. Quando o Japão,
por exemplo, conseguiu, na primeira metade do século XX, um desenvolvimento econômico
comparável ao da Europa, surgiu no seio do povo japonês uma ideologia racista muito semelhante
à que justificava o colonialismo europeu.

Saiba mais

Raízes do racismo contemporâneo

»» O estudo científico das raças: que serviu como fundamento de uma


visão pseudocientífica do comportamento humano explica­do pela etnia.

»» Um dos estudiosos mais conhecidos das teorias racistas foi


Joseph Arthur de Gobineau. O autor populariza, em seu livro Ensaio sobre a
desigualdade das raças humanas, a ideia de que a humanidade seria dividida
em várias raças distintas, sendo, por isso, passíveis de serem separadas de modo
hierárquico. O maior problema, segundo a teoria de Gobineau, relacionava-se à
mistura entre as raças, o que provocaria a degenerescência delas. A partir daí, as tentativas de fomentar discursos
científicos para os preconceitos raciais foram se tornando cada vez mais evidentes, levando, por exemplo, aos
estudos biométricos.

»» A exaltação do nacionalismo: ideo­logia que romantiza e deforma o ideal de nação – potencializada pela Primeira
Guerra Mundial e suas consequências, notadamente os revanchismos que marcaram os trata­dos entre vencedores
e vencidos após o conflito, visto que o peso “humilhante” dos tratados, tidos como impagáveis pelos vencidos,
teriam estimulado tal exaltação;

»» O misticismo irracionalista: que contaminou a visão política das massas populares após 1918. Com efeito, ao
contrário da ilusão liberal-iluminista de que os povos – enquanto partícipes da política – levariam à vitória a
democracia, ocorreu, isto sim, a militarização da ação política, acompanhada pelo fanatismo nacionalista que ge­
rou soluções totalitárias como o fascismo e o comunismo soviético.

O nacionalismo e o imperialismo (a expansão neocolonialista do sécu­lo XIX e da primeira metade do XX)


contribuíram para a difusão dos ide­ais racistas. O Ocidente precisava justificar, em termos de superiorida­de racial,
o controle de áreas coloni­ais na Ásia e na África: o homem branco, “graças a sua superioridade cultural e racial”,
tinha como fardo a “missão civilizadora”. Os ocidentais teriam de pagar o preço de suas excelências e virtudes
raciais, levando “cultura e civiliza­ção” aos negros, amarelos e mestiços, “povos vulgares e sensuais”, pouco dotados
de racionalidade, das áreas periféricas do planeta. Vem daí um pouco a visão de que nos trópicos poderia residir o
“paraí­so perdido”, em função da ingenui­dade dos nativos, das atitudes de não constrangimento pela nudez, das suas
relações aparentemente infantis, pois fundamentadas na confiança. (Ver http://www.cienciaecultura.ufba.br/)

83
AULA 5 • Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social

A questão racial no Brasil

No Brasil, a história de seus conflitos e problemas envolveu bem mais do que a formação de
classes sociais distintas por sua condição material. Nas origens da sociedade colonial, o nosso
país ficou marcado pela questão do racismo e, especificamente, pela exclusão dos negros. Mais
que uma simples herança de nosso passado essa problemática racial ainda toca o nosso dia a
dia de diferentes formas.

Para uma primeira reflexão leia a letra da música Saiba mais


exposta a seguir:
“Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”
Composição: Marcelo Yuka (O Rappa)
A letra da música de Marcelo Yuka expõe a Tudo começou quando a gente conversava
construção de uma relação direta entre indivíduos naquela esquina ali
de frente àquela praça
da cor negra e criminalidade. Por que será que o
“Veio” os homens
autor percebe tal associação? e nos pararam:
documento, por favor.
Vamos refletir... Então a gente apresentou,
mas não paravam:
A sociedade brasileira caracteriza-se por uma Qual é negão? Qual é negão?

pluralidade étnica, sendo esta produto de um o que que tá pegando?


qual é negão? Qual é negão?
processo histórico que inseriu num mesmo
É mole de ver
cenário três grupos distintos: portugueses, índios e que em qualquer dura
negros de origem africana. Esse contato favoreceu o tempo passa mais lento pro negão.
Quem segurava com força a chibata
o intercurso dessas culturas, levando à construção
agora usa farda,
de um país inegavelmente miscigenado, engatilha a macaca,
multifacetado, ou seja, uma “unicidade” marcada escolhe sempre o primeiro
negro pra passar na revista,
por conflitos e antagonismos.
pra passar na revista.
todo camburão tem um pouco de navio negreiro
Apesar do intercurso cultural descrito, esse todo camburão tem um pouco de navio negreiro
contato desencadeou alguns desencontros. As é mole de ver
diferenças se acentuaram, levando à formação de que para o negro
mesmo a AIDS possui hierarquia
uma hierarquia de classes que deixava evidentes a
Na África a doença corre solta
distância e o prestígio social entre colonizadores e a imprensa mundial
e colonos. Os índios e, em especial, os negros dispensa poucas linhas
comparado, comparado
permaneceram em situação de desigualdade
ao que faz com qualquer
situando-se na marginalidade e exclusão social, figurinha do cinema
sendo esta última compreendida por uma relação comparado, comparado
ao que faz com qualquer
assimétrica em dimensões múltiplas – econômica,
figurinha do cinema
política, cultural. Sem a assistência devida dos ou das colunas sociais
órgãos responsáveis, os sujeitos tornam-se alijados todo camburão tem um pouco de navio negreiro
todo camburão tem um pouco de navio negreiro.
do exercício da cidadania.

84
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social • AULA 5

Esse acontecimento inicial parece ter, de algum modo, subsistido, contribuindo para o quadro
situacional do negro. O seu cotidiano coloca-o frente à vivência de circunstâncias como
preconceito, descrédito, marginalização, evidenciando a sua difícil inclusão social.

Essa manifestação de desigualdade de poderes e direitos não possui uma origem natural, como
defendido por muitos teóricos no passado (Refiro-me à elaboração no século XIX de teorias
que pregavam diferenças inatas e permanentes entre bancos e não brancos. Essas elaborações
influenciaram de modo marcante a compreensão das Ciências Sociais sobre a questão racial.
Essa prática, que utiliza critérios de raça para segregar, humilhar, discriminar, foi denominada
racismo), mas partiu de uma construção social sem base objetiva decorrente de representações
ideológicas que englobam crenças e valores de um grupo dominante que busca manter a ordem
social ou o ideal do ethos branco. Seu objetivo é sustentar as relações assimétricas e monopolizar
as ideias e ações de determinado grupo, mantendo-o preso e dominado por esses conceitos,
falseando a realidade, ocultando contradições reais, construindo no plano imaginário um discurso
aparentemente coerente e a favor da unidade social. Parece haver interesse na transmissão de uma
ideologia inferiorizadora, que objetiva dominar, dividir, eliminar, desculturalizar, embranquecer,
perpetuando mitos e estereótipos negativos referentes à população negra.

A condição acima citada parece estar resumida em uma afirmação enfática do sociólogo Berger
(1991): “A dignidade humana é uma questão de permissão social”. A princípio, ela nos causa
certo impacto, mas, ao analisarmos as consequências do preconceito racial, percebemos que
se encontra coerente com a afirmação citada, pois o preconceito inviabiliza o reconhecimento
da dignidade do sujeito, comprometendo a sua inclusão social.

85
AULA 5 • Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social

Esse estado de não permissão social concretiza-se quando percebemos a falta


de pertença, uma invisibilidade na participação dos negros no poder político
e uma limitada inserção na sociedade. Os negros se veem descartados dos
principais centros de decisão política e econômica, sofrendo desvantagens no
processo competitivo e em sua mobilização social e individual. Isso significa
“simbolicamente” um corte de poder e uma exclusão social, levando à alienação
e à depreciação da identidade pessoal e étnica (D’ADESKY, 2001).

O preconceito afeta não apenas o destino externo das vítimas, mas a sua própria consciência, já
que o sujeito passa a se ver refletido na imagem preconceituosa apresentada. Muitos negros são
induzidos a acreditar que sua condição inferior é decorrente de suas características pessoais,
deixando de perceber os fatores externos, isto é, assumem a discriminação exercida pelo grupo
dominante. Nesse momento, surge a idealização do mundo branco e a desvalorização do negro,
construindo-se a seguinte associação: o que é branco é bonito e certo, o que é negro é feio e errado.

O preconceito racial cria uma ação perversa que desencadeia estímulos dolorosos e retira
do sujeito toda possibilidade de reconhecimento e mérito, levando-o a utilizar mecanismos
defensivos das mais diversas ordens, contra a identidade ou o pensamento persecutório que o
despersonaliza e o enlouquece. Nessa perspectiva, é fortalecida a ideia de dominação de grupos
que se julgam mais adiantados, legitimando os desequilíbrios e desintegrando a dignidade dos
grupos dominados.

Essas elaborações preconceituosas parecem estar, assim, a serviço de um grupo dominante que
objetiva manter sob coerção grupos considerados subordinados. A sua forma de consolidação e
constante atualização ocorre nos espaços microssociais, representados pelas diversas instituições,
como escola, família, igreja, meios de comunicação. A sua forma de manifestação, em geral, é
feita de modo sutil, com toda a legitimação social no que se refere aos métodos e à garantia da
sua consequente eficácia.

86
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social • AULA 5

Enfrentar a segregação social e a discriminação racial deve ser um combate sistemático do Estado,
da sociedade civil, de cada um de nós e de todas as instituições públicas e privadas comprometidas
com a igualdade de oportunidade e de direitos, com a equidade e a democracia, ao combate do
racismo e seus efeitos. A pessoa não precisa viver a situação de ser discriminada para defender essa
causa, mas deve buscar compreender o mal que uma sociedade faz a si própria quando fecha os
olhos para a segregação e a exclusão de determinado grupo ou pessoas e as consequências para
a humanidade, daí a ação prática depende da vontade política de buscar alternativas possíveis,
inteligentes e viáveis a partir do lugar onde nós estejamos.

Exclusão, diferenças e desigualdades sociais

Você certamente já ouviu falar em exclusão, desigualdade e diferença.

Mas o que essas palavras significam?

É muito comum confundirmos conceitos estruturantes do tema das iniquidades sociais – exclusão,
desigualdade e diferenças sociais. Daí a necessidade de clarearmos um pouco mais o que tais
termos significam. Vejamos:

Desigualdade Social

A desigualdade social é um dos principais desafios do mundo atual e sua concepção perpassa
por várias esferas da composição das sociedades.

A desigualdade social é o fenômeno em que ocorre a diferenciação entre pessoas no contexto


de uma mesma sociedade, colocando alguns indivíduos em condições estruturalmente mais
vantajosas do que outros. Ela se manifesta em todos os aspectos: cultura, cotidiano, política,
espaço geográfico e muitos outros, mas é no plano econômico a sua face mais conhecida, em que
boa parte da população não dispõe de renda suficiente para gozar de mínimas condições de vida.

87
AULA 5 • Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social

A desigualdade, seja ela social, econômica ou sob qualquer outra forma, materializa-se no espaço
social, ou seja, torna-se visível na composição estrutural das sociedades, sejam elas rurais ou
urbanas. As cidades e os lugares expressam a diferenciação econômica entre as pessoas, que é
resultante, muitas vezes, de questões históricas que submetem cidadãos e até grupos étnicos a
contextos de subalternidade. Um exemplo foi o processo de escravidão que até hoje deixa suas
marcas no sentido de manter a maior parte da população negra com baixos níveis de renda e
educação.

Exclusão social

Obra de Candido Portinari, Os retirantes

O conceito de exclusão social está mais próximo, como oposição, do de coesão social ou, como
sinal de ruptura, do de vínculo social.

A condição de excluído lhe é imputada do exterior, pura e simplesmente, sem que para isso ele
tenha praticado qualquer ação ou mesmo tenha contribuído direta ou indiretamente para o
processo.

A exclusão social pode ocorrer como resultado de uma rede de rupturas dos vínculos sociais, sejam
eles econômicos, familiares, afetivos, religiosos ou trabalhistas. O termo exclusão pressupõe um
não reconhecimento como igual, seja de um indivíduo, seja de um grupo.

Na Europa, por exemplo, uma de suas manifestações pode ser representada pela forte xenofobia
que se abate, sobretudo, sobre os imigrantes africanos e árabes; já no mundo árabe são bastante
difundidas as exclusões de grupos étnicos ou religiosos, às vezes dentro do mesmo país. Ainda
hoje temos viva a lembrança dos ataques violentos ocorridos na Grã Bretanha entre irlandeses
e ingleses, por conta de uma fortíssima exclusão religiosa.

88
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social • AULA 5

Diferenças Sociais

Todas as culturas produzem realidades distintas, mas em todas elas existe um conjunto de
práticas regulares, que se repetem ao longo do tempo. Na medida em que essas práticas se
reproduzem, acabam criando o que chamamos de padrões culturais. Conforme esses padrões
vão sendo passados de geração em geração, tendemos a naturalizar os tipos de comportamento,
de vestimentas, de linguagem etc., que estão associados a eles. Sendo assim, quando nos
deparamos com outros costumes, a tendência é pensar no que é diferente não a partir daquilo
que o torna distinto, mas, sim, pelo que o distancia daquilo que nosso grupo social considera
como “normal”, “puro”, “certo” etc.

Na concepção antropológica a diferença faz descobrir o outro, enriquece, aumenta o potencial


de partilha e favorece a complementaridade. Entretanto, muitos são os casos em que a diferença
resulta em processo de desigualdade social. A diferença de gênero, por exemplo, não pode
justificar as desigualdades sociais, econômicas e até políticas que ainda hoje marcam a relação
entre homens e mulheres.

Em outras palavras, quando a diferença entre os indivíduos, em quaisquer dimensões, de


gênero, econômica, religiosa, política e tantas outras justifica práticas de exclusão, preconceito
ou segregação social instaura-se a desigualdade.

Considerando tal conceituação, podemos verificar que esses termos, embora guardem uma
estreita conexão entre si, são muito distintos. Por exemplo, em todas as sociedades verifica-se a
existência de grupos sociais diferentes, mas não necessariamente tais grupos sofrem desigualdade
social. Infelizmente, essa não é uma realidade corrente.

Desigualdade econômica

O conceito de desigualdade social é um guarda-chuva que compreende diversos tipos de


desigualdades, desde desigualdade de oportunidade, resultado etc., até desigualdade de
escolaridade, de renda, de gênero etc. De modo geral, a desigualdade econômica – a mais conhecida
– é chamada imprecisamente de desigualdade social, dada pela distribuição desigual de renda.
As desigualdades econômicas representam um dos principais veículos da desigualdade social e
acontecem não só entre pessoas, mas como podemos ver entre países. Essa desigualdade é um
dos maiores problemas da sociedade e é uma das causas de boa parte dos conflitos entre povos.

89
AULA 5 • Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social

A intensificação desse processo tende a agravar ainda mais os problemas socioeconômicos das
pessoas menos favorecidas.

Desigualdade de gênero

Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/coisa-menino-coisa-menina

Uma das principais causas de desigualdade social é a discriminação de gêneros. A discriminação


sexual é estruturada nas distinções sociais e culturais entre homens e mulheres que convertem as
diferenças sexuais biológicas em hierarquias de poder, status e renda. Também pode ser definido
como a divisão de tarefas, posto de trabalho e profissões com base no feminino e masculino.
Essa prática, que era comum na sociedade, começou a ser questionada apenas recentemente.

As consequências dessa desigualdade é que as mulheres ganham menos que os homens, ou


homens a menos do que as mulheres (fazendo o mesmo trabalho, com o mesmo grau de ensino
e mesmos horários).

A sociedade salarial não é uma sociedade de igualdade, há uma grande diferença entre o
rendimento gerado pelo homem em comparação à mulher e até mesmo o acesso aos bens sociais,
por exemplo, acesso à educação e cultura.

A ênfase na desigualdade de gênero nasce do aprofundamento da divisão em papéis atribuídos a


homens e mulheres, particularmente nas esferas econômica, política e educacional. As mulheres
estão sub-representadas em atividades políticas e tomada de decisão na maioria dos estados.

Desigualdade Racial

Conforme já vimos, a desigualdade racial é o resultado de distinções sociais hierárquicas entre


grupos étnicos dentro de uma sociedade e, muitas vezes, estabelecida com base em características
como a cor da pele e outras características físicas ou origem e cultura de um indivíduo. O tratamento
desigual e de oportunidades entre os grupos raciais é geralmente o resultado de alguns grupos
étnicos, considerados superiores a outros.

90
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social • AULA 5

Essa desigualdade pode se manifestar por meio de práticas de contratação discriminatórias em


locais de trabalho; em alguns casos, os empregadores têm demonstrado preferir a contratação
de funcionários em potencial com base na percepção étnica dado o nome de um candidato –
mesmo que todos tenham currículos apresentando qualificações idênticas.

Parte desses tipos de práticas discriminatórias resultam de estereótipos, que é quando as pessoas
fazem suposições sobre as tendências e características de determinados grupos sociais, muitas
vezes incluindo grupos étnicos, normalmente enraizadas em suposições sobre a biologia,
capacidades cognitivas, ou mesmo falhas morais inerentes.

Essas atribuições negativas são, então, divulgadas na da sociedade por diferentes meios, incluindo
a televisão, jornais e internet, os quais desempenham papel na promoção de preconceitos de
raça e, assim, marginalizando grupos de pessoas. Infelizmente, isto, juntamente com a xenofobia
e outras formas de discriminação, continua a ocorrer nas sociedades contemporaneamente.
(Fonte: http://www.mundoeducacao.com/geografia/desigualdade-social.)

Você notou como o tema da desigualdade social é fundamental para compreendermos a dinâmica
da vida social no tocante às diferenças entre os indivíduos e grupos no interior de uma sociedade?
Primeiramente, a desigualdade pode ser definida, de maneira simples, como a condição na qual
os membros de uma sociedade possuem bens ou propriedade, prestígio e poder. As desigualdades
também podem ocorrer em função das diferenças de gênero, raça, idade, afiliação religiosa,
dentre outras. A consequência está no acesso diferenciado (desigual) dos indivíduos e grupos
à educação, aos postos mais qualificados de trabalho, às melhores remunerações, à saúde, à
participação política, aos bens de consumo, à justiça etc.

Qual a origem das desigualdades, como superá-las e, ainda mais importante, quais os mecanismos
de reprodução que permitem sua manutenção e a continuidade? Essas são questões que
desafiam a promessa burguesa de igualdade, liberdade e fraternidade, considerados os pilares
da equidade e da justiça na sociedade moderna. Somos todos iguais ou somos todos iguais em
nossas diferenças?

Aceitando e respeitando o outro

A diferença não se relaciona necessariamente com a ética, pois uma pessoa pode ser diferente
da outra e não ser desigual. Diversidade também não representa a mesma coisa que diferença
ou desigualdade. O princípio da diversidade consiste em admitir que as pessoas podem ser
iguais e, ainda, ter atitudes e práticas diferentes. Por exemplo, no seu grupo de amigos existem
pessoas que gostam de se vestir de formas distintas, o que as torna diferentes, mas não desiguais
entre si.

91
AULA 5 • Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social

»» O desafio seria pelo respeito à alteridade.

»» Você sabe em que consiste esse respeito?

Basicamente, é a tentativa de se respeitar o outro, ou seja, aceitar nossos diferentes como iguais.
É a possibilidade de invertermos a lógica de funcionamento de atitudes que servem para tornar
legítima a desigualdade.

Quando esquecemos preceitos básicos para vida em sociedade, agimos sem perceber o outro
em sua individualidade.

Essas atitudes estão presentes em pequenos atos e frases que reproduzimos e não paramos para
interpretar. Como exemplo, podemos citar: “os índios são uns selvagens”.

Diante desse estado de miséria, exclusão, apartação, diferença e falta de perspectiva de muitos
indivíduos ao redor do mundo, você certamente já ouviu a frase: “o mundo não tem jeito...”

Mas saiba que existem muitas pessoas preocupadas com a condição em que nos encontramos
atualmente. Organizadas em diversas entidades, procuram, por meio do seu trabalho, alternativas
para que as sociedades possam se tornar territórios de iguais, onde as diferenças sejam respeitadas,
e a exclusão, superada.

Sintetizando

Vimos até agora:

»» O conceito de raça está intimamente relacionado com o âmbito biológico, as diferenças de características físicas
que fazem daquele grupo social um grupo particular.

»» O conceito de etnia está relacionado ao âmbito da cultura, os modos de viver, costumes, afinidades linguísticas de
determinado povo criam as condições de pertencimento em determinada etnia.

»» A sociedade brasileira caracteriza-se por uma pluralidade étnica, sendo esta produto de um processo histórico
que inseriu num mesmo cenário três grupos distintos: portugueses, índios e negros de origem africana. Esse
contato favoreceu o intercurso dessas culturas, levando à construção de um país inegavelmente miscigenado,
multifacetado, ou seja, uma “unicidade” marcada por conflitos e antagonismos.

»» Desigualdade deriva de um tipo de privação social, como, por exemplo, quando existem em uma sociedade
pessoas ricas e pobres. Isso não significa que elas sejam diferentes essencialmente, mas que a condição de estar
pobre ou rico é o que as posiciona em lugares sociais distintos, tornando-as desiguais.

»» A exclusão social pode ocorrer como resultado de uma rede de rupturas dos vínculos sociais, sejam eles
econômicos, familiares, afetivos, religiosos ou trabalhistas. O termo exclusão pressupõe um não reconhecimento
como igual, seja de um indivíduo, seja de um grupo.

92
Diferença, Exclusão Social e Desigualdade Social • AULA 5

Saiba mais

Sociologia vai ao cinema


Para reflexão sobre desigualdades sociais e/ou preconceito veja:

Quanto Vale ou É por Quilo?

Filme brasileiro de 2005, do gênero drama, dirigido por Sérgio Bianchi.

O filme faz uma analogia entre o antigo comércio de escravos e a atual exploração da miséria pelo
marketing social, que formam uma solidariedade de fachada. O filme critica ONGs e suas captações
de recursos junto ao governo e empresas privadas.

Crash

Filme de 2004

Crash é um filme estadunidense e alemão de 2004, um drama dirigido por Paul Haggis. Estreou no
Festival de Cinema de Toronto em setembro de 2004 e foi lançado internacionalmente em 2005.

Data de lançamento: 28 de outubro de 2005 (Brasil)

Direção: Paul Haggis

Música composta por: Mark Isham

93
Aula
Processos Educacionais no Brasil
e as Teorias Contemporâneas da
Sociologia da Educação 6
Apresentação

Na aula anterior vimos algumas abordagens que enfatizam a questão da relação entre raça e segregação
social. Salientamos, sobretudo os processos históricos e sociais que contribuíram para a realidade
de exclusão em que vive grande parte da população negra no Brasil contemporaneamente. Fizemos
ainda uma análise crítica sobre o papel da escola na difusão e/ou supressão do preconceito étnico.

Nesta aula, vislumbraremos algumas das principais contribuições da Sociologia para a Educação.
Abordaremos ainda os processos educacionais no Brasil e mostraremos a visão de alguns
dos teóricos mais importantes. Ao final, faremos um esforço de compreensão no sentido de
entendermos a escola como espaço da formação de identidade.

Objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

»» Compreender a influência das teorias funcionalistas para educação.

»» Analisar a importância das teorias de reprodução para a Educação.

»» Identificar a forte influência da teoria marxista na Educação.

»» Identificar as principais correntes teóricas que influenciaram a forma de se fazer


Educação no Brasil.

»» Compreender os principais processos educacionais do Brasil.

»» Construir uma visão crítica sobre as teorias contemporâneas sobre educação.

»» Compreender o espaço da escola como um dos principais núcleos de socialização e


formação de identidade social.

»» Entender o que é processo de socialização e formação de identidade.

»» Relacionar o espaço da escola como lócus privilegiado da formação individual e coletiva.

94
Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação • AULA 6

Como toda a nossa reflexão envolverá os processos educacionais e, consequentemente, a escola,


nada melhor do que começar estudando como a escola foi inserida em nosso país. Como será
visto adiante, o problema da Educação estava colocado da seguinte maneira: a quem educar?
Como educar? O que educar? Nos dias atuais, com o processo de universalização do ensino, a
primeira pergunta já foi respondida: a todos. Agora, a grande questão é como ensinar. As teorias
educacionais, que veremos no próximo tópico, visam justamente responder a esta questão. Não
existe uma resposta certa a respeito dessa pergunta. Cada corrente acredita que podemos ensinar
melhor se seguirmos determinado caminho. Na verdade, em cada época determinada corrente
ganha força e consegue se impor frente às outras como produtora do consenso. As correntes de
ensino vão se ramificando e se complexificando cada vez mais. Contudo, sempre há que se ter
um início. Bom, vamos então começar o curso de Sociologia da Educação.

No Brasil podemos dizer que a preocupação com a Educação começou no início do século passado.
Nesse momento surge a escola científica, instalada em São Paulo para aplicar seu método ao
nosso sistema educacional. Vindo da Itália, da Escola Normal de Modena, Ugo Pizzoli deseja
implantar aqui uma escola que pudesse adequar o conteúdo ao tipo de aluno especificado.
Dentre essas opções, temos os normais, os anormais e os degenerados. A Educação correta
deveria ser aplicada após as diferenciações dos alunos segundo os diagnósticos fornecidos pela
Psicologia. Assim, a Psicologia e a Pedagogia andariam de mãos dadas para a melhor gestão dos
esforços educacionais.

»» Normais: indivíduos de boa índole; com valores morais aceitáveis.

»» Anormais: indivíduos que fogem aos parâmetros normais, mas ainda podem ser
recuperados pela sociedade.

»» Degenerados: indivíduos que possuem má- formação moral; ditos irrecuperáveis.

A Educação, então, poderia ser normal ou emendatória, vai depender da análise do indivíduo.
Para os dementes, degenerados ou imorais, a educação emendatória tinha o objetivo de corrigi-
los. Dessa maneira, a seleção de quem receberia que tipo de educação é uma maneira de decidir
quem vai ser incluído no rol dos cidadãos ou no dos excluídos. Assim, não se gastariam recursos
com seres que não possuem a capacidade de aprender e se desenvolver socialmente.

Em 1930 surge a Escola Nova. Apresentada por Lourenço Filho, havia nela a percepção de um
novo tempo e de uma escola que pudesse adequar-se a ele. A percepção da criança como um
universo em si que seria capaz de ser modelada, dispensando-se, assim, os preceitos deterministas
anteriores. A escola, então, assumia o papel de implementar os desejos da sociedade. Deveria
produzir os indivíduos que a sociedade precisa no futuro.

A Escola Nova foi um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa,
na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. O escolanovismo desenvolveu-se no

95
AULA 6 • Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação

Brasil sob importantes impactos de transformações econômicas, políticas e sociais. O rápido


processo de urbanização e a ampliação da cultura cafeeira trouxeram o progresso industrial
e econômico para o País, porém, com eles surgiram graves desordens nos aspectos políticos e
sociais, ocasionando uma mudança significativa no ponto de vista intelectual brasileiro.

Sugestão de estudo

Editado do site que apresenta uma síntese da obra de Lourenço Filho. Visitado em 25/3/2005.

Disponível em: http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/167_nov03/html/pensadores.

Na essência da ampliação do pensamento liberal no Brasil, propagou-se o ideário escolanovista.


O escolanovismo acredita que a educação é o exclusivo elemento verdadeiramente eficaz
para a construção de uma sociedade democrática, que leva em consideração as diversidades,
respeitando a individualidade do sujeito, apto a refletir sobre a sociedade e capaz de inserir-se
nessa sociedade. Então, de acordo com alguns educadores, a educação escolarizada deveria ser
sustentada no indivíduo integrado à democracia, o cidadão atuante e democrático.
(Fonte: http://educador.brasilescola.com/gestao-educacional/escola-nova)

A Escola Nova recebeu muitas críticas. Foi acusada principalmente de não exigir nada, de abrir
mão dos conteúdos tradicionais e de acreditar ingenuamente na espontaneidade dos alunos. A
leitura das obras e a análise das poucas experiências em que, de fato, as ideias dos escolanovistas
foram experimentadas com rigor mostram que essas críticas são válidas apenas para interpretações
distorcidas do espírito do movimento.

Apesar de todo o seu sucesso, a Escola Nova não conseguiu modificar de maneira significativa
o modo de operar das redes de escolas e perdeu força sem chegar a alterar o cotidiano escolar.

Saiba mais

Manoel Bergström Lourenço Filho nasceu em 1897 em Porto Ferreira, no interior de São Paulo.
Cursou duas vezes a escola Normal e formou-se em Direito. Foi indicado, aos 24 anos, para diretor
da Instrução Pública do Ceará, com a incumbência de reorganizar o ensino do estado. O trabalho,
que durou dois anos e meio, foi uma das primeiras realizações da Escola Nova e obteve grande
repercussão. Até o fim da vida, Lourenço Filho escreveu e publicou grande número de artigos e
livros de Psicologia, Pedagogia, Gestão Educacional e Literatura Infantil, além de obras didáticas.
Traduziu títulos importantes de autores como Émile Durkheim (1858-1917) e Édouard Claparède
(1873-1940). Morreu em 1970, no Rio de Janeiro.

A partir da década de 1960 temos o grande marco na Educação brasileira, com Paulo Freire. Seu
método utilizado no Nordeste revolucionou o modo de pensar a Educação. Se até este momento
a Educação é vista como modeladora do indivíduo, esse método visa utilizar as experiências do
aluno como elemento-base para sua Educação.

96
Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação • AULA 6

O educador, em contínua interação com o estudante, leva-o a descobrir que seu mundo, sua
cultura é tão importante quanto a dele. Esse diálogo entre iguais desperta um sentimento positivo
entre os interlocutores de modo a facilitar o processo de alfabetização. O grande salto dessa
perspectiva é que a educação se adequa ao aluno, não mais se impõe a ele. Assim, o aluno, de
mero recebedor, espectador do conteúdo lecionado e colocado em posição verticalmente inferior
ao seu professor, passa a ser peça importante no jogo educacional. Essa experiência teve muito
sucesso na educação de adultos no Rio Grande do Norte e em Pernambuco. A coragem de pôr
em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a alfabetização com um processo
de conscientização, capacitando o oprimido tanto para a aquisição dos instrumentos de leitura
e escrita quanto para a sua libertação fez dele um dos primeiros brasileiros a serem exilados.
Em 1969, trabalhou como professor na Universidade de Harvard, em estreita colaboração com
numerosos grupos engajados em novas experiências educacionais, tanto em zonas rurais quanto
urbanas. Durante os 10 anos seguintes, foi Consultor Especial do Departamento de Educação
do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra (Suíça). Em 1980, depois de 16 anos de exílio,
retornou ao Brasil para “reaprender” seu país. Lecionou na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (Fonte: Editado a partir
do site: www.paulofreire.org, visitado em 25/3/2005).

Saiba mais

Paulo Reglus Neves Freire (Recife, 19 de setembro de 1921 – São Paulo, 2 de maio de 1997), foi um
educador, pedagogista e filósofo brasileiro. É Patrono da Educação brasileira.

Paulo Freire é considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial,1
tendo influenciado o movimento chamado Pedagogia Crítica.

A sua prática didática fundamentava-se na crença de que o educando assimilaria o objeto


de estudo fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à por ele
denominada educação bancária, tecnicista e alienante: o educando criaria sua própria educação, fazendo ele
próprio o caminho, e não seguindo um já previamente construído; libertando-se de chavões alienantes, o educando
seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada
tanto para a escolarização como para a formação da consciência política.

Autor de Pedagogia do Oprimido, livro que propõe um método de alfabetização dialético, se diferenciou do
“vanguardismo” dos intelectuais de esquerda tradicionais e sempre defendeu o diálogo com as pessoas simples, não
só como método, mas como um modo de ser realmente democrático.

Em 13 de abril de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.612 que declara o educador Paulo Freire Patrono da Educação
Brasileira.2 Foi o brasileiro mais homenageado da história: ganhou 41 títulos de Doutor Honoris Causa de
universidades como Harvard, Cambridge e Oxford.
(Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Freire)

A partir da década de 1970 a Escola Tecnicista ganhou força no Brasil. Ela parte do pressuposto
de que a melhor forma de adaptar o indivíduo à sociedade é treiná-lo para uma profissão no
mercado de trabalho. Ela é muito útil na formação de mão de obra especializada. Ali, aluno e
instrutor interagem de modo predeterminado, não há espaço para divagações ou divergências.

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AULA 6 • Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação

O conteúdo a ser aprendido é determinado e sabido de antemão. O instrutor possui o papel de


indicar o caminho – que pode ser por meio de um texto, uma prática – para que o aluno saiba
a resposta adequada ao problema. Assim, estímulo-resposta é o método da escola tecnicista.
Hoje, no século XXI, assistimos à proliferação desse tipo de escola profissionalizante. Possuem
o nome de politécnico e profissionalizante em geral.

Gagné sugere que tarefas de aprendizado para habilidades intelectuais podem ser organizadas
em uma hierarquia, de acordo com a complexidade: reconhecimento de estímulo, geração de
resposta, seguir procedimentos, uso da terminologia, discriminações, formação de conceito,
aplicação de regras e resolução de problemas. A importância primária da hierarquia é identificar
os pré-requisitos que devem ser completados para facilitar o aprendizado em cada nível. Os pré-
requisitos são identificados por meio de uma análise da tarefa de um trabalho de aprendizado/
treinamento. As hierarquias de aprendizado fornecem uma base para a sequência de instrução.

Além disso, a teoria esboça nove eventos de instrução e processos cognitivos correspondentes:

»» Obter atenção (recepção);

»» Informar o objetivo para os aprendizes (expectativa);

»» Estimular a lembrança do aprendizado anterior (recuperação);

»» Apresentar o estímulo (percepção seletiva);

»» Fornecer orientação de aprendizado (código semântico);

»» Obter desempenho (resposta);

»» Fornecer feedback (reforço);

»» Avaliar o desempenho (recuperação);

»» Aumentar a retenção e a transferência (generalização).

Já Benjamin Bloom construiu um modelo que ficou conhecido como a Taxonomia de Bloom.
Nela, o autor argumenta que as operações cognitivas podem ser classificadas em seis níveis
hierárquicos de complexidade. Os níveis seguem o seguinte parâmetro:

»» Conhecimento: armazenar os fatos que podem ser objetos de estudo;

»» Compreensão: compreender o significado de uma informação;

»» Aplicação: usar a informação obtida na aplicação em uma situação concreta;

»» Análise: examinar a informação em relação às suas partes;

»» Síntese: capacidade de juntar partes em um todo;

»» Avaliação: julgar o valor de algo com base em algum critério.

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Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação • AULA 6

A escola como espaço de construção de identidades sociais

Podemos pensar a escola como um microcosmo social. Ali, a criança aprende a conviver em grupo,
a ter sucesso ou fracasso e a obedecer a regras. Todas essas ações, quando atingem ao indivíduo,
transformam-se naquilo que entendemos por identidade. Dessa forma, a identidade não é algo
que vem pronto, mas, sim, constitui-se com o tempo por meio de idas e vindas, assim como a
maré. A escola ou o grupo escolar, nesse momento único na vida da criança, pode interferir na
construção da autoestima infantil.

Numa abordagem socioantropológica, a identidade é uma construção que se faz com atributos
culturais, isto é, ela se caracteriza pelo conjunto de elementos culturais adquiridos pelo indivíduo
por meio da herança cultural. A identidade confere diferenças aos grupos humanos, ao mesmo
tempo em que os torna únicos. Ela se evidencia em termos da consciência da diferença e do
contraste do outro.

A Educação tem relação direta com a produção de identidade. A escola, independente de ser
reprodutora ou socializadora, é um elemento que constrói a identidade do indivíduo ao longo
dos anos. Como verifica Sposito, que é Professora da Faculdade de Educação da USP:

O tema da identidade aparece, assim, como importante, porque esta fase, ao ser
caracterizada como de transição, pois nela se gesta um vir-a-ser, é, ao mesmo
tempo, uma construção do presente. (...). a questão do autorreconhecimento e de
ser reconhecido. Assim, a identidade, individual ou coletiva, sempre pressupõe a
dimensão da alteridade, ao ser uma categoria social e relacional. (MELUCCI, 1992).
Ela se constrói a partir de experiências comuns que se defrontam e confrontam.
Como afirma Paula Montero (1987), um dos elementos que faz evidenciar a
questão da identidade situa-se nos grupos emergentes que passam a competir
pela conquista de um mesmo espaço social.

Mas é preciso, também, levar em conta esse movimento que constitui a identidade
em sua dupla dimensão: trata-se de se perceber semelhante aos outros (ser
reconhecido e reconhecer) e, ao mesmo tempo, afirmar a diferença enquanto
indivíduo ou grupo. Esta diferença, paradoxalmente, só pode ser afirmada e
vivida como tal, ao supor certa igualdade e certa reciprocidade.

Se a questão da identidade é fundamental para a compreensão desse momento da


vida humana, tendemos, no entanto, a considerá-la, no caso do jovem, a partir de
estereótipos, quase sempre nascidos pela elaboração de uma imagem originada na
mídia, como afirma Erikson no trabalho citado anteriormente. Ao nos referirmos
ao universo juvenil, em geral, sem recortá-lo sob ótica da classe social, tendemos
a considerar os jovens consumistas ou alienados. Se recuperarmos a extração de
classe, sobretudo para qualificar os alunos da escola pública, acrescentamos, na
maioria das vezes, o atributo de violentos ou marginais.
(SPOSITO, 1996)

99
AULA 6 • Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação

Tema clássico da Sociologia, a construção da identidade articulada ao processo de socialização


não é uma novidade nas múltiplas abordagens das Ciências Sociais. Não obstante, classicamente,
a Sociologia da Educação vem estudando apenas dois espaços de socialização tradicionais, a
família e a escola. É possível afirmar que grande parte dos trabalhos da Sociologia da Educação,
no que se refere ao tema socialização, tem como paradigma maior Émile Durkheim e mais
recentemente Berger e Luckman (1985).

Outro fator que contribui sobremaneira na constituição da identidade individual é a religião.


Neste início do século XXI temos visto, principalmente em nosso país, o ressurgimento das escolas
religiosas e da ênfase desse ensinamento na construção da moral individual. A escola, antes vista
como um espaço plural, passa a cada dia a ser um nicho de mercado religioso. Encontram-se nela
apenas aqueles que seguem determinadas verdades, ideias, morais e vestimentas. A escola, que,
com a era Moderna, foi paulatinamente tornando-se laica, passou a usar as vestimentas divinas.

O exemplo disso, atualmente o que tem chamado mais atenção na mídia é o fato de que a escola
está em meio ao debate religioso. Uns querem a completa separação da escola e da religião ou
o Estado Laico, enquanto outros optam pelo convívio apenas com seus pares.

No Brasil, não só a escola está deixando de ser laica. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo,
passou a ensinar religião nas escolas públicas. Temos em oposição diametral o caso francês em
que as meninas muçulmanas são impedidas de usarem o véu na escola. Esse conflito tem sido
a tônica deste século. O grupo versus a sociedade; o local versus o universal.

Sintetizando

Vimos até agora:

»» Para Louis Althusser, a escola foi a grande novidade do sistema capitalista na divulgação de sua ideologia. Se no
mundo feudal tínhamos o par Igreja-Família, hoje em dia temos Escola-Família.

»» Pierre Bourdieu publica o livro A Reprodução. Nele argumenta que o processo educacional é uma violência
simbólica no indivíduo. Essa violência ocorre, pois, o indivíduo é coagido de várias maneiras a reproduzir
determinado comportamento de classe, isto é, a classe à qual pertence. Assim, toda forma de educar é arbitrária.

»» No Brasil, a preocupação com a Educação começou no início do século passado com a Escola Científica, instalada
em São Paulo.

»» A Educação deveria ser aplicada após as diferenciações dos alunos segundo os diagnósticos fornecidos pela
Psicologia. Assim, a Psicologia e a Pedagogia andariam de mãos dadas para a melhor gestão dos esforços
educacionais.

»» A partir da década de 1970 a Escola Tecnicista ganhou força no Brasil.

»» Hoje, no século XXI, essa escola ainda tem seu lastro na proliferação desse tipo de escola profissionalizante.
Possuem o nome de politécnico e profissionalizante em geral.

»» Benjamin Bloom construiu um modelo que ficou conhecido como a taxonomia de Bloom. Nela o autor argumenta
que as operações cognitivas podem ser classificadas em seis níveis hierárquicos de complexidade.

100
Processos Educacionais no Brasil e as Teorias Contemporâneas da Sociologia da Educação • AULA 6

»» A escola é como um microcosmo social; nela nos relacionamos e realizamos múltiplas tarefas.

»» A educação tem relação direta com a produção de identidade.

»» A identidade é uma construção que se faz com atributos culturais, isto é, ela se caracteriza pelo conjunto de
elementos culturais adquiridos pelo indivíduo por meio da herança cultural.

»» A educação tem relação direta com a produção de identidade.

»» Tema clássico da Sociologia, a construção da identidade articulada ao processo de socialização não é novidade nas
múltiplas abordagens das Ciências Sociais.

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