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Povos indígenas e a região metropolitana de Manaus e processos de -

territorialização sociocultural

Clayton de Souza Rodrigues1

O presente artigo tem como proposta discutir através de levantamento


bibliográfico e discussões a partir da disciplina História, política indígena e indigenismo
cursada no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade
Federal do Amazonas – PPGAS/UFAM o entendimento de processos de territorialização
indígena na região metropolitana de Manaus.

Para tanto, faz-se necessário nortear a discussão. Como hipótese, desenvolvo a


seguinte linha de análise, tendo participado como pesquisador em dois grandes
empreendimentos resultados da criação da região metropolitana de Manaus, que aqui
utilizarei a sigla oficial – RMM, ambos realizados em 2010, são eles: O EPIA-RIMA da
Ponte sobre o Rio Negro2 (hoje Ponte Jornalista Phelippe Daou) e subsequentemente a
criação do Plano da Região Metropolitana de Manaus - PDISRMM3, nota-se a

A ideia de região tem se constituído em objeto de reflexão das ciências sociais.


Emile Benveniste mostra que a palavra regio deriva de rex, a autoridade que, por
decreto, podia circunscrever as fronteiras: regere fines (Bourdieu, 1989:118). Nesse
contexto, tal divisão só não é totalmente arbitrária porque ao se delimitar um território,
há certamente critérios, entre os quais o mais importante é o do alcance e da eficácia do
poder de que se reveste o criador da região. A região por ele regida, porém, só existe
enquanto seu poder é reconhecido. Em suma, a região, é também em certo grau um
espaço natural, com fronteiras naturais, mas antes de tudo um espaço construído por
decisão, seja ela política, ou da ordem das representações.

Ao referir-se à “região” Metropolitana de Manaus (RMM), reporta-se


teoricamente ao conceito de região desenvolvido por Pierre Bourdieu (1989),
considerando-a como delimitação de um território geográfico, mas que representa uma
ação de poder, muitas vezes arbitrária. No entanto, essa delimitação obedece sempre a

1
Doutorando do Programa de Pós-graduação em Antropologia Cultural – PPGAS/UFAM. E-
mail: clayton.rodrigues.am@gmail.com.
2
Participei como pesquisador no grupo de trabalho sobre povos e terras indígenas da margem
direita do rio Negro.
3
Participei como pesquisador na mobilização e criação dos Fóruns Permanentes da RMM nos
oito municípios que a compõem.
alguns critérios estipulados pelo próprio autor e está geralmente relacionada a
determinados interesses, sendo importante analisá-los.

Ao desenvolver o conceito de territorialidade que é inerente à discussão de


região, de território geográfico e simbólico, João Pacheco de Oliveira Filho (1988)
demanda uma nova reflexão:

"O que se necessita, portanto, é de um outro conceito, que permita


abranger a pluralidade de atores envolvidos, resgatando as formas de
organização, valores, ideologias de cada um; buscando apreender os
padrões concretos de interação existentes entre eles, destacando
igualmente as manipulações e estratégias de ação colocadas em
prática por cada ator; captar as significações que cada ator atribui a
estes padrões bem como o modo pelo qual ele os codifica e
sistematiza..." (OLIVEIRA FILHO, 1988:54).

Norbert Elias (2008) pode auxiliar-nos na reflexão sobre processos sociais e


suas relações com o poder. O texto a seguir evidencia como Elias entende o termo
poder.

Para muita gente, o termo «poder» tem um aroma desagradável. Isto


deve-se ao facto de, durante todo o processo de desenvolvimento das
sociedades humanas, o equilíbrio de poder ter sido extremamente
desigual; pessoas ou grupos de pessoas com possibilidades
relativamente grandes de acesso ao poder, exerciam habitualmente
essas possibilidades em pleno, muitas vezes de um modo brutal e sem
escrúpulos, tendo em vista os seus próprios fins. (2008: 80).

O poder de fato se constitui como elemento integral de todas as relações


sociais. De um lado, tem-se o Estado, com políticas públicas que beneficiam na verdade
iniciativas do capital internacional privado, os grandes empreendedores, que
desenvolvem cada vez mais estratégias de convencimento para a implantação de seus
projetos, e de outro, povos indígenas com suas estratégias culturais ameaçadas, dada à
eficácia cada vez maior das estratégias tanto do Estado, quanto dos empreendedores de
fazer valer seus interesses em detrimento dos interesses indígenas.
Utilizando a reflexão sobre o poder, a indicação seria que “... o poder
simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a
cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o
exercem. ” (BOURDIEU, 1989:8). Em se tratando do contexto de relações de poder na
região metropolitana de Manaus, é primariamente verificado que há situações de
violência simbólica onde as classes dominantes se utilizam de poder para legitimar suas
ações na região, buscando desmobilizar as classes dominadas (BOURDIEU, 1989:10).

Os estudos das relações sociais na sociologia e em certa medida na


antropologia não podem estar alheios às relações de poder. Relações que produzem
conflito ou que são resultado de conflito devem ser analisadas atentando para essa
compreensão, tendo como parâmetros as relações de poder envolvidas.

A metodologia a ser utilizada, denominada “cartografia social”, implica na


construção de mapas situacionais que demonstram casos da situação social de conflitos
de povos indígenas. Não deixa de ser um produto de relação de poder, pois os mapas
são em sua essência, produtos e instrumentos de poder, de acordo com Almeida (org.)
(2010). De acordo com o autor, os mapas vêm se tornando instrumentos políticos
utilizados por povos tradicionais como forma de resistência, organização,
fortalecimento e defesa de direitos frente ao Estado.

A relevância da pesquisa consiste em identificar e apresentar cartograficamente


as situações políticoculturais indígenas no contexto de gerenciamento territorial e de
conflitos frente ao Estado na Região Metropolitana de Manaus.

Após o processo de urbanização da década de 1930 no Brasil, com o


surgimento de malhas urbanas extensas e superpopulosas, surgem as primeiras regiões
metropolitanas brasileiras. As principais características eram: influência econômica e
política, conurbação, atividades e serviços e infraestrutura. A partir do ano 2000 surgem
novos modelos de região metropolitana no Brasil, Goiânia, Campinas, Manaus e há
demanda para refletir sobre esse fenômeno de reconfiguração do espaço e da política
administrativa brasileira.

Segundo Mendonça (2011) concebendo a Lei Complementar nº 52 de


30/05/2007 que estabelece no seu Art. 3º que se considera de interesse metropolitano ou
comum as funções públicas e os serviços que atendam a mais de um Município e
observando essa dificuldade no caso de Manaus é possível que se possa utilizar outra
nomenclatura para esse tipo de gestão territorial. Por várias características e
dificuldades, Manaus pode ser considerada também como “microrregião”, pois
desempenha influência direta nos municípios que a circundam desde o aspecto
econômico de bens e serviços a questões políticas. É também separada das demais
cidades por faixas de floresta, de atividades rurais e rios caudalosos como o Negro e o
Solimões.

Dos oito municípios que formam a região metropolitana de Manaus, a saber:


Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva, Careiro da Várzea, Itacoatiara, Iranduba,
Manacapuru e Novo Airão, basicamente todos possuem indígenas e nas mais variadas
organizações: terras indígenas, comunidades rurais, comunidades urbanas, pluriétnicas,
de um mesmo grupo, entre outras. Os conflitos socioculturais, seja com vizinhos, com
comerciantes, com grileiros, posseiros, com o próprio estado são marca dessa relação
entre o indígena e o estado brasileiro (OLIVEIRA, 1998, ALMEIDA, 1995, SANTOS
& RUBIM, 2010).
Manaus então, a partir de 2007 passa a ser legislada como região
metropolitana, ainda que seus efeitos tenham um prazo de no mínimo vinte anos para
serem observados de maneira mais plena. Em 2010 foi criado o Plano de
Desenvolvimento Sustentável e Integrado da Região Metropolitana de Manaus –
PDSIRMM. Este documento é responsável pela conceituação da região metropolitana,
dispõe das ações previstas para a administração regional, dos projetos e
empreendimentos econômicos e sociais, mas por mais curioso que pareça, não prevê em
nenhuma de suas esferas, de forma incisiva e clara políticas públicas direcionadas aos
povos indígenas que residem nesses municípios. A invisibilidade do indígena na cidade
vem sendo retratada desde os anos 70 e 80 do século passado (SILVA, 2001; FÍGOLI,
1982). O Estado do Amazonas negligencia abertamente a questão indígena.

Povos Indígenas, etnicidade e territorialidades

Na arqueologia da violência, Pierre Clastres (2004:56) diz que “o outro é a


diferença, mas é sobretudo a má diferença (...). Os outros são maus, mas podemos
melhorá-los, obrigando-os a transformarem-se até se tornarem, se possível, idênticos ao
modelo que lhes propomos, que lhes impomos”.
Galvão ao trabalhar sobre o encontro da sociedade “branca” com a indígena
analisa a questão da mudança cultural que ocorreu no Alto Rio Negro através do
fenômeno do “caboclização”, onde muitos indígenas para não se sentirem ameaçados
pelo reconhecimento de suas descendências indígenas se valem de um jogo de
identidade que os transforme em elementos imunes à identificação de minoria. Essa
questão pode ser observada, também, nos trabalhos sobre índios urbanos em Manaus de
Leonardo Fígoli (1982) e Raimundo Nonato Silva (2001).

No que tange às discussões sobre etnicidade e fronteiras étnicas a referência


principal, Fredrik Barth, trabalha teoricamente a questão da etnicidade com relação a
grupos minoritários; sua criação, transformação, manutenção e organização política.
(BARTH, 2000: 31-32).

As principais contribuições que Barth traz estão relacionadas à questão da


manutenção de grupos étnicos, que para ele podem ser identificados quando possuem as
seguintes características: 1) se perpetuam biologicamente; 2) compartilham valores
culturais fundamentais formando uma unidade nas formas culturais; 3) constituem um
campo de comunicação e interação interna e 4) possuem um grupo de indivíduos que é
identificado e se identifica como distinto de outros grupos.

Para ele o grupo étnico é entendido como unidade organizacional política,


mobilizada para a realização de interesses coletivos. Os grupos utilizam-se da etnicidade
para alcançar seus anseios enquanto grupo diferenciado. Esta estratégia é utilizada
principalmente por grupos minoritários, como os de indígenas. (BARTH, 2000: 16).

Assim, os homens relacionam-se e formam grupos, estes grupos produzem


cultura. Esta cultura, conjunto de traços e costumes, produz a etnicidade que vem a ser a
identidade cultural de um grupo determinado. Esta por sua vez, parte do indivíduo e se
expande ao grupo.

Apesar de discutir a questão dos grupos étnicos, sabe-se que:

(...) O conceito de grupo étnico é um problema que concerne


diretamente à política brasileira e às minorias étnicas que vivem no
Brasil. Por exemplo, ser reconhecido ou não como indígena pelo
governo acarreta uma série de conseqüências socioeconômicas para
esses grupos. Daí a necessidade de uma definição correta deste termo,
na qual a obra de Fredrik Barth pode ser altamente útil, inclusive para
reanimar a discussão em torno desta questão em bases cientificas (...)
(BARTH, 2000: 17).

Como é um conceito ainda em construção e discussão, resta-nos aplicar o que


se encaixa de forma coerente e explicitadora para essa análise, tentando acenar para uma
explicação da condição identitária de unidades sociais culturalmente diferenciadas.

A identidade étnica tem então, seu sentido enquanto produção de uma unidade
cultural abstrata, tornando-se concreta com a existência dos grupos étnicos, que para
serem denotados como grupo, devem possuir seus próprios mecanismos de
diferenciação e distinção, como a língua, o vestuário, a religião e é através das fronteiras
étnicas que um grupo se caracteriza e se distingue de outros.

Mas, o que seriam essas fronteiras? Elas são os limites do grupo, marcados
pelos traços diacríticos, assim como Barth os trata, ou seja, as características utilizadas
para distinguir um grupo do outro.

Para João Pacheco de Oliveira (1998)

Do ponto de vista heurístico, portanto, seria um equívoco pretender


reportar-se a uma condição de isolamento (localizada no passado) para
vir a explicar os elementos definidores de um grupo étnico, cujos
limites (boundaries) seriam construídos — e sempre situacionalmente
— pelos próprios membros daquela sociedade. Isso o leva a propor o
deslocamento do foco de atenção das culturas (enquanto isolados)
para os processos identitários que devem ser estudados em contextos
precisos e percebidos também como atos políticos (recuperando assim
a definição weberiana de “comunidades étnicas” — vide Weber 1983)
(p. 55)

Oliveira (1998) propõe então, avançar a discussão iniciada por Barth. Afirma
ser importante refletir mais detidamente sobre o contexto intersocietário no qual
constitue-se os grupos étnicos, pensar nos novos dinamismos nas relações entre grupos
étnicos e Estado Nação, por exemplo.

Outra contribuição para a discussão da identidade étnica é Carlos Rodrigues


Brandão (1996) que também utiliza teoricamente conceitos de Barth e acredita que:
(...) um grupo étnico possui ao mesmo tempo uma realidade de
organização e de adscrição. Ele existe como grupo enquanto preserva
a sua própria organização em meio a outras organizações sociais, entre
outros grupos organizacionais, frente a outros tipos de sociedades:
equivalentes, diferentes ou desiguais. Ele existe como étnico enquanto
preserva a sua própria identidade (...) Os índios aceitam reconhecer-se
como tal, não raro aprendendo a se identificar claramente como
índios, após o contacto com os brancos e por oposição a eles, oposição
esta estabelecida ideologicamente também pelos brancos (...) (105-
106).

Os índios como diz o autor, manipulam sua identidade, reagindo conforme os


“brancos” os vestem. Dessa forma, devemos tratar a identidade étnica enquanto uma
categoria relacional e situacional. Nesse contexto a discussão sobre etnicidade para essa
pesquisa prioriza essa relação, do ser etnicamente distinto, pois um dos objetivos dessa
investigação é analisar de que forma os indígenas dessa região enfrentam as situações
de conflito e como estão construindo estratégias para esse enfrentamento, para a
superação de diferenças, para o fortalecimento de suas existências físicas e culturais.

A reflexão sobre etnicidade pode ser ainda auxiliada nas leituras de


(OLIVEIRA, 1998); (ERIKSEN, 1996); (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976);
(CUNHA, 2009); (WOLF, 1998); (COHEN, 1969; 1974); (BAINES, 2009).

Esse conjunto de autores fornece um acervo reflexivo sobre a questão


conceitual de etnicidade, identidade étnica, identificação étnica e colabora para esta
reflexão à medida que expõem reflexões e experiências que levam a tratar as questões
de relações interétnicas como produtoras das diferenças, das identidades étnicas e que
essas identidades são produtos de interação e relacionais, podendo-se utilzar a nocão de
identidades coletivas para designar certos grupos culturalmente diferenciados que em
determinadas situações, muitas vezes políticas, aderem ou negam certas identificações.

Pode-se também refletir sobre a etnicidade como reflexo de relações não


simétricas onde sociedades estão em constante relação, no caso desta pesquisa, os
indígenas versus o Estado e os empreendedores capitalistas. Uma relação desigual,
subjulgadora, muitas vezes ultrajante de conflito político, ideológico ou mesmo físico.

É ponto de convergência na maioria desses autores que a relação entre


etnicidade, ideologia e poder não possam ser entendidas em separado. A criação de uma
ou mais identidades segundo Eric Wolf (1998) é produto de manobra muitas vezes
ideológica e imaginária, mas converte-se em verdade quando tem a capacidade de
convencer. Entender então as ideologias que norteam essas esferas tão distintas:
indígenas, Estado e empreendedores e o jogo de poder onde estão envolvidos
(BOURDIEU, 1989; 1992) é um dos desafios que essa pesquisa enfrentará.

Não se pode esquecer dessa maneira que outra discussão é muito importante
nesse trabalho, a noção de território e territorialização. A noção de território não é nova
na antropologia, surge com o trabalho de Morgan (1973) como critério para definir as
formas de governo e acaba sendo retomada por Fortes e Evan-Pritchard (1975) na
classificação de sistemas políticos africanos (OLIVEIRA, 1998: 54).

Já a noção de territorialização,

(...) é definida como um processo de reorganização que implica: 1) a


criação de uma nova unidade sociocultural mediante o
estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; 2) a
constituição de mecanismos políticos especializados; 3) a redefinição
do controle social sobre os recursos ambientais; 4) a reelaboração da
cultura e da relação com o passado. (OLIVEIRA, 1998:55)

Ainda para Oliveira (1998) o processo de territorialização é o movimento pelo


qual um objeto político administrativo, no caso do Brasil, as comunidades indígenas,
transforma-se em coletividade organizada, com identidade própria, instituindo
mecanismos de tomada de decisão e reestruturando formas culturais tanto com o meio
ambiente quanto com o universo religioso, por exemplo.

E é sabido que esse processo no Brasil tem experimentado várias


configurações, inicialmente no processo de colonização via litoral e mais tarde nas
empreitadas religiosas no interior.

Por outro lado, essa pesquisa procurará basear-se na legislação mais atual de
direitos de povos e comunidades tradicionais, no Decreto Legislativo n° 143 e na
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2005, assim como
no Decreto n° 6.040 de 7 de fevereiro de 2007. Todo esse embasamento jurídico faz-se
necessário para que as diretrizes dessa pesquisa preconizem “... também o respeito e
valorização da identidade de povos e comunidades tradicionais, bem como de suas
formas de organização e de suas diferentes instituições” (ALMEIDA, 2010:18 In:
NETO, 2010).

Cartografia Social e Mapas Situacionais

Para a construção dos mapas situacionais dentro da perspectiva da nova


cartografia social (ALMEIDA, 2013) é necessário entender o que propõe a “nova”
cartografia social e como se constrói o entendimento sobre mapas situacionais.

Almeida (2013) ao propor a nova cartografia social “visa propiciar uma


pluralidade de entradas a uma descrição aberta, conectável em todas as suas dimensões,
e voltada para múltiplas ‘experimentações’ fundadas, sobretudo, num conhecimento
mais detido de realidades localizadas...” (p. 157).

Essa nova cartografia social objetiva além da construção e descrição de cartas


cartográficas, os processos sociais desenvolvidos no interior de determinado território
étnico-cultural e político. Visa instrumentalizar as comunidades e povos tradicionais no
gerenciamento territorial de suas terras e no conhecimento in loco de seus problemas e
conflitos.

Os mapas situacionais representam o produto da etnografia dos territórios e dos


limites étnicos dos grupos, não necessariamente de seus conteúdos culturais.

Segundo Almeida (2013)

O trabalho de mapeamento social tem assim dois aspectos: um


etnográfico, que requer trabalho de campo prolongado com orientação
acadêmica, técnicas de observação direta, descrições pormenorizadas
e critérios de seleção de informações, e outro, realizado pelos próprios
agentes sociais, definindo o uso dos instrumentos, sua escolha, a
seleção do que entra no mapa e, enfim, o resultado final de cada mapa
situacional... (p. 32).

A prática do mapeamento social para esta proposta de pesquisa configura a


possibilidade de estabelecer conhecimentos cartográficos e culturais acerca das
condições de ocupação, socialização e política de povos indígenas e do Estado na região
Metropolitana de Manaus.
Mas, para entendermos o contexto da região metropolitana de Manaus
conceitualmente, faz-se necessária discussão acerca dos conceitos de região
metropolitana atuais.

Conceitos de Região Metropolitana

O Observatório das metrópoles (2004, p.7) fornece o conceito de metrópole


uma vez que a considera resumidamente como um:

Organismo urbano onde existe uma complexidade de funções capazes


de atender a todas as formas de necessidade da população urbana
nacional ou regional (SANTOS, 1965, p.44). Corresponde à cidade
principal de uma região, aos nós de comando e coordenação de uma
rede urbana que não só se destacam pelo tamanho populacional e
econômico, como também pelo desempenho de funções complexas e
diversificadas (multifuncionalidade), e que estabelecem relações
econômicas com várias outras aglomerações. Concretizam-se por uma
extensão e uma densificação das grandes cidades (ASCHER, 1995). É
considerada o lugar “privilegiado e objeto de operação do denominado
processo de globalização, ou seja, dos mercados globais” (SOUZA,
1999), funcionando e evoluindo segundo parâmetros globais, mas
guardando especificidades “que se devem à história do país onde se
encontram e à sua própria história local” (SANTOS, 1990, P.9). As
metrópoles diferenciam-se pela variedade de bens e serviços que
oferecem e pelo mercado de trabalho diversificado (VELTZ, 1996).
Pode-se incorporar à noção de metrópole características atribuídas às
cidades globais, como os lugares centrais, onde se efetivam ações de
mercados e outras operações globalmente integradas, ao concentrarem
perícia e conhecimento, serviços avançados e telecomunicações
necessárias à implementação e ao gerenciamento das operações
econômicas globais, bem como ao acolhimento de matrizes e
escritórios de empresas, sobretudo das transnacionais (SASSEN,
1998), bancos e agências de serviços avançados de gerenciamento e
de consultoria legal, e de profissionais qualificados (COHEN, 1981,
p.300), e por serem irradiadoras do progresso tecnológico, como
meios de inovações (SASSEN, 1998). Citado em: (MENDONÇA,
2011, p. 7)

O Observatório da Região Metropolitana de Manaus (ORMM) da Fundação


Vitória Amazônica (FVA) desenvolve desde 2014 pesquisas e discussões em parceria
com várias instituições como a Universidade Federal do Amazonas (UFAM),
Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (ICMBIO) dentre outros, sobre a Região
Metropolitana de Manaus.
O ORMM juntamente com o Observatório das Regiões Metropolitanas e de
publicações do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional - IPPUR-UFRJ
serão fontes para a realização de levantamento sistemático de referencial teórico acerca
do tema.

O Plano de Trabalho (P1) do Consórcio VETEC/VALENTE (2009)


responsável pela construção do PDSIRRM4 aponta que a RMM possui características
peculiares em relação às demais metrópoles brasileiras e mesmo nacionais, sendo as
principais:

 seu porte é singular: abriga em torno de dois milhões de habitantes dispersos


em uma área de 101.474 km², uma das maiores metrópoles do mundo em
extensão geográfica;
 as cidades que a compõem não apresentam conurbação da mancha urbana
nos moldes do conceito convencional de região metropolitana;

 as distâncias entre os núcleos urbanos são de proporções inéditas e se


apresentam entremeadas a um ambiental natural de grande biodiversidade e
fragilidade, a Hiléia;

 os rios têm fundamental importância, seja para transporte, alimentação,


abastecimento ou fornecimento de energia elétrica, e ditam muitas vezes o
ritmo de vida dos habitantes;

 sua multiplicidade étnica, apresentando inúmeros grupos sociais bastante


distintos culturalmente;

 a grande quantidade de áreas naturais protegidas e terras indígenas.

As duas últimas características consideradas no P1 (2009), multiplicidade


étnica e quantidade de terras indígenas na área da região metropolitana, propõem
discussão acerca dos processos históricos e socioculturais desses grupos étnicos que
hoje compõem a região metropolitana de Manaus.

4
Plano de desenvolvimento Sustentável e integrado da Região Metropolitana de Manaus
É necessário pensar como os processos migratórios ocorreram, se políticas
públicas de colonização ou mesmo de atração surtiram efeito sobre esses povos que hoje
habitam a RMM.

Povos indígenas e a política territorial da Região Metropolitana de Manaus

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