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6 que terrogando os problemas do present ves das ferramentas préprias do sou off capaz de pensar @ sua agée nas conti- nvidades e mudancas do tempo, participan- do criticamente na renovagéo da escola © da pedagogia. ‘Ao iador da educagao pede-se que 93 dois fermos desta equastio. Nao hé ria da Educagéo som a mobilizagao ri- icos e metodo- combate intelectual contra a amnésia... quer seja omnésia do excesso (a nostalgia), quer seja a amnésia da auséncia (0 esquecim {o). Ao reunirem um conjunto notivel de cenlena de autores, aprosentom ao pul estudos produzidos a parlir de novas pers- pectivas da historiografia da educagéo. Anténio Névoa erence y EDITORA yOrES ona Mari Siephanou aria Helena Camara Basios STORIAS E MEMORIAS DA CACAO NOBRASIL = Séculos XVI-XVIII 44 Histiias © moms da educagio no Bresl= Vet. VERNAN, Jean Pierre, Avito e soviedade ne Grécia Antiga, Rio de Janci- ro: José Olympio, 192. VESPUCIG; Américo, Carta do Cdice Vanglienti. fn: MAHN-LOT, Ma. rianne. 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Assim, teriamos uma primeira incorporagio nos séculos XVI-XVII, 3 quando se iniciou e consolidow o processo colonizadr. A Europa Ocidental transitava do Renascimento para o Barroco, # Re- forma quebrara a unidade religiosa antes existente, o comércio intereonti- nentalalterava estruturas organizacionais ¢ padres de consumo. Muito do anterior, entretanto, permanecia: a base agraria e majoritariamente de su- toconsumo da economia, a sociedade estamental, quadros mentais medie- vais, analfabetismo dominante. Essa ambivaléncia significa dizer que também no universo da filosofia eda cigncia nascente, enquanto cxistia uma tendéncia moderna para a ra- cionalidade e a precisdo quantitativa, ainda persistia muito da tradiglo filo- séfica medieval. Aristételes nao foi banido, embora muitas das suas teses, ‘que haviam embasado os pensadores cristios, viessem sendo em diferen- {es campos como a astronomia, a biologia e a geografia, refutadas pela in- vestigagdo empfrica ou por novas teorias e métodos. 46 Hist6rias © memétias da educagéio no Brasil Yel. No momento quinhentista e seise-ntista da incorporagiio da nova eo!d- nia portuguesa ao inundo modemo, este se encontrava irremediavelmente fraturado pela nuptura da Reforma. A reago anti-reformista logo se con fundiria, na Peninsula Ibérica, com a reafirmagdo da escolistica, com re- flexos profundos na filosofia ¢ na educag%o, Suarea, o jesuitismo ¢a Inqui- /(sigdo, esta atuandlo emi geral mais como um brago estatal do. que como 6r- agh slo da lereja, representaram um decididdo obsticulo nfo apenas a expansio "do protestantismo, mas do pensamento fitoséfico laico e do experimenta- lismo cientifico. A incorporagao da col6nia portuguesa ao mundo modemo fez-se, assim, por meio de uma ‘‘triagem ibérica”, que refittava muitos tragos dessa mesina modemidade, Mesmo qué alguns aspectos dessa tese que acabamos de x- por se ddevam ao exagero ideologico de protestantes e liberais, & inegdvel a ocorréncia de uma politica que buscou isolar a Peninsula Térica do que cram considerados os aspectos mais contrdrios & ortodoxia religiosa, Pode-se considerar uma segunda incorporaga0 quande, na segunda metade do século XVI, cheyat ao Brasil os reflexos do Hhiminismo, Ainda pela mediagéo ibérica, procura-se 0 aggiornamento da colénia ~ como de metrépole — om relagao “As nagdes mais adiantadas da Eurofa", no jargao da burocracia pombalina. A literatura e a cronica histérica ji de- ‘monstravam desconforto com 0 atraso em que, a seus olhos, vivia o pais e seus dominios (a) ay ‘Uma terceira incorporagiio deu-se sob o clima liberal ¢ romantica da primeira metade do século XIX. Conquistada a independéncia politica, co. locaram-se novos desafios: como promover a “indistria nacional” (enten- dido indiistria em polissemia ampla, referente a toda iniciativa econdmi- ca), resolver o problema do trabalho, afirmar 0 sentimento nacional, ques~ tes que apds trés séculos de priticas mercantilistas, escravidio e frapmen- tacio politica, respectivamente, determinayam, aos olhos dos contemporé neos, a Viabilidade da nova nagio. (i) Uma quarta incorporagio ocorreu apés a década de 1920, acentuan- do-se no pés-guerra: o esforgo para retirar o Brasil da condigdo de pais “atrasado” (expressio corrente até a década dé 1940) ou “subdesenvolvi- do”, por meio de opgdes pela dircita—: acelcragae do capitalismo no pais — ou pela esquerda — introdugao da planificagzo socialista Parece claro, assim, que a incorporagao depende do referencial “mo- demo” que considerarmos: falamos da modernidade renascentista, da mo- demidade ilustrada, da modernidade tiberal, da modernidade do século Ley eed ee 43, Aincorporagao do Brasil ao mundi moderne 47 XX70 tinico ponto que perpassa as “incorporagées” posteriores ao século XVIIL € o sentimento de incompletude em relago a um modelo extemno, ponto telcol6gico que deveria ser atingide Para efeito deste trabalho, iremos considerar a incorporagao do Brasil A Histéria Moderna, em sua periodizagio chissica, do final da Idade Média & crise do Antigo Regime, no século XVIIL PRIMEIRA INFLEXAO: OS SECULOS XVI E XVII A década de 1540 marca mudanga radical ¢ pouco percebida na hist6- ria da colénia portuguesa: aumenta a presenga francesa e espanhola no li- toral, surgem os primeiros sucessos, ainda diseretos, do modelo agro-ex- portador em Pernambuco e os portugueses abrem mfia de pragas (e despe- sas) militares no norte da Africa, A Terra ou Provineia de Santa Cruz co- mega a aparecer como um elemento significativo nas preocupagbes do xo- vero de D. Joao IIL. Coincidentemente, & 0 momento de uma virada na politica joanina: temor da difusio do luteranismo ¢ do calvinismo fez. com que o rei portu- ués ¢ seus conselheiros, antes abertos aos ventos renascentistas —a ponto de Erasmo fazer 0 elogio de D. Joao Hl -, se fechassem numa reatirmagao doutrinaria da ortodoxia, que corren paralela & ago da Igreja no Concilio de Trento (1545-1563). A antiga sintonia com os ideais estéticos, filosoficos ¢ cientificos do Renascimento cedeu lugar a uma atitude cada vez mais suspicaz do Estado ante os riscos da heterodoxia. Se 0s judeus e moutos jé haviam sido expul- 505 ou convertidos forga desde fins do século XV, a ruptura da unidadle cristi provecou nos paises ibéricos uma redobrada cautela. Em Portugal, a instalago, pelo govemno, da Inquisigao, entregue aos dominicanos, mas atuando como drgio paraestatal, © introdugao dos jesultas, representaram 05 dois instrumentos mais embleméticos dos novos tempos. A criagio do govemo geral, em 1549, reflete tanto 0 novo significado atribuido & colonia, como a nova conjuntura politico-ideol6gica. Os dois vetores aparecem claramente na instalago do govemo, com ‘Tomé de Sousa, Oregimento, elaborado pelo conde da Castanheira, conse- Iheiro de D. Joao II, era minudente ¢ espelhava a preocupagtio de instalar um governo portugués na regio. Eram decretadas medidas referentes a defesa, as relagdes com as capitanias, agora subordinadas A autoridade central na coldnia, ao governo civil e a religifio. Logo depois, alids, seria criado 0 bispado de Salvador, com o fim de dirigir a Igreja secular. Além disso, a vinda clos jesuitas demonstrava o interesse do Estado em garantir a afirmagio da ortodoxia, numa area que jé era conhecida pela corrupgaio do lero secular ¢ pela desordem institucional A incorporagiio da nova terra consolidava-se, portanto, em meados do século XVI, pela via politica, com a ampliagao do mimero de instituigie portuguesas no Brasil, pela-via econémica, com o aumento das exporta- Ges de agticar e da extragio do pau-brasil e pela via religiosa, com a orga nizagao do clero secular e o estabelecimento de uma ordem francamente militante como a dos jesuitas, Em linhas gerais, 0 modelo que daria consisténcia A presenga portu- _guiesa nos dois e meio séculos seguintes. A despeito de alteragées ditadas pela prépria légica colonial, a comecar pela expansio geogritfica, tal mo- delo permaneceu fundamentalmente 0 mesmo, inclusive no tragado das politicas ptiblicas, até a época pombalina (1750-1777), e, em alguns aspec- tos, até pelo menos A independéncia, A incorporacio pela via politics implicou no transplante, adaptado, de instituigdes metropolitanas, ou pela eriagao de novas, respeitando-se em geral algum principio analogico. Os governadores-gerais, depois vice-reis, os governadores de eapitani as privadas e piiblicas, as camaras municipais, os érgaos da administragdo que se criaran empiricamente, a0 influxo das necessidades do proceso colonizador, foram os instrumentos que tormaram possivel a criagao de um “estado do Brasil”, politica e juridicamente incorporado aos dominios da -monarquia portuguesa e, por isto, ao sistema politico vigente na Europa. Por outro lado, exist 0 aspecto social dessa incorporagiio. Vigia em Por- tugal, como no restante da Europa Ocidental, a sociedade de ordens ou es- tados, que a sociologia weberiana chamaria estamental. Também ela esten- deu-se ao Brasil, nZo apenas porque os migrantes portugueses traziam com cles suas distingdes sociais e juridicas, como porque as reproduziram na ccl6- nia por uma imposigao da prépria organizagdio sociojuridica portuguesa A vigéncia das leis do reino, o estabelecimento dos govemos central © as capitanias e, na base, as cémaras municipais, foram os condicionamen- tos institucionais que delimitaram © conformaram a nova sociedade ¢ 0 madelo estamental. Conquanto ela fosse miscigenada, tivesse escravas e uma vasta populagio indigena, cuja maioria nfo era aculturada e s6 graiu- almente foi sendo incorporada a esfera de influéncia social, politica e reli- giosa portuguesa, ainda assim as regras da sociedade estamental existiram, © funcionaram, relativizadas e tropicalizadas, na sociedade colonial Susie 8, Alncorporecio do Brasil ]20 mundo mademo 49 A classificagdo social e os mecanismos de ascenstio social, juridica- mente sancionados como em toda sociedade de ordens, funcionaram e' 1 vamente nv Brasil colonial. O Estado, no Brasil como na Europa, neste processo de legitimaciio da mobilidade social, teve papel fundamental, ja que o exercicio de fungdes pilblicas, como as vereangas municipais, 0 gos na administragao das capitanias ou do governo-geral, o pertencimento As milicias, 4s ordens militares, aos grémios corporativos, as irmandades ‘ou a0 Santo Oficio eram passaportes para a mobidade ascendente. A incorporagio pela via econémica, por sua vez, integrou a col6nia As redes do capitalismo comercial por meio de diferentes mercados: do pau- brasil, do agitear, do tabaco, de couros, do ouro, dos diamantes, de escra- vos. Nao obstante a existéncia de setores de autoconsumo em diferentes re- gides, foi sem diivida a geragao de rencias canalizada para o comércio de. Feexportagiio portugues, aquele que efetivamente ligot o Brasil aos fluxo intemacionais de hens e capitais, fazendo com que o pais integrasse efeti site a “economia-mundo”, ‘Aincorporagio pela via religiosa deu-se pelo espirito tridentino-e pela actio jesulta, ‘Mesmo com a entrada de outras ordens religiosas, como 2 dos benedi- tinos, franciscanos e carmelitas, mais tarde, pude-se dizer que a matriz ideolégica da colonizago permanecen aquela definida a época de D. Joao II], Embora, em momentos posteriores, a ortodoxia fosse confirmada por visitas inquisitoriais e pela atuagao de alguns bispos e arcebispos, ¢ inegt- vel que, do ponto de vista cultural ¢ intelectual, a afirmagio dos lagos com ‘a metiSpole deu-se por meio dos jesuitas. Os inacianos atuaram com este fimn por diferentes instrumentos, As missbes e 0 trabalho de catequese dos indigenas foi intenso nas ea- pitanias litordneas desde o século XVI, como seria também relevante na ‘Amaz6nia nos séculos XVII ¢ XVIII, obedecendo a um paradigma que era 0 do Concilio de Trento e as proprias nortnas da Companhia sobre @ atua- ‘so missiondtia, Oensino destinado aos proprios religiosos, 20s filhos de colonos aos indigenas dava consisténcia ao projeto de “uniformizagao das conscién- ccins” com base num fundamento comum cristio e cléssico. O Ratio Ste- diorum, em suas diferentes formulagées, chegou ao Brasil ¢ foi aplicado ‘nos curriculos dos colégios. Esses dois aspecios, entretanto, eram a parte mais visivel da agao jesui- tica, cujo fundamento teoldgico, filoséfico e educacional encontravarse na 50 Histérias e mométlas da edueaco no Brasil— Vel. |escolistica renovada pelos mestres ibi | Brancisco Suarez. © Brasil entrou para 0 mundo da cultwra, deste modo, pela atuo cla Contra-teforma. Afastou-se, assim, da tradigio investigativa que se conso- lidava a9 norte dos Pireneus que, em menos de um século, passiiia da Nova Légica de Bacon, a Galileu, Descartes e Newton. 08, como Pedro da Fonseca e Embora nao se dleva, pelo que se constata dos estudos mais modernos sobre o jesuitismo dos séculos XVI ¢ XVIII, admitira idéia de uma cultura fechada nos limites da escolistica medieval, ainda assim percebe-se que as hovas teses e descobertas eram analisadas com cuidado, a luz, sobretu- do, dos pressupostos tomistas e de sua hermenéutica moderna, isto ¢, dos neo-escolisticos ibéticos. Tanto eles, os modernos, como os autores clis- sicos, na verstio do humanismo jesuftico, foram rigorosamente enquadra- dos ou, na expressio de Peter Burke, “domesticados” Se a critica liberal e jacobina exagerou no tom ao falar de um puto © simples obscurantismo jesuitico no Brasil colonial, ¢ preciso reconhezer ‘que a coldnia nao acompanhava livremente o debate intelectual contempo- raneo, quer por esta condigao, quer porque a metrépole se preocupava com a manutengaio de uma estrita ortodoxia religiosa nos dois Indos do Atlinti- £0, vista como a base indispensavel do poder politico. Neste aspecto, por- tanto, nfo havia diferenga para a metrépole, onde também estava vedaclo 0 debate filosofico e cientifico que pudesse alterar a relagiio de poder impos- | '@ pelo tripé monarquia-jesuitas-Inquisi¢ao. Outro ponto a ser considerado no problema da incorporagiio do Brasil 20 mundo modemo e que leva em conta o conjunto das vias pelas quais a col6nia se comunicava com a Europa —a politica, a econémica, a cul:u- ral/teligiosa ~é 0 da prépria condigio colonial Refuundar instituigdes, exportar produtos com aceitagio no mercado in- ternacional e esforgar-se por eriat uma homogeneidade cultural fineada na lingua e na religiéo foram procedimentos de viabilizagio do processo colo- ial, cacta qual com estratégias préprias e as vezes conflitantes como foi o «caso dos choques, ocorridos desde o Padre Manuel da Nobrega, na década de 1550, entre jesuitas ¢ colonos sobre o uso da mio-de-obra indigena. Se os vetores que incidiam sobre essas diferentes vias eram europeus~ a sociedade estamental portuguesa ¢ as estruturas de poder que a baliza- vam, as circunstancias de desenvolvimento do capitalismo comercial, a Welranschammg atistotélico-tomista—sua agio em novo meio, com outras culturas, como a dos indigenas e negros, gerou um melting pot que se tta- duziu numa nova realidade histérica i 3. A incorporagao do Brasil ao mundo modemo 51 Se Mes O ver »X 4

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