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Jean Poupart Jean-Pierre Deslauriers Lionel-H.Groulx Anne Laperriére Robert Mayer Alvaro P. Pires & EDITORA vozes A observacao direta e a pesquisa qualitativa De modo geral, a observacto dos fendmenos, qualquer que sejaa sua nature=s: constitui o nucleo de todo procedimento cientifico. Os fundadores das ciencias so” Chas e, mais precisamente, os fundadores da sociologia,fizeram da observacio & Grtério fundamental do conhecimento, com os fatos sociais tornando-se, nos Pr ciedios do desenvolvimento dos metodos nas ciéncias sociais, os “sujeitos de ob servacao'”. A observagdo se afirmou, portanto, como uma condicao primeira da Gonstruao do saber nas ciencias sociais (assim como nas ciéncias puras), por ums ‘elagdo, mas tambem por um distanciamento entre 0 sujeito eo objeto, Em nome eum certo “rigor cientfico” ou de uma preocupacao com a “verdade” ea objets Cidade", conceberam-se "instrumentos de medida”, “técnicas” e “métodos’ de pesquisa, para permitir a observacdo, a compreensio ou a explicacdo dos fenome. ree ociais. Mas, ainda que a observacio tenha aparecido muito cedo na historia “Io aecenvelvimento do pensamento cientifico, como o modo de construcao do co tnhecimento por exceléncia (por exemplo, nos gregos antigos, por meio de Aristo” {eles), era preciso esperar varios séculos para que uma metodologia da observacae se esboce e se enraize no meio universitatio. ‘A observagio enquanto pratica de pesquisa nas ciéncias sociais, estendida a dominio da pesquisa qualitativa, constitui 0 objeto deste capitulo’. Diferentes de- hominacoes foram e sio utilizadas para designar esse tipo de abordagem: observa ao participante, observacao direta, ou observacao in sitw’. Porém, cada ver mals 1 Augusto Comte afirmara,em se Cows de philosophic postive (1630-1842), que “a obeeraeie ds para fea base slida dos eonhecimentos humanos", 0 fatos sociis devendo ser considerados tee vaults cle cbservacio™, ais do que como “sujltos de admiragao ou de critica” (GRAWITZ= 1979: 98). 2. Aligacio quase “natural” enze a sbordagem por observacto a abordagem qualitative nfo des enateqquever que uma tradigto quanttativa também atua no trabalho de campo por obser Gin quae eterea coleta dos dados (o uso de um questiondrio, por exemplo) ou no que coneere ‘vandlise dos dads. 3. A expresso “observagio pessoal” €utlizada,inicialmente, pels Webb (WEB &« WEBB, 103% 3) ecapeoximadamenteno final dos anes 1930 que o termo “observacto participante” parece 27 aaa eavtge etm sta acepcao atual (PLATT, 1983). Deve-se a Hughes a expressio “abservaclo in $= en tabeervacdo deta, para signfiearo esd das acBes coletivas © dos processos sociis Por meio das interagdes diretas (CHAPOULIE, 1984). 254 esse estilo de pesquisa se aproxima da abordagem mais geral do trabalho de campo (BURGESS, 1982; CHAPOULIE, 1984). Entretanto, a observacao figura sistemati- camente ao lado das outras técnicas de coleta do material qualitativo, tais como a entrevista, 0s relatos de vida, ou ainda a pesquisa documental, nos manuais bési- os sobre os métodos de pesquisa nas ciencias sociais. Nés nao nos lancaremos, de imediato, em uma definicao da observacao no trabalho ou na pesquisa de campo (0 que os Anglo-Saxdes designam por field work ou field research) — veremos até que ponto estas definicdes dependem das orientacoes ou das tradi¢des tedricas de cada um, Mencionemos, contudo, que a observacio, enquanto procedimento de pesquisa qualitativa, implica a ativi- dade de um pesquisador que observa pessoalmente e de maneira prolongada si- tuagdes € comportamentos pelos quais se interessa, sem reduzir-se a conhe- c@-los somente por meio das categorias utilizadas por aqueles que vivem essas situagdes (CHAPOULIE, 1984: 585). Precisemos as principais caracteristicas Trata-se de uma técnica direta, jé que hé um contato com informantes. Tra- ta-se, também, de uma observacao ndo-dirigida, na medida em que a observa- ‘cao da realidade continua sendo o objetivo final e, habitualmente, o pesquisa- dor nao intervém na situacdo observada. Trata-se, ainda, de uma analise quali- tativa, uma vez que entram em jogo anotacdes para descrever e compreender “uma situacdo, mais do que nuimeros para enumerar as frequéncias de compor- tamentos (ANGERS, 1992: 131). Esse procedimento se harmoniza com uma sociolagia que coloca no centro de seu objeto de estudo, nao fatos constituidos, a maneira de Durkheim, mas sim agdes coletivas e processos sociais que podem ser em parte apreendidos por meio de interagdes diretas, cuja significagao — cabe nao negligenciar ~ nao ¢ determina- da previamente. Como qualquer outro método qualitativo, a pesquisa por observacao susci- tou controvérsias € debates que encorajaram seus “praticantes” a produzir, principalmente a partir dos anos 1950, relatorios detalhados sobre as condi ‘cOes nas quais as pesquisas sao realizadas, bem como sobre os problemas priti- cos encontrados (CHAPOULIE, 1984), ainda que 0 trabalho de campo seja, no presente momento, amplamente documentado. As questdes mais debatidas, mais comentadas, e, enfim, mais documentadas concernem, sobretudo, a posi- G40 € ao papel do observador, sua relacao com 0 campo de pesquisa, o lugar da ‘observacao no procedimento de pesquisa, os critérios de validade e de confiabi- lidade, a amostragem ou a selecdo do local de observacdo, a construcao das ca- tegorias de anilise, a produgao teorica, o problema da generalizacao dos resul- tados e as questdes de ordem ética. Algumas referencias historicas Tentar tracar as origens da observacio € ja reconhecer um dos fundamentos metodoldgicos desta abordagem, ou seja, 0 distanciamento em relagao ao objeto. De fato, as premissas metodoldgicas da observacao se confundem, desde o inicio, coma sua emergéncia. A alteridade, uma conseqttencia da observacao, 6, sem dt- vida alguma, o elemento que faz germinar a observacio, nfo somente enquanto atividade humana, mas enquanto pratica politica, social e cientifica. Em conse- qiéncia do distanciamento ¢ da exterioridade, a observaco também reproduz. desde suas origens, as relacoes de poder assimétricas entre dominados-observados e dominantes-observadores. Como o lembra Leclerc (1979), a observacao, qual- quer que seja seu objeto, nao ocorre, inicialmente, entre individuos da mesma po- sicao social, “ela acontece mais entre individuos tendo estatutos sociais € culturais heterogeneos, entre membros de classes ou de culturas diferentes” (LECLERC, 1979: 51); classes ow culturas mais amitide percebidas e delinidas como inferiores. E, efetivamente, no contexto das conquistas dos povos que surgem os primeiros relatorios de observacio, produzidos pelos comerciantes e pelos embaixadores desde 0 século V a.C. (WAX, 1971; DOUGLAS, 1976). A primeira insercao da ob- servacao é, portanto, antes de tudo, politica. Relatos de viagens sto publicados na Europa, na metade do seculo XVI, mas eles s6 constituem, aqui, uma curiosidade pré-cientifica, como 0 qualifica Leclerc (1979: 47), jé que ainda nao sdo acompa- nhados de uma metodologia da observacao. Esta metodologia toma forma em dois, ‘momentos, ou, ao menos, elabora-se sincronicamente aos dois polos da relagto que se estabelece entre 0 sujeito e 0 objeto. Entre os séculos XVI e XVIII, as obras sobre a observacao se referem, principalmente, ao objeto, ¢ organizam-se em torno do que observar. No século XVIII, elas se separam do objeto, para se centrar no st- jeito e indicat como observar, © manual de investigacao etnolégica de Joseph- Ma rie de Gérando, publicado em 1800, assinala, certamente, uma mudanca decisiva, ao trabalhar a via de sistematizacao dessa pratica, Em Considérations sur les di- verses méthodes a suivre dans Vobservation des peuples sauvages, Gérando ja estabe- lece os principios fundadores de uma metodologia da observacao, ao nela criticar “as estadias muito curtas, que conduzem a observacdes fragmentares e ndo-padro- nizadas [...]; 05 informantes € depoimentos duvidosos; a ignorancia da lingua, e, portanto, da cultura observada; a auséncia de métodos ¢ modelos; o etnocentrismo € 0 apriorismo; a ingeréncia entre o observador € o sujeito observado” (LECLERC, 1979; 49-50). Nos veremos que o século XX € pautado pelos questionamentos e debates concernentes a maneira de dissociar o sujeito do objeto para produzir o sentido. 4.Este fundamento metostoligico se diluiu bastante, sob influencia de pesquisadores que, em seus fotudos, focam menos nos objetos socioculturalmente distintos, esim nos objetos que pertencemn a0 seu mesmo universo sociocultural, Como o veremos, essa evolucao se realizara mats tardiamente Leclerc (1979) aponta, entao, que, ao longo dos anos, a observa¢ao do homem se baseou, principalmente, no “estrangeiro”, no “outro”, tal qual o percebia a clas- se dominante: “selvagem” das terras conquistadas; “proletério” das cidades indus- triais, A etnologia dos missionarios e dos colonizadores correspondeu a “paupero- logia” dos filantropos burgueses do século XIX. Assim, a observacio seré muito cedo abundantemente utilizada, em primeiro lugar, pela etnologia nascente, depois, pelo movimento das investigacées sociais’ A institucionalizacao do procedimento da observacao no meio universitario se esboca aproximadamente no fim do sécuilo XIX ¢ infcio do XX (BURGESS, 1982) Instrumento de redugao da distancia fisica e material entre o sujeito e 0 objeto nos meios “exéticos”, a observacdo se tornard também um instrumento de reducao da distancia cultural e social entre 0 sujeito e o objeto nos meio marginalizados’. Na Gra-Bretanha, por exemplo, ela foi aplicada no final do século XIX, pela equipe de Booth’ para pesquisar o ambiente da pobreza em Londres (EASTHOPE, 1974). Se- gundo Wax (1971), esta ¢ primeira vez em que os dados estatisticos se combina ram a entrevista e & observacao participante. Nos Estados Unidos, ¢ por volta dos anos 1920 que os socidlogos da Escola de Chicago utilizam a observacio direta para estudar o meio urbano. Sob a influéncia de RE. Park (nos anos 1920), e, depois, a de seu aluno, E.C. Hugues (nos anos 1940), a observacao encontra um lugar central nos métodos de pesquisa. Na con- cepeao de Park, antigo jornalista, a observacio constitui uma abordagem situada na interseccao da tradicao antropologica e da tradicdo jornalistica. Esta “etnosso- clologia” originard 2 publicacao de inuimeras monogratias’ sobre os diferentes bair- 5. Em esséncia,tratava-se de colher informacbes sobre as condigdes de vida das classes populares. Os Slantropos da epoca desejavam encontrat ai um meio para melhor delimitar 0s “desviantes" ,so- bretudo, reds a incertesa quanto as classes dtaspeigosas.Também se pretend, na ocasio,fun- damentar a caridade na elenca, eliminanda, asim, os “mau pobres”. Acreseemtava-seigualmente ‘uma preccupacio moral: ade tomar laboriosos os ociosos. F, portant, sob uma ceria perspectva ce “redirecionamento” ede “moraliza¢a0" das classes populares, que se podem sitar esas novas prati- cas de investigagdo ¢ intervened socais. A socologia, a criminologla, assim como o servico social So hezderos dessa praticas (DONZELOT, 1976; LASCOUMES, 1976; VERDES-LEROUX, 1978) 6.Se, no inicio, a observago serve para pesqulsar os meios ociais marginaiseconsiderados como in- Feriores,reproduzindo um modelo de coleta de informacdes de cima (0 sujltocbservante) para bal 30 (0 sujeto observa), ela tender, mais tarde, a também reduzra distancia socal e cultural, po- rem, desta vez, de baixo (0 sujeto observante) para cima (0 sujeito observado) 7.C. Booth Life anu Labour o the People of London. Londtes: Macmillan, 9 vol, 1892-1897. As pes- quisas de Booth sobre o ambiente da pobreza consituem as primeiras monogtafias clisicas na so- Sologia 8. Fue os grandes lssicos, podese citar o estudo de Anderson (1923) sobre os mendigos de um baitro de Chicago, de Thrasher (1927) sobre fenomeno das gangues, assim como uma das pesqui- ss mais mareantes da historia da observagao paticipante, a de Whyte, Sirzet Comer Society (1943). Whyte viveu tes anos e meio (aproximadamente no final dos anes 1930) em unbaieo pabre de imi- antes lallanos da cidade de Boston, para analisr sua organiza e estrutura soci. ros € grupos sociais (LAPERRIERE, 1984: 228) ¢ recorrerd a outras téenicas que verte imediatamente utilizadas, complementarmente & observacao direta: fontes documentais, fontes estatisticas, entrevistas ¢ questionarios (BURGESS, 1982). ‘Aesimn € que, hoje, a pesquisa de campo é considerada como um métolo que per- nite produzir dados a partir de observacbes sobre um meio social determinado, n= “Tluindo a coleta ea analise de materiais documentais (arquivos, jomais, documentos pessoais), de depoimentos de informantes-chaves e de entrevistas. Esse amalgama Te instrumentos, por vezes complementares, torna o cardter do procedimento por bservacdo mais complexo, no sentido de que o termo “observagdo” pode set em- pregado tanto para designar um tip de coleta dos dados pelo proprio pesquisador (2 eepervacto in situ), quanto um tipo de relacao com os objetos-sujeitos pesquisados; isto é, o de um contato mais ou menos intimo (CHAPOULIE, 1993: 2) ‘A observacdo direta foi igualmente muito utilizada no estudo das comunida- des rurais, principalmente por volta do final do século XIX, na Franca, por influen- tiade Le Play, inieiador do método monografico na sociologia’, Durante o pertodo dlo pos-guerra, grandes investigagdes sociologicas foram realizadas, tanto ns Eeados Unidos (Wamer, Lynd), quanto na Europa (Bettelheim, Morin), onde ¢ bservacdo participante foi abundantemente utilizada para estudar comunidades locais ou rurais”. ‘E tambem nessa época que 0 uso da observagio direta comeca ase diversificar Nao é mais 0 caso de pesquisar exclusivamente os meios estranhos ao pesquisador, ou considerados como inferiores". O estudo de meios menos estigmatizados ou mais proximos da situacdo social do pesquisador, sendo-lhe até francamente supe Hotes, torna-se um novo centro de interesse™. Nesse sentido, a observagio do ou= tro ou do semelhante insere-se menos em um projeto de dominacao de certos gru- 9, Frédéric Le Pay se interessar, sobretud, pelo estudo da fara camponesa, Sua influencia € im povtante para odiologa quebequense, una vez que Léon Gérin disciple de Le Play abre comin roms paimetras pesquisa de campo sobre a fans rual canadense-rancesa, or vlta de 1940 (DUFOUR; FORTIN; HAMEL, 1991). 10, Na radia anglo-saxonica, a expresso “estudo de comunidade” (os community studies) designs aecemia de coletvidadeslcalizadas, to, anto um povoado, unsa pequena cidade, quanto wh Eat osrna Fetaos Unidos, o primeiro estudo de comunidade € 0 dos Lynd, em 1920, sobre as priticas feligiosas em uma pequena cidade americana (TEVIANT, 1983: 245), 11. Essa mudana de abjeto, que ganha espaco, principalmente partir dos anos 1970, orignars una ‘ieete sobre os problemas metodolégicos inerentes ao estudo desses meios (ver, por exemp\o, SPENCER, 1973, ABLON. 1977, e, mais recentemente, LIPSON, 1984; YEAGER & KRAM, 1990), 1A titulo de exemplo,citemas os estudos de Becker sobre os meios profissionas,tais como o dos Pesgebs (1951), dos professores da rede piblica de Chicago (1952), dos estudantes de meticins DECKER et al, 1961), Entre as pesquisas mals contempordneas, pode-se mencionar a de Spence {G94 sobre as elites burocraticas, a de Cassel (1977) sobre o movimento das mulheres en. Now (ba ainda, a de Opien (1986) sobre as relaSes entre os cuidadores eas pessoas hospltalizads «em um servigo de medicina interna, pos sociais do que em um projeto de denuncia dos mecanismos de regulacao e de poder em determinados meios"’, Por volta de 1950, a observacao direta conhece, assim como as outras aborda- gens qualitativas, um certo declinio sob o peso de consideracoes praticas e episte- ‘mologicas, num contexto em que o empirismo quantitativo se impae como mode- lo cientifico. A subjetividade do pesquisador, a representatividade, a generalizacto ea validade dos dados, assim como a suposta lentidao da abordagem por observa- «a0 (0 investimento em tempo e em dinheiro, pelo pesquisador), so tanto quanto elementos que contribuirio para o descrédito da observacao direta por algumas décadas (CAPLOW, 1970; LAPERRIERE, 1984; CHAPOULIE, 1993). Mais tarde, no final dos anos 1960, a observacao participante recebe uma espé- cie de reconhecimento atribuivel, em parte, aos “contralimites” da sociologia em- pirica quantitativa. A preponderancia desta sociologia havia, efetivamente, origi- nado o aciimulo de um conjunto de dados geralmente fragmentares, aos quais fal- tavam interpretagoes do todo, para dele retirar a significacio social profunda (LAPERRIERE, 1984). Manifesta-se, entao, uma oposi¢ao entre pesquisas quanti- tativas e pesquisas qualitativas (PLATT, 1983). Com a corrente fenomenologica ganhando importancia, confere-se uma atencao as interagdes concretas, a0 longo das quais sto produzidos o que os socidlogos tratam ordinariamente como “da- dos"; isto €, as categorizagdes dos comportamentos e das pessoas na vida social (CHAPOULIE, 1984: 603) Ao longo dos anos 1970, o recurso observacio se expande ainda mais no campo da pesquisa social, isto por diversas raz6es (MASSONNAT, 1987: 20). Ha de um lado, o fato de que a observacao €, as vezes, 0 tinico método possivel (por exemplo, em casos de diferenca de lingua); e, de outro lado, devido a nao-adequa- ‘Go entre 0s discursos e as condutas reais dos individuos, 0 fato de que a observa- ao do comportamento concreto constitui um modo de abordagem til e necessé- Tio. Desde os anos 1980, intensificou-se a reconsideracao dos antigos paradig- mas que buscavam, sobretudo, explicar a aco social por meio das estruturas so- ciais, “determinando os atores sem que eles o soubessem” (QUERE, 1985; apud MASSONNAT, 1987). No entanto, opta-se principalmente por uma perspectiva “etnometodol6gica”, que visa descrever e compreender como, concretamente, os atores sociais atribuem um sentido as suas acdes, As posigoes epistemolégicas e a observacao direta Lowry (1981) ressalta que o conceito de observacao, embora central neste mé- todo, permaneceu, durante muito tempo, pouco teorizado. Ela aponta, nesse senti- 13.0 estudo de Goffman (1961) sobre a instituicao psiquiatrica¢, sem duvida, um dos estudas mais européia ipante co- de, obser- 10 20 estu- mo, omo- lade como a observa- cdo com a °Y, 1981), questo da relacio entre 0 objeto e o socidlogo, esta dimensao se tornar4, paulati- hamente, um tema maior. Viu-se que Gérando ja apontava, em 1800, 0 problema da interferéncia entre o observador e o objeto observado (LECLERC, 1979), po- rem sera preciso esperar pelos anos 1950 para que esta questio passe a ocupar 0 centro dos debates. A principal preocupagio concerne, assim, a subjetividade dos dados coletados por observacio, pelo proprio fato de que o observador faz parte in- tegrante da situacao de sua observacao (0 observador ¢, 20 mesmo tempo, objeto ¢ sujeito). O problema colocado dessa maneira produzira uma sistematizacao, na li- teratura cientifica, dos papéis do observador, em funcao dos objetivos ¢ dos limites do campo de pesquisa”. A preocupacao com as dimens6es pessoais do observador (idade, sexo, origem social e étnica, etc.) ¢ as conseqiténcias das mesmas sobre a realidade observada contribui para uma certa reavaliacao do modelo naturalista, dominante na primei- rametade do século XX, uma vez que indagar sobre o lugar do observador em rela- <0 ao objeto leva, inevitavelmente, a um questionamento sobre o objeto observa- do. Alem disso, de meio de acesso a um saber até entio inacessivel, a observacao passard a ser uma outra forma de saber, ou uma outra forma de compreender e pro- duzir a realidade. Passa-se, paulatinamente, de um saber sobre a alteridade a um saber sobre a interioridade, sobre a subjetividade, ou ainda, sobre a relacao entre 0 sujeito e seu objeto”. Essa diversificacao do saber necessitou de uma mudanca do olhar, e, conseqientemente, do sujeito, para que o objeto se transformasse. Como o salienta Leclerc (1979: 43), “foi preciso tres séculos para que se passasse da qua- lidade do objeto exotico, interessante, porque distante e raro, a qualidade da atitu- de do observador em rela¢ao aos objetos distantes, ¢ depois, ao retorno sobre si da consciéncia observante, da consciéncia que observa mais as suas sensacdes do que © objeto que ela conhece”. Esse questionamento sobre a relaclo com o objeto contribuiu para inscrevé-la seja sob o signo de um problema de interferencias e de vieses a controlar e a rediu- zir (modelo da passividade ou da retracao), seja sob o signo de uma superposicao entre 0 sujeito € o objeto (modelo da impregnacao), sefa ainda sob o signo de uma interagdo necesséria a producao e a interpretacdo dos dados produzidos durante a observagao (modelo da interacao). 15, Originam-se dat tipologias sobre o leque dos papéis possiveis, Ver, por exemplo, os trabalhos de Schwartz e Schwartz (1955) sobre os papéis passivose alivas, au acélebretipologia de Gold (1958), que distingue quatro papeis possiveis; 0 participante total (observacio clandestina), © participan te-observador (0 pesquisador revela a sua identidade, mas ¢ percebido como um par), 0 observa dor-participante (0 pesquisador se integra a0 meio, mas limita as suas interacdes) eo observador total (o pesquisador nao se posiciona). 16, Pode-se mencionar, aqui, que um tereeiro modelo, 0 modelo construtivista,tende a tomar forma em continuldade so modelo interpretativo. Nesse modelo, o abjeto de estudo ¢ concebide nao apenas como a interagao do sujeito com o objeto, mas ainda como o produto de um proceso de construc no qual o sujeito¢implicado. O sentido se torna co-construido no interior do campo de observacio, 261 No modelo da passividade, o pesquisador colhe os dados de natureza principal- mente descritiva, observando a vida cotidiana do grupo, da organizacio, da pessoa que ele quer pesquisar. Sua intervencdo continua minima (DESLAURIERS, 1991 46). Aqui, 0 sujeito ¢ o objeto estio dissociados. As particularidades socioculturais do pesquisador sto perturbacdes que € preciso neutralizar, para melhor atingit 0 ob- jeto. A exclusdo da subjetividade do olhar possibilita reduzir ao minimo, e mesmo climinar os riscos de “contaminagao”, para que 0s “fatos falem de si mesmos”, A idéia € que a alteridade se revela & medida que 0 pesquisador renuncia a impor seu proprio sistema conceitual (DELLA BERNARDINA, 1989: 15). Essa abordagem im- plica um conhecimento de sua equagao pessoal. O distanciamento (principio de ex- lusio do pesquisador) € a via de acesso a um conhecimento objetivado. Esse mode- Jo cai na ilusao da neutralidade do sujeito como via de acesso ao saber. No modelo da impregnacio, o saber € o produto da integracao e da participacto do pesquisador no meio estudado. A observacio se caracteriza pela insergto do ob- servador no grupo estudado, segundo um procedimento de compreensio do real (tradicao do verstehen e do interacionismo simb6lico), ¢ €a participacdo ou 0 envol- vimento do pesquisador que permite chegar a compreensio da realidade pesquisada (CHAUCHAT, 1985). A participacao remete a idéia de que o pesquisador deve pas- ssar por uma espécie de socializacao no meio que ele pesquisa (CHAPOULIE, 1984). Concretamente, trata-se de favorecer uma integracao maxima ao meio pesquisado {Gujeito participante), de se entregar sem restricoes, de viver, pensar e sentir como aqueles que se pesquisa; em resumo, de se despersonalizar. O pesquisador pode dar conta da realidade dos atores, porque ele tem acesso as stias perspectivas, vivendo as mesmas situacdes ou os mesmos problemas que eles' No modelo da interacao, que se insere em um procedimento construtivista, a pesquisa de campo possibilita dar conta de uma realidade, menos pelo fato de que o pesquisador chega a “sentir” o meio dos atores presentes, do que por ele interagir enquanto ator social. Nessa concep¢ao nao s6 0 distanciamento objetivo € impos-

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