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Prolegómenos à Narrativa Mediática

do Acontecimento'
JOSÉ REBELO··

I. Definir Conceitos excedem as possibilidades previa-


mente calculadas; rompem a seriação
da conduta ou a do correr das coisas",

N
emtodas as ocorrências são acontecimentos.
Sociologicamente, postulo que uma ocorrência afirma Louis Ouéré. Mas, logo a
se toma acontecimento segundo o potencial de seguir, o mesmo autor esclarece: "Esta
actualidade mas, também, segundo os potenciais de relevân- descontinuidade surpreende e afecta
cia e de pregnância I que ele manifestar. a continuidade da experiência por-
A ocorrência tem mais probabilidades de ser considerada que a domina. Por isso, fazemos tudo
um acontecimento quando se produz no nosso espaço e no quanto está ao nosso alcance para
nosso tempo. Daí o seu potencial de actualidade. reduzir as descontinuidades e para
A ocorrência tem mais probabilidades de ser considerada socializar as surpresas provocadas
um acontecimento quando provoca uma ruptura no nosso pelos acontecimentos: reconstruímos,
quadro de vida. No nosso Lebenswen, conceito que Habermas através do pensamento, as condições
foi buscar ã fenomenologia de Husserl para designar esse que permitiram ao acontecimento
nível profundo, de um grupo ou de uma colectividade, onde produzir-se com as particularidades
se enraízam as línguas, as normas e os comportamentos que apresenta; restauramos a conti-
comuns. No nosso quadro experiencial, para falar como nuidade no momento em que a
Goffman (1991). Daí o seu potencial de relevância. ruptura se manifestou" (2005: 61).
A ocorrência tem mais probabilidades de ser considerada Resumindo: o acontecimento
um acontecimento quando nos incita a reconstruir esse nosso opera uma ruptura inesperada na
quadro de vida momentaneamente perturbado pela ocorrên- ordem das coisas. Na feliz expressão
cia inesperada. Daí o seu potencial de pregnância. de Claude Romano, o acontecimento

I
"abre uma falha na minha própria
Descontinuidade e procura de sentido aventura" (1998: 45). Provoca um
corte na trama dos nossos hábitos,
"Quando [os acontecimentos) se produzem, não estão das nossas rotinas diárias, dos nossos
conectados aos que os precederam nem aos elementos do projectos, das nossas recordações,
contexto: são descontínuos relativamente a uns e a outros e escreve Paul Rícoeur (1991: 41-55).

• Os capítulos I e II integram um artigo íntitulado+Os acontecimentos mediáticos como actos de palavra"


publicado na Rf'Vista Científica de Información y Comunicación, da Universidade de Sevilha, Setembro de 2006
o capítulo III constitui parte da comunicação apresentada ao Colóquio sobre Os Caminhos do Pensamento, orga
ruzado pela UNESCO e pela Fundação da Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro, em Junho de 2006
•• Professor no ISCTE, coordenador do mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação
I Conceitos introduzidos por Renê Thom na sua teoria semiótica da regulação biológica e retomados po
Patrick Charaudeau (1997).

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Corte, logo desordem. Diversos textos centram-se numa frase curta
COI'te e desordem que impelem, o sujeito, e simples que se ouve em fundo das primei-
para uma procura de sentido. Que é, afinal, pro- ras imagens, obtidas ocasionalmente por um
(Ura <k> controlo, "Instaurando uma nova ordem, cineasta amador, que nos dão o embate do pri-
na qual o acontecímento será inscrito, o sentido meiro avião com a primeira torre: "Oh my God",
ttdll.t a irrutionalitr prinâpif!/If.' di.' la nouWf1uté", Não há, por enquanto, narrativa mediática. Não
acrescent.a Ricoeur (1991: 43), há explicação. A expressão "Oh my God" é des-
E roIDO se materializa essa procura de sen- provida de qualquer valor de ancoragem. Não
tido? Atra~s da construção de narrativas sobre fixa qualquer sentido àquilo que as imagens nos
o acontecimenro, Daí que Ricoeur distinga três mostram. Apenas "Oh my god",
fa.ses na génese e no desenvolvimento do acon- Rapidamente, contudo, outros operadores de
tecimento, A primeira fase corresponde à emer- câmara afluem ao local. A tempo de registar o
gffiô.a da ocorrênàa propriamente dita. A segunda segundo embate. Um segundo embate. De um
corresponde à procura de sentido, A terceira à segundo avião. Na segunda torre. Coincidência
diluição do acontecimento na narrativa cons- a mais. Negada a hipótese de acidente.
truída a seu propósíto'. Dá-se, então, aquilo a que Santos Zunzunegí
Narrativas mediatizadas, umas. Narrativas não chama a "suspensão do inacreditável" (2002:
mediatizadas, outras. Umas e outras que permitem 16-21).
a. passagem do possível imprevisível ao possível O inacreditável deixa de o ser. Porquê? Porque
previsível, para citar jocelyne Arquembourg- m˙ltiplas relações de causalidade, irrompem.
-Moreau (2003), Passagem do possível imprevi- Indomáveis. Inicia-se, assim, a narrativa do acon-
sível ao possível previsível. Previsibilização pela tecimento. Uma narrativa que gera sentido, ao
domesticação do imprevisível. Ultrapassagem da fundonar como máquina de organização do tempo
Incerteza. Restauração de um mundo, e ao assentar numa lógica da causalidade, ou
Fixemo-nos nas narrativas mediatizadas, ou melhor, numa lógica em que a causalidade se
mediatizáveis: as ˙nicas susceptíveis de transpor- funde, coincide, com a contiguidade. Uma narra-
tar o acontecimento para lá dos limites da comu- tiva que integra o acontedmento num "todo con-
nidade onde emergiu, E. dentro destas, fixemo- textuai" O. Dewey citado por Quéré, 2001: 104).
-nos nas narrativas mediatizadas ou mediatizáveis Num ápice, resolve-se o enigma: acto de
pelos órgãos de comunicação social de massas, terrorismo. Tudo se explica. Designam-se os
em tomo do que poderíamos chamar os "rnega- autores. Enunciam-se os meios. Denunciam-se
-acontecímentos'", os objectivos. Sem que, note-se bem, qualquer
Num n˙mero de Dossiets de l'Audiovisueí, organização tivesse, entretanto, reivindicado o
coordenado por Daniel Dayan (lulho de 2(02), sucedido. Afinal, adiantam pressurosos alguns
é analisado o processo de previsibilização ine- comentadores, aquilo era previsível. Tanto mais,
rente à cobertura mediática do 11 de Setembro',
H acrescentam, quanto é certo que os serviços
exemplo acabado dos mega-acontecimentos que secretos norte-americanos tinham já alertado
acabámos de referir . para essa eventualidade ...

• José Manuel Santos fala, sugestivamente, de um efeito de pérola: "face à perturbação causada por um intruso
vindo do meio ambiente (que pode ser um parasita ou uma simples poeira), o bivalve não reage através de um
gesto físico de afastamento ou fuga, mas pela produção de nácar que envolve esse intruso, retirando-lhe a agres-
sivida~ e fazendo cessar a irritação" (2006: 82)..
, Niklas Luhmann considera, também, a existência de micro e de macro-acontecimentos. Os primeiros
~ parte do nosso quotidiano, reflectem o grau de contingência existente no interior dos sistemas e são, por
conseguinte, automaticamente digeridos por eles. Os segundos, sem atingirem a dimensão e os efeitos dos mega·
-acontecímentos, ocorrem no interior dos sistemas e obrigam-nos a reagir.

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o acontecimento como ponto de chegada de O regresso ao instante imediatamente ante-
uma causalidade em cadeia: o processo de factua- rior ao acontecimento, objecto da operação de
lízação está consumado. mediatização, é cheio de significado. Repare-se
no efeito produzido pela incessante repetição das
Entre a "necessidade retrospectiva" e a imagens das torres, ainda de pé, logo seguidas
"contingência prospectiva" das imagens do seu desmoronamento. Imagens
de um tempo quase sem tempo. Imagens que nos
Como salienta Alain Flageul, num artigo prendem. Imagens hipnóticas. Que geram um
incluído no n˙mero de Dossiers de l'Audiovisllel sentimento de atracção/repulsão. Ou melhor, de
já evocado (2002: 21-25), a narrativa jornalística uma repulsão que cresce com a atracção que, em
comporta uma tripla projecção no tempo. nós, elas despertam. Asimagens do desmorona-
Descreve um movimento para trás, no sentido mento não nos dão apenas o desmoronamento.
de descobrir algumas causas provisoriamente Dão-nos bem mais do que isso. Dão-nos a visão
apresentadas como primordiais. Reconstitui, em de um mundo a desmoronar-se. A não ser que ...
seguida, os caminhos possíveis, desde as causas Mas é, também, cheio de significado a deslo-
detectadas até aos efeitos observados. Por cação/instalação da narrativa a jusante do acon-
˙ltimo, prolonga esses caminhos prevendo as tecimento. Nas sociedades tradicionais, as narra-
consequências. tivas míticas, instaurando uma ordem discursiva
O presente factual constrói-se, portanto, no do mundo, produziam efeitos de sentido através
contexto do passado e do futuro. Do passado, dos quais as coisas eram legitimadas e vividas.
pelas analogias que sugere. Do futuro, pelas Arememoração (Heidegger)dos acontecimentos
antecipações que permite. Baliza-se entre a fundadores, dava sentido aos acontecimentos em
"necessidade retrospectiva" e a "contingência curso. Hoje, essa trajectória inverte-se frequen-
prospectiva", diz Ricoeur (1991: 50). Arrasta temente e são as finalidades projectadas no futuro
consigo diversas temporalidades interpretativas, que dão sentido ao presente.
sublinha Jorge Lozano, citando Yuri Lotman Em L'lnhumain: causeties sur le temps, Jean-
(2002: 15-16). Por um lado, fica ligado à recor- -François Lyotard falava já de um "desafio" que,
dação que se guarda do s˙bito, do inesperado. na sua opinião, estaria a ser lançado pela tecno-
Por outro, adquire uma dimensão de predesti- logia electrónica às sociedades contemporâneas:
nação, de inevitabilidade. Recordação e predes- o de subordinar o presente, que deixaria de desem-
tinação, o antes e o depois que constituem os bocar num "depois" incerto e contingente, a um
dois pilares de uma espécie de normalização a futuro cada vez mais predeterminado pela novas
que Lotman, segundo Lozano, chama "processo tecnologias de informação e comunicação.
de consciência": passagem do fortuito ao regu- Lyotard traçava, assim, uma nova perspectiva
lar, do estranho ao normal, do imprevisível ao temporal para as sociedades capitalistas em que
inevitável. tudo seria função de estratégias - os jogos estraté-
Dessadualidade temporal resulta que o acon- gicos - resultantes de previsões suportadas pelas
tecimento seja, simultaneamente, explicável e tecnologias digitais. A actualidade de um qual-
explicativo. Explicável pela produção de "estó- quer percursonão seriamais do que a confirmação
rias" que origina. Explicativo pelo poder que da sua previsão,ou seja,o futuro seria antecipado
transporta, enquanto revelador daquilo que ele pelo presente que o realizaria ou, no mínimo, o
(transuorma, ou pode (trans)formar, nas pessoas configuraria como possível.
e nas coisas. Regressando à dualidade temporal da narra-
Tal confluência de passado e de futuro não é tiva mediática do acontecimento. Abundam os
aleatória. É ideológica. Segundo os efeitos pre- exemplos dessa justificação de um presente com
tendidos, pode exprimir uma maior insistência um futuro anunciado imperativamente. É o caso
no passado ou uma maior insistência no futuro. do discurso actual sobre a guerra preventiva cujo

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pressuposto (Ducrot, 1972: 5-24) assenta na esqueça de si e se ignore, submetendo-sr l~
inqul'stionahilidade de um perigo. O perigo do domínante] da DJe\IJY lJI.iIJftR que rontnbui"
terrorismo, O terrorismo enquanto problema ao reconhecê-lo. paR fundá-lo· U98l: 1191.
pubuco que, proclamam ínstàncias de poder, Ü\grandesrneio§de~~ - jor-
urge acautelar, nais, estações de rádio, an.m de tele\'isio - c0ns-
tituíram desde sempre dispositn-os (ftltrm pua
o desencadear desses ~de IY~.
11. Mediatização versus Naturalização Para fabricar ade5ões.. ~ forjM oommsos.. Rio
os "consensos comuns" de inspu~;ãobntan.
Segundo Gusfield, citado por Louis Quéré mas os que ocultam estRtég~ que GRmsd
numa conferência pronunciada no Porto em designaria por "begemón.icas ", ~ COO\'fttft.
Fevereiro de 1999 (2001) a verlficação de um como por magia.. llIIY b.ist~ ˙a,gmm~ em
"problema p˙blico" implica: que ele seja assu- função de interesses e de opoItWlid.ades. por
mido, enquanto problema, pela sociedade no seu vezes inconfessáveis, OIllIY cootinuilbde fetQ
conjunto; que ele suscite debate contraditório e de mutações tão dWimuladas qumto ince5.sm-
contlitual; que ele esteja associado a uma acção teso Criando, assim. llIIY aparente "unidade
p˙blica visando a sua resolução, Só que, a nossa indivísivel", para recomr ~ rooceito de HImlf'Il.
contríbuíção para a definição de um problema é Unidade que se manifestaria sem inlftnJp;ões.
bem menor do que seria de supor. Dito de outra sem matos. Unidade consentida e com-~tido
forma: a instituição de um problema enquanto entre ·0 que acaba de sr ~ e "o que \'ii
problema é, em grande medida, exterior a cada passar-se".
um de nós. Na maioria das vezes, são-nos exte- Ontem era Ben Laden e o Afegmistao. ~
riores, as estratégias conducentes à sua assunção Bósnia e o Kosovo. Os ~ 00 RIandi e 00
colectiva e à sua colocação no centro de debates, Burundi. O processo de pu em ~ A subi<b
tal como nos são exteriores as acções, ou a simu- eleitoral da ~Ll ewopea. Hoie é o
lação das acções, que se propõem resolvê-los. genocídio no Sudão. As GUica~ de ),laomé..
O quotidiano é feito de um eterno trilhar, em A gripe aviária. A vitória do H.ums.. A ~
ziguezague, por entre problemas. Desemprego. nuclear do hão. "Da Gltástrofe ~ ~ c:idone.
Insegurança. Falta de habitação. Problemas que do atentado ao acidente rodo\'i.ário,. do (tlil-tlilns
são e não são nossos problemas. São "nossos ao crime de guerra, DOS ecrãs teIevisn-os UD\I
problemas" na medida em que nos afectam desgraça segue-se a OUlJa. E ~ e.I~ do
directamente, em que, deles, somos vítimas. Não mundo reduz-se cada vez mais ~ llIIY WIILl ~
são "nossos problemas", na medida em que a sua mundo do sofrimento. Num bom noticimo de
génese nos é exterior. Trata-se de problemas que televisão, há cadáveres aos montes.. mies que
conheceram um processo de naturalização. E é,
justamente, esse processo de naturalização que
gritam, crianças quechomn,. ~ *'~ e
unidades de ajuda psicoIógia que COO\idml ~
nos faz perder a ideia de exterioridade. Que faz vítimas a exprimirem a sua doc CommL1iks com
com que não tenhamos consciência plena da as mesmas palavras, as mesmas vozes gR\l5. 015
construção de um itinerário que, se não nos é mesmos olhos h˙midos,. todas~ ~ t.um.
imposto, nos é insinuado. Que faz com que se nas acabam por se assmteIhar'" exd.un;i EJi~
estabeleça uma espécie de cumplicidade entre Lévy, produtora do progrilIm radioíónic:o l.r
dominante e dominado, através da qual o domi- Premie: PI.IUYOiT, consagrado aos 1IWIIiII. emitido
nado, negligenciando a sua condição de domi- pela estação France Cultuw l2OO6: 78,_
nado, ou nem sequer dela se apercebendo, É o vai-e-vem das notícias.. Ou das suposus
reconhece, e ao reconhecer legitima, fundamenta notícias.
o estatuto do dominante. Ou, dizendo com Hoje, as págínas dos jornais, os tempos de
Bourdieu, que faz com que o dominado "se emissão radiofónica etetevm\'i. endtem-W'(IJQI

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um a~'lll1tll, Amanha, o mesmo a\\unto desapa- de urna Iábrtca reforça, em nós, a Ideia de crise.
rece, SI'", que ~I.'conheça u seu tk~'l1lare. Por sua vez, o problema p˙hllco constitui o
Na narrativa mcdtárlca nao há, aliás, de- quadro expllcatlvo do aronteclmento: ~ por
senlace. causa da cnse que a fáhrlca encerra.
I~rnIunrão dos respcctívos projectos edlto- Problema p˙blico e acontecimento esta-
riais, da representação que constroem dos seus belecern, pois, entre si, autênticas relações de
leitores, ouvintes ou telespectadores, os m('dia simbiose. O "terrorismo", enquanto problema
narranvtzam um acontecimento. Depois, dei- p˙blico, constitui o quadro expllcativo do
xam-no cair porque o acontecímento terá atin- "11 de Setembro". Por sua vez, o "II de Se-
gido o seu momento Kairos (Martn, 1990-1991): tembro" alimenta o problema p˙blico chamado
momento da mutação qualitativa em que o "terrorismo" .
acontecimento deixa de se situar na curva do O "II de Setembro": curioso processo de
Interesse decrescente para se situar na curva datação,
do crescente desinteresse, Quando se evoca o "II de Setembro", não há
E nós? quem desconheça o referente. E quando se evoca
Ultrapassados pelos discursos, textuais e o "15 de Fevereiro"?
Iconográficos, saltamos de notícia em notícia, Quinze de Fevereiro de 2003: "Data histórica,
Renunciaremos a compreender, pela incapaci- Milhões de pessoas em todo o mundo invadem
dade de encontrar, no interior de nós mesmos, a rua. Assim, de repente. Sem que tal acto se deva
o fim da narrativa? Arriscamo-nos, pelo menos, a convocações partidárias tradicionais, Mas a
a aceitar a amálgama, A Integrar a amálgama. mensagens, apelos e petições que fervilham em
Uma amálgama que ganharia sentido dentro de rede, essa "marca" distintiva e estruturante dos
nós, Arriscamo-nos a mergulhar na aparente novos movimentos sociais (".). Globalizaçào do
"u nidade indivisível". Sobretudo se a alternativa protesto. Em cada manifestação misturam-se
se nos afigurar como descolagem, isto é, como línguas, etnias, Idades, posicionamentos polí-
exclusão do processo global de recepção da ticos, estilos de vida. Em cada cidade a causa
lnforrnação circulante'. unificadora é a mesma: "Não à guerra". Uma
O transbordante (Henri-Pierre Jeudi) ou o vazio. causa que atravessou fronteiras e é exterior a
Uma vez mediatizado, o acontecimento vai todas as fronteiras. Quem falou da morte das
alimentar o problema p˙blico': o encerramento ideologias?" (Rebelo, 2003: 14),

• Jean Claude Guillebaud, ensaísta, antigo jornalista do Le Monde, compara a narrativa mediática com o
modelo económico ultraliberal hoje prevalecente nas sociedades economicamente mais desenvolvidas. Num
caso e noutro, veríficar-se-ía a mesma insatisfação e inquietação permanentes: "A competição económica é uma
rdigiào disciplinar e, até, sacrificial. Apoia-se na ideia de falta e de mobilidade. Trata-se de nunca deixar Insta-
lar-se nem a calma, nem a quietude nem a saciedade. Nesta óptica, toda a crença reforçada, toda a teimosia
subjectiva podem aparecer como obstáculos ao funcionamento fluido da sociedade de mercado. A calma é ini-
miga do mercado. O consentimento que damos a um modo de vida tão absurdo, o servilismo que manifesta-
mos a injunções tão idiotas só é possível porque nos encontramos num estado de devoção, para não dizer de
beatice. Aderimos à religião da instabilidade" (2006: 100).
S Defendamo-nos de interpretações mecanicistas dos fenómenos sociais. Postulámos, no início deste artigo,

que nem todas as ocorrências se revestem do estatuto de acontecimento e que nem todos os acontecimentos
são mediatizados, ou mediatizáveis. Postulamos, agora, que:
1. Nem todos os problemas p˙blicos ou, para sermos mais rigorosos, nem todos os campos problemáticos
nascem de um acontecimento mediatizado.
2. Nem todos os acontecimentos mediatizados alimentam campos problemáticos já conhecidos. Muitos
acontecunentos revestem-se dessa dimensão "inaugural", desse "poder de abertura e de fecho, de iniciação e de
esclarecimento, de revelação e de interpelação" de que nos fala Louis Quéré (2OOS:60).

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o "11 de Setembro" marca uma data (fait date, formação, manifestaram-se com o desenvolvi.
como dizem os franceses). mento do cabo que pôs fim à situação de quase
O "IS de Fevereiro" não marca uma data, monopólio até então desfrutada pela televisão
salvo, claro está, para os militantes mais activos hertziana e generalista. A audiênda média das
desses movimentos sociais. quatro grandes cadeias hertzianas dos Estados
Porquê? Unidos da América já não ultrapassava, em 1999,
Porque, explica]acques Derrida, para marcar os SO% do total. Em finais de 200S, a ABC, pri-
data é preciso que o acontecimento seja gene- meira cadeia norte-americana, dispunha, apenas,
ricamente sentido, de maneira aparentemente de 12% de audiência. A prática do zapping, pro-
imediata, como algo de singular. Derrida insiste metendo a construção de um programa "perso-
no uso da expressão "aparentemente imediata" nalizado", iria contribuir, por outro lado, para a
já que, acrescenta, esse sentimento é muito erosão do próprio conceito de "canal" que pres-
menos espontâneo do que parece: "ele é, em supõe uma lógica de programação cuja génese se
grande parte, condicionado, quando não cons- situa fora do plano da recepção.
truído e, em todo o caso, mediatizado por uma Depois foi a explosão tecnológica. Todos os
formidável máquina tecnosociopolítica" (2001, dias nos confrontamos com mais descobertas
p,134). que, anunciadas hoje, são massivamente explo-
"Pela repetição", assinala Moscovici, "a ideia radas amanhã: os b/ogs, os v/ogs, os wikis, o P2p.
dissocia-se do seu autor; transforma-se numa o poâcosting, o RSS, o Wi-Fi...
evidência independentemente do tempo, do O primeiro b/og apareceu em 1997. Actual-
lugar e da pessoa; deixa de ser a expressão de mente, criam-se b/ogs de seis em seis minutos.
quem fala e passa a ser a expressão da coisa de A Wikipedia, endclopédia baseada na colabo-
que se fala" (1981: 198-199). Insaciavelmente ração voluntária de um colectivo de internautas
repetido nos media "numa espécie de encantação conheceu uma expansão alucinante. Poucos
ritual, forma esconjuratóna, Iitania jornalística, meses após o seu inído, registava, já, um milhão
refrão retórico" (Derrida, 2001: 134), o "11 de e meio de entradas, isto é, 12 vezes mais que as
Setembro", aliado ao conceito de "terrorismo', incluídas nos 32 volumes da Grande Enciclopédia
ganha autonomia. Impõe-se-nos. Inscreve-se no Britânica.
nosso discurso ordinário. Incorpora o nosso Cerca de 300 cidades norte-americanas esta-
exército de pré-conceitos (Gadarner, 1995: 110). rão cobertas, até final de 2006, pelo sistema
E quanto maior for a sua autonomia e quanto Wi-Fi6• Através de um computador portátil ou, o
mais se nos impuser, mais se nos escapa a sua que é ainda mais extraordinário, através de um
dimensão instrumental. A sua arbitrariedade. simples telemóvel, qualquer pessoa poderá então
A sua ambiguidade. aceder â Internet esteja onde estiver, em qualquer
ponto dessas cidades: num café, num jardim, na
praia ... E aceder à Internet não significará apenas,
III, Os Novos Media: Instantaneidade capacidade de receber conte˙dos. Significará,
e Hipersegmentação dos Saberes também, capacidade de emitir conte˙dos que,
em seguida, circularão, ou pelos tradidonais
Mas o imperialismo dos grandes media, no meios de comunicação de massas ou em rede.
que respeita à tematização do debate p˙blico, Extensão do sujeito, assim conectado com todos
está a ser objecto de uma ofensiva cujos resulta- os lugares. Recebendo e enviando sinais, de e
dos são ainda difíceis de avaliar. para todos os lugares. "Ganhámos o poder de
Os primeiros indícios desta profunda trans- estar em todo o lado sem sairmos do mesmo

• Segundo informação da Câmara Municipal de Lisboa, cinco jardins da capital estarão brevemente equi-
pados com o mesmo sistema.

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sítío", exclama Cláudia Dona citada por Derrlck Que distância relatlvamente aos anteriores
Kerckove (1997: 237). Extensão do sujeito que, negativos em chapas de vidro. Que distância,
sem sair do mesmo sítio, sai, no entanto, de 51. relativamente às imagens em suporte metálico
Escreve Michel Maffesoli: "Não esqueçamos que apresentadas à Academia das Ciências de Paris
o próprio termo existência' ek-sistência' evoca o por Louis Daguerre. Desprovidas de exigências
movimento, o corte, a partida, o longínquo. técnicas ou de intenções artísticas, as novas
Existir é sair de si." (1997: 28) fotografias, as fotografias que todos nós podía-
Alguns exemplos recentes constituem Indi- mos agora tirar, exprimiam apenas, na maior
cadores desta capacidade infinita de produção e parte dos casos, uma conexão emotiva entre
distribuição de conte˙dos que se avizinha. o fotógrafo e o objecto fotografado. Passáva-
As primeiras imagens do Tsunami, de mos a fotografar o filho, o neto recém-nascido,
Dezembro de 2004, foram captadas pelo telemó- a casa acabadinha de construir, o automó-
vel de um turista ávido de se bronzear ao sol de vel reluzente, a paisagem do nosso encanta-
Phuket. mento ...
As primeiras imagens do atentado no Metro E enchiam-se, assim, álbuns de família.
de Londres, foram captadas pelo telemóvel de Espelhos de gerações. Lugares de reencontro.
um passageiro. Depósitos de recordações. Álbuns de família cuja
As primeiras imagens do furacão Katrína, função sociológica ou antropológica merecia,
foram captadas por telemóveis de habitantes das talvez, ser mais profundamente estudada.
cidades sinistradas. Num artigo publicado há seis anos, em que
As primeiras imagens de torturas, em prisões analisava a génese e o desenvolvimento da foto-
do Iraque, foram captadas por telemóveis dos grafia instantânea, André Gunthert encontrou,
próprios torturadores. para ela, uma designação extremamente apro-
Os utilizadores, ou melhor, os exploradores, priada: "fotografia de ocasíão'".
os manipuladores desses telemóveis estavam lá. O portador do telemóvel que encontramos
No momento exacto. Não hesitaram. E as íma- no metro de Londres, na praia do Pacífico, nas
gens que captaram deram a volta ao mundo. cidades assolados pelo Katrina ou que tortura nas
prisões iraquianas, é o "fotógrafo de ocasião"
Do "fotógrafo de ocasião II ao "repórter contemporâneo. Com uma diferença: é que o seu
de ocasião" objectivo não se limita à família ou ao grupo dos
mais chegados. Dirige-se ao Universo tomado na
Estávamos em 1888 quando surgiu no mer- sua globalidade. Em vez de preencher álbuns de
cado a primeira máquina de fotografar Kodak, a família intervém no campo dos media. E o "fotó-
Kodak 1. Iniciava-se uma nova era no domínio grafo de ocasião", excluindo-se do espaço privado
da fotografia, caracterizada pela desprofissíona- burguês e visando ostensivamente um p˙blico
Iízação, pela banalização do acto produtor. anónimo e colectivo, adquire o estatuto de
"A partir de agora todos nós podemos fotografar", "repórter de ocasião",
proclamava George Eastrnan, accionista maiori- Recentemente, a marca Motorola sponsorízou
tário da empresa responsável pela comercializa- a iniciativa de um canal regional de Nantes,
ção do invento. "Você carrega no botão e nós cidade da Bretanha francesa, distribuindo 200
fazemos o resto", acrescentava ele. A compra da telemóveis a moradores, de imediato convertidos
máquina incluía, com efeito, a revelação do rolo, em "repórteres de ocasião".
um rolo inicialmente em papel e, depois, em As colaborações de "repórteres de ocasião"
nitrato de celulose. ocupam na quase totalidade a programação do

r CI. Paula Figueiredo, "Fotografia de ocastão, imagem privada" in Traiectos, n." 4, Editorial Notícias/lSCTE,
Lisboa, 2004.

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canal de televisão criado em I de Agmto de 200.S tece', apenas acontece na medida em que não é
pelo antigo vlce-presídente dos btadm lJl1ldn~, um tudo, na medida em que se distingue do tudo
AIGore. Ocupam na quase totalidade a~ páginas e o valor da ínlormação reside, precisamente.
on-line do jornal sul-coreano Oh My Nrw.1 que, em resultar de uma hierarquização dentro de
após cinco anos de actividade, contablllza mais 'c que acontece'. Seleccionando o que merece
de um milhão de visitas diárias, e do francês Ax()rQ O nome de acontecimento, essas ind˙strias
Vox que, lançado em Junho de 2(X)S, recupera, cu-produzem, no mínimo, o acesso de 'o que
significativamente, a palavra de ordem do eufó- acontece' ao estatuto evenemencíal, Não "tem
rico comercializador da Kodak: "todos nós somos lugar", não "acontece" senão aquilo que é
captadores de informação em tempo real'", coberto. Milhares de acontecimentos acontecem
Três breves apontamentos. sem terem tido lugar, ou tiveram lugar sem terem
O primeiro, sobre as consequências da Irrup- acontecido e não chegarão, portanto, aos seus
ção de "repórteres de ocasião" no evoluir da anónimos e improváveis destinatários" (1996:
profissão de jornalismo: em 26 de Maio, um 137, US).
tribunal da Califórnia decidiu que quem escreve Opera-se, assim, aquilo a que Stíegler chama
num blogue detém os mesmos direitos que um a "desrealização do espaço e do tempo". Uma
jornalista normal, nomeadamente o direito de desrealização que se acentua com a velocidade a
manter a confidencialidade das suas fontes. que se procede à medíatlzação, ou seja, com a
O segundo, sobre as consequências da Irrup- velocidade a que se promove "o que acontece"
ção de "repórteres de ocasião" na verificação da à categoria de acontecimento. No limite, deixa
informação: "Amanha, mais ainda do que ontem, de ser possível distinguir, acrescenta Stiegler
será preciso aprender a viver entre a verdade e a citando Derrtda, "entre acontecimento, narra-
mentira", previne Jo~1de Rosnay, antigo inves- tiva, narrativa de acontecimento ou aconteci-
tigador e professor do MIT (2006: 113). mento de narrativa" (1996:138).
O terceiro, sobre as consequências da irrupção A instantaneidade, ou seja, o abandono de
de "repórteres de ocasião" no que se entendeu todo e qualquer processo de diferimento, que
designar por "jornalismo de cidadania": o tão marca a passagem dos media tradicionais aos
exaltado altruísmo, de quem exerceria a sua novos media, é ponto culminante da "desrealiza-
condição de cidadão ao partilhar com outros ção" referida. Citando de novo Stiegler: "É por-
aquilo que testemunha, é relativizado pela ten- que há conjugação entre efeito de real da captura
dência crescente de remunerar as "melhores" e tempo real da sua transmissão que aconteci-
colaborações espontâneas e de encorajar, por- mento, captação desse acontecimento, e trans-
tanto, a caça ao inesperado, ao insólito, susceptí- missão dessa captação constituem um ˙nico e
vel de proporcionar elevados proventos. mesmo instante, uma ˙nica e mesma reali-
dade temporal, um objecto temporal omnipre-
sente que inaugura um outro trabalho do tempo"
Desintegração ou reforço do espaço (1996: 144).
p˙blico? Ao tempo da cronologia e da história, sucede
um tempo que Seexpõe instantaneamente.
Em La technique et le Temps, Bernard Stiegler Emsentido semelhante pronuncia-se Kerckove
analisou o papel dos media na deftnição de que, ao concluir o seu livro A Pele da Cultura,
acontecimento: "As ind˙strias de informação da declara lapidarmente: "Um novo ser humano
actualidade não se contentam em registar 'o que está a nascer" (1997: 284). Porquê? Porque,
acontece' porque, se assim fosse, era preciso esclarece Kerckove, depois de eliminarem as
registar tudo 'o que acontece'. Ora 'o que acon- distâncias, fazendo de nós "nómadas electró-

• Cf. Ioel de Rosnay, La rêvotte du proneuuiat, Fayard, Parts, Z006.

24

-_--- --_.---------
nicos" (em Du nomadisme - Vaxabolldages initia- neutralizadora dos grandes meios de comunica-
tiques, Maffezoli iria aprofundar este conceito"), ção de massas (Rebelo, 2002: pp. 14-16). Com
os novos media obrigam-nos a questionar a noção Stíegler, aproximamo-nos da ideia de "inteligên-
de tempo: "(oo.) está a desenvolver-se uma nova cia colectiva". Não da "inteligência cotectiva"
conscíênda de tempo, como se, depois de termos saudada por Pierre Lévy, Mas da "inteügêncta
conquistado o espaço, tornando-o menos cons- colectiva" como expressão de processos de estan-
trangedor, a evolução tecnológica estivesse agora dardização, de homogeneização operados, sobre-
a dirigir-se ao tempo - real, virtual, pessoal e tudo, através dos media.
social- considerando-o como a ˙ltima fronteira" A crítica dos media, em particular da televisão,
(Kerckove, 1995: 250). não é nova. Digamos, até, que ela é recorrente.
Mas que novo ser humano é esse que nasce Ela é, certamente, justificável e justificada. Nos
num contexto subitamente tornado a-espacial e tempos mais recentes, e face à emergência dos
atemporal? novos media, verifica-se, porém, que a crítica da
Num texto de 1958, denominado D'un mode televisão vai descendo de in tensidade e vai sendo
â'existence des obiets techniques, Simondon con- substituída por uma inquietação sobre o futuro
sidera que a época moderna se caracteriza pela dessa mesma televisão. Num livro significativa-
hegemonia do "indivíduo técnico" sobre a má- mente intitulado La {in de la télévision, Jean-Louis
quina. Esgota-se a época moderna, acrescenta Missika, professor no Instituto de Estudos Polí-
Sírnondon, quando o indivíduo deixa de domi- ticos de Paris, convoca a nossa atenção para a
nar a máquina e passa a ser dominado pela evolução dos conte˙dos televisivos que, em
máquina. Desaparece então o "indivíduo téc- consequência da revolução tecnológica, teriam
nico" que cede o lugar ao operário ou, no melhor já passado da fase de segmentação à fase de
dos casos, ao agenciador, um e outro colocados hípersegmentação (2006: 39).
ao serviço da máquina. Não se contesta essa passagem à hlpersegmen-
Segundo Stíegler, a época moderna, de tação, assinalada por Jean-Louis Missika. Con-
Simondon, hegemonizada pelo "indivíduo téc- testa-se, sim, as ilações que ele daí tira e que o
nico", corresponde ao período da industrializa- levam a detectar um "risco de desintegração do
ção. À industrialização, prossegue Stiegler em De espaço p˙blico" (2006: lOS).
la misere svmbolique, segue-se a hiperindustriali- Enumerando as funções da televisão, consi-
zação. Ao indivíduo moderno sucede o indivíduo derava Kerckove em A pele da cultura: "A televisão
hipermoderno, sujeito à lei do matketing: instân- convida as pessoas a construírem o sentido fora
cia produtora de representações, instância con- das suas próprias mentes, isto é, a receber ima-
troladora "das consciências e dos corpos". Por gens completamente formadas do discurso social
isso, um indivíduo reduzido ao estatuto de con- de fora para dentro. (oo.) Na televisão as imagens
sumidor. Um simples "agente reactivo, isto é, não vêm da experiência pessoal, mas do trabalho
puramente adaptativo", insiste Stiegler, "e já não de uma equipa de produção profissional, frequen-
inventivo, singular, capaz de adoptar comporta- temente influenciada pelas medições de audíên-
mentos excepcionais, imprevisíveis ou 'irnpro- cías e estudos de mercado. (oo.) Ao trazer o mundo
váveís" (2004: 155). exterior para dentro de casa, a televisão fornece
Com Stíegler, não estamos longe da concep- um nível intermédio de discurso social, nem
ção habermasiana de empobredmento do espaço exclusivamente p˙blico, nem realmente privado;
p˙blico seiscentista e setecentista, fruto da acção nem francamente ficcional, nem seguramente

• "Trata-se de uma mudança de tom, da aspiração a um "lugar outro" que as questões habituais, as respostas
de circunstância às quais estamos habituados, não satisfazem. É esse novo espírito do tempo, esse ambiente
impenetrável que pode incitar-nos a ver na errãncia, ou no nomadismo, um valor social a muitos títulos exem-
plar" (1997: 25).

25
1\'111. (",) A 50mà total dos discursos nos nossos era caracterizada "por uma reapropriação e por
enAs ~o "()\~O novo.elcctróntco, senso comum" uma re-slngularização da utilização dos media".
(I ~~5: 271).272), A emergência de uma qualquer inovação
A Instltlll(llo do l,'('pin..~lá contrtbuíra para tecnológica provocou sempre duas reacções
frll~lII1.11rt'ssa rapacidade soberana de construo antagónicas: eufórica, uma, disfórica, outra 10.
Çao de sentido tradicional mente detida pela Falsa dicotomia porque, decididamente, a
televlsllo. questão não é tecnológica. A questão é política.
Mas, à medlda que o ecrã de televisão se for
confundindo com o ecrã do nosso telemóvel,
mats se a~ntuará li tendência para o estilhaçar Bibliografia
dos conte˙dos. Para II sua conversão em textos
curtos, tipo SMS, Décadas depois, regressamos ARQUEMBOURG-MOREAU,jocelyne (2003), Le temps
ao sacrossanto principio de Me Luhan: de que o des événements médiatiques, Bruxelas, De
suporte condlciona a mensagem, Boeck/lNA.
Só que esses estilhaços, esses fragmentos BOURDIEU,Pierre (1982), Ce que parler veut âire,
recolhidos de forma aparentemente aleatória l'êconomie des échanges linguistiques, Paris,
pelo sujeito, poderão ser recornblnados, pelo Fayard.
mesmo sujeito, segundo uma lógica que é a sua. CHARAUDEAU, Patrick (1997), Le discours d'intcrma-
Segundo quadros de experiência (Goffman, 1991) tion média tique, Paris, Nathan/INA.
que são os seus, Na sua complexidade. Na sua DELEUZE,Gilles e GUAlTARI,Félix (1976), Bhizome,
diversidade, Notável processo de individuação, Paris, Éditions de Minuit.
este: se a construção de sentido passar a fazer-se DELEUZE,Gilles e GUAlTARl,Félix (1980), Capita-
de dentro para dentro e lá não "de fora para /isme et Scnizophténie - Mille Plateaux, Paris,
dentro" para falar como Kerckove; se o lugar de Éditions de Minuit.
construção de sentido transitar, gradualmente, DERRIDA,Jacques e HABERMAS, jürgen (2004), Le
da esfera de produção para a esfera de recepção ... "concept" du 11 septembre, Dialogues à New
A verificar-se esta hipótese, esfumar-se-à o "senso York (octobte-décembre 2001) avec Giovanna
comum electrónico", a "inteligência colectiva". Botradari, Paris, Galilée.
Palar-se-á, então.já não de desintegração mas de DUCROT,Oswald (1972), Dire et ne pas âire, Paris,
reforço do espaço p˙blico naquilo que ele possa Hermann.
ter de racional e crítico. Eco, Umberto (1991, ed. orig. 1964), Apocalípticos
Em Chaosmose, texto editado em 1992, Félix e Integrados, Lisboa, Difel.
Guattarl recusa-se a formular um julgamento FIGUEIREDO,Paula (2004), "Fotografia de ocasião,
definitivo da actual evolução maquínica: ou imagem privada" in Trajectos, n." 4, Lisboa,
Nmassemediatização embrutecedora" ou "inven- Editorial Notícias/ISCTE.
ção de novos universos de referência". Tudo FLAGEUL,Alain (2002), "De l'assassínat comme
dependerá, assegura, da forma como essa evolu- geme télêvisuel" in Dossiers de l'Audiovisuel,
ção for conduzida. Guattari guarda, todavia, um n." 104 - À chacun son 11 septembre, Bry-
certo optimismo quando conclui que as evolu- -sur-Marne, INA, julho-Agosto.
ções tecnológicas, "conjugadas com experimen- GADAMER,Hans-Georg (1995), Langage et Yétité,
tações sociais nos novos domínios por elas Paris, Gallimard.
gerados", são talvez passíveis de nos fazer sair do GOFFMAN,Erving(1991), LesCadres de l'expérience,
"período opressivo actual" e de nos lançar numa Paris, Éditions de Minuit.

10 Em 1964, a propósito da televisão, Umberto Eco contrapunha a postura dos "apocalípticos", para os quais
a televisão constituiria um factor de dissolução social, aos "integrados", que a consideravam um importante
instrumento de socialização.

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GUAlTARl,Félix (1992), Chaosmose, Paris, Galilée. REBELO,José (2000, 2." ed. 2(02), O Discurso do
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