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Editor Responsável
Guilherme G. D. Providello
Projeto Gráfico
Carlos H. Andreassa do Amaral
Proponente do Projeto
Rafael de Oliveira Rodrigues
Apoio
DITORIA
A Revista Circuito chega ao seu segundo número, desta vez
em formato digital e impresso, fruto de uma parceria com
a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo - através do
Programa de Ação Cultural (ProAc) - e a Circus.
Efetuar, logo na segunda edição, uma transição para o meio
impresso é um desafio para uma revista ainda tão jovem. Tal
desafio se revela ainda maior quando a premissa editorial é
a de provocar interconexões não apenas sobre diferentes
temas, quando procuramos abarcar os mais diversos assun-
tos e possibilidades de expressão, mas também pelo caráter
pluriforme do conteúdo selecionado.
As ferramentas digitais permitem o hipertexto, as referên-
cias acessíveis a um click, ao texto que se refere à um tema
audiovisual. Já nas mídias impressas os formatos são mais
estanques, compostos, entretanto, por uma originalidade
onde podemos exercer outros aspectos de nossa linha guia,
a de tecer (inter)conexões livres entre pessoas, contatos, lo-
cais, histórias e formas. Essa premissa que nos motivou a
começar a Circuito ganha um novo contorno em um novo
capítulo.
Esta experiência em edições impressas retorna no próximo
semestre, na terceira edição da Circuito. Desejamos a todos
uma boa viagem, seja ela online pelo tablet, seja folheando
tranquilamente em um clássico banco de praça!
https://goo.gl/gPBK4
5
A borboleta
passageira
O que não faz uma bela borboleta! Natal. Também fora contaminada pelo
eis horas da manhã de um domingo
S consumismo geral da humana gente?
aquietado como tantos, caminhei pela vizinhava-se o meu circular. Fiz sinal,
A
rua deserta até o ponto do ônibus. O 104 o veículo parou. A porta abriu, entrei. O
me levaria à quadra da pensão onde mo- barulho dos freios havia espaventado a
rava no centro da cidade. Trabalhara no borboleta, e ela, abruptamente desperta
turno da noite e saíra da empresa àquela do sonho consumista, agitou-se no ar,
hora.
por um instante, desorientada e aflita,
sperando o coletivo, deixava correr o
E e, querendo fugir da solidão da rua, to-
tempo vendo as novidades da vitrine de mou uma decisão repentina: aproveitou
uma loja a poucos metros do ponto de a porta ainda aberta e entrou célere no
parada. Pardais vagabundos pipiavam coletivo, quase colada a mim.
na árvore perto. Uma borboleta azul
guiada pelo Destino deixou as flores Ônibus moderno, sem cobrador, passei
próximas e, ziguezagueando bonito, veio pela catraca ao lado do motorista, e fui
pousar no vidro transparente. Observei sentar-me no último banco. A borbole-
o jeito dela. Parecia olhar muito interes- ta inquieta esvoaçou agitada de um lado
sada os objetos expostos à venda, como para outro e, por fim, pousou incrédula
uma menina favelada um presépio de e trêmula no teto.
rodante partiu quase vazio. Além do
O samente um rosto invisível. Hipnotiza-
motorista, de mim e da borboleta, ape- vam-me.
nas um cidadão grisalho observava pela
a praia, também fora imanizado por
N
janela distraidamente as lojas apressa-
aqueles olhos azuis. A dona deles brin-
das fluindo no sentido contrário. Pouco
cava com o maninho, me olhava e sorria.
povo nas ruas.
Eu retribuía o olhar consumindo com
ecerto as pessoas recuperavam, hori-
D vagar e gosto aquele inesperado momen-
zontalmente, as baterias gastas nas fol- to de felicidade.
ganças do sábado. Até o meio-dia, res-
s pais, indiferentes a tudo o que ocor-
O
sonariam bem-aventurados os cidadãos
ria à volta, tagarelavam sobre tudo,
daquela metrópole.
como dois adolescentes.
ais atenção prestei na borboleta. Bela
M
vento pelas janelas abertas agitava as
O
lepidóptera! me recordavam os longín-
asas da borboleta. Alheios ao belo qua-
quos bancos escolares. Maravilhosas
dro que só eu contemplava, o motorista
asas azuis! Seriam azuis seus olhos tam-
abria a boca num bocejo, e, num canto
bém?
do ônibus, dormitava o velho.
ônibus voava pelas avenidas que eram
O
m dado momento, os pais deixaram o
E
só nossas. Meu pensamento voou longe,
guarda-sol e foram tomar um banho no
longe, várias décadas atrás, à procura de
mar. Os cabelos dourados da filha ondu-
uns olhos azuis sepultados no cantinho
lavam ao vento da praia.
mais escondido da memória.
proximei-me da borboleta dourada de
A
esde muitos anos era meu costume
D
olhos azuis. Conversamos alegremente
passar férias num famoso balneário ca-
por algum tempo. Apaixonara-me ins-
tarinense. Certa vez, na praia, estendido
tantaneamente pela encantadora ale-
sobre uma esteira, após um mergulho,
mãzinha. Disse-me que morava com os
aquecia-me ao sol, feito um jacaré soli-
pais no interior do Estado. Nas férias,
tário do Pantanal matogrossense.
viajavam regularmente para o litoral ca-
ma bola de borracha me bateu nas
U tarinense.
pernas. Sentei-me. Linda banhista veio
s pais voltavam do banho. A pedido
O
apanhar a bola benfeitora chutada pelo
dela, regressei depressa ao meu lugar.
irmãozinho. Descerrou belo sorriso.
Pouco depois, a família deixou a praia.
Sorri também. Trocamos rápidas pala-
vras. Ela voltou para junto dos pais sob fastando-se de mim, ela se virava e
A
uma barraca próxima. sorria, caminhava mais um pouco, vol-
tava o rosto e sorria. Mandava-me adeu-
esde aquele momento não mais olvidei
D
sinhos disfarçados. Até que desapareceu
aqueles olhos de turquesa.
na floresta colorida das barracas e guar-
ônibus passou por um buraco do as-
O da-sóis.
falto, sacolejou. Assustada, a borboleta
o dia seguinte, pela praia toda a procurei.
N
alçou voo. Deu duas voltas, escreveu um
Inutilmente.
oito no ar e veio pousar, tentadora, mais
perto de mim. Ao alcance de minhas uito curto foi o nosso bate-papo, não
M
mãos. Tivesse mãos de mágico a pegaria sabia em que hotel estava, impossível lo-
facilmente. As belas asas azuis pareciam calizá-la. Obstinado, voltei a procurá-la na
dois leques japoneses abanando vagaro- praia por uma quinzena. Esforço em vão.
borboleta dourada devia ter voltado
A Tudo na vida é passageiro.
para a cidadezinha dela. Nos verões se-
este grande ônibus esférico que no es-
N
guintes, tornei a procurá-la pelas praias
paço gira sem rumo, somos todos invo-
da região. Nunca mais a vi.
luntários passageiros. A parada final do
Admirando a misteriosa borboleta pou- percurso só a conhece o Grande Moto-
sada no encosto do banco dianteiro, sen- rista.
tia-me envolvido por uma doce brisa po-
ética. Que passageiro não é.
“CANCIONETA DA
PAQUERINHA”
(VINICIUS DIAS ZURLO)
Vamos passear
juntos amanhã à noite
na quermesse da igreja
ermercado, lugar Outro dia, inevitavelmente tive que ir ao supermercado, lugar Outro dia, inevit
devido ao exces- repleto de produtos que me causam vertigens, devido ao exces- repleto de produt
azmente tentam so de ofertas. Enxurradas de anúncios que vorazmente tentam so de ofertas. En
s devore a todos me devorar ou, o que é pior, querem que eu os devore a todos me devorar ou, o
rei feliz, se usar ilimitadamente. – Se consumir guloseimas serei feliz, se usar ilimitadamente. –
os homens que tal pasta de dente meu sorriso atrairá todos os homens que tal pasta de dent
casa no ambiente desejar, o desinfetante X transformará minha casa no ambiente desejar, o desinfe
nem mesmo ter mais saudável e alegre do mundo... Não posso nem mesmo ter mais saudável e a
eles já vêm em- meus próprios delírios de Poder e Sedução, eles já vêm em- meus próprios d
stão à venda nos balados em caixinhas multicores e neons – estão à venda nos balados em caixi
supermercados. supermercados.
máximo quatro De repente, uma criança desconhecida, de no máximo quatro De repente, uma
uinte e pergunta: anos de idade, me chama à atenção com a seguinte e pergunta: anos de idade, me
– Você viu a minha mãe? – Você viu a min
abeça... Fragmentos de respostas passam pela minha cabeça... Fragmentos de re
cer tua mãe? – Criatura, eu nunca te vi. Como posso conhecer tua mãe? – Criatura, eu nu
e eu nunca vi. – Supermercado vende muitas coisas, mas mãe eu nunca vi. – Supermercado
(Ah, mas ele é só uma criança). (Ah, mas ele é só
ma dimensão da- Outra indagação me invade advinda de alguma dimensão da- Outra indagação
quele inesperado encontro: quele inesperado
ças perdidas em – Seremos nós, consumidores, inocentes crianças perdidas em – Seremos nós, c
a gôndola a mes- um vasto mundo de ilusões, repetindo em cada gôndola a mes- um vasto mundo
ma pergunta? ma pergunta?
posta para dar à Por fim, com voz trêmula, formulo uma resposta para dar à Por fim, com vo
criança: criança:
– Vamos procurá-la. – Vamos procurá
ez possamos re- E minhas formulações me atormentam. Talvez possamos re- E minhas formu
ias nesse mar de conhecê-la se escaparmos dos cantos das sereias nesse mar de conhecê-la se esc
também possa- possibilidades chamado “supermercado”, ou também possa- possibilidades ch
m sabor, cinza e mos nos deparar com uma verdade crua, sem sabor, cinza e mos nos deparar
mundão, onde o escura como nos revelou Criolo “eu cresci no mundão, onde o escura como nos
filho chora e a mãe não vê”. filho chora e a m
Like it, yes, I do, oh well, I like it, I like it, I like it!
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Porque ele não tinha a menor e um monte de gente o chamava de lorpa. E a ve-
ideia do que fazia em mais da locidade da informação + o Facebook + a falta do
metade do tempo, e achava que que fazer de quem não faz nada tinham colocado
não tinha nada a perder, ele – ele no topo dos trending topics da escola. Porque
somente ele – foi lá e fez – mas para ele tinha sido legal, e ele era o maior de to-
a Márcia, o Renato e a Paula não dos, e não falava nem que sim nem que não, só
guardaram segredo, e agora dava uma risadinha enigmática; porque o Cenora
o Cenora teria muito a perder; não tinha a menor ideia do que tudo aquilo signi-
porque na Educação Física nin- ficava, sentia-se um astro. Como em Hollywood,
guém jamais queria ele no time quando os artistas percorrem o tapete vermelho
– quando te escolhem primeiro e todo mundo quer tirar fotos e fazer perguntas
você é o vencedor, e o último é e estar ali com eles. Mas agora ninguém queria
o último, e ninguém o escolheu; porque a direto- saber como tinha sido, nem se
ra queria falar-lhe depois da aula, e a professora ele tinha mais, nem se ele ia
o tratava de maneira diferente, disse que ele não atrás da quadra todo dia, por
precisava jogar e podia ficar olhando do banco. causa do que disseram a Már-
Como se ele fosse o próprio Renton, destinado a cia, o Renato e a Paula – que ele
um fim triste e esquecido. Como em Kids, quan- tinha dado um trago e tossido
do os esqueitistas ficam com as garotas bonitas e tanto que caiu rindo, e os três
felizes. Quando ele falou para a Márcia, o Renato foram embora assustados e não
e a Paula que tinha conseguido a maconha, to- fumaram. E o Cenora jogou o
dos acharam legal, mas ninguém sabia o que fazer que sobrou fora porque pensou
com aquele montinho de mato prensado. Porque que já estava muito louco, e o
tudo o que eles sabiam sobre maconha tinham jardineiro achou aquela coisa
visto nos programas da History e da Discovery. e levou para a conselheira que
Era só enrolar, fumar, esperar o mundo começar a descobriu tudo. E agora ele não
mudar de cor e a polícia chegar. Atrás da quadra, jogava bola, ficava sentando
na hora da saída, enquanto estiver todo mundo lá num canto esperando alguém
no portão. Como a Márcia tinha asma e o Renato e dizer qual era o próximo pas-
a Paula estavam com medo, só o Cenora fumou. E so. Porque ele não tinha a me-
agora ele era o garoto estranho drogado da oitava nor ideia do que estava acon-
série, pronto para pegar uma arma e sair atirando tecendo, e estava gostando de
para todos os lados, porque ninguém gostava dele ver todo mundo cochichando
e o olhando, não dizia nada, apenas e olhavam com compreensão. Porque
sorria. Quando ele entrou na sala da Christiane F. não é só um filme barato
diretora, a professora também estava de trinta anos atrás, é a verdade, é o
lá, e a conselheira, e o seu pai e a sua que acontece, e a mãe dele via acon-
mãe, sentados com cara de que o fim tecer todo dia no programa da Márcia
do mundo era só questão de mais uns Goldsmith, e o pai dele tinha um primo
tragos, e o Cenora pensava em como que estava preso que tinha começado
fora difícil quebrar aquele mato, e que igualzinho. Como todos aqueles ro-
as folhas de caderno não quiseram gru- queiros drogados que morreram com
dar uma na outra, e que a folha come- 27 anos porque fumaram um baseado
çara a pegar fogo, e ele sentira a mão na escola. E tudo porque ninguém fez
queimando, e engolira aquela fumaça, nada no começo, e eles fariam. Porque
e tossira tanto a ponto de perder o ar, o Cenora precisava entender o quanto
ficar tonto e cair. Porque tudo era uma aquilo era horrível e o quão perto ele
questão de ver o mundo com a mente estava do abismo. Porque a Márcia, o
aberta. Como o Russell Hammond em Renato e a Paula tinham sido amigos
Quase Famosos ou as músicas do Pla- dele contando tudo para a diretora.
net Hemp. Porque a diretora disse que Porque todo mundo só queria o bem
a maconha é só o começo, e que se eles dele. Porque ele tinha uma vida inteira
perdessem o controle agora perderiam pela frente. Porque ele era inteligente,
para sempre. E a mãe dele começou a legal e bonito. E por causa disso ele só
chorar, e o pai balançava a cabeça, e tomaria uma suspensão, e teria que ir
a conselheira queria saber se ele tinha à psicóloga, e não poderia mais jogar
conseguido aquilo dentro da escola. vídeo game nem sair do eixo escola-ca-
E o Cenora não estava mais no tapete sa /casa-escola, ou ir para a Disney nas
vermelho, não sabia o que dizer, e co- férias, ou ao clube no final de semana, e
meçou a chorar e correu para abraçar a teria que dar a senha do Facebook para
mãe dele, que chorava também, e ago- o seu pai, dormir cedo, levar o cachorro
ra o pai dele chorava, e a conselheira para passear e limpar o quarto o resto
e a diretora colocavam a mão no rosto do ano.
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RISCO
Uma queda e começa outra história.
Mas e esse sabor... de onde vem?
O circo para, ainda que parar possa ser apenas um estado do mo-
vimento. Uma pausa. Um repouso após a queda. Um pedaço do
tempo.
Ele remonta agora, em cansaço, alguns cacos daquilo que em seu
corpo habitava. Mas aquilo era o que? Era quem? Uma multidão
solitária, uma artista, uma história que são tantas... Talvez nenhu-
ma.
Ele, o circo:
-Depois da morte é o que mesmo? Como é essa história de depois
de agora?
-Não vamos conseguir sem ela!
Mas... não faz sentido, já que um agora lhe habita a presença abso-
luta...parece até que a vida continua depois que...
(...)
Ela acorda numa dessas manhãs com um sonho no gosto da boca,
sem saliva ou música. Um sobressalto claro como se entendesse: é
inevitável.
Foi-se o dia em sonho, uma mulher sem rosto. A mais linda do
circo – era o que inventava para si para ter uma alegria. Uma tra-
pezista vestida num figurino vermelho, fulgurante, destas bruxas
que enfeitiçam o público.
Ela sobe e dança na energia da lona. Abraça a corda, a barra do
ferro puro. O público treme em silêncio nos volteios do balanço
circense. E salta, e dança, e brinca.
A artista, então, inicia a preparação para o grande final.
Inspira todo o ar que lhe cabe e solta lentamente pelos lábios
minimamente abertos... Está tão leve que o estômago gela.
De pé sobre a barra segura nas cordas paralelas e impulsiona
com tamanha força que o corpo todo toca o céu do circo.
E a lona inteira vibra como a pedra quando lançada sobre
a água. (Trecho de Passagens Circenses,
Vai fazer a queda que é rara e a mais bela. dissertação de mestrado, UFF/RJ,
2007)
Num lampejo que dura a duração menor do mundo ela erra.
E erra como se fosse um sonho do qual pudesse acordar Graduada em Psicologia pela Uni-
aliviada. Ela erra. Ela era. versidade Estadual Paulista/SP,
Nos segundos que pertenciam ao espaço entre o trapézio e Mestre e doutoranda em Psicologia
o picadeiro sente o calafrio mais quente que lhe era irreco- pelo Instituto de Ciências Humanas
e Filosofia da Universidade Federal
nhecível. A queda de uma lágrima no rosto brota ao tempo
Fluminense/RJ. Possui cursos e for-
em que ela escorre rumo ao chão. mações em artes cênicas. Sócia-fun-
Do silêncio faz-se um ruído em uníssono sufocado do pú- dadora, no ano de 2001, e integrante
blico na orla fúnebre. Emudecido como num cortejo. Era da CIRCUS – Circuito de Interação
de Redes Sociais até 2012, partici-
vida. Era morte. Eram dribles.
pando da gestão da instituição, pro-
E aquela noite encerra, dorme o circo que despertou noutra jetos e eventos sociais, artísticos e
cidade... após o estranho sabor de um espetáculo forjado na culturais. Atua na área de docência
morte. e clínica.
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l o gues
b u veira Rodri
m de Oli
afael
e a por R
p r
2º Ato
Past continuum
TV nos dias de hoje...eu bem próximo à câmera...vitrola rodando e tocando Carto-
la, Caymmi...livros...filmes...discos...numa prateleira organizada. Deve estar tudo
bem rápido...cortes, edições...à luz vermelha!
Cena
Câmera com anteparo negro...ao fundo se ouve o diretor gritar: “(...)
silêncio no estúdio...Silêncio...Si-LÊN-cIO!.....gra-vando!” O anteparo é
retirado e mostra uma estrada de terra, sem ninguém...vazia...A câmera
caminha lentamente (sem tremer, pqp)...lentamente um belíssimo pla-
no sequência que termina com um puta close de um mata burro (...cela
de uma cadeia...foi que eu...Caetano estourando!) >> fotos de uma Re-
vista qualquer com fotos de Neil Armstrong, caminhando...>>
Cena
3º Ato
Vários takes de LP’s...rodando rápido,
com muitos cortes..bule...água ferven-
do...café...vapor...café...açúcar...san-
gue!!! sangue!!! Quanto sangue tem em Diáconos (diálogos?) embriagados sobre a legenda de
nosso açúcar: qualquer filme estrangeiro...arrancar a página de um livro
nacional..Drumond talvez...
- Quanto sangue, meu deus!!! Aqueles
pobres, pretos, mulatos, caboclos, su- - usar pra limpar a bunda!
jeitados aos podres poderes...que mun- - bater essa página no liquidificador...bater bemm...e jo-
do é esse... gar fora.
- Essa é a juventude que diz que quer
tomar o puder??
Entra em cena o personagem negro,
magro, mulato, mirrado – e metido à
intelectualóide chamado Jean Jacques.
Reprodução sonora do barulho do rio...
do rio Amazonas...do rio do Naná Vas-
concelos!
om mani --- salão de atos --- padme
hum humm (humm..)
¬VOCÊ NÃO ETENDERAM NADA!!!
NADA!!! – esperando Godard (ou
Godô?). Territorialização não-represen-
tativa...totalmente encenatória, mas
cruelmente nua e de si mesma (mesmo
que ao contrário)!!!!!!!!!!!!
Toda vez que JJ aparece (porra: Jean Ja-
cques!), ignora os demais participantes
da cena...mas se insere friamente nos
diálogos, nas conversas...sempre olhan-
do prum espelho, mirando e arrumando
os cabelos!! 2º Ato
Dois (ou mais) personagens na iminência de
arrancarem numa disputa...numa corrida...emi-
nência...vai...(mas sem nunca concluírem seu
ato). Esse movimento deverá durar muito tem-
po (vozes embaralhadas num diálogo indiscer-
nível ao fundo)...durar muito tempo.... muito
tempo...até que quem assista se canse.
<<áudio aqui será de composição>>
- OU, cê já escovou o dente?
- Não. Já leu Caosmose?
- Vai...vai...
Egberto Gismonti:
- Meu, sublima!
(Notas de um cineasta em formação às seise-
meia. De: Rafael de Oliveira Rodrigues)
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Decerto os hábitos das cidades deixaram xão estética mais conceitual e que dialogue com
outras lembranças que não apenas as tris- as realidades urbanas contemporâneas.
tes ou alegres. A experiência da vida urbana
Abordar não apenas os restos materiais, mas
foi também capaz de produzir efeitos menos
também restos imateriais de uma trajetória,
úteis, mas, nem por isso, menos relevantes. mais precisamente, aquilo que trajetórias so-
Desde a lixeira no canto da casa, até seu des- ciais ou íntimas “varrem para debaixo do ta-
tino final, o lixo carrega a memória daquilo pete” da história da humanidade. Trabalhar a
que não teria mais serventia para as luzes da concepção de que lacunas também falam sobre
cidade. os conteúdos preenchidos de nossas histórias.
O que se produz como resíduos das relações Essa diversidade de refugos da memória encon-
nas cidades modernas, refugos inúteis ou de- tra ecos nas diversas produções artísticas, as
jetos putrescentes, materializa-se e acumu- quais por meio do lixo – entendido como aquilo
la-se como efeito da vida urbana. Todavia, que não é útil à sociedade – se propõem a pen-
não são apenas estas formas mais conheci- sar os restos da memória como uma forma de
das de produção de sentido sobre o lixo que vivenciar e pensar o mundo moderno. O lixo,
vemos atravessar o nosso cotidiano. Enquan- esse personagem, também apresenta outras ex-
to a primeira edição da Mostra o Lixo esteve pressões e sensações no cenário cultural. A pro-
envolta na materialidade do lixo sendo utili- dução de diferentes segmentos como o cinema,
zada como suporte ou mesmo linguagem ar- as artes cênicas e as artes plásticas pousa sobre
tística, a II Mostra o Lixo pretende ocupar-se essas montanhas de dejetos para produzirem a
também de outros refugos. Trata-se de aliar sua fração de realidade.
os restos materiais e imateriais, sejam eles
Para além dos discursos pedagógicos socioam-
discursos soterrados, obras esquecidas, sub-
bientais, vemos a relevância de trazer ao público
jetividades marginalizadas, enfim, memó-
o que as artes têm a mostrar e a expressar sobre
rias urbanas deixadas de lado.
o lixo. Entender como essas artes se realizam,
Se na edição inaugural a mostra teve como bem como suas infinitas possibilidades de ex-
tema a utilização do lixo como inspiração ou pressão, pode também trazer um repertório di-
tema de produções artísticas, em sua segun- ferente para olharmos para estas questões tão
da edição a proposta é produzir uma refle- importantes.
“Cidade Cinza”, “PIXO”, “Pixadores”, ou mesmo – curador do museu Van Abbemuseum, na Ho-
o estrangeiro “Exit Through the Gift Shop”, são landa – disse em uma entrevista ao site “Outras
filmes que retratam o recente boom da street art, Palavras”2:
sua entrada no radar da arte e da cultura: filmes
que trazem uma questão atual sobre o uso do es-
paço urbano; sobre visibilidade de certas expres-
sões artísticas. Fazem-nos, também, questionar a “Ainda há pouco tempo ouvi alguém
entrada dessa forma de expressão subversiva no comentar que a verdadeira felicidade
universo da Arte: grafite é arte? Pixo é arte? de comprar uma obra de arte reside
na negociação do preço e no momento
Definir “Arte” talvez seja uma das tarefas mais de vanglória ao jantar. O objeto, aqui,
difíceis a se fazer no campo da arte. “Provoca- não é grande coisa – o que importa é o
ção” que reverbera com os filmes: a Arte pode ser processo de consumo.”
pensada enquanto estrutura social.
Existe hoje um circuito de Arte, circuito tal que
qualifica objetos, obras advindas das mais va-
riadas expressões artísticas que “se tornam” arte Consumidores de arte. A expressão artística é
apenas ao adentrarem as galerias. Em vista disso, ofício. Se produz uma obra como se produz lâm-
podemos pensar em Banksy e sua street art de padas ou cadeiras. Tais quais lâmpadas e cadei-
contestação: a entrada de suas obras nas galerias ras, obras de arte têm uma demanda de compra
criou uma onda de valorização dessa expressão que permitiria ao autor manter-se dedicado ao
antes marginal, de tal forma que se ouve histórias ofício. Fujamos do romantismo de pensar o ar-
de pessoas que tiveram seus muros roubados na tista enquanto necessariamente excluído de um
Inglaterra por servirem de suporte a alguma obra mercado de trabalho, idealizando a arte como
do artista. Ou mesmo em Arthur Bispo do Ro- algo puro que se deve fazer estritamente por
sário, que produziu para Deus e hoje é pensado amor, sem buscar retorno, “Arte pela Arte”.
enquanto “artista”. Vejam só: ao ter sua obra ex- Mas aqui entra uma perversão desse espaço: só
posta e validada (palavra importante, validação), é Arte o que é validado pelo circuito de artes,
Banksy foi promovido de enfant terrible das ruas pela instituição artística e, consequentemente,
– do grafite – a artista. É um atributo que é dado pelo mercado das artes. O urinol era apenas uri-
à obra e ao seu autor por toda uma instituição ar- nol até ser assinado e exposto por Duchamps3.
tística que inclui críticos, curadores, galerias e, A questão que essa obra nos coloca é especifi-
claro, consumidores. camente essa: torna-se “Arte” o que é validado
Existe um mercado de arte: mercado que justifi- pela instituição artística, todo o resto é apenas
ca a retirada de um muro do centro de Londres “expressão artística”, sem valor. O urinol de Du-
para ser exposto em uma galeria ou monetarizado champs é vendido por três milhões de euros, o
pela adição à coleção de alguém. Charles Esche grafite no viaduto não tem valor. A “etiqueta”,
ra social que é o circuito de arte).
A única forma de fazer “arte pela
arte” talvez seja não fazer arte al-
guma, não permitir que a obra seja
sequestrada. Mas e então, ainda
assim, a arte teria seu papel social?
Numa sociedade da informação
como a em que vivemos, talvez
possamos vislumbrar a possibili-
dade de construir espaços outros
de circulação para essas obras:
dificilmente as intervenções de
Banksy no muro que separa Isra-
el da Palestina5 serão “recortadas”
para o prazer do mercado de arte.
Ainda assim, cumpre com seu ca-
ráter social e político.
Talvez devamos apenas assumir
que toda expressão artística pode
validação pela estrutura social que é a arte, mo- ser útil , é política, e começar a questionar “útil para
6
netariza, torna objeto de desejo e, consequen- o quê”? A fruição artística e a experiência estética
temente, coloca um tipo de expressão artística independem da etiqueta de validação da estrutura
dentro de um regime de sensibilidade que nos social das “altas artes”, e possibilitar a circulação
diz quais expressões artísticas “valem” e quais dessas obras não validadas (como a Revista CIR-
“não valem”: quais devem ser vistas como arte e CUITO, por exemplo, se propõe a fazer) talvez seja
quais são qualquer outra coisa. uma forma particular de subversão.
Entramos então em um campo minado: o artista
deve se desvencilhar do mercado para produzir
arte pela arte? Deve admitir o caráter mercado-
1) Professor universitário e doutorando em Psicologia Social
lógico de sua obra? Com essa admissão, propor pela UNESP – Assis. Membro integrante da CIRCUS desde
obras que contestem o mercado de artes4? 2012, onde além de tesoureiro, auxilia na elaboração e execu-
Não há respostas. Mas há aí uma questão inte- ção de projetos culturais
2) http://goo.gl/TWPTkA
ressante: observando desta forma o mundo da
3) http://goo.gl/nlbjXk
Arte, podemos nos questionar sobre o caráter
4) Merda de artista, de Piero Manzoni (http://goo.gl/
intrinsecamente político, econômico e social da
VDdLc2) seria um exemplo.
produção artística. Quando produzimos para as 5) http://goo.gl/GMgDNM
galerias (ou quando o mundo da arte coopta uma 6) Charles Esche, na mesma entrevista citada, nos diz
expressão artística), estamos fazendo política, que “util” em espanhol é também Ferramenta: Arte-
estamos produzindo uma arte útil (à estrutu- -Ferramenta.
27
por Priscila Constantino Sales pulação urbana, e que ainda se as mais diversas experiências,
fazem presente, mesmo que sua das quais o cinema felizmente
Território e memória: as cidades arquitetura tenha dado lugar não se esquiva.
se fundem nessas duas topogra- a outras funções e formatos ou O cinema adentra o início do
fias. Palco de atuações do traba- desaparecido da paisagem da século XX e rapidamente in-
lho coletivo, das lutas políticas cidade. sere-se no universo da cultura
e simbólicas, mas também das O ato de demolir e reconstruir moderna, ao criar uma nova lin-
mais fascinantes ações imagi- sentidos para os espaços e me- guagem e se constituir como ar-
nativas. Lugar de contradições mórias do passado é caracterís- tefato de intensa comunicação
e vivências, as cidades, mesmos tica dessa mesma modernidade com a população, influenciando
as menores e mais distantes dos que, ao trazer movimento, velo- decisivamente a forma de per-
centros, tornaram-se também cidade, estímulo e mudança no ceber e estruturar o mundo. De
espaços de atuação cinemato- ritmo de vida, tanto cria vivên- origem popular, exibido junta-
gráfica. Com essas linhas ini- cias como ligeiramente as apaga mente com narradores, dança-
ciais, convido os leitores para de nossas vistas. Contudo, essa rinas, música ao vivo em feiras
rememorar um pouco da traje- memória subterrânea da cida- de atração e parques de diver-
tória das imagens na cidade de de ainda sobrevive por meio de são, a novidade das imagens em
Assis através das salas de cine- narrativas, que mesmo frag- movimento torna-se parte do
ma, que tanto fascinaram a po- mentadas, dão conta de reviver cotidiano dos grandes espetá-
culos e ganha seu próprio ritual de rolos de fita iluminavam uma
nas salas de cinema. plateia atenta: homens e mulhe-
Cine Theatro Avenida: Situa-
No estado de São Paulo, esse res com trajes de noite, adoles-
do onde atualmente se encon-
universo ganha contornos com centes e personalidades assisen-
tra o Assis Plaza Shopping.
Francisco Serrador, ses. Responsável pela exibição
Constam como proprietários
grande empresário da exibição dos maiores sucessos hollywoo-
Irmãos Cury, Empresa Tea-
cinematográfica que em 1905 dianos, o cinema apresentava as
tral Peduti e Luis Tarcitano.
organiza a trupe ambulante comédias de Charles Chaplin,
“Empresa Richabony” e realiza as aventuras de Bang-Bang e as
as primeiras exibições no inte- grandes estrelas do cinema que
rior paulista. Não temos relatos nesse momento se tornavam
de que essa trupe tenha chegado atrações dos filmes, por inter-
ao vilarejo de Assis, mas poucos médio das quais Assis entrava
anos separam a chegada da fer- em contato com novos costumes
rovia – com seu apito gritante, de vestir, falar e se portar. Foi
sua fumaça escura e sua janela ainda em 23 de agosto de 1930
que em forma de quadro possi- que o cinema falado, que tanto
bilitava aos passageiros a visão alarmou o mundo cinematográ-
de imagens que rapidamente fico e criou inúmeros obstácu-
movimentava a paisagem – e a los para a produção e exibição
chegada do primeiro cinema à do cinema brasileiro, chegou ao
Assis. território assisense com o filme
Cine Avenida foto de 1941 cedida por Ivani Cury (Blog Sa-
Alvorada e Paixões.
Já na década de 20, o cinema las de Cinema de São Paulo).
Reinauguração do Cine são Vicente em 02/09/1937 – foto cedida por Ivani Cury (Blog Salas de Cinema de São Paulo).
Foto: Antonio Ricardo Soriano - Interior Cinema Municipal Piracaia antigo Cine Peduti (Blog Salas de Cinema de São Paulo)