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Ética, Moral e Bioética

COSTA, Denise Silva; GAMA, Janaína Diniz da et al. Ética,


Moral e Bioética. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 21, 19
nov. 1997. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/1835>. Acesso em: 17
fev. 2011.

A felicidade consiste em conhecer seus limites e amá-los.


(Romain Rolland)

SINOPSE

O presente trabalho procura abordar os vocábulos, ética e


moral sob um enfoque filosófico e um tanto prático, onde se
procura delinear as suas diferenças e similitudes. Delineou-
se, também, uma abordagem sobre o tema "bioética".

Tem-se a Ética como a ciência da conduta. Entretanto,


enfaticamente, não determina o modo de agir; este, faz
parte do campo Moral.

Embora o objeto de estudo seja o mesmo, e


freqüentemente os termos sejam confundidos, o enfoque
dado é diferente: o campo ético é o teórico e campo moral
é o prático.

Ponto específico e tema relativamente novo, a Bioética,


muito mais do que uma "ética da vida", conduz à
reconsideração sobre o complexo das relações do ser
humano com a vida, sob nova perspectiva.
Seus princípios estão presente no campo ético da vida e da
saúde.

INTRODUÇÃO

A sociedade moderna assiste a um progresso tecnológico


jamais imaginado, que ultrapassa as previsões dos mais
perspicazes futurólogos. O extraordinário progresso
técnico-científico, principalmente na área médico-biológica,
e o avanço econômico-social, não são suficientes para
deter no homem contemporâneo uma certa angústia, que o
afasta de si, do outro e da auto-realização.

Deve-se isto à massificação da informação, através dos


meios de comunicação e da informática, que por sua vez
traz como corolário, uma "desagregação de certos valores
que de alguma forma vinham conduzindo a maioria das
pessoas e grupos humanos nos seus posicionamentos
morais básicos."(1)

Esta crise, em fins do século XX, é o reflexo da


conturbação moral, em que homem adota uma posição
relativista em torno da vida; os juízos de valores e as
normas éticas são consideradas meramente uma questão
de preferência de cada um, sem qualquer validade objetiva.

É objeto deste trabalho realizar a distinção entre os


vocábulos Ética e Moral; autores há que usam os termos
indistintamente, enquanto que para outros, considera-se
Moral como tradução latina de Ética. Percebe-se que
historicamente há diferenças; procuramos, deste modo,
analisar a diferença que existe entre os temas.

Pretende-se neste estudo, além de se buscar a distinção


dos termos Ética e Moral, fazendo breve análise, também,
da Bioética, tema novo que abarca as ciências médicas e
biológicas;

Hodiernamente, a crise dos valores chega a ameaçar a


vida, a integridade e a dignidade do ente humano,
questionando até que ponto é vantajoso os benefícios da
tecnologia e do desenvolvimento. Deste modo, toda
contribuição ética é bem vinda, uma vez que as discussões
que envolvem os problemas éticos passam,
necessariamente, pelas vias acadêmicas.

DA ÉTICA E DA MORAL

Muitos sabem, ou pelos menos intuem o que seja Ética;


todavia, explicá-la é tarefa difícil. Além do mais, tentar
defini-la seria nos privar de toda a amplitude de seu
significado que pode ainda advir, fruto do desenvolvimento
do pensamento humano.

Etimologicamente, o termo ética deriva do grego ethos que


significa modo de ser, caráter.

Designa a reflexão filosófica sobre a moralidade, isto é,


sobre as regras e os códigos morais que norteiam a
conduta humana.

Sua finalidade é esclarecer e sistematizar as bases do fato


moral e determinar as diretrizes e os princípios abstratos da
moral. Neste caso, a ética é uma criação consciente e
reflexiva de um filósofo sobre a moralidade, que é, por sua
vez, criação espontânea e inconsciente de um grupo.

Pode ser entendida como uma reflexão sobre os costumes


ou sobre as ações humanas em suas diversas
manifestações, nas mais diversas áreas.

Também, pode ser ela tida como a existência pautada nos


costumes considerados corretos.
Isto é, aquele que se adequar aos padrões vigentes de
comportamento numa classe social, de determinada
sociedade e que caso não seja seguido, é passível de
coação ao cumprimento por meio de punição.

Em suma, temos a ética como estudo das ações e dos


costumes humanos ou a análise da própria vida
considerada virtuosa.

Pode ser considerada ainda como a parte da filosofia que


tem como objeto o dever-ser no domínio da ação humana.

Distingue-se da ontologia cujo objeto é o ser das coisas.

Propõe-se, portanto, a desvendar não aquilo que o homem


de fato é, mas aquilo que ele "deve fazer" de sua vida. Seu
campo é o do juízo de valor e não o do juízo de realidade,
ou da existência.

Estuda as normas e regras de conduta estabelecidas pelo


homem em sociedade, procurando identificar sua natureza,
origem, fundamentação racional.

Em alguns casos, conclui por formular um conjunto de


normas a serem seguidas; em outros, limita-se a refletir
sobre os problemas implícitos nas normas que de fato
foram estabelecidas.

As noções decorrentes de ações advindas de uma ou mais


opções entre o bom e o mau, ou entre o bem e o mal,
relacionam-se com algo a mais: o desejo que todos têm de
serem felizes, afastando a angústia, a dor; daí, ficamos
satisfeitos conosco mesmos e recebendo a aceitação geral.

Para que exista a conduta ética, é necessário que o agente


seja consciente, quer dizer, que possua capacidade de
discernir entre o bem e o mal (cabe observar agora que
agir eticamente é ter condutas de acordo com o bem.
Todavia, definir o conteúdo desse bem é problema à parte,
pois é uma concepção que se transforma pelos tempos). A
consciência moral possui a capacidade de discernir entre
um e outro e avaliar, julgando o valor das condutas e agir
conforme os padrões morais.

Por isso, é responsável pelas suas ações e emoções,


tornando-se responsável também pelas suas
conseqüências.

Os valores podem se entendidos como padrões sociais ou


princípios aceitos e mantidos por pessoas, pela sociedade,
dentre outros.

Assim, cada um adquire uma percepção individual do que


lhe é de valor; possuem pesos diferenciados, de modo que,
quando comparados, se tornam mais ou menos valiosos.

Tornam-se, sob determinado enfoque, subjetivos, uma vez


que dependerão do modo de existência de cada pessoa,
de suas convicções filosóficas, experiências vividas ou até,
de crenças religiosas.

Do que foi dito, as pessoas, a sociedade, as classes, cada


qual têm seus valores, que devem ser considerados em
qualquer situação.

A consciência se manifesta na capacidade de decidir diante


de possibilidades variadas, decorrentes de alguma ação
que será realizada. No processo de escolha das condutas,
avalia-se os meios em relação aos fins, pesa-se o que será
necessário para realizá-las, quais ações a fazer, e que
conseqüências esperar.

Assim, para poder deliberar, realizar constantemente as


escolhas, é condição básica a liberdade. Para isso, não se
pode estar alienado, ou seja, destituído de si, privado por
outros, preso aos instintos e às paixões.
ÉTICA E MORAL: SIMILITUDES E DIFERENÇAS

A coexistência é uma imposição a que todos as pessoas


são submetidas. Todavia, a convivência é uma
necessidade, esta como conseqüência daquela.

É a necessidade de convivência que faz surgir a Moral,


aquela reunião de regras que são destinadas a orientar o
relacionamento dos indivíduos numa certa comunidade
social.

Freqüentemente, os termos "ética" e "moral" são


empregados como sinônimos, mas entendemos que se
reserva a este último apenas o próprio fato moral, enquanto
o primeiro designa a reflexão filosófica sobre o mesmo.

Etimologicamente, Moral, do latim mos, mores significa


costume, conjuntos de normas adquiridas pelo homem.
"Moral é a moral prática, é a pratica moral. É moral vivida,
são os problemas morais. É a moral reflexa.

Os problemas morais, simplesmente morais são restritos,


nunca se referindo a generalidade. O problema moral
corresponde a singularidade do caso daquela situação, é
sempre um problema prático-moral. Os problemas éticos
são caracterizados pelas generalidades, são problemas
teórico-éticos"(2).

Assim, conforme se depreende do que foi dito acima,


quando se indaga o que é correto, definir o que é bom,
sendo a indagação de caráter amplo e geral, o problema é
teórico, ou seja, simplesmente ético.

Temos a moral como ação; a ética é a norma, já que ela


não cria a moral, sendo, antes, uma abordagem científica
da moral. É a ciência do comportamento moral dos homens
na sociedade, ou melhor, um enfoque do comportamento
humano cientificamente.
Sendo moral o que é vivido, é, então, o que acontece. Já a
ética, é o que deve ser ou, pelo menos, o que deveria ser
(conforme já salientamos, o objeto é o dever-ser).

A ética estuda, aconselha, e até ordena.

A moral é como expressão da coexistência.

Tanto a ética como a moral relacionam-se a valores e a


decisões que levam a ações com conseqüências para nós
e para os outros.

Podem os valores variarem, todavia todos relacionam-se


com um valor de conteúdo mais importante, estando até
mesmo, subentendido nos outros: o valor do bom ou o
valor do bem.

No mesmo sentido, a Moral pode ser conceituada como "o


conjunto de regras de conduta consideradas válidas, quer
de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para
grupo ou pessoa determinada.

Esse conjunto de normas, aceito livre e conscientemente,


regula o comportamento individual e social das
pessoas"(3).

Deste modo, tem-se como moral o conjunto de costumes,


normas e regras de conduta estabelecidas em uma
sociedade e cuja obediência é imposta a seus membros,
variando de cultura para cultura e se modifica com o tempo,
no âmbito de uma mesma sociedade.

Os dois vocábulos se referem a qualidades humanas: o


modo de ser ou o caráter de cada um, em que se baseiam
os costumes ou as normas adquiridas, o que vai pautar o
comportamento moral do homem.

Podemos dizer que a Ética analisa as regras e os princípios


morais que são destinados a orientar a ação humana; tem
em si uma estrutura capaz de analisar diferentes opções
para se ter referência sobre o que é ou não correto em
determinado momento.

O desrespeito a alguma das regras morais pode provocar


uma tácita ou manifesta atitude de desaprovação. Apesar
de haver em cada indivíduo uma reação instintiva contra
regras e obediências a qualquer autoridade, até hoje
nenhum grupo ou comunidade pode existir sem normas
constrangedoras da moral.

Se, por uma parte, elas molestam o indivíduo, por outra,


preservam e salvam a sociedade em que ele vive. Agem
como um mecanismo de autodefesa e preservação do
grupo. Como os indivíduos só podem viver em função da
comunidade, ficam assim compensados do sacrifício
pessoal que fazem.

A Ética, como a Moralidade, não se situa no campo


puramente apreciativo dos valores. A sociedade cria
determinados valores e as ações humanas começam
desde logo a se cristalizar em regras que se orientam pela
obtenção e realização dos mesmos. Hodiernamente, a
Ética se detém, sobretudo, na pesquisa e no estudo dos
valores morais. Estes, determinam o impulso moral e
impelem à ação dos indivíduos. Somente aquelas atitudes
e coisas que levam ao próprio aperfeiçoamento e ao bem
comum do grupo é que possuem valor moral. Todas as
vezes que o homem encontra um dilema, são o valores pró
ou contra que vão determinar a sua escolha.
DA BIOÉTICA

O interesse pelos temas relativos à moral, e por


conseguinte, à ética, existem há séculos, tendo sua origem
no mundo grego antigo.

Entretanto, o termo bioética, também denominado ética


biomédica, juntamente com a disciplina que o designa, são
novos.

Ocupa-se a ética biomédica com aqueles temas morais que


se originam na prática da medicina ou na atividade de
pesquisa biomédica.

Surgiu a partir de um movimento que tem por finalidade a


conciliação da medicina com os interesses éticos e, ao
mesmo tempo, humanísticos. Os homens que fazem parte
deste movimento tentam, com uma visão crítica, examinar
os princípios gerais éticos e o modo como estes princípios
se aplicarão à ciência contemporânea e à prática da
medicina.

Estas pessoas, com formação nas áreas de medicina,


filosofia, sociologia, teologia, dentre outras, ao abordarem
estes aspectos, realizam, outrossim, uma recuperação de
valores do passado que, por diversos motivos, haviam sido
negligenciados.

A bioética propicia o entendimento das relações do homem


com a vida sob outro enfoque: é responsável pelas
escolhas boas ou más, o que é justamente o ponto de vista
ético.

Assim, surgem palavras essenciais que, conforme visto, foi


objeto de reflexo ética da humanidade: "bem", "mal",
"justo", "injusto". Foi criado pelo oncologista e biólogo
americano Van Rensselaer Potter.
Conforme Mário López, "segundo a Encyclopedia of
Bioethicus, bioética é o estudo sistemático da conduta
humana nas áreas das ciências da vida e dos cuidados da
saúde, à medida que tal conduta é examinada à luz dos
valores e princípios morais"(4).

A bioética está assentada em três princípios:

BENEFICÊNCIA:
Caracteriza-se pela obrigação da promoção do bem-estar
dos outros.

É essencial levar em conta os desejos, necessidades e os


direitos de outrem.

Assim, devem ser atendidos os interesses do paciente e


devem ser evitados danos, pois qualquer tentativa de se
fazer um bem alguém, envolverá o risco em prejudicá-lo.

AUTONOMIA:
O médico, deve respeitar a vontade, a crença e os valores
morais do paciente.

Conforme salientamos em Kant, as pessoas nunca devem


ser tratadas como meios para fins de outras pessoas.

Devem os homens ter direito às suas autonomias. Deve-se


deixar claro que o direito à autonomia é limitado quando
entra em conflito com o direito de outras pessoas, inclusive
o do próprio médico. O que pontuará a conduta são os
valores morais.

JUSTIÇA:
Nos dias em que se passam a bioética, apresenta-se como
algo a procura de uma conduta responsável da parte de
quem deve decidir o tipo de tratamento e de pesquisas com
relação à humanidade.

Como conhecimento novo, a contribuição da bioética deve


caminhar para respostas equilibradas ante os conflitos
atuais e os do próximo século.

Conflitos estes, relativos aos pacientes, médicos e


profissionais afetos na assistência, que estão sendo
debatidos na atualidade são tratados pela bioética:
transplantes, engenharia genética, reprodução humana
assistida com embriões, início e fim da vida, dentre outros
temas.

CONCLUSÃO

A reflexão ética contemporânea encontra-se num franco


processo de revisão, única solução possível para uma
sociedade que se vê confrontada com descobertas e as
possibilidades atuais de intervenções até então nunca
pensadas, em conseqüência da tecnociência, como as
abertas pela genética molecular, e discussões ético-
jurídicas (aborto, eutanásia, reprodução humana), dentre
outras.

O homem é a soma de dois determinismos que se reúnem:


o determinismo biológico e o determinismo social. O
comportamento, em determinados casos, é ensinado e
utilizado como exemplo, como cultura que se apodera de
cada um de nós, de maneira insensível, mas que,
entretanto, determina a nossa conduta.

A ética, através das normas de conduta, norteia qual o


caminho a ser seguido. O homem é livre; diante de uma
situação concreta é obrigado a escolher entre dois
caminhos. Nesta escolha, surge a ética surge como
limitação da liberdade de cada um, em face da liberdade do
outro. Uma vez aceita a escolha, nasce a responsabilidade,
que é elemento moral de qualquer conduta.

Ao longo da história o parâmetro da discussão ética


sempre passou pela questão da busca pelo Bem.
Entretanto, nos dias em que se passam, se pergunta: o que
é que hoje serve ou não ao "bem" da humanidade?
Ampliando o debate, a quem é dado definir, para todos nós,
o que o avanço tecnológico nos trará de bom? Qual opção
que temos?

Os juristas, os cientistas, os filósofos devem dar a sua


contribuição para a busca da justiça, da vida, da liberdade,
para que possamos, eticamente, formar nossas
consciências e as consciências das pessoas que
participarão do debate que ora se forma. É necessário que
a humanidade reflita sobre o princípio da responsabilidade
científica e social e que a racionalidade ética caminhe a
passos largos, disputando palmo a palmo, um espaço junto
ao progresso científico e tecnológico.

NOTAS

(1) Volnei GARRAFA, A dimensão da ética em saúde


pública, pág. 5.

(2) Júlio Arantes Sanderson de QUEIRÓZ In: Alcino Lázaro


SILVA, Temas de Ética Médica, pág. 23.

(3) Mário LÓPEZ, Fundamentos da Clínica Médica: a


relação paciente-médico, pág. 215.

(4) Mário LÓPEZ, Fundamentos da Clínica Médica: a


relação paciente-médico, pág. 218.

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