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material lítico, ósseo e das representações rupestres, a O anarquismo metodológico de Feyerabend


autora do capítulo consegue, sem verdadeiramente e o pensamento de Imre Lakatos são investigados na
chamar a atenção do leitor e, por que não dizê-lo?, capítulo 21 por L. Hegenberg, ainda uma vez mais
enriquecer a obra. com precisão e didatismo, para o próprio Hegenberg,
Ficou a cargo de Creusa Capalbo, célebre no capítulo 23, concluir com interessantes considera-
especialista em fenomenologia, a responsabilidade de ções gerais sobre a metodologia da pesquisa.
explicar o método fenomenológico no duodécimo Além dos adjetivos já empregados pelo mo-
capítulo. À despeito de ser, também, sucinto, a auto- desto autor desta resenha, só há que dizer, sem ser
ra expõe com tranqüilidade e completude a matéria. inédito, que a obra possui, evidentemente, seu méri-
Estão lá os inevitáveis temas da intencionalidade da to. Autores importantes, intelectuais experientes... mas
consciência, a intuição e a essência e a redução não se pode deixar de apontar o descompasso entre
transcendental. os capítulos, a demasiada brevidade da grande mai-
Leonidas Hegenberg volta no tredécimo ca- oria deles, o fato de a obra não ser mais do que
pítulo para falar do método dialético. Em exatamen- aquilo que em nenhum momento os organizadores
te quatro páginas e meia o autor elabora uma história disseram aos seus leitores: uma simples, extremamente
do método dialético, estuda Kant e Hegel e conclui simples introdução à questão dos métodos. O livro
com Marx e Engels. Sem comentários. não chega a ser desinteressante, como já anunciamos
Segue a obra com o método em psicanálise, no início, mas não se pode pretender indicá-lo para
de Mauro Hegenberg, pouco claro e portanto nada além de graduandos principiantes.
esclarecedor.Beira o jocoso.
Prof. Fabiano Stein COVAL
Melhor exposto (e com um adendo interes- Fa c u l d a d e d e F i l o s o f i a
sante sobre a lógica modal) é o método dedutivo de
Russel e Frege, o que é natural tendo-se em vista as
filiações intelectuais do autor do capítulo, o próprio
L. Hegenberg.
Temos uma boa descrição do método estatís- EAGLETON, Terry. Depois da teoria: um olhar
tico, com definições de amostra, probabilidades, sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Rio
dados qualitativos e quantitativos, hipóteses, etc. por de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
Paulo Renato de Morais no capítulo 16.
Novamente L. Hegenberg é quem retorna, Terry Eagleton, professor de Teoria Cultural na
entre os capítulos 17 e 20. Indubitavelmente os Universidade de Manchester, importante estudioso
melhores do livro: com profundidade e clareza, ana- do assim chamado pós-modernismo, além de autor
lisa o Círculo de Viena, o pensamento de Popper e de obras sobre literatura, publicou originalmente seu
Kuhn, a atual lógica indutiva e o teorema de Bayes e After Theory em 2003. Sobre o título original e sua
finalmente o método hipotético-dedutivo segundo tradução é preciso um esclarecimento: a palavra in-
Carl Gustav Hempel (1905 – 1997). glesa after não indica apenas “depois”, “após”, mas
ainda “em busca de”, “à procura de”, e é precisa-
O capítulo 21, de Marcos Botelho, mal mente este o espírito da obra. As teorias culturais
alocado após os textos de L. Hegenberg, retomará as ortodoxas exigem uma superação: depois (after) de
J. características básicas da ciência moderna nossas teorias contemporâneas, na medida que se tor-
TE
RN (Renascimento, Bacon, Descartes e Newton), apon- naram insatisfatórias, é preciso buscar (after) novas
ES
tando para os desafios da ciência no século XXI. teorias.

Reflexão, Campinas, 31(89), p. 111-118, jan./jun., 2006


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O primeiro capítulo (“A política da amné- ta, o autor se vale da literatura inglesa do século XX
sia”) inicia devastador: “A idade de ouro da teoria para exemplificar a desorientação cultural dos litera-
cultural há muito já passou. Os trabalhos pioneiros de tos, desorientação que serve como um dos fios con-
Jacques Lacan, Claude Lévi-Strauss, Louis Althusser, dutores do capítulo, e a abertura de portas para os
Roland Barthes e Michel Foucault ficaram várias dé- “despolitizados” dos anos 80 e 90 [...].” (p. 65).
cadas atrás. [...]. Não muito do que tem sido escri- Brinca, entristecido: “[...] estudantes de engenharia
to desde então é comparável à ambição e originali- química, em geral, saem mais facilmente da cama do
dade desses precursores. Alguns deles foram derruba- que estudantes de arte e de inglês.” (p. 64). É o fim
dos. O destino empurrou Roland Barthes para debai- do valor e o império do preço. Artistas não apenas
xo da caminhonete de uma lavanderia parisiense e se ocupam com valores, mas não tem espaço (traba-
vitimou Michel Foucault com a Aids. Despachou lho) na sociedade dos anos 90, e assim não preci-
Lacan, Williams e Bourdieu e baniu Louis Althusser sam saber o preço de nada.
para um hospital psiquiátrico pelo assassinato de sua
esposa. Parecia que Deus não era um estruturalista.” O pós-modernismo é, especificamente, o tema
(p. 13). A bem da verdade o primeiro capítulo, do capítulo três. O autor procura demonstrar como a
com uma escrita quase apaixonada, não é lá muito contracultura dos anos 60 e 70 geraram o pós-mo-
original: devassa o panorama cultural contemporâneo dernismo dos anos 80 e 90 e, especialmente, de
de futilidades, cruéis desigualdades, perda do senti- que modo o marxismo tornou-se irrelevante no atual
do de tradição e pertencimento. O melhor a ser fei- contexto. O raciocínio pode não ser válido, mas é
to, reflete o autor, é ir vivendo (se temos uma certa interessante. Romper com a cultura na década de 60
mobilidade, e é isto que define a nova burguesia) e e setenta, necessário ou não, foi um péssimo aconteci-
esquecer (daí a política da amnésia) dos bilhões de mento na medida que não pôde oferecer novas “pos-
famintos e doentes, de nossas origens (que poderiam sibilidades” culturais, instaurou-se o vazio e por isso
nos despertar valores) e de qualquer tipo de observou-se facilmente três conseqüências: 1. a in-
engajamento. Não há porque engajar-se, lamenta: é dústria da cultura tornou-se um grande negócio (por-
trabalhoso e arriscado.
que qualquer cultura é melhor que nenhuma); 2. a
No capítulo dois (“A ascensão e queda da exploração e a humilhação puderam ser praticados e
teoria”), Eagleton faz uma breve história das teorias aceitos; 3. o marxismo perdeu sua capacidade
ou idéias culturais. Ao filósofo intransigente, pode explicativa e transformadora, pois não havia uma ma-
parecer estranho que, além de classificar os reconheci- téria-prima a ser transformada: a cultura era (é) amorfa! BACHELAR
damente filósofos de teóricos da cultura, o autor não Imprimir uma forma parece não ser compromisso do
D

abra mão da célebre tese segundo a qual todo pensa- marxismo; os movimentos de contracultura queriam
mento é pensamento de um contexto histórico e fruto exatamente a destruição das “formas” culturais. É óbvio
dele, mesmo as “teorias mais rarefeitas” (p. 43), re- E
que Eagleton em uma espécie de “malabaris- mo” FR
ferindo-se inicialmente a Schleiermacher e depois a EU
intelectual, ouso dizer, salva o marxismo a qual- quer D

Platão. O valor do capítulo reside em suas reflexões


preço, mostrando que neste contexto mesmo os não-
sobre a ampliação do conceito de cultura, em parti- ALARGAR

cular no século XX. O anti-valor do capítulo está no marxistas o eram! Mais do que em qualquer ou- tro
estilo demasiadamente saudosista do autor, em rela- momento da obra, Eagleton é... “dramático”: “A
cultura só parece à deriva por uma vez termos pensa-
O
ção aos anos 50 e 60 quando a esquerda política, ES

do que estávamos presos com arrebites a algo sólido,



hoje desaparecida, “desfrutava de proeminência” RI

(p. 44). A despeito das intermináveis discussões como Deus, a Natureza ou a Razão. Mas isso era TO
,

sobre a imparcialidade de um pensador, Eagleton não uma ilusão. Não é que tenha sido verdade uma vez e
se esforça, em nenhum momento, para ocultar ou agora não o seja, mas sim que era falso o tempo todo. TONIFICAR
minimizar sua adesão radical pelo marxismo. Pessimis- Somos como alguém cruzando uma ponte alta e, de

A
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L
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repente, sendo tomado de pânico por se dar conta des diferentes. Então, se estou no Rio de Janeiro, é
de que há um abismo de trezentos metros abaixo. É (absolutamente) verdade que estou no Rio de Janei-
como se o piso sob seus pés não fosse mais sólido. ro. Defensores da verdade não são, necessariamente,
Mas, de fato, não é mesmo.” (p. 89). Aqui o autor dogmáticos e autoritários. Sobre a objetividade, o
esboça aquela que será sua grande tese: uma nova autor é, como o é com freqüência, bem humorado:
teoria cultural não nos remeterá ao passado, não ex- “Esta é a situação invejável dos sapos, que sabem,
plicará o presente, não prometerá um futuro, mas nar- por instinto, como fazer o que é melhor para sapos
rará como chegamos a ser o que somos, noutros ter- fazerem. [...]. Ser um sapo bom e não um sapo mau
mos, compreenderá as grandes narrativas às quais é viver uma gratificante vida de sapo.” (p. 155).
estamos enredados. (p. 108). Pela piada o leitor já prevê que neste campo o autor
pisará em ovos. É isso mesmo: defenderá uma “natu-
“Perdas e ganhos” é o título do capítulo qua- reza humana” e ponto. Atreve-se: “[...] nossa intui-
tro. Eagleton ocupa-se, agora, de fazer, em seus ter- ção nos diz que seres humanos foram feitos para algo
mos, um balanço da teoria cultural. Em síntese, a teo- mais do que cometer assassinatos e mastigar batatas
ria cultural perdeu por não ter dado suficiente aten- fritas.” (p. 159). Neste capítulo, a forma como o
ção à questões como o mal, a objetividade, o sofri- autor se rende a Aristóteles é impressionante, daí a
mento, a morte, a verdade, a metafísica, etc. Ga- questão das virtudes para que a vida humana seja
nhou, especialmente, por nos permitir compreender digna de ser vivida.
que não há uma única forma de interpretar uma obra
de arte. Perdas e ganhos são melhor entendidas se Capítulo seis: “Moralidade”. Mais um assun-
analisarmos o problema da linguagem, da oposição to desgostoso dos teóricos da cultura. Eagleton mos-
entre o concreto e o abstrato, e este foi o mote do tra os equívocos dos a-moralistas e faz a sua propos-
capítulo. ta, uma vez mais na perspectiva das éticas clássicas,
com algumas modernizações, evidentemente, e com
Pois são precisamente a verdade, a virtude e a a introdução do valor “cooperação”, que o autor
objetividade os objetos de estudo (e o título) do empresta dos socialistas. Neste capítulo, em particu-
capítulo cinco. O autor começa justificando-se: “Ne- lar, se pode acusar Eagleton de ter deixado muito a
nhuma idéia é tão impopular na teoria cultural con-
desejar.
temporânea como a de verdade absoluta. [...]. Co-
mecemos, então, buscando defender essa noção no- Terry Eagleton aborda os problemas da revo-
tavelmente modesta e eminentemente razoável. [...]. lução, dos fundamentos e dos fundamentalistas no
Em círculos pós-modernos menos sofisticados, susten- capítulo sete. Inspirado pelos tantos ataques terroris-
tar uma posição com convicção é visto como desa- tas de “cunho fundamentalista religioso” do início do
gradavelmente autoritário, enquanto ser difuso, céti- século XXI, e com boas referências a eles, Eagleton
co e ambíguo é, de algum modo, democrático.” (p. desenvolve um raciocínio genial mostrando que mes-
147). Essa é uma das inutilidades da pós- mo os textos sagrados são mais fonte de reflexão po-
modernidade. O democrata convicto não passaria lítica do que ação (terrorista) religiosa. No limiar, os
de um autoritário e estriamos num círculo vicioso fútil textos sagrados falam de justiça, e de uma justiça
e ridículo. O autor, perspicazmente, vale-se do ve- pacífica. Não é exagero ouvirmos, uma vez mais, o
lho princípio aristotélico de não contradição para autor: “[...]. O fundamentalismo é uma espécie de
sustentar que há alguma verdade. Se não há verdades necrofilia, apaixonado pela letra morta de um texto.
absolutas, isso é irrelevante. Aliás, só falamos em “ver- Trata as palavras como se fossem tão pesadas e
dade absoluta” para nos contrapor aos “relativistas inquebráveis como um castiçal de bronze. Mas faz
J. absolutos”. Se digo que estou na cidade do Rio de isso por querer congelar certos significados por toda a
TE
RN janeiro, não posso dizer que estou, simultaneamente, eternidade – e o significado em si não é material.
ES
na cidade de São Paulo, posto que são duas cida- Assim, a situação ideal para o fundamentalista seria

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ter significados, mas não linguagem escrita – pois toda dena o Grupo de Estudos Linguagem, interpretação
escrita é perecível, corpórea e facilmente contamina- e conhecimento. Seu pós-doutoramento foi realizado
da. É um veículo inferior para verdades tão sacrossan- na Purdue University (Estados Unidos) sobre Donald
tas.” (p. 277). Por isso o fundamentalismo religioso Davidson. Seus trabalhos de ensino e de pesquisa
é paradoxal e insano. Preso a palavras, que não re- concentram-se em temas de Filosofia da Linguagem,
presentam puramente uma idéia, o fundamentalismo Epistemologia e Pragmatismo. Já foi organizador de
ataca com base na palavra que pode ser reescrita, outros livros e coletâneas como Ensaios sobre a verda-
relida, re-interpretada. Seria mais salutar, e.g., tomar de de Donald Davidson (Ed. Unimarco), que reúne
o texto de Isaías e ouvir o brado de Javé: “tenho os textos mais significativos do filósofo americano.
horror a incenso”; ouvir os conselhos de Javé: “buscar Além deste, pode-se citar ainda Razão Mínima, or-
a justiça, corrigir a opressão, defender os órfãos, supli-
ganizado em conjunto com Luiz Paulo Rouanet, pela
car pelas viúvas”. (p.237)
mesma editora, entre outros. Atualmente, faz parte
O último e inspirado capítulo oito, o mais de um grupo de estudos sobre Ceticismo, cujo coor-
filosófico da obra, pode ser resumido em poucas pa- denador é um dos céticos mais importantes do país,
lavras (ou seu sentido será perdido): lembremo-nos Oswaldo Porchat Pereira. É deste grupo que partici-
sempre e aceitemos a nossa mortalidade, nossa transi- pam os filósofos que fazem parte desta coletânea.
toriedade, e aí teremos novos olhos, nova teoria, nova
e autêntica vida. “Não vale a pena cansarmo-nos”, Quando se trata de uma nova coletânea so-
diria Fernando Pessoa (heterônimo Ricardo Reis). bre um assunto tão difundido como o Ceticismo, é
natural perguntar: por que lê-la? Existem algumas no-
Terry Eagleton e seu Depois da teoria deve vidades acerca deste livro. A primeira é que ele não
ser lido por todos os que de alguma forma estão en- tem a pretensão, como algumas obras, de ser didáti-
volvidos com as ciências humanas. O problema está co e tampouco superficial. Embora, se trate de uma
na no estilo (não raro provocativo, às vezes amargo), coletânea, os artigos parecem ter sido escolhidos com
na linguagem (muitas vezes coloquial), na falta de cuidado e discutidos por todos do grupo, o que
rigor do autor. É claro que há idéias e argumentações
torna o livro ainda mais relevante.
fantásticas, mas a polêmica (com o autor, com nossas
próprias idéias) será inevitável. O livro apresenta um importante quadro do
estudo do Ceticismo feito atualmente no Brasil, sem
Professor Fabiano Stein COVAL que, no entanto torne-se inacessível para leigos. Tra-
Faculdade de Filosofia ta-se de uma coletânea realizada a partir de um ciclo BACHELAR
D

de conferências realizadas em um Colóquio sobre


Ceticismo na Bahia, em abril de 2004, sob o mes-
mo título. Os colóquios, atividades realizadas anual- E
FR
mente pelo grupo, constituem uma das inúmeras ativi- EU

O ceticismo e a
D

dades destes filósofos que se reúnem há 15 anos para


possibilidade da filosofia discutir o problema do Ceticismo. Além de conta- ALARGAR

rem com professores conceituados no Brasil, contam


ainda com filósofos latino-americanos. O
SILVA FILHO, Waldomiro José (organizador). O ES

Por conseguinte, outra característica interessante PÍ


ceticismo e a possibilidade da filosofiia. Ijuí: RI

Ed. Unijuí, 2005. 272p. (Coleção Filosofia; 13). para o leitor deste livro é a forma como dialogam TO
,
entre si os autores, discutindo, argumentando e par-
Waldomiro José Silva Filho atualmente lecio- tindo de idéias já difundidas por seus colegas. Partin- TONIFICAR
na na Universidade Federal da Bahia, na qual coor- do do princípio que a maior parte dos estudantes de

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