You are on page 1of 172

Cadernos da Fundação Perseu Abramo

A Previdência Social no Brasil


Fundação Perseu Abramo
Instituída pelo Diretório Nacional
do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996

Diretoria
Hamilton Pereira – presidente
Ricardo de Azevedo – vice-presidente
Selma Rocha – diretora
Fávio Jorge Rodrigues da Silva – diretor

Editora Fundação Perseu Abramo

Coordenação editorial
Flamarion Maués

Editora Assistente
Candice Quinelato Baptista

Assistente editorial
Viviane Akemi Uemura

Edição de texto
Antônio Carlos Olivieri

Revisão
Maurício Baltazar Leal
Márcio Guimarães Araújo

Editoração eletrônica
Enrique Pablo Grande

Capa
Berenice Abramo

Ilustração da capa
Paulino NR Lazur

Impressão
Gráfica Bartira
A Previdência Social no Brasil

Rosa Maria Marques


Einar Braathen
Laura Tavares Soares
José Pimentel
Eli Iôla Gurgel Andrade
Arlindo Chinaglia
Ricardo Berzoini
José Dirceu
Sulamis Dain
João Antonio Felicio

EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

A Previdência Social no Brasil / Rosa Maria Marques ... [et al.]. – 1. ed. – São
Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. – (Coleção Cadernos da
Fundação Perseu Abramo)

Vários autores.
ISBN 85-86469-92-0

1. Bem-estar - Brasil 2. Previdência social - Brasil 3. Previdência social


- Leis e legislação - Brasil 4. Seguro social - Brasil I. Marques, Rosa Maria.
II. Série.

03-5886 CDD-368.400981

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Previdência social 368.400981

1a edição: dezembro de 2003


Tiragem: 2.500 exemplares

Todos os direitos reservados à


Editora Fundação Perseu Abramo
Rua Francisco Cruz, 224
04117-091 – São Paulo – SP – Brasil
Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910
Na Internet: http://www.fpa.org.br
Correio eletrônico: editoravendas@fpabramo.org.br

Copyright © 2003 by Rosa Maria Marques, Einar Braathen, Laura Tavares Soares,
José Pimentel, Eli Iôla GurgelAndrade,Arlindo Chinaglia, Ricardo Berzoini,
José Dirceu, Sulamis Dain e JoãoAntonio Felicio
ISBN 85-86469-92-0
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Sumário
Apresentação, 7
Hamilton Pereira
Abertura, 11
José Genoino
Parte 1 – Experiências internacionais, 15
Experiências internacionais e a Reforma da Previdência, 17
Rosa Maria Marques
O modelo nórdico de Seguridade Social, 31
Einar Braathen
Reforma da Previdência: a experiência da América Latina, 37
Laura Tavares Soares
Parte 2 – A história da Previdência Social no Brasil, 51
Previdência Social – Aspectos, conceitos, estruturas e
fatores condicionantes, 53
José Pimentel
Estado e Previdência no Brasil: uma breve história, 69
Eli Iôla Gurgel Andrade
História da Previdência Social, 85
Arlindo Chinaglia
Parte 3 – A situação atual e a reforma, 97
A reforma necessária, 99
Ricardo Berzoini
Uma necessidade de justiça social, 121
José Dirceu
Condições econômicas e sociais, 129
Sulamis Dain
A CUT e a Reforma da Previdência, 151
João Antonio Felicio
Sobre os autores, 161
Índice de quadros e gráficos, 167

5
Este segundo livro da série Cadernos
da Fundação Perseu Abramo
reúne textos elaborados a partir do
Seminário A Reforma da Previdência,
realizado pela Fundação Perseu Abramo
e pelo Diretório Nacional do Partido
dos Trabalhadores nos dias 23 e 24
de maio de 2003, em São Paulo.
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Hamilton Pereira
Presidente da Fundação Perseu Abramo

Apresentação

O seminário “A Reforma da Previdência”, organizado pela


Fundação Perseu Abramo e pelo Diretório Nacional do Partido
dos Trabalhadores (PT), teve como objetivo debater uma questão
de absoluta importância para o país, tanto agora como para as
próximas gerações.
Antes de mais nada, quero fazer um registro muito importante
neste momento. É fundamental que a militância do PT, que os seto-
res da intelectualidade brasileira com os quais nos relacionamos, os
movimentos sociais, as organizações não-governamentais (ONGs),
enfim, aquilo que há de mais significativo no debate democrático do
país, saibam que a Fundação Perseu Abramo, instituída para orga-
nizar a memória, para estudar e pesquisar a realidade brasileira,
para difundir o pensamento do partido e das esquerdas, traz sem-
pre a marca da pluralidade.
É absolutamente fundamental deixar claro – e a sociedade
brasileira já está profundamente convencida disso – que, nas últi-
mas duas décadas, nenhum avanço democrático ocorreu na vida
do país sem a participação do PT. Essa foi a marca fundamental do
nosso diálogo com a sociedade. Pode-se gostar ou desgostar das
posições do PT, mas não se pode negar esse legado do partido.

7
APRESENTAÇÃO

Outro elemento também fundamental para nós é a relação


com os setores que se dedicam ao estudo, à análise, ao exame da
realidade do país. A intelectualidade e os artistas, aqueles que
criam o universo simbólico, o imaginário do país. Essa relação
teve e tem de ser cultivada, o que não se faz sem trabalho siste-
mático. Um trabalho de diálogo, de argumentação, no sentido que
Hannah Arendt mencionava no ensaio “Esquecida arte de argu-
mentar”. Estamos diante desse desafio: o de exercitar, à exaustão,
a arte de argumentar.
A eleição de Lula em 2002 colocou desafios gigantescos para
o país, para as esquerdas e, particularmente, para o PT. E, no âm-
bito do PT, para a sua Fundação.
Desde 27 de outubro de 2002 a Fundação Perseu Abramo
tem uma nova tarefa a cumprir: a de contribuir na sustentação do
governo liderado pelo PT, mas construído a partir de uma ampla
frente, e que neste ano inicia seus primeiros passos. Mas o papel
da Fundação não pode ser o de oferecer exclusivamente aplau-
sos às medidas que o governo propõe à sociedade. À Fundação
cabe, como veremos aqui, abrir espaços para que o debate de-
mocrático ocorra. Esse é o nosso papel: funcionarmos como um
centro, ou como um dos centros indutores da reflexão sobre a
realidade do país, da criação de perspectivas para um novo
ciclo de desenvolvimento nacional que seja inclusivo, que
seja democratizante, que seja capaz de abrir espaços para to-
dos os brasileiros.
Por isso, em nome da Fundação Perseu Abramo, quero mani-
festar a alegria de podermos oferecer uma contribuição à socieda-
de brasileira, ao PT e ao governo que nós lideramos, com elemen-
tos de exame, de análise, de críticas, de atitudes corajosas na bus-
ca de alternativas sintonizadas com os interesses que nortearam o
PT ao longo de toda a sua trajetória.
Este seminário sobre Reforma da Previdência se insere no es-
forço proposto pelo Diretório Nacional, pelo companheiro presi-
dente do PT, José Genoino, para realizarmos um ciclo de debates
que aborde diferentes temas da conjuntura, diferentes desafios que
devemos enfrentar.

8
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Essa é a nossa intenção: construirmos com consistência, tra-


tando, naquilo que é substantivo, das questões realmente essen-
ciais, a argumentação necessária para se enfrentar o grande desafio
das reformas que o país cobra do nosso governo.

Abril de 2003

9
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

José Genoino
Presidente do Partido dos Trabalhadores

Abertura

O tema da Reforma da Previdência é muito caro ao nosso


partido e, por isso, são necessários alguns esclarecimentos históri-
cos. Já em 1991, quando eu exercia a liderança da bancada do
Partido dos Trabalhadores, esse tema apareceu pela primeira vez
após a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência.
Aliás, quero fazer aqui uma homenagem a um então deputado da
nossa bancada, que em nome dela apresentou a primeira proposta
petista de Reforma da Previdência: o companheiro Eduardo Jorge.
Essa proposta polarizou com aquela apresentada pelo então depu-
tado, depois ministro, Antônio Brito, do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB). Porém, devido ao processo de
impeachment de Collor e à CPI do Orçamento, elas só voltaram à
tona depois da posse de Fernando Henrique Cardoso.
Naquela ocasião, por meio de resoluções políticas, o Diretório
Nacional do PT decidiu enfrentar o problema da Previdência, tanto
em 1995 como em 1996.
Em 2002, o programa de campanha do presidente Lula, apro-
vado pelo Diretório Nacional, tratou do tema da Reforma da Pre-
vidência e, na Resolução de março de 2003, o tema mais uma vez
foi objeto das deliberações do partido.

11
ABERTURA

Portanto, não é a primeira vez que o PT está discutindo a Re-


forma da Previdência. Nem a estamos discutindo por estarmos no
governo ou por sermos governo.
Já que vamos ao debate, é necessário deixar claro para a opi-
nião pública que o PT, em 1991, 1995, 1996, 2002 e 2003, estabele-
ceu cinco princípios que conformaram suas posições sobre o assunto:
1) Previdência pública e universal para todos os brasileiros do
setor privado e do setor público, com piso e teto;
2) Previdência complementar, não privada, fechada na forma
de Fundo de Pensão, administrada paritariamente;
3) Recusa do modelo de privatização da Previdência. Enten-
do que – na medida em que se eleva o teto e se define Fundo de
Pensão fechado – se inviabiliza a tentativa de entregar a Previdên-
cia para seguradoras e bancos;
4) Gestão democrática quadripartite, que é um compromisso
do PT, e combate à sonegação e à corrupção na Previdência, por-
que sonegação na Previdência é apropriação indébita;
5) Melhorar as aposentadorias do Regime Geral – e sempre
batalhamos por um aumento do teto. Hoje o teto é 1.561 reais,
com o aumento pode chegar a 1.800 reais, e a proposta do PT, de
1996, era de dez salários mínimos.
Mesmo o tema mais visível – o da cobrança de aposentados e
aposentadas – tem uma história no nosso partido. E não é de incoe-
rência, nem de adaptação ao que o governo Fernando Henrique
fazia antes. Essa questão foi discutida e o Partido dos Trabalhado-
res proíbe a taxação das aposentadorias e pensões dos inativos do
Regime Geral. E na proposta apresentada por Fernando Henrique
Cardoso – que a imprensa diz ser igual à nossa – não é assim. A
proposta da Emenda Constitucional de Fernando Henrique Car-
doso propunha cobrar os inativos sem piso. E, num país em que as
aposentadorias são tão baixas, propor o piso de 1.058 reais repre-
senta uma posição diferente da proposta do governo anterior.
A concepção da nossa proposta de reforma é recuperar, for-
talecer e reestruturar a Previdência pública, exatamente contra as
tendências de privatização. É bom lembrar que, no debate da Re-
forma da Previdência no Congresso Nacional, os privatistas che-

12
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

gavam a defender o teto e o piso para a aposentaria geral de três


salários mínimos. Admitiam cinco. Estamos colocando dez salários
mínimos como teto e isso significa não só uma medida contra a
privatização da Previdência pública, como também a melhoria da
Previdência dos trabalhadores do INSS (Instituto Nacional de
Seguridade Social).
Na proposta, deixamos claro um modelo de gestão democrá-
tica, com transparência no combate à sonegação. Estamos deixan-
do claro que o nosso objetivo é reestruturar a Previdência num país
de distorções bárbaras na questão previdenciária.
A nossa proposta traz ainda grandes desafios, como o de in-
corporar à Previdência cerca de 40 milhões de brasileiros que não
estão vinculados e o de garantir uma Previdência para a terceira ida-
de que seja um programa de renda mínima para essa população.
Portanto, nosso objetivo não é a privatização ou o enfraqueci-
mento da Previdência pública, mas recuperar uma Previdência
montada no tripé da justiça social, da responsabilidade com o equi-
líbrio orçamentário e da sua auto-sustentação. E garantir um siste-
ma que dê segurança para os trabalhadores, tanto para as atuais
gerações como para as futuras.
Ou seja, o PT não está sendo incoerente, nem se adaptando
ao governo anterior. Podemos ter divergências, mas, como presi-
dente do partido, digo a vocês: nunca, no governo anterior, foi apre-
sentada alguma proposta para tornar a Previdência pública e uni-
versal para todos os brasileiros. Nunca foi feita essa proposta. E
quando se discutiu a questão dos inativos nunca se aceitou o esta-
belecimento de um piso. Muitas prefeituras não têm piso. Está sen-
do proposto um piso, está em debate, mas não está definido, está
em discussão.
A tarefa da Reforma da Previdência é fundamental num país
em que 21 milhões de brasileiros recebem do INSS, em média, 389
reais. E, desses 21 milhões, 12 milhões recebem salário mínimo. É
fundamental num país em que 40 milhões de pessoas não têm vín-
culo com a Previdência, em que algumas categorias têm como mé-
dia de aposentadoria 12 mil, 8 mil, 7 mil reais... Estou me referindo
à categoria de servidores públicos. E é fundamental num país em

13
ABERTURA

que 80% dos servidores públicos não chegam a receber 2 mil reais
como aposentadorias e pensões.
É neste país que nós queremos aumentar os gastos públicos
com a Seguridade Social. Não só qualificar como aumentar os gas-
tos públicos, e todos sabemos o que significa a Seguridade Social
num país de exclusão como o nosso.
Portanto, o debate sobre a Reforma da Previdência faz parte
da história do Partido dos Trabalhadores. Nosso partido tem uma
responsabilidade, a esquerda brasileira e o PT têm a responsabili-
dade histórica de viabilizar esse projeto de mudança, de transfor-
mação, de reformas. A esquerda tem a tarefa imprescindível de
viabilizar um projeto alternativo para o país que queremos, e isso
está presente nas declarações e resoluções do nosso partido.
O debate é o caminho. A divergência é salutar. A polêmica
enriquece. E a livre manifestação de opinião faz parte de um parti-
do que desde o nascimento é pluralista. Mas essa pluralidade – que
é a seiva da vitalidade do nosso partido – só não se degrada num
mero amontoado de homens e mulheres porque o PT, de maneira
inovadora, construiu os dois elos nas extremidades dessa corrente:
o elo da pluralidade em todos os sentidos, sim, mas também o elo
da unidade de ação do partido. Por isso o debate político funda-
menta, dá consciência, dá consistência para que nós, os militantes,
as militantes, senadores e senadoras, deputados e deputadas, pre-
feitos e prefeitas, governadores e governadoras, enfim, para todos
os filiados entenderem que chegamos ao governo, mas o partido
vai manter a sua vitalidade, a sua dinâmica, a sua cabeça erguida.
A força que temos para debater e ser críticos é a mesma que
coloca em nossos ombros a responsabilidade de não frustrar mi-
lhões e milhões de brasileiros.
O PT tem uma sina: não queremos o isolamento e o gueto, nem
a domesticação. Queremos a mudança e a transformação. E va-
mos ao debate, que esse é o caminho adequado.

14
Parte 1 –
Experiências internacionais
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Rosa Maria Marques

Experiências internacionais e a
Reforma da Previdência

Vou abordar a experiência internacional referente à questão


de financiamentos, organização e estruturação de sistemas de pro-
teção social, a partir dos estudos desenvolvidos em meu pós-dou-
torado, realizado na Faculdade de Ciências Econômicas da Uni-
versidade Pierre Mendes France, de Grenoble, na França.
Também vou enfocar as trajetórias de construção e desenvol-
vimento, considerando os sistemas diferenciados, o papel do Esta-
do e dos trabalhadores, o financiamento e o custo do trabalho, a
relação entre o desemprego e o financiamento, e a realidade do
Brasil e da América Latina. Mas, evidentemente, não vou me furtar
de estabelecer relações entre a experiência internacional e as Pro-
postas de Emendas Constitucionais (PECs) Previdenciária e Tribu-
tária. Nesse particular, vou apresentar principalmente a minha leitu-
ra da Exposição de Motivos da PEC 40.
Primeiramente, quero chamar a atenção para a dificuldade
de se partir das experiências internacionais para discutir a realida-
de brasileira, pois os sistemas de proteção social no mundo, como
um todo, resultaram de uma transformação histórica, ou seja, são
resultados históricos, e cada lugar, como sabemos, tem a sua cultura

17
E XPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

e a sua história, onde os trabalhadores têm esse ou aquele peso políti-


co, uns mais, outros menos.
No mundo, os direitos sociais, ou seja, aquilo que nos diz res-
peito enquanto discussão de proteção social, que é um conceito um
pouco mais abrangente do que Previdência Social, se apresentam
mediante diferentes combinações entre Estado, mercado e família.
Isso ocorre porque, sendo resultados históricos, eles se conforma-
ram em diferentes situações. Além disso, queria lembrar que coe-
xistem diversos regimes num mesmo país.
Essas diferentes conformações podem ser de três tipos. Essa
tipificação, na verdade, é uma tentativa de caracterização ideal de
um determinado paradigma, o que não quer dizer que aqueles
países sob a égide desse paradigma sejam perfeitamente entendi-
dos a partir daquelas características. Mas sempre existe um país
em que isso aparece melhor. No caso do primeiro tipo, são os
Estados Unidos.
O primeiro tipo de proteção social que podemos reconhecer
no mundo é o tipo liberal, em que predomina a assistência aos
pobres enquanto uma preocupação do Estado. Há poucas transfe-
rências universais, portanto quase inexistem benefícios universais.
Por meio de Fundos de Pensão e planos de saúde, o mercado vai
conceder a proteção aos ditos não-pobres. Então, o Estado dá
assistência; e o mercado, o resto.
Os riscos velhice, doença, desemprego são tratados separa-
damente, não como um todo, portanto não são vistos como uma
proteção que é uma totalidade, mas sim como riscos que são trata-
dos isoladamente, sem integrar um sistema.
O segundo tipo, que chamamos de origem marcadamente
corporativista, é aquele em que os trabalhadores, por meio dos
seus sindicatos ou mesmo dos seus partidos políticos, tiveram for-
ça para impor a organização da proteção. Um exemplo é a França.
Mas essa marca corporativista ocorre somente na origem do siste-
ma, porque depois a proteção se espalha para o conjunto da popu-
lação, se universaliza. Essa origem, no entanto, é importante, por-
que determina a forma principal de financiamento, fundada na con-
tribuição do empregado e do empregador. Na medida em que a

18
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

proteção é universalizada, caracterizamos o acesso ao direito como


fruto da meritocracia e da cidadania.
Quero chamar a atenção para o fato de que esse aspecto re-
lativo à cidadania tem sido crescente nos últimos tempos. E o inte-
ressante é que essa extensão à cidadania se dá de uma forma muito
mais enfática em períodos de crise. Acho que isso é uma coisa
importante de se levar em conta em nossa questão.
Enfim, esse segundo tipo tem uma forte presença das contri-
buições do empregado e do empregador, mas a participação do
Estado, aportando recursos, não deixa de ser significativa.
Nesse tipo, ao contrário de no liberal, os riscos – quais sejam,
velhice, doença, invalidez, desemprego – são tratados como uma
totalidade. Daí vem o conceito de proteção social, aqui no Brasil
chamado de Seguridade Social.
Ao contrário de no outro, nesse caso existe uma grande trans-
ferência de recursos para as famílias. Para se ter uma idéia, 30% da
renda disponível das famílias francesas – renda disponível é aquela
que entra no bolso, ou seja, de que eu disponho para gastar ou
poupar – vem de transferências do sistema de proteção social. Isso
tem efeitos econômicos maravilhosos no conjunto da sociedade.
No período mais recente, a proteção à velhice é complemen-
tada com a contribuição obrigatória para os Fundos de Pensão.
Mas na França foi muito fácil tornar obrigatória a adesão ao Fundo
de Pensão, porque 98% dos trabalhadores já tinham Fundo de
Pensão complementar, o que não é a nossa realidade. Quando va-
mos pesquisar como é na França, descobrimos: “Ah, Fundo de
Pensão é obrigatório...”. Sim, mas tornou-se obrigatório porque a
realidade já tornara corrente esse modelo.
O último tipo tem como origem o princípio de universalida-
de, e o exemplo mais típico vem a ser a Inglaterra. Os riscos são
pensados, aqui também, de forma integrada. No caso do risco ve-
lhice, a proteção é universal e de base. Tem forte presença dos
recursos do Estado, mas existem também contribuições sobre o
salário. Existem também Fundos de Pensão e planos de saúde com-
plementares. É basicamente o que chamamos de um sistema de
três pilares. Um básico, para todo mundo, financiado pelo Estado;

19
E XPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

outro, que é contributivo, formado de contribuição do empregado


e do empregador; e finalmente um terceiro, de caráter complemen-
tar e facultativo, formado pela poupança das pessoas.

Sindicatos, partidos e proteção social

O Quadro 1 relaciona os anos de criação dos sindicatos e dos


partidos ligados aos trabalhadores com as leis estabelecidas para a
cobertura de cada risco. Para os países da Europa é fenomenal,
porque fica absolutamente patente que a organização dos trabalha-
dores está diretamente ligada à cobertura dos riscos. Sempre se diz
que tudo começou na Alemanha, com Bismarck, só que é esqueci-
do que a Alemanha tinha a maior organização partidária indepen-
dente dos trabalhadores. Depois que a Comuna de Paris foi derro-
tada, o movimento se deslocou para a Alemanha e nas décadas
seguintes o partido cresceu de modo fantástico, e foi nesse mo-
mento que Bismarck tentou controlar a situação criando uma pro-
teção social. Essa era voltada apenas para os servidores do Esta-
do, mas depois as coisas se modificaram.

Quadro 1
Trajetórias de construção e desenvolvimento
– Estado e trabalhadores
Ano de criação dos partidos socialistas, das federações sindicais
e primeiras leis de cobertura dos principais riscos
Riscos
Países Sindicato Partido Acidente
Velhice Invalidez Morte Doença Matern.
de trab.
EUA -- -- 1935 1935 1935 1965 nd 1908
RU 1867 1900 1908 1911 1925 1911 1911 1887
Alemanha 1868 1875 1889 1889 1889 1883 1883 1884
Itália 1906 1892 1919 1919 1919 1927/4 1912 1898
Ja p ã o -- -- 1941 -- -- 1922 nd 1911
França 1895 1905 1910 -- -- 1928 1928 1898
Espanha -- -- 1919 1919 1919 1942 1929 1932
Suécia 1898 1889 1932 1932 1932 1891/3 1891/31 1901
Fonte: elaborado a partir de informações de “Security Programs Throughout the World” (1990) e Navarro (1993).
MARQUES, 1997

20
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

O Quadro 2 é muito importante porque, em geral, existe a


seguinte idéia: no Brasil os encargos sociais são muito elevados.
Quando essa afirmação é feita, são comparados os 20% que as
empresas pagam com a alíquota de outros países. Isso está errado,
pois alíquota não se compara com alíquota. Alíquota é algo que
incide sobre uma base. Por isso é preciso saber qual é o nível de
salário para poder comparar. O Quadro 2 tenta mostrar como os
diversos tipos de formações de proteção social no mundo são fi-
nanciados, isto é, como é a participação relativa dos trabalhadores,
dos empregadores, do Estado e de outras fontes.

Quadro 2
Trajetórias de construção e desenvolvimento
– Financiamento e custo da mão-de-obra

Receitas relativas e despesas da proteção social


União Européia – 2000
Contribuições Contribuições
Financiamento D e sp e sa s
Países dos dos Outras Total
fiscal % do PIB
empregados segurados
Alemanha 36,9 28,2 32,5 2,4 100 29,5
Áustria 37,1 26,8 35,3 0,8 100 28,7
Bélgica 49,5 22,8 25,3 2,4 100 26,7
Dinamarca 9,1 20,3 63,9 6,7 100 28,8
Espanha 52,7 16,4 26,9 4,0 100 20,1
Finlândia 37,7 12,1 43,1 7,1 100 25,2
França 45,9 20,6 30,6 2,9 100 29,7
Grécia 38,2 22,6 29,1 10,1 100 26,4
Irlanda 25,0 15,1 58,3 1,6 100 14,1
Itália 43,2 14,9 39,8 2,1 100 25,2
Luxemburgo 24,6 23,8 47,1 4,5 100 21,0
Países Baixos 29,1 38,8 14,2 17,9 100 27,4
Portugal 35,9 17,6 38,7 7,8 100 22,7
Reino Unido 30,2 21,4 47,1 1,3 100 26,8
Suécia 39,7 9,4 46,7 4,2 100 32,3
Média UE 38,3 22,4 35,8 3,5 100 27,3
Fonte: Eurostat

Então, por exemplo, dos 100% dos recursos da proteção so-


cial utilizada na França, o Estado entra com cerca de 30% e as
contribuições do empregador chegam a cerca de 46%. Já na Dina-

21
E XPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

marca, onde a contribuição do empregador é de 9%, o Estado


entra com 64%. Todos são dados da Eurostat, a agência de esta-
tísticas da União Européia, para o ano 2000. Como vimos, esses
países apresentam, em matéria de financiamento da proteção so-
cial, realidades completamente diferentes. O que isso quer dizer?
Quer dizer que a Dinamarca está melhor do que a França?
Para responder a essa questão, vejamos o Gráfico 1, que mos-
tra o custo do trabalho por hora. Esse gráfico tem de ser analisado
em conjunto com a tabela anterior, porque o que interessa é o custo
global da força de trabalho. É preciso considerar o salário, o en-
cargo e os impostos, pois são os impostos, no caso da Dinamarca,
que financiam o Estado – aquele que entra com 64%. Estou dizen-
do, portanto, que não se compara só contribuição. O custo do
trabalho é uma magnitude maior, formada de elementos diferentes,
dependendo do país. Há lugares onde o Estado está muito mais
presente, logo o imposto é muito mais elevado, as contribuições
são mais baixas e o salário é mais alto.

Gráfico 1
Trajetórias de construção e desenvolvimento
– Financiamento e custo da mão-de-obra
Custo horário da mão-de-obra na
indústria e serviços 1999 (Euro)
Fonte: Eurostat
Portugal 7,0
Grécia 11,8
Espanha 15,3
Irlanda 16,2
Itália 18,8
Reino Unido 19,3
Finlândia 20,8
Países Baixos 21,7
Luxemburgo 22,7
França 23,8
Suécia 25,8
Bélgica 26,2
Alemanha 26,8
Dinamarca 27,0
Áustria 27,2

0 5 10 15 20 25 30

22
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Tal como aqui, a discussão sobre o peso da contribuição patro-


nal no financiamento da proteção social tem sido significativa na
Europa. Mas na Europa a ênfase está centrada na busca de fontes
alternativas de financiamento à base salário, principalmente nos
países onde a contribuição do empregado e do empregador é bas-
tante presente.
Essa discussão começou no final dos anos 1970, início dos
anos 1980, e prossegue até hoje. São muitos anos de debate. Ela
foi e é alimentada pela crença segundo a qual o emprego cresce
quando os encargos patronais são reduzidos. Na discussão, surgi-
ram várias propostas, que estão listadas no Quadro 3.
A primeira é ampliar a base: em vez de ser só o salário, ampliar
para todos os fatores de produção, o que equivaleria ao valor adicio-
nado. A segunda é um imposto sobre o valor adicionado. Outra ain-
da é a introdução de uma taxação sobre emissão de gás carbônico e
sobre energia. E por último há mais uma que foi discutida na França,
e hoje está implementada, que se chama contribuição social genera-
lizada, também chamada de contribuição solidária.

Quadro 3
Trajetórias de construção e desenvolvimento
– Desemprego e financiamento

Discussão – buscar fontes alternativas de financiamento à base salário


Crença: reduzir encargos aumenta o emprego.
a) Ampliação das contribuições patronais ao conjunto do valor
adicionado (1980 e retomada várias vezes)
b) Imposto sobre o valor adicionado
c) Introdução da taxação de CO2 – energia
d) Contribuição social generalizada

Vou me limitar a discutir a primeira e a última. No que se refe-


re à ampliação das contribuições para o conjunto do valor adicio-
nado, existem várias críticas contrárias, entre elas a que considera
o fato de que se estaria transferindo a carga das empresas intensi-

23
E XPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

vas em mão-de-obra para aquelas não-intensivas. Qual é a impor-


tância disso?
A importância é que isso vai interferir no investimento e na
inovação tecnológica. Isso pode significar um desestímulo à inova-
ção tecnológica. Há também um impacto imprevisível nos preços,
porque algumas empresas, teoricamente, poderiam reduzir o preço
na medida em que têm redução de encargo, se elas são intensivas
em mão-de-obra. E as outras poderiam aumentar o preço. Então o
resultado é indeterminado, correndo-se o risco de inflação. Além
disso, a incidência sobre o lucro pode, na leitura dos economistas,
pelo menos de alguns economistas, significar um desestímulo ao
desenvolvimento tecnológico, ao investimento etc.
O que acontece hoje? No mundo todo, apesar de tantos anos
de discussão, não houve nenhum governo que tenha alterado a base
da folha de pagamentos para, por exemplo, o valor adicionado, o
que é inquestionavelmente um dado importante a ser considerado
em nossa discussão.
A contribuição social generalizada foi criada na França em
1991. Ela começou com um percentual bem baixinho, de 1,1%, e o
interessante é que esse 1,1% incide sobre todas as rendas. Todas
as rendas: renda-salário, renda-lucro, renda-juro, renda da terra,
todas as rendas, inclusive aposentadorias.
Quando isso foi criado, os recursos daí advindos eram dire-
cionados aos benefícios que as famílias recebem. Para nós, no Brasil,
fica um pouco estranho porque não existe uma coisa igual. Como
disse anteriormente, na França 30% da renda disponível são trans-
ferências às famílias, porque lá a proteção social é muito mais larga
do que aqui. Há o direito à moradia e mais uma série de outras coisas
dentro da proteção. Então lá era 1,1% sobre todas as rendas, dirigi-
do às famílias, para os benefícios familiares.
Em 1993, aumentou para 1,3% e a destinação foi ampliada
para abranger o risco velhice, mais especificamente a renda mínima
à velhice, para aqueles que não contribuíram anteriormente. Ou
seja – o que pode soar como uma heresia –, para o “pobre do
pobre”. Em 1997, 1998, essa alíquota subiu para 4,1% e foi dire-
cionada para a saúde. Apenas para efeito de esclarecimento, isso

24
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

provocou uma grande polêmica, e a parte que é destinada à saúde


é a única que pode ser deduzida no imposto de renda.
A arrecadação da contribuição social generalizada representa
mais do que 4% do Produto Interno Bruto (PIB) francês. Em 2000,
essa contribuição conseguiu arrecadar 48 milhões de euros a mais
do que o imposto de renda.

Brasil e América Latina

Diante desses três paradigmas internacionais, como situo, em


grandes traços, o Brasil e a América Latina?
Nossa primeira característica é que a proteção social é incom-
pleta, devido à presença majoritária da informalidade no nosso merca-
do de trabalho. No Brasil, 59,1% da população ocupada está na
informalidade. Esse é um dado de 1997. Como a situação piorou muito,
essa porcentagem pode estar maior. Mas não é só essa característica
que define a proteção social em nosso país. A outra é a ausência
quase completa do Estado no financiamento. O Estado brasileiro não
aporta recursos na proteção social, para aposentadoria e saúde.
Uma terceira característica é que a origem da proteção social
na América Latina está relacionada ao sindicalismo e mesmo à cons-
trução do Estado, tendo sido formados, no caso brasileiro, as famo-
sas Caixas e os famosos Institutos. Atualmente, em alguns países da
América Latina, o Estado até participa do financiamento, mas sua
responsabilidade se restringe à assistência. Nos países onde a prote-
ção social não foi unificada, continuando a refletir a estrutura sindical,
o nível de cobertura aos diferentes riscos é diferenciado entre os
trabalhadores que estão em atividades distintas.
O Brasil é o único país da América Latina que universalizou a
saúde, porque nos outros países, na verdade, a cobertura depende
da força dos sindicatos, da força dos trabalhadores num determi-
nado nível de atividade. O Brasil é ainda o único país que adotou o
conceito de Seguridade Social. E digo também que, até o momen-
to, o Brasil é o único que não privatizou a Previdência.
Mas, depois da Constituição de 1988, todos os governos in-
sistiram e insistem em desconsiderar o conceito de Seguridade. Para

25
E XPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

quem trabalha na área, esse conceito é muito caro, pois, na medida


em que se desconsidera o conceito de Seguridade Social, é possí-
vel provar que existe déficit. Então é a partir daí que há uma justifi-
cativa da existência de déficit.
O déficit vai aparecer, em primeiro lugar, porque não são
consideradas também as contribuições que o Estado deveria pa-
gar como patrão. O Estado não é só Estado: na relação com o
servidor ele é patrão e, tal como o patrão do setor privado, tam-
bém deve contribuir, ao menos pelo que sempre indicou a nossa
legislação. Lá fora é a mesma coisa.

Quadro 4
Receitas e despesas da Seguridade Social
Linha branca – próprias do Ministério da Saúde

Receitas – Seguridade Social


Em bilhões de reais, dezembro de 2001
RECEITAS 1999 2000 2001
Receita previdenciária líquida 64,583 64,376 65,427
Outras receitas do INSS 0,484 0,619 0,647
Multas sobre contribuição Previdenciária 0,000 0,759 0,000
Cofins 40,485 44,640 48,898
Contribuição social sobre o lucro líquido 8,855 10,013 9,493
Concurso de prognóstico 1,303 0,542 0,545
Receita própria do Ministério da Saúde 0,760 0,662 1,007
Outras contribuições sociais 0,774 1,207 (nd)
CPMF 10,450 16,634 17,963
TOTAL DAS RECEITAS 127,693 139,453 143,980

O Quadro 4 mostra, por meio do conceito de Seguridade, as


receitas e as despesas da Seguridade Social. Então, apenas para
lembrar, Seguridade Social é a Previdência Social (o Regime Geral
da Previdência Social), a saúde e a assistência. Pode-se perguntar:
e o seguro-desemprego? Sim, ele faz parte, mas não o incluímos
porque o seguro-desemprego é o único programa da Seguridade
que tem recursos vinculados. Então, o que fazemos é simplesmente

26
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

somar quanto é a despesa e quantos são os recursos da Seguridade


Social, como aparece no Quadro 5.

Quadro 5
Déficits ou superávits ?

Superávits da Seguridade Social:


– R$ 26,64 bilhões (2000)
– R$ 31,46 bilhões (2001)
– R$ 32,96 bilhões (2002), em valores correntes.
– Atenção: não inclui o PIS/Pasep e o FAT (receita vinculada).
Superávits somando os servidores civis e militares
(“contra” o conceito de Seguridade Social):
– R$ 8,05 bilhões (2000)
– R$ 7,16 bilhões (2001)
– R$ 15,08 bilhões (2002).

Para resumir, basta dizer que em 2002 o superávit da Seguri-


dade Social foi, arredondando, de 33 bilhões de reais. Se quiser-
mos ampliar o conceito – exclusivamente para efeito de discussão,
pois estaríamos ferindo o artigo 194 da Constituição –, poderemos
introduzir no seu interior os servidores civis e militares. Mesmo pro-
cedimento: considera-se a contribuição dos servidores – de 11%
sobre o total dos proventos –, a contribuição que o Estado deveria
fazer e todas as despesas. Dessa maneira o superávit cai, mas ain-
da assim foram 15 bilhões de reais em 2002.

A exposição de motivos da PEC 40

Diante desse superávit em nível federal, fica difícil entender a


Exposição de Motivos da PEC 40. Isso não quer dizer que os esta-
dos não enfrentem problemas. Mas, quando nos debruçamos so-
bre a situação dos estados, vemos, por exemplo, que em 1988 foi
prometido que todas as contribuições feitas até aquele momento ao

27
E XPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) deveriam ter sido


reembolsadas, e isso não aconteceu. Então, é muito complicado
entrar nesse mérito. Dessa forma, a primeira coisa que me chamou
a atenção na Exposição de Motivos foi o fato de ela tratar de um
déficit que eu não reconheço.
A segunda é algo que estou chamando de comparação indevida
entre as aposentadorias dos servidores e do Regime Geral da Pre-
vidência Social. Na Exposição de Motivos é mencionado que a
média das aposentadorias no Regime Geral, isto é, no INSS, é de 362
reais. Estranhei e resolvi calcular, verificando que a média foi “pu-
xada” para baixo.
Usando dados de 2001, se consideramos somente o traba-
lhador urbano, a média é de 473 reais e 71 centavos. Se conside-
ramos somente os rurais, claro que o resultado é 180 reais, porque
quase 100% dos rurais recebem um salário mínimo. Por que a média
foi puxada para baixo? Porque foram somados aqueles que ga-
nham um salário mínimo, que nunca contribuíram por causa de suas
condições, com os outros, os contribuintes. E o resultado foi dividi-
do por dois.
Não é assim que se faz. Não se pode fazer assim, porque dessa
maneira estamos misturando critérios diferentes; não existe servidor
numa mesma situação que a do trabalhador rural. E tem mais, preci-
samos também excluir a aposentadoria por invalidez e a renda men-
sal vitalícia, que têm caráter assistencial. Dessa forma, para efeito do
cálculo da média do benefício pago pelo INSS, exclui-se todo benefí-
cio não-contributivo, chegando-se ao valor de 657 reais para 2001.
Se calcularmos para hoje, esse valor certamente será mais alto.
Outra coisa que também me chamou a atenção é que em mo-
mento algum a Exposição de Motivos diz qual é a média da apo-
sentadoria dos servidores em nível federal. Lá só é mencionado um
valor, que é aquela aposentadoria altíssima de 53 mil reais. Assim,
foi comparada uma média do INSS “puxada” para baixo com o mais
alto valor da outra categoria. Eu me perguntei: mas qual é a média
do servidor? Telefonei para o Ministério. O dado não é público...
Outra questão, extremamente importante para nossa reflexão,
é o fato de estarmos comparando aposentadorias, e não a renda da

28
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

vida da pessoa. Por exemplo, se eu estivesse trabalhando no Esta-


do, não há dúvida de que estaria ganhando menos. Isso porque o
Estado, para um mesmo nível de qualificação, paga menos ao pro-
fissional do que o mercado. Mas existe uma diferença: dificilmente
quem está na iniciativa privada vai de fato se retirar do mercado de
trabalho quando se aposentar, pois no momento em que se apo-
sentar sua renda cairá de forma acentuada. Por outro lado, o traba-
lhador do setor privado pode levantar o FGTS ao se aposentar, o
que os servidores não têm direito. Já a renda do servidor continua
a mesma quando se aposenta.
Considerando esses aspectos, qual é a diferença entre os servi-
dores e os trabalhadores do setor privado? O fato de que, na origem
dos regimes próprios dos servidores – não só o brasileiro mas o de
todo o mundo –, foi realizado um pacto entre o Estado e seus funcio-
nários: “Você vai trabalhar para mim, vai ser servidor, vai ser o repre-
sentante do Estado diante da população, e eu vou garantir a você e
aos seus cobertura durante toda a vida”. Em outras palavras, o com-
promisso foi garantir uma renda durante toda a vida do servidor.
Como vimos, essa renda é, para o mesmo nível de qualificação, infe-
rior à praticada no mercado. Mas se formos comparar a renda da
vida toda, isto é, do período da atividade e da aposentadoria, entre
um servidor e um assalariado do mercado formal do setor privado,
verificaremos que elas tendem a ser iguais, indicando que os servido-
res não constituem segmento privilegiado.
Há uma outra questão muito séria, que está na proposta de
Reforma Tributária e precisa ser mencionada. O texto da Reforma
Tributária introduz uma brecha para substituir a base salário pela
base faturamento. Como economista, acho isso um desastre, pois
não há experiência como essa no mundo.
Ainda por cima, tal procedimento não vai garantir geração de
emprego, como muitos pensam equivocadamente. E, além do mais, na
medida em que se passa para a base faturamento, quebra-se o caráter
da nossa aposentadoria, pois ela deixa de ser um salário da inativida-
de, que se funda no trabalho. Evidentemente, sou a favor de uma ren-
da básica para todo mundo, regida pelo princípio da cidadania. Mas
para isso ser feito seria preciso mudar realmente muita coisa. Para

29
E XPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

começo de conversa, não se poderia mais pagar a dívida, porque o


conceito de renda básica somente é compatível com um financia-
mento baseado em impostos. Sem pensar esses outros aspectos,
com a proposição de mudança de base da folha para o faturamento,
corre-se o risco de estarmos propondo o desmonte de algo imper-
feito e de não colocarmos nada no lugar. Eu sei que o sistema atual
não é bom, que está deixando de lado quase 60% da população
ocupada, mas sei também que é o melhor da América Latina.
A partir dessa leitura, olho para a Exposição de Motivos e
digo: “Ao fim e ao cabo a motivação da proposta é fiscal, porque
seu resultado imediato é o aumento de arrecadação e a diminuição
de despesa”. Como vocês sabem, embora a proposta vise o regi-
me dos servidores, há um respingo sobre o Regime Geral, de forma
que os trabalhadores do setor privado que contribuem pelo teto
terão um aumento de 54% em sua contribuição... No caso da con-
tribuição dos inativos, é prevista a geração mensal de 147 milhões
de reais, uma mixaria diante das grandes despesas. E para que essa
mixaria, se ela vai ferir algo extremamente importante? O que é
uma contribuição? É um salário diferido, o direito a uma renda futu-
ra, o salário da inatividade. Portanto, quem está aposentado não
pode contribuir. Ah, dirão alguns, mas tem gente recebendo muito!
Muito bem, que a sociedade discuta e taxe essa gente. Mas não se
chame isso de contribuição. Chame-se de qualquer outra coisa,
mas não se ponha o nome errado.
Um outro aspecto extremamente importante diz respeito às
regras de transição. Qualquer sociedade tem o direito de modificar
suas leis ao longo do tempo. Mas num regime democrático reco-
nhece-se o passado ao se efetuar as alterações, e o reconhecimen-
to do passado significa a existência de regras de transição. Não se
pode simplesmente acabar com as regras de transição, tal como
está sendo encaminhado na PEC 40.
Para finalizar, gostaria de ressaltar que, no meu entender, a
PEC 40 não avança na construção de uma proteção social universal,
que era a tônica daqueles dois últimos paradigmas que mostrei na
parte inicial de minha apresentação. É preciso, de forma urgente,
avançar na cobertura da população hoje desprotegida.

30
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Einar Braathen

O modelo nórdico de
Seguridade Social

É hora de trocar as experiências internacionais do socialis-


mo democrático. Temos esperanças de que o país do futuro, o
Brasil, possa estender os limites hoje enfrentados pela esquerda
da Europa.
Minha intervenção tem cinco partes. Primeiro, uma apresen-
tação da vida na Seguridade Social, um exemplo norueguês. Se-
gundo, o sistema de Seguridade Social da Noruega, que chama-
mos de seguro popular. Terceira parte, o sistema público de apo-
sentadoria norueguês. Quarta parte, o modelo nórdico comparado
ao de outros países desenvolvidos. Finalmente, quero apresentar o
que considero os pilares que distinguem o modelo nórdico.

1. Vida na Seguridade Social, o exemplo norueguês

No nascimento, temos assistência à maternidade, que dura um


ano e equivale a 100% do salário, ou uma renda mínima. Também
os pais têm uma assistência à paternidade. A mãe das crianças de 1
ano até 16 anos recebe uma renda mensal que chamamos seguridade
da criança; é também uma renda universal. Os jovens, a partir dos
16 anos até o fim da educação pós-secundária, técnica ou universi-

31
O MODELO NÓRDICO DE S EGURIDADE SOCIAL

tária, recebem bolsa de estudos. É uma bolsa universal e também


há possibilidade de um empréstimo subsidiado.
Quando começamos a vida profissional, temos um financia-
mento subsidiado para a compra da primeira casa. Quem não en-
contra emprego conta com uma rede de apoio, que faz um “teste
de meios”, ou seja, uma avaliação socioeconômica. Mães solteiras
têm uma assistência de dez anos, com a condição de completar a
educação. Divórcio: há uma pensão do marido subsidiada pelo
Estado. É universal, até os filhos completarem 16 anos.
Em caso de doença, o trabalhador recebe seguro: os primei-
ros 14 dias são pagos pelo empregador e depois pelo Estado. Equi-
vale a 100% do salário. Depois de um ano, há uma reabilitação,
para outra atividade, de até três anos. No caso de as pessoas não
serem reabilitáveis, recebem seguro permanente até a aposentado-
ria. Para o desemprego, há seguro-desemprego, equivalente a 70%
do salário, pago pelo Estado por até três anos, sob condição de se
fazer treinamento para outro trabalho.
Finalmente, vem a aposentadoria, voluntária aos 62 anos para
trabalhadores sindicalizados, paga pelos empregadores e pelo Es-
tado. A aposentadoria universal é oferecida ao se completar 67
anos, sendo igual para homens e mulheres. Tudo é pago pelo Esta-
do. Temos de levar em conta que a expectativa média de vida nos
países nórdicos é de cerca de 80 anos.

2. O seguro popular

Temos um sistema administrativo, único e estatal, que se cha-


ma seguro popular ou seguro do povo. Consome 30% do orça-
mento público, 16% do Produto Interno Bruto. Inclui assistência
médica, medicamentos, seguro de doença, seguro-desemprego e,
finalmente, aposentadoria. A aposentadoria consome 50% do gas-
to anual do seguro popular.
Esse sistema começou em 1948, quando o plano foi apro-
vado pelo Parlamento, e completou-se em 1967. É importan-
te notar que isso ocorreu antes de a Noruega se transformar
num país rico devido ao petróleo. O financiamento é por meio do

32
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

sistema de impostos. Os empregados contribuem com 7% dos


seus salários, os empregadores com 30% sobre a folha de salá-
rios. Em princípio, os déficits do sistema são garantidos pelo
Estado, mas hoje o sistema está equilibrado, temos mais ativos
do que inativos. Dois ativos para cada inativo, graças ao alto
nível de emprego.

3. Sistema público de aposentadoria norueguês

História: o sistema foi introduzido pelos municípios controla-


dos pelo Partido dos Trabalhadores da Noruega, que tem 120 anos.
Em 1935, esse partido assumiu o governo nacional, no qual perma-
neceu por 30 anos. No primeiro ano de governo, em 1936, foi
adotada a aposentadoria universal para os “não-ricos”, aproxima-
damente 60% da população, de acordo com uma avaliação
socioeconômica (“teste de meios”).
Em 1969, o sistema foi universalizado para todos. Agora o
sistema tem dois componentes: primeiro, uma aposentadoria bási-
ca para todos, que acompanha o salário médio dos trabalhadores
do setor privado e, atualmente, representa 45% do valor desse
salário médio. Mas, quando o salário dos trabalhadores aumenta, a
aposentadoria também aumenta. Há negociações coletivas anuais
entre a associação de aposentados e o Estado.
O segundo componente é uma aposentadoria complementar,
de acordo com o salário. Baseia-se na média dos 20 melhores
anos de salário, o que significa que a maioria dos trabalhadores
recebe entre 70% e 80% do valor do seu último salário.

4. O modelo nórdico comparado

Agora chegamos ao modelo nórdico comparado ao de ou-


tros países desenvolvidos, membros da Organização Econômica
para Cooperação e Desenvolvimento (OECD), os países industriali-
zados, capitalistas, que têm boas estatísticas.
Nos países desenvolvidos existem quatro modelos de apo-
sentadoria pública. O pior é onde só há um mínimo de aposenta-

33
O MODELO NÓRDICO DE S EGURIDADE SOCIAL

doria, baseado em “teste de meios”, ou seja, avaliação socioeco-


nômica, como por exemplo na Irlanda e na Suíça.
O segundo modelo consiste em um mínimo de aposentado-
ria (baseado em avaliação socioeconômica) complementada com
aposentadorias que têm por base a renda. Vigora na Bélgica, na
França, na Itália, na Áustria, na Alemanha, no Japão e nos Esta-
dos Unidos. Esse é o modelo que o Banco Mundial quer mundia-
lizar ou globalizar.
Terceiro tipo, modelo universal único. Austrália, Nova Zelândia,
Canadá e Dinamarca aplicam esse modelo.
E, finalmente, o quarto modelo, que chamo de modelo univer-
sal dual. Uma aposentadoria básica para todos, complementada
por aposentadoria baseada em renda. Vigora na Noruega, na Sué-
cia, na Finlândia, na Holanda e parcialmente na Inglaterra.
Entre os países que adotam esse modelo também há variações
na generosidade da aposentadoria. A Suécia, a Noruega e a Dinamar-
ca se destacam por ter o sistema de aposentadoria mais generoso.
Vamos ver agora os indicadores sociais e os indicadores de
renda. Nesses países, falamos de pobreza relativa. Então uma pes-
soa é classificada como pobre quando sua renda é menor que 50%
da renda média. Essa é a fórmula que a OECD utiliza.
Na Finlândia, 3% da população são pobres relativamente. Na
Noruega e na Suécia, 6%. E são essas as pessoas normalmente
marginalizadas no mercado de trabalho. Jovens com problemas de
drogas ou outros problemas psicossociais, alguns imigrantes que
não conseguem se integrar na sociedade nórdica e outros tipos.
Mas há um sistema de redes de apoio organizado pelos municípios
em que eles podem ser incluídos, o que depende do trabalho de
assistência social. É bem desenvolvido.
Na Inglaterra, depois de mais de 20 anos de liberalismo, con-
tinuado pelo governo trabalhista de Tony Blair, a pobreza é de 20%.
Portugal tem o maior nível de pobreza na Europa, com 24%. Nos
Estados Unidos, a pobreza relativa é de quase 40%.
Então, destacam-se algumas características do modelo nórdi-
co: a relação entre o gasto público e o resultado social é muito
bom. Há outros países que gastam mais relativamente, mas com

34
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

piores resultados. França, Alemanha, Áustria e até Itália gastam


mais dinheiro no setor social do que a Noruega, mas o nível de
pobreza e desigualdade é muito mais alto.
Uma outra característica é que, nos países nórdicos, 35% dos
gastos sociais são destinados aos serviços e bens públicos univer-
sais. A média dos outros países da OECD é 10%, uma grande dife-
rença. Nos outros países há muita transferência de dinheiro, mas
poucos serviços universais, públicos.

5. Hegemonia do socialismo democrático

Finalmente, quero apresentar o que considero os quatro pilares


que distinguem o modelo nórdico. Primeiro: o Estado é a instituição
central, tanto como organizador quanto como financiador. Segundo:
provisão de serviços e bens públicos universais pelo Estado. Tercei-
ro pilar: administração descentralizada pelos governos municipais.
Há pesquisadores que chamam o modelo de “bem-estar municipal”,
“municípios de bem-estar”, e não “Estado de bem-estar”.
Há uma ligação bem estreita entre o Estado central e os muni-
cípios, e o Estado financia todas as atividades de serviços sociais
dos municípios, mas a administração descentralizada tem muitas
vantagens. Tem a participação ativa dos trabalhadores sociais pú-
blicos e também o controle social da população, feito por meio de
comitês municipais. Esse modelo sobreviveu aos ataques neoliberais
pela força do caráter democrático da gestão estatal.
Agora, na Noruega, estamos com um governo minoritário, de
centro-direita, mas que ainda não consegue atacar o sistema social
– ou não tem coragem para tanto.
O quarto pilar, que talvez seja o mais importante, sobretudo
em situações de crise econômica, é a política pública de pleno
emprego. Temos políticas anticíclicas institucionalizadas. A partici-
pação no mercado de trabalho é a mais alta no mundo, especial-
mente entre mulheres: 75% trabalham, e quase 90% dos homens
trabalham. O desemprego nunca atingiu 4% da população ativa.
Houve variações. Por exemplo, na Finlândia e na Suécia houve um
choque econômico depois da queda do sistema soviético, com um

35
O MODELO NÓRDICO DE S EGURIDADE SOCIAL

grande aumento do desemprego, mas agora a situação se equili-


brou num nível de desemprego entre 4% e 5%.
Os recursos públicos, em vez de serem gastos no seguro-de-
semprego, são investidos no fomento ao emprego. Essa política e o
alto nível de emprego geral mantêm o financiamento do seguro po-
pular, além de o alto nível de empregos públicos assegurar a pro-
dução de serviços públicos universais.
Concluindo, quero destacar que o fundamento desse modelo,
o que interliga os quatro pilares, é a hegemonia ideológica e cultural
do socialismo democrático, que os não-socialistas preferem cha-
mar de social-democracia.

36
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Laura Tavares Soares

Reforma da Previdência:
a experiência da América Latina

Vou abordar a questão da Previdência na América Latina.


Então, depois do paraíso nórdico, vamos descer ao purgatório la-
tino-americano, com algumas cenas de inferno.
Já foi apresentado aqui um panorama dos fundamentos iniciais
de que eu iria tratar, quer dizer, o debate sobre as reformas: os
antecedentes, o histórico do debate, a maré montante da hegemonia
neoliberal e, sobretudo, o retorno da ortodoxia. O debate sobre a
crise do Estado de bem-estar social ocorre pelo menos desde os
anos 1970. Esse debate estava centrado na relação entre crise do
bem-estar social e crise econômica, ou seja: se o Estado de bem-
estar social provocou a crise econômica capitalista no mundo ou se
a crise capitalista é que provocou a crise do bem-estar social.
Isso parece, mas não é, algo trivial, e existem várias subten-
dências a partir dessas duas posições centrais. Obviamente, eu me
filio àquela que considera a crise do Estado de bem-estar social
fruto de uma crise capitalista monumental, no mundo inteiro, por-
tanto fruto da crise econômica, e não o contrário. A tese dominante
na América Latina é a de que nunca tivemos um Estado de bem-
estar social neste continente, de que nem sequer conseguimos cons-
truir esse projeto. Em alguns países, na tentativa de começar a cons-

37
REFORMA DA P REVIDÊNCIA

truí-lo, como foi o caso brasileiro, fomos interrompidos pela maré


neoliberal, que dizia sermos demasiadamente generosos e que essa
crise ia nos atacar.
Um outro componente é o ataque ideológico ao Estado. Toda
essa ideologia da supremacia do privado sobre o público – e o
fantástico é como isso permanece até hoje. A classe média está
sofrendo os evidentes impactos da péssima prestação de serviços
privatizados e, no entanto, continua a ideologia de que o privado
é melhor que o público. Esse é um lugar-comum que, infelizmen-
te, se tornou hegemônico em nossos países, devidamente banca-
do pela mídia.
Venho estudando o impacto do ajuste neoliberal há pelo me-
nos 13 anos. Defendi uma tese sobre o impacto do ajuste neoliberal
nas políticas de Seguridade Social na América Latina em 1995.
Era o início do governo Fernando Henrique Cardoso, e eu e ou-
tros tantos neste país fomos tachados de neobobos, pessimistas,
catastrofistas. O que tentávamos dizer na ocasião, e continuamos
tentando dizer agora, refere-se aos riscos que o Brasil corria, e
que ainda pode correr, do ponto de vista do seu projeto social e
de construção, se não de um Estado de bem-estar social, de algo
equivalente, de um sistema de proteção social que vá em direção
à universalidade.
Nós sempre padecemos do caráter mais ortodoxo dessas
políticas, quer dizer, se havia alguma ortodoxia das políticas
neoliberais nos países centrais, nos periféricos essa ortodoxia foi
muito maior, não só no plano econômico, mas principalmente no
social. A ideologia neoliberal foi avassaladora do ponto de vista da
construção de propostas no terreno social, em relação tanto às idéias
como aos projetos.
O processo de ajuste neoliberal teve um duplo impacto: o agra-
vamento da situação anterior e o surgimento de novas situações de
desigualdade e exclusão. Quer dizer, além de não resolver a nossa
antiga estrutura de miséria e de desigualdade, gerou uma nova ex-
clusão, com todo esse contingente de desempregados e com a classe
média em condições precárias. A classe média hoje também sofre
com o desemprego de pessoas qualificadas.

38
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Além do impacto direto do ajuste, houve uma sinergia perversa


entre esse agravamento da situação social da população e o chama-
do desmonte das políticas sociais. Ou seja, não contente em provo-
car um impacto social direto na vida das pessoas, também foram
desmontadas as precárias e preexistentes políticas sociais da Améri-
ca Latina. Na tese já alertava que, dependendo do grau de destrui-
ção dessas políticas, se tornaria muito difícil a sua reconstrução.
Acho que estamos sofrendo essas conseqüências até hoje no
Brasil. O Chile sofre há muitos anos, a destruição lá foi monumen-
tal, foi a experiência neoliberal mais radical da América Latina. Hoje,
conversando com companheiros chilenos que tentam iniciar ou re-
tomar o início de reconstrução de políticas sociais universais, vejo
as dificuldades de desprivatizar o sistema e de tentar remontar as
políticas universais; não é fácil. Portanto, o grau de destruição, a
chamada herança que a América Latina recebe, mesmo nas tenta-
tivas de voltar atrás, é muito complicada.
Existe uma relação entre a estruturação anterior das políticas
sociais e as mudanças sofridas pelo ajuste. Dessa forma, existem
diferenças entre os países do ponto de vista do impacto sobre a
política social. Um primeiro padrão seria o impacto radical sobre
a política, como foi o caso chileno. Houve uma total privatização
do sistema de proteção social, radicalmente oposto ao modelo e
ao sistema anteriores.
Um segundo tipo de impacto é quando as estruturas – e isso
vale para a grande maioria dos países americanos – eram já, an-
teriormente, muito frágeis quanto ao bem-estar social, a aparatos
públicos de proteção social e a políticas sociais.
Nesses países, o neoliberalismo deu “de lavada”, porque
diante de estruturas frágeis de proteção ele se introduziu com
uma avalanche de políticas focalizadas de combate à pobreza,
de substituição do Estado por organizações não-governamen-
tais etc. O caso do Peru é um dos mais radicais nesse sentido.
Lembro-me de ter dado um curso de mestrado em Saúde Públi-
ca no norte do Peru em que todos os meus alunos eram de orga-
nizações não-governamentais. Quer dizer, o Estado não assume
sequer a Saúde Pública.

39
REFORMA DA P REVIDÊNCIA

Uma outra estrutura, à qual o Brasil pertence, é a da tentativa


de destruição ou de desmontagem de estruturas já consolidadas
(como a da Previdência) ou de sistemas em processo de constru-
ção em novas bases (como o Sistema Único de Saúde – SUS). Nós
nunca tivemos um processo de destruição tão radical como a maio-
ria dos países latino-americanos, mas sim a desmontagem de um
processo que estava em andamento. Estávamos avançando na se-
gunda metade dos anos 1980 – culminando com a Constituição de
1988 e com a construção da Seguridade Social, o projeto de pro-
teção social mais generoso da América Latina. Nos anos 1980,
quando estávamos definindo e votando a nossa Constituição, éra-
mos considerados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo
Banco Mundial a “ovelha negra” da América Latina. Éramos o úni-
co país da América Latina, na ocasião, que não seguia à risca o
modelito. Ao contrário, votamos uma Constituição que ampliava a
proteção social brasileira.
Portanto, no nosso caso, o modelo é de uma tentativa de in-
terrupção, mediante o desmonte e a deterioração. Nós preserva-
mos o SUS, um patrimônio do Brasil: é a única possibilidade de acesso
aos serviços de saúde para a grande maioria da população sem
capacidade de “comprá-los no mercado”. E, no entanto, por meio
do desmonte, dos baixos salários e das más condições de trabalho
dos servidores, bem como de nenhum investimento durante toda a
década de 1990, os serviços caíram muito de qualidade. Esta foi a
estratégia utilizada em toda a América Latina: desmontar e tornar o
serviço público tão ruim que as pessoas deixassem de procurá-lo,
sobretudo a classe média. O crescimento dos seguros privados de
saúde prosperou nesse modelo.
Existem diferentes configurações de Seguridade Social na
América Latina. Evidentemente os sistemas – quando as políticas
neoliberais bateram na América Latina nos anos 1980 e, no caso
brasileiro, nos anos 1990 – tinham configuração diferente, de acor-
do com a sua história. O Brasil certamente foi o que conseguiu
construir um sistema mais abrangente, inclusive do ponto de vista
da cobertura, desde a unificação da Previdência Social – parado-
xalmente construída num regime autoritário. Como diz Wanderley

40
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Guilherme dos Santos, a tragédia da política social brasileira é que


seus momentos de unificação, de expansão e ampliação quase sem-
pre coincidiram com períodos autoritários. Isso aconteceu nas di-
taduras dos anos 1930 e dos anos 1960/1970.
Esse aspecto é importante, não há como deixar de levá-lo em
conta, e quero pôr acento nisso, porque vou falar da fragmentação
em seguida. A unificação da Previdência Social significou a possi-
bilidade de construir um sistema cuja cobertura superou em muito a
média da América Latina. Isso permitiu, entre outros pontos, a co-
bertura dos trabalhadores rurais, que na maioria dos países perma-
neceram excluídos.
O Chile foi o modelo inaugural de reforma, e a partir dele é
que se construiu o famoso Consenso de Washington. Lá, as refor-
mas da Seguridade Social sempre foram acompanhadas pelos pa-
cotes de financiamento do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ou seja, a Reforma da Previdência estava rigorosamente incluída
nos acordos com o FMI. A ideologia que passou a ser dominante,
em todos os governos latino-americanos, foi a do caráter “impres-
cindível” das reformas para o ajuste, seguido pela estabilização e –
quiçá – pelo crescimento econômico. Este é um debate central.
Todos conhecem as condicionalidades do FMI: diminuir o défi-
cit fiscal, promover a reforma do Estado, aumentar a competitividade
das empresas reduzindo os custos sociais e flexibilizando a mão-
de-obra, e as reformas da Seguridade Social.
O Brasil foi retardatário no processo de entrada do neolibe-
ralismo e eu gostaria de citar as palavras da professora Sulamis
Dain, que escreveu o prefácio da minha tese – e ela escreveu isso
em 1999, logo depois da Reforma da Previdência do governo
Fernando Henrique:

“Para nós, brasileiros, a comparação com a América Latina é particular-


mente dolorosa por demonstrar que, assim como na industrialização,
também no plano das políticas sociais o Brasil foi a região que mais
avançou na direção da construção de um modelo de base sólida na
garantia de direitos universais [não estou dizendo aqui que consegui-
mos construí-lo, mas, se comparado com o resto da América Latina,

41
REFORMA DA P REVIDÊNCIA

nós fomos o que mais avançamos] e que resistiu por mais tempo ao
ideário ortodoxo. Nele, e em suas conseqüências, estamos entretanto
mergulhados [naquela ocasião, em 1998, com Fernando Henrique] numa
adesão tardia, porém profunda, às virtudes do mercado”1.

Este é outro ponto, o Brasil entra tardiamente, mas sempre


“recupera o tempo” com rapidez e profundidade. Quer dizer,
Fernando Henrique conseguiu em oito anos o que muitos países da
América Latina não conseguiram em 20 ou em 15 anos.

O impacto das reformas

Qual foi o impacto econômico e social das reformas da Amé-


rica Latina? Baseio-me no último relatório da Comissão Econômi-
ca para a América Latina e o Caribe (Cepal), que é um órgão das
Nações Unidas, sobre o panorama social da América Latina nos
anos 1990. Mesmo para mim, que venho acompanhando esses re-
latórios e sou estudiosa do assunto, os indicadores são impactantes.
Em todos os países envolvidos as reformas foram feitas. E quais
foram os resultados?
Pois bem, em relação a toda aquela alegação de que as refor-
mas eram imprescindíveis para o crescimento, as evidências não de-
monstram isso, pelo contrário. São países que tiveram um cresci-
mento econômico medíocre ou inexistente, cuja vulnerabilidade fi-
nanceira se aprofundou, em que o endividamento público aumentou,
em que houve uma generalização da precarização do trabalho, taxas
de desemprego inéditas na história desses países – obviamente o
caso da Argentina é o mais gritante –, o desmonte das instituições
públicas estatais, a redução e a eliminação da universalidade dos
serviços, a focalização com acompanhamento da exclusão.
Há um comentário inédito nesse relatório da Cepal, em que
se reconhece que a perda da universalidade das políticas sociais

1. Prefácio de Sulamis Dain, in: SOARES, L. Tavares. Ajuste neoliberal e desajuste social
na América Latina. Petrópolis, 2001.

42
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

latino-americanas levou a um aumento da exclusão. E que o ex-


cesso de focalização do gasto social nos pobres não só não in-
cluiu todos os pobres, como também deixou de fora boa parte
da classe média precarizada, sem emprego, que hoje está numa
grave crise de acesso a serviços de infra-estrutura básica na Amé-
rica Latina.
Nesse ponto, o relatório da Cepal conclui que a classe média
latino-americana provavelmente está “em extinção”, em contraponto
a uma tendência histórica de 30 anos, crescente, de formação das
classes médias latino-americanas. E isso é visível a olho nu. Nos
cursos que dou na América Latina, constato que a nossa classe
média ainda tem alguma “gordura” a perder – resta saber para quê.
Mas a classe média dos países latino-americanos vive em condi-
ções próximas da pobreza. Só que a pergunta é: o empobrecimen-
to da classe média resolveu a pobreza dos outros? Não! Esse em-
pobrecimento nem resultou na melhoria das condições de pobreza
nem num padrão de maior igualdade social.
Além de não resolver a pobreza, a conseqüência mais grave
dessas reformas que supostamente iriam promover o crescimento
econômico foi um brutal aumento da precarização, com uma queda
generalizada de todos os empregos, mas principalmente dos em-
pregos públicos. E a Cepal também afirma – vou citá-la por ser um
organismo acima de qualquer suspeita – que o Estado latino-ame-
ricano foi de tal forma desmontado que se tornou inviável a sua
própria reforma. Quer dizer, o Estado se fragilizou no social na
maioria dos países, com péssima qualidade dos seus serviços, com
servidores mal-remunerados e com perda de emprego. Aliás, o
texto também ratifica que com isso se perdeu uma importante arma
da política social latino-americana.
Quanto à situação do emprego, os autônomos ou os chama-
dos “por conta própria” aumentaram a sua participação. As pe-
quenas empresas privadas aumentaram apenas 3%. De 65% a
95% dos ocupados hoje, na América Latina, não têm nenhum
contrato de trabalho. De 65% a 80% da população latino-ameri-
cana não têm proteção social nem de saúde. E a cada dez novos
empregos criados na América Latina, na década passada, nove

43
REFORMA DA P REVIDÊNCIA

foram na área de serviços e 8,1 foram informais. Ou seja, nessa


condição se encontram 80% dos empregos gerados na América
Latina na década de 1990.
Sabemos que o chamado setor “informal” é heterogêneo, e
que existem trabalhos bem-remunerados na informalidade, mas a
Cepal também afirma que a grande maioria da informalidade latino-
americana é precária, com empregos de baixa produtividade e bai-
xos salários.
O desemprego aberto atingiu na última década a sua maior
taxa histórica, quase 12% em média. Se forem analisadas as re-
giões metropolitanas, as regiões mais deprimidas da América Lati-
na e os trabalhadores de baixa renda, esse desemprego chega, em
alguns casos, a 30% ou 40% da população.

O modelo do Banco Mundial

Vamos ver quais foram as bases, os pilares da reforma


neoliberal. O modelo do Banco Mundial tem três pilares. Uma Pre-
vidência básica, fundamentada num sistema ainda de repartição,
gerenciado pelo Estado, embora de caráter assistencial. Ou seja, é
o que alguns autores chamam de Previdência para os pobres, que,
no fundo, é o que eles consideram a assistência social, mas assim
mesmo garantindo alguma renda mínima para isso. O financiamen-
to desta Previdência “básica” é fiscal.
O segundo pilar é baseado no modelo de seguro social, em
que os planos de poupança individuais ou planos ocupacionais –
os chamados Fundos de Pensão – são considerados essenciais e
financiados pela contribuição de salários. Esse pilar seria obri-
gatório e gerenciado pelo sistema privado, aberto ou fechado. O
terceiro pilar é, aí sim, voluntário. Seria uma espécie de poupança
adicional ao seguro, em que cada pessoa, individualmente, vai
buscar um Fundo de Pensão privado, bancário, para complemen-
tar a sua renda.
Vários países já fizeram a reforma previdenciária: Argentina,
Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, México, Nica-
rágua, Peru, República Dominicana e Uruguai. Na época em que

44
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

se realizou esse estudo, no final dos anos 1990, apenas Brasil,


Venezuela, Equador, Guatemala e Paraguai ainda não haviam feito
a reforma com base no modelo do Banco Mundial.
Todas essas reformas têm algumas características comuns na
América Latina: a “racionalização” e a unificação dos chamados
regimes gerais e especiais. O Banco Mundial fazia o diagnóstico de
que a Previdência anterior, além de ser pública e estatal, o que eles
não gostavam muito, estava muito fragmentada: com múltiplos regi-
mes e com “privilégios”, entre eles os dos servidores públicos. Em
todos esses países onde foram feitas as reformas, o papel do Esta-
do mudou e passou de uma função de financiamento e administra-
ção direta da Seguridade para uma função essencialmente finan-
ciadora e regulamentadora. Ele deixou de ser o prestador final dos
benefícios e serviços, delegando essa função para os Fundos de
Pensão privados.
Afinal, quais foram os resultados dessas reformas da Segu-
ridade na América Latina? As hipóteses dos defensores das re-
formas não foram confirmadas. A chamada “concorrência” não
reduziu os custos dos fundos de administração de pensões. Essa
era uma tese central dos partidários da reforma: se houvesse uma
gestão privada, feita por vários agentes, a concorrência entre eles
iria baixar os custos. Isto não aconteceu. Ao contrário, houve
uma brutal concentração dos fundos, com monopolização dos
preços. O Chile tem hoje cerca de oito grandes fundos, sendo
que três deles concentram mais de 60% dos cotistas, portanto é
um mercado oligopolizado.
O sistema não se tornou mais eficiente, tal como alegado, do
ponto de vista dos custos. Ao contrário, os custos de administra-
ção desses fundos são elevadíssimos, oscilando entre 19,2%, no
México, e quase 25% na Argentina. Tudo financiado exclusiva-
mente pela contribuição do trabalhador. Na Argentina, 25% do
que o trabalhador contribui é para os Fundos de Pensão fazerem
propaganda e marketing deles mesmos e dos seus serviços.
Vale a pena comparar com o Brasil, em 2001, onde os resul-
tados dos custos administrativos do INSS foram de 6,2% da arreca-
dação total, evidenciando que o nosso custo foi extremamente infe-

45
REFORMA DA P REVIDÊNCIA

rior, mesmo no sistema público centralizado, se comparado aos


dos Fundos de Pensão.
Um dos aspectos centrais da crise fiscal da Argentina foi a
Reforma da Previdência: o resultado fiscal dessa reforma foi passar
de um superávit de 2,2 bilhões de dólares, em 1993, para um défi-
cit de quase 7 bilhões de dólares no final da década. Isso pelo lado
fiscal. Já o déficit previdenciário corrente passou de 900 milhões
de dólares para 6,7 bilhões de dólares. Eis o déficit previdenciário
da Argentina ao mudar seu sistema 2.
Contrariando, portanto, a suposição de que um sistema priva-
do resultaria também na transferência regular de contribuições e na
redução da evasão, existem sérias divergências entre os estudiosos
desse modelo. Dos contribuintes ativos, entre o número de filiados
e a correlação de filiados e contribuintes ativos nos sistemas, temos
hoje somente entre 48% e 53%, na média, na Argentina, na Co-
lômbia e no Chile.
Quais são os principais problemas do modelo privado de Fun-
dos de Pensão? Uma péssima cobertura dos trabalhadores e o não-
incentivo à filiação, como se alegava. Qualquer documento que
defenda os Fundos de Pensão afirma que é muito mais fácil diminuir
a evasão quando há contribuição e/ou vínculo de filiação individual.
Isso não se comprovou nem no caso chileno, nem em nenhum país
latino-americano, onde os chamados autônomos ou informais con-
tinuam não se vinculando e a taxa de exclusão continua elevada.
Hoje, no Chile, do ponto de vista do rendimento desses fun-
dos – e esse é o dado mais incrível –, 40% das aposentadorias
mínimas, que correspondem a 80% do valor do salário mínimo,
são complementadas pelo Estado chileno. Isto é, nos Fundos de
Pensão a capitalização não consegue sequer cobrir uma aposenta-
doria mínima ao término do período de contribuição legalmente
previsto. O presidente da Central Única dos Trabalhadores chilena

2. Quero registrar aqui que colhi esses dados de um estudioso de Campinas, chamado
Milton Majestic, que tem acompanhado os debates e tem muitos dados interessantes a
respeito disso.

46
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

afirma claramente, como vários outros críticos, que o sistema pode


entrar em colapso em 2005... O déficit da transição chilena foi de
25% do PIB nos anos 1980, e a previsão é de que o déficit continue
até 2030, e o Estado terá que continuar a “dar cobertura” para
compensar essas “falhas” do sistema privado.
Uma coisa importante é a composição da carteira – e a idéia
central por trás disso é que os Fundos de Pensão contribuiriam
para o desenvolvimento econômico. Do ponto de vista dos in-
vestimentos desses fundos, apenas 7% dos investimentos dos
fundos latino-americanos (na média) foram para o mercado de
ações e para investimentos. Mais de 60% dos recursos desses
fundos foram para o mercado financeiro e, sobretudo, para fi-
nanciar o pagamento dos títulos da dívida pública dos respecti-
vos Estados e governos.
Um jornalista me perguntou se esse modelo não gera poupan-
ça. Gera. A poupança privada é monumental, mas no fundo temos
uma situação de transferência de poupança pública para a poupan-
ça privada. E a questão central é que essa poupança privada
não gera necessariamente crescimento, desenvolvimento e muito
menos emprego. Repito: o Chile, que é o modelo, a coqueluche
dessa história dos Fundos de Pensão e que tem 45% de poupança
gerada por esses fundos, não conseguiu diminuir as suas taxas de
desemprego, apresentando um crescimento econômico que, se em
algum momento foi o maior da América Latina, não foi por causa
dos Fundos de Pensão. Os próprios economistas chilenos hoje re-
conhecem que foi muito mais por um modelo exportador de
commodities. Enfim, eles conseguiram um nicho no mundo que
permitiu criar um modelo exportador que possibilitou algum grau
de crescimento econômico. Nada a ver com os Fundos de Pensão.
Em contrapartida, o nível de emprego não aumenta, a pobreza não
diminui, muito menos a informalidade etc.
Quais são os principais problemas da capitalização? E aqui
vale tanto para os fundos abertos como para os fechados. Primei-
ro, a taxa de reposição extremamente incerta, um custo altíssimo
de transição e manutenção, e nenhum poder redistributivo. Quando
se discute a questão da unificação ou da construção desse modelo

47
REFORMA DA P REVIDÊNCIA

misto, um modelo geral, que seria o básico, com o complementar


em fundo de pensão, resta saber qual vai ser o tamanho desse mo-
delo aqui. Qual vai ser o tamanho desse sistema público de repar-
tição que é o único com algum poder redistributivo. Sistemas de
capitalização, seja qual for a forma (aberta ou fechada), não têm
poder distributivo, pois seu modelo é individualizado. Há uma bru-
tal transferência da poupança pública para a poupança privada, e
nenhum retorno para os empregos.

Os mitos da questão previdenciária

Para finalizar, gostaria de comentar os dez mitos que Joseph


Stiglitz – ex-diretor do FMI e ganhador do Prêmio Nobel de Econo-
mia em 2001 (sendo, portanto, “fonte insuspeita”) – aponta na ques-
tão dos Fundos de Pensão. “As contas individuais aumentam a
poupança nacional”: esse é o mito número um. É um mito, ou
seja, isto não acontece. Segundo mito: “As taxas de retorno indi-
vidual, no sistema de capitalização, são superiores às do sistema
de repartição”. Não é verdade. Pelo contrário, as incertezas na
capitalização, tal como já vimos, são muito maiores.
“As taxas de rendimentos, no sistema de repartição, refletem
problemas fundamentais e têm impactos econômicos.” Outro mito,
não há confirmação de que o impacto econômico que o “generoso”
sistema de repartição tinha sobre a economia ia ser resolvido pela
substituição pelo sistema de capitalização. Isso não se evidenciou.
Muito pelo contrário.
Quarto mito: “O investimento dos fundos fiduciários públicos
em ações não tem efeitos macroeconômicos”. Esse é o problema
do desenvolvimento do mercado de ações, a questão das bolsas e
a instabilidade mundial. Hoje os economistas norte-americanos e
alemães já estão criticando o mercado de ações como base para o
seu desenvolvimento econômico. Isto para o mercado de ações
“deles”, países capitalistas desenvolvidos, que dirá o nosso.
Quinto mito: “Os incentivos no mercado de trabalho são me-
lhores em um sistema de contas individuais”. Já vimos com exem-
plos que não há nenhum tipo de incorporação dos autônomos, de

48
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

um lado, nem geração de emprego, de outro. Sexto: “Os planos


privados de contribuição definida necessariamente outorgam mais
incentivos para aposentadoria antecipada”. O sétimo é que “a com-
petição entre os fundos assegura baixos custos administrativos”. Já
mostramos que não. Agora, o oitavo mito, de economia política, é
fantástico e era alegado pelo Banco Mundial: “Os governos cor-
ruptos e ineficientes oferecem uma argumentação para as contas
individuais”. Segundo o Banco Mundial, o problema da corrupção
dos governos afeta o sistema previdenciário, o que seria superado
na gestão privada. Na América Latina, a gestão privada dos Fun-
dos de Pensão foi muitas vezes questionada, inclusive do ponto de
vista da sua eficiência econômica, para não falar de outros desvios
e da própria corrupção.
Nono mito: “As políticas de ajuda estatal são piores sob os
sistemas de planos públicos de benefícios definidos”. Stiglitz faz uma
defesa ferrenha destes planos, e outros autores críticos do modelo
do Banco Mundial também argumentam que, se é para ter algum
fundo, que seja de benefício definido, e não de contribuição defini-
da. Último mito: “O investimento dos fundos fiduciários públicos
sempre se realiza sem o devido cuidado e sua gestão é deficiente”.
Acho que os modelos latino-americanos podem nos trazer
algumas lições para reflexão, sobretudo no que diz respeito ao
que considero ainda uma defesa do nosso patrimônio, do que nós
ainda dispomos, que é a Seguridade Social prevista na Constitui-
ção de 1988.
Espero que não sigamos o exemplo da América Latina naqui-
lo que teve de negativo. Oxalá também não acompanhemos alguns
mitos. Um mito em particular precisa ser estudado com muito cui-
dado: o de que um sistema de Fundos de Pensão vai gerar poupan-
ça e desenvolvimento. Não há evidência mundial sobre isso. Des-
loca poupança para o setor privado e não gera crescimento, de-
senvolvimento e, muito menos, emprego.
Portanto, vamos prestar bastante atenção, olhar para os países
latino-americanos, nossos irmãos, além de para outras experiências
internacionais, do ponto de vista do que significaram as reformas.
Aqui foram mostradas evidências sociais e econômicas das reformas

49
REFORMA DA P REVIDÊNCIA

da Seguridade e da Previdência Social em nosso continente. Espero


que algumas dessas lições possam ser aprendidas e que olhemos
para aquilo, eu insisto, que temos de patrimônio nosso.
Vai ser lamentável se nós – nós, o PT –, que defendemos uma
proposta generosa de política social, não abraçarmos a tese de que
a Seguridade Social é a melhor política social para a distribuição de
renda. Tese que, aliás, já demonstrou suas evidências positivas em
nosso país. É um investimento. Eu nem sequer falaria em déficit,
como os economistas fazem em toda a América Latina. Os que se
contrapõem a isso apresentam o gasto com Seguridade Social como
um investimento. É um gasto que gera emprego e renda e que
redistribui a renda. Portanto, nesse déficit que muitas vezes enxer-
gamos, seria interessante mostrar que existe um brutal investimento
social. O exemplo da nossa Previdência rural está aí para quem
quiser ver, sendo o único na América Latina.
Para fechar, gostaria de dizer que, com a Proposta de Emenda
Constitucional 40, alguns trabalhadores do setor público não privile-
giados, que estão abaixo do teto, serão prejudicados. E nós temos
uma responsabilidade enorme com esses trabalhadores, na medida
em que seus direitos não representam privilégios, sobretudo pelas
implicações sobre os direitos de cidadania da maioria da população
brasileira que é atendida e assistida por esses servidores.

50
Parte 2 –
A história da
Previdência Social no Brasil
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

José Pimentel

Previdência Social –
Aspectos, conceitos, estruturas
e fatores condicionantes

Desde 1995 o Partido dos Trabalhadores e sua bancada fe-


deral têm tido o cuidado de promover o debate sobre a questão
previdenciária. Naquele período, em 1995 e 1996, houve uma
Comissão Parlamentar de Inquérito para discutir os Fundos de
Pensão e a Previdência complementar. Dela resultou uma série de
sugestões que foram incorporadas nas Leis Complementares 108 e
109, sobre as quais falarei mais adiante. Após a Emenda 20 – à
qual o PT entregou uma emenda global substitutiva, que foi rejeita-
da no Congresso Nacional –, apresentamos três projetos de lei
disciplinando a Previdência complementar.
Desses três projetos, o de número 10 teve como coordena-
dor o atual ministro Ricardo Berzoini e dele resultou a Lei Comple-
mentar 109, que é a da Previdência privada aberta. Eu coordenei o
grupo de trabalho do Projeto de Lei Complementar 8, que resultou
na Lei Complementar 108, sobre os Fundos de Pensão. E esses
dois projetos foram aprovados na Câmara, com apenas quatro votos
contrários. A Lei Complementar 108 deu maior transparência aos
Fundos de Pensão.
A Previdência brasileira tem dois grandes objetivos. O pri-
meiro é garantir a reposição de renda dos seus segurados/contri-

53
P REVIDÊNCIA SOCIAL

buintes, quando não puderem mais trabalhar. O segundo é evitar a


pobreza entre as pessoas que, por contingências demográficas,
biológicas ou acidentais, não podem participar do processo de pro-
dução da riqueza nacional, por meio do mercado de trabalho. Por-
tanto, esses são os dois grandes princípios de onde partimos no
debate para a elaboração de nossa proposta substitutiva, em 1995,
e que permanecem válidos até hoje.
Um dos pilares do nosso sistema de Previdência pública é o
INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), que oferece 13 mo-
dalidades de benefícios, considerados reais instrumentos de distri-
buição de renda no país. Aposentadoria por idade, aposentadoria
por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez, aposenta-
doria especial, auxílio-doença, salário-família, salário-maternidade,
pensão por morte, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, reabilitação pro-
fissional, abono anual e renda mensal vitalícia. Esses são os benefí-
cios que o Regime Geral oferece à classe trabalhadora. O primeiro é
a aposentadoria por idade, cujos parâmetros que o PT e o nosso
governo estão mantendo são os mesmos registrados na Constituição
de 1988. Para quem vive nas áreas urbanas (cidades), a aposenta-
doria por idade pode ser concedida aos 60 anos para as mulheres e
aos 65 anos para os homens. Há três categorias especiais cujas apo-
sentadorias são diferenciadas. A primeira é composta pelos agricul-
tores familiares, pescadores artesanais e extrativistas. Para eles, a
idade será de 55 anos, no caso das mulheres, e de 60 anos, para os
homens. Outra categoria considerada especial é a dos trabalhadores
da educação básica, que corresponde ao ensino infantil, ensino fun-
damental e ensino médio. Finalmente, vêm os trabalhadores expos-
tos às atividades insalubres e/ou perigosas.
As idades acima valem também para a concessão de aposen-
tadoria proporcional, desde que comprovado tempo mínimo de
contribuição. Esse tempo mínimo, em 1991, era de cinco anos para
os trabalhadores da cidade, e a cada ano essa idade mínima sofre
um acréscimo de seis meses, de modo a passar para 15 anos em
2005. O que estamos discutindo com o nosso governo e na Câma-
ra dos Deputados é o retorno dessa idade mínima para cinco anos,
para que todo homem e toda mulher possam de alguma forma con-

54
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

tribuir para o sistema previdenciário, de modo a ter esse benefício


na terceira idade.
O segundo benefício é a aposentadoria por tempo de contri-
buição, que é a chamada aposentadoria integral. No Regime Ge-
ral, a regra permanente exige um tempo mínimo de contribuição de
30 anos para a mulher e de 35 anos para o homem, independente-
mente da idade. Pelas regras da Emenda 20/98, toda mulher da ci-
dade que completar 30 anos de contribuição e todo homem da
cidade que completar 35 anos de contribuição adquirem o direito
de se aposentar, independentemente da sua idade. Para quem já
estava no mercado de trabalho antes da Emenda 20, existe uma
regra de transição que conjuga tempo de contribuição com idade
de 48 anos (mulher) e 53 anos (homem).
Por que não há idade mínima na regra permanente do Regime
Geral? Porque se compreendeu que existe uma grande rotatividade
de mão-de-obra na iniciativa privada, provocando descontinuidade
no tempo de contribuição do beneficiário. Exatamente por isso,
quando se analisam os 21,1 milhões de aposentados do Regime
Geral, 70% deles se aposentam por idade, na proporcionalidade, e
apenas 30% se aposentam por tempo de contribuição. Isso é re-
sultado da inexistência da estabilidade no emprego, que caiu com o
golpe de Estado de 1964.
Aliás, quanto à falta de estabilidade no emprego, tenho algo a
dizer. Fico estarrecido quando vejo alguns sindicalistas argumenta-
rem que os servidores públicos são discriminados por não terem o
FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Isso é lamentá-
vel, porque todos conhecemos o motivo do fim da estabilidade.
Espero que, no nosso partido, ninguém invoque como diferencial o
FGTS para o servidor público, porque ele é uma penalidade para
aqueles que não têm estabilidade.
A aposentadoria especial, como já disse, é para três categorias.
Uma é composta pelos trabalhadores rurais, da agricultura familiar,
os pescadores artesanais e também os extrativistas. Nesse segmen-
to, as mulheres se aposentam aos 55 anos e os homens aos 60, inde-
pendentemente do tempo de contribuição. Em 2006, pelas regras
em vigor, deles também seriam exigidos 15 anos de contribuição.

55
P REVIDÊNCIA SOCIAL

Se mantivermos essa regra, eles teriam de ir para a Lei Orgânica


da Assistência Social (LOAS). Mas o compromisso do PT e do nosso
governo é mantê-los na aposentadoria especial. Estamos discutindo
com a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agri-
cultura) para que essa contribuição seja recolhida sobre a comerciali-
zação da safra, quando ela for feita por meio da política de preço
mínimo que está sendo implantada. E o percentual que estamos discu-
tindo com eles é de 2% a 2,5% sobre a comercialização, sem buro-
cracia, comparado ao imposto do tipo Simples (Sistema Integrado de
Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Em-
presas de Pequeno Porte), diferenciado para os trabalhadores rurais.
Uma verdade precisa ser dita: a diminuição da contribuição in-
fluencia na formalização da geração de trabalho. O resultado da im-
plantação do Simples, em fevereiro de 1997, mostra que cresceu a
formalização de trabalhadores e houve aumento da arrecadação para
o INSS nesse segmento rural, que estava fora do mercado.
Portanto, os trabalhadores rurais continuarão com aposenta-
doria especial e é uma decisão do partido e do nosso governo trans-
ferir riqueza da cidade para o campo. Vamos fazer isso porque, hoje,
82% da nossa população está na área urbana e, na área rural, estão
apenas 18%. Aqui, na área urbana, podemos até não ter um carro
para passear, uma bicicleta para andar, mas precisamos do arroz e
do feijão na panela. E só haverá o nosso arroz e feijão se lá na roça
estiverem o nosso irmão e a nossa irmã trabalhando na agricultura,
plantando e colhendo para dar dignidade a sua família.
Por isso o PT e o nosso governo vão transferir riqueza da ci-
dade para o campo, como subsídio para a aposentadoria na tercei-
ra idade. Em 2003, com a elevação do salário mínimo para 240
reais, essa transferência será superior a 20 bilhões de reais. E va-
mos modificar a lei para continuar havendo tal transferência.
Também recebem aposentadoria especial os professores da
educação básica. O tempo de contribuição da professora é de 25
anos e o do professor de 30 anos, independentemente da idade.
Estamos mantendo esse segmento com uma aposentadoria espe-
cial não porque sua atividade seja desgastante ou perigosa, mas
porque o homem e a mulher são obrigados a trabalhar, e quem

56
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

complementa a educação dos nossos filhos na infância e na adoles-


cência são os educadores, a professora e o professor. Como retri-
buição a esse segmento, o partido e o nosso governo estão man-
tendo sua aposentadoria especial com subsídios.
O terceiro segmento com aposentadoria especial é composto
pelos trabalhadores expostos a atividades perigosas e/ou insalu-
bres. O benefício de se aposentar mais cedo será dirigido ao indi-
víduo, não à categoria, porque queremos que essas atividades in-
salubres ou perigosas deixem de existir. Queremos que os traba-
lhadores dessa área tenham uma vida mais longa, como todos nós,
e não um prêmio por morrerem mais cedo, que é o conceito utiliza-
do para os trabalhos insalubres e perigosos. Com o apoio das uni-
versidades, das pesquisas em ciência e tecnologia, aquelas ativida-
des, hoje insalubres e perigosas, amanhã poderão deixar de sê-lo.
É por isso que estamos mantendo o benefício, dirigido ao indiví-
duo, e não à categoria profissional.

Previdência, Assistência e Saúde

A Seguridade Social foi estruturada na Constituição de 1988


com base em três grandes pilares: a Previdência, a Assistência e a
Saúde. As principais fontes de financiamento da Previdência são as
contribuições do trabalhador filiado, as contribuições do emprega-
dor sobre a folha salarial e, ultimamente, subsídios da sociedade
por meio do Tesouro. Para evitar transferências de recursos para
estados e municípios, desde 1995, o governo federal resolveu criar
contribuições para a Seguridade Social, e não impostos (estados e
municípios têm participação nos impostos, e não em contribuições).
É exatamente por isso que o aumento da carga tributária, de
26% para 37% do PIB, em grande parte, se deu na Seguridade
Social. Para transferir recursos desse aumento da carga tributária
na Seguridade Social de modo a financiar outras estruturas do Es-
tado, foi aprovada a DRU (Desvinculação de Receitas da União),
que é o último nome da Lei de Desregulamentação do Orçamento.
Portanto, é verdade quando dizemos que a Seguridade Social
é superavitária. Mas esquecemos de dizer que grande parte da con-

57
P REVIDÊNCIA SOCIAL

tribuição da Seguridade Social é regressiva sobre todo o sistema


produtivo. Uma das contribuições mais regressivas é a CPMF (Con-
tribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valo-
res e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira), a outra é a
Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
E como é concepção do PT e do nosso governo desonerar a pro-
dução para gerar trabalho, riqueza e crescimento econômico com
distribuição de renda, vamos ter de refletir sobre as fontes de custeio
da Seguridade Social.
Em abril de 2003, nosso governo emitiu a Medida Provisória
107, que desonera a Cofins de parte do setor produtivo e aumenta
em 100% a mesma contribuição para os bancos, elevando-a de
2% para 4%. Passamos três semanas com a pauta do Congresso
Nacional trancada, porque os representantes dos banqueiros não
aceitavam essa elevação da Cofins para cobrir a desoneração dos
setores produtivos, que foi objeto de um grande debate na Câmara
Federal e no Senado.
O nosso sistema previdenciário contempla os seguintes regi-
mes: o Regime Geral, no qual estão os “trabalhadores do setor
privado”, os trabalhadores domésticos, os autônomos, os assalaria-
dos, os servidores públicos municipais, que não foram para o Regi-
me Próprio, e também os servidores públicos estaduais, das esta-
tais como Banco do Brasil, Petrobras, Correios, Caixa Econômica
Federal e tantas outras. Nesse regime há hoje 28,3 milhões de con-
tribuintes e 21,1 milhões de beneficiários.
O segundo regime é o dos militares federais, que na proposta
do nosso governo será mantido como aposentadoria especial, com
regime próprio. O terceiro regime é o dos funcionários públicos,
que será modificado para se aproximar ao máximo do Regime Ge-
ral. A grande resistência aqui vem de segmentos que nós conhece-
mos e que possuem interesses não manifestos publicamente. O quar-
to regime é a Previdência complementar, que já está disciplinada na
Lei Complementar 108, que trata dos Fundos de Pensão, e na Lei
Complementar 109.
Para os servidores públicos que forem admitidos, que tiverem
remuneração acima de 2.400 reais, para não pairar nenhuma dúvi-

58
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

da sobre o sistema de Previdência complementar, demos uma re-


dação ao parágrafo 14, do artigo 40, segundo a qual o disciplina-
mento se dará nos termos do artigo 202 da Constituição, o qual,
por sua vez, foi disciplinado pela Lei Complementar 109. No seu
artigo 31, essa lei determina que todos os servidores da União, dos
estados e dos municípios, da administração direta, autárquica,
fundacional, economia mista e empresas públicas, terão Fundo de
Pensão fechado1. E a Lei Complementar 108, no seu artigo 1o,
também diz a mesma coisa.
O projeto do PT e do governo é o sistema de repartição. Os
recursos são recolhidos dos contribuintes atuais para cobrir os gas-
tos com os aposentados atuais. Ou seja, há um pacto social entre
gerações, em que os ativos financiam os inativos. Por isso o sistema
de capitalização que o Chile implantou não serve para o Brasil, o
PT não o aceita, nem o nosso governo. Ao contrário, estamos for-
talecendo o sistema de repartição. É o sistema que o PT sempre
defendeu ao longo da sua história e que o governo Lula está defen-
dendo agora.
No entanto, o sistema de Previdência brasileiro vive um mo-
mento crítico, resultante das mudanças sociais, culturais e de vida
da população. Não são problemas isolados do nosso país. Nações
em todo o mundo estão com dificuldades semelhantes. Hoje ocor-
re um processo de diminuição da natalidade no Brasil, ou seja, as
famílias estão diminuindo e, por conta das novas tecnologias, das
melhorias de saneamento básico e da qualidade de vida, felizmente,
estamos todos vivendo mais. Quanto à taxa de natalidade, consi-
dera-se um ciclo que se estende de 1890 até 2050 e a previsão é
de diminuição contínua. Em relação à expectativa de vida ao nas-
cer, o homem tem uma expectativa de viver até 65,1 anos e a mu-
lher até 72,9 anos. Essa diferença se dá por dois fatores básicos: 1)
até 5 anos de idade, por conta ainda da fragilidade do tratamento

1. O texto final da Reforma da Previdência aprovado na Câmara dos Deputados, em


agosto de 2003, definiu que o Fundo de Pensão do servidor público será de natureza
pública, fechado, sem fins lucrativos e com gestão paritária.

59
P REVIDÊNCIA SOCIAL

das crianças nas famílias mais pobres; 2) entre 15 e 25 anos de


idade, a mortalidade é muito grande na nossa juventude masculina,
provocando impacto na vida média dos homens. Já as mulheres
tinham dois momentos de grande mortalidade. Um na infância, como
os homens, que permanece. Outro na época em que tinham filhos.
Com as novas tecnologias, houve uma diminuição na mortalidade
feminina. E, ao ultrapassar os 40 anos de idade, a mulher tem uma
longevidade maior do que o homem. É uma questão orgânica, exa-
tamente por isso elas vivem mais.
Vejamos alguns pontos.
Contribuintes versus não-contribuintes (Quadro 1): temos 29,8
milhões de contribuintes e 40,7 milhões de não-contribuintes. Destes
últimos, 18,7 milhões podem, imediatamente, ser conquistados para
a nova Previdência, numa política de melhoria do atendimento, de
combate à sonegação e à fraude, de redução da contribuição patro-
nal e do autônomo. Quem são eles? Como mostra o Quadro 2, são
7,6 milhões de empregados sem registro em carteira, que estão em
empresas que priorizam a mão-de-obra humana na produção dos
seus serviços, nas suas várias formas de trabalho.

Quadro 1
Contribuintes X Não-contribuintes da população ocupada total* – 2001

Existem 40,7 milhões de brasileiros que estão fora do sistema previdenciário, o que
representa 57,7% da população ocupada total...

% de % de não-
Contribuintes Não-contri- Total
cobertura cobertura
(a) buintes (b) (c = a + b)
(a/c) (a/c)

29.883.440 40.696.703 70.580.143 42,3 57,7


Fonte: PNAD 2001/IBGE
* Pessoas de 10 anos ou mais. Exclui militares e estatutários.

Somos um dos poucos países do mundo que punem o empreen-


dedor que gera trabalho e premiam o que gera desemprego. A
contribuição para a Previdência é 22% da folha bruta. Assim, pelas

60
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

leis em vigor, quanto mais o empreendedor priorizar a mão-de-


obra, mais caro será o custo da produção. Exatamente por isso
estamos propondo, no primeiro momento, reduzir em 50% a con-
tribuição do empregador, de 22% para 11%, e o objetivo é trazer
esses 7,6 milhões de pessoas para a formalidade, para o INSS, para
o reconhecimento dos seus direitos.

Quadro 2
... mas nem todos podem contribuir. Excluindo (I) pessoas que recebem menos de
1 salário mínimo e (II) pessoas com idade inferior a 16 anos e superior a 59 anos,
chega-se a 18,7 milhões de pessoas potenciais contribuintes à Previdência Social.

Contribuintes X Potenciais contribuintes

Potenciais % de
POSIÇÃO NA Contribuintes Total
contribuintes cobert.
OCUPAÇÃO (A) (C)
(B) (A/C)
Empregados 22.886.767 7.671.263 30.558.030 74,9
Empregados
21.464.289 - 21.464.289 100,0
com carteira
Empregados
1.422.478 7.671.263 9.093.741 15,6
sem carteira
Trabalhador
1.554.479 1.780.123 3.334.602 46,6
doméstico
Trabalhador
doméstico 1.443.737 - 1.443.737 100,0
com carteira
Trabalhador
doméstico 110.742 1.780.123 1.890.865 5,9
sem carteira
Por conta própria 2.219.627 8.222.945 10.442.572 21,3
Empregador 1.698.505 1.042.283 2.740.788 62,0
N ão -
6.118 6.878 12.996 47,1
remunerados*
TOTAL 28.365.496 18.723.492 47.088.988 60,2
Fonte: PNAD 2001/IBGE
Elaboração: Secretaria de Previdência Social/MPS
* São trabalhadores que não recebem rendimentos do trabalho, mas possuem outras fontes de renda.

Temos mais 1,7 milhão de mulheres, normalmente são mulhe-


res, que trabalham em residências, os trabalhadores ou trabalhado-

61
P REVIDÊNCIA SOCIAL

ras domésticas, sem nenhum benefício previdenciário. Temos mais


8,2 milhões de autônomos com renda superior a um salário míni-
mo, mas, quando se conversa com esse segmento, ele declara que
contribuir com 20% da sua renda bruta mensal para o INSS é impos-
sível. A renda média dessas pessoas é de 400 reais. A cobrança
dos 20% implica pagar 80 reais todo mês. Vamos reduzir essa con-
tribuição, no mínimo, pela metade: de 20% para 10%, a fim de
trazer essas pessoas para o sistema previdenciário. Isso será obje-
to de lei infraconstitucional.
Para se ter uma idéia, hoje temos apenas 2,2 milhões de autô-
nomos contribuindo com a Previdência. E temos mais cerca de 1
milhão de empregadores fora da Previdência. Queremos trazer toda
essa gente para o sistema com uma série de mecanismos, que vou
apresentar mais adiante.

Quadro 3
A década de 1990 foi marcada pela deterioração das relações formais de trabalho,
com queda de de 13,7% na participação dos trabalhadores com carteira assinada
entre 1990 e 2000. Por outro lado, verificou-se um aumento da participação dos
conta-própria e empregados sem carteira

BRASIL: estrutura da população ocupada


(1990 a 2002 – janeiro a novembro)
4,5% 4,5% 4,4% 4,4% 4,3% 4,5% 4,7% 4,6% 4,6% 4,6% 4,6% 4,2% 4,1%

18,5% 20,3% 21,0% 21,1% 21,9% 22,1%


23,0% 23,4% 23,3% 23,8% 23,6% 23,2% 22,6%

19,3%
21,0% 22,2% 23,2%
23,9% 24,2% 25,1%
25,0% 25,7% 26,6% 27,9% 27,2% 27,8%

57,7% 54,2%
52,3% 51,3% 49,9% 49,1%
47,2% 47,0% 46,4% 45,0% 44,0% 45,3% 45,5%

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Empregados c/ carteira assinada Empregados s/ carteira assinada Conta-própria Empregador


Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego - PME/IBGE
Elaboração: SPS/MPS

62
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

O Quadro 3 mostra exatamente que, em 1990, 19,3% dos


trabalhadores estavam nas empresas sem carteira assinada. Ao longo
da década de 1990, esse percentual foi elevado para 27,8%, com-
provando que nem sempre o aumento da alíquota eleva a arreca-
dação. Chega um ponto em que o contribuinte não tem mais condi-
ção de pagar. É o caso concreto da nossa Previdência.
No Quadro 4, vêem-se os 21,1 milhões de beneficiários da
Previdência, sendo 6,9 milhões da área rural e 14,3 milhões da
área urbana. No Quadro 5, vê-se exatamente o sistema de contri-
buição, evidenciando que, até 2000, a contribuição urbana pagava
todos os benefícios urbanos e ainda era superavitária. A partir de
2001, a contribuição urbana não cobre mais seus benefícios. A
rural sempre foi subsidiada e vai continuar sendo.

Quadro 4
Segundo o IBGE, para cada beneficiário da Previdência Social há, em média,
2,5 pessoas beneficiadas indiretamente. Assim, em 2002, a Previdência beneficiou
74 milhões de pessoas, ou seja, 41,2% da população brasileira.

Benefícios pagos pela Previdência Social


– Urbano / Rural – 1994 a 2002

25
21,1
19,5 20,0
20 18,2 18,8
17,5
16,5 6,9
15,2 15,7 6,6
6,3 6,5
6,1
Milhões

15 5,9
5,8 5,8
5,8
10

13,4 14,3
11,6 12,1 12,6 13,1
9,4 9,9 10,7
5

0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Rural Urbano

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social - AEPS; Boletim Estatístico de Previdência Social - BEPS
Elaboração: SPS/MPS

63
P REVIDÊNCIA SOCIAL

Quadro 5
Arrecadação líquida, despesas com benefícios previdenciários
e saldo previdenciário – Urbano e rural

(1997 a 2002) Em milhões de reais correntes

Benefícios
Arrecadação
Ano Clientela previdenciários Saldo (a-b)
líquida (a)
(b)
TOTAL 44.148 47.249 (3.101)
1997 Urbano 42.670 38.182 (4.488)
Rural 1.478 9.067 (7.589)
TOTAL 46.641 53.743 (7.102)
1998 Urbano 45.301 43.872 (1.429)
Rural 1.340 9.870 (8.531)
TOTAL 49.128 58.540 (9.412)
1999 Urbano 47.801 47.886 (85)
Rural 1.327 10.654 (9.328)
TOTAL 55.715 65.787 (10.072)
2000 Urbano 54.172 53.614 (558)
Rural 1.543 12.173 (10.630)
TOTAL 62.492 75.328 (12.836)
2001 Urbano 60.651 60.711 (60)
Rural 1.841 14.617 (12.776)
TOTAL 71.028 88.027 (16.999)
2002 Urbano 68.726 70.954 (2.228)
Rural 2.302 17.072 (14.770)
Fonte: Fluxo de Caixa INSS, Boletim Estátistico da Previdência Social, Informar/INSS
Elaboração: SPS/MPS

No Quadro 6, mostra-se o valor médio das aposentadorias.


Setenta por cento dos trabalhadores do Regime Geral se aposen-
tam por idade. A mulher aos 60 anos, o homem aos 65, e esse
valor médio é de 243 reais e 10 centavos. Apenas 30% se aposen-
tam por tempo de contribuição e esse valor médio é de 744 reais e
4 centavos. Esses valores são anteriores ao reajuste do salário mí-
nimo para 240 reais.

64
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Quadro 6
Valor médio dos benefícios pagos pela
Previdência Social – Em reais – set. 2002 (INPC)

Regime Geral Previdência Social

A posentadori as por Tempo de C ontri bui ção 744,04

Aposentadorias por Idade 243,10

TOTAL DOS BENEFÍCIOS 374,89

Fontes: Anuário Estatístico da Previdência Social; Boletim Estatístico da


Previdência Social
Elaboração: SPS/MPS

O que queremos fazer? Combater a sonegação e a fraude para


melhorar essa Previdência. Fiscalizar as instituições filantrópicas – e
já descredenciamos várias delas que não se enquadravam no con-
ceito legal de “filantrópicas”. Ampliar o esforço de recuperação de
crédito, incentivar a contribuição e a filiação ao sistema, e melhorar
os serviços de atendimento. Implantar uma política de distribuição
de renda por meio de aumentos reais conferidos ao salário mínimo e
também políticas de transferência de renda da área urbana para a
rural. Nada disso depende de alteração constitucional. No Regime
Geral, o único item que vamos alterar se refere à elevação do teto
para 2.400 reais. Todo o resto é feito com leis infraconstitucionais.
Por que optamos por esse caminho? Porque temos 91 deputa-
dos federais e 14 senadores. Mas precisamos de 308 votos na Câma-
ra e de três quintos também no Senado – e não temos esses votos.
Para finalizar, quero chamar a atenção para um dado: o servi-
ço público federal tem apenas 29% dos atuais servidores civis com
até 40 anos. E 71% acima dessa idade. Esse é um dado muito
preocupante, porque ao longo das duas últimas décadas, e particu-
larmente com a política de diminuição do Estado nacional, houve
um desestímulo muito forte ao servidor público. O Estado não qua-
lificou esta mão-de-obra e não investiu o suficiente para que o ser-

65
P REVIDÊNCIA SOCIAL

viço público prestado fosse muito melhor. Temos agora esse con-
tingente de 71% acima de 40 anos de idade, o que requer de nossa
parte debate e reflexão.
A idade média das aposentadorias no serviço público federal
para os homens, em 2002, foi de 57 anos e, para as mulheres, 54
anos. Aqui a ampla maioria é aposentadoria integral. A idade é
acima dessa no caso de aposentadoria proporcional. Por isso, na
nova regra de transição, essas questões serão objeto de debate.
Por último, no Quadro 7, temos as aposentadorias médias no
Executivo civil da União – neste valor estão excluídos o Banco Cen-
tral e o Ministério Público federal. A média é 2.272 reais. Essa mé-
dia do Executivo não é justa, porque há pessoas com 53 mil reais e
uma grande quantidade com 402 reais. É como se pegássemos uma
pessoa, botássemos a sua cabeça numa lareira e os seus pés num
freezer, e utilizássemos o umbigo para tirar a temperatura média.

Quadro 7
Valor médio dos benefícios previdenciários no
Serviço Público Federal e no RGPS
(média de dezembro/2001 a novembro/2002)
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

Executivos (civis)1 2.272,00

Ministério Público da União 12.571,00

Banco Central do Brasil 7.001,00

Militares 4.265,00

Legislativo 7.900,00

Judiciário 8.027,00

RGPS

Aposentadorias por Tempo de Contribuição 744,04

Aposentadorias por Idade 243,10


2
TOTAL DOS BENEFÍCIOS 374,89
Fontes: Boletim Estatístico da Previdência Social; Boletim Estatístico de Pessoal – dez. 2002 / SRH/MPOG; STN/MF
Elaboração: SPS/MPS
1
Exclui empresas públicas e sociedades de economia mista; inclui administração direta, autarquias, fundações, Minis-
tério Público da União e Banco Central do Brasil.
2
Inclui benefícios previdenciários e acidentários, e exclui benefícios assistenciais.

66
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

No Ministério Público da União a média é 12.571 reais; no


Banco Central, 7.001 reais; militares, 4.265 reais; Legislativo fe-
deral, 7.900 reais, uma média que aumentou, porque aqui a base é
de novembro de 2002 e, em fevereiro de 2003, o teto foi elevado
para 12.720 reais. No Judiciário, a média é de 8.027 reais, envol-
vendo aqui os servidores da máquina judiciária e os magistrados.
Enquanto isso no Regime Geral os números são 243 reais e
10 centavos para aposentadoria por idade e 744 reais e 4 centa-
vos, por tempo de contribuição.
O Quadro 8 faz a transformação da média das aposentado-
rias dos servidores em salários mínimos. Para os 21,1 milhões de
aposentados do INSS, a média de aposentadoria é de 1,8 salários
mínimos, enquanto para os servidores civis – retirando o Banco
Central e o Ministério Público federal – a média de aposentadoria
é de 10,9 salários mínimos; para os militares são 20,1 salários mí-

Quadro 8
Valor médio dos aposentados, em salários mínimos

59,3

36,5
34,8

20,1

10,9

1,8
0
INSS Executivo Militares Legislativo Judiciário Ministério
(civis) Público
União

Fonte: Boletim Estatístico da Previdência Social, SRH/MPOG; STN / MF, setembro 2002

67
P REVIDÊNCIA SOCIAL

nimos; para o Legislativo são 34,8; para o Judiciário são 36,5 e


para o Ministério Público são 59,3 salários mínimos2. São benefí-
cios que a União tem de pagar todo mês.
A União hoje não tem mais ativo, vendeu tudo. O único
patrimônio que resta e que vamos fortalecer é a Petrobras – apenas
30% do ativo da Petrobras pertence à União. Setenta por cento já
foram vendidos; inclusive, em 2001, boa parte dos trabalhadores,
com o Fundo de Garantia, compraram ações. E nós temos a obri-
gação de honrar os compromissos previdenciários da União. Como?
Com a Reforma Tributária e os impostos da sociedade brasileira.
Esse é o debate que estamos fazendo.

2. A Reforma da Previdência aprovada na Câmara dos Deputados fixou o teto para o


pagamento de remunerações no serviço público brasileiro. Após a promulgação da Re-
forma, nenhum servidor público receberá acima do salário do ministro do Supremo
Tribunal Federal, que, atualmente, é 17.343 reais. Nos estados e municípios foram
fixados subtetos para o Poder Judiciário (90,25% do salário do STF), o Poder Executivo
(salário do governador) e o Legislativo (salário do deputado estadual). No município,
nenhum servidor poderá ganhar mais do que o prefeito.

68
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Eli Iôla Gurgel Andrade

Estado e Previdência no Brasil:


uma breve história

1. Introdução

Para além de uma compreensão meramente fiscal da sustenta-


bilidade dos fundos públicos de provisão social no Brasil, a
prudencial advertência lançada por Marilena Chaui não deve ser
negligenciada:“A luta democrática e republicana está demarcada
agora pela luta pelo fundo público [recursos do Estado]”1.
Assim é a história da Previdência Social no Brasil: a constru-
ção do primeiro, grande e histórico fundo de provisão criado pelos
trabalhadores urbanos e tornado público nas teias da história polí-
tica brasileira. Há 80 anos, no início do século XX, ao mesmo tem-
po que a sociedade brasileira amanhecia para a era industrial, nas-
ciam, de um lado, as primeiras organizações previdenciárias autô-
nomas dos novos empregados urbanos, as Caixas de Aposentado-
rias e Pensões (CAPs) e, de outro, cunhava-se na história política
brasileira a primeira forma republicana do Estado.

1. CARIELLO, R. “Alta dos juros é aceitável, diz Chaui”. Folha de S.Paulo, São Paulo,
p. A8, 23 fev. 2003.

69
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

As organizações previdenciárias nasciam então da neces-


sidade dos trabalhadores – estreantes na nova organização da
produção industrial – de garantir bases solidárias para o provi-
mento de sua segurança futura, enquanto, do Estado, já nasci-
do, como expressão formal de vontades coletivas, passava-se a
esperar a responsabilidade pública pela provisão e pela prote-
ção social.
A partir de 1923, quando a Lei Elói Chaves passa a regula-
mentar pela primeira vez as Caixas de Aposentadoria e Pensões
dos trabalhadores, inaugura-se em ato contínuo a indissociabilidade
histórica entre a montagem de um Estado de bem-estar no Brasil
e a realidade das instituições previdenciárias.
E é por isso que não há como examinar as propostas de refor-
mas do sistema previdenciário brasileiro sem reconhecer, e sobre-
tudo enfrentar, a complexa trajetória de sua conexão, desde a ori-
gem, com a consolidação da face pública do Estado no Brasil.
Três movimentos de reformas institucionais interligam, nes-
ses últimos 80 anos, Previdência e Estado no Brasil.

2. A primeira reforma (1923-1966):


a transformação das Caixas (CAPs) em Institutos (IAPs)

A intervenção do Estado sobre as instituições previdenciárias,


a partir de sua regulamentação em 1923, é incisiva no sentido de
redirecionar a natureza de seus objetivos, gestão e organização, e
padrão de financiamento. A autonomia que então caracterizava a
organização das Caixas, sob administração colegiada paritária
constituída por representantes de empregados e empregadores
em cada empresa e mantida pela contribuição proporcional aos
vencimentos dos trabalhadores e à renda bruta da empresa, é
abalada em 1933 com a criação do primeiro instituto – o dos
“marítimos” (IAPM), sob forte apoio do governo de Getúlio Vargas.
O IAPM anunciava um novo sistema: organizado como uma
autarquia sob administração estatal, e tendo como base o territó-
rio nacional, passou também a contar de imediato com a contri-
buição paritária da União, configurando o chamado sistema tri-

70
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

partite2 de financiamento previdenciário. Na criação do IAPM, o


governo também inaugurou o conceito orçamentário de custeio
de sua contribuição, instituindo uma “taxa de previdência”, cor-
respondente a um imposto de 2% sobre produtos importados,
configurando-se como um incentivo direto à transformação das
Caixas em Institutos.
As conseqüências desta maior socialização do tributo pre-
videnciário conformam um fato histórico de especial significado para
o futuro do sistema no Brasil: com a instituição das cotas e taxas,
passou a ser necessária e legitimada a intervenção do Estado dire-
tamente sobre os mecanismos de arrecadação e gestão das entida-
des de Previdência.
Em 1936, o Decreto 890 concretizava esta nova direção, insti-
tuindo que todas as “cotas” e “taxas de Previdência” seriam recolhi-
das pelas respectivas empresas a uma mesma conta especial do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), no Banco
do Brasil; constituir-se-ia, com isso, um “pólo” financeiro por meio
do qual o MTIC pagaria a cada IAP ou Caixa a respectiva “contribui-
ção da União”; o saldo restante (quando ocorresse), juntamente com
outros recursos (provenientes de multas por infrações à legislação
previdenciária ou de outras “subvenções dos poderes públicos”),
passaria a constituir um “Fundo Geral de Garantia e Compensação
das Caixas e Institutos de Aposentadoria e Pensões” (art. 24), com
a finalidade de cobrir eventuais déficits de qualquer Instituto ou Cai-
xa. No intervalo, os recursos do fundo seriam “aplicados” em inves-
timentos rentáveis, pelo Conselho Nacional do Trabalho (CNT)3.
Ficava portanto instituída, de um lado, uma nova definição de
base financeira para o sistema previdenciário, resultante da combi-
nação de um regime de repartição (no qual o custeio estaria centrado

2. A contribuição tripartite – equiparação entre contribuição do governo com a de


empregados e empresa – foi instituída pelo Decreto-lei 20.465, de 01/10/31. Até a
criação do IAPM, a contribuição do governo era sustentada por cotas ou taxas cobradas
sobre o consumo de produtos das empresas envolvidas, o que, evidentemente, tinha
efeitos econômicos contraditórios.
3. O CNT fora instituído pelo Decreto 5.109, 20/12/1926, que regulamentava a gestão das
CAPS criadas pela Lei Elói Chaves de 1923 (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986:105).

71
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

nas receitas correntes de contribuições dos empregados, emprega-


dores e da União) – com um regime de capitalização das reservas
– do qual adviriam receitas de capital e patrimônio. De outro lado,
porém, criavam-se os mecanismos pelos quais o Estado passaria a
controlar diretamente os elevados saldos do sistema.
Assim, apesar de contar com um cenário no qual condições
econômico-financeiras e atuariais favoráveis combinavam-se a con-
dições institucionais inéditas para a constituição de uma sólida Pre-
vidência pública, vimos desenhar-se destino bem diverso para o
emergente “sistema” previdenciário e os volumosos superávits que
era capaz de acumular 4 (ANDRADE, 1999).

Gráfico 1
Previdência Social
Proporção anual despesas/receita (%)
Período: 1923 a 2002
120

100

80

60

40

20

0
1923
1924
1925
1926
1927
1928
1929
1930
1931
1932
1933
1934
1935
1936
1937
1938
1939
1940
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002

Receita completa Despesa completa

4. A partir de 1930, a política contencionista levada no interior das CAPS e posteriormen-


te nos AIP s chega a contabilizar superávits equivalentes a mais de 70% das receitas
arrecadadas (ANDRADE, E. I. G, 1999:47).

72
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

O desempenho econômico-financeiro das instituições previden-


ciárias, ilustrado no Gráfico 1, demonstra a surpreendente capacida-
de de geração de excedentes do conjunto das instituições previdenciá-
rias. Entre 1930 e 1949 os gastos de todos os institutos representa-
vam, em média, apenas 43% da arrecadação (área clara do gráfico),
liberando 67% da arrecadação para a formação de reservas.
De fato, dentro do conjunto de reformas e alterações no apa-
relho de Estado iniciadas nos anos 1930 e reforçadas no Estado
Novo, a montagem de um sistema de serviços centralmente con-
trolado – passível de extensão ao conjunto dos assalariados urba-
nos – fez do sistema previdenciário nascente a principal força auxi-
liar na consolidação do “novo” perfil do Estado. Pelo lado econô-
mico-financeiro, o controle sobre as reservas previdenciárias, des-
de os primeiros anos da década de 1930, transformam a Previdên-
cia no principal “sócio” do Estado no financiamento ao processo
de industrialização do país. De modo que, além de simplesmente
burlar a lei, deixando de repassar ao instituto a arrecadação das
cotas e taxas, nos montantes e prazos definidos, o governo passa a
intervir sobre a aplicação das reservas destinadas à capitalização,
dos seguintes modos:
• estabelecendo obrigatoriedade de aplicações em “pa-
péis” do governo, tais como títulos da dívida pública
ou ações das empresas estatais e semi-estatais que co-
meçavam a ser criadas;
• realizando transferência unilateral de bens imóveis ou
títulos da dívida pública para saldar partes da enorme
dívida da União5;
• os juros pagos pelo Estado aos recursos aplicados pela
Previdência em títulos públicos foram, não raramente,
negativos a partir de 1934;

5. Ao final de 1945, a dívida da União com as instituições da Previdência era, segundo


admitia o então presidente Eurico Gaspar Dutra, de Cr$ 839.541.052,10, corresponden-
te a aproximadamente 85% das despesas do conjunto das instituições no mesmo ano
(OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1986:142-148).

73
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

• concessão de anistias fiscais a empresas estatais em


débito com a Previdência;
• por último, e talvez o mais importante dos mecanis-
mos, a criação de dispositivos legais que permitiam que
o Estado orientasse a natureza dos investimentos das
instituições previdenciárias. Por meio dos decretos-leis
574, de 28/7/1938, e 3.077, de 26/2/1941, a princi-
pal agência de financiamento ao setor privado, a Car-
teira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do
Brasil (Creai), passou a dispor de recursos compulsó-
rios provenientes das instituições de Previdência So-
cial. Pelo Decreto-lei 1.834 de 14/12/1939, autoriza-
vam-se os fundos previdenciários a efetuar emprésti-
mos a pessoas físicas ou jurídicas em projetos de re-
florestamento, papel e celulose e material bélico.

Vários decretos trataram de impor a subscrição de ações pre-


ferenciais de empresas de interesse estratégico, tais como Compa-
nhia Siderúrgica Nacional (CSN), Companhia Hidroelétrica do São
Francisco (CHESF), Companhia Nacional de Álcalis (CNA), Fábrica
Nacional de Motores (FNM). O Decreto-lei 1.628 de 20/6/1952,
que criava o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE), instituía em seu artigo 7o a exigência de empréstimos com-
pulsórios das instituições de Previdência em montantes fixados pelo
Ministério da Fazenda.
Apesar de os dispositivos legais condicionarem que as reservas
não aplicadas pela Previdência deveriam ser necessariamente depo-
sitadas no Banco do Brasil, exceções foram abertas, também por
meio de decretos-leis, beneficiando principalmente bancos privados.
Em meados dos anos 1940, uma exigência se impõe ao novo
padrão de relacionamento entre o Estado e as instituições previdenciá-
rias: além da íntima parceria no financiamento ao processo de acu-
mulação industrial, a Previdência passa também a acumular uma ou-
tra função de Estado, qual seja, a de funcionar como estrutura
básica de montagem e sustentação de um Estado de bem-estar
na sociedade brasileira. Com a restauração do regime “liberal-de-

74
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

mocrático” em 1945, o sistema previdenciário sofre paulatinamente


uma reformulação nos pesos diferenciais de seus vínculos econômi-
cos e políticos: continuando como instrumento de captação de pou-
pança forçada, tem também que responder mais de perto à presença
de uma força social já existente, mas que agora reencontra canais de
pressão, que são as forças assalariadas (COHN, 1981).
A partir de 1950, o sistema começa adicionalmente a viver
problemas típicos de sua maturidade, ou seja, as contribuições e os
benefícios tendem a crescer desproporcionalmente. Entre 1950 e
1960, enquanto os contribuintes crescem na proporção de 100 para
142, os aposentados crescem de 100 para 289 e os pensionistas
de 100 para 223. Quando, em 1960, é finalmente promulgada a
primeira Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) – que uniformi-
zou os direitos dos segurados pelo teto dos padrões dos melhores
institutos –, o sistema previdenciário já dava sinais de enfraqueci-
mento de sua capacidade de acumulação de reservas.
Desenha-se, desse modo, um processo que se prolongará até
o início da década de 1970 e cujos resultados passarão a ser cha-
mados de “crise financeira” da Previdência Social. Uma crise fun-
damentalmente fincada em um novo padrão de gastos, que elevou
a despesa previdenciária para patamares médios de 68% da arre-
cadação média anual entre os anos de 1950 e 1966 (Gráfico 1),
convertendo praticamente a capacidade de geração de excedentes
do período anterior em aumento geral das despesas.

2. A segunda reforma (1966 a 1979): unificação e


estatização do sistema previdenciário

Em 1966, uma intervenção conduzida pelo governo militar ins-


taurado em 1964 impõe de fato a unificação do conjunto dos insti-
tutos de Previdência, criando o Instituto Nacional de Previdência
Social – INPS. Após a criação do INPS em 1966, e até o início da
década de 1980, a Previdência Social funcionará, de um lado, como
política inclusiva capaz de aliviar tensões sociais inerentes aos pa-
drões de crescimento econômico altamente excludentes postos em
marcha sob o regime militar. Por isso, sucessivas ações são desen-

75
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

volvidas no sentido da extensão de cobertura e benefícios previden-


ciários, tais como:
• integração dos segurados contra acidentes de trabalho
ao INPS, em 1967;
• extensão de cobertura previdenciária aos trabalhado-
res da zona canavieira do Nordeste em 1969;
• criação, em 1971, do Programa de Assistência ao Tra-
balhador Rural (Prorural), para destinação de fundos
para a manutenção do Fundo de Assistência ao Tra-
balhador Rural (Funrural), estendendo-se então a Pre-
vidência Social aos trabalhadores rurais de todo o país;
• extensão dos benefícios da Previdência às empregadas
domésticas em 1972, e para os autônomos em 19736.

De outro lado, quanto à expansão dos serviços de natureza


assistencial, coube ao sistema previdenciário, a partir de meados dos
anos 1960, um papel duplamente fundamental: o sistema passa a
responsabilizar-se não só pela prestação de assistência médica aos
segurados da Previdência, como também pela expansão da cobertu-
ra dessa assistência, colocando-se na condição de “sócio provedor”
do chamado “complexo médico-industrial-previdenciário”. Este,
constituindo-se como uma articulação específica entre o Estado e o
setor privado de prestação de serviços de saúde, foi responsável
pela expansão da assistência médica individual no Brasil.
A centralização de todo o aparato previdenciário no INPS sig-
nificou uma expansão inédita do gasto em medicina previdenciária,
criando condições de escala para a expansão capitalista da rede de
serviços privados, propiciando que o conjunto das empresas médi-
cas expandisse sua capacidade hospitalar e ambulatorial, voltada
basicamente para o mercado financiado pelo INPS. Entre 1969 e
1976, os gastos do INPS com assistência ambulatorial cresceram

6. Desta forma, ficava coberto o conjunto dos trabalhadores urbanos, apenas excetuan-
do-se os trabalhadores do setor informal, que, no entanto, ganham o direito à assistência
médica previdenciária em 1974.

76
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

400%, enquanto na área hospitalar a expansão foi de 184,7%


(BRAGA E PAULA, 1986).
A incorporação de políticas sociais na estratégia governamen-
tal-previdenciária, além de exigir intensificação da cobertura e amplia-
ção dos benefícios, passa também a requisitar medidas legais e de
caráter administrativo, que se concretizam em 1974, com a transfor-
mação da Previdência Social em Ministério da Previdência e Assis-
tência Social (MPAS), e, finalmente, com a criação do Sistema Nacio-
nal de Previdência e Assistência Social (Sinpas)7 em 1977, sinali-
zando, objetivamente, a tendência à adoção de um modelo institucional
mais amplo de seguridade.
A criação do Sinpas – objetivando a reorganização e a racio-
nalização para enfrentar aspectos financeiros críticos originados pela
espetacular expansão dos gastos com assistência médica – confi-
gura-se como reconhecimento formal de que o boom do complexo
médico-previdenciário começava a ameaçar o equilíbrio financeiro
da Previdência Social, seu principal financiador.
Com o Sinpas, o Estado tentou solucionar uma contradição
que ele mesmo tinha ajudado a gerar: de um lado, o gasto com a
medicina previdenciária era impossível de ser contido diante de uma
demanda ilimitada; de outro, a cristalização de mecanismos de pres-
são dos setores privados dentro do próprio sistema tornava cada
vez mais caras as ações de medicina previdenciária, ameaçando de
estrangulamento o próprio INPS.
A esta altura, já se tornava impossível manter a restrição de
cobertura de atendimento do INAMPS (Instituto Nacional de Assistên-
cia Médica da Previdência Social) apenas ao contingente de segura-
dos, ou seja, aos trabalhadores com vínculos formais de trabalho.

7. O Sinpas seria subordinado ao MPAS, tendo a finalidade de concessão e manutenção de


benefícios e prestação de serviços, custeio de atividades e programas, gestão administra-
tiva, financeira e patrimonial, sendo composto pelos seguintes órgãos: IAPAS (Instituto de
Administração Financeira da Previdência e Assistência Social), INAMPS, LBA (Legião Bra-
sileira de Assistência), FUNABEN (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor), Dataprev
(Empresa de Tecnologia e Informações de Previdência Social), Ceme (Central de Medi-
camentos) e o Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS).

77
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

Os resultados econômico-financeiros do período 1967-1979


foram, no entanto, devastadores para a história do sistema público
de Previdência no Brasil. Como se pode observar no Gráfico 1, o
ano de 1967 – o primeiro ano da unificação imposta – foi também
o primeiro em que se registra déficit na história do sistema, desde
sua criação na década de 1920. O padrão de gastos no período
consumiu 93% da arrecadação previdenciária anual, em despesas
de natureza praticamente não identificáveis8.
Ao final da década de 1970, junto à desintegração do regime
militar e ao agravamento da crise econômica, movimentos políticos
contestatórios passam a eclodir para além dos limites institucionais,
técnicos e acadêmicos, entre os quais o de reivindicação da rever-
são do modelo de privilegiamento dos produtores privados de ser-
viços de saúde.
Nos primeiros anos da década de 1980, já em pleno perío-
do recessivo, vem à tona “a crise da Previdência Social”, num
alardeado reconhecimento oficial de que o sistema já se tornava
incapaz de sustentar o padrão de gastos montado no período an-
terior. Contando com o estímulo dos vários escalões do governo,
poucos assuntos nas políticas públicas foram tão despudorada-
mente devassados como a crise da Previdência naquele momento,
o que, se de um lado produzia o efeito desejado de gerar a neces-
sária aceitação para medidas contencionistas na opinião pública,
de outro serviu também para disseminar a desconfiança sobre a
administração pública (ineficiente e irracional) da Previdência, num
verdadeiro efeito bumerangue.
Tratava-se, evidentemente, de barrar o reconhecimento de uma
contradição estrutural engendrada pela própria direção imposta pelo
Estado ao conjunto do sistema previdenciário: a crescente expan-
são da cobertura previdenciária (entre 1967 e 1979), sem assegu-
rar-se alterações no mesmo sentido para a restrita base de susten-
tação financeira.

8. O Anuário Estatístico do Brasil (AEB), a principal fonte histórica sobre a Previdência


brasileira, não publicou nenhuma informação sobre a arrecadação previdenciária entre
1978 e 1992.

78
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

De fato, o principal suporte financeiro da expansão do com-


plexo médico-previdenciário, ao longo daquele período, esteve
quase exclusivamente ancorado na receita do então INPS, integrada
formalmente pela contribuição de empregados e empregadores do
segmento urbano da economia nacional.
O longo ciclo de estagnação econômica que se inicia entre
1981 e 1983, somado a novos componentes político-institucionais
da realidade brasileira e internacional a partir de então, estabelece-
rão novos parâmetros para a sustentabilidade estrutural da então
sexagenária Previdência brasileira.

3. A terceira reforma (décadas de 1980 e 1990):


resistências à instituição da Seguridade Social

Ao abrir-se a década de 1980, o mundo já era outro. Nos


sombrios primeiros anos da década (hoje denominada “perdida”),
a sociedade brasileira despertou para a urgência de suas demandas
sociais. E, ao final daqueles anos, em 1988, uma nova Constituição
tratava de expressar nos artigos (arts. 194 e 195) destinados à
criação da Seguridade Social a decisão coletiva de não mais com-
patibilizar exclusão e desenvolvimento (VIANNA, 1998).
Uma sombra de incerteza se estende sobre a nova Constitui-
ção desde o momento da sua promulgação: estabelecia-se o perío-
do até outubro de 1993 como prazo final para sua revisão (inclusi-
ve na íntegra), pela maioria simples do Congresso eleito em 1990.
Nesse mesmo ano, inicia-se o desmonte do Sinpas, criado em 1977,
mediante a extinção do Ministério do Trabalho e do Ministério da
Previdência e Assistência Social. Também extintos foram o INPS e o
IAPAS, e substituídos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS);
o INAMPS foi transferido para o Ministério da Saúde, até ser extinto
em 1993.
Ainda em 1990, são sancionadas as Leis 8.112 e 8.113, res-
pectivamente regulamentando a Constituição com respeito aos be-
nefícios e ao custeio da Previdência Social. A Lei 8.112/90 tam-
bém instituiu o novo Regime Jurídico Único (RJU), responsável pela
equiparação imediata dos direitos dos funcionários públicos então

79
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

celetistas aos antigos estatutários, ou seja: direitos referentes a


contagem de tempo, estabilidade, integralidade entre proventos e
salários; paridade entre ativos e inativos, entre outros benefícios.
Nenhuma instituição específica foi criada para gerir o sistema pró-
prio dos servidores públicos, e tanto as receitas quanto as despe-
sas passaram a vincular-se ao órgão/esfera de origem de cada ser-
vidor inativo9.
Em janeiro de 1992, é formada uma Comissão Especial para
Estudo do Sistema Previdenciário no Congresso e, em 1993, ins-
taura-se o processo de revisão constitucional. Nada menos que
17.246 propostas de emendas constitucionais foram apresentadas,
deixando de alterar apenas 4 dos então 245 artigos que compu-
nham o texto permanente e os 70 da parte transitória (ANFIP, 1994).
Nesse cenário difuso que mais se assemelhava à elaboração de
uma nova Constituição, somado a crescentes descontinuidades po-
líticas, a revisão é remetida a um certo “limbo”, do qual só sairia no
início de 1995, com o envio da Proposta de Emenda Constitucio-
nal 21/95, no primeiro governo FHC.
O processo truncado de tramitação da PEC-21/95 terminou
em seu desdobramento em outras quatro (PEC-30, PEC-31, PEC-32,
PEC-33)10. Diante da crescente oposição à sua proposta e da rejei-
ção de vários aspectos na Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara dos Deputados, o governo passa a uma atitude protelatória
para sua votação no Congresso.
Os primeiros anos da década de 1990 também foram mar-
cantes para a delimitação de novos condicionantes políticos para a
organização dos Estados de bem-estar social, especialmente para
a América Latina.

9. Em 1993, os funcionários públicos passam a contribuir com 11% sobre a remuneração


bruta.
10. Tal proposta incluía desde a pretensão de “transferir para o presidente da República,
com exclusividade, a competência para propor projetos de lei em matéria de custeio da
seguridade social” (PEC-30); a PEC-31, que propunha quebra de sigilo bancário dos devedo-
res da Previdência; até a PEC-32, propondo a substituição do caráter universal e gratuito
da prestação de serviços de saúde (PEDROZA, 1995).

80
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Finalmente se faziam ouvir por aqui os ecos da chamada


“modernização conservadora”: reformas estruturais de cunho
neoliberal, irradiadas a partir dos governos Reagan-Thatcher,
centradas na desregulamentação dos mercados, na abertura co-
mercial e financeira, na privatização do setor público e na redução
do Estado (TAVARES e FIORI, 1993).
Como afirma Mesa-Lago (1997), tradicionalmente os objeti-
vos dos sistemas de seguridade públicos eram sociais: manutenção
da renda na velhice, invalidez e morte, solidariedade entre gera-
ções, entre outros. A crise econômica e da Seguridade Social, se-
guida dos programas de ajustes estruturais, promoveu o interesse
dos organismos financeiros internacionais em relação à montagem
desses programas: em primeiro lugar o Fundo Monetário Internacio-
nal (FMI) e o Banco Mundial (Bird), seguidos do Banco Interame-
ricano de Desenvolvimento (BID) e da Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal).
Os objetivos econômico-financeiros passam a prevalecer nas
avaliações dos sistemas de proteção públicos-sociais: altas contri-
buições sobre os salários, evasão e atrasos, dotação inadequada
de recursos fiscais, perda de capacidade de poupança, pesada e
crescente dívida beneficiária, estímulo ao déficit fiscal e à inflação
e, como resultado geral, impacto negativo no crescimento econô-
mico, na produtividade e no emprego.
Do ponto de vista das agências internacionais, a substituição
dos sistemas públicos por sistemas privados eliminaria esses pro-
blemas e incrementaria a poupança nacional, o mercado de capi-
tais, o rendimento real dos investimentos, o desenvolvimento eco-
nômico e a criação de empregos, que, por sua vez, garantiriam
benefícios adequados e eqüitativos (MESA-LAGO, 1997: 44-63).
Em meados de 1994, o Banco Mundial e o FMI patrocinaram
conjuntamente uma reunião, com a participação de funcionários de
39 países latino-americanos (Brasil incluído), para divulgar o infor-
me preparado pelo Bird, intitulado: “Envelhecimento sem crise:
políticas para a proteção dos idosos e promoção do crescimento”,
no qual é proposto um novo paradigma para as reformas dos siste-
mas públicos previdenciários.

81
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

Sucintamente, o modelo apresentava uma taxonomia direta-


mente inspirada na experiência chilena, procurando demonstrar,
acima de tudo, que os sistemas públicos de benefícios fracassa-
ram, tanto do ponto de vista social como do econômico, passando
então a recomendar o chamado “modelo de três pilares”: um pri-
meiro pilar social-distributivo, público, com benefício básico; um
segundo voltado para formação de poupança individual e organiza-
do na forma de fundos privados de capitalização; e um terceiro
pilar constituído de poupança voluntária tradicional.
No Brasil, a PEC-33/95, após tramitar por 16 meses entre as
Comissões e o plenário da Câmara, foi redirecionada para o Sena-
do Federal, por meio de um substitutivo apresentado pelo relator,
senador Beni Veras. Este substitutivo resultou na Emenda 20 de
Reforma Previdenciária, finalmente aprovada em dezembro 1998.
Resumindo brevemente suas diretrizes principais, pode-se di-
zer que a primeira direção a ser ressaltada é a de cada vez mais
afastar-se do arcabouço institucional da Seguridade Social enquanto
um sistema envolvendo ações integradas relativas à Saúde, à Pre-
vidência e à Assistência Social, pelo privilegiamento de reformas
previdenciárias pontuais, de caráter eminentemente fiscal.
As reformas previdenciárias, de fato, ainda continuam a anco-
rar um conjunto de medidas econômicas, fiscais e políticas, seja como
medida de contenção de déficits do setor público, seja como uma
espécie de moeda de barganha, sem a qual, supostamente, se
esgarçaria a confiança dos organismos internacionais na efetividade
das políticas saneadoras impostas. No caso brasileiro, este segundo
aspecto da política parece prevalecer sobre qualquer outro. Senão
vejamos. Os resultados práticos da reforma sintetizada na Emenda
20/98 podem ser vislumbrados no Gráfico 1: a partir de 1995, a
Previdência Social ou Regime Geral da Previdência Social (RGPS)
passa a não apresentar saldos positivos, demonstrando que, além de
a arrecadação anual não cobrir as despesas com benefícios, cada
vez mais são necessários “repasses da União” (leia-se recursos do
orçamento da Seguridade Social). As causas estruturais desta queda
na arrecadação não são tão divulgadas quanto os déficits gerados
por ela, ou seja, a Previdência contava em 2001 com a contribuição

82
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

de apenas cerca de 42% da população economicamente ocupada


no país, além de apresentar, em anos recentes (1997-2001)11, uma
significativa diminuição da participação das contribuições devidas pelas
empresas, no conjunto da arrecadação líquida do RGPS.
Por outro lado, a reforma apresentada pelo governo Lula por
meio da PEC-40/03, designada como PEC-67/03 no Senado Federal,
parte da constatação de que os regimes próprios dos servidores
públicos, por abrigarem privilégios iníquos, não apenas colocam em
xeque sua própria sobrevivência, como ocupam papel destacado no
desajuste das finanças públicas, bloqueando gastos na área social e
investimentos em infra-estrutura. No conjunto da proposta de refor-
ma, a criação de Fundos de Pensão complementar para os funcioná-
rios públicos representará, segundo a proposta do governo, uma
alavancagem na formação de poupança interna, que por sua vez fi-
nanciará um novo período de crescimento econômico12.
Tudo se passa como se a história de criação de um fundo
público de provisão de bem-estar na sociedade brasileira se pu-
sesse a andar ao revés, ou seja, após percorrermos 80 anos transi-
tando dos fundos de provisão corporativos (CAPs e IAPs) para a
construção de um fundo público e universal de provimento do nos-
so Estado de bem-estar, que sempre foi mínimo, e só se expandiu,
teoricamente, na Constituição de 1988, nos deparamos agora com
a iminência de reconstrução dos novos-velhos, e sempre corpo-
rativos, Fundos de Pensão. Só que, agora, numa ambiência de in-
certezas (radicalmente distinta da das primeiras décadas do sécu-
lo passado), em que até mesmo as relações de trabalho – elemento
fundante da maioria dos sistemas de welfare state no mundo –
parecem cada dia mais fragmentar-se na contingência dos contra-
tos da sobrevivência possível.

11. A participação da arrecadação de empresas sobre a arrecadação líquida do INSS caiu de


94,52%, em 1997, para 73,56%, em 2001 (INSS , 2002).
12. Um aspecto intrigante é que a “economia” de recursos estimados pelo Ministério da
Previdência e Assistência Social com a reforma no segmento do funcionalismo federal
atinja algo em torno de 52 bilhões de reais nos próximos 30 anos, ante um déficit anual
(projetado para 2003) da ordem 30,1 bilhões de reais.

83
E STADO E P REVIDÊNCIA NO BRASIL: UMA BREVE HISTÓRIA

Referências bibliográficas

ANDRADE, Eli I. G. (Des)Equilíbrio da Previdência Social Brasi-


leira; componente econômico, demográfico e institucional.
1945-1997. Tese de doutorado, CEDEPLAR/FACE/UFMG, 1999.
Tese premiada pelo VII Prêmio Brasil de Economia. Primeiro
lugar na Categoria Tese de Doutorado, Conselho Federal de
Economia, 2000.
ANFIP na Revisão Constitucional. Brasília, Associação Nacional
de Fiscais Previdenciários, Brasília, 1994, p. 11.
BRAGA, J. C. S. e PAULA, S.G. Saúde e previdência: estudos de
política social. São Paulo, Hucitec, 1986.
COHN, A. Previdência social e processo político no Brasil. São
Paulo, Moderna, 1981.
FIORI, J. L. “Ajuste, transição e governabilidade: o enigma brasilei-
ro”. In: TAVARES M. C. e FIORI J. L.: (Des)ajuste global e
modernização conservadora. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1993, p. 127-187.
INSS/MPAS. Anuário Estatístico da Previdência Social (1992-
2002).
INSS/MPAS. Estudos da Arrecadação. Análise comparativa da arre-
cadação – 1997 a 2001. Diretoria de Arrecadação, 2002.
MESA-LAGO, C. “As reformas da seguridade social na América Latina
e os posicionamentos dos organismos internacionais”. In: De-
bate internacional sobre a seguridade social; conjuntura
social. Ed. Esp. Brasília, MPAS, 1997.
OLIVEIRA J. A. A. e TEIXEIRA, S. M. F. (Im)previdência social: 60
anos de história de previdência no Brasil. Petrópolis, Vozes/
ABRASCO, 1986.
PEDROZA, R. B.O. “A Nova Reforma da Previdência Social”. Es-
tudos e Pesquisas IPROS, 1, São Paulo, 1995.
VIANNA, M. L. W. A americanização (perversa) da Seguridade
Social brasileira. Estratégias de bem-estar e políticas pú-
blicas. Rio de Janeiro, Revan/IUPERJ-UCAM, 1998.

84
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Arlindo Chinaglia

História da Previdência Social

A história da Previdência Social no Brasil é uma história de


inclusão social. O Regime Geral de Previdência é o maior progra-
ma de distribuição de renda do país e do mundo ocidental, porque
quem pode mais paga mais; quem pode menos paga menos. É mais
importante que qualquer programa existente no Brasil, inclusive os
de política compensatória.
Com seus benefícios, 18 milhões de brasileiros deixam de es-
tar abaixo da linha de pobreza. Ao mesmo tempo, em 70% dos
municípios brasileiros, o pagamento dos benefícios previdenciários
supera os repasses provenientes do Fundo de Participação dos
Municípios. Conclusão: nos municípios brasileiros mais longínquos
e mais pobres, a Previdência Social tem um altíssimo valor, como
realmente deve ter.
Digo isso porque também fazem parte da história da Previ-
dência brasileira a renúncia fiscal, as sonegações, as fraudes, o per-
dão de multas, ou seja, o desvio continuado de verbas. Então te-
mos de afirmar para o povo brasileiro que, de fato, não vamos
parar nessas primeiras medidas que serão aprovadas. Esse tem de
ser o nosso compromisso.

85
H ISTÓRIA DA P REVIDÊNCIA SOCIAL

Outro problema é que freqüentemente há alterações das re-


gras de aposentadorias, os reajustes e os benefícios são notoria-
mente insuficientes, o que mina a credibilidade do sistema. Então, é
muito comum falar de fila do INSS, é muito comum fazer piada, mas
isso vai criando uma cultura que é ruim para o povo brasileiro, por-
que por trás da brincadeira muitas vezes há grandes interesses eco-
nômicos e financeiros.
Pois bem, a Reforma da Previdência está essencialmente con-
centrada no chamado Regime Próprio de Previdência dos Servido-
res. E aí cabe a observação: o Regime Próprio de Previdência dos
Servidores, na verdade, ainda não é um sistema. Na minha opinião,
ele seria mais bem definido como semiprevidenciário ou administra-
tivo, pois nunca houve um plano em que se calculasse com quanto o
Estado teria de contribuir, de quanto seria a contribuição do servidor,
por quanto tempo, e que benefícios haveria. Isso nunca existiu. Como
já foi dito, faz parte do contrato de trabalho do servidor que – uma
vez trabalhando – ele teria – e tem – a aposentadoria integral.
A Reforma da Previdência, como está proposto, primeiro traz
o fim da integralidade, ou seja, depois de cumprido o tempo de
serviço e de contribuição, o servidor receberia a aposentadoria pelo
seu último salário. Isso vai acabar. Vai mudar também o cálculo do
benefício, porque, além da integralidade, no caso dos servidores,
há algo chamado paridade, ou seja, se houver uma reestruturação
de carreira para os servidores da ativa, quem está aposentado tam-
bém será incluído nela. Se houver reajuste para o pessoal da ativa,
será repassado integralmente para o aposentado, que, portanto,
ganhará o mesmo que os ativos sempre.
O que ocorre com o fim da integralidade e da paridade? Na
Proposta de Emenda Constitucional, são instituídos os Fundos de
Pensão, que são uma precondição para haver o teto do benefício
para o Regime Próprio do Servidor, a exemplo do que ocorre no
Regime Geral. Então, o ponto de encontro dos regimes é o objeti-
vo final do nosso governo. Na verdade, neste momento, buscamos
uma aproximação de regras e aquela que, de fato, equilibra, identi-
fica os dois projetos, os dois regimes, é o teto de 2.400 reais, se-
gundo a proposta. Hoje ele é de 1.561 reais.

86
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

A proposta amplia requisitos para a concessão de benefícios.


Esse é um dos itens que ainda não recebeu a devida atenção. Na
minha opinião, isso é muito mais contundente do que a questão da
contribuição dos inativos. Com a aprovação da Emenda Constitucio-
nal 20, em 1998, se estabeleceu a idade mínima de aposentadoria
para o servidor – 60 anos para os homens e 55 anos para as mulhe-
res. O governo perdeu naquela época a votação de idade mínima
para o Regime Geral, então fez-se uma transição. Porque, sem tran-
sição, imagine-se: um homem que estava com 53 anos de idade e 35
anos de contribuição precisaria trabalhar mais 7 anos. Então, os ho-
mens que estavam com 50 anos tiveram de ir até 53, e as mulheres
com 45 tiveram de ir até os 48 anos. Foi feita uma transição.
Na atual proposta, essa transição acaba. Que situação isso
pode gerar? Alguém que já trabalhou 35 anos, já contribuiu, já teria
direito por tempo de contribuição. Mas se faltar um dia para com-
pletar 53 anos de idade, no caso do homem, e ele for atropelado,
pela promulgação da Emenda, terá de trabalhar mais 7 anos. E isso
não é justo, pelo que nós sempre defendemos.
Na proposta, as pensões também serão limitadas a até 70%,
ou seja, podem ser menores do que 70%. Há dois problemas aí. O
primeiro é linear: uma coisa é uma viúva – mulher vive mais – que
vai receber uma aposentadoria de, digamos,10 mil reais. Acho ra-
zoável ela não receber uma pensão tão alta. Agora, para quem
ganhar 700, 800, 500 reais, um corte de 30% é evidentemente
alto. Portanto, quero chamar a atenção para isso, que nós da ban-
cada do PT temos discutido.
E temos aí também um outro problema: no Regime Geral não
há redução da pensão. Qual é a diferença? É que no Regime Geral
a pensão é no máximo o teto, ou seja, 1.561 reais. Então, para
poder equilibrar – porque senão fica pior para os servidores do
que está para a iniciativa privada –, se vier a se reduzir a pensão,
terá de ser acima do teto proposto.
Outro ponto da proposta é a submissão dos benefícios ao teto
do Regime Geral, que já comentamos, mas há uma questão ainda
não comentada. O cálculo do benefício será pela totalidade das re-
munerações do servidor, tanto no Regime Geral quanto no Regime

87
H ISTÓRIA DA P REVIDÊNCIA SOCIAL

Próprio. Vamos supor alguém que pode ter 20 anos como servidor
mas também 15 anos na iniciativa privada. Como é que vai ser feito
o cálculo? Vai ser a totalidade das contribuições, uma média no Re-
gime Geral e uma média no Regime Próprio. A média do Regime
Geral será naturalmente menor, porque já tem o teto. E além desse
problema, que vai jogar o valor muito para baixo, vai considerar
100% das contribuições. No Regime Geral são considerados 80%
das contribuições e desprezados os 20% piores. Então agrava para
o servidor aqui também. Está pior para o servidor.
Há um outro problema, essa proposta é tecnicamente irreali-
zável na nossa opinião. Por quê? Como saber a remuneração de
20 anos atrás, na iniciativa privada, ou mesmo em outro Regime
Próprio? Esses dados não existem. É por isso que na Emenda Cons-
titucional 20 estabeleceu-se que o cálculo seria feito a partir de
1994, no caso do Regime Geral.
Também se propõe a contribuição dos atuais e dos novos ina-
tivos. A proposta para os atuais inativos é uma contribuição a partir
de 1.058 reais, que é a faixa de isenção do imposto de renda. Para
os futuros aposentados, os atuais servidores públicos, a taxa de
isenção vai até o teto de 2.400 reais. Qual é a justificativa para
isso? É que quem já se aposentou muito provavelmente contribuiu
menos do que a atual geração. Aliás, a atual geração de servidores
será aquela mais penalizada, de acordo com essa proposta, se não
houver alguns ajustes.
A PEC 40 propõe a ampliação do teto do Regime Geral. Já foi
dito que se vai cobrar mais da iniciativa privada e o benefício só
virá lá na frente. Porém, ao aumentar a contribuição, primeiro, o
Regime Geral é fortalecido. Segundo, diminui-se a margem de Pre-
vidência complementar privada, aberta, no caso do Regime Geral
da Previdência, e fechada, no caso dos Regimes Próprios. No caso
dos servidores públicos, gostaria de discutir na bancada e com o
nosso governo, para tentarmos instituir uma mudança na Constitui-
ção de maneira a tornar possível, além da Previdência complemen-
tar privada, uma Previdência complementar pública, aquilo que
genericamente chama-se de fundos públicos. Evidentemente, isso
tem de ser trabalhado da maneira mais adequada.

88
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Outro ponto redefine o teto de remuneração do setor público,


criando tetos e subtetos nos estados e municípios. Isso é funda-
mental. É verdade, via de regra, quando a imprensa divulga que há
uma aposentadoria de 50 mil, outra de 40 mil, outra de 30 mil reais.
Porém, isso é insignificante devido ao número dessas aposentado-
rias, apesar de ser imoral, apesar de ser indecente, e nós vamos
acabar com isso pelo estabelecimento desse teto. Por que isso não
foi feito? Porque os três Poderes deveriam ter um teto máximo de
proventos e, como conseqüência, de benefícios.
Então essa proposta tem esse mérito, louvável, de estabelecer
tetos e subtetos. Mas, de qualquer maneira, temos de levar em
conta o Supremo Tribunal Federal, que sempre reagiu vigorosamente
a uma eventual redução do salário de seus ministros. E, com refe-
rência aos subtetos para os estados, o teto, em âmbito nacional, vai
ser dado pelo salário dos ministros do Supremo.
Nos estados e municípios, o maior salário será o dos gover-
nadores e prefeitos e, por conseguinte, os maiores benefícios serão
deles. Não quero entrar no aspecto da constitucionalidade disso,
porque é uma discussão que não tem fim. Enfim, muitas coisas só
serão resolvidas no Supremo Tribunal Federal.

Contribuição dos inativos

Quanto à contribuição dos inativos, vejo vários problemas.


Primeiro, a bancada do PT e o PT, que têm uma notória dificuldade
em aceitar isso. De minha parte, eu também tenho. Bem, não me
repugna que os atuais aposentados tenham de contribuir, porque houve
uma enorme permissividade anteriormente – e a culpa não está em
quem se aposentou, porque quem estabelecia as regras era o Esta-
do. Então não dá para culpar o servidor agora. Mas, no sentido de
criar uma sociedade solidária, não vejo problema em aquele que
tem a sobrevivência garantida pagar para sustentar o regime.
Mas é bom levar-se em conta que não há nenhuma experiência
de contribuição de inativo no mundo. Portanto é difícil apresentar
essa novidade e fazer a defesa do nosso governo. Por uma questão
de ordem política, é preciso haver muita reflexão sobre isso.

89
H ISTÓRIA DA P REVIDÊNCIA SOCIAL

Outro problema em relação à contribuição dos inativos ocor-


rerá se propusermos sua continuidade como está na proposta, no
item 18. É que como – para haver o teto – é preciso criar um
regime de Previdência complementar, se o ente federado (municí-
pio, estado ou União) não fizer isso, então vai-se continuar a rece-
ber, não integralmente, mas acima do teto estabelecido, com as
novas regras de cálculo. Mas está prevista a cobrança dos futuros
servidores, quando eles se aposentarem.
Aí há uma falha técnica, uma contradição total do ponto de
vista atuarial e de concepção previdenciária. Porque a Constituição
e o nosso governo dizem que é necessário – e nós estamos sofren-
do para bancar algo que até então não era da história do Brasil –
buscar o equilíbrio fiscal e atuarial, de responsabilidade do Estado.
Isso, portanto, tem implicações conceituais. Para bancar isso te-
mos de ser coerentes. Então ninguém pode imaginar que vai criar
um novo sistema e que ele vai ser falho atuarial e financeiramente, a
ponto de se precisar cobrar os inativos lá na frente. Acho que isso
tem uma dimensão equivocada tecnicamente. Atribuo isso a uma
falha de concepção.
Por que isso é importante? Porque existe um debate políti-
co e nós não podemos errar. Quando eu via a campanha publici-
tária do nosso governo sobre a Reforma da Previdência na tele-
visão, normalmente desligava a TV, porque aquilo me dava um
certo mal-estar, e vou dizer o porquê. Por que derrotamos o
Fernando Henrique Cardoso? Porque, em 1995, apresentamos
uma proposta que em grande medida está respaldada agora, com
ajustes. Mas, no todo, está bancada por decisões partidárias. Mas
qual é o problema? Onde Fernando Henrique errou feio e nós
vencemos o debate?
Primeiro, ele dizia que a Previdência estava quebrada. Nós,
então, defendíamos a auditoria do Tribunal de Contas da União,
auditoria externa, apresentamos as contas e ganhamos esse debate
sobre a questão da existência ou não de um déficit. Ganhamos o
debate naquele momento porque eles foram incompetentes politi-
camente. Porque sustentavam que a Previdência estava quebrada e
nós provamos que não estava. Diziam que o servidor era privilegia-

90
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

do e nós provamos que não. Quer dizer, nisso o nosso governo não
entrou nem pode entrar.
O que representa a questão do superávit do Regime Geral? A
Seguridade Social, que é uma tese cara para todos nós, envolve
Previdência, Saúde e Assistência Social. Então, quando se fala do
dinheiro da Seguridade Social, fala-se de uma mistura, de algo que
não existe, porque a Seguridade Social é o Regime Geral, é para os
trabalhadores da iniciativa privada. Então, dizem que o superávit
que foi de 32 bilhões de reais, em 2002, dá para pagar todas as
aposentadorias do Regime Geral, e dá para pagar também a dos
servidores públicos federais, civis e militares. Ou seja, o superávit
da Seguridade é dessa monta.
Porém, esse superávit precisa ser relativizado. Só existe esse
suposto superávit porque é pouco o dinheiro que vai para a Saúde,
para a Assistência Social, e os benefícios pagos pela Previdência
também são baixos. Então não dá para levarmos às últimas conse-
qüências a tese do superávit. Ela serve apenas para provar que,
mantido aquele cálculo do Fernando Henrique, evidentemente há
dinheiro de sobra, não dá para falar em quebra. Agora, também
não dá para dizer que não é preciso fazer reformas.
Mas, quando o Ministério fala de déficit de 17 milhões de
reais no Regime Geral, ele está considerando a conta específica da
Previdência Social, não o orçamento da Seguridade. É quanto os
trabalhadores pagam, quanto as empresas pagam, qual é o valor
do benefício do outro lado... Essa conta não fecha, aí é que se
deve aportar 17 bilhões de reais. De onde sai esse dinheiro? É mais
do que suficiente sair da Seguridade Social. É por isso que esse
debate sobre déficit ou superávit não contempla todas as nuanças,
mas serve como argumento. Para nós foi útil. O governo anterior
não conseguiu escapar disso.
Vamos ao déficit dos regimes próprios: 56,3 bilhões de reais.
Aqui também há um erro. Uma pessoa que se torna servidor público
vai trabalhar na sua repartição, cumprir com suas obrigações. Se
cobram dele ou não, não é ele que decide. Como isso não foi feito...
Primeiro, não há um sistema que diz que tem de se pagar tanto, du-
rante tanto tempo. Segundo, o Estado nunca fez o aporte dos seus

91
H ISTÓRIA DA P REVIDÊNCIA SOCIAL

recursos. Terceiro, mesmo havendo esse déficit, nesse aspecto de


quanto contribui e quanto recebe, isso é recente, data de dezembro
de 1993. A regulamentação foi em 1991 e em 1993 começou o
pagamento. Então, é querer analisar o filme todo por uma fotografia.
Mas são apenas argumentos contábeis com alto conteúdo político.
Não é por isso que a reforma tem de ser feita. É para se obter
um equilíbrio global. Ou seja, o Brasil não é só a Previdência, não
é só saúde, não é só assistência. Também é segurança pública,
transporte, estrada, moradia etc.
Como disse em outra ocasião nosso companheiro de bancada
Chico Alencar, do Rio de Janeiro, o epicentro da proposta não é a
Reforma Previdenciária. O que é, então, de fato? É que, ao buscar
equilibrar as finanças públicas como um todo, aí vêm superávit pri-
mário, contratos internacionais, Previdência, necessidade de inves-
timento... É disso que estamos falando.
Ninguém encontrará eco em mim se disser que essa propos-
ta não tem o sentido de ajuste. E, se não fosse necessário esse
ajuste, não iríamos fazê-lo. Era melhor ampliar benefícios, ganhar
o eleitorado. Vejam-se as várias reações na nossa bancada, no PT,
fora dele. Esse é um tema a ser trabalhado politicamente, de forma
bastante precisa.
Vamos a outra questão: homogeneização do Regime Geral da
Previdência Social com os Regimes Próprios dos Servidores. Vale
a pena entrar nesse ponto só para provocar algumas reflexões. Isso
é dado como resolvido no PT, mas creio que merece algumas ob-
servações. O que leva o governo brasileiro – corretamente na mi-
nha opinião – a excluir as Forças Armadas da proposta? Não dá
para colocá-las num regime único, universal, sem considerar que
elas são um poder real e, sob o regime democrático, a garantia final
da própria existência do Estado e da nação. Isso significa que os
militares não são exatamente iguais a todos os profissionais e traba-
lhadores.
Outra questão polêmica na reforma e no Congresso Nacional
é que não se considera, no Regime Geral, na unificação geral, aquelas
que são consideradas as carreiras típicas do Estado. Então, um
bom rumo é observar a experiência internacional. Porque não é

92
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

possível que o Brasil seja tão diferente que o que cabe em outro
lugar não sirva aqui.
Agora, há limites para a experiência internacional, pois, como
foi dito, a história de cada país produz a história de sua Previdência.
Por exemplo, na medicina, quando existem vários tratamentos para
uma mesma doença, significa que nenhum emplacou para valer. Ne-
nhum médico ia ficar inventando vários tipos de cirurgia se houvesse
uma comprovadamente melhor. Ou seja, se existem várias propostas
no mundo, é porque se trata de situações não resolvidas.
Ou seja, ainda na questão da reforma, as mudanças podem ir
e voltar. Ficam a nossa luta, a nossa tradição e os nossos objetivos.
Essa reforma proposta por nosso governo, inclusive, é algo que
pode ir e voltar. Não existe um fato consumado. Não está escrito
nas estrelas que os modelos da América Latina, do mundo todo,
sejam a última palavra em matéria de organização previdenciária.
O que está faltando nessa questão dos servidores públicos? É
que se você não dá um tratamento diferenciado para esse setor,
para aqueles que têm uma função importante na profissionalização
do Estado, que atuam em benefício da sociedade, isso pode
desestimular as pessoas qualificadas, aplicadas, sérias, honestas, a
ficarem na máquina pública. O que não é nada bom, porque ou
ficam os medíocres, ou ficam medíocres e ladrões, ou ainda ficam
os abnegados, os patriotas, que podem ser poucos. Isso deve estar
presente no debate, porque, embora pessoalmente eu ache que a
aproximação dos regimes e regras é uma bela iniciativa, não pode-
mos esquecer as características do Estado.
Estado mínimo, privatização de estatais, reformas fiscal e
previdenciária: esse é o receituário neoliberal. Mas, para não ficar
no senso comum, na Reforma da Previdência temos o fato de se
propor um Fundo de Pensão com benefício definido. Isso é uma
diferença brutal em relação ao ideário neoliberal. Por quê? Porque
a responsabilidade de garantir o benefício, depois de 30 anos, é da
instituição, e não apenas do indivíduo que colocou o dinheiro numa
pretensa poupança, que vai depender de aplicação financeira e,
num país como o Brasil, que vai demorar 30, 35 anos para saber o
que rendeu. Não dá muito certo.

93
H ISTÓRIA DA P REVIDÊNCIA SOCIAL

Acho que isso é essencial, que nos diferencia, pois mesmo na


Previ – que é a jóia da Coroa – os funcionários do Banco do Brasil
que estão entrando agora perderam a possibilidade do benefício
definido. O funcionário sabe quanto paga, mas não quanto vai re-
ceber. Pode até ser melhor, mas não está garantido. Com o benefí-
cio definido, é possível fazer ajustes atuariais, ou seja, as aplica-
ções são observadas, renderam mais, renderam menos, o beneficiário
vai receber 80% do que recebia na forma de salário. Quando se
percebe que a aplicação não está indo bem, é possível alertar todo
mundo e então aumentar a contribuição ou diminuir o benefício.
Então existem assembléias, a coisa é democratizada, porque não
há milagre. Todo mundo já ouviu falar que não existe almoço de
graça. Aposentadoria também não.
Esse debate apresenta polêmicas de ordem macroeconômica,
de ordem microeconômica, de ordem político-econômica. Há um
debate mundial sobre o fato de o Fundo de Pensão promover a
poupança e o desenvolvimento. Pode ser mentira e pode ser ver-
dade. Ainda não há uma posição consolidada. Entre nós, há os que
acreditam que isso está consolidado e aqueles que não vêem a ques-
tão dessa forma.
Aumenta a poupança interna? É questionável se aumenta a
poupança interna. Para haver poupança é preciso renda. E no Bra-
sil a distribuição de renda não é exatamente uma maravilha. Então,
se aplicar no Fundo de Pensão e deixar de contribuir para o Regi-
me Próprio, a pessoa trocou seis por meia dúzia e não aumentou a
poupança interna, naturalmente.
De fato, se não houver regras que orientem e até determinem
o Regime Geral e, infelizmente, nosso Regime Próprio também,
sempre existirá gente que não vai querer pagar a Previdência So-
cial. Amanhã poderá ser mais um nas ruas, sem nenhuma proteção
social. Então, a obrigatoriedade, a universalidade, a democratiza-
ção são caminhos bastante seguros e que devem servir de âncora
para toda e qualquer mudança que venha a ocorrer, porque apesar
de todas as vicissitudes a Previdência no Brasil não quebrou, não
quebra… Até porque há 60% da população economicamente ati-
va fora da cobertura previdenciária. Ou seja, a maioria dos traba-

94
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

lhadores não tem proteção previdenciária. E esse é o drama. O


problema nunca esteve na Previdência. Assim, quando se diz que o
salário do servidor é alto, o problema não está na Previdência, está
na péssima distribuição de renda. Na ativa, o promotor tem de
ganhar um bom salário. Ou não? Se não ganhar, não teremos pro-
motores. E assim vai.
A questão da aposentadoria consolida a estrutura social exis-
tente no Brasil. Então, não adianta bater no cachorro, tem de iden-
tificar quem é o dono do cachorro.
Esse debate tem de acontecer para continuarmos a fazer mu-
danças no Brasil. Tem de ocorrer com a dimensão que o ministro
Ricardo Berzoini, com muita propriedade, aponta: tem que haver
um sistema equilibrado atuarialmente, ou seja, sem comportar be-
nefícios tão altos, porque senão eles serão sustentados por aqueles
que ganham muito pouco. Acho que isso dá uma outra dimensão
ao problema: promover mudanças na Previdência, mas não só nela,
promover distribuição de renda e tornar nossa sociedade mais jus-
ta e equilibrada.
Acho que devemos trabalhar para emendar a proposta do
governo em alguns pontos. Peço apoio da direção do partido, prin-
cipalmente, para mediar esse debate e, com a autoridade própria
da direção, ajudar o governo, a bancada e a todos nós.
Primeiro, acho injusto acabar com a idade mínima de 48 e 53
anos e instituir mais 7 anos. É preciso uma emenda que faça a tran-
sição. Há várias propostas, para mim qualquer uma delas serve,
desde que haja uma transição.
Segundo, a mudança do cálculo do benefício. Imagine-se al-
guém que tem uma família grande e que trabalha com a expectativa
de ter uma certa aposentadoria. Ele está há 30 anos no serviço
público e aí vem a reforma, que não só o impede de receber inte-
gralmente, não só acaba com a sua paridade, como também faz o
cálculo do seu benefício contemplando desde quando ele era office-
boy e ganhava 200 reais até agora que ele está ganhando 3.000
reais... Eu defendo o seguinte: quem trabalhou 25 anos no serviço
público, com essas regras, receberá, se for homem, 25/35 de acordo
com as regras atuais, e o que faltar proporcionalmente, pelas novas

95
H ISTÓRIA DA P REVIDÊNCIA SOCIAL

regras. Eu sei que isso é pesado, pois a pressão dos governadores


e prefeitos é enorme. Mas acho que a bancada do PT tem de apre-
sentar uma emenda nesse sentido.
Terceiro, com referência às pensões, se for necessário reduzir
pensões, não pode ser linearmente. Tem de ser, de fato, igual, pro-
tegendo também os servidores até o teto, como protege os traba-
lhadores da iniciativa privada. A questão do subteto vai gerar pro-
blemas jurídicos, então acho que vai se resolver “naturalmente”.
Com referência aos inativos, talvez valesse a pena apresentarmos
uma emenda autorizando os entes federados a cobrarem, porque aí se
liberam os estados complicados, como o Rio Grande do Sul, e, quem
sabe, o governo federal não precisasse cobrar, pois a arrecadação
gerada, de fato, é muito pequena para tamanha polêmica.

96
Parte 3 –
A situação atual e a reforma
A REFORMA NECESSÁRIA

98
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Ricardo Berzoini

A reforma necessária

A Previdência Social é um dos temas mais instigantes e


apaixonantes para quem discute política social, proteção social, com
uma visão moderna de democracia, com um Estado forte e moder-
no, capaz não apenas de dar o que a Constituição hoje determina,
mas de garantir os avanços constitucionais necessários para poder-
mos, de fato, ter Previdência Social no Brasil, no sentido mais am-
plo da palavra.
Quero dizer que é um prazer especial para mim debater este
tema na condição atual. O governo já tem uma proposta no Con-
gresso Nacional, que foi construída ao longo de mais de 100 dias de
debates, sempre difíceis, acalorados, que com certeza movimenta-
ram entidades sindicais, governadores, prefeitos, deputados estadu-
ais, vereadores, deputados federais e senadores.
Nesse período, até o final de abril de 2003, recebemos e pro-
curamos as mais variadas lideranças relacionadas à questão
previdenciária. Obtivemos muitas contribuições, propostas, suges-
tões, críticas às declarações iniciais do governo. Refletimos sobre
essas críticas e procuramos produzir a proposta mais justa do pon-
to de vista social que pudesse guardar relação com a história do PT
e com o nosso programa de governo. Mas, simultaneamente, lem-

99
A REFORMA NECESSÁRIA

brando que o PT não é único na base do governo, procuramos


dialogar com os demais partidos. E, considerando a importância da
Reforma Tributária e Previdenciária para o país, dialogamos com
os 27 governadores e com uma quantidade muito grande de prefei-
tos que foram ao Ministério, que procuraram outros ministros e
também o nosso presidente Lula para discutir a questão.
Quero começar me referindo ao nosso Programa de Gover-
no. Sei que as resoluções anteriores do PT já foram explicitadas
mais de uma vez neste seminário. São resoluções bastante con-
tundentes, como por exemplo a de 1996, tomada numa reunião
em que eu estava presente como membro do Diretório Nacional,
e que é extremamente explícita sobre as posições que o PT defen-
de para a questão previdenciária. Mas, sobre o nosso Programa
de Governo e o que ele contém sobre o assunto, queria ler dois
trechos. O primeiro:

“[…] aos trabalhadores tanto do setor público como do privado, que


almejam valores de aposentadoria superiores ao oferecido pelo teto da
Previdência pública, haverá o sistema de planos complementares de
aposentadorias, com ou sem fins lucrativos, de caráter facultativo e
sustentado por empregados e empregadores”.

Ou seja, em complemento ao sistema público universalizado,


que é um objetivo de médio e longo prazo para os trabalhadores,
tanto do setor público como do privado, que almejam valores de
aposentadoria superiores ao oferecido pelo teto da Previdência
pública, haverá o sistema de planos complementares de aposen-
tadoria, com ou sem fins lucrativos, de caráter facultativo e sus-
tentado por empregados e empregadores. Quero chamar a aten-
ção para a expressão “com ou sem fins lucrativos”, que foi sub-
metida aos fóruns que decidiram o programa. Na reunião do
Diretório Nacional de abril de 2003 apresentei uma emenda que
avançava na compreensão política dessa questão, que é exata-
mente a compreensão que nós defendemos. Retiramos o “com
ou”, deixando a redação assim: “Fundos de Pensão fechados, sem
fins lucrativos, geridos paritariamente”.

100
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Por que isso? Porque, embora no Programa de Governo esti-


vesse a concepção mais ampla, a partir do diálogo, entendemos a
preocupação das entidades de servidores. E também pela nossa
própria concepção histórica de defesa dos Fundos de Pensão sem
fins lucrativos.
O segundo trecho do Programa de Governo:

“Em relação à Previdência do setor público, o desequilíbrio apontado é


três vezes maior do que o apresentado no Regime Geral. Ou seja, próximo
de R$ 50 bilhões, o que representa 4,1% do PIB, conforme dados do
então Ministério da Previdência e Assistência Social para o ano de 2000”.

Quero chamar a atenção que também aí houve um grande


avanço, principalmente na metodologia de discussão sobre o défi-
cit da Previdência no setor público. Até o governo anterior – e
esses dados foram obtidos a partir de dados oficiais do governo
anterior – só se considerava a contribuição dos servidores para
apurar o desequilíbrio da Previdência do servidor público. É como
se a União, os estados e os municípios não tivessem nenhuma obri-
gação de contribuir.
Passamos a adotar, no segundo dia de exercício do Ministé-
rio, como determinação à nossa equipe que faz os levantamentos,
que se considere – para divulgar qualquer dado sobre desequilíbrio
de Previdência do servidor público – a contribuição patronal, ou
seja, que nós observemos que a União, os estados e os municípios,
como empregadores, devem assumir a sua responsabilidade. E ado-
tamos o critério mais favorável possível para os servidores, que é
uma contribuição de 2 para 1, sem teto. Ou seja, em todos os
dados que estamos divulgando há uma evolução metodológica fun-
damental para a compreensão da questão previdenciária, são da-
dos que consideram União, estados e municípios como emprega-
dores. E, como empregadores, se não houvesse regime próprio,
eles teriam de inscrever seus empregados no INSS e pagar 2 para 1,
sem teto.
Destacando esses dois aspectos, esclareço que todo o texto
do Programa de Governo continua disponível nas páginas eletrôni-

101
A REFORMA NECESSÁRIA

cas do PT, para chamar a atenção de não existir, de fato, nenhum


tipo de mudança de posição nossa em relação ao Programa. Evi-
dentemente, detalhes podem ser diferentes, até porque esse não é
um governo só do PT, é um governo de um conjunto de forças mais
amplas, capitaneado pelo PT, mas que não pode deixar de dialogar
democraticamente com o restante do conjunto.
Mas, para começar a aprofundar a questão previdenciária no
sentido conceitual, quero comentar algumas questões que, infeliz-
mente, no Brasil, há muito tempo confundem a discussão desse
tema. Primeiro, o conceito previdenciário fundamental é o de pro-
teção social. Não é apenas aposentadoria como tanta gente pensa.
“Previdência é para eu me aposentar...”, esse dado é muito recor-
rente, até porque, muitas vezes, o mercado privado tenta vender a
idéia dos planos de Previdência dos bancos como poupança para a
aposentadoria. Mas a Previdência é uma proteção social muito mais
ampla, são dez benefícios, no caso do INSS e da Previdência dos
setores públicos, entre os quais a aposentadoria e a pensão, mas
existe uma série de outros benefícios.
Mas o que é fundamental? É que a sua sustentação deve se
dar pela contribuição de empregados e empregadores, além de
subsídios orçamentários das contribuições sociais e de outros im-
postos. Previdência pode ter, sim, subsídio tributário, dinheiro que
venha dos tributos gerais para subsidiar o sistema, desde que haja
justificativa social, como uma política universalizante ou voltada para
segmentos sociais cujas características específicas justifiquem esse
subsídio. Podemos dizer que o sistema é adequado quando a sua
principal sustentação vem da contribuição de empregados e em-
pregadores. Ou seja, um sistema é equilibrado quando não precisa,
por razões específicas, de subsídios em larga escala, pela condição
social de seus integrantes, quando a contribuição do empregado e
do empregador sustenta a imensa maioria do fluxo. O subsídio ou é
eventual, ou é minoritário. Serve para complementar e não para
sustentar o sistema.
Como disse, além da aposentadoria, a Previdência garante
outras situações em que o sustento do participante não possa vir do
trabalho. A pensão por morte, que é um benefício imprevisível. É

102
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

previsível, mas não é previsível quando. Aposentadoria por invalidez,


auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-maternidade, auxílio-reclu-
são e outros. Portanto, um bom sistema previdenciário deve consi-
derar a incidência desses eventos previsíveis e também dos impre-
visíveis, de modo a garantir que o seu financiamento leve em conta
esses custos.
Quem planeja o sistema previdenciário, que envolve déca-
das de operação, de planejamento e de execução, deve levar em
conta a incidência média, o potencial de incidência dos chama-
dos riscos não previsíveis, e simultaneamente prever o tempo de
contribuição necessário para que – dentro da expectativa de vida
média daquele grupo social – seja possível sustentar o sistema
com as contribuições dos empregados e empregadores e,
minoritariamente, com subsídios.
No Brasil, há duas previdências públicas. A do INSS, que é o
chamado Regime Geral de Previdência Social, previsto no artigo
201 da Constituição, como parte da Seguridade Social, tem 19
milhões de beneficiários hoje. Os 21 milhões sempre mencionados
incluem os 2 milhões de benefícios assistenciais. Portanto, exclusi-
vamente previdenciários são 19 milhões, e 29 milhões de contri-
buintes segurados, que todos os meses pagam, por intermédio da
empresa que recolhe sobre a folha de pagamento a contribuição do
empregado e do patrão, ou são contribuintes facultativos das mais
diversas espécies.
O Regime dos Servidores – e aqui estou colocando só os
federais e os estaduais, de que temos dados mais seguros – conta
com 950 mil beneficiários da União e 840 mil contribuintes segura-
dos. Há mais beneficiários do que contribuintes, entre outros fato-
res porque o governo anterior fez uma política de terceirização e de
esvaziamento. Mas, mesmo que tivesse mantido o mesmo quadro
de 1995, estaríamos praticamente na base de 1 para 1: um contri-
buinte para cada beneficiário. Nos estados há 1,5 milhão de
beneficiários para 1 milhão de contribuintes.
Quais são as principais diferenças entre os dois sistemas? Pri-
meiro, a definição do benefício. No sistema do INSS, do Regime
Geral, o benefício é calculado considerando-se 80% das melhores

103
A REFORMA NECESSÁRIA

contribuições desde julho de 1994, quando o cadastro passou a


ser mais confiável – eu diria, 95% a 99% de confiabilidade. Faz-se
a média e apura-se o valor aplicando o fator previdenciário.
No Regime dos Servidores considera-se a última remunera-
ção. O único critério para ter a última remuneração é que tenha 35
anos de contribuição, 30 anos no caso da mulher, para qualquer
regime, pode ser inclusive contribuição para o INSS e que tenha pelo
menos dez anos de serviço público, e pelo menos cinco anos no
cargo em que se dá a aposentadoria. Então o servidor se aposenta
com o último salário. Isso faz, por exemplo, que uma pessoa com a
minha idade, 43 anos, se fizer um concurso público agora e para o
salário mais alto – procurador do Ministério Público –, com dez
anos se aposente com o teto, ou seja, se aposenta com sua última
remuneração, mesmo tendo contribuído por 25 anos para o INSS.
A segunda diferença fundamental é que no INSS tem teto, no
Regime dos Servidores, não. O teto do INSS é de 1.561 reais, a
partir de maio de 2003. Com a correção dos demais benefícios
acima do salário mínimo, deve ir para cerca de 1.850 reais. Se
aprovada a nossa proposta, irá para 2.400 reais, recuperando-se
os dez salários mínimos, sem indexação, que valia em 1998.
No Regime dos Servidores não há teto. Se a pessoa ganha 8
mil reais, aposenta-se com 8 mil reais. Se ganha 12 mil reais, apo-
senta-se com 12 mil reais. Se ganha 500 reais, aposenta-se com
500 reais. O reajuste do benefício no Regime dos Servidores é por
meio da paridade com os ativos. Por exemplo, a pessoa era fiscal,
quando aumenta o salário do fiscal ativo, aumenta o dele também.
Mas, se o salário do servidor da ativa não aumenta, o do aposenta-
do também não aumenta. Então, é bom por um lado e ruim por
outro. Bom porque acompanha a remuneração dos ativos e, para
as categorias que têm maior poder de pressão, isso significa vanta-
gens. É ruim porque aquelas categorias que têm menor poder de
pressão muitas vezes ficam anos e anos sem reajuste.
O Regime dos Servidores apresenta uma grande distorção
previdenciária. Acho que esse é o ponto central da nossa análise e
que merece, de um partido como o PT, um rigor político e científico
na análise que, com certeza, deve tornar-se o centro da avaliação. O

104
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

centro, evidentemente, é político, mas, do ponto de vista da avalia-


ção do sistema, creio que esse é o centro. O Regime dos Servidores
não observa relações básicas entre contribuições e retribuições.
Em muitos casos a pessoa recebe o benefício por um prazo
superior ao que contribuiu. Se fizermos o cálculo das contribuições
contra o cálculo das retribuições, isso representa um subsídio ex-
tremamente elevado. Em outras palavras, o conjunto da popula-
ção, 170 milhões de brasileiros, contribui com impostos para sub-
sidiar a aposentadoria de 950 mil servidores, no caso da União.
Há um processo de concentração de recursos para subsidiar
o sistema de uma minoria. Não há teto e o benefício é definido pela
última remuneração do servidor. Ora, toda vez que se tem um sis-
tema sem teto e sem uma correlação entre contribuição e retribui-
ção, o que acontece? A tendência do ser humano, na sua atividade
profissional, é evoluir no final da carreira. É óbvio que há exceções,
mas a maior parte das carreiras são construídas no sentido de me-
lhorar a remuneração, quando a pessoa se aproxima do final. Por-
tanto, a contribuição dele nos dez primeiros anos da sua atividade
não tem nenhuma relação com a última remuneração, e é essa que
é adotada como critério para a aposentadoria.
Isso não obedece ao disposto no caput do artigo 40 da Cons-
tituição Federal, que estabelece esse próprio sistema. Ou seja, o
artigo 40 é claro, e aí houve uma incoerência durante a tramitação
da Emenda Constitucional 20 que precisa ser sanada. O caput diz:
“o sistema precisa ser contributivo e respeitar o equilíbrio financei-
ro e atuarial”. O que quer dizer que – seja do ponto de vista do
sistema de capitalização, seja do ponto de vista da repartição – é
preciso coerência entre as contribuições e as retribuições. Ainda
que haja subsídio, ele deve ser residual, minoritário, ou dirigido a
populações com certas características socioeconômicas que ne-
cessitam de subsídio. É o caso dos mais de 6 milhões de trabalha-
dores rurais, que se aposentaram sem contribuir como os traba-
lhadores urbanos. No mundo rural é muito difícil termos um sistema
que seja efetivamente contributivo, porque as características da
economia rural, do assalariamento rural, da agricultura familiar, difi-
cultam a existência desse sistema. Podemos melhorar o atual siste-

105
A REFORMA NECESSÁRIA

ma – e já estamos discutindo com a Contag e com entidades em-


presariais como melhorar a arrecadação na agricultura, que no ano
passado foi de 2,3 bilhões de reais, embora a despesa tenha sido
de 17 bilhões de reais. Mas é impossível torná-lo um sistema pura-
mente contributivo. Nesse caso o subsídio é justo. É combate à
fome, à pobreza, é manutenção do trabalhador rural, após se apo-
sentar, no seu próprio ambiente, no campo, para ele não ter de
migrar em busca de renda.
Qual é o impacto orçamentário que temos hoje? Quero cha-
mar a atenção para a questão orçamentária. Não é uma discussão
macroeconômica do ponto de vista fiscal. É aquilo que é mais caro
ao Partido dos Trabalhadores, que é a justiça do orçamento. O PT
ficou conhecido como o partido que disseminou pelo país a lógica
do orçamento participativo. Se entendemos que o orçamento
participativo é um instrumento de democratização, é porque valori-
zamos o orçamento como peça que faz a mediação entre aquilo
que o Estado consegue arrecadar e onde esse recurso deve ser
aplicado. Portanto, o orçamento é uma peça fundamental da de-
mocracia. Isso vale para os municípios, para os estados, para a
União, para qualquer sindicato, associação e para o próprio Parti-
do dos Trabalhadores, quando arrecada suas contribuições e deve
decidir onde gastar.
O Regime Geral da Previdência Social, o INSS, consumiu em
2002 17 bilhões de reais para subsidiar o sistema que atende 19
milhões de beneficiários.
O Regime dos Servidores consumiu, em 2002, mais de 22
bilhões de reais. Mais de 22 bilhões de reais para subsidiar um
sistema de apenas 950 mil beneficiários. E não se trata de desres-
peitar ou satanizar o servidor público, mas de chamar a atenção
para um sistema que foi mal construído, mal elaborado, que está
mal operado e que precisa ser alterado de maneira profunda, em
defesa do próprio interesse dos servidores.
No futuro próximo, muitos estados poderão não ter mais como
pagar os benefícios, porque de um sistema de Previdência Social o
sistema se transformou em um mecanismo de acúmulo de renda,
em muitos casos. Há pessoas que se aposentam precocemente para

106
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

buscar outra ocupação, muitas vezes na iniciativa privada, outras


vezes no próprio Estado, para acumular remunerações elevadas à
custa do Tesouro, do contribuinte. Nos estados, mais de 14 bilhões
de reais foram gastos para subsidiar o sistema de 1,5 milhão de
beneficiários.
O Quadro 1 mostra alguns dados importantes sobre Previ-
dência Social no Brasil, sobre a Previdência Rural em relação à
urbana, com arrecadação e pagamento de benefícios. Quando en-
caminhou a Reforma da Previdência, o governo anterior dizia gene-
ricamente que a Previdência tinha déficit. Na época, dizíamos que
a Previdência não tinha um déficit genérico, mas problemas dife-
renciados por segmento, e que o tratamento dado pelo governo de
então era equivocado porque generalizava a questão previdenciária,
que era muito diferente de acordo com o segmento.

Quadro 1
Previdência Rural X Urbana
Valores em milhões de reais correntes
Benefícios
Arrecadação
Ano Clientela previdenciários Saldo (a-b)
líquida (a)
(b)
TOTAL 44.148 47.249 (3.101)
1997 Urbano 42.670 38.182 (4.488)
Rural 1.478 9.067 (7.589)
TOTAL 46.641 53.743 (7.102)
1998 Urbano 45.301 43.872 (1.429)
Rural 1.340 9.870 (8.531)
TOTAL 49.128 58.540 (9.412)
1999 Urbano 47.801 47.886 (85)
Rural 1.327 10.654 (9.328)
TOTAL 55.715 65.787 (10.072)
2000 Urbano 54.172 53.614 (558)
Rural 1.543 12.173 (10.630)
TOTAL 62.492 75.328 (12.836)
2001 Urbano 60.651 60.711 (60)
Rural 1.841 14.617 (12.776)
TOTAL 71.028 88.027 (16.999)
2002 Urbano 68.726 70.954 (2.228)
Rural 2.302 17.072 (14.770)
Fonte: Fluxo de Caixa INSS; Boletim Estatístico da Previdência Social; Informar/INSS
Elaboração: SPS/MPS

107
A REFORMA NECESSÁRIA

Em 1997, o sistema previdenciário do INSS, setor urbano, teve


um superávit de 4,5 bilhões de reais. Apenas seis anos atrás, um
superávit de 4,5 bilhões de reais. No entanto, na mesma ocasião, o
segmento rural teve um déficit de 7,5 bilhões de reais, necessitan-
do, portanto, de subsídios orçamentários. O desequilíbrio total do
sistema foi de 3,1 bilhões de reais. Em 1998, ainda houve superávit
no setor urbano, 1,4 bilhão de reais, enquanto o setor rural fez que
o desequilíbrio chegasse a 7,1 bilhões de reais. Em 1999, tivemos
um pequeno déficit no setor urbano e um déficit ainda maior no
setor rural. Em 2000, voltou a haver superávit no sistema previ-
denciário do INSS, setor urbano, de 500 milhões de reais. E o dese-
quilíbrio no setor rural subiu para 10,6 bilhões de reais. Em 2001,
um pequeno déficit no setor urbano e aumento do desequilíbrio no
setor rural. Em 2002, somando o setor rural e urbano, 17 bilhões
de reais de desequilíbrio.
Portanto, ao analisarmos esse quadro, verificamos uma ques-
tão fundamental do ponto de vista conceitual, o subsídio no setor
previdenciário é plenamente cabível quando dirigido a segmentos que
precisam dele, como é o caso dos rurais. E a outra informação im-
portante, o sistema previdenciário urbano do INSS não é estrutural-
mente deficitário: bem administrado e com a economia crescendo,
ele é potencialmente equilibrado ou até superavitário, dependendo
de uma postura correta na cobrança dos sonegadores, no combate à
fraude e à sonegação de maneira mais ampla e preventiva, além de
uma gestão tecnológica adequada dos dados do INSS. As fraudes são
elevadas e o governo anterior pouco fez para combatê-las. Nós esta-
mos iniciando uma grande ofensiva para recuperar o tempo perdido.
O Quadro 2 é importantíssimo para quem discute orçamento
público ou gosta de comparar políticas públicas para segmentos
diferenciados da população. A tabela mostra o que é Previdência
dos Servidores e Previdência do INSS.
Vemos então que a barra relativa à Previdência dos Servido-
res da União é bastante pequena, porque representa 950 mil
beneficiários. Na Previdência do INSS, a barra é a maior porque são
19 milhões de beneficiários. Os subsídios, em 2002, foram de 22
bilhões de reais, ante 17 bilhões de reais do INSS. E o quadro mos-

108
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

tra também o valor per capita, quanto se gasta para cada cidadão
comparativamente em termos de subsídio, lembrando que no INSS
está todo o setor rural, se estivesse só o setor urbano praticamente
desapareceria o subsídio.
Quadro 2
Beneficiários X Subsídios
25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0
Previdência dos Servidores
Previdência INSS
da União

Beneficiários 950 19.000

Subsídio 22.000 17.000

per capita 23.157 894


Fonte: PNAD/IBGE/MPS.

No setor dos servidores da União, gastam-se 23 mil reais per


capita, por ano. No setor da Previdência do INSS, gastam-se 894
reais per capita. Esse é o quadro que tenho apresentado para o
Brasil inteiro e que deixa clara a situação da Previdência dos Servi-
dores comparativamente à do INSS, com a contribuição patronal na
base de 2 para 1.
Em 2002, somando estados, municípios e União, houve alocação
de quase 40 bilhões de reais em subsídio para os três sistemas. Para
deixar claro o que significa essa quantia no Brasil, o orçamento fede-
ral da Saúde é da ordem de 27 bilhões de reais em 2003.
O Quadro 3, também importante, mostra que a expectativa
de vida quando a pessoa se aposenta – que é um conceito muito
diferente de expectativa de vida ao nascer – está crescendo. Uma
pessoa que se aposentar com 50 anos vai viver em média mais

109
A REFORMA NECESSÁRIA

25,6 anos. É bom. Tomara que viva 40, 50 anos. Ela vai viver 25,6
anos e a Previdência precisa planejar isso, precisa calcular. As
mulheres, que são mais sábias e tolerantes, vivem mais 27,8 anos
após a aposentadoria, e os homens mais 23,4 anos. Quem se apo-
senta aos 60 anos vive mais 17,9 anos, em média. Sendo 19,6 anos
as mulheres e 16,1 anos os homens.

Quadro 3
Expectativa de vida
90,0

Total Homens Mulheres 86,4


Expectativa de vida, em anos

85,8
84,8 82,3 85,4

79,6 81,2
79,6 77,8 77,9 79,9
76,1 76,7
75,4 75,7
75,6
74,1 76,1
74,4 72,9 73,0
71,7 72,1 73,4
71,4
69,9
68,9 68,6
69,2 68,1

65,1

64,0
2 10 20 30 40 50 60 70 80

Idade, em anos
Fonte: PNAD/IBGE/MPS.

Vejamos alguns exemplos para entendermos o que está em dis-


cussão. O nosso sistema de Previdência, tanto o INSS quanto a Previ-
dência do Servidor Público, é um sistema de repartição, não de ca-
pitalização, portanto não comporta discussão como taxa de juros ou
outros sistemas. Se aprovarmos os fundos de complementação aci-
ma do teto, na modalidade de capitalização, aí sim teremos um po-
tencial de acumulação maior para cada aposentado e para o sistema,
pois a capitalização é mais eficiente nessas faixas do que a reparti-
ção. A repartição é mais eficiente na faixa de distribuição geral, em
que o subsídio orçamentário pode e deve estar presente.
As regras de hoje permitem que uma pessoa contribua em
média por 32,5 anos, ou seja, 30 anos a mulher, 35 o homem. E
que se aposentem em média aos 50,5 anos: 53 anos o homem, 48

110
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

a mulher. É bom lembrar: antes da Emenda 20, não havia nem isso.
Portanto, a regra permitia aposentar-se antes. Essa pessoa aos 50,5
tende a viver aproximadamente mais 25,6 anos. Se ganha 2 mil
reais – vamos imaginar a situação da pessoa que teve o mesmo
salário a vida toda, o que é muito raro – e contribuiu com 11% ao
longo de toda sua vida, pagou 92.950 reais. Seu empregador, por
exemplo, a União, pagou ou deveria ter pago 185.900 reais, o do-
bro da contribuição do empregado. Pagamento total: 278.850 reais.
Ao se aposentar com os mesmos 2 mil reais, ao longo de 27 anos,
que é o caso, por exemplo, de uma pessoa que viveu dois anos a
mais que a média, receberá 665.600 reais, sem contar o pagamen-
to dos benefícios de risco.
Mas esse exemplo não é dos mais graves do ponto de vista
previdenciário. Um cidadão que foi comerciário dos 16 aos 23 anos,
pagando INSS pelo salário mínimo, recolheu 8% sobre 240 reais, o
salário mínimo atual, e seu empregador recolheu 22% sobre seu sa-
lário. Total: 6.552 reais de recolhimento nesse período. Depois, ele
passou num concurso para função administrativa na União, com sa-
lário de 1.200 reais, por exemplo. Ficou dos 23 aos 38 anos, 15
anos. Sua contribuição da União, acumulada, seria de 77.220 reais.
Vamos supor que aos 38 anos o cidadão fizesse concurso,
por exemplo, para procurador, e passasse a receber 6 mil reais.
Aos 48 anos, foi promovido na carreira, passou para 8 mil reais e
aposentou-se aos 53 anos. Nesses 15 anos, somou 257.400 reais,
nos primeiros dez anos, e mais 171.600 reais, nos cinco últimos
anos. Somando com o restante, o total de contribuições é 512 mil
reais. Se ele viver até os 68 anos, ou seja, morrer antes da média,
se tiver uma vida infelizmente inferior à idade média, receberá 1,56
milhão de reais de benefícios pagos pelo Estado. Se por acaso
deixar pensão para sua esposa de 60 anos, ela usufruirá em média
até os 79,6 anos, o que somará 2,038 milhões de reais.
Vou dar outro exemplo aleatório. Um servidor com salário de 4
mil reais, desde os 20 anos. Aos 40, sofre um acidente e morre.
Deixa uma pensão para sua esposa de 36 anos. Ela viverá em média
até os 76 anos; a contribuição, incluída a patronal do funcionário, foi
de 353.200 reais, a retribuição será de 2,08 milhões de reais.

111
A REFORMA NECESSÁRIA

Alguém pode argumentar: “Mas no INSS também pode aconte-


cer isso e não está sendo proposta a mesma mudança”. O INSS tem
um subsídio cruzado, importantíssimo, mas é um subsídio cruzado:
as empresas pagam sem teto e o trabalhador paga e recebe com
teto, portanto é um sistema que arrecada da folha de pagamento
como um todo, sem teto, para subsidiar esse tipo de situação, o
que muda conceitualmente em relação ao sistema dos servidores.

Exclusão previdenciária

Quero passar para a questão da exclusão previdenciária no


Brasil, que é um tema fundamental na minha avaliação, e combatê-
la depende necessariamente de mudanças orçamentárias estrutu-
rais, essencialmente no sistema previdenciário dos servidores. Exis-
tem hoje 40,7 milhões de brasileiros integrantes da população eco-
nomicamente ativa que estão fora da Previdência Social, de qual-
quer regime. Não têm proteção. É o cidadão que trabalha, por
exemplo, como ambulante, e que se sofrer um acidente – se ficar
seis meses sem trabalhar – vai ficar sem renda, porque não tem
proteção social, não tem auxílio-acidente, não tem auxílio-doença.
Se por acaso tiver o infortúnio de falecer, a sua família também
ficará sem renda. São 40 milhões e 700 mil brasileiros, 57,7% da
população economicamente ativa.
Se formos dissecar o Quadro 4, verificaremos que, desses 40,7
milhões de brasileiros, 22 milhões ganham abaixo de um salário míni-
mo. Portanto, é muito difícil ter política previdenciária para esse seg-
mento, apesar de desejarmos que eles venham a ser incluídos na
Previdência mediante o aumento da renda, mas não de uma política
previdenciária para quem tem renda inferior a um salário mínimo. No
entanto, 18,7 milhões têm renda acima de um salário mínimo. É ób-
vio que um salário mínimo talvez seja muito pouco para uma pessoa
contribuir para a Previdência, é preciso encontrar outras saídas de
inclusão. Mas são pessoas que potencialmente podem ser incluídas.
Desses, 7,6 milhões são empregados sem carteira assinada; 1,7 mi-
lhão são empregados domésticos; 8,2 milhões são trabalhadores por
conta própria; 1 milhão são empregadores.

112
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Quadro 4
Contribuintes X Potenciais contribuintes
por posição na ocupação na população
ocupada restrita* – 2001

Fonte: PNAD 2001/IBGE– Elaboração: Secretaria de Previdência Social/MPS


*Pessoas de 16 anos a 59 anos e com rendimento igual ou acima de 1 salário mínimo (R$ 180,00 = set./2001).
** São trabalhadores que não recebem rendimentos do trabalho, mas possuem outras fontes de renda.

Quais os motivos dessa situação? São vários. Não existe uma


política única de inclusão capaz de atender esses 18 milhões de
pessoas, mas é possível buscar várias políticas.
O Quadro 5 demonstra o que causou o período neoliberal no
Brasil, com a estrutura da população ocupada. Em 1990, 57,7%
dos brasileiros economicamente ativos eram empregados com car-
teira assinada. Em 2002, a quantidade caiu para apenas 45%. Os
empregados sem carteira assinada passaram de 19% para 27%, e
aqueles que trabalham por conta própria de 18% para 22,6%. Os
empregadores, de 4,5% para 4,1%. Também houve uma queda
entre os empregadores.

113
A REFORMA NECESSÁRIA

Quais são as diretrizes da inclusão previdenciária? Primeiro,


redução da cota patronal sobre a folha. Essa proposta está na Re-
forma Tributária formulada conjuntamente pelos Ministérios da Fa-
zenda, do Planejamento e da Previdência. Com qual objetivo? Em
função da evolução da economia e do modo de produzir das empre-
sas, com certeza é necessário adequar o sistema de financiamento da
Previdência. Então, a empresa que emprega muito e fatura menos, ou
lucra menos, ou agrega menos valor, deve ter um tratamento diferen-
ciado em relação àquela que emprega pouco e agrega muito valor.
É preciso garantir um equilíbrio; a melhor forma, na minha
opinião, é alcançar metade da arrecadação por meio da contribui-
ção sobre a folha de pagamentos e metade por meio de uma contri-
buição sobre o faturamento, com as mesmas características do PIS-
Pasep (Programa de Integração Social – Programa de Formação
do Patrimônio do Servidor Público), depois da reforma que foi
feita no final do ano de 2002. Ou seja, sobre o faturamento des-
contados os insumos, sobre o valor agregado bruto da empresa.
Com a redução da cota patronal sobre a folha, será possível a
redução da contribuição do autônomo, nossa segunda diretriz. Ou
seja, hoje um autônomo paga, no mínimo, 48 reais. A idéia é trazer
a contribuição mínima à Previdência para 24 reais, de modo que
ele possa, por opção, se filiar à Previdência e fazer o sacrifício de
abrir mão de uma parte de sua renda todo mês para ter proteção
social. Não é apenas para se aposentar, volto a dizer. A Previdên-
cia durante a fase ativa do trabalhador é tão importante quanto na
aposentadoria, por causa do auxílio-acidente, do auxílio-doença,
do salário-maternidade e de tantas outras questões.
A terceira diretriz já está sendo encaminhada desde o início
do ano. É a ampliação da fiscalização, quantitativa e qualitativa-
mente. Alterar as formas de fiscalizar, melhorar os controles
tecnológicos, combater a corrupção, atingir aqueles que contami-
nam, do ponto de vista ético, a Casa.
Quarto ponto: educação previdenciária. Educação previden-
ciária é deixar claro o que foi dito anteriormente. Participar da Pre-
vidência é estar protegido, é proteger sua família. É garantir que
aquela renda de que se abre mão, por mais que se tenha problemas

114
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

financeiros, é uma segurança para evitar um infortúnio qualquer. A


educação previdenciária se faz de várias maneiras, inclusive por
meio de um processo de relacionamento da Previdência com a so-
ciedade civil, que infelizmente não foi dos melhores nos últimos anos.

Quadro 5
Brasil: estrutura da população ocupada
(1990 a 2002 – janeiro a novembro)

A década de 1990 foi marcada pela deterioração das relações


formais de trabalho, com queda de 13,7 % na participação
dos trabalhadores com carteira assinada entre 1990 e 2000.
Por outro lado, verificou-se um aumento da participação dos
conta-própria e empregados sem carteira.

4,5% 4,5% 4,4% 4,4% 4,3% 4,5% 4,7% 4,6% 4,6% 4,6% 4,6% 4,2% 4,1%

18,5% 20,3% 21,0% 21,1% 21,9% 22,1%


23,0% 23,4% 23,3% 23,8% 23,6% 23,2% 22,6%

19,3%
21,0% 22,2% 23,2%
23,9% 24,2% 25,1%
25,0% 25,7% 26,6% 27,9% 27,2% 27,8%

57,7% 54,2%
52,3% 51,3% 49,9% 49,1%
47,2% 47,0% 46,4% 45,0% 44,0% 45,3% 45,5%

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Empregados c/ carteira assinada Empregados s/ carteira assinada Conta-própria Empregador


- PME/IBGE
Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego – PME/IBGE
Elaboração: SPS/MPS

Em quinto lugar vem o crescimento econômico, que com cer-


teza é o mais inclusivo de todos os mecanismos. Fazer o país cres-
cer, voltar a gerar emprego. Atividade econômica gera inclusão
previdenciária porque gera inclusão econômica.
Enfim, a Reforma da Previdência foi proposta com base nos
seguintes conceitos: primeiro, democratização e justiça orçamentá-
ria. Ou seja, trata-se de alocar recursos públicos de maneira me-

115
A REFORMA NECESSÁRIA

nos concentradora. Hoje nosso sistema de Previdência dos servi-


dores públicos é essencialmente concentrador.
Segundo: solidariedade intergeracional. Previdência não é só
relação entre a atual geração de participantes. É preciso planejar a
Previdência para 20, 40, 60 anos. Somente a reforma, a Emenda
Constitucional, não dá conta disso, há muita coisa a ser feita em lei
ordinária e em resoluções internas do Ministério. Fortalecimento da
Previdência significa pensar o seu planejamento ao longo do tempo.
Terceiro: melhores perspectivas de investimentos sociais para
União, estados e municípios. No final de 2003, vamos elaborar o
orçamento de 2004 e, se não houver uma mudança em alguns as-
pectos, principalmente na Previdência Social dos Servidores, o or-
çamento de 2004 tende a ser tão medíocre quanto o de 2003. É só
olhar a estrutura do orçamento. É só verificar o que aconteceu com
a economia brasileira nos últimos oito anos. É preciso lembrar que
assumimos o governo com todo seu passivo acumulado, a dívida, o
processo de desestruturação do Estado, e isso representa um pre-
ço a ser pago pela recuperação. Vamos ter de buscar as formas de
reconstrução, inclusive reestruturando o orçamento federal.
Quarto conceito: fortalecimento da Previdência pública. A
principal característica da nossa proposta é o compromisso com a
Previdência pública. Enganam-se aqueles que vêem sinais de
privatização, porque está claro na proposta que o sistema de Pre-
vidência complementar será similar ao que existe hoje nas empre-
sas estatais: fundo de pensão fechado, sem fins lucrativos, geridos
paritariamente entre patrocinador e participantes. Patrocinador, no
caso, são União, estados e municípios.
Além disso, a elevação do teto foi muito mal recebida pelo
mercado financeiro porque retira mercado, porque leva a uma situa-
ção em que 90% dos trabalhadores do setor público e privado
podem estar incluídos no sistema de repartição. Como eu disse,
não somos contra o sistema de capitalização e a existência de me-
canismos alternativos que o mercado financeiro pratique, mas é
preciso que o Estado proteja o cidadão na sua relação com esses
mecanismos. Para proteger, precisamos garantir que aquela faixa
que o mercado trabalha, que tem menos instrumentos pessoais para

116
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

analisar e avaliar o mecanismo de complementação, seja incluída,


até 2.400 reais, na faixa de repartição e na capitalização e gestão
paritária sem fins lucrativos.
Por último, o quinto conceito é o da inclusão previdenciária, de
que já falamos.
Então, para encerrar, quero dizer que temos muita convicção
de que essa proposta apresentada pelo governo foi construída do
ponto de vista da justiça. Por quê? Primeiro, porque a contribuição de
inativos acima de 1.058 reais se dirige a um público que já se aposen-
tou pelas regras mais favoráveis que existem no país. Muitos, antes da
Emenda Constitucional 20, se aposentaram antes dos 48 anos, no
caso da mulher; antes dos 53, no caso do homem. Muitos se apo-
sentaram com salário integral, tendo contribuído para esse salário
por apenas dois ou três anos. Muitos se aposentaram em condições
que, do ponto de vista previdenciário, são totalmente inconsistentes.
A maioria se aposentou não porque precisava de proteção so-
cial. Aposentou-se para continuar trabalhando, ou seja, para ter duas
fontes de renda, uma por se aposentar e outra por estar trabalhando.
Estou excluindo dessa análise, evidentemente, aqueles que ganham
pouco, que são obrigados a ter outra fonte de renda, porque preci-
sam sobreviver. Estou falando de outros segmentos que, com certe-
za, não precisam de proteção social, mas se aposentaram na primei-
ra oportunidade.
Segundo, nós estipulamos para os futuros aposentados, após
a reforma, que a incidência da contribuição se dará apenas a partir
de 2.400 reais. Não sei se todo mundo percebeu isso, mas os
futuros aposentados, os que se aposentarem pelas regras novas, só
contribuirão acima de 2.400 reais. Portanto, até esse valor haverá
isenção, coisa que não existe em muitos estados hoje. Em muitos
estados, as pessoas ganharão a isenção com a reforma, porque
pagam integralmente sobre todas as faixas.
Outra questão: os futuros aposentados, atuais servidores, não
terão teto. O critério da média será aplicado de maneira equilibra-
da, para preservar a relação entre o benefício e aquilo com que a
pessoa contribuiu ao longo de sua vida. Isso significa preservar o
sistema, o que as regras atuais não fazem.

117
A REFORMA NECESSÁRIA

Terceiro, a questão da idade mínima significa adequar minima-


mente o tempo de contribuição e de presença no sistema com o
tempo de retribuição. Minimamente, porque no mundo todo as ida-
des em discussão hoje são bem superiores – por exemplo, em países
como França, Áustria, Estados Unidos, Japão. Na América Latina
quase todos fizeram reformas que instituíram parâmetros muito mais
elevados. A lógica aqui é a de que a Previdência se refere a proteção
social, e não a um sistema para se aposentar antes da idade em que
não tenha mais capacidade laboral.
O fortalecimento do Estado está presente na proposta. Não
acredito que o Brasil seja um país que possa abrir mão do trabalho
de um auditor fiscal, de uma procuradora, de um juiz ou de uma
juíza, aos 48 anos, no caso da mulher, ou aos 53 anos, no caso do
homem. Não acredito que tenhamos recursos para isso hoje. Acre-
dito que é necessário reter essas pessoas, mantê-las trabalhando
para o Estado por mais tempo. Até porque, comparando com o
INSS, um trabalhador ou uma trabalhadora que chega aos 48 anos
no setor privado está fragilizado para permanecer no mercado de
trabalho. Quase sempre está entrando numa fase de queda de ren-
dimento e muitas vezes está desempregado.
No setor público não é assim. Felizmente, a nossa Constitui-
ção garante a permanência desse servidor enquanto ele desejar, até
os 70 anos. Portanto, não há razão para abrirmos mão desses com-
panheiros e companheiras, com 53 e 48 anos.
Acredito que a Reforma Previdenciária e a Tributária, da ma-
neira como foram remetidas ao Congresso Nacional, são funda-
mentais para o sucesso do Brasil nos próximos 30 anos. Em parti-
cular, para o sucesso do governo do presidente Lula. Acredito que
essa convicção, que permeou, inclusive, a relação de diálogo com
os 27 governadores, permitiu criar condições para apresentar a
proposta em um feito político inédito na história do Brasil, que foi o
presidente da República sair do palácio com 27 governadores e
entregar a proposta ao Congresso Nacional.
É óbvio que o Congresso é soberano para fazer alterações.
Sabemos que não seria razoável o Poder Executivo ter a pretensão
de limitar o que pode ser mudado. Mas temos a firme convicção de

118
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

que é possível discutir e convencer com argumentos que a propos-


ta que foi mandada é coerente, equilibrada, e de que o desejo do
governo é aprová-la assim como foi remetida.
Obviamente, aperfeiçoamentos sempre podem existir e
estamos abertos para discutir. Mas o fundamental é preservar o
espírito e a concepção, para podermos reverter o grave quadro
da Previdência do servidor público e abrir espaço para o Brasil, já
a partir de 2004, ter mais dinheiro para gastar na educação públi-
ca, na saúde pública, no saneamento básico, na moradia popular,
na segurança pública e nas demais políticas sociais.

119
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

José Dirceu

Uma necessidade
de justiça social

Temos vivido esses cinco meses num misto de felicidade e de


angústia. Felicidade, porque, por fim, governamos o Brasil e pode-
mos realizar os sonhos de muitas gerações e implementar um pro-
grama de governo pelo qual nos comprometemos com o país nas
eleições de 2002.
Angústia, porque o Brasil tem pressa e nós também. Precisa-
mos criar as condições para o país voltar a crescer, para distribuir
renda, para cumprir um programa em quatro anos de governo.
Temos de reorganizar o aparelho do Estado e reorganizar os
instrumentos para fazer o desenvolvimento do país. Tínhamos de
enfrentar a crise que herdamos, domá-la, impedir que ela se trans-
formasse numa crise política ou institucional, fazer a transição admi-
nistrativa – e ela foi feita. Quantos, no país, realmente tinham confiança,
certeza, acreditavam que faríamos a transição político-administrati-
va e governaríamos o país, como estamos governando?
Um certo órgão de imprensa sempre disse que o PT jamais
ganharia a eleição; e que se ganhasse a eleição jamais seria com
Lula. E se ganhasse a eleição com Lula jamais tomaria posse. E se
ganhasse a eleição, com Lula, e tomasse posse, jamais faria maioria
no Congresso e jamais conseguiria dar estabilidade administrativa

121
UMA NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL

ao país. Agora diz que nós estamos governando igual ao Fernando


Henrique Cardoso. Só restou isso para eles dizerem. E o nosso
desafio é exatamente esse, construir não só um governo, mas uma
ética de responsabilidade, uma ética pública, e reorganizar os ins-
trumentos de governo para mostrarmos e demonstrarmos que va-
mos mudar e que estamos mudando o país.
Nesse sentido, não só a Reforma Tributária e a Reforma
Previdenciária são pontos decisivos para virarmos a situação. É
preciso reorganizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-
mico e Social (BNDES), o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Fe-
deral, o Banco do Nordeste; reorganizar a pouca poupança públi-
ca que há no país, a capacidade de investimento que o país tem,
que não é privado, porque a poupança pública, na verdade, é ne-
gativa no país hoje, uma vez que o governo tem uma dívida interna
que drena praticamente toda a poupança do país; reorganizar os
ministérios, pois o Ministério das Telecomunicações, o de Minas e
Energia, o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e
outros estão completamente desorganizados. Se quisermos fazer
política industrial, política de ciência e tecnologia, substituição de
importações, política de exportação, teremos de reorganizar os ins-
trumentos da política no país.
Se queremos que o país volte a crescer, temos de reduzir os juros.
Essa questão é pacífica no governo. Para reduzir os juros, temos de
criar as condições, por isso é importante a redução da inflação.
O país sofreu nos últimos anos um processo de privatização,
cujos resultados estão à vista nos setores energético, ferroviário,
de telecomunicações. Todos sabemos que não há capitais públicos
suficientes para os investimentos que precisamos fazer na infra-es-
trutura do país. Talvez uma das questões mais importantes para o
país seja retomar os investimentos de infra-estrutura, porque as
estradas, as ferrovias, os portos e o sistema elétrico são condição
para o Brasil se desenvolver.
A verdade é que o modelo da privatização faliu, o modelo de
tarifas públicas e o modelo das agências reguladoras estão em cri-
se. Temos de remodelar estes modelos para retomar os investi-
mentos na infra-estrutura do país.

122
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

É preciso ver o que o governo está fazendo. A política inter-


nacional que o presidente Lula está fazendo está voltada para a
América do Sul, porque a integração física das comunicações, do
transporte, da energia, das telecomunicações, cultural, política,
social, comercial da América do Sul é o que nos dará condições
de ter voz no mundo. Quando o presidente Lula vai ao exterior e
retoma uma política de aproximação com a África do Sul, com
a Índia, com a China e com a Rússia, é porque estamos buscan-
do mercados alternativos. E quando o Brasil apresenta uma
contraproposta na Alca (Área de Livre Comércio das Améri-
cas), com Argentina, Uruguai e Paraguai, depois de a adminis-
tração dos Estados Unidos apresentar uma proposta para nós
inaceitável, já ocorre uma mudança de qualidade em relação ao
que vinha acontecendo. E quando o Brasil assume a posição que
está assumindo no mundo é porque estamos criando as condições
para mudar.
A Reforma Tributária, ainda que pareça, não é uma reforma
neutra. Ela é importantíssima para o país e vai gerar um debate
muito grande em relação ao pacto federativo, por causa da co-
brança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços) na origem e no destino. E o Congresso Nacional evi-
dentemente vai trazer à discussão outras questões, como a
progressividade dos impostos, particularmente do imposto de
renda. Mas é uma reforma decisiva para o futuro dos estados.
Vamos lembrar que vários estados do Brasil, neste momento,
nem sequer têm dinheiro para pagar o pessoal. Não estão pagan-
do o custeio. Não estou falando de investimento, não, estou fa-
lando de custeio.
Vamos ter de enfrentar o problema do pacto federativo, da
redistribuição de recursos do país, das contribuições que foram
criadas nos últimos anos e que não são repartidas com os estados
e com os municípios. Mas são importantíssimas as mudanças no
ICMS, na cumulatividade da Cofins (Contribuição para o Financia-
mento da Seguridade Social), a mudança da contribuição da Previ-
dência na folha de pagamento, do imposto sobre heranças e doa-
ções, da progressividade do imposto de renda.

123
UMA NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL

Reorganizando o Estado brasileiro

Sobre a Reforma da Previdência, considero que as posições


da professora Rosa Maria Marques aproximam-se de uma tese
que já nos foi apresentada pelo Unafisco (Sindicato Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal), nesses últimos anos, in-
clusive quando discutimos essa reforma no governo Fernando
Henrique Cardoso. Primeiro, a reforma não está sendo feita por
uma questão de superávit ou déficit. A reforma está sendo feita
porque é uma necessidade de justiça social. E eu digo e assumo
isso. Porque a questão que o país tem de discutir é – no nosso
nível de desenvolvimento, de riqueza, de excedente que fica na
mão do Estado – o que podemos ter como despesa na Previdên-
cia pública, do servidor público, para a parcela da população que
os servidores públicos representam, comparada com os 40 mi-
lhões de brasileiros que não têm Previdência nenhuma, com os 21
milhões que estão no Regime Geral da Previdência. Essa é a dis-
cussão de fundo: se o Brasil pode dar aposentadoria integral, apo-
sentadoria aos 48 anos e aos 53 anos aos servidores públicos, se
pode fazer com que o aposentado deixe de pagar 11% ao se
retirar do serviço público e portanto tenha o aumento de 11% no
seu rendimento. Ou seja, a questão é se o país tem condições
para fazer isso neste momento.
Eu digo isso com sinceridade. Eu não acho que seja razoável
defender aposentadoria aos 48 anos e aos 53 anos, num país como
o Brasil, na situação em que vivemos. É verdade que a transição
que está sendo proposta pode significar uma perda para alguns
setores. Isso tem de ser discutido, debatido. É para isso que existe
o Congresso Nacional.
O fim da aposentadoria integral num país onde a média do
que ganha o trabalhador no Sistema Geral é muito baixa é um pro-
blema político para nós. A rigor, numa concepção de Estado repu-
blicano, democrático, o ideal seria darmos ao servidor público uma
garantia de aposentadoria integral.
Vamos falar com franqueza: nossa perspectiva é reorganizar o
Estado brasileiro, sair do Estado mínimo, retomar os instrumentos e

124
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

os fundos que o Estado tem, fazer políticas públicas universais, reor-


ganizar o orçamento, os instrumentos de política industrial, tecnológica,
de desenvolvimento. Mas com o PIB que o Brasil tem, com a riqueza,
com a população, com a desigualdade que tem, isso não é possível.
Isso nós precisamos debater e dizer para a sociedade.
Quer dizer, o juiz, o delegado de polícia, o auditor, o professor
universitário deixarão de ter uma aposentadoria integral de 4 mil,
7 mil, 10 mil, 12 mil reais, para ter como teto 2.400 reais (haverá
uma transição, existe direito adquirido, estou dizendo isso para o
futuro). Mas, comparado com o conjunto da sociedade brasileira,
não é um absurdo. Evidentemente, para quem tem a expectativa, a
perspectiva de se aposentar hoje com salário integral, é uma perda.
Como é uma perda trabalhar mais sete anos, ou, na transição, per-
der 20%, 30% da sua aposentadoria integral. Assim como o é pa-
gar 11%, ou, na verdade, deixar de ganhar os 11%. Tudo isso é
uma perda. Mas a questão vai além.
A pergunta a fazer é se vamos parar nas Reformas Tributária e
Previdenciária. O governo acabou de dar um sinal de que tem po-
lítica, no financiamento da dívida dos inadimplentes da Previdência
e da Receita, da Fazenda, ao mudar a contribuição sobre o lucro
líquido e a Cofins. Ao mudar completamente a política de financia-
mento do campo, em particular para a pequena agricultura, que
pela primeira vez renegociou as suas dívidas. Ao instituir o seguro-
safra e a compra da safra da agricultura familiar, porque são bilhões
e bilhões de reais. Ao mudar a política do BNDES, do Banco do
Brasil, da Caixa Econômica. Ao dar outra destinação para os fun-
dos públicos e outra orientação para a política dos fundos, em ge-
ral, no país, evidentemente o governo demonstra que não tem dois
pesos e duas medidas.
Nós vamos ter de aprofundar a Reforma Tributária e a política
de distribuição de renda, porque o país não vai crescer, não vai se
desenvolver sem isso. É impossível um país da dimensão do Brasil,
com a população e o território que tem, com a estrutura produtiva
que tem, com os problemas de desigualdade, de violência, de se-
gurança pública que tem, crescer apenas com poupança externa e
com mercado externo.

125
UMA NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL

O Brasil tem de distribuir renda para expandir seu mercado


interno e se apoiar neste mercado para ter um desenvolvimento
auto-sustentável. Isso não se faz sem distribuição de renda e vamos
ter de enfrentar isso. Mas a cada dia, sua agonia. É preciso lembrar
que ganhamos a eleição numa correlação de forças, numa coalizão
política que não é o PT e nem a esquerda só, é de centro-esquerda.
Às vezes, vejo comentaristas se escandalizarem porque rece-
bemos o apoio dessa ou daquela força política que não é de es-
querda. Seríamos o primeiro governo a fazer haraquiri se recusás-
semos apoio para aprovar as nossas políticas. Isso é algo
inacreditável em política. A falta de pudor que a direita tem, que
setores da elite brasileira têm, eles, muitas vezes, querem atribuir a
nós. Mas nós nunca escondemos que íamos fazer essa política, e
nem o presidente Lula escondeu que ia fazer essas reformas quan-
do era candidato. Vamos lembrar bem isso. Eu faço questão de
repetir que, com exceção da cobrança dos inativos, o Diretório
Nacional do PT já aprovou essa reforma que nós estamos discutin-
do em Resoluções, e o Encontro do Partido também já aprovou.
Fico escandalizado, às vezes, porque o PT sempre defendeu
um sistema único, com teto e com aposentadoria complementar. É
que muitas vezes a gente aprova coisas no PT e os diferentes seto-
res da opinião pública, ou do partido, ou dos movimentos sociais,
acham que não é para valer. Então, a cobrança dos inativos, do
Regime Próprio da Previdência, para os servidores públicos, é uma
questão que as bancadas do PT, na Câmara e no Senado, vão ter
de enfrentar. Mas as outras propostas da reforma, não. O que não
quer dizer que o Congresso Nacional não tenha autonomia para
repactuar a reforma.
O governo vai defender a sua reforma. O PT e os partidos que
apóiam o governo têm o dever de analisar a reforma e propor as
mudanças que considerarem convenientes para o governo. Porque
nós somos governo agora, não oposição.
Então, quero dizer que entre a felicidade e a angústia, eu, par-
ticularmente, me sinto muito bem no governo, auxiliando o presi-
dente Lula e representando o nosso partido no governo. Espero
fazê-lo da melhor maneira possível, de acordo com o que sempre

126
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

defendi durante toda a minha vida. Tenho a consciência absoluta-


mente tranqüila sobre o que estamos fazendo. Só lamento não po-
der fazer mais e os erros que cometemos até agora. Mas muitas
vezes me pergunto quantos de nós acreditaríamos, há três, quatro
anos, que faríamos o que fizemos nesses cinco meses. Mas o que
fizemos nesses cinco meses é muito pouco diante do que temos de
fazer ainda.
O debate, a discussão, a polêmica, a democracia, a transpa-
rência, o pluralismo sempre caracterizaram o nosso partido. E eu
fiz questão de vir aqui para fazer parte desse momento da história
do PT, que é esse debate sobre as reformas. O problema do deba-
te não é ele ser público, sendo um debate contraditório. O proble-
ma é que nós somos governo e temos que apoiar o governo. Não
podemos ter ilusões sobre o que acontecerá se o governo fraquejar,
se o partido se dividir, se o governo perder apoio. Conhecemos
este filme e sabemos que a história, nesse caso, se repete. Então,
por isso, tenho a mais absoluta determinação de enfrentar o debate
democrático ao mesmo tempo que tenho a mais absoluta determi-
nação de sustentar o governo.

127
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

128
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Sulamis Dain

Condições econômicas e sociais

A discussão redistributiva relativa à Reforma da Previdência


deve ser tratada de modo um pouco mais amplo do que normal-
mente se considera, porque a Previdência Social nada mais é do
que o espelho da vida ativa dos indivíduos. Assim, se os indivíduos
são desiguais na sua vida ativa, também serão desiguais na inativi-
dade, e pouco pode fazer a Previdência para corrigir injustiças ge-
radas fora do tempo e do espaço de sua atuação. Se o Brasil tem
56,9 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e 24 milhões
abaixo da linha de indigência – e esses são números do Programa
Fome Zero –, temos um problema seriíssimo para construir a soli-
dariedade social, um valor que o Partido dos Trabalhadores e o
governo prezam tanto, neste mundo tão disfuncional e desigual.
A partir de um ponto de vista republicano, vou adotar o ponto
de vista dos indivíduos excluídos que precisamos incluir, por um
lado, e, por outro, a defesa do aparelho do Estado – e defender
que não são incompatíveis.
Temos de dar materialidade a direitos sociais e reconhecer
a materialidade do aparelho do Estado na presença dos seus
servidores. Isso é como construir em um terreno sujeito a terre-
motos. Temos de permitir que a construção oscile para não ra-

129
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

char. Precisamos de flexibilidade para entender que o sistema é


muito amplo e que o desafio brasileiro é fantástico. Também te-
mos de reconhecer que possuímos a melhor Previdência Social
da América Latina, e que temos feito um esforço, reiterado por
esse governo, para manter uma visão ampla e universal da soli-
dariedade social.
Participei de reuniões do Conselho de Desenvolvimento Eco-
nômico e Social em que a reiteração do programa de Previdência
Rural, como programa previdenciário não-assistencial, foi questio-
nada por empresários e outros representantes que queriam tirar do
rural sua condição de trabalhador, pelo fato de que o programa é
indiretamente contributivo. Mas o país resistiu, por intermédio de
suas várias representações da sociedade e do Executivo, garantin-
do mais uma vez os direitos estabelecidos em 1988.
Gostaria que a Reforma da Previdência pudesse dar cidada-
nia previdenciária e tributária àqueles que estão de certa maneira
no mundo informal. São 12,9 milhões de empresários – na verda-
de, trabalhadores desempregados: pipoqueiros, vendedores de
balas, ambulantes – que de alguma maneira têm de ser trazidos
para a Previdência, ganhar cidadania previdenciária e ter clareza
sobre seus direitos previdenciários. Nesse sentido, a proposta do
governo de criar uma nova porta de entrada para os trabalhado-
res precários, à semelhança dos trabalhadores rurais, é um enor-
me avanço.
Mas não se pode esquecer a perversidade que existe aqui. O
Brasil é campeão de desigualdade: em 1999, 1% da população se
apropriava de renda superior à dos 50% mais pobres. Outro dado:
os 50% mais ricos se apropriam de 86,1% da renda do trabalho,
enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 13,9%.
Essa questão da desigualdade no Brasil é fundamental, por-
que é a partir dela que se constroem as aberrações da Previdência.
Na verdade, se estivéssemos num país com maior homogeneidade,
seria menor a diferença entre o piso e o teto da distribuição das
contribuições e dos benefícios. É isso que é importante reconhe-
cer. Não gostaria que essa discussão fosse conduzida como uma
discussão redistributiva intramuros entre duas categorias de traba-

130
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

lhadores, porque na verdade ela é muito mais ampla, envolvendo


toda a desigualdade brasileira.
Na França, há 20 anos, quando comecei a estudar a Previ-
dência, acabou-se com o teto da contribuição previdenciária do
trabalhador. Não houve reclamações porque havia somente 1%
ou 2% dos trabalhadores que estavam acima do teto. O problema
que está na base do sistema brasileiro, e que temos de combater
com a inclusão social, é a desigualdade, a fragmentação e a
heterogeneidade brasileira.
Acho politicamente importante reconhecer esse fato porque –
embora acredite na necessidade de estabelecer um teto de contri-
buição e de benefício – não podemos abordar o assunto como uma
questão distributiva interna ao setor previdenciário.
Na França, os trabalhadores passaram a contribuir sem teto,
acima do limite, mas se manteve o teto de benefício. Quer dizer,
quem ganha 20, 30 ou 40 salários contribui sobre 40, mas só rece-
be 10. Por quê? Porque o piso é um salário de suficiência e dez
vezes o piso é dez vezes o salário de suficiência.
Então, ao mesmo tempo que precisamos reconhecer a ques-
tão do teto previdenciário como uma realidade necessária, também
não podemos perder de vista a importância de atrelar esse piso ao
valor do salário mínimo, senão daqui a pouco teremos um novo
teto de cinco salários mínimos.
Nossa desigualdade social aparece de novo no Quadro 1, com
a distribuição dos assalariados por nível de rendimento. Sessenta e
cinco por cento dos trabalhadores brasileiros assalariados formais
ganham até três salários mínimos. Por isso é que nunca conseguiram
baixar o teto da Previdência para três ou para cinco salários míni-
mos. A distribuição é tão perversa que, embora 65% ganhem até
três salários mínimos, os 10% que estão lá em cima são importantes
para manter o sistema funcionando. Dificilmente conseguiríamos
manter qualquer idéia de solidariedade social se excluíssemos os 10%
ou 15% de cima. Então foram feitas contas e se manteve o piso em
dez salários, ao longo de todo esse período horroroso que foi a dé-
cada de 1990, porque simplesmente não vale a pena do ponto de
vista de financiamento previdenciário. Essa é a nossa realidade.

131
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Quadro 1
Distribuição dos assalariados, por níveis de rendimento
Brasil e grandes regiões – 1999
(em %)
Nível de Norte Centro-
Brasil Nordeste Sudeste S ul
rendimentos Urbana Oeste
Até 1 salário
18,2 21,3 40,9 10,5 11,0 16,2
mínimo
Mais de 1 a 2
26,6 30,6 29,4 23,2 29,5 32,3
salários mínimos
Mais de 2 a 3
20,7 17,6 12,4 23,6 24,1 20,4
salários mínimos
Mais de 3 a 5
15,0 14,1 7,6 18,2 16,5 12,9
salários mínimos
Mais de 5 a 10
12,1 10,9 5,7 15,2 12,4 11,1
salários mínimos
Mais de 10 a 20
4,3 3,9 2,2 5,4 4,1 4,3
salários mínimos
Mais de 20
1,9 1,3 1,0 2,3 1,7 2,3
salários mínimos
Sem rendimento 0,2 0,1 0,3 0,1 0,2 0,1
Sem declaração 1,0 0,2 0,5 1,5 0,5 0,4
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,0 100,0
Empregados 36.805.740 1.607.767 8.096.902 18.172.580 6.019.420 2.875.962
Trabalhadores
5.334.533 252.183 1.153.222 2.638.264 804.142 482.619
domésticos
Total 42.140.273 1.859.950 9.250.124 20.810.844 6.823.562 3.358.581

Outro dado do Ministério da Previdência, extremamente im-


portante, e que já foi mencionado, é que existem 28,3 milhões de
contribuintes e mais 18,7 milhões de potenciais contribuintes, pes-
soas que poderiam ser incluídas, que melhorariam muito a equação
previdenciária, porque fazem parte da população ativa, mas não
estão incluídas na Previdência hoje por estarem desempregadas ou
serem trabalhadores informais.
Vejamos algumas comparações entre o setor privado e os
servidores públicos civis da União no Quadro 2. A remuneração
média dos trabalhadores civis da União é de 2.457 reais e a dos
trabalhadores do setor privado é de 887 reais. E há uma relação
entre aposentadoria e remuneração mais ou menos semelhante
entre os dois segmentos, embora obviamente os valores sejam
muito diferentes.

132
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Quadro 2

Comparações entre PEA ocupada no setor privado e servidores públicos civis da União
Remuneração e aposentadoria
RGPS Servidores
– média 2002
Remuneração média dos filiados
887,47 2.457,41
que contribuem pelo salário
Aposentadoria média concedida
812,30 2.188,73
por tempo de contribuição
% Aposentadoria / remuneração 91,5% 89,1%

Idade RGPS Servidores


Idade média dos aposentados –
– 68,4
masculino
Idade média dos aposentados –
– 63,9
feminino
Idade média dos aposentados – 66,4

Escolaridade – Trabalhadores
RGPS Servidores
e Servidores ocupados – 2002
Pós-graduação strictu sensu nd 8,6%
Superior completo nd 45,6%
Segundo grau completo ou pelo
20,4% 28,5%
menos superior incompleto
Primeiro grau completo 34,1% 8,8%
Até primeiro grau completo, inclui
45,5% 8,5%
não informado

Por que é diferente a remuneração do setor público relativa-


mente à remuneração dos trabalhadores do setor privado? Porque
há uma diferença de escolaridade entre o setor público e o setor
privado. Entre os que contribuem para o Regime Geral e o Regime
dos Servidores 8,6% dos servidores têm pós-graduação strictu
sensu, mestrado ou doutorado; 45% dos trabalhadores têm curso
superior completo. Mais de 50% dos trabalhadores do setor públi-
co ganham mais porque têm um tipo de qualificação, são con-
cursados, têm um tipo de engajamento de longo prazo com seu
trabalho, de qualificação, de aperfeiçoamento. O padrão do se-

133
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

gundo grau completo ainda é superior no caso dos servidores e


apenas 8,8% têm apenas o primeiro grau completo.
No Regime Geral isso é o resultado da aberração brasileira:
quase 80% da população trabalhadora tem uma escolaridade que
vai apenas até o primeiro grau completo. Isso também explica as
diferenças salariais. Não é por nenhuma benesse do Estado, e sim
por diferenças de qualificação, que há essa diferença de remunera-
ção entre os trabalhadores do setor público e do setor privado.
Acredito que o governo está respeitando e aprofundando a
idéia de solidariedade social introduzida na Constituição de 1988,
o que considero fundamental. Qual é o sentido dessa Constituição?
Ela uniu direitos individuais e coletivos, os direitos daqueles que
contribuem e dos que não têm capacidade contributiva. Para isso
combinou, como nos países avançados, impostos e contribuições.
As contribuições verdadeiras sobre a folha de salário, expressando
um vínculo entre contribuição e benefício, respeitando a hierarquia
dos salários até o teto, mas também os impostos, que se encarre-
gam dos gastos redistributivos, porque a Previdência pretende e
continuará pretendendo ser uma Previdência securitária, no sentido
de dar segurança à população, de trabalhar para a inclusão.
Isso só se pode fazer com impostos. Desse ponto de vista, o
aparelho do Estado tem de ser financiado de forma tributária. Nin-
guém diz que ministérios são deficitários. Por definição, não ven-
dem nada e têm de ser financiados por impostos, que são a fonte
adequada para a cobertura de gastos a fundo perdido. Da mesma
maneira, a inclusão social só se financia por impostos. É fundamen-
tal, por exemplo, pagar os trabalhadores da Previdência rural que
não têm capacidade contributiva, ao menos durante parte do ano –
às vezes têm condição de mercantilizar uma parte do seu trabalho,
outras vezes não.
Aqui cabe relatar algo que é absolutamente decisivo e mostra
a importância da proteção social e da Previdência rural na distribui-
ção de renda no Brasil. A pobreza rural seria enorme se não fosse
a Previdência e o seu papel de inclusão social. A Previdência rural
mudou a distribuição de renda, no Nordeste como no Sul do país.
Outra coisa que é fundamental: a criação do seguro-agrícola, por-

134
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

que, numa família em que todos trabalham na agricultura, o fato de


haver dois velhinhos aposentados garante que se possa produzir o
ano inteiro e, quando não se tem mais nada, tem-se a aposentado-
ria como seguro.
Isso reforçou, na agricultura brasileira, a presença do peque-
no produtor rural, que hoje, por meio da Contag (Confederação
dos Trabalhadores na Agricultura), em negociação com o Ministé-
rio da Previdência, já busca se separar dessa Previdência básica e
caminhar para uma Previdência contributiva.
Esse é o potencial da inclusão: quando se dá a mão a um
conjunto segregado de trabalhadores, quando se institui o direito
à Previdência.
Isso não significa optar por uma Previdência básica, com be-
nefícios de valor único. Essa seria uma proposta liberal. A propos-
ta que o Brasil tem feito, ao contrário, é a de reforço a uma forma
de inclusão, de cidadania previdenciária, que mais tarde permitiria
aos bem-sucedidos avançar, no sentido de chegar ao Ministério e
dizer: “Eu quero contribuir com mais (e receber mais)”. E imagino
que se possa fazer isso também em relação aos trabalhadores ur-
banos precários.

Orçamento da Seguridade Social

Obviamente toda essa ação sempre esteve amparada na idéia


do orçamento da Seguridade Social, pois a nossa Constituição ci-
dadã é com razão desconfiada em relação à garantia de recursos
para os mais pobres. Temos uma Constituição muito extensa em
relação aos outros países, porque não acreditamos na lei. Nela
pusemos a idéia do orçamento da Seguridade.
O Gráfico 1, com dados do Ministério da Previdência, estima
a linha de pobreza dos trabalhadores, dos idosos, se não houvesse
as transferências. Isso se deve essencialmente à renda mensal vita-
lícia, à Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e à Previdência
rural brasileira – para se perceber a extensão da proteção social já
obtida no Brasil, que o governo Lula certamente aumentará. Por
essa razão, é importante prezar o orçamento da Seguridade Social.

135
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Gráfico 1
O grau de pobreza entre os idosos é substancialmente inferior ao
da população mais jovem e, caso não houvesse as transferências
da Previdência, a pobreza entre os idosos triplicaria.

Grau de pobreza por idade


1999
80

70 Linha de pobreza estimada


caso não houvesse
60 transferências da Previdência
% de pobres

50

40

30

20 Linha da pobreza observada

10

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85 90 95 100
Idade (em anos)

No Quadro 3 estão as receitas das contribuições sociais. A


do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que é a mais
importante, e depois todas as contribuições sociais criadas ou au-
mentadas em nome da Seguridade Social. A Seguridade Social
não é perdulária: criou compromissos, mas também criou capaci-
dade de contribuição, exatamente no mesmo momento, no capí-
tulo da Ordem Social, na Constituição de 1988. Por esse argu-
mento e por essa lógica – que é a lógica dos fatos – existem recei-
tas primárias que são do orçamento da Seguridade, 171 bilhões
de reais, e despesas primárias de 136 bilhões de reais, o que dá
um resultado primário superavitário no orçamento da Seguridade
Social de 35,7 bilhões de reais. Esse é um dado do balanço da
Seguridade Social de 2002.

136
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Quadro 3
Receitas e despesas da Seguridade Social
OGU 2002

Receitas de contribuições sociais 170.065,2


Contribuição previdenciária INSS 70.921,4
Cofins 51.030,6
CPMF 20.264,7
PIS/P asep 12.590,2
CSLL 12.457,8
Contribuições correção FGTS 1.425,8
Outras contribuições sociais 1.374,7
Receitas próprias 1.840,5
INSS 951,1
Ministério da Saúde 889,4
Total de receitas primárias exclusivas do orçamento da
171.905,7
Seguridade Social

Total de despesas primárias 136.168,0316

"Resultado do orçamento da Seguridade Social, exclui regimes próprios"

Resultado primário obtido por meio do orçamento da


35.737,7
Seguridade Social

O Quadro 4 apresenta as despesas financiadas com esse or-


çamento, a LOAS e a Renda Mensal Vitalícia, o Regime Geral de
Previdência Social, as ações de saúde e saneamento, a assistência
social etc. O item 6, pessoal ativo, está presente porque os traba-
lhadores da saúde, da Previdência, são atividade-meio da Seguridade
Social e, dessa maneira, estão incluídos nas despesas. Já estão ali
os 2 bilhões de reais do Fundo da Pobreza e outros encargos espe-
ciais. Estas rubricas somam 137 bilhões de reais.
O Gráfico 2 mostra a existência e a evolução do superávit
orçamentário, o que não implica aceitar que se possa fazer qual-
quer coisa com estes recursos. A construção de um orçamento
depende de prioridades. Se escolhermos o social como prioridade,

137
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

o que sobrar para ser financiado é que será fonte de pressão, ori-
gem do déficit. A interpretação do resultado de qualquer orçamen-
to depende de escolhermos por onde começar.

Quadro 4
OGU 2002
Despesas da Seguridade Social
exclui encargos previdenciários da União

Valores
TIPO
p ag o s
1 - Assistenciais (LOAS e RMV) 5.145,20
1 - RGPS 86.000,60
2 - Ações de saúde e saneamento 19.770,30
3 - Ações de assistência social 319,60
4 - Outras ações da Seguridade 3.311,10
6 - Pessoal ativo e encargos 5.697,50
7 - Ações FAT 11.951,60
8 - Ações do Fundo da Pobreza 2.130,00
9 - Encargos especiais 2.751,20
Total Global 137.077,00

Gráfico 2
Seguridade Social
Superávit orçamentário
40.000

Em bilhões de reais
35.000

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0
1997 2001 2003

138
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Quero chamar a atenção para isso: além de cobrir os gastos


com os inativos do setor público, ainda sobram recursos do orça-
mento da Seguridade Social. Em março de 2003, tínhamos 9 bi-
lhões de reais que eram oferecidos ao Tesouro, por conta desse
excedente, no orçamento da Seguridade Social. É um dinheiro que
foi arrecadado, não desvinculado, não desviado, não gasto, e que
faz parte do superávit.
Assim, o orçamento da Seguridade financia todas as suas des-
pesas e contribui para o superávit primário da União. Temos a res-
ponsabilidade e a obrigação de honrar os gastos finalísticos, assim
como as atividades-meio do orçamento da Seguridade. Mas não
podemos esquecer que esse orçamento não apresenta déficits,
embora não seja um orçamento folgado, dado que os compromis-
sos com a inclusão são enormes e, certamente, absorverão esses e
outros recursos.
O Gráfico 3 nos dá uma idéia de como estão atualmente os
impostos e contribuições no Brasil. Apresenta o peso da Cofins
(Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), da
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF),
do PIS-Pasep, da contribuição sobre o lucro, todas elas contribui-
ções sociais, a maioria sobre o faturamento. Quem paga mais, pro-
porcionalmente, é a população mais pobre, vítima preferencial deste
ônus indireto.
Gráfico 3
Carga por principais tributos – 2002
Carga total 36,1% do PIB
CSLL Demais ICMS
3% 16% 21%

IPI
IR 4%
16%

II
2%

PIS/Pasep
3% FGTS Previdência
CPMF 5% 15%
Cofins
4% 11%

139
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

As contribuições da Seguridade Social foram as que mais cres-


ceram nos últimos anos. E como o governo federal não explorou a
produtividade dos impostos, para não dividir com estados e muni-
cípios, as contribuições passaram a centralizar não só o financia-
mento da Seguridade, como também a fazer frente às despesas do
Orçamento da União e ao enorme passivo financeiro que o gover-
no Lula encontrou.
O Gráfico 4 traz a evolução da dívida pública brasileira em
comparação com as despesas de pessoal. Considerando o peso
da dívida e seu crescimento relativamente ao peso do gasto com
pessoal da União, tenho a esperança de que se aproxime a oportu-
nidade de reverter essa situação e, portanto, de existirem brechas
no nosso orçamento, sem que isso implique simplesmente cortar
gastos sociais.

Gráfico 4
Evolução da dívida pública brasileira –
Comparação com despesas de pessoal
700

600
1994
500
2001
400

300

200

100

0
DLT DPF DAD DPU

Outra questão é que, ao longo do período 1995-2002, os


servidores, em termos de despesa total de pessoal, mantiveram uma
participação percentual praticamente estável em relação ao Produ-

140
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

to Interno Bruto (PIB), como se vê no Quadro 5. O interessante é


que todas as faixas de servidores públicos têm tido participação
decrescente em relação à receita corrente líquida (Quadro 6), que
é o conceito introduzido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Portanto, não se pode dizer que os servidores do Estado, na
sua vida ativa, estejam onerando a receita pública. Pelo contrário,
a sua participação é decrescente.
O que me preocupa é que não se contratou ninguém no setor
público na década de 1990. Não se fizeram concursos e todos os
novos servidores públicos vieram por contratos precários ou
terceirizados. Isso não gerou contribuição para a Previdência So-
cial. Se tivessem sido contratados da maneira formal e correta, a
relação ativo/inativo seria muito menos desfavorável do que é hoje.

Quadro 5
A Reforma da Previdência e os serviços
Despesa total de pessoal – Evolução ante o PIB
% PIB 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Total Executivo 4,65 4,17 3,98 3,99 4,10 4,09 4,13 4,27
Total Legislativo 0,19 0,19 0,20 0,20 0,20 0,19 0,20 0,22
Total Judiciário 0,40 0,41 0,49 0,61 0,61 0,64 0,70 0,72
Total MPU 0,04 0,04 0,05 0,06 0,05 0,06 0,07 0,07
Total Transferências 0,40 0,26 0,24 0,23 0,23 0,24 0,23 0,27
Servidores e
5,68 5,07 4,95 5,09 5,20 5,22 5,33 5,55
Militares
Fonte: Boletim de Pessoal-MPOG –SRH

Estamos diante da precarização do setor público. A Receita


Federal já se deu conta disso e estabeleceu uma forma de paga-
mento de imposto para os consultores no serviço público. Mas isso
ainda não existe no mundo previdenciário.
De alguma maneira, existe um potencial contributivo maior no
setor público do que aquele efetivamente apropriado. Assim, o
desequilíbrio do setor público é estruturalmente menos grave, por-
que estamos pagando a inatividade de cerca de 1 milhão de funcio-

141
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

nários e os ativos, hoje, são 400 mil. Então, essa relação tenderá a
se equilibrar a longo prazo.

Quadro 6
Despesa total de pessoal – Evolução ante a receita corrente líquida

% RCL 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002


Total 54,5 44,2 44,4 44,6 38,6 38,3 38,2 36,7
Servidores
38,17 31,75 32,23 31,12 27,99 27,34 26,25 24,77
civis
Total ativos 22,40 18,60 19,05 17,57 16,04 16,13 15,94 15,04
Total
11,55 9,63 9,74 10,00 8,72 8,04 7,40 6,98
aposentados
Total pensão 4,22 3,53 3,44 3,55 3,23 3,17 2,91 2,75
Militares 12,49 10,13 10,09 11,39 8,88 9,19 10,32 10,20
Total ativos 5,74 4,58 4,35 5,04 3,19 3,89 3,81 3,92
Total
3,86 3,27 3,16 3,56 3,17 2,94 3,83 3,63
aposentados
Total pensão 2,89 2,28 2,57 2,79 2,53 2,35 2,68 2,64
Transferências 3,84 2,30 2,12 2,05 1,74 1,75 1,68 1,77
Fonte: Boletim de Pessoal – MPOG-SRH

O Gráfico 5 mostra algo importante, que é o peso da renúncia


de arrecadação no desajuste do Regime Geral. Isso é um absurdo
e tenho certeza de que uma revisão administrativa dessa renúncia
melhoraria em muito a equação do equilíbrio previdenciário. Acho,
inclusive, que se deveria trocar renúncia por subsídio do governo.
Subsídio orçamentário é transparente e pode ser associado a pro-
gramas de indução a certos comportamentos. A renúncia é um
submundo, uma escuridão da qual nada se sabe, mera desmercan-
tilização do setor privado, dito de mercado. No Brasil, a renúncia
de arrecadação no financiamento da Previdência é quase tão gran-
de quanto o peso dos rurais na explicação do desajuste financeiro
do Regime Geral.
O Gráfico 6 mostra uma projeção, tirada da Lei de Diretrizes
Orçamentárias, do anexo de metas fiscais, que comprova o que
afirmei: no futuro, em 2022, o Regime do Servidor Público e o

142
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Regime Próprio dos militares terão um peso menor do que têm


hoje, em termos de PIB, na evolução da necessidade de financia-
mento, exatamente devido a essa mudança de populações. Assim,
o desequilíbrio dos servidores públicos é mais transitório do que se
imagina. Por outro lado, o Regime Geral terá uma evolução um
pouco menos favorável, a não ser que se consiga minimizar a re-
núncia de arrecadação e que os trabalhadores rurais possam ser
mais contributivos.

Gráfico 5
Desajustes – Regime Geral (INSS)

14

12
Em bilhões de reais

10

0
Rurais Renúncia Rmv

Não pretendo discutir a reforma em todos os seus detalhes,


mas queria tocar em algumas questões que me parecem importan-
tes. Existe um teto de contribuição, ele foi posto; o problema não é
o teto, mas é o valor do salário, do piso e do teto. É esse o proble-
ma no Brasil. Todo país tem um teto e, normalmente, o intervalo de
1 a 10 é suficiente para cobrir toda a população. O problema é que
somos um país extremamente desigual e perverso, e – enquanto
não se corrigir isso – haverá muitos a reclamar desse teto, mas nem
por isso ele pode deixar de ser estabelecido.

143
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Gráfico 6
Evolução da necessidade de financiamento previdenciária em bilhões
de reais como proporção do PIB – 2003/2022

2,50%

2,00%
Regime Geral
Próprio Servidores
Próprio Militares
1,50%

1,00%

0,50%

0,00%
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010

2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
2022
2011

Fonte: LDO/2004 – Anexo de Metas Fiscais

Também é importante a questão do teto de benefícios, que já


deveria existir há muito tempo. Sob meu ponto de vista, se não fossem
as questões jurídicas apontadas, esse teto poderia ter sido menor.
Quanto à idade de aposentadoria, também não vejo nenhum
sentido em não existir uma idade. Apenas considero que deveria
haver uma transição para aqueles que estão trabalhando hoje e que
têm expectativa de direitos.
Passei minha vida acreditando que deveria haver uma contri-
buição para inativos. Por quê? Em primeiro lugar, por conta da
questão da solidariedade intergeracional. Desse ponto de vista, por
uma questão de princípio, eu já seria a favor da contribuição dos
inativos. Acho que essa discussão está muito prejudicada porque
veio no bojo de uma discussão maior, em que expectativas de di-
reitos são revistas. Senão, tenho certeza de que a idéia da contri-
buição dos inativos passaria de modo muito mais fácil.

144
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

A verdade é que essa discussão é muito emocional porque


vem misturada com outras questões. Sou a favor da taxação, mas
acho que deveria haver uma proposta intermediária, levando em
conta que nos anos 1990 houve uma expansão indevida das pes-
soas que misturaram o tempo de serviço do Regime Geral com o
de trabalhador do setor público para se aposentar nos mais altos
salários da República. Houve gente que trouxe tempo do INSS e se
aposentou com dois anos de serviço público.
Essa é outra questão, a da aposentadoria precoce, na qual, se
tivesse alguma voz, eu proporia que, em vez de trabalhar por faixa
de isenção, se trabalhasse por limite de idade, como faz, aliás, o
imposto de renda. Se o objetivo é dar conta das aposentadorias
precoces, as pessoas seriam oneradas pela contribuição dos inati-
vos até os 65 anos.
Do meu ponto de vista, é essencial para a tramitação da pro-
posta do governo que haja uma salvaguarda para aplicação dos
ganhos com a questão distributiva interna, no orçamento da
Seguridade. Porque a tradição orçamentária brasileira tem sido a
de aplicar os recursos da Seguridade Social em outras finalida-
des. Portanto, no mínimo a questão redistributiva interna entre as
várias clientelas deveria ser apropriada no orçamento da Seguri-
dade Social.
O Quadro 7 mostra que as alíquotas efetivas não serão iguais a
11% porque, se diminui o vencimento, é possível descontar isso do
Imposto de Renda. Então, na verdade, quem ganha 2.115 reais vai
pagar 5% de contribuição dos inativos, quem ganha 5 mil reais
vai pagar 7,7%, quem ganha 10 mil reais vai pagar 9,3%.
O Quadro 8 mostra como é hoje a estatística. Quantos são
os aposentados, quantos excedem o teto, que são 63% das apo-
sentadorias e 53% do valor. E, caso se estabelecesse, por exem-
plo, um teto de 2.400 reais, apenas 21,19% dos aposentados pa-
gariam. Como a contribuição dos inativos é essencialmente para
resolver problemas dos governos estaduais, há muito poucos tra-
balhadores que ganham acima desse teto. Então seria inteiramen-
te inócuo.

145
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Quadro 7
Alíquotas efetivas
de contribuição

R ed u ção
Salário
de salário
bruto
líquido
Até 1.058 0

1.500 2,88%

2.115 5,05%

2.500 5,11%

3.000 5,96%

4.000 7,06%

5.000 7,78%

6.000 8,2%

7.000 8,6%

10.000 9,3%

Quadro 8

Aposentados

Estatística Excedente %
do Teto

Teto Quantidade 251.082 63,46%


(R$ 1.058,00)
Valor 430.255.857,36 53,08%

Quantidade 83.847 21,19% Total da Folha Total de


Teto Aposentados
(R$ 2.400,00)
Valor 251.644.953,05 31,05% 810.540.418,40 395.631

146
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Pensionistas
Excedente
Estatística do Teto %
(R$ 2.400,00)

Teto Quantidade 75.063 28,21%


(R$ 1.058,00)
Valor 132.199.796,50 41,68%

Quantidade 27.170 10,21% Total da Folha Total de


Teto Pensionistas
(R$ 2.400,00)
Valor 78.217.102,59 24,66% 317.144.409,29 266.106

Queria discutir duas questões importantes do ponto de vista


tributário e fazer uma ponte entre a Reforma da Previdência e a
Tributária. A primeira delas é a questão da desoneração da folha
de salários. O Ministério da Previdência promoveu no início de
2003 um debate sobre o tema, do qual tive o prazer de participar.
Acho que a folha de salários é a expressão do mundo do trabalho.
E nos defrontamos com uma situação nova, pois temos rendimen-
tos do trabalho sem assalariamento. Então, independentemente de
se fazer qualquer coisa a respeito, a folha de salários cai em partici-
pação no financiamento da Previdência.
Mas, de qualquer maneira, eu faria uma desoneração da folha
de salários, bem gradual, para ver os impactos, porque isso vai
mudar a incidência setorial. O setor que paga pouco vai pagar mui-
to. E a gente não sabe exatamente para onde vai a carga tributária.
Mas certamente, no caso da micro e pequena empresa, a deso-
neração da folha de salários vai ter um impacto favorável importan-
te, principalmente para aquela que não está no Simples (Sistema
Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Mi-
croempresas e Empresas de Pequeno Porte)1.

1. Trata-se de um regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido, aplicável às


pessoas jurídicas consideradas como Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte
(EPP), nos termos definidos na Lei 9.317, de 5/12/1996, e alterações posteriores, estabe-
lecido em cumprimento ao que determina o disposto no art. 179 da Constituição Federal
de 1988. Constitui-se em uma forma simplificada e unificada de recolhimento de tribu-
tos, por meio da aplicação de percentuais favorecidos e progressivos, incidentes sobre
uma única base de cálculo, a receita bruta. (Fonte: site da Secretaria da Receita Federal:
<http://www.receita.fazenda.gov.br>)

147
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

Como não se deve dar nada de graça ao capital, que já tem


tanto, isso devia ser acompanhado de alguma imposição em termos
de contratação, de primeiro emprego, de pessoas desempregadas.
Ou seja, é importante que a desoneração da folha de salários seja
acompanhada de alguma contrapartida pelo empregador a favor
dos trabalhadores e da Previdência.
Finalmente, acho importantíssima a idéia de inclusão social
exposta pelo ministro Berzoini. O que me parece extremamente
curioso é que a política universal de renda mínima, associada à
CPMF, tenha sido abordada na Reforma Tributária, e não na Refor-
ma da Previdência, à qual ela pertence.
Do meu ponto de vista, estamos buscando uma contribuição
para fazer um programa de renda mínima universal. Essa é uma
obrigação previdenciária, não tem nada a ver com a Reforma Tri-
butária, e tenho certeza de que o nosso governo não vai usar um
discurso falso em relação à política social. O PIS-Pasep, o Finsocial,
a CPMF foram criados em nome do social, mas ele só se apropriou
deles muito recentemente.
Na verdade, essa idéia de contribuição, que está prevista no
inciso IV do artigo 195, que versa sobre a preservação da CPMF,
deveria pertencer à Seguridade Social. Ou seja, eu quero a Refor-
ma da Previdência, mas quero mais reformas. Quero uma reforma
que tenha capacidade de garantir um sistema universal de saúde,
uma assistência universal menos mesquinha do que aquela que ad-
mite apenas um benefício para uma família que tem renda inferior a
um salário mínimo. É preciso haver cinco pessoas morando na
mesma casa, com a mesma renda de um salário, para poder ter
direito ao benefício da LOAS. Quem não tem onde morar e vai mo-
rar com o seu filho, junta duas famílias, perde o direito porque, se
ganha mais do que um salário mínimo, está fora. Então, essa é uma
questão que tem de ser revista, numa idéia de uma Seguridade So-
cial abrangente. Espero que a CPMF possa reencontrar seu verda-
deiro nicho, sendo extraída da Reforma Tributária e trazida para a
da Seguridade Social.
Finalmente, uma última nota: a Previdência complementar é uma
preocupação que já estava posta por vários economistas nos deba-

148
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

tes da Previdência desde 1986 e que está, inclusive, prevista desde


então, embora nunca implementada. Fico feliz com a idéia de termos
um fundo público e queria que ele tivesse um caráter mais abrangente,
menos segmentado, menos apropriado corporativamente.
Gostaria de apresentar uma proposta que também já está cir-
culando desde a metade dos anos 1990, que é a idéia de criar um
fundo público, agora associado à elevação dos recursos do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Seria criada uma
Letra do Desenvolvimento Econômico para alavancar investimen-
tos de infra-estrutura. Por quê? Porque infra-estrutura é investi-
mento de longo prazo que, embora não dê a melhor remuneração
do mundo, tem uma rentabilidade garantida. Quando se investe em
saneamento, já tem alguém que está esperando a torneira chegar na
casa dele. Quando se aumenta a eletrificação, tem alguém que vai
acender a luz todos os dias. Portanto, energia elétrica e saneamen-
to básico são investimentos adequados para lastrear um fundo que
todos queremos. E, queremos que seja seguro, para o bem dos
trabalhadores e de seu futuro.

149
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

João Antonio Felicio

A CUT e a Reforma
da Previdência

Todas as vezes que se tentou implantar reformas neste país,


nossa central sindical foi alijada do processo de discussão. Agora
poder debater com o governo e com o PT não é pouco para quem
vivenciou, durante 20 anos, um processo de isolamento na relação
com o poder público. É muito positivo para todos nós, especial-
mente para os sindicalistas deste país que sempre encontraram di-
ficuldade na relação com o poder público.
Falo em nome da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Não
são opiniões meramente pessoais. Sou servidor público, professor
de escola pública, mas, quando falo em nome da CUT, falo em nome
das categorias filiadas, inclusive as da iniciativa privada. Portanto,
há na CUT uma ampla maioria que concorda com essas opiniões.
Há também um setor que não concorda, e o nosso debate gera a
riqueza da CUT, assim como a do PT.
Acho que a forma como se colocou o debate da Reforma da
Previdência na sociedade gerou um certo preconceito. Sinto isso
inclusive no movimento sindical. Aliás, sinto na pele o preconceito
que se tem contra o servidor público na sociedade brasileira. A
forma como se apresentou o debate gerou a opinião de que o
servidor público ganha muito bem neste país. Média é média.

151
A CUT E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

Quando se começa a apresentar a média na sociedade, acaba-se


gerando a opinião de que todos os servidores ganham bem. E
confesso que gostaria de ter uma cota-parte nessa média, porque
estou bem abaixo dela.
Discordo daqueles que afirmam que a proposta do governo
Lula tem uma tendência neoliberal. Se formos analisar a história das
reformas da Previdência que ocorreram no mundo todo, vamos per-
ceber que quem afirma isso está desinformado. Porque, na proposta
do governo, não significa privatização o fato de haver um teto de dez
salários mínimos e a possibilidade de criação do Fundo de Pensão
público sem fins lucrativos, fechado e com administração quadripartite.
A CUT sempre foi contra o processo de privatização feito pelos
governos anteriores. Portanto, seria um absurdo nos posicionarmos
favoravelmente à criação de um Fundo de Pensão privado. Mas,
francamente, não vemos isso na proposta do governo.
Quanto à maneira de se apresentarem os salários dos servido-
res públicos, vale ressaltar que todos sabemos que a matemática é
uma ciência exata, mas pode ser utilizada, ou apresentada, de acordo
com os objetivos que se queira alcançar. Quem apóia integralmente
a proposta vai buscar dados para defender a sua tese. Quem a
questiona busca outros dados.
Primeiro, a média. Temos aproximadamente 57% dos servido-
res públicos federais que ganham até 1.561 reais, ou seja, a maioria.
A média desses 57% é de 1.038 reais. A média salarial dos servido-
res públicos estaduais e municipais varia de um a quatro salários
mínimos. A imensa maioria encontra-se nessa faixa de um a quatro
salários mínimos. Então, é esse contingente que a reforma vai atingir.
Isso tem de ser levado obrigatoriamente em consideração.
Um outro número também importante: quando se compara a
média da aposentadoria dos servidores públicos, de cerca de 2 mil
reais, com a média do setor privado, que é de 400 reais, é necessá-
rio levar em consideração a existência de aproximadamente 7 mi-
lhões de trabalhadores rurais que recebem aposentadoria, correta-
mente, mas que puxam a média do setor privado para baixo.
Se computamos aqueles outros 43% dos funcionários públi-
cos – eu usei o referencial de 57% –, nossa média cresce. E se

152
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

calculamos esses dois setores, vamos verificar que a diferença não


é tão brutal assim. Aí teríamos uma média do setor privado, do
INSS, em torno de 770 reais, e a média do setor público em torno de
1.000 reais. Portanto inicialmente a diferença não é tão grande.
Ao analisar as médias do funcionalismo público estadual e
municipal, vamos verificar que elas não são tão diferentes da média
do INSS. São muito próximas porque devem ser comparadas ao
setor formal da economia. O funcionalismo público é um setor for-
mal da economia assim como aqueles que têm carteira assinada.
Não podemos comparar situações diferenciadas, com aqueles que
nunca pagaram a Previdência. Se fizermos esse tipo de compara-
ção, acabaremos cometendo uma injustiça, além de construir uma
análise incorreta.
A CUT sempre defendeu, ao longo da sua história, que deve
ser feita uma Reforma da Previdência. Isso não é uma posição de
momento, agora com o governo Lula. Defendemos isso desde 1995.
Porém, a CUT sempre defendeu primeiramente uma Reforma Tribu-
tária. É nela que se baliza o Estado que queremos, a divisão de
quem vai pagar, quem vai sustentar esse Estado. Infelizmente, no
Brasil, há um determinado setor que não paga imposto. Quem paga
é a classe média e o assalariado, além da população de baixa renda
sofrer, e muito, as conseqüências perversas da atual estrutura. Por-
tanto, seria mais interessante a Reforma Tributária ser discutida e
votada primeiro.

Fusões dos sistemas

A CUT defende a fusão dos dois sistemas previdenciários. Nes-


se sentido, nossa proposta é até mais radical que a do governo. De-
fendemos inclusive teto para os atuais funcionários públicos. É óbvio
que para fundir os dois sistemas seria necessária uma enorme quan-
tidade de recursos, porque os funcionários públicos que pagam so-
bre o total teriam de receber esse dinheiro, que seria repassado para
um fundo e o Estado com uma cota-parte. Eu não sei se isso seria
praticável, mas o correto na reforma seria isso, ter um sistema único,
universal para todos. Essa sempre foi a opinião da CUT.

153
A CUT E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

Quero reforçar outra questão já comentada aqui. Para se re-


solver o problema de déficit da Previdência, na nossa avaliação, a
taxação dos inativos de nada adianta. Essa taxação significa, pela
proposta do governo, 911 milhões de reais a mais ao ano. Talvez
seja uma enorme quantidade de recursos, mas significa apenas 5%
em relação ao déficit da Previdência.
Sobre a questão da idade, se fossem estabelecidas as idades
de 55 e 60 anos, a União arrecadaria aproximadamente 21 milhões
de reais, porque atrasaria parte daqueles que já estão em idade de
aposentadoria. Portanto, não é com essa proposta que vamos re-
solver o problema do déficit da Previdência pública.
Esclareço que não faremos uma luta para o governo federal
retirar seu projeto do Congresso Nacional. Até porque quem co-
nhece o Lula sabe que ele não faria isso. Portanto, essa seria uma
luta inócua. Nossa luta é para fazer emendas à proposta do gover-
no, na direção do que achamos mais adequado. É isso que deve-
mos e vamos fazer no Congresso Nacional, utilizando os instru-
mentos de luta que nossa Central Sindical sempre teve. Em 20 anos
de luta, a CUT sempre foi a mesma: ousada e combativa. O exercí-
cio da autonomia é fundamental e aprendemos a exercê-la, tam-
bém, no interior do PT.
A CUT propõe um teto de 4.800 reais para a aposentadoria do
setor público. Alguém pode dizer que não há dinheiro para isso. É
óbvio que, quando se eleva o teto e o trabalhador passa a pagar
sobre o novo valor, é necessário computar o tempo que ele pagou
sob um teto menor e o que vai pagar sob o maior, encontrando-se
um denominador comum.
E ainda achamos, de acordo com a necessidade da fusão, que
existem carreiras típicas de Estado, que poderão ser desestimuladas
se não houver um teto superior.
Ficamos profundamente satisfeitos, na reunião do Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social, na qual o ministro Ri-
cardo Berzoini estava presente, quando inclusive em alguns mo-
mentos votamos contra os empresários e em outros eles votaram
contra nós, mas onde ficou muito claro que o setor financeiro queria
um Fundo de Pensão privado. Nesta questão nós votamos con-

154
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

tra, a votação ficou empatada, mas acabou sendo aprovado o Fun-


do de Pensão público, fechado, com contribuição definida e bene-
fício definido.
O problema da idade talvez seja o ponto mais grave da pro-
posta do governo. Inicialmente, lembremos que se criou neste país
o mito de que o funcionário público se aposenta com salário inte-
gral. Qual salário integral? É só verificar o hollerith do servidor
público para vermos abonos, gratificações e outros penduricalhos
que serão perdidos ao se aposentar; assim o servidor sofrerá uma
redução imediata de 10%, 20%, 30%, 40%... É bom deixar isso
claro. Portanto, impor a essa pessoa trabalhar mais sete anos para
garantir sua aposentadoria integral não parece uma medida razoável.
Vejamos alguns dados da Reforma da Previdência que está
ocorrendo na França. Lá estão propondo 60 anos de idade para a
aposentadoria. Mas, na França, a situação do cidadão – de vida,
de trabalho, de proteção social do Estado – é muito diferente da do
Brasil. Se lá se propõe agora os 60 anos, aqui precisamos pelo
menos de uma fase transitória. Posso dizer que confesso que prefi-
ro a idéia de ser porteiro do Museu do Louvre a ser professor de
escola pública do estado de São Paulo.
Ainda sobre a questão do desconto nos proventos, utilize-
mos o exemplo de um funcionário público que ganha 1.000 reais.
Se ele sofrer uma subtração de 20% no salário, devido às gratifi-
cações que não serão computadas para a aposentadoria, seu ren-
dimento será reduzido para 800 reais. Se ele quiser se aposentar
agora, pelas regras atuais, subtraem-se ainda mais 35% dos seus
vencimentos, que vão despencar para algo em torno de 500 reais.
Como haverá uma unificação da alíquota de desconto no Brasil
todo, e em alguns estados a alíquota é menor do que 11%, pode-
rá acontecer mais um desconto. Se o funcionário, para sua des-
graça, tiver trabalhado parte da vida na iniciativa privada, ocorre-
rá uma nova subtração no seu salário. Se durante algum tempo,
no funcionalismo público, ele exerceu um cargo em que não com-
pletou a quantidade de anos exigida, mais uma nova subtração...
Essa proposta de reforma, como está, vai empobrecer ainda mais
o funcionário público.

155
A CUT E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

Então é necessário fazer uma análise mais detalhada do caso


dos funcionários de baixa renda, porque os de alta renda têm gor-
dura para queimar. Esses funcionários públicos, os trabalhadores
de baixa renda, compõem a imensa maioria do funcionalismo.
Portanto é preciso tomar cuidado com a questão da idade. Fize-
mos as contas necessárias. Vamos analisar, por exemplo, a situa-
ção de um funcionário público que ganha 4 mil reais. Ele tem 25
anos no setor privado e dez anos no público. Se estiver ganhando
4 mil reais, pela proposta, vai cair para 1.643 reais. Com mais
duas ou três subtrações, devido àquelas questões que coloquei,
cai para 1.000 reais.
Um cidadão que era da iniciativa privada veio para a esfera
pública e, de repente, vê uma proposta dessa natureza... Aqui tam-
bém se precisa de uma fase de transição, porque não se pode jogar
sobre ele a responsabilidade de uma mudança tão abrupta na sua
vida, quando estiver na velhice e não tiver mais tempo de optar por
um Fundo de Pensão complementar, seja público ou privado.
Como dizer para alguém, repentinamente, e que está beirando
a aposentadoria, que espera uma aposentadoria de 2 mil, 3 mil ou 4
mil reais: “Companheiro, a sua aposentadoria vai ser reduzida a um
quarto disso”. E ele responde o seguinte: “Mas como é que eu
posso, já com 60 anos, ir para um Fundo de Pensão privado?”
Não irá. A subtração no salário dele será brutal, não podemos en-
tender como razoável. Isso tem de ser mudado, sob pena de se
impor uma punição terrível para quem optou pelo serviço público.
Além disso, vejamos a questão do critério de valor das aposen-
tadorias e pensões. Aqui é preciso sempre levar em consideração o
salário que o cidadão ganha. Se é verdade que o cálculo deve ser
modificado para alguns setores do funcionalismo, também é verdade
que tem de haver salvaguarda para o cidadão de baixa renda. Ele
não pode sofrer uma subtração tão brutal nos seus vencimentos que
o coloque numa situação insustentável. Essa salvaguarda deve valer
para a aposentadoria, mas também para a pensão.
Sobre a questão da paridade entre ativos e inativos, há um
problema na proposta inicial do governo que coloca com muita
clareza que os já aposentados e os que estão em tempo de aposen-

156
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

tadoria terão a paridade. Mas aqueles que vão se aposentar no


futuro e os que entrarão sob o novo teto terão reajuste de acordo
com a inflação. Só que há um sério problema, a questão da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Vamos dar como exemplo um estado onde a legislação esti-
pula que se deve dar reajuste de acordo com a inflação para os
aposentados. Perfeito. Mas quando o governador vai dar o reajus-
te existe uma outra lei que diz que não se pode gastar mais do que
um determinado percentual com a folha de pagamentos. Qual é a
opção que o governador vai escolher, dar o reajuste ou respeitar a
lei? Ele vai respeitar a lei e não sancionará o reajuste, argumentan-
do que a Lei de Responsabilidade Fiscal é mais impositiva do que a
da concessão do reajuste. É isso que ele vai fazer. Para existir a
obrigatoriedade do reajuste, é preciso talvez uma nova redação
desse artigo, para evitarmos uma nova subtração na sua já mingua-
da aposentadoria.
Outro ponto importante é o estabelecimento de alíquotas de
contribuição. Quando falamos da necessidade de apresentar emen-
das à proposta do governo, não se trata somente de aumentá-las.
Queremos aperfeiçoar alguns aspectos da proposta, inclusive para
a iniciativa privada. Achamos que a questão do fator previdenciário
é um confisco brutal para os trabalhadores da iniciativa privada.
O que queremos mudar na proposta do governo? Se é tão
ruim a subtração de 5% ao ano para o setor público, também o
fator previdenciário é um confisco enorme para os trabalhadores
da iniciativa privada. Vamos conversar com os parlamentares para
fazer uma emenda, pelo menos para o trabalhador de baixa renda
da iniciativa privada não ser penalizado com uma subtração tão
acentuada. Precisamos combinar uma proposta que não seja tão
injusta para nenhum dos setores, sob pena de continuar havendo
um confisco enorme, especialmente para o cidadão de baixa renda.
Sobre a regulamentação das atividades especiais no setor pú-
blico, há algumas atividades especiais que constam da lei, mas até
hoje não foram regulamentadas. Nosso governo deveria – e vamos
lutar para isso ocorrer – elaborar uma lei de regulamentação logo,
para os setores com direito a aposentadoria especial passarem a

157
A CUT E A R EFORMA DA P REVIDÊNCIA

tê-lo, devido ao desgaste físico e mental no exercício de algumas


funções; e para algumas categorias da iniciativa privada, como por
exemplo quem trabalha em fundição, mina de carvão etc. Isso pre-
cisa de ser regulamentado porque significa proteção maior à saúde
do trabalhador.
Para ninguém dizer que só vemos defeitos na proposta do go-
verno, deixo claro que achamos que ela tem também seus méritos,
inclusive um espetacular: o esforço de inserir no sistema aqueles 55%
de trabalhadores que estão na informalidade, que não têm direito a
absolutamente nada. É na direção destas pessoas que a reforma tem
de caminhar, diminuindo a contribuição dos autônomos, trazendo para
a Previdência pública os trabalhadores da agricultura familiar. Espe-
ramos que isso ocorra na elaboração da Lei Complementar.
Acredito que o nosso governo vai criar mecanismos para tra-
zer a informalidade para dentro do sistema. Porque, se a reforma
não vem para inserir esse setor, para que então a reforma? Para
tentar resolver tudo entre nós? Ou para tentar repassar recursos da
classe média baixa a fim de sustentar os mais pobres? Essa não é a
reforma de que precisamos. Até porque a distribuição de renda
precisa ser dos mais ricos para os mais pobres, e não da classe
média para os mais necessitados.
Outro aspecto muito positivo da proposta do governo está
relacionado à forma de contribuição das empresas. Diminuir a con-
tribuição das pequenas e médias empresas, metade sobre a folha e
metade sobre o valor agregado, nos parece ser medida correta,
porque vai ajudar demais as pequenas e médias empresas, que são
responsáveis por quase 70% dos postos de trabalho deste país – e
que têm uma carga tributária muito elevada. Essa é uma medida
necessária, pois torna possível taxar mais empresas que têm pou-
cos funcionários, mas muita lucratividade. Está na hora de elas pa-
garem sua parte, de contribuírem com o crescimento do Brasil.
Também acredito nas intenções do nosso governo, do nosso
companheiro Lula, na elevação do piso. Fala-se tanto do teto e não
se fala do piso, mas acredito que ao longo do governo Lula vamos
ter, segundo as intenções expressas pelo ministro Ricardo Berzoini
e pelos deputados, uma elevação do piso.

158
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Esses nos parecem ser elementos importantes na proposta


do governo.
Por último, o combate ferrenho à sonegação. Não podemos
continuar convivendo com tamanha sonegação, e sei que o Minis-
tério da Previdência já está tomando medidas para este combate, e
que contarão com o apoio da nossa Central.
Procurei apresentar alguns pontos positivos e negativos da
proposta do governo, conforme avaliação da Central Única dos
Trabalhadores. Contra o que há de negativo vamos lutar, utilizando
os nossos argumentos, números e análises, para convencer a socie-
dade; e vamos fazer emendas no Congresso Nacional. A CUT vai
agir de forma pacífica e firme, na defesa em especial dos mais po-
bres, como sempre fez ao longo da sua história.

159
C ONDIÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS

160
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Sobre os autores

ROSA MARIA MARQUES


Economista, professora titular do Departamento de Economia da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), especialis-
ta em políticas sociais com pós-doutorado na Faculté Mendes
France, em Grenoble. Foi chefe do Departamento de Economia da
PUC-SP em três oportunidades (1987-1989; 1989-1991; 1997-
1999). Foi presidente da Sociedade Brasileira de Economia Políti-
ca (SEP) durante duas gestões: 1998-2000; 2000-2002. Entre sua
extensa produção de livros e artigos nessa área, destaca-se A pro-
teção social e o mundo do trabalho (Bienal, 1997).

EINAR BRAATHEN
Pesquisador no Instituto de Desenvolvimento Urbano e Regional
da Noruega (NIBR). Cientista político, foi anteriormente pesquisa-
dor na Universidade de Bergen, onde escreveu sua tese de douto-
rado sobre políticas de desenvolvimento das telecomunicações em
Moçambique e Zimbabwe. Desde 1995 é líder de um projeto para
estudar o processo de descentralização em Moçambique. Em 1997
iniciou seu trabalho no Programa de Pesquisa Comparativa sobre
Pobreza (CROP), sendo o responsável pelos workshops sobre o

161
S OBRE OS AUTORES

“Papel do Estado na diminuição da pobreza”, a partir do qual foi


editado um livro no qual participou como editor. Seu mais recente
trabalho é Ethnicity Kills? The Politics of War, Peace and Ethni-
city in Sub-Saharian Africa, editado com M. Boas e G. Saether
(McMillan, 1999).

LAURA TAVARES SOARES


Doutora em economia do setor público, área de concentração em
política social, pelo Instituto de Economia da Unicamp (Universi-
dade Estadual de Campinas, SP) em 1995. Atualmente é professo-
ra visitante do Instituto de Medicina Social (IMS) e pesquisadora do
Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), além de professora licenciada da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora do CNPq
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico),
coordenando Projeto Integrado na linha de Estudos Comparados
Latino-Americanos em Seguridade Social.
É colaboradora do Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciên-
cias Sociais) e assessora de diversos movimentos sociais.
Participou de programas de pós-graduação em Universidades
Latino-Americanas, ocupou diversos cargos públicos nas áreas
de Saúde e Previdência Social, foi coordenadora do Programa
Especial de Saúde da Baixada Fluminense (Rio de Janeiro, 1987-
1989), assessora de Política Social do Governo do Rio Grande
do Sul (gestão Olívio Dutra, 1999-2002) e consultora de orga-
nismos nacionais e internacionais na área de Política Social e
Saúde.
Livros publicados: Ajuste neoliberal e desajuste social na Amé-
rica Latina. Petrópolis/Rio de Janeiro, Vozes, 2001; Os custos
sociais do ajuste neoliberal na América Latina. São Paulo,
Cortez, 2a edição, 2002; Tempo de desafios: A política social
democrática e popular do governo do Rio Grande do Sul (org.).
Petrópolis/Rio de Janeiro, Vozes, 2002; O desastre social. Rio
de Janeiro, Record, 2003.

162
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

JOSÉ PIMENTEL
Advogado, sindicalista e funcionário do Banco do Brasil. Foi elei-
to em 2002 para o terceiro mandato de deputado federal pelo
Partido dos Trabalhadores do Ceará. Em 2003, integrou as co-
missões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça da
Câmara dos Deputados. Também foi relator da Comissão Espe-
cial de Reforma da Previdência, que analisou e proferiu parecer
sobre a PEC nº 40/03. Em seguida foi escolhido vice-presidente da
Comissão Especial destinada a proferir parecer ao PLP 076/03
que cria a nova Sudene (Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste). Foi autor do requerimento da CPI do Finor (Fundo
de Investimento do Nordeste), instalada em 2000, da qual foi vice-
presidente e sub-relator de Investigação. Integrou, ainda, a Co-
missão Especial de Reforma da Previdência Social que resultou
na Emenda Constitucional nº 20, e a Comissão Especial que apro-
vou as Leis Complementares nº 108 e 109, ambas de 2001, den-
tre outras.
É autor da Lei nº 9.998, de 2000 (Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações – FUST), que destina 1% do lucro das
operadoras dos serviços de telecomunicações para garantir compu-
tadores e internet nas escolas, bibliotecas e hospitais públicos.

ELI IÔLA GURGEL ANDRADE


Professora da Faculdade de Medicina e do curso de mestrado em
Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
além de economista, doutora em Demografia. Sua tese
(Des)Equilíbrio da Previdência Social Brasileira: componente
econômico, demográfico e institucional. 1945-1997 (CEDEPLAR/
FACE/UFMG, 1999) foi premiada pelo VII Prêmio Brasil de Econo-
mia, classificada em primeiro lugar na categoria tese de doutorado
pelo Conselho Federal de Economia em 2000.

ARLINDO CHINAGLIA JUNIOR


Reeleito deputado federal em 2002 para seu terceiro mandato
consecutivo. Durante o ano de 2001 e início de 2002 esteve li-
cenciado da Câmara dos Deputados para exercer o cargo de

163
S OBRE OS AUTORES

Secretário de Implementação das Subprefeituras na capital


paulista.
No primeiro mandato em Brasília, em virtude de seu trabalho de
fiscalização no uso do dinheiro público, tornou-se, em 1997, pre-
sidente da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos
Deputados.
Durante os dois primeiros mandatos atuou prioritariamente na
Seguridade Social: revelou à sociedade os maiores devedores do
INSS e participou intensamente do debate da Reforma da Previdên-
cia na Comissão Especial da PEC no 33/95.
Integrou a CPI da Fabricação de Medicamentos e a Comissão Es-
pecial que regulamentou os Planos de Saúde, entre outras.
Foi presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo,
do PT e da CUT estadual. Foi secretário-geral do PT nacional, do
qual é fundador. Formado em medicina pela UnB (Universidade de
Brasília), é especializado em saúde pública, em radiodiagnóstico e
em clínica médica.

RICARDO BERZOINI
Reeleito em 2002 para o cargo de deputado federal. Em seu pri-
meiro mandato, foi vice-líder do PT na Câmara dos Deputados.
Participou da coordenação da campanha de Lula à Presidência da
República, é membro do Diretório Nacional do Partido dos Traba-
lhadores e exerceu a presidência do PT na cidade de São Paulo
(1999-2000). Cursou Engenharia na Faculdade de Engenharia In-
dustrial (FEI), é funcionário licenciado do Banco do Brasil, foi pre-
sidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Re-
gião e o primeiro presidente da Confederação Nacional dos Ban-
cários (CNB). Na sua gestão à frente do Sindicato, fundou a Bancoop
– Cooperativa Habitacional dos Bancários – e o Projeto Travessia
(que atende centenas de crianças que vivem em situação de risco
nas ruas de São Paulo).

JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA


Nasceu em 16 de março de 1946 e formou-se em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC-SP). Foi Deputado Estadual (1987-1991),

164
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Deputado Federal em duas legislaturas (1991-1995 e 1999-2003).


Dirceu também foi Secretário-Geral do Diretório Nacional do PT
(1987-1993). Coordenou a campanha de Lula à Presidência da Re-
pública em 1989. F oi presidente do PT de 1995 a 1999.
Na Câmara dos Deputados pertenceu às Comissões Permanentes
de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Constituição e
Justiça e de Redação, Defesa Nacional, Finanças e Tributação, Re-
lações Exteriores e de Defesa Nacional e Viação e Transportes e
participou, ainda, da Comissão Externa de Desaparecidos Políticos
Pós-1964 e da CPI de Privatização da VASP.
Devido à sua militância no movimento estudantil, Dirceu foi preso
no XXX Congresso da UNE, em 1969, teve sua nacionalidade cassa-
da e foi banido do país. No exílio, trabalhou e estudou em Cuba,
retornando ao Brasil clandestinamente em 1975. Participou ativa-
mente da coordenação da campanha pelas Eleições Diretas para
presidente da República, em 1984. Foi eleito em 2002 para o ter-
ceiro mandato na Câmara dos deputados e desde janeiro de 2003
exerce o cargo de ministro da Casa Civil do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.

SULAMIS DAIN
Professora titular de economia do setor público do Instituto de
Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro (UERJ). Foi secretária-executiva da Comissão da Reforma
Tributária do Executivo Federal que apresentou projeto de Re-
forma Tributária à Constituinte de 1988 e secretária-geral ad-
junta do Ministério da Previdência e Assistência Social, encar-
regada de coordenar o projeto de Reforma da Previdência do
Ministério, também apresentado à mesma Constituinte.
Tem livros e artigos publicados sobre os temas Financiamento Pú-
blico, Empresas Estatais, Reforma Tributária, Reforma da Previ-
dência, Política Pública e Política Social.

JOÃO ANTONIO FELICIO


Formado em Desenho e Plástica, Educação Artística e História
da Arte pela Fundação Educacional de Bauru, desde 1973 é pro-

165
S OBRE OS AUTORES

fessor de Educação Artística (História da Arte, Artes Plásticas e


Teatro) em São Paulo, na rede oficial de ensino estadual.
A partir de 1977 participou das mobilizações de professores na
luta por melhores condições de vida e salário, contra a ditadura
militar e pela conquista da APEOESP (Associação dos Professores
do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).
Em 1987 foi eleito presidente da APEOESP, cargo para o qual foi
reeleito em 1989 e 1991. Em 1994 foi eleito para Direção Execu-
tiva Nacional da CUT e, em 1997, tornou-se secretário-geral nacio-
nal da CUT e membro do Diretório Nacional do PT. Em 2000 foi
eleito presidente nacional da CUT e, atualmente, é secretário-geral
nacional da entidade e secretário sindical nacional do PT. É mem-
bro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social indica-
do pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi indicado pela CUT
como representante desta instituição no Conselho de Administra-
ção do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social). Faz parte ainda, da direção do Instituto de Cidadania.

166
A P REVIDÊNCIA S OCIAL NO B RASIL

Índice de quadros e gráficos

• Trajetórias de construção e desenvolvi- • Contribuintes X Potenciais contribuintes


mento – Estado e trabalhadores, 20 por posição na ocupação da popula-
• Trajetórias de construção e desenvolvi- ção ocupada restrita, 113
mento – Financiamento e custo da • Brasil: estrutura da população ocupada, 115
mão-de-obra, 21 • Distribuição dos assalariados, por níveis
• Trajetórias de construção e desenvolvi- de rendimento – Brasil e grandes re-
mento – Financiamento e custo da giões – 1999, 132
mão-de-obra (gráfico), 22 • Comparações entre PEA ocupada no se-
• Receitas e despesas da Seguridade Social, 26 tor privado e servidores públicos civis
• Contribuintes X Não-contribuintes da po- da União, 133
pulação ocupada total, 60 • Grau de pobreza por idade – 1999, 136
• Contribuintes X Potenciais contribuin- • Receitas e despesas da Seguridade Social –
tes, 61 OGU 2002, 137
• Brasil: estrutura da população ocupa- • OGU 2002 – Despesas da Seguridade So-
da, 62 cial, 138
• Benefícios pagos pela Previdência Social • Seguridade Social – Superávit orçamen-
– Urbano/Rural – 1994/2002, 63 tário, 138
• Arrecadação líquida, despesas com bene- • Carga por principais tributos – 2002, 139
fícios previdenciários e saldo previ- • Evolução da dívida pública brasileira –
denciário, 64 Comparação com despesas de pes-
• Valor médio dos benefícios pagos pela soal, 140
Previdência Social, 65 • A Reforma da Previdência e os serviços
• Valor médio dos benefícios previdenciá- – Despesa total de pessoal – Evolução
rios no Serviço Público Federal e no ante o PIB, 141
RGPS, 66 • Despesa total de pessoal – Evolução ante
• Valor médio dos aposentados, em salá- a receita corrente líquida, 142
rios mínimos, 67 • Desajustes – Regime Geral (INSS), 143
• Previdência Social – Proporção anual • Evolução da necessidade de financiamento
despesas/receita, 72 previdenciária em bilhões de reais como
• Previdência Rural X Urbana, 107 proporção do PIB – 2003-2022, 144
• Beneficiários X Subsídios, 109 • Alíquotas efetivas de contribuição, 146
• Expectativa de vida, 110 • Aposentados, 146

167
Caso não encontre este livro nas livrarias,
solicite-o diretamente a:

Editora Fundação Perseu Abramo


Rua Francisco Cruz, 224
04117-091 – São Paulo – SP
Fone: (11) 5571-4299
Fax: (11) 5571-0910
Correio Eletrônico: editoravendas@fpabramo.org.br
Na Internet: http://www.fpa.org.br

A Previdência Social no Brasil foi impresso na cidade de São Paulo em


novembro de 2003 pela Bartira Gráfica. A tiragem foi de 2.500 exempla-
res. O texto foi composto em Times New Roman no corpo 10,5/13,5. Os
fotolitos da capa foram executados pela Graphbox. Os laserfilms do miolo
foram produzidos pela Editora. A capa foi impressa em papel Supremo
250g; o miolo foi impresso em Pólen Soft 80g.

You might also like