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l JACQUES LE GOFF
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A CIVILIZACÃO
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OCIDENTE MEDIEVAL
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Volume I
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CAPiTULO TI

A TENTATIVA DE ORGANIZAÇÃO GERMÂNICA


(Séculos VIII-X)
)

Esta nova partida inscreveu-se, primeiramente, no espaço.


Claro que, não possuindo frota, os carolíngios não podiam - e
) nem sequer nisso pensaram - reconquistar a Grã-Bretanha, onde
o reino de Mércio conseguira, em fins do século VIII, englobar
)
os outros diminutos reines anglo-saxónicos de entre o Humber e o
) canal da Mancha. O rei Ofa (757-796) tratou de igual para igual
com Carlos Magno - de facto, antes de este ter cingido a coroa
)
imperial - e ambos trocaram prendas em sinal de reconheci-
) mento recíproco. E os carolíngios tão-pouco tocariam na Espanha
muçulmana. Tinham ainda. por algum tempo, de respeitar o poder
} temporal do Para no novo Estado pontifical que tanto tinham
ajudado a criar.
Em tais limites, a reconstituição da unidade ocidental pelos
) carolíngios realizou-se segundo três direcções: para sueste em Itá-
)
lia, para sudoeste, para Espanha, e para leste, para a Alemanha.
Pepino, o Breve, aliado do Papa. inicia a política carolíngia
.J em Itália. Faz em 754 uma primeira expedição contra os Lombar-
)
dos e em 756 a segunda. Carlos Magno captura, por fim, o rei
Dídio em Pavia, em 774. e tira-lhe a coroa de Itália, que cinge,
) mas tem de guerrear para se impor no Norte da península; e os
ducados lombardos de Spoleto e Benevento escapam-lhe mesmo.
)
Para sudoeste, é ainda Pepino quem inicia o movimento,
j reconquistando Narbonne aos muçulmanos em 759. Mas é Carlos
Magno que terá o nome ligado, na lenda, à reconquista da cidade,
que era ainda porto com certa actividade: e a Gest a de Guilherme
de Orange Iar-se-á eco disso: «Carlos, ouvindo isto, tem o sangue
turvado: «Belo senhor Nairne, como se chama esta cidade?»; «Se-
nhor. diz ele, tem cor nome Narbonne ... Não há no mundo forta-
leza tão poderosa.' Os fossos têm mais de vinte toes as de largura

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I) 3. IMPÉRIO CAROUNGIO, BIZÀNCIO E ISLAO NO PRINCÍPIO
e outras tantas de fundo. Frotas do mar navegam neles. Um DO SÉCULO IX
grande rio, o Aude, dá a volta às muralhas. É por ele que chegam
v
os grandes barcos guarnecidos de ferro e as galeras carregadas de
bens com que enriquecem as gentes da boa cidade.» Carlos, ou- ~
vindo isto, pôs-se a rir: «Oh Deus! Que feliz encontro!», diz o rei

l
de coragem já provada. «É então Narbonne, de que tanto me fala- )
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ram, a mais altiva cidade de Espanha?» E o jovem Aimeri, que
toma a cidade para Carlos, é depois Aimeri de Narbonne. Mais
) tarde, em 801, aproveitando as lutas intestinas dos muçulmanos,
I Carlos Magno conquistará Barcelona. Da Catalunha à Navarra
foi criada uma marca de Espanha - principalmente graças ao
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I
conde Guilherme de Toulouse, que viria a ser o herói das canções
de gesta do ciclo de Guilherme de Orange. Em 806, retirou-se
para a abadia de Gellone, que fundara, e a partir daí chamaram- Barcelone f}::
-lhe «conde Guilherme do deserto». Será este o tema da gesta do
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Moniage Guillaume. Na luta contra os muçulmanos e contra os • SAJUJArGf;Jj N'a:p,les,..
povos pirenaicos, os carolíngios nem sempre tinham sido felizes.
Em 778, Carlos Magno tomou Pamplona, não ousou atacar Sara-
goça, conquistou Huesca, Barcelona e Gerona e, renunciando a ~--"'"
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I
Pamplona, que arrasou, voltou para o norte. Os montanheses .}, ,'
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bascos prepararam uma emboscada à sua retaguarda para se apo-
derarem das bagagens dos Francos. A 15 de Agosto de 778, os
Bascos fizeram grande mortandade, no desfiladeiro de Roncesval,

II
Império Bizantino
nas tropas comandadas pelo senescal Eggihard, pelo conde pala-
) tino Anselmo e pelo prefeito da marca de Bretanha, Roland. Os
Anais reais carolíngios não dizem palavra sobre isto; um analista
escreve sobre o ano de 778: «Neste ano, o senhor rei Carlos foi a
Espanha e teve lá um grande desastre.» Os vencidos foram trans-
) Parece já não haver senão trés colossos, entre os quais é o carolingio, de longe.
I formados em mártires e os seus nomes perpetuaram-se. A sua O menos esplendoroso. O tetritário crie contacto - e de conflitos - é o Mediterrâneo
vingança foi a Chanson de Roland. mediador
A leste, Carlos Magno inaugurou uma tradição de conquista
em que se misturaram o morticínio e a conversão - a cristianiza-
\
I ção à força, que a Idade Média iria praticar durante longo tempo. interior da região, com uns a baptizar e outros a pilhar, a queimar,
Ao longo do Mar do Norte foram, primeiramente, os Saxões a a matar, e fazendo deportações maciças, Carlos acabou realmente
sofrer! a custo conquistados entre 772 e 803 numa série de por subjugar os Saxões. Foram criados bispados em Bremen, Müns-
campanhas em que alternavam as vitórias aparentes e as revoltas ter, Paderborn, Verden e Minden.
dos pretensos vencidos, tendo a mais espectacular de todas elas O horizonte germânico, e especialmente o horizonte saxão,
sido a que Windukind dirigiu em 778. O desastre sofrido pelos tinha atraído Carlos Magno para leste. Abandonou o vale do Sena,
Francos no Süntal teve como resposta uma repressão feroz: Carlos onde se tinham fixado os merovíngios - em Paris e arredores-
Magno mandou decapitar quatro mil e quinhentos revoltosos em para ir para as regiões do Mesa, do Mosela e do Reno. Sempre
Verden. em movimento, habitava com mais gosto as villce reais de Héristal,
Auxiliado por missionários - todo e qualquer ferimento feito Thionville, Worms e, principalmente, de Nijmeegen, Ingelheim e
nalgum deles e toda e qualquer ofensa à religião cristã eram puní- Aix-la-Chapelle (Aachen), onde mandou erguer três palácios. O de
veis com a morte segundo umas capitulares publicadas para auxi- Aix, porém, ganhou certa proeminência em virtude do tipo 'par-
liar a conquista -, e levando, ano após ano, os soldados para c
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.~ ticular de arquitectura que o caracterizava, do número de vezes
que Carlos Magno lá esteve e Ja importância dos acontecimentos ros uma parte notável dós seus recursos. Uma campanha habil-
i~~ de que Ici palco. mente preparada que Iez convergir três exércitos francos, dois
e Entretanto, a Alemanha do Sul era também alvo da arencão vindo do Deste, avançandocada um por sua margem do Danúbio,
de rei franco, que não passou praticamente Verão nenhum sem e outro trazido de Itália: por Pepino, filho de Carlos Magno, foi
cem bate; - sine host e, «sem inimigo», 'observam, comoaconte- tra '/8.Ja por uma epizootia em 791, pois a doença matou grande
cimento excepcional, os analistas (1) -, ou.melhor, sem organizar parte dos-cavalos dos Frarrcos. Mas em 796, Carlos Magno apode-
nem conduzir (visto que parece ter entrado-muito raramente nas rou-se do Ring e o principal chefe avaro, Tudun, submeteu-se-lhe
pelejas) o exército de cavaleiros cuja eficácia, baseada no cavalo, e fez-se cristão. Baptizadoem Aix-Ia-Chapelle, teve Carlos Magno
na espada, no conhecimento do terreno da .luta, viera aperfei- por padrinho. O soberano-franco anexou a parte ocidental do Im-
çoando na senda do avô e do pai. A criação de cavalos, o· desen- pério avaro, entre o Danúbio e o Drave.
volvimento da metalurgia (com a exploração de um número cres- O Estado carclíngio mal tinha tocado no mundo eslavo. Algu-
cente de jazidas superficiais que deixaram rasto na toponímia: mas expedições no curso inferior do Elba e mais além, depois da'
muitas «Ferrieres» datam da época car.oIíngia) e o recurso aos conquista da Saxónia.uinham repelido ou englobado certas tribos
geógrafos foram a base dos êxitos militares de Carlos. estavas. A vitória sobreos Avaros fizera entrar no mundo. franco
A conquista da Baviera foi a conquista de. um 'país que já os Eslovenos e os Crcatas.
) estava cristianizado e que era, teoricamente, vassalo dos Francos. Carlos Magno lançou-se, por fim, sobre os Gregos. Mas este
desde o tempo dos merovíngios. Tassilon, que foi duque a partir conflito era já muito diferente. Esta especial significação vinha
de 738, atirou os Lombardos contra os Francos e fez de Regensburg '!( ele em 800 se ter dado um acontecimento que emprestava nova
uma das mais luxuosas capitais bárbaras. Vencendo os Lombardos dimensão às iniciativas de Carlos Magno: o rei franco fora coroado
e, pOT algum tempo, os Saxões, Carlos Magno avançou para a como Imperador, em Roma, pelo Papa.
;' Baviera em 787; porém, graças ao auxílio. do Papa, que excomun- O restabelecímento do Império no Ocidente parece ter sido
gara Tassilon, e ao forte apoio comprado no clero bávaro, obteve ideia de pontífice e não do carolíngio. Carlcs Magno estava, acima
)
sem desferir um só golpe a submissão de Tassillon, que em 788' de tudo, interessado em consagrar a divisão do antigo Império
) estava completada. Carlos Magno livrou-se da família ducal bávara Romano num Ocidente cujo chefe seria ele e um Oriente que não
mandando tonsurar Tassillon, preso primeiramente em Jumieges e ousava disputar ao basileus bizantíno; mas não queria reconhecer
depois em Worrns, e fazendo de sua mulher, duas filhas e dois a este. o título imperial, que recordava uma unidade já desapare-
filhos freiras e frades. O bispo Amo, de Salzburg, que ajudou cida. Nos Libri Karolini de 792, apresenta-se como «rei das Gálias,
Carlos a integrar a região e a Igreja da Baviera na Igreja e no da Gerrnânia, da Itália e das províncias vizinhas» e o basileus éco
Estado francos. foi arcebispo em 798. rei que reside em Constantinopla». Parecia-lhe tanto mais necessá-
Entretanto, a nova província bávara continuava exposta às rio acentuar bem esta igualdade e esta sua independência quanto
incursões dos Avaros, povo de origem turco-tártara vindo das este- o surto iconodasta de Bizâncio voltara a fazer dos Francos, como
pes asiáticas. como os Hunos, e que, englobando um certo número já sucedera na época de Clóvis no Ocidente, os campeões da orto-
de povos eslavos, tinha fundado um império a cavalo no Danúbio doxia e quantopre.tendia protestar contra o segundo concílio de
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médio - da Caríntia à Panónia, Ladrões profissionais, os Á varas Niceia, de }87; que quisera resolver a questão das imagens para a
tinham obtido com as suas pilhagens um enorme tesouro, acumu- Igreja universal ..
lado no seu quartel-general, que tinha ainda a forma redonda das Mas em 799 o..faRa Leão~1]J viu uma tripla vantagem em
tendas mongóis - o Ring. Tais riquezas eram, sem dúvida, um dar a Carlos Magno ~imperial. Preso e perseguido pelos
engodo não desprezível para os Francos, cujos soberanos sempre seus inimigos de Roma, necessitava de ver a sua autoridade res-
procuraram - como os Romanos - retirar da conquista de tesou- taurada, de facto e de direito, por alguém cuja autoridade a todos
se impusesse sem contestação: por um imperador. Chefe de um
Estado 'temporal, o Património de S. Pedra, queria que o reconhe-
(') O português analista corresponde a duas palavras francesas: ana- cimento dessa soberania temporal fosse confirmada por um rei
lvste, que faz análise, e annaliste , que redige anais; e foi esta segunda que
° Autor escreveu aqui - como, de resto, já escrevera um pouco atrás.
LV. T.)
superior a todos os. outros - tanto no título como nos factos. Fi-
nalrnente, tanto ele como uma farte elo clero romano pensavam
) fazer de Carlós Magno imperador de todo o mundo cristão, in-
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,
I cluindo Bizâncio, aI fim de lutar contra a heresia iconoclasta e de dominici (4), grandes figuras laicas e eclesiásticas enviadas em mis-
estabelecer a supremacia do pontífice romano sobre toda a Igreja. são, por um ano, a fiscalizar os delegados do soberano - os con-
, Carlos Magno consentiu com alguma repugnância. Conside- des, e, nas fronteiras, os marqueses ou os duques - ou a reorga-
~ nizar a administração. No vértice, uma assembleia geral reunia
.J' rava-se «rei coroado por Deus» (rex a Deo coronatusi e achava

I
talvez supérfluo o gesto do Papa, um homem que não era consi- rodos os anos, no fim do Inverno, em volta do soberano as figuras
derado por todos como vigário de Deus. Antes de mais rei dos importantes da aristocracia eclesiástica e laica no reino. Esta
Francos, não se sentia atraído por uma cerimónia que faria dele, espécie de parlamento aristocrático - a palavra populus (5) usada
) em primeiro lugar, rei dos Romanos e, muito concretamente, da- para designar os seus membros não deve induzir-nos em erro-,
queles habitantes da Roma de 800, bem longe do prestígio que que garantia a Carlos Magno a obediência dos seus súbditos, viria, ;;.
)
i tivera a Roma antiga. Apesar de tudo, deixou-se convencer e pelo contrário, a impor aos seus fracos sucessores a vontade dos;
grandes do reino.
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coroar a 25 de Dezembro de 800. Mas só atacou Bizâncío para
obter o reconhecimento do seu título e da sua igualdade. Corno
tivessem falhado as tentativas diplomáticas, que incluíam o pro-
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A grandiosa construção carolíngia, com efeito, ia durante o
século IX desagregar-se rapidamente sob os golpes conjugados dos
jecto de casamento com a imperatriz Irene, conduziu uma série de inimigos exteriores - novos invasores - e dos agentes de frag-
operações no Norte do Adriático, nos confins de ambos os Impé- mentação internos.
) rios. Também aí a falta de navios o fez falhar perante as frotas
gregas. Mas a sua superioridade militar em terra permitiu-lhe apo-
)
derar-se do Friúli, da Carníola, da Istria e, principalmente, de ~1
*
) Veneza, que já em vão tentara manter-se neutral pára preservar o ~,

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seu nascente comércio. O acordo foi finalmente concluído em 814,
alguns meses antes da morte de Carlos Magno. Os Francos devol-
Os invasores vêm de todos os horizontes. Os mais perigosos
chegam por mar - do norte e do sul.
)
I viam Veneza, conservavam as terras a norte do Adriático e viam
reconhecido pelo basileus o título imperial de Carlos Magno.
Do norte; chegam os Escandinavos, a quem se dá simples-
mente o nome de «homens do Norte», ou Normandos, ou ainda
) Carlos Magno teve a preocupação de administrar e governar Vikings. Vêm, principalmente, para a pilhagem. Devastam o lito-
.'
) ~ com eficácia esse vasto espaço. Se os grandes oficiais, conselheiros ral, sobem os rios, atiram-se às ricas abadias e chegam, às vezes,
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e secretários que compunham a corte do soberano eram, com pe- a cercar as cidades. Não se deve perder de vista que a expansão
) quenas diferenças; os mesmos que sob os merovíngios, eram, po- escandinava se realizou tanto a leste como a oeste. Os Suecos, ou
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rém, em maior número e, principalmente, mais instruídos. Embora Veregs, colonizam a Rússia - economicamente, de certeza, ao do-
os actos imperiais fossem principalmente orais, o uso da escrita minar o comércio que a atravessa, e talvez politicamente ao susci-
) foi estimulado; e um dos principais objectivos do renascimento tar nela o aparecimento das primeiras formas de Estado. A oeste,
l os Noruegueses atacam principalmente a Irlanda e os Dinamar-
cultural de que adiante falaremos era o aperfeiçoamento da uten-
) silagem profissional dos funcionários reais. Carlos Magno esfor- queses as regiões limítrofes do Mar do Norte e do canal da Man-
çou-se principalmente - facto bem conhecido - por fazer sentir cha. A travessia deste canal deixou de ser segura a partir de 809.

)
1 a sua autoridade em todo o reino franco aperfeiçoando os textos
administrativos e legislativos e multiplicando os enviados pessoais,
Depois de 834, as arremetidas normandas, concentradas princi-
palmente sobre os portos de Quentovic e de Duurstede e sobre os
/ t! ou seja, os representantes do poder central.
O instrumento escrito era constituído pelas capitulares, ou
fluxos comerciais do Escalda, do Mosa e do Reno, passaram a ser
anuais; e começou uma fase de instalação. Ainda são, porém, ape-
I ordenações, ora particulares, para uma região, como as capitula- nas bases mais próximas e mais estáveis para o simples objectivo
! res dos Saxões, ora gerais, como as de Herstal (ou Héristal) acerca das operações de pilhagem. Em 839. um chefe normando funda
!, da reorganização do Estado (779), a De villis (2), sobre a adminis- um reino na Irlanda e instala a capital em Armagh. Em 838, o
rei da Dinamarca pede ao Imperador que lhe ceda a região dos
) 't tração dos domínios reais, a De litteris colendis e), sobre a reforma
da instrução. O instrumento humano era constituído pelos missi Frisões. Apesar da recusa de Luís o Piedoso, os Normandos ocupam
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1
(') Acerca das villar. v. T.) (') Enviados do senhor. (IV. T.)
)
n Acerca nas letras c ndas, respeitáveis. (N. T.)
(') Povo. (N T.)
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) 70 71

)
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a região de Duurstede. Vejamos alguns acontecimentos importan- De medo que, ao passo que os carolíngios iam estabelecendo
tes: em 841, a pilhagem de Rouen: em 842, a destruição de Quen- o seu domínio no continente, os mares pareciam escapar-lhes.
tovic; em 843, o saque de Nantes; em 844, os Norrnandos aventu- E. mesmo em terra, uma nova invasão proveniente da Ásia pare-
ram-se até à Corunha, Lisboa e, por fim, Sevilha; em 845, entre as ceu ameaçá-Ias por algum tempo: a invasão dos Húngaros,
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suas presas contam-se já Hamburgo e Paris - esta saqueada pelas A invas íc magiar seguiu o esquema habitual. No século VII,
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tTl""'!"("";'''S de vinte navios comandados Raznar o os Húngaros instalaram-se no Estado dos Khazares, que eram
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elas sagas. Em 859 entram reja Itália até Pisa.


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Turcos convertidos ao judaísmo e instalados no baixo Volga, onde
Geograficamente. é esta a sua última investida. Entre as vitimas dominavam um próspero comércio entre a Escandinávia, a Rússia
das inúmeras devastações dos Norrnandos. conta-se Aix-la-Cha- e o mU!1d0 muçulmano. Mas, por meados do século IX, outros
pelle. cnde em 881 incendiaram o túmulo de Carlos Magno. Mas, turcos. os Pecheriegues, destruíram o fmpério dos Khazares e expul-
tal ccrno noutros tempos sucedera com outros invasores, estes pen- saram os Húngaros para oeste. Aos olhos dos Ocidentais, os Hún-
sam agora e.n instalar-se, instruir-se e substituir a pilhagem pela garos pareciam Hunos. Faziam a mesma vida a cavalo, mostravam
a mesma superioridade como archeiros e eram notados pela mesma
agricultura e pelo comércio.
ferocidade que eles. Avançaram para as planícies e estepes do
Em 878, pela paz de Wcdmore, conseguem que Alfredo o
Danúbio médio, parcialmente desabitadas depois de Carlos Magno
)
Grande ,< lhcs reconheça direito a uma parte da Inglaterra e ter destruído o Império dos Á varos. A partir de 899 fizeram várias
fazem-se senhores dela a partir de 980, sob Svend e seu filho expedições mortíferas e destruidoras na Venécia, na Lombardia,
) Knut o Grande* (1019-1035), Mas são os Normandos instalados 7;~: Baviera c 118. Suábia. No inície do século X liquidaram o Estado
)
no Norte da Gália - na região a que deram o nome depois de da Grande Morávia e, pouco depois, exerciam já pressão sobre
Carlos c Simples a ter concedido ao seu chefe Rollon em 911, a Alsácia, a Lcrena, a Borgonha e o Languedoc. Entre as suas
)
pelo tratado de Saint-Clair-sur-Epte - que vão enxamear por principais vítimas contam-se as cidades de Pavia, conquistada em
)
todo o Ocidente e nele deixar marcas duradouras. Em 1066 con- 924, onde teriam incendiado «quarenta e quatro igrejas», e Verdun,
1 quistam definitivamente a Inglaterra; a partir de 1029 instalam-se que queimaram em 926. Alguns anos foram especialmente desas-

I
) definitivamente na Itália meridional e na Sicília, onde' fundam trosos: 926, em que os Húngaros devastaram das Ardenas até
um dos Estados mais originais do Ocidente medieval. Vê-los-emcs Roma; 937, em que devastaram grande parte da Alemanha, de
)
também no Império Bizantino, na' Terra Santa, na época das França e de Itália; 954, em que avançaram para oeste até Cambrai
I
-x cruzadas. c rara sul até à Lombardia. Mas em 955 o rei Otão da Germânia
I
A sul, o ataque vem dos muçulmanos de Ifriquiya depois de despedaçou-os na batalha de Lechfeld, perto de Augsburgo. O ím-
) J uma dinastia árabe - dos aglábidas - se ter feito praticamente reto dos Magiares estava tolhido. Vão, depois disso, seguir a
i
mesma curva histórica dos outros invasores bárbaros: abandono
) I independente do califado e ter construído uma frota. Os piratas
das devastações, sedentarização, cristianização. A Hungria surge
! if riquiyanos apareceram na Córsega em 806, começaram a con-
)
quista da Sicília em 827 e apoderaram-se dela em menos de um nc fim do século X.
1 século - cxceptuando algumas bolsas que continuaram em mãos
A invasão húngara, porém, ajudou ao nascimento
°
de um

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dos Bizantinos ou dos indígenas. Mas todos os centros importantes
lhes caíram nas mãos: Palermo (831), Messina (834), Enna (859),
Siracusa (878) e Taormina (902). Da Sicília, lançaram-se sobre a
novo poder no Ocidente:
962 restaurou
minados
o poder imperial
mais pela decadência
poder da dinastia otoniana,
abandonado
interna que pelos assaltos
que em
pelos ca.olíngios,
do
península italiana, quer rara investidas de pilhagem - das quais a exterior.
mais importante foi aquela em que pilharam S. Pedro de Roma
(846) - quer para estabelecer postos avançados, como Tarento ou
Bari, de onde o Imperador bizantino Basílio I os expulsou em 880. *
) A ofensiva dos aglábidas corresponJem, no extremo oeste do Medi-
terrâneo, os novos ataques dcs muçulmanos de Espanha, dirigidos "'-0
) Apesar dos seus esforços para colher de: Roma uma herança
contra Florença, a Ligúria e a Toscana. Também aqui é estabe-
política e administrativa. os Francos não tinham adquirido o sen-
lecido um posto avançado «sarracenr» em Fraxineturn, perto de
tido do Estado. O reino era considerado pelos reis francos como
Saint- Trcpez.
)
73
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propriedade sua, tal como as terras e os tesouros. Alienavam facil-
mente partes dele: quando Chilperico casou com Galesvinta, filha morte (888), a unidade carolíngia desfez-se rapidamente. O título
do rei visigodo Atanagildo, ofereceu-lhe no dia seguinte ao da imperial, exceptuando o caso de Arnulfo (896-899), não voltou a
boda, como «presente matinal», cinco cidades da Gália meridional ser usado a não ser por reizetes italianos e desapareceu em 924.
entre as quais se contava Bordéus. Este reino, propriedade pessoal, A realeza, novamente eIectiva na Frância Ocidental, alternou entre
era partilhado entre os herdeiros dos reis francos. De tempos a reis carolíngios e reis da família de Eudes, conde de França. isto
tempos, ° acaso, a mortalidade infantil ou a debilidade mental é, da Ile-de-France, o herói da resistência de Paris contra os Nor-
mandos em 885-886. Na Germânia, a dinastia carolingia extingui-
reagrupavam os. Estados francos sob dois reis ou mesmo sob um
só. Assim Dagoberto, ao afastar o primo, o imbecil Cariberto, ra-se com Luís o Moço (911) e a coroa real, também aí outor-
reinou sozinho entre 629 e 639; assim a morte prematura de Carlo-
,,~
gada pelos grandes mediante eleição, coube ao duque Conrado da
mano, preferido do pai, Pepino o Breve, deixou seu irmão Carlos Francónia e depois ao duque da Saxónia Henrique I, o Passari-
Magno como senhor único do reino franco em 771. A restauração nheiro. Seu filho Otão I será o fundador de um nova linhagem
do Império não impediu, Carlos Magno de, por sua vez, repartir imperial.
o reino pelos três filhos .com a Ordinatio (6) de Thionville de 806. Todas estas partilhas, todas estas lutas, toda esta confusão,
No entanto, nada disse quanto à coroa imperial. E também nisso o tão rápidas como foram, nem por isso deixaram de imprimir mar-
acaso, depois do desaparecimento de Carlos Magno, precedidollo cas duradouras no mapa e na história.
túmulo pelos seus filhos Pepino e Carlos, veio a deixar sozinho no Em primeiro lugar, a partilha planeada em 843 em Verdun
trono Luís, senhor único do reino. Bernardo, sobrinho de Carlos por cento e vinte peritos, e que parecia troçar de todas as fron-
Magno que do tio recebera o reino de Itália, conservou-o; mas teiras étnicas e naturais, correspondia à consideração de realidades
.~~
foi a Aix-la-Chapelle prestar juramento de fidelidade a Luís. Logo económicas - como já foi admiravelmente demonstrado por Roger
) em 817, Luís o Piedoso tentou, com uma Ordinatio, resolver o Dion. Era o caso de se garantir a cada um dos três irmãos um
. problema da sucessão conciliando a tradição da. partilha e a preo- pedaço de cada uma das faixas vegetais e económicas horizontais
)
cupação da unidade imperial: dividia o reino pelos três filhos mas que constituem a Europa, «das grandes pastagens das M arschen C)
dava a primazia imperial ao mais velho, Lotário. O nascimento às salinas e olivedos da Catalunha, da Provença e da Istría». Como
tardio de um quarto filho, Carlos, a quem Luís quir dar também problema das relações entre o Norte e o Sul, entre a Flandres e
uma parte do reino, veio pôr em causa a Ordinatio de 817. Rebe- a Itália, entre a Hansa e as cidades mediterrânicas, entre as vias
lião dos filhos contra o pai, luta dos filhos entre si e nova partilha alpestres, a via renana, a via do Ródano, a importância dos eixos
)
são peripécias que recheiam todo o reinado de Luís o Piedoso, norte-sul está já equacionada numa Europa em formação, uma
) que com elas perde toda a autoridade. Depois da sua morte em Europa que já não está centrada no Mediterrâneo e em que a cir-
840, as partilhas e as lutas prosseguiram. Em 843, a partilha de culação se orienta principalmente «na perpendicular às zonas de
) vegetação», que vão de leste a oeste.
Verdun: Lotário, o filho mais velho, obteve um longo corredor
que ia do Mar do Norte ao Mediterrâneo e continha Aix-la-Cha- Depois, o esboço das futuras nações: a Frância Ocidental, que
pelle*, símbolo do Império Franco, e a Itália, ou seja, a protecção será a França, à qual começa a ligar-se essa Aquitânia que durante
)
de Roma; Luís recebeu os territórios de leste e passou a ser Luís tanto tempo foi tão diferente como reino individualizado; a Frân-
«o Germânico»; Carlos, dito o Calvo, ficou com as regiões de cia Oriental, que será a Germânia, e que, não tendo fronteira a
)
oeste. Em 870, em Meersen, Carlos o Calvo e Luís o Germânico norte, sentirá a tentação de estender-se para oeste, ainda além da
partilham entre si a Lotaríngia, com excepção da Itália, que ficou Lotaríngia - que durante séculos foi pomo de discórdia entre
em poder de Luís II, filho de Lotário I e imperador nominal. a França e a Alemanha, herdeiras -da rivalidade que dividiu os
Com a partilha de Ribemont (880), que fez inclinar a Lotaríngia, netos de Carlos Magno -, e para sul, onde a miragem italiana
a leste, para a Frância Oriental, a unidade do império pareceu e imperial conservará por muito tempo a sua sedução com a
Sehnsucht nach Súden (8) alternando ou combinando-se com o

I
restabelecida por algum tempo sob Carlos o Gordo, terceiro fi1hc
de Luís o Germânico, imperador e rei (884). Mas, depois da SU2 Drang nach Osten (9) que já se desenha também nas linhas com

C) Lezírias - neste caso, do Noroeste europeu. (N. T.)


(Õ) Ordenação: decreto ou complicação de leis. (N, T.) (') Ânsia do (pelo) Sul. (N, T.)
,; (') Pressão para Oeste, (N. T,)

74
75

1
-
~l~':

,
'.

os Eslavos: e a Itália, que no meio destas vicissitudes é um reino


ameaçado: tanto pelas pretensões imperiais germànicas como pelas
ambições temporais dos papas. 4. PARA A EUROPA: PARTILHAS DO IMPÉRIO CAROLÍ~GTO
Mas há também a fragilidade das formações políticas inter-
Tratado de Verdun t8~3)
médias: o reino da Provença, o reino da Borgonha, a Lotaríngia,
) destinados à absorção, apesar de alguns reaparecirnentos medie- 8 Reino de Carlos o Calvo

vais - até aos Angevins da Provença e aos grão-duques da BQr- 1::1 Reino de Lotário
gonha.
Estas crises políticas favoreceram, principalmente, tal como
mIll Reino de Luís o Germânico

sucedera com as invasões, a fragmentação da autoridade e do _ - - Tratado de Meersen (870)

poderio imperiais, mais reveladora e, pelo menos nos tempos (partilha da lotaríngia
Luís o Germânico
entre Carlos
e Luís 11)
o Calvo,

mais próximos, mais importante que a fragmentação política dos - Tratado de Ribemont (880)
reinos. Os grandes acumulam maior poder econômico e, sobre
esta base, acumulam também os poderes públicos.
O concílio de Tours verifica, no fim do reinado de Carlos
Magno, que «Por motivos de vária ordem, os bens dos pobres
foram, em muitos sítios, bastante diminuídos; quer dizer, os bens
daqueles que são conhecidos como homens livres mas vivem sob o
a autoridade de poderosos magnates». Eis que os grandes, ecle- q.
siásticos ou leigos, são cada vez mais os novos senhores: os mos- ~
)
teiros, cujos abades, de resto, pertencem às grandes famílias de
) magnates, possuem imensos bens fundiários - não considerando
Paris
aqui cs domínios reais - conhecemos melhor porque a sua admi-
)
nistração, bastante bem dirigida pelos clérigos, deixou vestígios NÊUSTRIA
) escritos. No princípio do século IX, lrminon, abade de Saint-
-Germain-des-Prés, mandou fazer um inventário dos domínios da
) abadia e das rendas que lhe eram devidas pelos seus rendeiros, um
)
políptíco. Este documento descreve vinte e quatro domínios fun-
diários (e não é tudo, visto que uma parte do políptico se perdeu),
l dos quais dezanove se situavam ao redor de Paris, entre Mantes
e Château-Thierry. Essas terras correspondiam, cada uma, a uma
)
das actuais comunas, mas a sua superfície era variável (havia
) 398 hectares' de terra cultivada na villa de Palaiseau mas ape- - ==AQUIT ÃNIA= =
nas 76 na de Nogent l' Artaud; também é verdade que nesta
) eram mantidos mil porcos e naquela apenas cinquenta).
) Mas esse poder económico abriu caminho à acumulação dos
poderes públicos pelos grandes proprietários graças a um processo
) instituído ou, pelo menos, favorecido por Carlos Magno e pelos
seus sucessores na esperança de obter resultados completamente
)
opostos. De facto, para fazer assentar o Estado franco, Carlos
) Magno doou muitas terras - os «benefícios» - às pessoas cuja
fidelidade queria garantir, obrigando os beneficiários a prestar-lhe
\
/ juramento como seus vassalos. Julgava assegurar a solidez do
)
Estado com tais laços pessoais. Para que o conjunto da sociedade
O;], pelo menos, das pessoas socialmente importantes ficasse ligado
)

) 76
)
f

) L
..•.
,
,
.•

1 ao rei ou ao imperador por uma rede tão apertada quanto possível


de subordinações pessoais, incitou os vassalos reais a criar, cada
recto; o homem medieval terá de ser fiel. Maus, doravante,
os infiéis.
serão

um em relação a si próprio, laços de vassalagem semelhantes a


esses. As invasões reforçaram esta evolução, pois o perigo levava

t
os mais fracos a colocar-se sob a protecção dos mais poderosos,
e também porque, em troca da colação dos benefícios, os reis *
)
f exigiram a ajuda militar dos seus vassalos. A partir de meados do
século IX, o termo miles - soldado, cavaleiro - substituiu, por Como não havia sentido do Estado, o rei da Germânia Otão I,
vezes, vassus para designar o vassalo. Ao mesmo tempo, uma evo- ao subir ao trono em 936 na firme resolução de consolidar o seu
lução de grande importância se verificou: os benefícios passaram poder, não viu outro meio de ligar a si os duques senão fazer de
a ser hereditários. Este costume instaurou-se por via da prática. todos eles seus vassalos. «Deram-lhe as mãos e prometeram-lhe
Em 877, foi reforçado pela capitular de Quierzy-sur-Oise, pela fidelidade e auxílio contra todos os inimigos», escreve o cronista
qual Carlos o Calvo, preparando-se para ir em expedição a Itália, Widukind.
deu garantias aos seus vassalos para salvaguarda dos direitos à Isso, porém, não os impediu de virar-se contra Otão, que
herança do benefício paterno por parte dos filhos jovens ou venceu a sua coligação em Andemach (939), se impôs na Lorena
ausentes que ficassem órfãos. Os vassalos constituíam-se assim (944), arbitrou no .sínodo de Ingelheim (948) a disputa do trono
mais solidamente como classe social por efeito da hereditariedade de França entre o robertino e o carolíngio, se fez reconhecer como
dos benefícios. rei de Itália (951) e, finalmente, aureolado pelas suas vitórias sobre
) Ao mesmo tempo, as necessidades económicas e militares, os Húngaros em Lechfeld e sobre os Eslavos nas margens do Reck-
que permitiam ao grande proprietário, principalmente se este fosse nitz (955), foi coroado imperador em S. Pedro de Roma pelo
) conde, duque ou marquês, tomar iniciativas, ou que até a isso o Papa João XII a 2 de Fevereiro de 962.
obrigavam, iam começando a fazer do senhor como que. um Otão I retoma imediatamente a política carolíngia de Carlos
)
biombo que separava os seus vassalos do soberano. Já em 811 Magno e de Luís o Piedoso. Logo em 962, as relações entre o
) Carlos Magno se queixava de que houvesse quem se recusasse imperador e o Papa são reafirmadas num pacto. O imperador
ao serviço militar sob o pretexto de que o seu senhor não tinha garante novamente o poder temporal do Papa sobre o Património
) sido convocado e era seu dever estar junto dele. Os grandes que, de S. Pedro mas, em troca, exige que nenhum papa seja eleito

I
) como por exemplo os condes, estavam investidos de poderes decor- sem o seu consentimento; e, durante um século, tanto ele como
rentes da função pública que exerciam mostravam tendência a os seus sucessores usarão deste direito, levando-o ao extremo de

l
) confundir esses poderes com os que possuíam, na qualidade de depor os papas que lhes desagradassem. Mas Otão I, tal como
)
senhores, sobre os seus vassalos; e os outros seguiam-lhes este .Carlos Magno, só vê no seu império o império dos Francos, limi-
j exemplo e usurpavam cada vez mais poderes. Sem dúvida que o tado aos países que o aceitaram como rei. As campanhas que
) t cálculo carolíngio não estava inteiramente errado. Se os reis e move contra os Bizantinos têm simplesmente como objectivo o
.! imperadores de entre os séculos X e XIII conseguiram conservar reconhecimento do seu título, que é obtido em 972: o tratado é
)
algumas prerrogativas de soberania, ficaram a devê-Ia, principal- selado com o casamento do filho mais velho de Otão com a prin-
) \ mente, a que os grandes, seus vassalos, não podiam subtrair-se cesa bizantina Teofânia. Otão I respeita, do mesmo modo, a
1\ aos deveres cobertos pelo juramento de fidelidade que haviam independência do reino da Frância Ocidental.
) prestado. A evolução que se observa nos seus dois sucessores apenas
)
Sentimos, porém, o que de definitivo se passa, para o mundo pretende magnificar o título imperial sem o transformar em domi-
medieval, na época carolíngia. Cada homem vai, doravante, de- nação directa ..
pender cada vez mais do seu senhor; e este horizonte próximo, este Otão II (973-983) substitui o título de lmperator Augustus,
)

j
jugo tanto mais pesado quanto mais estreito é o círculo em que
actua, terá fundamento jurídico; a base do poder será, cada vez
mais, a posse da terra e o fundamento da moralidade será a fide-
I usado habitualmente pelo pai, pelo de «imperador dos Romanos»,
Irnperator Romanorum. Seu filho, Otão III *, influenciado pela
educação recebida da mãe bizantina, instalou-se em Roma em

I
lidade, a fé: estas substituirão durante muito tempo as virtudes 998 e "proclamou a restauração do Império Romano - Renovatio
) cívicas greco-romanas. O homem antigo tinha de ser justo ou Lmperii Romanorum - numa bula em que, a um lado, figura a
) I
)
78
I 79

) !,
J...
-
cabeça de Carlos Magno e, no outro, uma mulher com uma lança lugar, econômico. Renascimentolimitado, superficial, frágil, como
e um escudo, Aurea Roma (10). Os seus sonhos tomam uma cor o da cultura. e, ainda mais que ele, quase destruído pelas invasões
universalista. Há uma miniatura que no-lo mostra majestosamente e pilhagens dos Normandos, Húngaros e Sarracenos do século IX
sentado no trono a receber as oferendas de Roma, da Germânia, e princípios do século X, que, sem dúvida, atrasaram de cem ou
da Gália e da Eslávia, Mas a sua atitude para com os vizinhos duzentos anos o renascimento do Ocidente - tal como as invasões
orientais revela a maleabilidade das suas ideias. No ano Mil, dos séculos IV e V tinham precipitado a decadência do mundo
)
reconheceu a independência da Polónia, onde Gniezno passoua romano.
) ser um arcebispado e cujo duque, Boleslaw o Valente, recebeu o É mais fácil apreendeucertos sinais. de renovação do comércio
título de cooperador do Império; e reconheceu, na mesma ocasião, nos séculos VIII e IX: o apogeu do comércio da Frísia e do porto /
também, a independência da Hungria, cujo príncipe, Estêvão,
depois de baptizado, recebeu coroa real.
de Duurstede, a. reforma monetária de Carlos Magno, de que
adiante falaremos e a exportação dos panos, que provavelmente /~~
1..,/
Durante um breve tempo de concórdia, o sonho deOtão eram flamengos mas se' chamavam frisões - os pallia [resonica
pareceu prestes a realizar-se graças à unidade de opiniões do jovem que Carlos Magno. deu de prenda. ao califa Harun al-Rachid. ~
imperador e do Papa Silvestre Il, o sábio Gerberto, que aceitava r: \
Mas muitos índices permitem, nesta economia essencialmente \
bem esta restauração imperial e romana. Mas. bem depressa o rural, concluir que houve melhoria da produção agrícola: as divi- \~

sonho se desfez. O povo de Roma sublevou-se contra Otão Hl, sões de terrenos- cultivados, que provinham decerto de desbrava-
que morreu em Janeiro de 1002. E Silvestre morreu também pouco mentos, o aparecimento de um novo sistema de atrelamento dos
depois, em Maio de 1003. Henrique Il contentou-se com o regresso animais de tiro - cuja primeira representação conhecida se encon-
ao Regnumi Eroncorum (ll), ao Império assente no reino franco,
) tra num manuscrito de Trier de cerca de 800 -, a reforma do
que depois se transformou na Alemanha.
) Os Otonianos, porém, legaram aos seus sucessores a nostalgia calendário de Carlos Magno, que deu aos meses do ano nomes
romana e uma tradição de subordinação do Papa ao imperador que recordam o avanço das técnicas de cultivo. As miniaturas
)
da qual nascerá mais tarde a querela do Sacerdócio e do Império, que representavam os trabalhos dos vários meses modificaram-se
) nova forma da luta entre guerreiros e padres que a clericalização radicalmente, abandonando os símbolos usados na Antiguidade
realizada sob os carolíngios - os bispos, como um Jonas de por cenas bem concretas em que se mostra o domínio técnico do
)
Orléans, um Agobard de Lyon ou um Hincmar de Reims, gover-
) naram no século IX - e o equilíbrio alcançado sob os Otonianos
não tinham conseguido fazer desaparecer.
)

)
- (,--!
I-)
*
)
- \
~
Quando terminou o sonho romano do ano Mil já outra
) renovação estava prestes a surgir: a renovação de todo o Ocidente.
A sua brusca eclosão fez do século XI o século do verdadeiro ~
) arranque da Cristandade ocidentaL ~
Este levantar voo só podia realizar-se sobre bases económicas.
Estas bases ficaram, certamente, estabelecidas mais cedo que o
que frequentemente se julga. É-nos permitido pensar que, se houve
um renascimento carolíngio, esse renascimento foi, em primeiro

('0) Roma dourada (de ouro). (N. T.) 5. OPOLE (Segundo Les origines des
(11) Reino dos Francos. (N. T.) villes polonaíses, modelo reconsiuutivo].

80 81

~:"'-~,Y'<''''''\·;{,i'~~~
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r
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J

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)
.w.
J

) 6. TRELLEBORG (Segundo o atlas


Westermann: reconstituição ín. loco).
)
5, 6, 7. NASCIMENTO DAS CIDADES DAS REGIõES MARGINAIS
)
DA CRISTANDADE POR VOLTA DO ANO MIL: O GROD E O W/K
)
Nas regiões eslava e escandínava, os timo e guerreiro (é a época da conquista
) núcleos urbanos têm ainda uma função da Inglaterra pelos Dinamarqueses) ins- ~~
mais militar que econômica. pira mesmo a forma das casas, de ma-
) Opole (5), na Silésía polaca, é um grod deira, que têm a configuração de navios
eslavo de madeira. A localização insu- e provavelmente servem de abrigo, cada
) lar e o recinto fortificado manifestam uma à' tripulação de seu barco.
preocupações defensivas; e o rio é uma Haithabu, pelo contrário, no istmo da'
) ~ --
Barcos funerários
via de Importância económica. Jutlândia, é um wik comercial fortifi-
Trelleborg (6), na ilha dinamarquesa de cado, um grande centro de trânsito :$-- Montículos funerários
) Seeland, é um acampamento viking ; uma numa das principais vias que, cerca do I __ Pedras rúnicas
das bases de partida dos Normandos. ano Mil, ligavam o mundo do Báltico
) Local defensivo em que o espírito marí- ao Ocidente do Noroeste. ~- Zona ocupada no século IX
) ~_Amp.liaçào posterior ao ano 900
- __ Zona de tumbas de sareéfagos
) 1I1I1I __ Zona' de tumbas de gavetões
homem: «O homem e a natureza são agora duas coisas diferentes
' __ Bairro dos artífices
) e o senhor é o homem.»
Quer as invasões do século IX tenham sido ou não respon-
) sáveis por um novo recuo, ou por um simples atraso econômico,
J ° progresso é notável, com maior certeza e nitidez, no século X.
o
t,
5~I
I~.
!

Um congresso de medievalístas norte-americanos dedicado a esta


j época viu no século X um período de novidades decisivas, especial-
mente no domínio dos cultivos e da alimentação, em que, segundo 7. HAITHABU (Segundo o atlas Westermann, planta estabe-
Lynn White, a introdução maciça de plantas ricas em proteínas lecida em conformidade com os resultados das escavações)
-legumes como as favas, as lentilhas, as ervilhas - e, portanto,
de elevado poder energético, teria dado à humanidade ocidental
)

82
)

--~~~~~~
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1 eseandina'lO' s@w!reThVOrve~{ãsi praÇ.a:s,tletsC4IIlê ~;~! <féS'; grandes, espaç~S&onde se,rp0~:da:& largam a;~p[OfUIIdoSi,
}1rJ,~ithabw;.neiS~}H<*d$~.tut!:W:dia~;su111ãnt~: ..' e~~li\,cavaIgada&.de!,Jaze};' perdeno, fôfegp'. . "'.'.'....
,,!

; ·.~Q'Ti:e~~~at;;:im __dib~ue.s~<!tf~elJ.lÍ ......•.....


,:.' ~i'veldélde ê" qu:~•.._/~~ d~vidà'"i ~,.ascensãQl;!(iQ~~apde~,~~, '
:"";.;':'. te.,Romial(~~~v~ ..~ur~d'~~~'~I~;~~ '~.b~77' . _ i;ietârioS'ide~ ten~:é'os cavaleiros •. em; conjimto.-' críoui uma;
n<5.,rmando~ aO~eg0Cl~JudeQ.-M'abes; aW'lIongp' .d~.~~tr~dJt .fasse social capaz de.aproveitac as, possibilidades económícas.qne
,ligai€órduva;~Ki,~Vlqt;Iocvé~~',~~flf~o~;~en1:Jal.·' -•. em.".~q;u
..;e-.~I~gil ;~ lhe ofereciam; a, exploração- intenSifiCada:, do, solo- e' dos; ainda:
í <fo Mos$e;,do Renoeídãej!'}mcrdi'\a~'11o();;e:mtqper:n>mncII)à1Ín1 ~enos< excedentes: de prcdnção, entregando a, um, punhado, de
i 3'.\Itália Sete~~G)nàt)~~. '~~~J!3J.:~~,:'~u.·.~~ ..'~~~al1."i.OJde;.:.,pa~ ,_,:ecicilistas;.---,-osc primeirOSi mercadores, ocidentais-c- uma; parte:
, tem' caracterãsncas mterti~ms. eI!"',.ao. --"'Gu!aI',aseensaO'fJ 'tfE»luero' que o mundo cristão cbtinha. com eles. É, tentador. pen-
,~stta1mente"··analisaà~~~,€~~,iôfimr~':::--.~nlíiicet"y)lI3;'- sar-se;,;':que'" aS!; cenqsisrasade €aElosr. Magno e as} suas, façanlia~
. de,\. preços" que- éi· «sintom~~i'~~!~upe~àÇ.ã~d&~da;:c.económic~
J~~'»;I~·~,~·:,-?~,(~)r''''--··
.""jtli~aljesm~1.Saxónia-;,~er~)e'aQ.\fêngo' do Danüêio, e,€lmdonci
l S~1:1)}, ,.....;, ,i~~~,de:,Itália",.em; di-rec~<i:~.;:Veneza~i oui além-Pirerréús; émhn.;'
tlío~~e;rendi~
". ·~,"'~Ul~cQnta~~<i;J!uJ."z(in1~.d~; fII,ihc~~
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das. e não-só de faisass.de cultivo. Mas; depois do ano MiI~ as
A_quê ou a quem. devemos ití:iõuir este despertar do Ocidentes coisas tomaram« aspeetes. mais sériose ,A\' Cristandade medieval
:\ n:edie~l? Segundo MaUFic.e-vI::6inbard~à..;:colrttapartida; da forma- entrava, verdadeiramente' em: cena.
) J, { çae ~o.,mundo muçulmano, mU?do de:~~trópol~~ ur~~mas:.~~~.;;'
~;; ~ll~.!.~r~!9~~;~ ~.~~!~: nQ~pCldent~: õá:r~ro' o; 3:umt;!ltO' ~. Rro:
q ~ '-1 dUÇaa -~:DIf\~~ pan&,e~pQnar paras Có);dO~;o;.,KamIall
(j') J Fustat-Caíro •.,Damasco, e;' Bagd"'âIie::.madeiras, fefi6~ (as espa
s: ,), ( if<mcas), estmiho~ mel>~; merca~l'Ia\,hummta";;os-'escra;vOS;::
~ <, J-Verdu;r era, n~;êpoc~,.car()língi;i~'\~é~de~rtfcicd~g~c;tesqal
S'! ~ 'ESta. e, pôrtantõ; aolil~tese" da e~t~ulQ\. externo, q1l.~.,ile<:·resfOl,
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:5 '"'b,~ de~ru~ a, célebre teoria de: HeD:rl: ~~~en!le, que' atnõmai':àrcon'-<
) ;:. ~) qUlst,a~~rabe ,o.encerramento dO' MedlteIT~eO e"()e~~9talll~ntO"'d~
)
--'- p.. ( comercio- oCldeIlital- qua~d?, pelo C?ntra..n.o..' .es .. ~. "C~.p.flUl.st,~, ,.[,.:,01
-, o,motord<? despertar econOmlCQd~ Cristandade 9Ç.l,~eD;ta~\S~~do,
) J4rnn W~te7 este, d~~perta:lT,.pore~, ~~y~s~",ll!Pa.bW,:d;~a~:~o-
gressos. tecmcoss ~enflcadoSó<no', propno. solo"~Qe1d~tal:i,,progresso« ',:
) \ agpícGlâ-;.que faz-aumenter as.áreas cultivadas e O' seunendimento' !

)
(consideremos a-fcharrua de, redas''e aíveea, O'c~afolhament(»tFÍen311;>~
que permitiu arintroduçãe- dos famosos,legumesfricos:: em proteínas,
) e a difusão do novo processo' de, atrefament'ó: "d'ós:-ãiiiffiaisJ; pro-.
gresso militar; que, com, oestíâ:'bo:.,.._permiti:rl.domin3llt::-melhOI.-o.
cavalo e deu origem a uma nova' classe' de guerreirosç os.': cava-
(if.,",
)

eU) o século, X está cheio de favas. (N, T:).


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84, 85

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