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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA 

PRÓ­REITORIA DE PÓS­GRADUAÇÃO E PESQUISA 
ESCOLA DE FORMAÇÃO EM SAÚDE DA FAMÍLIA 
VISCONDE DE SABÓIA 
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE MENTAL 

GRUPO COMO DISPOSITIVO NA VIDA: ARTE E EXPRESSÃO 
DE MULHERES COM TRANSTORNO DE ANSIEDADE 

PERLA MADALENA SOARES BESERRA 

SOBRAL ­ CEARÁ 
2006

PERLA MADALENA SOARES BESERRA 

GRUPO COMO DISPOSITIVO NA VIDA: ARTE E EXPRESSÃO 
DE MULHERES COM TRANSTORNO DE ANSIEDADE 

Monografia  apresentada  ao  Curso  de 


Especialização  em  Saúde  Mental  da 
Universidade  Estadual  Vale  do  Acaraú  – 
UVA/Escola  de  Formação  em  Saúde  da 
Família  Visconde  de  Sabóia,  como  requisito 
parcial  para  obtenção  do  título  de  Especialista 
em Saúde Mental. 

Orientadora:  Prof a .  Dra.  Eliany  Nazaré 


Oliveira 

SOBRAL ­ CEARÁ 
2006

Monografia  apresentada  ao  Curso  de  Especialização  em  Saúde  Mental  da  Universidade 
Estadual  Vale  do  Acaraú  –  UVA/Escola  de  Formação  em  Saúde  da  Família  Visconde  de 
Sabóia, como requisito necessário para a obtenção do título de Especialista em Saúde Mental. 

______________________________________________ 
Perla Madalena Soares Beserra 

Monografia aprovada em ______/_____/_____ 

_________________________________________________ 
Prof a : Dra. Eliany Nazaré Oliveira 
Orientador 

_________________________________________________ 
1º Examinador 

_________________________________________________ 
2º Examinador 

___________________________________________ 
Prof(a) 
Coordenador(a) do Curso

A  todos  os  profissionais  que  acreditam  na 


possibilidade  de  fazer  uma  saúde  mental  com 
qualidade para os que necessitam.

AGRADECIMENTOS 

A  Deus,  que  permanece  sempre  iluminando,  abrindo  caminhos  e  me  conduzindo 


ao amadurecimento pessoal e espiritual. 
A minha mãe Ione, pelo afeto e dedicação, um verdadeiro exemplo de mulher. 
A minha avó Raimunda, que mesmo distante continua tão presente em minha vida. 
A minha irmã Paula, amiga presente que sempre me incentiva. 
Ao meu marido Alexandre, companheiro e cúmplice em todos os momentos. 
A  minha  filha  Maria  Eduarda,  amor  incondicional,  ternura,  paciência  e 
compreensão nos momentos de ausência. 
A  minha  sogra  Rejane,  pelo  entusiasmo  manifesto  na  forma  como  encara  a  vida, 
para mim, outro grande exemplo de mulher. 
Às  pacientes  do  grupo  terapêutico,  verdadeiras  flores  no  caminho  do 
conhecimento, uma grande lição de vida. 
A  minha  orientadora  Eliany  Nazaré  Oliveira,  pelo  estímulo  e  empenho  na 
orientação. 
Aos demais membros que compõem a banca. 
À  prefeitura  de  Crateús,  por  ter  viabilizado  meu  ingresso  no  curso  de 
especialização. 
À  prefeitura  de  Maracanaú,  por  possibilitar  a  minha  continuidade  no  referido 
curso. 
Aos colegas do CAPS de Maracanaú, pela força e suporte nas horas necessárias. 
Enfim,  a  todos  que  direta  ou  indiretamente  contribuíram  para  a  execução  desta 
pesquisa.

[...] 
É preciso amor pra poder pulsar 
É preciso paz pra poder sorrir 
É preciso a chuva para florir 
Almir Sater

RESUMO 

No  cotidiano  intenso  e  atribulado  em  que  se  vive,  tensão  e  estresse  são 
companheiros  inseparáveis  dos  indivíduos  na  modernidade.  Esse  estilo  de  vida,  que  implica 
privação  do  lazer,  excesso  de  responsabilidade,  fadiga  crônica  e  sentimento  de  impotência, 
além  de  todo  um  conteúdo  de  preconceito  histórico  cultural,  favorece  o  desenvolvimento  da 
ansiedade, em especial na população feminina, mais suscetível a esse quadro. Este estudo teve 
como objetivo analisar as contribuições do grupo como dispositivo de intervenção terapêutica 
na  vida,  arte  e  expressão  de  mulheres  com  transtorno  de  ansiedade,  atendidas  no  CAPS  de 
Maracanaú­CE.  Ao  mesmo  tempo,  procurou  traçar  um  perfil  dessas  pacientes,  averiguar  a 
validade  da  metodologia  vivenciada  no  grupo,  observar  a  evolução  dos  mecanismos 
terapêuticos e identificar o papel do grupo na vida dessas mulheres, sob a sua ótica. Optou­se 
pela  realização  de  uma  pesquisa  de  caráter  exploratório­descritivo  do  tipo  pesquisa  ação, 
aplicada  com  15  mulheres  acometidas  do  transtorno  de  ansiedade,  com  idade  entre  35  e  63 
anos,  no  período  de  abril  a  junho  de  2006  na  sala  de  grupo  terapêutico  do  CAPS  de 
Maracanaú­CE. A coleta dos dados se verificou por meio de consulta regular aos prontuários 
e  registros  (áudio,  fotográfico  e  gráfico)  sistemáticos  sobre  o  funcionamento  da  dinâmica 
grupal  e  síntese  descritiva  das  sessões.  Os  aspectos  éticos  foram  norteados  pela  resolução 
196/96,  com  ênfase  nos  princípios  de beneficência, não maleficência, autonomia e justiça. As 
informações foram organizadas e apresentadas através de temáticas e categorias. A discussão 
dos resultados foi pautada em literatura pertinente. Identificamos, durante o estudo, a tomada 
de consciência do processo de adoecimento, a autopercepção no processo grupal, favorecendo 
a  emergência  de  sentimentos  positivos  em  relação  a  si  e  ao  outro,  o  despertar  de 
potencialidades, à medida que evoluía o processo terapêutico, e a construção de vínculos por 
meio  da  realização  das  atividades  e  da  arte.  Ao  final  da  pesquisa,  foram  evidenciados  os 
benefícios  obtidos  no  processo  grupal,  revelando  a  sua  eficácia  no  tratamento  da  ansiedade, 
pois  possibilita  que  o  sujeito  torne­se  ativo  no  tratamento  e  reformule  novas  perspectivas  de 
vida,  sendo  a  afetividade,  a  formação  de  vínculos  e  a  expressão  dispositivos  potentes  nesse 
tipo de abordagem. 

Palavras­chave: mulheres; ansiedade; grupo terapêutico; expressão; arte.

SUMÁRIO 

1  INTRODUÇÃO......................................................................................................  08 
2  OBJETIVOS...........................................................................................................  14 
2.1 Objetivo geral...................................................................................................  14 
2.2 Objetivos específicos........................................................................................  14 
3  REVISÃO DE LITERATURA..............................................................................  15 
3.1 Saúde mental em mulheres...............................................................................  15 
3.1.1 Aspectos sociais da história da mulher ao longo dos tempos.................  17 
3.1.2 Trajetória das mulheres no Brasil...........................................................  21 
3.1.3 Saúde mental feminina e a permeabilidade cultural...............................  23 
3.1.4 Considerações em relação a grupos terapêuticos...................................  28 
3.1.5  Contribuições  da  Terapia  Ocupacional  através  da  Atividade  35 
Expressiva.............................................................................................. 
4  METODOLOGIA DA PESQUISA........................................................................  43 
4.1. Tipo de pesquisa..............................................................................................  43 
4.2. Cenário da investigação...................................................................................  43 
4.3. Sujeitos da pesquisa.........................................................................................  46 
4.4. Período de estudo.............................................................................................  47 
4.5. Métodos e procedimentos................................................................................  47 
4.6. Princípios éticos do estudo..............................................................................  50 
4.7. Organização da análise e discussão das informações......................................  51 
5  APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS..................................  52 
5.1. Conhecendo as mulheres do estudo.................................................................  52 
5.2. Processo terapêutico........................................................................................  57 
5.2.1 Processo de adoecimento........................................................................  57 
5.2.2 Autopercepção no processo grupal.........................................................  65 
5.2.3 Contribuição da atividade no processo terapêutico................................  70 
5.2.4 Evolução terapêutica...............................................................................  74 
5.2.5 Construindo vínculo e fazendo arte........................................................  78 
5.2.6 Arte e sentimentos..................................................................................  83 
6  CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................  89 
7  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................  92 
ANEXOS................................................................................................................  95

1 INTRODUÇÃO 

Vivemos  um  cotidiano  movido  por  tensões  e  estresses.  Caso  cheguemos  a 


quantificar  os  momentos  de  lazer  e  descontração,  iremos  perceber  que  estes  se  limitam  a 
pequenos  episódios,  algumas  vezes  isolados.  Diante  desse  impasse,  chegamos  às vezes a nos 
questionar  em  relação  a  nossa  qualidade  de  vida,  equilíbrio  emocional  e  psíquico,  uma  vez 
que  todos  esses  aspectos  passam  freqüentemente  para  um  segundo  plano,  distante  de  outras 
prioridades, o que nos impede de perceber os comprometimentos que se instalam no decorrer 
de nossas vidas. 
Winnicott  (1990)  observa  que  a  saúde  da  psique  deve  ser  avaliada  em  termos  de 
crescimento  emocional,  constituindo  uma  questão  de  maturidade  que,  por  sua  vez,  envolve 
gradualmente o ser humano numa relação de responsabilidade para com o ambiente. 
Dessa  forma,  as  sensações e sentimentos desencadeiam uma série de experiências 
e modelam nossa concepção enquanto sujeito em relação a nós mesmos e nossa relação com o 
ambiente.  O  acúmulo  dessas  emoções  causa  respostas  positivas  ou  negativas  dependendo  do 
nível  de  amadurecimento  que  apresentamos  para  decodificá­las,  contudo,  essas  vivências  são 
vitais para nossa existência, estando o estresse em quase todos os momentos. 
McLellan,  Bragg e Cacciola (1988) definem o estresse como sendo nada mais do 
que  uma  resposta  não  especifica  do  corpo  a  uma  solicitação.  Vale  acrescentar  que  essa 
resposta  pode  se  verificar  em  todas  as  atividades  empreendidas pelo indivíduo, sejam elas de 
caráter físico, intelectual, emocional ou social. 
Geralmente,  a  resposta  emocional  ao  estresse  é  negativa:  ansiedade,  tensão  ou 
depressão.  As  reações  emocionais  positivas,  como  a  euforia  e  o  contentamento,  também  são 
respostas a certos tipos de estresse. Assim, pode­se considerar que a maioria das emoções são 
reações ao estresse, em respostas a estímulos diários. 
Neste trabalho, nos deteremos no estresse negativo, que se manifesta por meio de 
uma vivência inadequada do conjunto de fatores sociais, econômicos, profissionais, familiares 
e pessoais que compõem a realidade humana, que acumulada, transborda posteriormente sob a 
forma  de  sintomas  emocionais  e/ou  corporais,  acarretando  a  exposição  de  uma  grande  parte 
da  população  aos  seus  malefícios.  É  importante  destacar  que  os  mecanismos  de  respostas  a 
situações  estressantes  podem  variar  entre  formas  adequadas  à  intensidade  do  estímulo  ou 
evoluir  para  um  desequilíbrio dessas respostas, sendo muito tênue a linha que separa reações 
saudáveis de adoecedoras.

A ansiedade, na visão de Sonenreich, Kerr­Corrêa e Estevão (1991), apresenta­se 
como  uma  resposta  emocional  determinada  pela  expectativa de um acontecimento (que pode 
ser agradável, desagradável, frustrante, gratificante, entristecedor). A angústia corresponderia 
à expressão somatizada de um desejo ou de um impulso. 
Um  fator  preocupante  é  a  procura  por  cuidados  de  saúde  somente  quando  os 
sintomas da ansiedade já estão instalados. Sem a prática da prevenção ou o cultivo de hábitos 
saudáveis, torna­se difícil, diante do caos psico­social, associar os fenômenos sintomáticos ao 
estilo  de  vida  precária,  resultando,  muitas  vezes,  mesmo  sem  perceber,  na  intensificação 
desses  malefícios.  Nessa  conjuntura,  um  aspecto  requer  atenção:  o  uso  reiterado  e 
indiscriminado  de  benzodiazepinicos.  Forma­se,  assim,  uma  tríade  muitas  vezes  repetida, 
copiada  e  causadora  de  dependência,  sendo  este  último  elemento  –  o  benzodiazepinico  – 
somente um suposto alívio da problemática da ansiedade. 
As  mulheres  apresentam  uma  suscetibilidade  progressiva  aos  fatores  estressantes, 
sendo  esses  condizentes  à  estrutura  descrita  anteriormente,  onde  o  excesso  de  atribuições 
dificulta  a  canalização  das  tensões  e,  por  fim,  ocorre  a  sublimação  das  emoções  reprimidas 
através do uso dos Benzodiazepinicos. 
Uma  justificativa  para  o  aumento  da  exposição  feminina  a  esses  fatores  reside, 
como  bem  observa  Oliveira  (2000),  na  responsabilidade  que  passou  a  sobrecarregar  os  seus 
ombros,  primeiro  quando,  transcendendo  os  limites  domésticos,  a  mulher  foi  liberada  para  o 
convívio social e para o trabalho e, em seguida, quando, sem se desobrigar dos compromissos 
já assumidos, foi reintroduzida no lar para que assumisse a educação dos filhos. 
Percebemos que os papéis sociais assumidos pelas mulheres, por si são geradores 
de  tensão,  podendo  esta  ainda  agravar­se  diante  das  possibilidades  ambientais  e  afetivas, 
quando oprimem sua individualidade. Outro aspecto fomentador da ansiedade são os conflitos 
psico­emocionais  relacionados  quando  há privação de desejos, em especial nos casos em que 
vem associada à privação de comportamentos e valores. 
O  estudo  realizado  nessa  pesquisa  buscou  relacionar  os  fatores  estressantes  e 
desencadeantes  da  ansiedade,  bem  como  apresentar  uma  abordagem  diferenciada  na 
intervenção  terapêutica  desta,  para  o  que  utilizou  o  trabalho  de  grupo  como  dispositivo  e  a 
arte­expressão como recurso. 
O  despertar  para  esse  tema  surgiu  ao  assumir  a  função  de  terapeuta  ocupacional 
no  Centro  de  Atenção  Psicossocial –  CAPS,  de  Maracanaú,  em  maio  de  2005.  No  início  de 
minha  prática  neste serviço deparei com uma situação que me causou uma certa inquietação.
10 

Havia  uma  demanda  crescente  de  mulheres  usuárias  de  Diazepan  apresentando  em  seus 
prontuários o diagnóstico de transtorno de ansiedade. 
Sempre  tive  o  desejo  de  desenvolver  um  trabalho  no  âmbito  social,  pois acredito 
que  a  prática  de  saúde  mental  não  seja  auto­solucionável  por  si  própria,  ou  seja,  sintoma­ 
diagnóstico – cura ou seqüelas. No âmbito de saúde/doença mental, o que constatamos é que a 
origem  da  doença  está,  muitas  vezes,  arraigada  a  questões  mais  profundas  relacionadas  ao 
ambiente social, cultural, econômico e familiar. 
À proporção que ia me relacionando com os pacientes e tomava conhecimento das 
causas e do  início de suas crises, tornava­se evidente, para mim, a necessidade de um estudo 
que  contribuísse  para  o  alívio  dos  diversificados  sofrimentos.  Tratava­se  de  mulheres  que 
tinham  em  sua  história  de  vida  retalhos  de  sentimentos  e  emoções,  unidos  pela  auto 
compadecência  e  sintomatologia,  em  cujos  fragmentos  encontrávamos  baixa  auto­estima, 
impotência, violência e agressões físicas e morais, perda do referencial de vida, entre outros. 
Durante  a  escuta  terapêutica  percebi  que,  habitualmente,  ela  vem  de  um  lar 
desestruturado, repetindo no seu papel de esposa e mãe duas funções de gênero que lhe foram 
atribuídas,  incluindo­se  aí  a  submissão  e  a  sujeição,  copiando  modelos  e  repassando  esse 
perfil  na  cultura  e  sociedade.  É  comum,  nos  diálogos,  a  referência  da  mãe  também  como 
vítima  de  seu  pai,  assim  como  elas  são  de  seus  esposos  e,  em  alguns  casos,  como  as  suas 
filhas já o são de seus genros. 
Merecem destaque as colocações de Silveira (1996) sobre o inconsciente coletivo, 
que, em sua visão, corresponde a uma herança comum que transcende todas as diferenças de 
culturas e de atitudes conscientes, não se revestindo tão­somente de conteúdos capazes de se 
tornarem  conscientes,  mas  em  disposições latentes para reações idênticas. Em Maracanaú, as 
representações  da  submissão,  do  machismo  e  do  poder  transcendem  a  forma  de  como  a 
sociedade e família se relacionam. 
As mulheres que buscam o serviço são usuárias de Diazepam há pelo menos cinco 
anos, possuem idades que variam entre 35 a 63 anos, grau de escolaridade baixo, muitas não 
trabalham  fora  de  casa  ou  têm  um  salário  baixo  e  referem  suas  crises  e  sintomalogia 
associadas  ao  ambiente  social  e  familiar,  outras  têm  conflitos  com  o  companheiro,  com  os 
filhos;  estando  o  álcool,  a  droga  e  a  violência  intensificando  esses  conflitos,  tendo  por 
conseqüência o aumento da sintomatologia. 
Ao dar início à organização dos grupos terapêuticos, ficou claro que o sofrimento 
mental  dessas  pacientes  não  era  solucionado  com  a  farmacologia,  sendo  necessário  um 
complemento  e,  em  muitos  casos,  uma  substituição  dos  mecanismos  tradicionais  de
11 

tratamento.  Sob  esse  aspecto,  a  abordagem  grupal  se  encaixaria  perfeitamente,  pois 
subsidiaria  a  necessidade  humana  não  suprida  pelo  medicamento.  O  trabalho  de  grupo 
possibilita  a  reconstrução  da  identidade,  sendo  processo  facilitador  se  forem  utilizadas 
técnicas  de  arte­expressão,  onde  a  capacidade  de  transformar  objetos  subjetiva  a 
transformação humana. 
Tornou­se  gratificante  observar,  no  grupo,  algumas  evoluções  e  tomadas  de 
consciência  das  ações  empreendidas,  por  meio  das  quais  buscaram  resgatar,  no  ambiente 
interno  do  grupo  externo  do  seu  meio,  a  auto­estima,  o  equilíbrio  emocional.  Contudo, 
continuava  em  mim  a  necessidade  de  aprofundar  conhecimentos  nas  relações  sociais  e 
familiares deste município. 
No exercício  de minha profissão, intensificou­se em mim a necessidade de ir além 
do  meu  papel  de  terapeuta,  posto  que  a  contribuição  para  o  alívio  do  sofrimento  decorrente 
desse  mister  não  se  fazia  suficiente  em  virtude  de  essa  ser  apenas  uma  faceta  superficial  do 
problema,  sendo  necessário  investigar  e  conhecer  as  relações  que  vão  além  das  queixas 
citadas  no  serviço.  O  conhecimento  poderia  proporcionar  o  desenvolvimento  de  abordagens 
de  intervenção  adequadas  às  necessidades  locais,  seguindo  a  cultura  e  a  dinâmica  de 
relacionamentos e quebra de paradigmas. 
Rogers (1977) classifica os clientes em dois grupos: os que precisam de ajuda para 
superar  dificuldades  ou  coerências  que  os  tolhem  em  seu  ajustamento  e  os  que  não  se  dão 
conta  desse  processo.  Refere  ainda  que  a  situação  da  mulher  torna­se  absurda  nas 
contingências modernas. 
A  classificação  do  autor  encontra  um  respaldo  ainda  mais  expressivo  na 
contemporaneidade,  haja  vista  que  o  nível  de  exigências  da  vida  moderna  aumentou 
consideravelmente  desde  que  ele  proferiu  essas  palavras  e  a  velocidade  das  transformações 
com  as  quais  as  pessoas  têm  que  lidar  favorecem  o  desajustamento  e  a  incapacidade  de  se 
adaptar ao novo cenário social. 
Maracanaú,  o  palco  de  nosso  estudo,  é  sem  dúvida  um  espaço  carente  que 
necessita  da  qualificação  na  saúde  mental  de  seus  habitantes.  Localizado  aproximadamente  a 
30  km de  Fortaleza,  trata­se  de  um  município com peculiaridades marcantes e decisivas para 
seus  moradores.  É  uma  cidade  que  não  tem  perfil  de  interior,  tampouco  de  capital,  mais  se 
assemelha  a  um  grande  bairro  de  Fortaleza,  fazendo  parte  da  região  metropolitana.  Por  se 
tratar de um distrito industrial há um grande fluxo de pessoas que trabalha nas fábricas, porém 
o  nível  de  desemprego  dos  moradores  é  alto,  justificado  pela  pouca  qualificação  e  baixa
12 

escolaridade. É o 2º maior PIB (Produto Interno Bruto) do Estado, no entanto, sua população 
é muito carente. 
O  mais  preocupante  no  município  é  o  nível  de  desestruturação  familiar  e  o  alto 
índice de violência, marcado por drogas, estupros, ameaças de gangues, assaltos, tentativas de 
suicídio  e homicídio. O município enfrenta os problemas de subúrbio das grandes metrópoles 
do  país,  sendo  as  características  citadas  as  que  mais  estimulam  a  procura  e  o  ingresso  no 
CAPS. O sujeito que procura o Centro tanto pode ser vítima como sofrer por ter um caso no 
meio  familiar.  Seja  qual  for  o  fator  desencadeante,  a  triagem  recebe,  em  especial,  pacientes 
com  queixas  e  sintomas  de  transtorno  de  ansiedade,  sendo  geralmente  mulheres  que  sofrem 
devido a sua suscetibilidade emocional e aos vínculos afetivos. 
Assolados  pelas  tribulações  sociais,  muitos  dos  pacientes  que  chegam  ao  CAPS 
perderam  a  motivação  e  o  sentido  de  suas  relações  interpessoais,  sendo  tomados  física  e 
psiquicamente  por  sintomas  de  ansiedade  e  depressão  e  encaminhados  ao  setor  de  terapia 
ocupacional para, através das atividades, desenvolverem os potenciais supostamente perdidos. 
É  importante  ressaltar  que  o  CAPS  é  o  único  serviço  que  atende  à  demanda  de 
saúde  mental.  Apesar  de  ser  um  serviço  especializado,  é  comum  a  sua  procura  nos  casos  de 
ansiedade leve à moderada, em geral associadas às condições de vida estressante do cotidiano. 
Diante da superlotação enfrentada, a equipe adotou uma abordagem de atendimento centrada 
nos  grupos,  com  o  intuito  de  solucionar  não  somente  o  problema  do  acúmulo  de 
atendimentos,  mas  também  de  criar  um  espaço  diferenciado,  com  qualidade  no  serviço,  e 
possibilitar ­ de acordo com o ambiente “caótico” social e o sofrimento da história de vida dos 
pacientes ­ um mecanismo para reverter o quadro sintomático, além de criar uma resposta em 
que  o  suporte,  a  afetividade  e  a  capacidade  de  reações  sejam  impulsionados  para  uma 
evolução. 
Os  grupos  ocorrem  semanalmente  e  são  indicados,  durante  a  triagem,  para  cada 
queixa,  faixa  etária  ou  afinidade  dos  pacientes  com  determinadas  atividades.  O  grupo 
feminino, objeto de estudo deste trabalho, mantém seus encontros às terças­feiras pela manhã, 
sendo destinado como cenário para a pesquisa a sala de grupo da Terapia Ocupacional. Trata­ 
se de um grupo homogêneo, composto de 15 mulheres que já iniciaram o processo terapêutico 
há um ano. 
Para  a  materialização  da  pesquisa,  foram  utilizados  os  registros  de  áudio  e 
fotográficos,  os  relatórios,  além  de  pesquisa  nos  prontuários,  metodologia  que  possibilitou  a 
estruturação  de  um  trabalho  conciso  e  coerente,  unificando  a teoria à prática.  Vale ressaltar
13 

que  prevalece  o  uso  de  atividades  práxicas  e  expressivas  em  todo  o  trajeto  grupal,  com 
enfoque humanista e comportamental. 
As atividades, na opinião de Benetton (1987), têm o poder de ampliar o campo da 
consciência  e  possibilitam  o  autoconhecimento,  bem  como  o  fazer­se  conhecer.  Durante  a 
atividade,  ferramenta  de  trabalho  da  Terapia  Ocupacional,  o  sujeito  tem  possibilidade  (no 
decorrer de sua execução e finalização) de ter contato e extrair conflitos psíquicos, posicionar­ 
se e elaborar­se enquanto sujeito diante da situação. 
A  Terapia  Ocupacional  desenvolve  e  inter­relaciona  o  indivíduo  bio­psico­social, 
tornando­o  ativo  no  próprio  processo  de  recuperação.  Quando  a  intervenção,  através  da 
atividade,  é  feita  dentro  do  espaço  em  grupo,  associamos  não  só  os  benefícios  da  atividade, 
mas  também  todo  um  suporte  dinâmico,  onde  o  coletivo  desenvolve  capacidades 
dialeticamente  às  situações  conflitivas;  no  processo de autoconhecimento  mútuo do grupo se 
fortalece  e amadurece nos aspectos emocionais e sociais. 
A  atividade  possibilita  a  expressão  do  ser  humano  e quando essa é fomentada de 
instrumentos  propícios  para  a  arte,  emerge  a  essência  da  criação,  que  no  grupo  passa  a  não 
mais ser só do sujeito, mas sim uma elaboração conjunta das imagens, vivências, expressões e 
angústias criando espaços para firmar­se em sua identidade pessoal e coletiva. 
Foi acreditando no potencial do trabalho de grupo e em todos os benefícios que o 
mesmo  traz  para  o  fortalecimento  e  recuperação  nos  casos  de  transtorno  de  ansiedade, 
reforçados  pela  atuação  da  terapia  ocupacional e sua abordagem auto­expressiva que realizei 
um trabalho de pesquisa no CAPS de Maracanaú, associando a teoria e prática à realidade do 
município.
14 

2 OBJ ETIVOS 

2.1  Objetivo geral 

Analisar  as contribuições do grupo como dispositivo na vida, arte e expressão em 
mulheres com transtorno de ansiedade atendidas no CAPS de Maracanaú­CE. 

2.2  Objetivos específicos: 

§ Caracterizar  o  perfil  do  grupo de mulheres com ansiedade atendidas no CAPS 


de Maracanaú; 

§ Averiguar a validade e eficácia da metodologia vivenciada e adotada no grupo; 

§ Observar  a  importância  das  vivências  grupais  e  os  mecanismos  terapêuticos, 


bem como as transformações sociais durante o processo; 

§ Examinar, na perspectiva das mulheres, o papel do grupo em suas vidas.
15 

3  REVISÃO DE LITERATURA 

3.1  Saúde mental em mulheres 

Os  fatores  estressantes  aos  quais  as  mulheres  se  submetiam  permanecem  mesmo 
que essas tenham acompanhado a evolução dos tempos. Se, no passado, a mulher sofria toda 
uma sobrecarga emocional devido à discriminação e à anulação de seus desejos e diretos, hoje 
a  figura  feminina  sofre  pelo  acúmulo  de  papéis  que  é  obrigada  a  desempenhar:  social, 
familiar, conjugal e profissional. 
Nesse  contexto,  De  Oliveira  (2004)  observa  que  por  mais  que  a  lei  pretenda 
excluir  qualquer  tipo  de  diferença  ou  discriminação,  ainda  não  foi  –  e  não  está  sendo  – 
possível  abstrair­se  que  a  mulher  possui  características  peculiares  a  seu  sexo,  como  a 
maternidade, que exige um tempo determinado de sua vida. 
As  diversas  cobranças  em  relação  às  posturas,  atitudes  e  atribuições  de  suas 
funções  agravam­se  quando  as  mulheres  entram  em  conflitos  pessoais  e  se  abstêm  de  sua 
essência  real,  acarretando,  conseqüentemente,  um  sofrimento  diante  da  anulação  de  sua 
identidade,  que  passa  a  ser  invadida  pelo  pré­conceito,  por  rotulações  e  obrigações.  O 
resultado das tensões, conflitos de história de vida e choque cultural provocam a condensação 
dessas  emoções  e  a  transferência  das  mesmas,  a  fim  de  se  instalarem  através  de  sintomas, 
sendo  comum  o  desenvolvimento  da  ansiedade.  De  acordo  com  a  CID  10 1 ,  o  transtorno  da 
ansiedade generalizada é freqüentemente relacionado a estresse ambiental crônico. 
Uma  definição  de  estresse  proposta  por  McLellan,  Bragg  e  Cacciola  (1988) 
apresenta­o  como  uma  ocorrência  fisiológica  e  normal,  que  surge  quando  o  organismo  se 
encontra diante de uma situação nova a que precisa se adaptar ou superar. Em suas palavras, 
ele  seria  nada  mais  do  que  uma  mera  resposta do corpo, não específica, a uma solicitação, e 
que  acompanha  todas  as  atividades  humanas,  sejam  elas  físicas,  emocionais,  intelectuais  ou 
sociais.  Dessa  forma,  uma  situação  pode  desencadear  uma  gama  de  respostas  que  podem 
variar  de  acordo  com a adaptação do sujeito ou desencadear respostas de vivências similares 
gerando tensões ou sintomas orgânicos. 


A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em seu volume I, que 
está,  atualmente,  na  décima  revisão,  traz  um  capítulo  inteiramente  dedicado  às  patologias  mentais.  Lá,  no 
capítulo  V,  pode  ser  encontrada  uma  lista  completa  de  todos  os  Transtornos  Mentais  e  Comportamentais, 
contendo as suas descrições clínicas e as normas de estabelecimento de diagnóstico (Fonte: DATASUS, 2004).
16 

Na  maioria  dos  casos, a palavra “estresse” sugere uma imagem negativa. E é por 


isso  que  o  estresse  está  associado  ao  desestresse.  Contudo,  nem  todo  estresse  é  ruim.  Na 
realidade,  pode  ser  positivo  e  até  benéfico.  Esse  tipo  positivo  é  conhecido  por  eutress  e 
estimula para a ação. 
Na  compreensão  de  Dalgalarrondo  (2000),  a  ansiedade  caracteriza­se  pela 
presença de sintomas ansiosos excessivos, na maior parte dos dias, por pelo menos seis meses. 
A  pessoa  vive  angustiada,  tensa,  preocupada,  nervosa  ou  irritada.  São  comuns  também  os 
sintomas físicos como taquicardia, tontura, dores musculares, sudorese, cefaléia, entre outros. 
Os  autores  referem  que  todo  esforço  físico  ou  emocional  causa  estresse.  Mas  o 
estresse  é  normalmente  percebido  como  resposta  emocional.  Geralmente,  essa  resposta 
emocional é negativa: ansiedade, tensão ou depressão. As reações emocionais positivas, como 
euforia  e  contentamento,  também  são  respostas  a  certos  tipos  de  estresse.  (MCLELLAN; 
BRAGG; CACCIOLA, 1988). 
Diante  do  acúmulo  de  pressão  emocional  no  ambiente  familiar,  social,  cultural  e 
profissional,  é  inevitável  que  ocorra,  para  a  mulher  nos  dias  atuais,  uma  descarga  de  tensão 
interferindo  diretamente  no  seu  comportamento  físico  e  psíquico,  em  que  a  ansiedade  é 
manifestada por diversos sintomas. 
A ansiedade, na visão de Sonenreich, Kerr­Corrêa e Estevão (1991), apresenta­se 
como  uma  resposta  emocional  determinada  pela  expectativa de um acontecimento (que pode 
ser agradável, desagradável, frustrante, gratificante, entristecedor). A angústia corresponderia 
à expressão somatizada de um desejo ou de um impulso. 
Na  visão  de  Cordioli  (1998),  a  ansiedade  resulta  de  uma  intensa  ativação  da 
reação  de  emergência  do  organismo. Esse tipo de reação faz parte do funcionamento normal 
do organismo, tendo como função proteger o indivíduo de ataques externos. Assume o status 
de patologia quando é inadequadamente ativada em situações psicossociais. 
McLellan, Bragg e Cacciola (1988) ampliam essa concepção da ansiedade quando 
a  associam  a um sinal que alerta as pessoas de que algo desgastante pode ocorrer através de 
manifestações  físicas,  chegando  até  a  afetar  a  auto­imagem  e  o  desempenho  de  funções 
corriqueiras. 
Nesse  contexto,  Cordioli  (1998)  aponta  para  a  relação  existente  entre  os 
transtornos  de  ansiedade  e  as  crenças  centrais  negativas  relativas  ao  desamparo,  ativadas 
quando  o  indivíduo  se  vê  diante  de  alguma  situação  ameaçadora  com  a  qual  não  consegue 
lidar,  posto  que  há  predomínio  de  autoconceitos  envolvendo  justamente  a  incapacidade  de 
enfrentar esse tipo de problema.
17 

Sem dúvida, em um nível mais profundo, o sofrimento causado pelos sintomas da 
ansiedade  interfere  diretamente  no  autoconceito,  na  integridade  emocional,  ocupacional  e 
psicossocial,  havendo  um  aumento  na  autodesvalorização,  na  medida  em  que  os  sintomas  se 
agravam. 
Na  concepção  de  Mari  (2002),  a  ansiedade  é  vista  como  um  estado  de  humor 
desconfortável,  uma  apreensão  negativa  em  relação  ao  futuro  ou  uma  inquietação  interna 
desagradável. 
Fontana  (2005),  por  sua  vez,  a  concebe  como  uma  emoção  universal  do  ser 
humano,  que  surge  ante  uma  situação  de  perigo.  Pode  ser  normal,  anormal  ou  mórbida.  Na 
ansiedade patológica, a emoção mostra­se muito intensa, desproporcional ao estímulo que lhe 
deu origem. 
Percebemos que, numa intensidade moderada, a ansiedade é benéfica ou até vital, 
pois  impulsiona­nos  a  respostas,  defesas  e  à  autopreservação.  Contudo,  caso  seja  acionada 
num contexto inadequado, persistente ou desproporcional (com aumento de resposta) ao que a 
estimulou, torna­se danosa, prejudicial e patológica. 

3.1.1  Aspectos sociais da história da mulher ao longo dos tempos 

Falar  de  saúde  mental  em  mulheres  nos  remete  a  encontros  e  desencontros, 
avanços e recuos, onde o passado e a atualidade condensam­se para registrar o fenômeno de 
ser  mulher.  Para  que  possamos  alcançar  uma  percepção  apurada  da  essência  feminina,  sua 
história  de  vida,  saúde  física  e  mental  ou  ausência  das  mesmas,  precisamos ampliar o ângulo 
focado e nos arraigarmos nos aspectos cultural, social e político. 
Na concepção de De Paula (1994),  qualquer interpretação dos papéis do homem e 
da mulher na sociedade moderna terá que, necessariamente, se reportar às próprias origens da 
humanidade e à forma pelas quais homens e mulheres têm colaborado e competido entre si ao 
longo dos séculos. 
Observamos  que  a  forma  figurativa  da  imagem  feminina  no  sentido  de  igualdade 
ou  inferioridade  perante  a  figura  masculina  é  diretamente  flexível  ao  contexto  temporal  e 
cultural, alterando­se de acordo com esses mecanismos históricos. 
Durant  (1963  apud  DE  PAULA,  1994,  p.  20)  relata  que  “[...]  a  mulher,  nas 
comunidades  primitivas  [...]  igualava  o  homem  na  estatura,  na  resistência,  na  habilidade e na 
coragem, não era um ornamento social, um objeto de beleza ou um brinquedo sexual”.
18 

Nesse  ambiente  de  cooperação  mútua  a  mulher  recebia  o  respeito  devido  e 


contribuía  de  forma  equivalente  com  o  trabalho  da  tribo.  De  Paula  (1994)  destaca  que  as 
primeiras  comunidades  da  antiguidade  eram  matriarcais;  o  papel  da  mulher  era  fundamental 
nas atividades domésticas e produtivas. A ela se atribui a descoberta da agricultura e a ela se 
deve, também, a pecuária, cujo início se deu com a domesticação dos filhotes de animais que 
eram trazidos pelos homens das tribos quando voltavam de suas caçadas. A mulher inventou a 
costura, a tecelagem e dedicou­se à arte do cesto e da cerâmica. 
Posteriormente,  a  autonomia  feminina  se  viu  ameaçada  –  e  foi  fatalmente 
esmagada  –  pelo  patriarcalismo.  De  Paula  (1994)  observa  que,  ao  descobrir  o  seu  papel  na 
reprodução  humana  e  a  sua  capacidade  de  reprodução  dos  alimentos  através  da  agricultura 
intencional, o homem reveste seu papel, dando origem à sociedade patriarcal. 
A  partir  desse  marco,  outros  acontecimentos  foram  diminuindo  progressivamente 
a  imagem  feminina  na  sociedade.  Monteiro  (1998)  relata  que  na  Grécia  as  mulheres  e  os 
escravos  tinham  posições  equivalentes  na  sociedade.  As  funções  primordiais  da  mulher  eram 
a  reprodução  e  os  cuidados  com  a  subsistência  do  homem.  Com  a  expansão  da  imagem  de 
submissão que a ela estava se tornando inerente, as grandes civilizações impunham, de forma 
legal, o poder do homem sobre a mulher, como é o caso do instituto romano do Paterfamilia , 
que legitimava o poder do homem sobre a mulher por meio de seu código legal. 
No  entanto,  apesar  de  sua  sujeição,  em  tempos  romanos  as  mulheres  já 
apresentavam  resistência,  dirigindo­se  ao  Senado  Romano  no  ano  195  a.C.  para  protestar 
contra  sua  exclusão  do  uso  de  transportes  públicos,  sendo  este  um privilégio exclusivamente 
masculino. (ALVES, 1985). 
Com o decorrer da história, a mulher começou a se apresentar diante da sociedade 
por  meio  do  exercício  de  atividades,  embora  essa  não  fosse  uma  prática  corrente  nem 
permitida  abertamente,  sendo  antes  uma  maneira  mascarada  e  controlada  de  expressão, 
passível  de  punições.  Como  bem  observa  Monteiro  (1988),  na  Idade  Média  era  comum 
encontrar mulheres assumindo os negócios de família, posto que nesse momento histórico, os 
homens  ausentavam­se  por  prolongados  períodos  em  virtude  das  guerras  que  assolavam  a 
civilização. Apesar disso, a mulher continuava sendo vista como uma pessoa frágil. 
Há  que  se  atentar  para  a  descrição  do  lado  tenebroso  da  Idade  Média  elaborada 
por Alves (1985), que o denomina como uma “caça às bruxas”, referindo­se à perseguição e à 
violência perpetradas contra as mulheres. Segundo o autor, a mulher considerada “bruxa” era 
aquela  que  escapava  ao  domínio  masculino.  Joana  D'arc  é  um  exemplo  de  mulher  da  época 
que se tornou uma mártir, devido a sua bravura.
19 

De Paula (1994) dá notícia de um grupo de mulheres que estudaram medicina em 
Frankfurt, mesmo enfrentando conjuntos de regras impostas, conseguindo alcançar destaque. 
A  situação  de  subordinação  feminina  permeia  em  vários  contextos  e  sua 
participação,  apesar  de  valiosa  e,  em  algumas  situações,  até  imprescindível,  continua  sendo 
vetada e controlada pela figura masculina. 
O  período  renascentista  mostra  um  retrocesso  na  posição  da  mulher devido à re­ 
introdução da legislação romana, implicando uma redução dos seus direitos civis, bem como o 
grandioso  domínio  masculino  em  determinadas  atividades.  As  mulheres,  contudo, 
continuaram  trabalhando  devido  à  necessidade  de  mão­de­obra,  porém  a  desvalorização  era 
nítida em relação à remuneração. (ALVES, 1985). 
A  Revolução  Francesa  é  um  bom  exemplo  do  descaso  que  atingia  a  mulher  e  as 
suas  atividades  ao  longo  da  história.  A sua  preparação  contou  com  a  participação  efetiva  de 
mulheres  (pequenas  comerciantes,  operárias  e  da  classe  média),  no  entanto,  o  ideário  se 
restringiu aos homens e inibiu a luta das mulheres ao invés de abrir espaço para a conquista da 
cidadania feminina. (MONTEIRO, 1998). 
Também  a  desintegração  do  feudalismo,  pela  abertura  de  novos  mercados,  o 
aumento  da  produção,  a  surgimento  da  classe  burguesa,  a  valorização  do  trabalho  e  o 
surgimento  do  capitalismo,  abre  novos  caminhos  para  a  humanidade  sem  que,  no  entanto, 
tudo  isso  não  conseguiu  elevar  a  mulher  conseguisse  uma  elevação  em  seu  status;  ao 
contrário, como esclarece De Paula (1994), ela  passou a ser ainda mais excluída do mercado 
de trabalho. 
Soares  (1978)  associa  a  decomposição  do  sistema  patriarcal  às  diferentes  etapas 
históricas,  em  especial  ao  surgimento  do  capitalismo  iniciando  os  movimentos  de 
emancipação social. Essa observação nos retrata questionamentos profundos de um paradigma 
sócio­cultural ainda vigente nos dias atuais. 
Merece  destaque  o  entendimento  de  Goodrich  (1990)  que  destaca  a  Revolução 
Industrial  como  um  evento  que  está  diretamente  relacionado  com  as  mudanças  na  estrutura 
familiar.  A  industrialização,  com  sua  economia  capitalista,  dividiu  a  sociedade  ocidental  em 
duas  esferas  distintas: o  lar atribuído à mulher e o trabalho atribuído ao homem. Atribui­se a 
esse  momento  histórico  e  a  sua  conformação  o  nascimento  do  termo  que  perdura  até  a 
contemporaneidade: “dona­de­casa”. 
A  história  vai,  aos  poucos,  se  moldando  à  conjuntura  de  acontecimentos  e 
transições culturais, cabendo às mulheres um espaço ainda restrito e abafado pelo preconceito, 
mas  marcado  pelas  reivindicações  que  tomam  forma  de  luta.  Nesse  momento,  como  ressalta
20 

Goodrich  (1990),  a  divisão  favorece  a  indagação  não  só  acerca  dos  papéis  sociais,  mas 
também  sobre  o  gênero  e  suas  atribuições,  algo  bem  mais  profundo  porque  envolve  a 
subjetividade e o psiquismo. 
Nesse  cenário  de  mudanças  que  se  descortina  diante  dos  olhares  surpresos  da 
sociedade  mundial,  as  mulheres,  inspiradas  pelo  lançamento  do  Manifesto  Comunista  de 
Marx, em Nova York, no ano de 1848, se reuniram e denunciaram a opressão, reivindicando o 
direito ao voto, à educação, ao emprego e à cidadania. (DE PAULA, 1994). 
Lamentavelmente o trajeto de luta das mulheres transcorre na história com marcos 
de  sofrimento,  fato que se repete no período moderno. A tortura, a desigualdade de forças e 
poder  registram  o  seu  lado  tenebroso,  marcado  pela  castração  de  sonhos,  por  violências 
psíquicas e físicas, além de homicídios criminosos. 
No  entanto,  elas  seguem  em  frente,  a despeito de todo o contexto que envolve a 
sua luta. Em 1857, combalidas e oprimidas devido às péssimas condições de trabalho a que se 
viam expostas, 129 mulheres tecelãs em Nova York decidiram eleger como bandeira de luta o 
aumento de salário e a redução de jornada de trabalho. Esse movimento resultou na primeira 
greve  conduzida  por  mulheres  e  em  uma  verdadeira  chacina  às  reivindicações. (DE PAULA, 
1994). 
A atrocidade a qual essas mulheres foram sujeitas tornou­se um marco até os dias 
atuais,  sendo  lembrado  como  um  Dia  Internacional da Mulher. A partir daí ocorreram vários 
avanços  no  que  diz  respeito  aos  direitos  legais,  trabalhistas  e  sociais,  apesar  de  ainda  existir 
um clima de preconceitos em alguns aspectos. 
Monteiro (1998) relaciona o século XX como um grande impulso na vida política 
das mulheres, onde nos anos de 1893 a 1945, milhares de mulheres adquiriram essa conquista 
em vários países. 
Assim, a história da mulher vai, aos poucos, tomando uma nova direção, apesar de 
o preconceito acompanhar, implicitamente, todo o trajeto desbravador das conquistas. Na luta 
por seus direitos e por uma vida mais digna, elas conquistaram a emancipação no século XX, 
quando  se  aboliu  a  adjetivação  limitante  do  substantivo  “poder”  (pátrio)  e  pelo  retorno  ao 
mercado  de  trabalho,  no  qual,  durante  as  duas  grandes  guerras,  as  mulheres  voltaram  a 
assumir  em  presença  maciça  o  papel  profissional.  Vale  ressaltar  que  foi  somente  após  a  2ª 
Guerra  Mundial  que  ela  se  firmou  ainda  mais  em  todos  os  setores  da  atividade  humana 
(GOODRICH, 1990). 
O  movimento  feminista  dos  anos  60  incorpora  outras  frentes  de  luta,  nas  quais, 
além  de  reivindicar  a  desigualdade  no  exercício  de  direitos,  questiona  também  as  raízes
21 

culturais  dessa  desigualdade.  (ALVES,  1985).  Monteiro  (1994)  relaciona  o  movimento 


feminista  na  década  de  70  com  uma  inegável  força  política  onde  as organizações passaram a 
desenvolver  atividades  permanentes  de  debate,  pesquisas,  publicações,  além  de  participarem 
em várias companhias em massa. 
Um  marco  importante  em  resposta  à  luta  política  entabulada  com  o  intuito  de 
conquistar respeito, igualdade e dignidade feminina foi a conscientização que emergiu através 
do  reconhecimento  e  da  homenagem  à  representação  da  imagem  da  mulher,  em  1975, 
decretado  pela  ONU  como  o  Ano  Internacional  da  Mulher,  na  Conferência  Mundial  do 
México,  que  revigorou  o  movimento  e  expôs  questões  até  aquele  momento  abafadas  como 
sexualidade,  direitos  reprodutivos,  creches  e  família,  igualdade  salarial,  processo  profissional 
e  político  Dez  anos  depois,  durante  a  conferência  mundial  em  Nairobi,  foi  realizada  a 
avaliação dos avanços conquistados na década da mulher e estabelecido em pacto a partir do 
qual todos os países signatários se comprometeram com a equidade entre homens e mulheres 
(MONTEIRO, 1994). 
Em  1993,  a  ONU  realizou,  em  Viena,  na  Áustria,  a  Conferência  Mundial  dos 
Direitos  Humanos,  na  qual  foi  reafirmada  a  responsabilidade  dos  estados­membros  das 
Nações Unidas, na promoção e proteção dos direitos humanos das mulheres. 

3.1.2  Trajetória das mulheres no Brasil 

No  Brasil,  as  mulheres  seguem  o  modelo  de  submissão  transferido  com  a 
colonização  Européia;  apesar  de  muitas  terem  sido  persistentes  nos  impasses  históricos 
brasileiros, se mantiveram apenas como coadjuvantes. 
Apesar  da  invisibilidade  feminina  nos  registros  históricos  oficiais,  Monteiro 
(1994) dá conta de que há registros de participação de mulheres negras e brancas em rebeliões 
e  lutas  políticas.  Nos  séculos  XVIII  e  XIX,  na  luta  contra  a  escravidão  e  pela  liberdade, 
registrou­se  a  liderança  feminina.    Uma  outra  forma  de  resistência  das  mulheres  negras  foi  a 
utilização  do  aborto  quando  engravidadas  pelos  senhores  de  escravos.  Mulheres  com  muita 
coragem, paciência e determinação, se engajaram na luta pela independência e liberdade. 
A  posição  de  submissão  feminina  no  Brasil  modelou­se,  também,  em  vários 
episódios  que  acompanharam  a  evolução  dos  tempos  e  a  transição  de  valores,  tradições  e 
cultura.  Mesmo  aqui,  no  entanto,  é  marcante  a  relação  de  poder  imposta  através  do 
preconceito  masculino.  Nem  bem  o  país  saía  do  domínio  da  escravidão,  a  industrialização
22 

chegou  ao  Brasil,  em  1888,  fazendo  com  que  mulheres  e  crianças  passassem  a  integrar  o 
contingente do operariado brasileiro. A mulher, além de mãe e doméstica, passou a colaborar 
com a manutenção da família, não escapando das explorações. (MONTEIRO, 1994). 
O início concreto da luta pela igualdade através de manifestações explícitas deu­se 
a partir de 1907, quando se iniciaram os movimentos de reivindicação dos direitos trabalhistas 
e  as  mulheres  engrossaram  as  fileiras  dos  reivindicantes.  Nesse  ano,  a  partir  da  greve  das 
costureiras,  generalizou­se  o  movimento  pela  jornada  de  oito  horas  de  trabalho. 
(MONTEIRO, 1994). 
A  emancipação  política  da  mulher  brasileira  teve  início  na  década  de  20.  Em 
1922,  foi  fundada  a  Federação  Brasileira  pelo  Progresso  Feminino,  onde  uma  das  propostas 
era  a  aquisição  dos  direitos  políticos  através  do  voto.  Em  1934,  por  sua  vez,  na  Assembléia 
Constituinte,  foram  assegurados  os  princípios  de  igualdade  entre  sexos,  o  direito  ao  voto,  a 
regulação do trabalho feminino e a equiparação salarial. (ALVES, 1985). 
Observa­se  que  outro  período  representativo  da  história  da  mulher  no  Brasil  na 
visão  de  Alves  (1985),  teve  início  a  partir  da  década  de  40,  estendendo­se  pelas  próximas 
décadas,  incluindo  o  período  do  golpe  militar.  Ainda  que  de  forma  reprimida,  as  mulheres 
representaram­se de modo significativo em campanhas nacionais, tais como a da anistia e pela 
paz mundial. 
Posterior  a  esse  período  de  repressão  militar,  as  mulheres  conseguiram 
impulsionar­se  e  se  organizaram  na  retomada  política  e  social,  onde  vêm  progredindo  até  os 
dias atuais. Para Monteiro  (1998), duas décadas foram cruciais para essa retomada: a década 
de 70, quando houve um novo impulso nos movimentos femininos, reformando­se o processo 
de  reorganização  do  movimento  feminista  no  Brasil,  sendo  fundado  em  1975  o  Movimento 
Feminino pela Anistia e, ainda em 1977, aprovada a lei do divórcio; e a década de 80, quando 
o tema “violência contra a mulher” foi tratado como questão central do feminismo e surgiram 
vários grupos de amparo às vítimas, o movimento pelos direitos constituintes, a reformulação 
código civil. 
Marques (1990, p. 34) observa que a Constituição brasileira de 1988, no seu Art. 
5º inciso I, assegura que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos 
desta  Constituição”.  A  partir  dessa  conquista  legal  a  mulher  conseguiu  embasar­se  no  seu 
direito  de  luta.  Em  resposta  a esse estímulo de extrema importância, nos últimos anos vários 
casos de preconceitos foram punidos, conforme a lei 8.081 de 21/09/1990. 
Apesar  de  muitas  conquistas,  é  evidente  a  exclusão  e  desvalorização  da  mulher, 
bastante acentuada no  cenário ao  qual este projeto se destina, indo ao encontro da afirmação
23 

de  Alves  (1985)  de  que  a  luta  do  feminismo  no  Brasil  tem  sido  também  a  denúncia  da 
violência física e da desvalorização manifesta nas mais variadas expressões da nossa cultura. 

3.1.3  Saúde mental feminina e a permeabilidade cultural 

Para  direcionarmos  os  aspectos  culturais  e  associarmos  a  saúde  mental  em 


mulheres  seguiremos  linhas  de  pensamento  que  transcorrem  aos  fatos  históricos, 
influenciando  implicitamente  o  ponto  de  vista  bio­psíquico  em  reflexo  às  dimensões  sócio­ 
culturais, sendo esses iniciados no processo de identidade, conceito de sociedade, definição de 
papel  social,  de  gênero  e  a  subjetividade  de  internalizar  e  expressar­se,  através  dos  símbolos 
recebidos, tendo essas uma conseqüência impar para cada sujeito. 
Jung  (1964,  p.)  define  símbolo  como  “[...]  um  termo,  um  nome  ou  mesmo  uma 
imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além de 
seu significado”. 
A  estruturação  da  imagem  feminina  foi  consolidada  e  resistente  ao  longo  de 
séculos e pode ser associada à fragilidade, à submissão, à maternidade e à amorosidade. Essa 
imagem  foi  ­  e  de  certa  forma  continua  sendo  ­  coletiva  em  várias  sociedades.,  tornando­se 
condizente ao pensamento de Jung. 
Elementos  religiosos  e  sociais  que  construíram  simbolicamente  a  opressão 
feminina  e  a  exaltação  aos  homens  fundem­se  inconscientemente  em  gerações  e  essas  são 
repassadas às futuras. 
É  o  inconsciente  coletivo  referenciado  por  Silveira  (1996),  uma  herança  comum 
que transcende as diferenças de cultura e de atitudes conscientes, não consistindo meramente 
em  conteúdos  capazes  de  se  tornar  conscientes,  mas  em  disposições  latentes  para  reações 
idênticas. 
Assim,  a  construção  da  imagem  da  mulher  passa  pelo  contexto  social  em  que  se 
insere e na qual foi sujeitada a representar seu papel social. 
Castells  (1999)  ensina  que  a  identidade  social  também  pode  ser  formada  a  partir 
de  instituições  dominantes  e  somente  assume  tal  condição  quando  e  se  os  atores  sociais  as 
internalizam, construindo seu significado com base nessa internalização. 
Na identificação dos atores sociais encontramos paradigmas bastante presentes em 
nosso  inconsciente  e  imagem  simbólica:  o  pai,  a  mãe,  o  homem,  a  mulher,  a  família,  todos 
presentes  mesmo  nos  dias  atuais,  com  toda  sua  flexibilidade  através  dos  arquétipos,  que
24 

Silveira  (1996  p.74)  define  como  “[...]  as  possibilidades  herdadas  para  representar  imagens 
similares. São formas instintivas de imaginar". 
O  patriarquismo,  “[...]  uma  estrutura  sobre  as  quais  se  assentam  todas  as 
sociedades  contemporâneas.  Caracteriza­se  pela  autoridade,  imposta  institucionalmente  do 
homem  sobre  mulher  e  filhos  no  ambiente  familiar"  (CASTELLS,  1999,  p.),  caracteriza­se 
como  uma  das  imagens  simbólicas  presentes  e  fortes,  sendo,  neste  ambiente,  ainda  repetidas 
práticas  de  desrespeito,  violência  psicológica  e  social,  forçando a mulher a assumir um papel 
de vítima, submissa, frágil e psiquicamente sofrida. 
Apesar  de  a  instituição família apresentar indícios de crise, vista na dissolução de 
lares através do divórcio, do enfraquecimento da dominação e da formação de lares solteiros, 
essa  estrutura  é  estereotipada  do modelo social em que nos organizamos, principalmente nos 
países em desenvolvimento. 
Dessa  forma,  conforme  ensina  Goodrich  (1990),  a  família  não  está  à  parte  da 
história  uma  vez  que  as  definições  de  seus  membros  e  a  modificação  familiar  acontecem  a 
cada época, conforme as necessidades políticas, econômicas e sociais. 
Assim  é  que  o  sistema  capitalista,  durante  o  século  XX,  vai  ao  encontro  do 
pensamento do autor, abrindo­se lentamente à presença feminina e, por outro lado, reforçando 
classificações de gênero e função social. 
Na  divisão  do  trabalho  que  ocorreu  na  sociedade  ocidental  por  força  da 
industrialização  e  do  capitalismo,  a  mulher  foi  preparada  para  suas  atribuições  domésticas. 
Por  outro  lado,  com  a  evolução  da  industrialização,  começou  a  acontecer  uma  carência  de 
mão­de­obra,  que  favoreceu  o  seu  ingresso  no  mercado  de  trabalho,  sendo  a  mesma 
prejudicada na remuneração e nos seus direitos. 
Observa­se,  de  forma  implícita,  o  preconceito  arraigado  no  que  diz  respeito  à 
constituição  da  imagem  feminina  em  desvantagem  à  força  e  ao  poder  masculino,  trazendo  à 
tona a diferença entre os sexos diante da subjetividade do gênero, existindo nesse aspecto todo 
um acúmulo herdado ao longo dos tempos. 
A divisão e classificação de gênero bastante acentuada nos papéis sociais exigidos 
das mulheres tornam­se bastante conflitantes frente às oportunidades que emergem no campo 
de trabalho, onde as mulheres vêem­se divididas nos dois níveis, sendo esse impasse o grande 
vilão do estresse. 
Bleichmar  (1988)  define  gênero  como  um  conjunto  de  prescrições  e  proscrições 
para  uma  determinada  conduta,  as  expectativas  acerca  de  quais  os  comportamentos 
apropriados para uma pessoa que defende uma posição particular de um contexto dado.
25 

Consideramos, em relação à pressão que surge diante do impasse do gênero que a 
mulher, ao mesmo tempo em que se defronta com o impasse de suas atribuições, confronta o 
gênero,  criando  uma  dualidade  (dupla  identidade).  Por  um  lado,  ela  ocupa  seu  espaço  com 
competência no trabalho. Por outro lado, apresenta­se em seus deveres domésticos. Esse perfil 
é  comumente encontrado nos dias atuais, e de acordo com Marques (2000), gera um quadro 
de  tensão  emocional  e  muitas  vezes sintomas físicos e orgânicos, onde cada um de nós, com 
base  em  nossa  história  de  vida,  desenvolve  um  padrão  de  respostas  às  tensões,  quando  a 
descarga emocional torna­se repetitiva: o estresse. 
Diante  das  situações  que  agravam  o  estresse e ansiedade, reforça­se a concepção 
dos fatores ambientais interferindo nos sintomas. 
Segundo relatório da OMS de 2001, as mulheres são mais suscetíveis à ansiedade 
do que os homens. Acredita­se que esse fato se deve muito ao nível diário de estímulos a que 
elas  são  expostas  no  cotidiano,  o  que  é  corroborado  por  Oliveira  (2000),  que  afirma  que  a 
inclusão de novos papéis no cotidiano das mulheres implica outras possibilidades de doença e 
morte. 
Quando  a  afirmação  acima  é  direcionada  à  saúde  mental,  percebemos  que  o 
acúmulo  dos  estímulos  estressantes,  como  preocupação,  nervosismos  e  irritação,  são  sinais 
freqüentemente  encontrados  em  várias  mulheres,  não  identificando  o  sinal  de  alerta  em 
relação a sua qualidade de vida e à instalação de sintomas negativos. 
Notamos  que  um  fator  alarmante  e  proporcional  aos  episódios  de  ansiedade  é  o 
uso  indevido, bem como  a dependência dos benzodiazepínicos, principalmente pela facilidade 
com que as pessoas se dispõem a ingerir medicamentos que lhes trarão efeito de tranqüilizante 
e bem­estar. 
Oliveira  (2000)  observa  que  as  mulheres  são  convencidas  da  necessidade  de 
medicamentos  para  melhorar  sua  vida,  tornando­se alvo do complexo  médico­hospitalar e de 
seus medicamentos, sendo esse um grande desvio para os que trabalham com saúde mental e 
buscam formas alternativas de tratamento. 
Na  concepção  de  Saraceno  (2001)  a  ansiedade  e  a  insônia  são  manifestações 
sintomáticas  de  estados  gerais  de  “mal­estar”,  com  ou  sem  problemas  psicológicos  e 
psiquiátricos,  que  devem  ser  tratadas  segundo  uma  estratégia  terapêutica  na  qual  os 
medicamentos  têm,  às  vezes,  um  papel  importante,  mas  sempre  parcial  e  normalmente 
limitado no tempo. 
Assim, o medicamento deve ser percebido como meio de intervenção, contudo, na 
maioria  das  vezes  ele  é  enfatizado  pelos  consumidores  como  resultado  final  e  único  para  o
26 

tratamento de ansiedade. Muito dessa crença se deve à necessidade de suprir a dor emocional 
de  forma  concreta,  encontrando  um  paliativo  para  a  angústia.  Contudo,  a  inquietação 
existencial  e  comportamental,  bem  como  as  frustrações,  só  serão  resolvidas  através  de  uma 
atuação do sujeito sobre seus conflitos. 
Diante  desse  cenário,  em  que  ocorrem  conflitos  existenciais  agravados  pelo 
contexto  social  e  pelas  pressões  ambientais,  que  se  transferem  nos  sintomas  da  ansiedade, 
percebemos  a  interferência  do  meio  em  relação  à  concepção  que  temos  a  respeito  de  nós 
mesmos  e  de  nosso  papel  no  mundo,  repercutindo  no  comportamento  e  na  relação  que  se 
estabelece com a família e a sociedade. 
Segundo  Winnicott  (1997),  o  modo  pelo  qual  organizamos  nossas  famílias 
demonstra  na  prática  o  que é a nossa cultura, assim como uma imagem do rosto é suficiente 
para retratar o indivíduo. 
Nessa  perspectiva,  observamos  que  a  imagem  preconceituosa  da  mulher  segue  o 
padrão  estigmatizado  e  repetitivo  na  família  e  que  repercute  na  sociedade.  Desde  cedo,  a 
menina tem um perfil de educação e o menino outro, ambos são preparados para futuramente 
representarem papéis sociais. 
A  identidade,  para  Castells  (1999),  é  vista  como  um  processo  de  construção  de 
significado  com  base  em  um  atributo  cultural,  ou  ainda  como  um  conjunto  de  atributos 
culturais  inter­relacionados,  que  prevalecem  sobre  outras  fontes  de  significado.  Em  um 
ambiente  de  pressão  e  preconceito,  para  a  mulher,  a  autodefinição  está  implicitamente 
arraigada  de  significados,  subjetivados  ainda  na  infância,  quando  esta  recebe  a  herança 
cultural,  desempenhando  futuramente  seu  papel  social  ­  definido  por  normas  estruturadas 
pelas  instituições e organizações da sociedade ­ e firmando sua identidade no seu meio. Vale 
ressaltar  a  estereotipia  feminina  diante  dos  papéis  e  funções  da  mulher,  que  sofre  muito  a 
influência  do  poder  e  da  dominação,  sendo  apresentada  desde  o  início  através  do  papel  da 
família  que  segue,  em  muitos  casos,  o  modelo  patriarcal,  estrutura  sobre  a  qual  se  assentam 
todas  as  sociedades  contemporâneas  e  que  se  caracteriza  pela  autoridade  imposta 
institucionalmente, do homem sobre a mulher e filhos. (CASTELLS, 1999). 
Esse  processo  constitui  fonte  de  significado  para  os  próprios  atores,  por  eles 
originada,  e  constituída  por  meio  de  um  processo  de  individualidade,  contudo  sofrendo 
influências de instituições dominantes. 
Goodrich (1990) compreende a família como uma unidade social que representa os 
valores,  expectativas,  papéis  e  estereótipos  da  sociedade.  Ela  ensina  que  os  papéis  genéricos
27 

são  aprovados  culturalmente  e  produzem  no  garoto/homem  e  na  garota/mulher,  pressões 


sociais e executam uma função decisiva para a sociedade. 
Winnicott  (1997)  acrescenta  que  a  família  protege  a  criança  do  mundo;  este, 
porém, aos poucos vai se introduzindo junto aos demais da família, vizinhos, grupinhos e, por 
fim,  à  escola. Essa introdução gradual do ambiente externo é a melhor maneira de levar uma 
criança  a  entrar  em  bons  termos  com  o  mundo mais vasto, e segue de modo exato o padrão 
pelo qual a mãe apresenta à criança a realidade externa. 
A  maneira  como  vamos  sendo  introduzidos  no  meio  é  repleta  de  subjetividade, 
desse  modo  nos  inserimos  seguindo  padrões  e  modelos,  assimilando  comportamentos 
aprovados pelos demais e descartando as atitudes não aprovadas. Através do perfil de gênero 
nos preparamos para construir nossos papéis sociais. 
Para  uma  compreensão  mais  efetiva  do  que  vem  a  ser  gênero,  referenciamos 
Goodrich (1990), que o define como uma criação da sociedade que acarreta a designação  de 
determinadas  tarefas  sociais  a  um  sexo  e  de  outras,  a  outro  sexo. Tais atribuições definem o 
que é classificado como masculino e feminino, e representam crenças da sociedade, quanto ao 
significado desses dois conceitos. 
Bleichmar  (1988),  por  sua vez, ensina que gênero é a conformação particular que 
distingue  o  homem  da  mulher,  atribuindo­lhe  um  papel  determinado  na  geração  que  lhe 
confere certas características distintivas; “qualidade de homem e de mulher”, “o sexo forte e o 
sexo fraco”, “órgãos genitais externos”. É importante destacar que sob o substantivo “gênero” 
se  agrupam  todos  os  aspectos  psicológicos, sociais e culturais da feminilidade/masculinidade, 
reservando­se  o  sexo  para  componentes  anatômicos  e  para  designar  o  intercâmbio  sexual 
propriamente.
A  imagem  preconceituosa  da  mulher  segue  um  padrão  estigmatizado  reproduzido 
inicialmente  na  relação  de  poder  e  submissão  no  convívio  familiar  e  repercutido  nas  demais 
relações  sociais  –  e  futuramente  conjugais  –  reprojetando­se  sucessivamente,  ainda  que  de 
forma  inconsciente.  Goodrich  (1990)  chama  a  atenção  para  o  fato  de  que,  durante  a 
industrialização, a mulher foi sistematicamente preparada para ser uma mãe e esposa notável, 
acima de todas as outras possíveis identidades (por exemplo: operária, amante, amiga). 
Constatamos,  nos  dias  atuais,  que  apesar  das  conquistas  e  avanços  adquiridos,  a 
mulher  ainda  carrega  preceitos  culturais  que  transcendem  os  tempos.  A  mulher  ainda  sofre 
com  a relação de poder e domínio, apesar de modificações na estruturação  familiar. Além de 
continuar desempenhando papéis sociais, imagens e comportamentos, no momento tornam­se 
donas­de­casa ou cumprem jornadas duplas no cuidado com a casa e o trabalho.
28 

Nesse  sentido,  Castells  (1999)  aponta  mudanças  na  estruturação  familiar,  onde  a 
dissolução  dos  lares, o divórcio e o reagrupamento de famílias promove uma crise da família 
patriarcal.  Contudo,  o  comportamento e a estrutura de uma população costumam evoluir em 
ritmo muito lento, havendo ainda influência do poder e da dominação. 
O  período  de  transição  na  atualidade  é  repleto  de  tensões  e  estresses,  pois 
emergem dele  conceitos  arcaicos  da  cultura,  confrontando­se  com  novas  formas  de  pensar  e 
de  se  organizar,  havendo  para  a  mulher  um  contentamento  por  suas  conquistas,  ao  mesmo 
tempo  em  que  se  descortina  a  necessidade  de  se  ajustar  às  mudanças,  num  ambiente em que 
ainda  proliferam  os  preconceitos  e  a  rotulação.  Diante  desses  fatos,  é  justificável  o  nível  de 
ansiedade  sob  o  qual  as  mulheres  vivem,  intensificado  em  alguns  casos  com  a  relação  de 
abuso e violência dos parceiros. 
Consoante  essa  concepção,  Castells  (1999)  declara  que  os  relacionamentos 
interpessoais  e,  conseqüentemente,  a  personalidade,  também  são  marcados  pela  dominação  e 
violência que têm sua origem na cultura e instituições do patriarcalismo. 
A  Organização  Mundial  de  Saúde  (BRASIL,  2002),  no  relatório  mundial  sobre 
violência  e  saúde,  identifica  que  os  índices  de  abuso  são  muito  altos  entre  mulheres  cujos 
maridos  ou  apanharam  quando  crianças  ou  viram  suas  mães  apanhar.  O  espancamento  da 
esposa  ocorre  com  maior  freqüência  em  sociedades onde os homens têm poder econômico e 
de  decisão  no  lar  e  onde  os  adultos  normalmente  recorrem  à  violência  para  resolver  seus 
conflitos. Viver em um relacionamento violento afeta o senso de auto­estima de uma mulher e 
sua  capacidade  de  participar  no  mundo.  Reforça­se  aqui  a  subjetividade  na  construção  do 
papel  social,  bem  como  a  influência  cultural  e  preconceituosa  da  relação  de  poder  e  força 
versus submissão. 

3.1.4  Considerações em relação a grupos terapêuticos 

O processo grupal, para Ribeiro (1994), é a vida íntima e inteira de um grupo, algo 
que se forma lentamente e se inicia tão logo pessoas se encontrem e se proponham a realizar 
algo em comum. 
Diante da proposta em comum a que se destina um grupo, o indivíduo se apropria 
de sua real identidade, permitindo­se conhecer­se, desvendar­se, transformar­se. 
Para  Fernandes  (2003),  agrupar  pessoas  é  possibilitar  o  surgimento  de  forças 
transformadoras,  já  que  a  existência  humana  é  uma  experiência  ininterrupta  de
29 

transformações, ou seja, o sujeito transforma permanentemente o meio que o transforma. 
Desde  o  início  de  nossa  existência,  pertencemos  a  um  grupo  específico, 
representado pela família, e continuamos, durante todo o decorrer da vida, nos organizando ao 
redor de grupos, representados pela sociedade. 
O modo pelo qual o indivíduo se organiza no seu meio, bem como a maneira como 
se  percebe  na  relação  com  os  outros  se  revela,  essencialmente,  nas  concepções  iniciais  de 
grupo. E Ferrari (1990) acrescenta que todo indivíduo, num grupo, possui a representação de 
seus  grupos  internos  familiares  e  sociais  e  se  relaciona  com  esse  novo  grupo  a  partir  das 
vivências  que  já  teve.  Vale  ressaltar  que  as  relações  afetivas  iniciais,  desenvolvidas  no 
convívio  familiar  e  por  meio  das  quais  se  absorvem  as  primeiras  concepções  de  grupo,  são 
imprescindíveis para as futuras relações vinculares. 
O autor (1990) define como grupo interno o conjunto de fatos, imagens, cenas em 
interação  contínua  que  nos  habitam.  São  habitantes  intrapsíquicos  sempre  em  ação,  a  novela 
familiar com suas tramas centrais e laterais. 
Pichon­Riviére (1988), por sua vez, interpreta vínculo como uma relação particular 
estabelecida  com  o  objeto,  em  que  se  tem  como  conseqüência  uma  conduta  que  tende  a  se 
repetir  automaticamente  com  o  objeto.  Através  dessa  relação  vincular  as  repetições  e 
representações  poderão  ser  positivas  ou  negativas,  dependendo  da  maneira  pela  qual  se 
instalem inicialmente. 
O  autor  (1988)  considera  possível  estabelecer  um  vínculo,  uma  relação  de  objeto 
com  um  objeto  interno  e,  também,  com  um  externo.  Do  ponto  de  vista  psicossocial,  o  que 
mais  interessa  é  o  vínculo  externo  enquanto  que,  do  ponto  de  vista  psíquico,  o  que  mais 
interessa é o vínculo interno. 
A  estruturação  do  vínculo  interfere  diretamente  no  comportamento  individual  e 
grupal;  esta  relação  vínculo/comportamento  está  diretamente  relacionada  ao  modo como nos 
percebemos enquanto sujeitos e como nos doamos ou recebemos do outro a afetividade. 
Na  visão  de  Pichon­Riviére  (1988),  podemos  definir  o  caráter  de  um  sujeito  em 
termos  de  vínculo  dizendo  que  seu  caráter,  ou  seja,  sua  maneira  habitual  de  se  comportar, 
pode  ser  compreendido  por  uma  relação  de  objeto  interno,  isto  é,  por  um  vínculo  mais  ou 
menos estável e permanente que dita as características do modo de ser do sujeito visto de fora, 
condicionado por um vínculo interno. 
Participar  de  um  grupo  terapêutico  permite  a  potencialização  de  mecanismos 
relacionais  e  objetais  que  condicionam  os  comportamentos  e  permanecem,  muitas  vezes, 
latentes em nível psíquico­emocional.
30 

O grupo, na visão de Ribeiro (1994), oferece uma reação de espelho múltipla, onde 
cada  um  pode  ver­se  espelhado  no  outro  de  uma  maneira  ora  sistemática,  ora  caótica,  mas 
sempre persistente. 
É nessa troca de olhares, encontros e desencontros, afinidades e transferências, que 
o  sujeito  pode  ver­se  de  forma  real,  perceber­se  na  estruturação  afetiva  e  transformar­se, 
diante de experiências frustradas dentro de seu meio. 
O grupo aciona sua função de acolhimento quando percebe que alguém, à busca de 
sua luz última, vai mostrando corajosamente seu lado escuro (RIBEIRO, 1994). 
Fernandes  (2003),  por  sua  vez,  identifica  o  campo  grupal  como  uma  “galeria  de 
espelhos”, resultante de um intenso e recíproco jogo de identificações projetivas e introjetivas. 
Para  o  autor,  essa  função  de  reconhecimento  através  do  jogo  de  espelhamento  permite  que 
cada um reconheça aquilo que está esquecido ou oculto em si, reconheça o outro como uma 
pessoa separada dele e seja reconhecido pelo outro. 
O  processo  grupal  permite  essa  flexibilidade  nas  relações,  possibilitando,  sob  as 
mais diferentes formas, uma necessidade de ir reconhecendo os outros e vir a se reconhecer. 
Osório  (1986),  baseado  nos  trabalhos  de  Lacan  e  Winnicott,  “O  estágio  do 
espelho”,  e  segundo  a  teoria  de  Foulkes,  relaciona  o  grupo  a  uma  sala  de  espelhos,  onde  o 
indivíduo  entra  em  confronto  com  sua  imagem  social,  psicológica  e  corporal,  obtendo  uma 
imagem  pessoal  de  si  próprio,  tornando  possível  descobrir  sua  identidade  real  e  ligá­la  às 
identidades passadas. 
No  encontro  com  a  essência  real  da  personalidade,  o  indivíduo  confronta  ainda 
sentimentos  distorcidos,  estremecidos  e  adoecidos,  que  contribuíram,  por  fim,  no  que  ele 
acredita  ser  parte  de  sua  personalidade  e  no  que  ele  realmente  se  tornou  no  decorrer  de  sua 
existência. Entra nessa questão a própria concepção de certo e errado, de feio e bonito, do são 
e do doente e de como isso se retrata no meio. 
Os vínculos e redes de comunicação perturbados pela doença, para Pichon­Riviére 
(1988), estão relacionados mais com os objetos internos do que com os externos e permitem 
visualizar  que  a  imagem  interna  que  o  paciente  tem  de  seu  grupo  familiar  está  distorcida, 
provocando ainda desajuste entre as outras imagens. 
Percebe­se,  no  processo  de  adoecimento  psíquico,  relações  intrínsecas  com  as 
concepções  vinculares  e  afetivas  desde  o  primeiro  grupo  até  a  extensão  dos  demais  grupos 
sociais, sendo o trabalho em grupo uma eficaz ferramenta no processo de autotransformação. 
A  doença,  tal  como  se  manifesta  fenomenologicamente,  é  uma  tentativa  de 
elaboração  do  sofrimento  provocado  pela  intensidade  dos  medos  básicos.  Como  tentativa,
31 

leva  ao  fracasso,  pela  utilização  de  mecanismos  defensivos  e  estereotipados, que se mostram 


ineficazes  para  manter  o  sujeito  em  um  estado  de  adaptação  ao  meio.  (PICHON­RIVIÈRE, 
1988). 
Ribeiro  (1994)  afirma  que  tanto  saúde  como  doença  são  processos  não 
necessariamente polares e curar ou curar­se são também processos, embora de outra natureza, 
dado  que  parecem  envolver  um  princípio  já  ontologicamente  estabelecido,  que  é  aquele  que 
diz que os seres se inclinam naturalmente para a auto­equilibração organísmica. 
A  terapia,  para  Rogers  (1977),  redefine  a  noção  de  ser  humano  e  de  patologia, 
constantemente retifica as suas metas, ultrapassando sucessivamente da cura à correção para o 
crescimento,  buscando  o  crescimento  pessoal  além  das  fronteiras  do  mero  ajustamento  às 
situações objetivas. 
Assim,  o  grupo  terapêutico  é  um  campo  onde  a  realidade  acontece.  Essa  é 
contemplada pelo observador a partir de dois parâmetros: o da realidade em si e de como ele 
tende  a  percebê­la.  Em  certo  sentido,  o  observador  vê  e  descobre  o  que  ele  quer  ver  e 
descobrir. A realidade é sempre a mesma, um fenômeno a ser descoberto. (RIBEIRO, 1994). 
Fernandes (2003) atesta a presença simultânea, em todo e qualquer campo grupal, 
de  fatores  disruptivos  e  coesivos,  harmônicos  e  desarmônicos,  da  mesma  forma  que  sempre 
estão presentes, de modo concomitante, elementos conscientes e, também, os inconscientes. 
O  grupo  se  transforma  num  processo  contínuo  de  cura,  descobrindo,  a  cada 
momento,  sua  capacidade  auto­reguladora  e  equilibradora,  funcionando  como  matriz  de 
mudança, em que cada um de seus membros colhe a atmosfera grupal. (RIBEIRO, 1994). 
Grupo, assim, é o que Pichon­Riviére (1988) afirma, um conjunto de experiências, 
afetos  e  conhecimentos  com  os  quais  os  seus  componentes  pensam  e  atuam,  tanto  em  nível 
individual como grupal. 
No grupo operativo, instrumento que propomos como adequado para a abordagem 
da  doença,  coincidem  o  esclarecimento,  a  comunicação,  a  aprendizagem  e  a  resolução  da 
tarefa,  por  que,  na  operação  da  tarefa  é  possível  resolver  situações  de  ansiedade  (PICHON­ 
RIVIÈRE, 1988). 
Percebemos que, no decorrer do processo terapêutico dentro da abordagem grupal, 
ocorre o despertar de pensamentos e ações acerca da autoconcepção e poder de transformação 
interna e externa, individual e coletiva, mecanismos que tornam o indivíduo ativo no processo 
de cura das emoções, afetos e vida social. 
Fernandes (2003) acredita que cada elemento do grupo traz, dentro de si, seu grupo 
de  referência,  suas  matrizes  vinculares  e  o  registro  a  diferentes  formas  de  pertencer  à
32 

grupalidade  em  que  já se inscreveu. O autor observa, ainda, que cada indivíduo comparece à 


sessão  grupal  com  suas  configurações  mentais,  dinâmicas  e  mitos,  enfim,  com  seu  potencial 
para  estabelecer  vínculos  nos  espaços  inter  e  transubjetivos,  a  partir  de  uma  intra­ 
subjetividade.
A  descrição  do  processo de autoconhecimento proposta por Ribeiro (1994) prevê 
esse  processo  como  um  movimento  eminentemente  pessoal,  individual,  um  caminho 
extremamente doloroso, entrando aqui a função curativa do grupo, enquanto fator de suporte 
na mudança paradoxal. 
E  a  terapia  é  o  meio,  o  processo  que  interfere  na  percepção  da  realidade.  Todo 
indivíduo,  em  cada  momento,  constrói  a  sua  imagem  do  real  para  si  mesmo  e  para  as 
situações que vive; o processo terapêutico deve levá­lo a conceituar o mundo e/ou ele mesmo 
de um modo que lhe facilite encontrar soluções (ROGERS, 1977). 
É  no  processo  grupal  que  as  emoções  vão  surgindo,  sendo  recebidas  na  sua 
essência mais bruta, compreendidas, acolhidas e respeitadas seja qual for o elemento ou ainda, 
mecanismo de reação, para só depois ser lapidada e transformada, ocorrendo, nesse momento, 
o valor terapêutico do grupo. 
Fernandes (2003) corrobora esse entendimento, posto que também acredita que os 
conteúdos latentes vão emergindo na sessão grupal, em parte por necessidade pessoal, mas ao 
mesmo  tempo  pela  estimulação  de  estar  agrupado  provocada,  principalmente,  pela  presença 
específica daqueles companheiros de grupo, do terapeuta e sua técnica. 
Vale  destacar,  nesse  momento,  as  considerações  de  Osório  (1986)  em  relação  à 
liberdade  que  deve  ser  dada  aos  elementos  do  grupo.  Para  ele,  a  comunicação  é  um 
ingrediente  central  das  terapias  grupais,  embora  haja,  no  ambiente  grupal,  elementos 
simbólicos e implícitos com os quais não se estabelece comunicação. 
O  autor  (1986)  associa  a  forma  paradoxal  de  comunicação  verbal  e  não­verbal, 
sendo  essa  última,  muitas  vezes,  não  compreendida.  Distingue  a  não  comunicação  simples 
pelo  simples  direito  de  não  se  querer  entabular  uma  comunicação,  e  a  comunicação  do  tipo 
silencioso como uma não­comunicação, isto é, um silêncio como reação ao processo analítico. 
As  maneiras  de  interagir  e  de  apresentar­se  no  grupo  tornam­se  terapêuticas  e 
abrangem­se  de  modo  coletivo,  pois  da  mesma  forma  que  o  grupo  se  dispõe  verbalmente  a 
comunicar­se,  o  silêncio  é  elementar  para  que  ocorra  a  análise, a recaptação, o  feedback e o 
amadurecimento, sendo inevitável a troca de experiências. 
Comunicar­se,  para  Fernandes  (2003),  é  o  mesmo  que  compartilhar  com  o  outro 
informações  de  qualquer  espécie,  o  que  permite  a  ambos  terem  algo  em  comum,
33 

estabelecerem um vínculo. Ao mesmo tempo, comunicar­se, para o autor, não é simplesmente 
algo que se faz a alguém, mas um processo que está continuamente em andamento, dentro de 
cada  um  de  nós.  Se,  no  conceito  de  vínculo,  obrigatoriamente ocorre experiência emocional, 
podemos dizer que, no vínculo, as partes envolvidas estão sempre em comunicação. 
No  grupo,  os  vínculos,  as  afinidades,  as  comunicações  e  a  interação  conjunta 
favorecem,  de  forma  terapêutica,  a  reformulação  de  novas  perspectivas  e  atitudes  diante  do 
ambiente grupal, estendendo­se além deste à medida que o processo terapêutico evolui. 
Um  grupo  terapêutico,  na  visão  de  Ferrari  (1990),  é  todo  aquele  que  se  oferece 
como  depositário  daquilo  que  o  inconsciente  puxa  para  transferir.  A  transferência  aqui 
referenciada,  para  Fernandes  (2003),  consiste  no  processo  por  meio  do  qual  os  conteúdos 
inconscientes  são  atualizados sobre objetos da realidade presente. Merece destaque o fato de 
que  esse  conceito  de  transferência  é  utilizado  tecnicamente  para  se  compreender  os  distintos 
vínculos que se geram num grupo terapêutico (FERRARI, 1990). 
Na  transferência,  durante  o  processo  grupal,  um  afeto  é  deslocado  de  uma 
representação  para  outra.  Esse  deslocamento  permite  que  os  sentimentos,  os  desejos  e  as 
fantasias reprimidas ou recalcadas venham à tona. (FERNANDES, 2003). 
A  projeção  que  ocorre  na  transferência,  para  Ribeiro  (1994)  exerce  um  papel 
fundamental  no  processo,  na  medida  em  que  é  mais  fácil  ver  nos  outros  algo  que  em  nós  é 
proibitivo, tornando­se, também, mais fácil, detectar os verdadeiros conflitos. 
Rogers  (1977)  defende  que  tomar  consciência  ou  reconhecer  outros  modos 
possíveis  de  consciência  são  eventos  muito  relacionados  com  uma  maior  amplitude  de 
autopercepção.  Assim,  identificamos,  no  processo  de  assimilação,  identificação  e 
transparência  ocorridos  no  grupo  uma  maneira  potencial  de  perceber­nos  enquanto  pessoa, 
utilizando­nos de outros modos. 
O  campo  grupal,  para  Fernandes  (2003),  propicia  uma  série  de  fenômenos  de 
funcionamento  que  são  úteis  no  trabalho  terapêutico.  A  utilização  desses  aspectos  no 
tratamento é o que caracteriza as diferenças entre o atendimento individual e grupal. 
O  esquema  referencial,  desenvolvido  a  partir  do  processo  grupal, é o conjunto de 
conhecimentos,  de  atitudes  que  cada  um  de  nós  tem  em  sua mente e com o qual trabalha na 
relação  com  o  mundo  e  consigo  mesmo.  (PICHON­RIVIÉRE,  1988).  O  conhecimento  e 
aprendizado  de  um  grupo  transcendem  a  idéia  individual  e  expandem­se  ao  conjunto, 
possibilitando  múltiplas  versões  diante  de  uma  situação  ou  realidade.  Diante  dessa 
perspectiva, o indivíduo não toma para si sua verdade e cresce diante da apropriação de outras 
possibilidades.
34 

Dessa forma, o grupo, para Ribeiro (1994), é um dado, uma realidade em si. Todo 
acontecimento pode ser visto como algo individual, ou como um produto da realidade maior. 
As conexões entre o que é do indivíduo e o que é do grupo são simbólicas e complexas. 
O  autor  (1994)  ensina,  ainda,  que  no  processo  do  grupo  a  coisa,  enquanto 
percebida  por  mim,  será  analisada  a  partir  de  uma  dada  experiência  e  a  coisa  em  si,  quando 
vista  pelo  grupo  como  unidade,  terá  mais  chance  de  ter  suas  probabilidades  compreendidas 
num desvendar­se da realidade. 
De  acordo  com  Rogers  (1977),  se  adotarmos  a  perspectiva  de  que  o  ser  humano 
tende ao seu crescimento pleno e o busca, a matéria básica da terapia deixa de ser identificada 
aos recursos do terapeuta e passa a constituir–se na tendência e na potencialidade humana. 
Por  ser  o  grupo  um  dado,  um  fenômeno,  a  sua  leitura  exige  um  tipo  de 
aproximação  que  lhe  permita  ser  e  fluir  em  um  constante  processo  de  conscientização.  E  o 
entrar conscientemente nas possibilidades da própria fraqueza conduz o indivíduo e o grupo a 
repensar  continuamente  o  seu  próprio  caminho  de  dor,  de  abandono,  e  a  procurar  soluções 
mais aceitáveis. (RIBEIRO, 1994). 
No  contexto  terapêutico,  Rogers  (1977)  observa  que  o  processo  de  mudanças  na 
percepção  é  contínuo  no  desenvolvimento  humano, mas refere­se com freqüência a idéias ou 
sentimentos que o indivíduo reluta em admitir. 
Dessa forma, enquanto corpo único, o grupo mergulha terapeuticamente na dor do 
outro,  na  procura  do  outro,  sem  defesa.  Não  precisando  defender­se,  o  grupo  se  torna  mais 
livre  para  se  ver,  para  mudar.  Quando  se  percebe,  como  expectador,  o  caminho  do  outro,  é 
mais fácil, também, descobrir o próprio. (RIBEIRO, 1994). 
Assim  é  que  Rogers  (1977)  interpreta  a  abordagem  através  de  grupos  como  não 
somente um caminho mais acessível a um maior número de pessoas, como também um campo 
para  novas  possibilidades  terapêuticas.  Essa  abordagem  oferece  uma  oportunidade  sem  par 
para  que  o  indivíduo  se  perceba  como  essencial,  como  único  e,  nessa  dupla  percepção, 
encontre seu verdadeiro significado. (RIBEIRO, 1994). 
Um  grupo,  para  Pichon­Riviére  (1988),  obtém  uma  adaptação  ativa  à  realidade 
quando  adquire  insight,  quando  se  torna  consciente  de  certos  aspectos  de  sua  estrutura  e 
dinâmica,  quando  torna  adequado  seu  nível  de  aspiração  e  seu  status  real,  determinante  de 
suas possibilidades. 
Ribeiro (1994), por sua vez, observa que o processo de cura não é necessariamente 
um  processo  consciente;  o  dar­se  conta  de  que  se  está  curado,  às  vezes,  só  ocorre  após  a 
terapia e depende das resistências humanas.
35 

Durante  o  processo  terapêutico  nos  grupos,  o  nível  de  inconsciente  manifesta­se 


não  tanto  pelo  discurso,  mas  sim  pela  dramática,  pelas  intenções  em  que  os  participantes 
assumem  posições  diversas  que,  sem  saber,  lhe  são  ditas  pelo  emergir  das  fantasias 
inconscientes.  Vale  destacar  que,  nesse  momento,  são  possíveis  a  intervenção  e  o 
redirecionamento para a autopercepção, a reformulação e o processo de cura. (FERNANDES, 
2003). 
Para  Ribeiro  (1994),  a  cura  no  grupo  ocorre  ou  pode  ocorrer  na  razão  em  que, 
vendo a dor, o conflito do outro, abro silenciosamente o meu ser para acolher minha angústia, 
meus  medos  e,  no  meu  ritmo,  posso  operar  minhas  mudanças.  É  importante  enfatizar  que  a 
cura  é  tão  ou  mais  fácil  de  se  realizar  em  um  grupo  terapêutico  sadio,  que,  para  Pichon­ 
Riviére  (1988),  é  aquele  onde  cada  sujeito  conhece  e  desempenha  seu  papel  específico,  de 
acordo  com  as  leis  da  complementaridade.  É  um  grupo  aberto  à  comunicação,  em  pleno 
processo de aprendizagem social, em relação dialética com o meio. 
O grupo é a vida aqui e agora, na multiplicidade do que cria, na complexidade de 
problemas de que trata, vive e experiência. É uma proposta de como a vida ocorre e se oferece 
a nossa compreensão. 

3.1.5  Contribuições da Terapia Ocupacional através da Atividade Expressiva 

A  expressão,  a  intuição,  a  subjetividade  e  a  própria  história  de  vida  do  homem 


confundem­se  com  o  contexto  cultural,  social,  artístico e práxico da humanidade, sendo uma 
maneira eficaz de externar os conteúdos internos e registrar­se enquanto sujeito. 
Na  pré­história,  foram  encontradas  pinturas  nas  paredes  das  cavernas  mostrando 
que,  já  naquele  tempo,  os  indivíduos  faziam  uso  desse  recurso  como  forma  de  expressão. 
(VAZ, 1993).
De  acordo  com  Carvalho  (2003)  na  Grécia  e  em  Roma,  por  volta  de  500  a.C.,  o 
uso  de  atividades  lúdicas  era  uma  forma  para  que  os  indivíduos  se  recuperassem  de  suas 
doenças.  Em  meio  à  Revolução  Francesa,  Philipe  Pinel introduziu também o tratamento pelo 
trabalho,  descrevendo  seus  métodos  como  “prescrições  de  exercícios  físicos  e  ocupações 
manuais”.  Apesar  de  já  existir  o  uso  de  atividades  variadas  utilizadas  através  da  arte,  da 
recreação  e  da  ludicidade  no  tratamento  das  disfunções  físicas  e  mentais,  foi  durante  a 
primeira guerra mundial que a terapia ocupacional foi reconhecida.
36 

Após  esse  marco  a  Terapia  Ocupacional  vem  firmando­se  cientificamente  e  na 


prática, enquanto profissão, nos diversos setores da saúde.  Segundo  Medeiros  (2003)  a 
Terapia  Ocupacional  como  área  de  conhecimento  e  prática  de  saúde  interessa­se  pelos 
problemas  dos  homens  em  sua  vida  de  atividade.  A  Terapia  Ocupacional  considera  as 
atividades  humanas  como  o  produto  e  o  meio  de  construção  do  próprio  homem  e  busca 
entender  as  relações  que  este  homem  em  atividade  estabelece  em  sua  condição  de  vida  e 
saúde. 
Para  Coutinho  (1995),  a  Terapia  Ocupacional,  sendo  caracterizada  pelo  uso 
sistemático  de  recursos  ou  atividades,  seria  a  maneira  ideal  de  trabalhar  estas  vivências 
primitivas e seus conteúdos internos. 
Como  bem  observa  Araújo  (1995)  a  Terapia  Ocupacional,  diferentemente  das 
outras  técnicas  psicoterápicas,  fixa  a  transferência,  em  seus  elementos  transicionais: material, 
ferramenta  e  objeto  ­  além  do  terapeuta.  Ela  trabalha  com  o  fazer  humano.  Segundo  Brito 
(2003),  busca  conhecer  esse  fazer  e,  através  dele,  cria  possibilidades  terapêuticas.  Tenta 
desvelar a “cura” já existente nesse fazer humano, ou melhor, tenta ativá­la. 
Cerqueira  apud  Coutinho  (1995,  p.)  afirma  que  “os  psicofármacos  tratam 
principalmente  a  doença,  enquanto  as  sócio­psicoterapias  tratam  o  doente,  o  indivíduo,  a 
pessoa.”  Integrar  psicoterapias,  socioterapias  e  psicofármacos  significa  pois,  atuarmos  em 
profundidade e amplitude, uma terapêutica efetiva no processo da reabilitação. 
Dentro  dessa  perspectiva,  Brito  (2003)  ensina  que  a  Terapia  Ocupacional  tem 
como  objetivo  de  atenção  o  ato  humano  específico.  Sua  preocupação  é  tirar  a  doença  ou 
aproximar o indivíduo do padrão normal. A atividade, nessa dimensão, é como um remédio a 
ser prescrito pelo profissional. 
Oliveira  (1995)  afirma  que  podemos  perfeitamente  inserir  a  Terapia  Ocupacional 
dentro  de  um  contexto  psicodinâmico  e  classificá­la  como  instrumento  terapêutico  eficaz, 
juntamente com outros métodos de tratamento, na recuperação de indivíduos com transtornos 
mentais. 
De acordo com Medeiros (2003), como método terapêutico, a Terapia Ocupacional 
visa recuperar a dimensão ativa do homem como indicador de saúde, valendo­se para isso do 
uso das atividades empreendidas pelo homem ao longo da história de sua humanização. 
Carvalho  (2003)  observa  que  a  formação  do  profissional em Terapia Ocupacional 
confere  subsídios  para  atuar  junto  à  construção  do  cotidiano  das  pessoas,  possibilitando  a 
conquista e manutenção da cidadania pela promoção não só da saúde física, como também, da 
saúde mental, atuando em nível da promoção, prevenção, recuperação e reabilitação.
37 

De Pádua (2003) esclarece que para a constituição do sujeito de direitos e sujeito 
coletivo,  torna­se  necessária,  primeiro,  a  constituição  do  sujeito, isto é, daquele que deseja e 
sonha,  pensa  e  faz,  se  expressa  e  cria,  confia  e  tem  prazer  na  sua  capacidade  de  criação, 
expressão e produção. E à Terapia Ocupacional compete intermediar o processo de criação do 
indivíduo  enquanto  sujeito,  a  partir  do  momento  em  que  esse,  através  da  ação  e  atividade, 
projeta­se a nível simbólico e subjetivo e reconstrói­se, descobre­se e modifica­se. 
Essa  perspectiva  de  Carvalho  (2003)  preconiza  que  o  atendimento  terapêutico 
ocupacional  permite  a  construção  de  um  novo  cotidiano,  superando  limites  através  das 
oportunidades que lhe são oferecidas e clarifica a real importância da pessoa enquanto sujeito 
na sua complexidade. O profissional de Terapia Ocupacional é responsável pela promoção da 
saúde, facilitador do desenvolvimento  funcional e ocupacional e responsável pelo incentivo à 
melhoria  na  qualidade  de  vida  das  pessoas  que  estão  sob  os  seus  cuidados,  através  das 
atividades de vida diária, prática, de lazer e de trabalho. 
Araújo  (1995)  interpreta  que  a  atividade  através  do  fazer  livre  e  criativo  propicia 
ao homem reencontrar e exercer sua capacidade de reflexão e crítica, buscando mudanças em 
seu posicionamento diante da vida, e, conseqüentemente, desenvolve a saúde ao homem. 
Na opinião de Brito (2003), a Terapia Ocupacional, nesse paradigma, trabalha com 
o  interesse  do  indivíduo  e  não  como  o  encaminhamento  do  médico; o tratamento  é centrado 
no sujeito.A atividade não é o único recurso, mas, quanto utilizada, privilegia a construção de 
um  objeto  pelo  sujeito,  valorizando  o  processo  vivido.A  atividade  na  Terapia  Ocupacional 
pode  ser  indicada  para  uma  necessidades  coletivas  em  um  grupo  terapêutico,  encaixando­se 
de acordo com a indicação do uso aos objetivos terapêuticos que lhe são conferidos. 
De  Pádua  (2003)  esclarece  que  desde  seu  nascimento  o  homem  participa  de 
diferentes  grupos.  Os  homens  nascem,  crescem,  desenvolvem­se  e  morrem,  inserindo­se  em 
diferentes  grupos  sociais.  Buscam  dialeticamente  estabelecer  uma  identidade  individual,  mas 
também uma identidade grupal. 
Ainda  para  o  mesmo  autor,  a  Terapia  Ocupacional  é  um  grupo  de  atividade  que 
pode  ser  definido  como  aquele  em que  os  participantes  se reúnem na presença do Terapeuta 
Ocupacional,  para  vivenciar  experiências  relacionadas  ao  fazer. Também podemos considerar 
que o objetivo de um grupo de atividades em Terapia Ocupacional é o tratamento e tudo o que 
ele implica. 
Devido  à  intenção  do  indivíduo  no  grupo  e  de  esse  ter  uma  conotação  ampla  do 
ambiente  interferindo  de  maneira  macro  no  comportamento  individual,  cabe  ao  Terapeuta 
Ocupacional aproveitar esse ambiente e intervir terapeuticamente.
38 

Segundo  Brito  (2003)  a  Terapia  Ocupacional,  segundo  modelo  de  relações 


vinculares,  avalia  o  sujeito  no  sistema.  O  seu  olhar  é  para  toda  a  ambientação:  como  o 
ambiente  exerce  pressão  no  indivíduo,  como  a  ocupação  interfere  na  conduta  do  sujeito,  em 
seus hábitos. 
Assim, o  fazer em grupo pode facilitar e até mesmo  transformar o fazer, podendo 
ter  características  terapêuticas.  Dessa  maneira,  partimos  do  entendimento  de  que  todos  os 
elementos que se relacionam com o fazer, bem como a relação que se estabelece ao longo do 
processo terapêutico ocupacional são de fundamental importância. (DE PÁDUA, 2003). 
É  necessário  reforçar  a  afirmação  de  Brito  (2003)  quando  menciona  que  a 
ocupação  só  tem  caráter terapêutico, quando visa reestruturar a personalidade, conduzindo­a 
ao alcance de níveis funcionais progressivamente mais altos. 
O  objetivo  terapêutico  se  intensifica  quando  a  troca  de  interesse,  desejo,  fazer  e 
relacionar se possibilitam numa evolução e amadurecimento individual e coletivo. 
Na  dimensão  grupal,  acordando  com  Brito  (2003)  a  Terapia  Ocupacional  poderá 
trabalhar  com  atividades  que  contribuíram  para  melhorar  a  distribuição  da  carga  energética. 
As  atividades  ocupacionais  também  deverão  atender,  especialmente,  as  funções  interiores  do 
sujeito,  trabalhando  discriminação,  crítica  e  sensações,  utilizando­se  para  isso  diversos 
materiais. 
Ao apropriar­se da atividade humana como ferramenta principal de sua atuação, a 
Terapia  Ocupacional  permeia  nas  áreas  filosófica,  social  e  da  saúde,  embasando­se 
teoricamente  nas suas ações, utilizando  para isso modelos de aplicação que se aproximem da 
necessidade do uso de abordagem. 
A prática  da  Terapia  ocupacional  é  marcada  por  diferentes  modelos  e  técnicas de 
intervenção,  modificados  ao  longo  de  sua  história  como  decorrência  das  diferentes 
concepções  de  homem,  saúde,  doença  e  atividade,  assumidas  concomitamente  pelas  ciências 
que a embasaram. 
Na  visão  de  Briggs  (1987)  o  modelo  humanístico  pode  ser  definido  como  uma 
filosofia  ou  postura  em  relação  à  terapia,  bem  como  uma  teoria  particular  de  acesso  ao 
tratamento  psicossocial.  Abrange  uma  ampla  extensão  de  teorias  psicológicas  e  se  baseia 
numa  filosofia  existencial.  A  Terapia  Ocupacional  é  única  porque  nós  usamos  as escolhas de 
atividades  por  iniciativa  própria,  para  produzir  uma  influência  de  realidade  orientada  sobre  a 
percepção do cliente de si próprio e de seu ambiente, de maneira que ele possa atuar. 
Hagedorn  (1991)  expressa  que  as  abordagens  cognitivas  comportamentais  são 
estruturadas,  e  se  apóiam  em  métodos  que  visam  mudar  os  conteúdos  do  pensamento,
39 

particularmente  os  padrões  da  ansiedade  e  os  pensamentos  depressivos  ou  obsessivos,  para 
melhorar a afetividade e o comportamento. 
Segundo  Briggs  (1987),  a  teoria  da  aprendizagem    repousa  sobre  a  suposição  de 
que  a  principal  referência  para  o  estudo  do  homem  é  o  comportamento.  Neste  aspecto,  o 
teórico  comportamental  se  assemelha  ao  Terapeuta  Ocupacional  quando  advoga  que  embora 
possam  ocorrer  mudanças  no  interior  de  seu  cliente,  o  melhor  ponto  de  referência  ou 
indicador de tais mudanças é o próprio comportamento. 
É  ainda  Hagedorn  (1999)  que  expressa  que  a  perspectiva  psicodinâmica  é  única 
em  lidar  com  as  motivações  inconscientes  para  as  ações,  interações  e  crenças,  e/ou  com  o 
conteúdo simbólico de imagens e percepções. 
Através  da  visão  psicodinâmica,  o  terapeuta  ocupacional  utiliza­se  dos  recursos 
materiais  oferecidos  ao  paciente  no  desenvolver  de  uma  atividade  para  aflorar  e  intervir  nos 
conteúdos internos apresentados. 
Para  Fernandes  (2003)  a  expressão  é  inicialmente  vista  como  a  ação  de  exprimir, 
ou  seja,  de  compor  um  dado  autal  que  corresponda  analogamente  a  um  dado  ausente  ou 
escondido.  Vale  ressaltar  a  posição  de  Oliveira  (1995)  que  afirma  que  as  atividades  auto­ 
expressivas permitem ao paciente viver um processo que possibilitará dar forma às desordens 
internas  vividas,  pois  na  medida  em  que  as  “imagens  do  inconsciente”  vão  sendo  projetadas 
nos desenhos e nas pinturas, tornam­se possíveis de serem compreendidas e elaboradas. 
Vaz  (1993)  observa  que  a  expressão  visual  não  constitui,  portanto,  senão  um 
acesso muito imperfeito à consciência, encontra­se mais próxima dos processos inconscientes 
que  o  pensamento  verbal  e  é  dúvida,  mais  antiga  do  que  este,  tanto  ontogenética  quanto 
filogeneticamente. 
Por outro lado, a ação torna­se  mais reveladora do inconsciente do que a palavra, 
ganhando  a  atividade  toda  uma  dimensão  de  expressividade  e  simbolismo.  Expressar­se 
plasticamente, dar forma ou criar são a essência da Terapia Ocupacional, não um meio, mas o 
próprio tratamento. 
Oliveira  (1995)  menciona  que  se  ocupando  com  atividades,  o  indivíduo  explora  a 
natureza  de  seus  interesses,  necessidades,  capacidades  e  limitações;  desenvolve  funções 
perceptivas,  motoras  e  cognitivas;  desenvolve  ou  recupera  uma  série  de  atitudes  sociais  e 
interpessoais. 
A expressão, para Fernandes (2003), é preciso  ser utilizada, visto que é entendida 
como  a  manifestação  exterior  do  pensamento  e  dos  estados  psíquicos;  ela  é,  assim,  uma 
conduta de comunicação nascida das necessidades da vida social.
40 

Oliveira  (1995)  reforça  a  diferenciação  da  atividade  livre  não  coordenada  para  a 
atividade  ou  trabalho  em  Terapia Ocupacional. Segundo a autora, para que esses possam ser 
conceituados  como  terapia  ocupacional  é  necessário  que  a  atividade  humana  seja  entendida 
enquanto espaço para criar e que seja repleto de simbolismo. 
Dessa  forma,  o  produto  final  da  ação  tem  importância  secundária  e  o  objetivo 
primordial  está  na  psicodinâmica  da  ação  e  do  sujeito  que  a  realiza.  O  que  se  torna 
significante  é  a  inter­relação  que  o  indivíduo  estabelece  através  da atividade com o meio e o 
terapeuta. 
Fernandes  (2003)  refere  que  arte  terapia  utiliza­se  do  profissional  e  da  arte  para 
criar um processo artístico, e o paciente responde criando produções de arte, como reflexo do 
desenvolvimento  de  suas  habilidades,  de  sua  personalidade,  de  seus  interesses,  de  suas 
preocupações e de seus conflitos individuais. 
Vaz (1993) associa a expressão espontânea com o núcleo da Terapia Ocupacional 
e,  através  dela,  a  Terapia  ocupacional  se  distingue  das  demais  áreas  de  tratamento  e 
abordagem do ser humano. Considerando o processo criador, revelado sob esse prisma como 
a expressão livre e espontânea. 
Sendo  o  processo  criativo  permitido  ao sujeito durante o atendimento terapêutico 
ocupacional, a ação de resposta está repleta de simbolismo e auto­afirmação. 
Segundo  Lowen  (1984)  a  auto­expressão,  a  criatividade  e  o  prazer  encontram­se 
intimamente  relacionados.  Toda  forma  de  auto­expressão  possui  elementos  criativos, 
acarretando prazer e satisfação. 
De acordo com Kneller (1997) a criatividade é um meio de reduzir tensão. Apesar 
de, em parte, ser uma possível redutora de impulsos, é também procurada como um fim em si 
mesmo. 
Para  o  autor  (1997),  a  pessoa  busca  não  apenas  o  repouso,  mas  também  a 
atividade,  não  só  evita  a  tensão,  mas  também  a  corteja.  Admite­se  que  o  novo  e  o  estranho 
podem ameaçar a pessoa, é preciso admitir também que possam integrá­la. 
Lowen (1984) observa que ao expressar sua individualidade no ato criativo, sente­ 
se  prazer  pela  atividade  e  uma  sensação  de  satisfação  em  sua  respectiva  realização.  Há  uma 
satisfação  especial  durante  a  realização,  além  de  que  a  arte­terapia,  na  visão  de  Fernandes 
(2003), também pode propiciar insights e resolução dos conflitos, assim com a terapia verbal. 
De  acordo  com  Oliveira  (1995),  todo  indivíduo  tem  uma  capacidade  latente  de 
projetar  seus  conflitos  internos  sob  a  forma  visual.  Isto  ocorre  mesmo  em  doentes  que  têm 
bloqueadas outras formas de expressão.
41 

Fernandes  (2003)  ressalta  que  a  arte  tem  uma  função  simbólica.  Ela  permite  ao 
homem  expressar  e, ao mesmo tempo, perceber os significados atribuídos à sua vida, em sua 
eterna busca de um tênue equilíbrio com o meio circundante. 
Para  Vaz  (1993),  o  conceito  de  criação  é  crucial  para  o  terapeuta  ocupacional  e 
revela com exatidão a sua maneira de pensar a Terapia Ocupacional. O profissional mergulha 
juntamente com o paciente na descoberta do potencial criativo encontrando, juntos, uma área 
nova  e  desconhecida;  estando  diante  do  novo  paciente,  é  encorajado  a  enfrentar  o 
desconhecido, a ansiedade e o medo. 
Lowen  (1984)  refere  a  auto­expressão  como  a  manifestação  explicita  da 
individualidade:  corresponde  à  autoconsciência  e  à  autopercepção,  que  representam  os  mais 
íntimos aspectos psíquicos da existência individual. A auto­expressão em nível consciente é a 
função  do  ego  e  do  corpo.  Diferente,  portanto,  das  formas  inconscientes  de  auto­expressão, 
que são manifestações do seu corporal. 
Oliveira  (1995)  complementa  a  visão  de  catarse  interna  representada  pelos 
aspectos psíquicos quando menciona que na atividade plástica não é fundamental a questão da 
beleza  no  processo  de  produção,  mas  sim  a  ordenação  do  caos  interior  que  a  execução  da 
atividade  favorece.  Acolher  a  auto­expressão  do  paciente  significa,  pois,  acolher  seu  próprio 
ego. 
A  criatividade,  portanto,  é  auto­realização,  movida  pela  premência  do  indivíduo 
em  realizar­se.  Criatividade  é  a  tendência  para  exprimir  e  ativar  todas  as  capacidades  do 
organismo, reforçando o eu. (ROGERS apud KNELLER, 1997). 
Kneller (1997) explica que para realizar­se como pessoa criadora, o indivíduo deve 
abrir­se ao mundo. Deve defrontar com as coisas na plenitude de seu ser. Deve permitir que a 
vida lhe fale diretamente. 
Existe  uma  dualidade  no  prazer  interno  do  eu  e  na  valorização  expressiva 
demonstrada pela livre atuação de ação artística e corporal onde eu sou percebido pelo outro e 
me percebo enquanto sujeito; sendo essa conexão um potente meio de intervenção da Terapia 
Ocupacional. 
Lowen  (1984)  enfatiza  que  a  aquisição  de  conhecimento  e  habilidades  é  uma 
importante função  do ego, além de relevante fonte de satisfação egótica. O “eu” quer saber e 
ser  capaz  de  fazer.  Todo  projeto  que  empreendemos  e  cumprimos  preenche  essas  duas 
satisfações:  uma  no  âmbito  físico,  através  do  prazer  das  atividades;  outra,  a  nível  do  ego, 
através da consciência da realização.
42 

De  acordo  com  Oliveira  (op.cit),  a  Terapia  Ocupacional  tem  na  atividade 
expressiva  a  função terapêutica de possibilitar a exploração, a gratificação e a integração das 
necessidades emocionais básicas. 
A  ocorrência  de  vivenciar  novas  chances  de  gratificação  relativas  a  fases  de 
desenvolvimento  expressivo  e  emocional  favorece  a  integração  das  diferentes  funções 
psíquicas. 
Vaz  (1993)  ensina  que  o  processo  de  criação  na  Terapia  Ocupacional  não 
difere  do  processo  de  criação  em  qualquer  outra  das  múltiplas  atividades  humanas,  o  que  se 
distingue  é a conotação terapêutica e a busca na compreensão da história intrapsíquica que é 
destinada.
43 

4  METODOLOGIA DA PESQUISA 

4.1  Tipo de pesquisa 

A escolha da pesquisa que melhor se adequasse ao desenvolvimento dos objetivos 
propostos  recaiu  em  um  estudo  exploratório  descritivo,  do  tipo  pesquisa  ação,  com  uma 
abordagem  selecionada  de  natureza  qualitativa,  em  harmonia  com  a  proposta  do  desenho  da 
pesquisa. Vale ressaltar que, para Gil (2002), a pesquisa ação deve ocorrer no mesmo espaço 
terapêutico  onde  existe  o  envolvimento  ativo  do  pesquisador  e  a  ação  por  parte  das  pessoas 
envolvidas ou grupo envolvido no problema. A pesquisa ação pode ser definida como: 

Um  tipo  de  pesquisa  com  base  empírica  que  é  concebida  e  realizada  em 
estreita  associação  com  uma  ação  ou  com  a  resolução  de  um  problema 
coletivo  e  na  qual  os  pesquisadores  e  participantes  representativos  da 
situação ou problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo 
(THIOLLENT,1985 apud GIL, p. 55, 2002). 

Nossa  pesquisa  foi  desenvolvida  e  balizada  pela  intervenção  de  um  grupo 
terapêutico,  que  vem  sendo  desenvolvido  pela  pesquisadora  desde  jun./2005,  utilizando  o 
modelo comportamental e humanista centrado no sujeito. 
A  opção  pela  pesquisa  ação  mostrou­se  adequada,  pois  a  pesquisadora  intenta 
ajudar  suas  clientes  na  solução  de  seus  conflitos.  Estes  são  expressos  no  grupo  coordenado 
por ela, cujo título é Grupo Despertar, sendo identificado no serviço como grupo de produção 
expressiva. 

4.2  Cenário da investigação 

O  município  de  Maracanaú  tem  uma  população  em  torno  de  179.732  habitantes 
(dados  do  Censo  2000  ­IBGE),  existindo  apenas  um  CAPS  para  atender  a  toda  a  demanda, 
sendo este também a única via de acesso á atenção em saúde mental. Lamentavelmente ainda 
não  existem programas  na  comunidade  e  atenção  primária  que englobem e se envolvam com 
esse problema. 
De  acordo  com  o  relatório  da  ONU  e  OPAS  de  2001  o  modelo  de  atenção  em 
saúde  mental  mudou  da  institucionalização  para  um  enfoque  baseado  na  atenção  na 
comunidade,  utilizando  técnicas  de  tratamento  eficientes.  No  entanto  o  cenário  da  saúde 
mental  é  bem  diferente,  o  CAPS  abrange  toda  a  demanda  para  seu  perfil  além  de  cobrir  a
44 

clientela  reprimida  pelo  programa  de  saúde  da  família,  destacando­se  neste grupo um grande 
número  de  mulheres  com  transtorno  de  ansiedade  de  leve  a  moderado,  sendo  estas  as 
principais atrizes sociais da pesquisa. 
Vale  ressaltar  que  ainda  há  constantes  equívocos  na  compreensão  de  transtornos 
mentais e comportamentais de sofrimento psíquico, o que se deve, em grande parte, ao clima 
de tensão  de que essas mulheres são vítimas, à falta de respeito com que são tratadas em seu 
próprio  ambiente  familiar  e  às  preocupações  sociais e econômicas cotidianas. Não  recebendo 
suporte  adequado  nas  angústias  primárias,  estas  evoluem para sintomas clínicos. Nesse nível, 
geralmente,  essas  pacientes  são  apenas  rotuladas  com  o  indicativo  F.  40  (CID  10)  e 
medicadas:  o  enfoque  é  dado  ao  lado  clinico  sendo  as  questões  afetivas  apenas  relegadas  a 
segundo plano. 
A prática farmacológica regressa retro citada levou ao hábito repetitivo no uso de 
ansiolíticos,  estando  aí  implícita  uma  dependência  farmacológica;  criando­se  um  ciclo 
circunstancial  onde  os  conflitos  psíquicos  eram  associados  ao  medicamento  e  este,  por  sua 
vez, sugestionado ao autocontrole. Após a estruturação do CAPS em maio de 2005 passou­se 
a  cogitar  outras  formas  de  intervenção,  até  então  não  aplicadas,  em  busca  de  oferecer 
terapeuticamente  alternativas  de  atendimento  e  abolir  gradativamente  os  benzodiazepínicos, 
visto  que,  em  muitos  casos,  estes  eram  irrelevantes  para  as  necessidades  reais  dos  usuários, 
pois freqüentemente o  foco do problema está no comportamento gerado pelo ambiente a que 
estes se encontram expostos. Passou­se então a dar preferência ao atendimento nos transtornos 
de ansiedade em grupos terapêutico e, paralelamente, a monitorar a medicação, objetivando a 
alta farmacológica. 
Existem  grupos  de  acordo  com o  nível  de  comprometimento  e  o  grau  do  estado 
emocional e psíquico, sendo demonstrado pela equipe uma preocupação que ultrapassa o foco 
do paciente, existindo grupos que buscam o atendimento e a orientação familiar, diminuindo o 
peso da culpa demonstrado por alguns pacientes em relação à família. 
Alguns  grupos  são  fixos,  outros  são  constituídos  com  alguma  finalidade,  a 
seqüência  não  é  necessariamente  composta  pelos  mesmos  pacientes,  mesmo  havendo  uma 
periodicidade destes, e encontramos ai o grupo de acolhimento e retorno médico. Em relação 
aos grupos fixos, totalizam 13 e são divididos da seguinte forma: 
­  Grupo  Horta:  realizado  pela  Terapeuta  Ocupacional.  Grupo  homogêneo, 
masculino, com transtornos mistos Trabalha­se de modo terapêutico os elementos da natureza.
45 

­  Grupo  Expressivo:  realizado  pela  Terapeuta  ocupacional  com  o  auxilio  das 


estagiárias  do  serviço  social,  psicologia  e  terapia  ocupacional.  Existem  dois  grupos,  um  na 
segunda  à  tarde,  sendo  este  homogêneo,  e  outro  na  quarta  pela  manhã,  sendo  este 
heterogêneo. Os dois têm o mesmo perfil de pacientes com transtorno de ansiedade, trabalha­ 
se através de vivências corporais, buscando equilíbrio psicocorporal. 
­ Grupo Produtivo­Expressivo: existem dois grupos sendo realizados, um na terça 
pela manhã e outro, na terça à tarde, sendo facilitado pela terapeuta ocupacional, a psicóloga e 
a  assistente  social,  consecutivamente.  O  primeiro  grupo  é  homogêneo  em  relação  ao  sexo 
(feminino)  e  sintomatologia  (transtorno  de  ansiedade),  o  segundo  é  heterogêneo  no  sexo  e 
sintomatologia.  Através  de  vivências  corporais  e  arte  terapia  busca­se  resgatar  a  identidade 
pessoal e coletiva. 
­ Grupo Terapêutico: existem 4 grupos, sendo esses realizados quinzenalmente, às 
quartas,  e  facilitados  pelos  psicólogos  do  serviço,  onde  trabalha­se  de  forma  coletiva  os 
sintomas e o sofrimento psíquico. 
­  Grupo  Expressivo  Jovem:  formado  criteriosamente  por  pacientes  jovens  com 
idades que variam entre 15 a 23 anos, trata­se de um grupo heterogêneo em relação a sexo e 
sintomatologia,  na  qual  alguns  jovens  já  foram  internados  em  hospital psiquiátrico.  Busca­se 
através de atividades estimular a socialização, a catarse emocional, a liberação de conflitos e a 
produção. 
­  Grupo  Terapêutico  Familiar: ocorre de acordo com a necessidade do serviço; o 
foco  do  sintoma  vai  além  do  paciente  e  está  centrado  no  ambiente  familiar.  Atualmente 
existem 2 grupos. 
­  Grupo  de  Apoio  Familiar,  coordenado  pela  terapeuta  ocupacional  e  assistente 
social com o objetivo de orientar, dar suporte às angústias, esclarecer os sintomas em busca da 
compreensão e melhora no relacionamento. 
O CAPS de  Maracanaú  é  formado  por  uma  equipe  multidisciplinar composta 
por:    cinco    psiquiatras,    dois    psicólogos,  um  enfermeiro,  uma  terapeuta  ocupacional,  uma 
assistente social e uma farmacêutica, além de dez funcionários do nível médio distribuídos em 
vários setores.
Em  sua  estrutura  física  encontramos  uma  recepção,  quatro  consultórios,  um 
ambulatório  com  dois  leitos  para  repouso,  uma  sala  de  reunião,  uma  cozinha,  um  refeitório, 
duas salas de grupo e um pátio amplo. 
A  rotina  de  serviço  é  estruturada  por  horários  e  divisões  de  atendimento. 
Inicialmente a recepção recebe a demanda de atendimento  diário previamente agendado, com
46 

exceção  das urgências, orienta e organiza os usuários para o atendimento (triagem, grupo de 
retorno  médico,  consultas,  atendimento  individual,  psicoterapia  e  atendimento  grupal);  num 
segundo  momento  é  feito  o  grupo  de  acolhimento  (alongamento,  reflexões  e  temas  abertos 
associados  ao  serviço  ou  às  questões  das  queixas  ou  necessidades  psicossociais); 
posteriormente, os clientes são encaminhados aos atendimentos individual ou grupal a que se 
destinam. 
É  importante  destacar  o  entendimento  de  Ferrari  (1990),  de  que  um  grupo 
terapêutico  tem  o  objetivo  de  descobrir  e  transformar  condutas  inadequadas  psicóticas  e  ou 
neuróticas de seus integrantes­pacientes, posto que, nos atendimentos diários deste serviço, se 
percebe  claramente  a  tendência  da  equipe  ao  atendimento  grupal,  acreditando  ser  este  uma 
ferramenta essencial para a evolução terapêutica, existindo cerca de trinta grupos distribuídos 
de formas variadas e distintas (homogêneos e heterogêneos, abertos, fechados, educativos, de 
apoio, terapêuticos, operativos, expressivos, produtivos, entre outros). 

4.3  Sujeitos da pesquisa 

O objeto de estudo escolhido para este projeto foi um grupo terapêutico cujo local 
de  encontro  é  a  sala  de  terapia  ocupacional.  Sendo  este  grupo  caracterizado  como  de  longa 
duração  (cerca de 10 meses), fechado  e constituído por um número fixo de pacientes, quinze 
mulheres,  ao  longo  do  processo  não  foi  permitida  a  admissão  de  novos  pacientes.    Neste 
grupo  temos  o  objetivo  de  resgatar  a  auto­estima  bem  como  a  autonomia  afetiva  e  pessoal; 
diminuir  e  superar  progressivamente  a  necessidade  do  ansiolítico;  detectar  o  conflito  e  ter  a 
capacidade de confrontá­lo, além de transformar o foco principal e causador da ansiedade. 
Participaram  da  pesquisa  quinze  pacientes  do  sexo  feminino  com  idades  entre 
trinta e cinco a sessenta e três anos, sendo a maioria casada e com baixo grau de instrução (1º 
grau  incompleto),  apresentando  histórias  de  tratamentos  ambulatoriais  anteriores  e  uso  de 
medicação  ansiolítica  ou  antidepressiva.  O  grupo  é  predominantemente  homogêneo,  com 
queixas  freqüentes  envolvendo  ansiedade,  depressão,  dificuldades  de  relacionamento  e/ou  de 
produção,  prevalecendo  transtornos  de  ansiedade  típicos  como  nervosismo,  agitação,  fobias, 
desinteresse e apatias. 
Foi utilizado o critério de inclusão e exclusão a partir do desejo das integrantes de 
participar  ou  não  da  pesquisa,  respeitando  sua  decisão,  uma  vez  que  as  queixas  são 
relativamente  similares  e  condizentes  com o  objeto  de  estudo  (o  grupo  como  dispositivo  no
47 

transtorno  de  ansiedade  feminino).  Um  critério  de  exclusão  poderia  ser  a  não  aceitação, 
dificuldade na compreensão, fala e expressão dos questionamentos do projeto. 
Os  encontros  ocorrem  semanalmente (às terças­feiras), sendo realizados por duas 
horas. O grupo foi constituído e é coordenado pela psicóloga e terapeuta ocupacional, ou seja, 
a  pesquisadora  é  a  terapeuta  ocupacional.  O  setting  terapêutico  é  composto  por  um  espaço 
arejado    e    iluminado,    havendo    nele  mesa,  cadeiras,  armários, material de ateliê e atividade 
expressiva  e  som,  favorecendo  a  práxis  da  atividade  a  ser  proposta  além  de  um  espaço 
reservado para as vivências corporais. 

4.4  Período do estudo 

O  despertar  para  a  pesquisa  surgiu  em  jan./2006,  seis  meses  após  o  início  da 
terapia  grupal,  quando  foi  cogitada  para  o  grupo  a  possibilidade  de  iniciar  um  estudo  para  a 
melhor  compreensão  do  processo  grupal,  bem  como  as  evoluções  obtidas  no decorrer deste. 
Até abril houve um período de amadurecimento da idéia e coleta de material teórico. A coleta 
de dados deu­se em maio e jun./2006, havendo, nos meses de julho e agosto, a conclusão do 
estudo. 

4.5  Métodos e procedimentos 

Foram utilizados  métodos  que  favoreceram ao  máximo  a  coleta  de  dados  dentre, 


os  quais  podemos  citar:  registros  fotográficos  e  de  áudio,  consultas    regulares    aos 
prontuários  dos pacientes, com o intuito de contribuir e avaliar a evolução; síntese descritiva 
das  sessões  do  grupo  realizada  com  base  no  registro  das  sessões,  a  partir  da  definição  de 
alguns  eixos  centrais  de  análise:  os    participantes  presentes    em    cada  sessão  do  grupo;  os 
assuntos    referidos;  os  temas  discutidos;  o  padrão    predominante  de  interação  entre  os 
membros; a tonalidade afetiva presente no grupo e a  postura do terapeuta; notas de diário de 
campo  com  registros  sistemáticos  sobre  o    funcionamento  da  dinâmica  grupal.  Foi,  ainda, 
realizada  uma  entrevista,  nos  momentos  terapêuticos,  tomando  o  grupo  em  si  sob  o  aspecto 
focal,  apresentando­se  um  objetivo  temático  em  cada  sessão.  A  organização  e  análise  das 
informações  foram  descritas  utilizando  a  metodologia  de  categorização  e  teoria  das  falas  e
48 

relatos. 
Teve­se  como  objetivo,  na  execução  dessa  pesquisa,  contribuir  com  a  qualidade 
de vida dos pacientes bem com mudar o foco saúde/doença, visto que na concepção anterior e 
ainda presente há uma relação da doença apenas associada à ausência da saúde, ou seja, muito 
centrada nos medicamentos. Com essa pesquisa pretendeu­se desenvolver meios consolidados 
no  serviço,  através  de  intervenções  alternativas  ao  tratamento  farmacológico  e  validar  a 
eficiência dessa abordagem realizada através da dinâmica grupal desses pacientes. 
Mostrou­se  necessário  elaborar  procedimentos  e  estratégias  norteadoras  à 
pesquisa,  sendo  importante  e  fundamental,  para  seu  início  e  desenvolvimento,  uma discussão 
coletiva,  onde  se  pretendeu  investigar  o  senso  crítico  das  pacientes  em  relação  ao  processo 
evolutivo do grupo a fim de aguçar o interesse na compreensão do que realmente acontece no 
grupo e o que possibilita seu progresso; associando a isso o desejo da pesquisadora de estudar 
o  assunto  questionado  no  grupo.  Para  isso,  foi  necessária  uma  consulta  às  integrantes  do 
grupo em relação à viabilidade do estudo. 
O próximo passo foi o planejamento das sessões, tendo em vista a coleta de dados. 
Esse momento mostrou­se adequado para a orientação das pacientes em relação ao sigilo, com 
a  liberdade  de  escolha  na  decisão  de  participar  da  pesquisa  e  a  assinatura  do  termo  de 
consentimento  (em  anexo).  Sendo  assim,  para  efetivar  o  processo  de  coleta  e  a  dinâmica 
grupal, foi sugerido um cronograma de sessões, totalizando em 6, tendo início no dia 11/04 e 
fim no dia 30/05, sendo organizado da seguinte forma: 

SESSÃO UM: 

Data:11/04/06 
Objetivo:  Avaliação  do  grupo  em  relação  a  sua  vida,  o  processo  sintomático  e 
fatores desencadeantes que levaram ao ingresso no CAPS e grupo terapêutico. 
Técnica utilizada: Avaliação de grupo focal, sendo registrada em áudio. 
Forma de avaliação da sessão: Feita pelo grupo durante o discurso. 

SESSÃO DOIS: 

Data:18/04/06 
Objetivo:  Avaliação  do  grupo  através  das  atividades  e  vivências,  como  se  dá  o
49 

processo grupal, como é definido o papel de seus componentes, através de sua percepção em 
si e seu reflexo no outro e como eles se organizam na dinâmica. 
Técnica utilizada: conforme sessão um. 
Forma de avaliação da sessão: Conforme item sessão um. 

SESSÃO TRÊS: 

Data: 25/04/06. 
Objetivo: Avaliação do grupo em relação às suas contribuições  terapêuticas e que 
influências exerce no seu cotidiano. 
Técnica utilizada: conforme sessão um 
Forma de avaliação da sessão: Conforme item um. 

SESSÃO QUATRO: 

Data: 02/05/06 
Objetivo: Estimular o potencial criativo e a tomada de consciência do mesmo. 
Técnica utilizada: Atividade de relaxamento seguida de arte terapia. 
Forma de avaliação da sessão: Feita pelo grupo no final da sessão, notas de diário 
de campo. 

SESSÃO CINCO: 

Data: 16/05/06 
Objetivo:  Favorecer  catarse  emocional  e  identificar  os  sentimentos  presentes, 
como esses contribuem e dificultam sua vida e como reagir 
Técnica utilizada: conforme sessão quatro. 
Forma de avaliação da sessão: conforme sessão quatro. 

SESSÃO SEIS: 

Data: 30/05/06 
Objetivo: Formar consciência e percepção do outro no contato grupal. 
Técnica  utilizada:  relaxamento  seguido  de  trabalho  de  consciência  corporal,
50 

pintura coletiva do grupo, seguida de discussão. 
Forma de avaliação da sessão: conforme sessão quatro. 

4.6  Princípios éticos do estudo 

A  pesquisa  foi  desenvolvida  tendo  como  pilares  a  resolução  de  nº  196/96,  do 
Conselho  Nacional  de  Saúde.  Embora  não  tenha  sido  apreciada  por  um  comitê  de  ética, 
seguimos as recomendações prescritas na resolução. 
Delineou­se como uma pesquisa­ação que, segundo Gil (2002), ocorre no mesmo 
espaço  terapêutico  onde  existe  o  envolvimento  ativo  do  pesquisador  e  a  ação  por  parte  das 
pessoas envolvidas ou grupo envolvido no problema. 
Nesse  contexto,  a  pesquisadora  já  mantinha  relação  estreita  com  os  sujeitos  do 
estudo.  A  coordenação,  por  mais  de  dois  anos,  do  grupo  terapêutico,  propiciou essa relação 
entre mulheres/pesquisadora. 
A intenção do estudo descarta a possibilidade de riscos ou danos para o grupo em 
questão,  com  o  seguinte  objetivo  geral:  analisar  as  contribuições  do  grupo  como  dispositivo 
na  vida,  arte  e  expressão  em  mulheres  com  transtorno  de  ansiedade  atendidas  no  CAPS  de 
Maracanaú,  A  intenção  foi  tão­somente  compreender  como  o  grupo,  enquanto  dispositivo 
terapêutico, vem contribuindo na vida das mulheres. 
Podemos  destacar  alguns  benefícios:  otimização  do  grupo  como  um  dispositivo 
terapêutico,  reorganização  e  estruturação  de  elementos  operativos  no  grupo,  melhor 
entendimento  por  parte  dos  profissionais  dos  processos  de  adoecimento  inerente  a  mulheres 
com  aquelas  características  e  como  conseqüência,  aprimoramento  do  processo  terapêutico 
desenvolvido no grupo. 
Vale  ressaltar  que  conduzimos  a  pesquisa  garantindo  a  autonomia  dos 
envolvidos.  Não  descartamos  a possibilidade de rejeição, de alguém não aceitar participar do 
estudo.  Mesmo  estas  sendo  parte  integrante  do  grupo  terapêutico,  foram  informadas  e 
esclarecidas sobre a inclusão do estudo naquele grupo, podendo assim optar pot participar ou 
não das sessões que integrariam a pesquisa­ação. O termo de consentimento livre esclarecido 
foi  aplicado,  e  interpretado  como  um  documento  desnecessário.  Todas  aceitaram  contribuir 
com o estudo, alegando terem adquirido vários benéficos com a criação e desenvolvimento do 
grupo.  Ao  aceitarem  participar,  também  justificaram  ser  importante  sua  manutenção  e 
aprimoramento, pois seus benefícios são visíveis em suas vidas.
51 

Quanto ao anonimato, o grupo foi unânime em desconsiderar esta situação, todas 
queriam  mostrar  seus  rostos,  desejavam  demonstrar  sua  participação  no  grupo.  As  fotos 
apresentadas no estudo tiveram a permissão das integrantes do grupo. 

4.7  Organização da análise e discussão das informações 

O  registro  do  grupo  foi  realizado  através  da  gravação  em  áudio  nas  sessões 
consideradas  importantes  para  a  coleta  (avaliação  do  processo  grupal,  contribuições 
individuais, coletivas e para sua vida  diária), bem como através dos registros de observação, 
realizados  pela  pesquisadora  durante  os  encontros.  As  fitas  serão  transcritas  na  íntegra, 
acrescidas  de  informações  sobre  comportamentos  e  estados  afetivos  percebidos  durante  a 
observação do grupo. Considerando­se o objetivo de analisar o manejo terapêutico do grupo, 
realizou­se  com  base  em  procedimentos  de  análise  categorial.  Essa  análise  permitiu  uma 
descrição do grupo no processo terapêutico, seus elementos comuns e um entendimento sobre 
a  natureza  do  grupo  bem  como  a  forma na qual foi conduzido em seu processo. Em síntese, 
foram  utilizadas  a  codificação  e  a  categorização  dos  dados,  seguidas  de  sua  interpretação  e 
análise.
52 

5  APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 

5.1  Conhecendo as mulheres do estudo 

As  mulheres  que  colaboraram  com  esse  trabalho  merecem  todo  o  respeito  pela 
luta  diária  em  busca  da  melhoria  na  sua  saúde  psíquica,  emocional  e  social.  Estas  mulheres 
passaram a aceitar o seu potencial de transformação, transcorrido nesses 10 meses de trabalho 
grupal,  e  fizeram  de  suas  conquistas  uma  meta  de  vida,  confrontando  em  suas  atitudes  a 
passividade  anterior  na  qual  solucionavam  seus  problemas  com  medicamentos.  Hoje  são 
conscientes de que a principal responsável por sua melhora no tratamento são elas mesmas. 
Essas  mulheres,  em  sua  essência,  contribuem  em  muito  com  a  vida  das  outras; 
umas  são  mais  expansivas,  outras  mais  introspectivas,  contudo  todas  foram  e  são 
fundamentais  para  a  evolução  e  o  amadurecimento  terapêutico  do  grupo.  Por  serem  tão 
especiais  e  delicadas  no  seu  universo  simbólico,  utilizaremos  codinomes  de  flores  para 
identificá­las:  Margarida,  Jasmim,  Camélia,  Orquídea,  Tulipa,  Amor­Perfeito,  Gardênia, 
Rosa, Flor do Campo, Prímula, Hortência, Dália, Lírio, Vanília, Girassol. 

Margarida, 
55  anos,  solteira,  3  filhos,  dona  de  casa,  ensino  médio  completo.  Tem  estatura 
mediana,  pele  morena,  cabelos  crespos  pretos  sempre  amarrados,  peso  acima  do  padrão. 
Apresenta  um  semblante  de  tristeza,  mesmo  nos  momentos  de  interação  com  outras  amigas; 
sua  voz,  a  forma  de  se  expressar  demonstra,  às  vezes,  revolta  e  carência.  Dotada  de  uma 
grande  sensibilidade,  é  comum  chorar  nos  discursos  e  vivências  do  grupo.  Apesar  de 
demonstrar olhar distante e suposta indiferença, sempre procura manter contato com o outro, 
manifestando opiniões. Em relação ao grupo, é assídua e gosta de compartilhar suas queixas e 
história de vida, buscando afetividade do grupo nos momentos mais difíceis. 

Jasmim, 
46 anos, solteira, não tem filhos, mora com a mãe e um irmão, ensino fundamental 
incompleto.  Tem  no  seu  biotipo  uma  estrutura  mediana,  corpo  esguio,  pele  branca,  cabelos 
compridos  e  castanhos.  Demonstra  geralmente  descuido  com  sua  aparência  (às  vezes  os
53 

cabelos ficam assanhados e as vestimentas, desalinhadas). É muito cinestésica na forma de se 
relacionar  e  de  se  comportar  no  meio,  intensificando­se  nos  quadros  de  ansiedade.  Nesses 
momentos  apresenta,  além  de  agitação,  fala  solilóquia  e  logorréica.  Freqüentemente  chora. 
Devido  a  seu  humor  instável,  refere  que  se  sente  bem  no  grupo,  pois  é  compreendida.  Tem 
dificuldade  de  seguir  normas e esperar, seja qual for o motivo. É bastante religiosa, gosta de 
interagir  com  as  pessoas,  demonstrando  afetividade.  Contudo,  tem  limiar  de  tolerância 
pequena em relação a críticas e limites. 

Camélia, 
54  anos,  casada,  3  filhos,  dona  de  casa,  analfabeta.  Biotipo  formado  por  pele 
morena,  cabelos  pretos  curtos,  estatura  e  peso  proporcionais.  É  muito  reservada  e 
introspectiva, contudo não desperta antipatia. É sucinta na sua forma de se relacionar com os 
outros, mas afetiva o suficiente quando necessita ser. Demonstra gostar de estar próximo das 
pessoas  do  seu  grupo,  é  bastante  atenta  na  escuta  dos  relatos  dos  outros  componentes  e  se 
manifesta  quando  necessário.  É  assídua,  participativa  e  bastante  empenhada  nas  atividades 
propostas. 

Orquídea, 
37  anos,  casada,  2  filhos,  dona  de  casa,  ensino  fundamental  incompleto. Estatura 
baixa,  peso  acima  do  padrão,  cabelos  curtos  cacheados,  de  cor  castanha,  pele  branca. 
Demonstra em seu semblante aflição e cansaço, às vezes consegue sorrir, apresentando brilho 
no  olhar.  Seu  humor  varia  de  acordo  com  o  relacionamento  familiar,  foco  principal  de  suas 
queixas.  É  bastante  aplicada  e  dedicada  às  atividades  grupais,  bastante  afetiva  e  dócil  no 
relacionamento com o outro. É bastante sensível e tem uma ótima percepção e senso crítico, o 
que vem facilitando seu processo terapêutico. 

Tulipa, 
51  anos,  casada,  3  filhos,  costureira,  ensino  fundamental  incompleto.  Biotipo 
retilíneo,  com  peso  e  altura  equiparáveis,  pele  branca,  cabelos  longos  castanho­claros.  Tem 
um olhar firme, transmitindo segurança; semblante tranqüilo e sereno. É acolhedora na forma 
que se expressar com os demais à sua volta, porém não hesita em pontuar através de críticas
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construtivas para o crescimento do outro. Uma característica forte em sua personalidade é sua 
capacidade  de  procurar  ver  sempre  o  lado  positivo  e  não  ter  medo  de  enfrentar  as 
dificuldades, mesmo já tendo passado por fatos marcantes e traumatizantes em sua vida. 

Amor­Perfeito, 
33 anos, solteira, 3 filhos, vendedora e estudante, ensino fundamental incompleto. 
Estatura mediana, peso acima do perfil, cabelos curtos castanhos, olhos verdes, traços do rosto 
harmoniosos  fazendo  de  Amor­Perfeito  uma  pessoa  de  aparência  carismática.  É  bastante 
vaidosa  e  preocupada  com  sua  imagem,  contudo  transparece  timidez,  olhar  desconfiado,  às 
vezes  tem  dificuldade  de  fixar  olhos.  Inicialmente,  ao  relacionar­se  com  outras  pessoas, 
demonstra dificuldade em falar, preferindo observar e escutar; no decorrer da convivência, ao 
sentir­se  à  vontade,  torna­se  mais  expansiva.  Gosta  de  sorrir  e  procura  contato  com  pessoas 
que estão próximas. Demonstra, ao se expressar afetivamente, carência e tristeza devido a sua 
história  de  vida.  É  assídua  nos  encontros  do  grupo,  apesar  de  sentir  dificuldade  às  vezes  de 
entrar na vivência e tomar consciência de seus conflitos, devido aos mecanismos de defesa em 
relação à sua dor emocional. 

Gardênia, 
65  anos,  viúva,  8  filhos,  dona  de  casa,  analfabeta.  Estatura  mediana,  peso 
adequado ao perfil, cabelos lisos grisalhos (gosta de usá­los presos), pele morena. Mobilidade 
lenta, saúde fragilizada, contudo é muito positiva na forma de interagir, transmitindo simpatia. 
Demonstra  na  forma  de  se  expressar  uma  certa  passividade  e  conformidade.  Observando­se 
sua parcial tranqüilidade e sua história de vida traumatizada, chega­se ao foco principal de sua 
sintomatologia, pois sua sensibilidade é aflorada ao retratar seus conflitos. Nas suas relações é 
acolhedora  e  gosta  de  sentir­se  acolhida.  É  assídua  no  grupo  e  bastante  participativa  nas 
atividades propostas. 

Rosa, 
46  anos,  casada,  3  filhos,  ensino  fundamental  incompleto,  dona  de  casa. Estatura 
mediana, peso acima do perfil, pele morena, cabelos compridos lisos e pretos, costuma usá­los
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presos. É bastante comunicativa, demonstra alegria e procura sempre transmitir para os outros 
energias  positivas.  Nas  suas  relações  percebe­se,  em  alguns  momentos,  manipulação, 
chantagem  e  uma  certa  infantilidade,  variando  de  acordo  com  as  circunstâncias.  No primeiro 
contato,  às  vezes  desenvolve  resistência,  contudo,  à  medida  que  mantém  o  relacionamento 
modifica essa postura, tornando­se acolhedora, gentil. Esse comportamento está associado às 
perdas e decepções de sua história de vida. É assídua no grupo, gosta de comunicar­se, sendo 
uma das mais participativas. 

Flor do Campo, 
64  anos,  casada,  6  filhos,  dona  de  casa,  ensino  fundamental  incompleto.  Biotipo 
equiparável  na  estatura  e  peso,  traços  fisionomicamente  compatíveis  com  sua  idade, 
motricidade  e  coordenação  diminuída,  pele  clara,  cabelos  loiros  lisos,  tamanho  médio.  Seu 
comportamento,  associado  a  sua  expressão  física,  transmite  fragilidade  e  sensibilidade.  Seu 
semblante,  às  vezes  triste,  outras  vezes  tenso,  reflete sua dificuldade de relaxar e desvincular 
seus  pensamentos  e  preocupação,  geralmente  com  seus  familiares,  sendo  o  motivo  maior  de 
suas  queixas  da  sintomatologia.  Nas  suas  relações  é  tolerante  e  passiva,  gosta  de  manter 
contato e interagir, sendo este um dos momentos em que demonstra prazer e alegria. 

Prímula, 
54  anos,  casada,  8  filhos,  dona  de  casa, analfabeta. Corpo esguio, estatura baixa, 
pele  branca,  cabelos  compridos  castanhos.  Tem  um  olhar  e  sorriso  acolhedor,  contudo  sua 
timidez lhe limita no contato com o outro, necessitando sentir­se segura para demonstrar sua 
real empatia pelo outro. Comporta­se de forma discreta nas relações pessoais e quando está no 
grupo  prefere  ouvir  e  estar  atenta  ao  discurso  dos  outros  componentes,  manifestando  sua 
opinião  somente  quando  lhe  é  solicitada.  Contudo,  não  demonstra  frieza  ou  imparcialidade, 
apenas uma certa rigidez devido  ao  autocontrole de seus sentimentos. É assídua e demonstra 
satisfação em realizar atividades. 

Hortência, 
44  anos,  casada,  2  filhos,  dona  de  casa,  ensino  fundamental  incompleto.  Tem 
estatura  baixa,  peso  dentro  do  perfil,  cabelos  castanhos  longos  e  cacheados,  usados  sempre
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presos.  Apresenta  no  seu  semblante  uma  certa  inexpressividade,  sendo  difícil  às  vezes 
perceber  sentimentos  como  raiva,  alegria,  tristeza,  devido  reprimi­los.  No  geral,  ao  se 
expressar verbalmente, eleva as sobrancelhas, causando uma aparência de cansaço. É bastante 
introspectiva,  necessitando  de  estímulo  para  manifestar­se.  Prefere  permanecer  em  silêncio, 
realizando  atividades,  contudo  demonstra  prazer  na  realização  das  mesmas.  Sua  timidez 
dificulta  a  interação  com  o  grupo,  geralmente  fala  baixo,  com  dificuldade  de  fixar  o  olhar. 
Apesar disso, é assídua e aceita a proximidade do outro. 

Dália, 
57  anos,  solteira,  1  filho,  dona  de casa, analfabeta. Estatura mediana, peso acima 
do  perfil,  pele  branca,  cabelos  curtos  grisalhos.  Demonstra  simpatia,  gosta  sempre  de  estar 
sorrindo, tem um olhar às vezes disperso, compatível com sua distração. É meiga e gentil no 
contato com o outro, apesar de demonstrar inicialmente timidez. Tem bastante dificuldade de 
verbalizar,  geralmente  chora.  Dotada  de  uma  sensibilidade  bastante  aflorada,  gosta  de 
compartilhar  com  as  outras  companheiras  trocas  de  abraços,  demonstrando  a  necessidade  de 
ser  acolhida.  É  assídua  e  bastante  cooperativa  nas  atividades,  encontrando  limitações  apenas 
na verbalização. 

Lírio, 
53  anos,  solteira,  1  filho,  mora  com  parentes,  analfabeta.  Apresenta  estatura 
mediana,  obesidade  leve,  cabelos  médios  grisalhos,  e  aparenta  certo  desleixo  com  sua 
aparência.  Demonstra  passividade  no  olhar,  apresentando­se  sempre  com  semblante  sério, 
dificilmente  sorri.  Tem  limitações  na  relação  com  o  outro,  prefere  manter­se  em  silêncio  e 
geralmente  se  expressa  por  frases  curtas,  porém  faz  isso  sem  causar  antipatia.  Sua 
introspecção, associada a ausências no grupo, dificultam sua evolução. 

Vanília, 
66  anos,  separada,  3  filhos,  aposentada,  ensino  fundamental  completo.  Estatura 
baixa,  obesidade  moderada,  pele  morena,  cabelos  compridos,  sempre  usados  em  coque. 
Motricidade  lenta,  discreta  dificuldade  de  deambular,  contudo  tem  um  comportamento  em 
relação  ao  outro  admirável.  Sua  firmeza  no  olhar  e  na  fala  demonstra  uma  pessoa  de  fibra  e
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bastante  positiva.  Gosta  de  compartilhar  sua  experiência  e  maturidade.  É bastante religiosa e 


acolhedora,  exercendo  função  meio  maternal  no  grupo.  É  assídua,  apesar  dos  problemas  de 
saúde. Gosta de realizar atividades e participar dos diálogos do grupo. 

Girassol, 
48 anos, solteira, não tem filhos, mora com a irmã, analfabeta. Estatura mediana e 
peso  proporcional.  Transmite  em  seu  olhar  uma  certa  dispersão  em  relação  ao  ambiente, 
demonstrando  dificuldade  nos  momentos  de  discussões,  preferindo  isolar­se  nessas  ocasiões. 
Sua  fala  é  sucinta  e  às  vezes  apresenta  de  forma  figurada,  nem  sempre  sendo  fácil  a 
compreensão. No momento de interação é receptiva e simpática, demonstrando afetividade. É 
bastante religiosa e gosta de orar nesses momentos. Sua ausência e dificuldade de participação 
oral dificultam a evolução terapêutica. 

5.2  Processo terapêutico 

As  descrições  das  sessões  na  seqüência  possibilitaram  uma  concretização  do 
processo  terapêutico,  sendo  utilizadas  para  a  construção  científica  deste  trabalho  a 
organização por temáticas, uma para cada sessão, categorias de falas e avaliação das mesmas. 

5.2.1  Processo de adoecimento 

A) Características: 
Grupo composto por 10 pacientes com a proposta de reflexão e verbalização cujo 
tema foi: “Fatores desencadeantes dos sintomas e início do tratamento no CAPS”. O encontro 
iniciou­se às 09:00h e finalizou­se às 11:15h. 

B) Impressões iniciais: 
As  pacientes  demonstraram  boa  receptividade  e  facilidade  de  interação  mútua.  A 
paciente  Jasmim  mostrou­se  ansiosa,  com  leve  agitação  motora,  recebendo  suporte  de  suas 
companheiras. O grupo tem um bom nível de afetividade, tornando­se acolhedor.
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C) Sessão propriamente dita: 
O grupo foi disposto em círculo sendo iniciado o processo ao som de uma música 
suave,  dando  continuidade  com  movimentos  lentos  e  harmoniosos,  onde  foi  sugerido  que  os 
componentes  buscassem  equilibrar  o  meio  externo  com  o  interno,  ou  seja,  harmonizar 
respiração,  músculos  e  batimentos  ao  meio  externo  (um  ambiente  tranqüilo,  com  iluminação 
diminuída). A terapeuta solicitou uma reflexão ao passado de suas vidas, por onde se iniciou o 
processo  adoecedor  psíquico­emocional.  Posteriormente,  foi  realizada  a  verbalização  da 
vivência, possibilitando uma comparação evolutiva e a troca de experiências. 
A paciente Dália não conseguiu verbalizar. Ao iniciar o discurso chorou, referindo 
dificuldade  em  relatar.  A  paciente  Amor­Perfeito  também relatou  sentir­se  incomodada,  pois 
acha  sua  história  muito  triste  e  feia  e  sente  vergonha  de  falar.  As  demais  pacientes  foram 
bastante solícitas e construíram um bom conteúdo terapêutico. 

Figura 1. O processo de adoecimento 

Dificuldade de relacionamento conjugal e familiar  

Os  discursos  revelam­nos  o  quanto  é  importante  a  vinculação  afetiva,  sendo  esta, 


segundo  as  componentes do grupo, o início do processo de adoecimento: a imagem que elas
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tinham  na  família  e  a  estrutura  que  esta  família  mantinha  e  adoecia  mutuamente  a 
somatização dos seus sentimentos. 

[...  ]  Faz  muitos  anos  que  eu  tive  problemas,  problemas  com  marido,  com 
bebida...o  tempo  passou  minha  filha  de  14  anos  fugiu  com  um  rapaz  de 
gangue...a  barra  era  toda  minha  que  eu  era  o  pai  e  a  mãe...quando  foi  por 
último ela teve um filho dele e ele chutou ela pra minha casa...um abalo mais 
profundo foi minha mãe com câncer... (Margarida). 

[...]  Meu  casamento  com  meu  esposo,  devido à  bebida, ele bebia muito e ai 


eu  sempre  entrava  em  crise...  ele  tinha  uma  amante  e  ele  tinha  me  feito 
muito sofrer ai meu filho começou a beber... (Tulipa). 

O  meu  problema  é  a  família  do  meu  marido,  eu  faço  tudo  por  eles,  não  sei 
dizer  não,  mesmo  que  eu  não  goste  aí  fui  pegando  essa  depressão...  minha 
história é um pouco triste, perdi minha mãe muito nova... casei cedo, sempre 
fui muito fechada... (Hortência). 

A  forma  como  nos  relacionamos  com  os  outros  e  nos  comportamos  em  nosso 
meio, remete­nos em muito às primeiras relações vinculares. Nessas estão incluídas a maneira 
como  o  sujeito  se  percebe  e  como  são  suas  experiências  baseadas  no  afeto  entre  outras 
pessoas. (WINNICOTT, 1990). 
É  através  da  relação  vincular  com  a  família  que  o  sujeito  inicia  em  sua 
subjetividade  como  será  seu  papel  social,  internalizando  e  externalizando  seu  modo  de  agir. 
Contudo,  se  as  primeiras  relações  estão  estremecidas por diversas razões (social, econômica, 
cultural,  entre  outras),  serão  estas  as  primeiras  impressões  de  relacionamento,  repercutindo, 
ainda que de forma inconsciente, nas relações atuais. 
Segundo  Winnicott  (1990),  nas  neuroses,  as  dificuldades  começam  a  surgir  no 
interior das relações interpessoais características da vida familiar, estando a criança entre 2 e 5 
anos. 
Mesmo  que  pertençamos  a  vários  grupos  sociais  no  decorrer  de  nossa  vida,  a 
família  é  sem  dúvida  o  mais  significativo,  sendo  esse  o  primeiro  núcleo  a  que  pertencemos. 
Posteriormente,  quando  nos  reprojetamos  em  papéis  vinculares,  desse  meio  emergem  o 
comportamento e as atitudes regressas que recebemos e nos influenciaram em nossa formação 
social. 
Silveira (1996) aponta para o inconsciente pessoal sendo constituído por traços de 
acontecimentos  ocorridos  durante  o  curso  da  vida  e  perdidos  pela  memória  consciente, 
carregados de forte potencial afetivo. 
Ao  nos  retratarmos  ao  pensamento  de  Winnicott,  no  qual  as  relações  familiares
60 

influenciam  as  relações  interpessoais,  percebe­se  que  muitas  dessas  experiências  instintivas 
permanecem  em  um  nível  inconsciente,  uma  vez  que  nem  sempre  são  lembradas,  mas  são 
significativas  o  suficiente,  indo  ao  encontro  do  pensamento  de  Silveira  sobre  a  influência  do 
inconsciente no consciente. 

História de vida com conteúdo de violência familiar e social 

Os  relatos  mencionados  retratam  novamente  o  início  da  concepção  da  imagem 
individual e social, reforçando a categoria anterior, na qual a história de vida dessas mulheres 
e  o  acúmulo  de  fatores  traumatizantes  desenvolveram  um mecanismo de defesa representado 
por  comportamentos  descritos  especificamente  pela  somatização  corporal  e  ansiedade 
emocional. 

[...]  meu  marido  bebia,  quebrava  as  coisas  aí  eu  fiquei  assim...  eu  queria 
matar, eu peguei faca para matar meu marido...o marido da minha filha não 
prestava,  ele  batia  nela...aí  eu  disse  que  matava  ele  e  matava  mesmo[...] 
(Margarida). 

[...]  comecei  a  primeira  crise  de  depressão  aos  21  anos  quando  levei  uma 
pisa... o pai da minha filha levou ela pra passear...ele roubou ela...meu irmão 
começou a beber...ele tentou me matar [...] (Amor­Perfeito). 

[...]  antes  eu  tinha  assim  uma  violência,  antes  eu  respondia  uma  pessoa  era 
assim  com  uma  raiva,  uma  revolta...meu  marido  me  batia,  eu  via  meus 
filhinhos  passar  fome,  aí  fui  embora no pingo do sol com meus  filhinhos  só 
com a roupa no couro [...] (Tulipa). 

Segundo  Castells  (1999),  o  patriarcalismo  é  uma  das  estruturas  na  qual  se 
assentam  todas  as  sociedades  contemporâneas,  caracterizada  pela  autoridade  imposta  do 
homem sobre mulher e filhos. Percebe­se que neste modelo, os relacionamentos interpessoais 
sofrem influência direta pela forma de dominação, violência e poder, arraigando­se na cultura 
e sociedade. 
Apesar  da  família  atualmente  se  organizar  e  algumas  vezes  se  reformular, 
modificando  a  ordem  de  seus  integrantes,  nota­se  ainda  um  comportamento  condizente  a 
alguns  aspectos  patriarcais,  estando  este  latente  na  postura  de  submissão,  preconceitos  e 
passividade na mulher e machismo, força e poder no homem. 
Em  Maracanaú,  é  habitual  traços  de  violência  e  repressão  no  ambiente  familiar, 
resultando  no  processo  de  adoecimento  psíquico  e  emocional,  havendo  aí  traços  do 
comportamento  herdado  do  patriarcalismo,  apesar  de  algumas  famílias  nem  sempre  se
61 

organizarem de forma convencional. Essas relações representam crenças da sociedade quanto 
ao  significado  desse  conceito  em  períodos  de  tempo  determinados,  criando  estereótipos 
quanto  ao  gênero, sendo esses conseqüências do julgamento e comportamento (CASTELLS, 
1999). 
A  OMS  (2002)  considera  que  a  violência  de  gênero  refere­se  a  qualquer 
comportamento  que  cause  danos  físicos,  psicológicos  ou  sociais  àqueles  que  fazem  parte  da 
relação. 
Retomando  a  relação  de  domínio  e  estereótipos,  as  mulheres,  principais  vítimas, 
sofrem  não  só  abuso  físico  e  sexual,  pois  em  proporções  compatíveis  às  ameaças  verbais,  a 
possessividade,  as  humilhações  e  o  terror  psicológico  deixam  marcas  na  sintomatologia 
psíquica, assim como as agressões físicas deixam cicatrizes. 

Perda de referencial e valor de suas próprias vidas 

A  sensibilização  desses  relatos  demonstra  o  nível  de  auto­estima  e 


descredibilidade em que se vêem inseridas nossas mulheres. Além disto, percebemos o quanto 
a relação vincular do outro é importante para manter suas harmonias psíquico­emocionais, no 
caso  desses  relatos.  Podemos  perceber  o  quanto  as  relações  vinculadas  interferiram  nas  suas 
integridades psico­afetivas. 

[...] minha vida eu só esperava morrer [...] (Margarida). 

[...]  eu  cheguei  realmente  a  achar  que  viver  não  tinha  mais  sentido  e  achar 
que  eu  não  agüentava  mais,  agüentar  tanto  problema  né  e  achava  que viver 
não  tinha  mais  sentido  e  aí  a  solução  era  me  isolar  das  pessoas, chorar.[...] 
(Orquídea). 

[...] crise de choro, de passar a semana  desesperada, de achar que não tinha 
mais motivo pra viver [...] (Tulipa). 

[...]  eu  achava  que  o  meu  pai  não  gostava  de  mim,  que  as  pessoas  não  me 
queriam bem, que eu era desprezada, aí eu fui tentar o suicídio. (Rosa). 

Castells  (1999)  define  identidade  como  o  processo  de  construção  de  significado 
com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos inter­relacionados, o(s) 
qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. 
É através da relação com o outro que construímos os papéis sociais e nele o nosso 
desempenho  nesse  entremeio,  sendo  assim  a  maneira  como  nos  percebemos  e  nos  sentimos
62 

mediante  o  grau  de  rejeição  e  aceitação  em  relação  ao  nosso  meio.  Isso  nos  possibilita  a 
internalização  subjetiva,  a  criação  de  significados  nas  relações  e  a  construção  de  nossa 
identidade. 
Para  Rogers  (1977),  na  busca  de  chegar  mais  próximo  de  ser  ele  mesmo,  o 
indivíduo  enfrenta  hoje  uma  estrutura  social  cujas  coordenadas  são  confusas  e  instáveis.  E 
embora  os  padrões  tradicionais  de  conduta  continuem  a  ser  reforçados  e  transmitidos  pelas 
instituições  socializadoras  –  a  família,  a  escola,  os  órgãos  oficiais  –,  movimentos  atuais 
apontam fatos perturbadores e despertam questionamentos profundos. 
Ao direcionarmos a mulher nos dias atuais e posicionarmos sua identidade pessoal 
aos  papéis  que  a  mesma  desempenha,  torna­se  claro  um  estado  conflitante.  Por  um  lado,  há 
toda  uma  carga  de  expressão  sócio­cultural  expressa  pelos  papéis  herdados  e  impostos  na 
imagem  da  mãe,  esposa,  confidente  e  renunciante  e,  por  outro  lado,  encontra­se  a  busca, 
muitas vezes intrínseca, de seus desejos e necessidades como pessoa. 
O  conflito  pessoal  torna­se  mais  intenso  se  a  mulher  é  submetida  a  situações 
estressantes,  principalmente  quando  esta  se  encontra  vitimizada  por  agressões  físicas  e 
emocionais.  Para  a  OMS,  viver  um  relacionamento  violento  afeta  o  senso  de  auto­estima  de 
uma mulher e sua capacidade de participar do mundo, interferindo na capacidade de cuidar de 
si mesma e de seus filhos. 

Manejo de medicamento inadequado 

Notamos,  nos  discursos,  uma  associação  do  processo  de  adoecimento  ao  uso 
indiscriminado  de  medicamentos.  Existe,  nesses  relatos,  a  subjetividade  do  “remédio  para 
aliviar  a  dor”,  havendo  um  comparativo  da  intensidade  do  sofrimento  à  quantidade  dos 
medicamentos, ou seja, o período de maior conflito psíquico era aquele em que se verificavam 
os momentos de maior consumo, estando aí implícita a “anestesia” dos sentimentos. 

[...] eu tomava remédio controlado, mas nunca chegava a ter assim a melhora 
que  tenho agora, por que mesmo eu achava que eu tava boa mas  sempre eu 
entrava em crise de choro [...] (Tulipa). 

[...]  comecei  a  tomar  medicamento,  era  pra  derrubar  mesmo...  aí  ele  disse 
que era muito forte a dose, porque o meu caso não era aquele, que eu não era 
louca...cheguei a tomar 4 comprimidos de diazepam 10 mg. (Rosa). 

[...  o  médico  eu  só  ia  no  dia  de  receber  remédio...faz  muito  tempo  que  eu 
tomo  diazepam...  continuava  do  mesmo  jeitinho...eu  dizia:  “tô  cada  vez
63 

pior”[...] (Flor do Campo). 

[...] faz muito tempo atrás que eu tomo remédio controlado, diazepam, já há 
muitos  anos,  mas  o  médico  dizia  que  o  meu  problema  era  só  nervoso. 
(Prímula). 

Segundo  relatório  da  OMS,  as  mulheres  são  mais  suscetíveis  à  ansiedade  do  que 
os homens. Acredita­se que esse fato se deve muito ao nível diário de estresse a que elas são 
expostas no cotidiano. (BRASIL, 2001). 
Existe,  por  parte  da  paciente  que  procura  o  serviço  de  saúde,  uma  necessidade 
imediata  de  alívio  do  sofrimento  psíquico  e  das  sensações orgânicas desencadeadas por esse. 
Associado  a  esse  fato  encontramos  geralmente  um  serviço  estrangulado  pela  demanda  de 
cuidados  à  saúde,  havendo  nessa  combinação  uma  delicada  vinculação  onde  ocorre 
geralmente  a  prescrição  de  ansiolíticos  em  resposta  direta  às  queixas  recebidas.  Se  por  um 
lado  existem  angústia  e  aflição,  devido  aos  conflitos,  por  outro  lado  encontra­se  uma  certa 
facilidade  no  alívio  dessa  dor,  resolvendo  paliativamente  os  problemas;  formando­se, 
contudo, um terceiro componente nesse processo: a dependência. 
De  acordo  com  Saraceno  (2001),  ansiedade  e  insônia  são  manifestações 
sintomáticas  de  estados  gerais  de  "mal­estar"  com  ou  sem  problemas  psicológicos  e 
psiquiátricos,  que  devem  ser  tratadas  segundo  uma  estratégia  terapêutica  na  qual  os 
ansiolíticos  têm,  às  vezes,  um  papel  importante,  mas  sempre  parcial  e  normalmente  limitado 
no tempo. 
Apesar  de  o  ansiolítico  ter  sua  importância  em  determinado  momento,  existe, 
implícita em toda a sintomatologia da ansiedade, uma história de vida com sofrimento, sendo 
necessário enfatizar terapeuticamente esse aspecto no intuito de estimular o enfrentamento e o 
questionamento, por parte do paciente, e em contrapartida a escuta e o suporte do profissional, 
resultando na diminuição do uso do medicamento e na descoberta de outros meios de suporte. 

Percepção do processo sintomático 

Percebemos,  nesse  relato,  um  momento  importante  para  a  autopercepção  dessas 


mulheres  em  relação  a  suas  reações  adoecidas.  A  consciência  dos  sintomas,  bem  como  a 
origem  desses  fatores  desencadeantes,  permite  que  elas  se  observem  enquanto  pessoas, 
envolvidas  e  inseridas  em  um  ambiente  estressante.  Ao  avaliar  essa  situação  será  possível 
retroceder o caminho do adoecimento e reprojetar­se, modificando tais atitudes.
64 

[...] .toda me tremendo...aí comecei a desmaiar, eu ia parar no hospital...um 
abalo  muito  profundo...aí  tomou  conta  do  meu  corpo...eu  tive  uma 
paralização...minha língua enrolou, fui pro hospital[...] (Margarida). 

[...] eu era muito nervosa, tudo que eu ia falar era me tremendo, a minha voz 
era tremula [...] (Camélia). 

[...]  passei  por  várias  fases;  ficava  deitada  sem  querer  fazer  nada...  era 
nervosa...as vezes falava pelo cotovelo...as vezes só chorava. (Jasmim). 

[...]  eu  não  tinha  animo,  era  um  nervoso...ficava  a  noite  todinha  acordada, 
tinha medo de sair...chorava...impaciente. (Prímula). 

Dalgalarrondo  (2000)  caracteriza  a  síndrome  de  ansiedade  generalizada  pela 


presença de sintomas ansiosos excessivos, na maior parte dos dias, por pelo menos seis meses. 
Considerando  o  excesso  de  estímulos  e  acúmulo  de  estresse  no  cotidiano  e  ao 
associarmos  a  imagem  feminina,  observamos  como  a  mulher  vem  sofrendo  as  conseqüências 
desse  desgaste.  Vale  ressaltar  as  perspectivas  de  inclusão  de  novos  papéis  em  seu  cotidiano, 
implicando  outras  possibilidades  de  doença  e  morte.  (OLIVEIRA,  2003).  Existe  uma  busca 
por parte da mulher em associar suas atribuições familiares em meio às várias cobranças: que 
recebe.  Devemos  considerar  ainda  os  conflitos,  a  insatisfação  e  a  inquietação  pessoal 
resultando na ansiedade, tensão e somatização em resposta as reações emocionais negativas. 
McLellan,  Bragg  e  Cacciola  (1988)  definem ansiedade  como  sendo  normalmente 
uma  sensação  de  desconforto  e  apreensão experimentada pela antecipação real ou imaginária 
de  situações  desagradáveis.  Seu  efeito  desgastante  sobre  o  indivíduo  torna­o  muito  tenso  e 
podem  ocorrer  manifestações  físicas  como  transpiração  excessiva,  aceleração  dos  batimentos 
cardíacos e insônia, entre outros. 

PROCESSO DE ADOECIMENTO 

MANEJO  DIFICULDADE DE  PERCA DE REFERENCIAL E 


RELACIONAMENTO  VALOR DE SUAS PRÓPRIAS 
MEDICAMEN  CONJ UGAL E FAMILIAR  VIDAS 
TO 

HISTÓRIA DE VIDA COM 
CONTEÚDO DE VIOLÊNCIA 
FAMILIAR E SOCIAL 

PERCEPÇÃO DO PROCESSO 
SINTOMÁTICO
65 

5.2.2  Autopercepção no processo grupal 

A)  Características: 
Grupo composto por oito pacientes com proposta de realizar atividade produtiva e 
verbalização  direcionada  pela  terapeuta.  O  grupo  demonstrou­se  bastante receptivo, a sessão 
teve  duas  horas  e  meia  de  duração  e  as  pacientes  não  demonstraram  fadigabilidade,  com 
evolução satisfatória. 

B)  Impressões iniciais: 
As pacientes demonstraram alegria por estar reunidas, não havendo ocorrências ou 
complicações.  Percebeu­se  bastante  entusiasmo  onde  algumas  pacientes  estavam  bem 
extrovertidas com sorriso fácil. 

C)  Sessão propriamente dita: 
Inicialmente  o  grupo  foi  direcionado  à  mesa  de  atividades,  onde  permaneceram 
sentadas  ao  seu  redor,  foram  distribuídos  palitos  de  picolé  e  sugerida  a  construção  de 
fruteiras.  Durante  a  atividade,  foi  lançado  o  questionamento  de  como  elas  se  percebiam  no 
grupo. As componentes foram bastante participativas nos relatos. 

Figura 2. Autopercepção no processo grupal
66 

Fortalecimento da identidade 

Os  discursos  concretizam  a  tomada  de  consciência  dessas  mulheres  enquanto 


sujeitos,  reproduzidos  pelas  circunstâncias  dos  ambientes  externos  em  que  convivem.  No 
processo  grupal  elas  podem  se  perceber  dentro  de  sua  essência  e  reformular­se  de  forma 
positiva. 

Me vejo muito desinibida, quando estou aqui não tenho vergonha de nada.... 
(Jasmim). 

[...] e aqui sei que sou inteligente [...] (Orquídea). 

[...]  deixei  de  ser  uma  pessoa  possessiva...  agora  sei  esperar,  me 
comportar....sou mais feliz[...] (Rosa). 

O comportamento que apresentamos frente às diversas situações do cotidiano gera 
graus  variáveis  de  tensão  e  estresse  com  intensidade  relativa  a  cada  sujeito,  havendo  ainda  a 
influência  das  próprias  características  pessoais,  história  de  vida  e  nível  de  amadurecimento. 
Sendo assim, uma situação de tensão e estresse pode ser negativa para alguns e positiva para 
outros,  contudo,  existe  nessas  duas  circunstâncias  o  meio  interferindo  diretamente  na 
autopercepção e no modo de reação. 
Briggs (1987) ensina que durante a terapia comportamental ocorrem modificações 
da  interação  entre  a  pessoa  e  o  ambiente  onde  se  manifestam  aplicações  sistemáticas  de 
princípios  experimentais  derivados  de  análise  do  comportamento,  levando  a  mudanças 
mensuráveis nesse processo de interação. 
Para ocorrer modificações no comportamento é necessário que exista a percepção 
dos  prejuízos,  caracterização  específica  e  observável  no  cotidiano  presente.  Deste  modo, 
inicia­se pela tomada de consciência, compreensão e desejo de transformação, havendo assim 
o fortalecimento da identidade e auto­estima. 
McLellan,  Bragg  e  Cacciola  (1988)  mencionam  que  a  mudança  e  o 
amadurecimento  são  processos  que  duram  a  vida  inteira.  Quando  alguém  amadurece 
suficientemente,  torna­se  capaz  de  controlar  o  desenvolvimento  e  as  mudanças.  Esse 
desenvolvimento ocorre nos planos físico, emocional, intelectual e social.
67 

Percepção de potencialidades e auto­estima 

Percebemos,  através  desses  relatos,  a  contribuição  do  processo  terapêutico  na 


redefinição  da  autopercepção,  pois  é  durante  o  fazer,  o  criar  e  o  transformar,  que  essas 
mulheres  desenvolveram  em  seu  meio  terapêutico  e  pessoal  a  descoberta  das  capacidades  e 
potencialidades e, conseqüentemente, puderam melhorar a auto­estima e a autonomia. 

[...]  faz  ser  uma  pessoa  útil,  eu  tinha  um  trauma  assim  que  eu  me  sentia 
inútil, e aqui sei que sou capaz de alguma coisa [...] (Orquídea). 

[...]  me  sinto  produtiva...  e  só  com  as  amigas  a  gente  se  sente  muito  bem. 
(Tulipa). 

[...] eu me sinto incluída.... estou participando, não sou de falar muito mas o 
que eu falo eu sinto que serve pra alguma coisa [...] (Camélia). 

[...]  quando  eu  me  sinto  ferida  eu  falo,  não  fico  mais  calada,  aí  eu  falo  e 
pronto. Aí eu to feliz de novo e a vida continua [...] (Jasmim). 

Segundo  Lowen  (1984),  a  auto­expressão,  como  a  manifestação  explícita  da 


individualidade, correspondem à autoconsciência e à autopercepção, que representam os mais 
íntimos aspectos psíquicos da existência individual. 
Através  da  expressão,  o  indivíduo  percebe­se  como  ser  transformador,  tomando 
para si a satisfação e a realização em seu desempenho de atuação. 
Lowen  (1984)  relata  que  a  aquisição  de  conhecimento  e  habilidades  são 
importantes  funções  do  ego,  além  de  relevantes  fontes  de  satisfação  egótica.  O  "eu"  quer 
saber e ser capaz de fazer. 
Conforme  Araújo  (1995),  a  Terapia  Ocupacional  diferentemente  de  outras 
técnicas  psicoterápicas,  fixa  a  transferência,  em  seus  elementos  transicionais:  material, 
ferramenta e objeto. 
Reafirmando­se  em  seu  papel  criativo,  o  indivíduo  internaliza  o  potencial 
desenvolvido  e  constrói  subjetivamente  uma  reflexão  crítica  de  si,  sendo  capaz  de  buscar 
mudanças em seu posicionamento diante da vida. 
Maximino  (2001) descreve como espaço potencial o lugar onde se manifestam as 
experiências  da  vida,  onde  são  possíveis  os  atos  espontâneos, que dependem da liberdade da 
vida instintual.
Durante  o  fazer,  o  criar,  o  transformar,  o  indivíduo  desenvolve,  em  seu  meio 
terapêutico  e  pessoal,  capacidades  e  potencialidades,  conseqüentemente  melhora  sua  auto­
68 

estima. 

Construção simbólica de um espaço seguro 

[...] aqui eu me sinto no meu espaço, porque quando eu to lá em casa não me 
entendem....aqui entendem meu jeito de ser [...] (Jasmim). 

[...] eu me sinto bem, me sinto acolhida, e sinto que eu estou fazendo alguma 
coisa produtiva. (Tulipa). 

[...]  aqui  no  grupo  eu  me  acho  como  se  estivesse  na  minha  casa....aqui  me 
sinto satisfeita [...] (Gardênia). 

Segundo  Pichon­Riviére  (1988),  um  vínculo  é,  então,  um  tipo  particular  de 
relação de objeto. Essa relação particular tem como conseqüência uma conduta que tende a se 
repetir automaticamente, tanto na relação interna, quanto na relação externa com o objeto. 
Observamos  nos  relatos  a  importância  do  vínculo  para  a  confiança  mútua  e  a 
autopercepção positiva dessas mulheres no grupo. O vínculo é essencial para que se forme um 
ambiente  seguro,  estabelecendo­se  primordialmente  nas  relações  dos  componentes  durante  o 
processo grupal, criando um ambiente adequado para formação de elementos terapêuticos. 
Maximino  (2001),  seguindo  a  teoria  de  Winnicott,  revela  a  necessidade  de  um 
ambiente  facilitador,  onde  possa  ocorrer  o  desenvolvimento  emocional  denominado  por 
holding, interligando as necessidades básicas da criança ao senso de proteção materna. 
Mello,  apud  Maximino  (2001),  afirma  que  o  grupo,  no  início,  apresenta­se  não 
integrado,  sendo  a  soma  de  partes  diferentes  não  diretamente  relacionadas  umas  com  as 
outras. Depois, contido pelo holding do terapeuta, evolui para um estágio de integração. 

Reformulação de vínculos afetivos e positivos 

Através  dos  relatos  compreendemos  a  configuração  dinâmica  do  grupo  enquanto 


dispositivo  terapêutico,  onde  a  autopercepção  permeia  as  relações,  possibilitando  o  acúmulo 
de  experiências  e  possibilitando  a  essas  mulheres  a  capacidade  de  transformar­se 
edesenvolver  novas  formas  de  relacionar­se,  transformando  as  experiências  negativas  e 
recriando oportunidade de novos aprendizados e comportamento.
69 

[...]  aqui  a  gente  aprende  com  as  experiências  das  amigas,  as  amigas 
aprendem com a experiência de vida da gente [...] (Orquídea). 

[...]  quando  eu  saio  daqui  vou  todo  tempo  me  lembrando,  to  lá  em  casa 
fazendo  minhas  coisas  me  lembrando  do  grupo,  quando  chega  o  dia  meu 
destino é vim. (Gardênia). 

Me  sinto  muito  feliz  no  grupo  terapêutico  dia  de  terça­feira  com  as  minhas 
colegas, eu to aliviando muita a minha ansiedade [...] (Camélia). 

De  acordo  com  Winnicott  (1990),  a  parte  psíquica  da  pessoa  ocupa­se  com  os 
relacionamentos  mantidos  com  o  mundo  externo,  havendo  uma  elaboração  imaginativa  das 
relações  do  passado,  presente  e  expectativas  futuras  uns  dos  outros,  dando  sentido  ao 
sentimento do eu. 
Pichon­Riviére  (1988)  caracteriza  no  vínculo  uma  relação  do  objeto, 
estabelecendo nessa relação dois parâmetros, sendo esses o vínculo com o  objeto interno e o 
objeto externo, contudo, internalizados. Do ponto de vista social é a nossa relação com o meio 
que  vincula  o  exterior.  Do  outro  ponto  de  vista,  o  psíquico,  está  a  subjetividade,  ou  seja,  a 
simbologia de imagens que o "eu" cria para se relacionar. 

Auto percepção 
no processo 
grupal 

Percepção de  Construção 
potencialidade  Fortalecimento da  simbólica de um 
s e auto­estima  identidade  espaço seguro 

Reformulação de 
vínculos afetivos 
e positivos
70 

5.2.3  Contribuição da atividade no processo terapêutico 

A) Características: 
Pacientes  têm  apresentado  boa  integração,  geralmente  se  reúnem  antes  da  sessão 
onde  têm  oportunidade  de  dialogar,  e  quando  chega  o  horário  da  sessão,  já  estão  bem 
entrosadas. O grupo iniciou às nove horas da manhã e finalizou às onze horas e vinte minutos. 
Participaram  da  sessão  oito  pacientes.  Tem­se  percebido  a  ausência  consecutiva  de  algumas 
pacientes, contudo não diminuiu o ritmo devido o grau de envolvimento das demais. 

B)  Impressões Iniciais: 
A  paciente  demonstrou  bastante  ansiedade  e  agitação  dificultando  o  início  do 
andamento do grupo, devido falar muito, e necessitou de intervenção, o próprio grupo impôs 
limite. O restante do grupo demonstrou tranqüilidade. 

C)  Sessão propriamente dita: 
As  pacientes  realizaram  atividade  produtiva,  sendo  feito  ainda,  paralelamente,  um 
momento  de  verbalização,  onde  foram  questionadas  as  contribuições  das  atividades 
terapêuticas.  Durante  a  atividade  foi  realizado  o  processo  de  finalização  e  pintura  das 
fruteiras. 
Notamos,  consoante  aos  discursos,  que  a  atividade  terapêutica  possibilita  para 
essas  mulheres  a  canalização  da  tensão,  bem  como  a  liberação  somatizada  de  seus 
sentimentos,  demonstrando  ser  um  eficaz  mecanismo  terapêutico,  permitindo  que,  livre  das 
tensões, possam emergir conteúdos internos a serem trabalhados no grupo.
71 

Figura 3. Contribuição da atividade no processo terapêutico 

Alívio dos sintomas negativos 

[...] às vezes a gente fica...com problemas... aí eu chego e desabafo e quando 
eu pego qualquer atividade pra eu fazer eu fico aérea [...] (Margarida). 

[...]  eu  tenho  ansiedade,  uns  problemas  muito  sério  na  mente,  quando  eu 
estou fazendo a atividade esqueço completamente, quando chego em casa, to 
mais calma. (Camélia). 

[...]  quando  eu  chego  aqui  e  faço  os  trabalhos  me  esqueço  de  todos  os 
problemas, me esqueço de tudo [...] (Gardênia). 

O  processo  de  adoecer  psíquico,  representado  através  da  ansiedade  por  toda  a 
sintomatologia  orgânica  e  emocional,  repercute,  em  sua  grande  parte,  devido  à  distorção  na 
relação do sujeito com o meio, sendo recaptadas sensações e percepções negativas deste. Há, 
por  parte  do  sujeito,  um  desgaste  em  centralizar­se  na  sintomatologia, perdendo o foco para 
sua autopercepção real, sendo ainda cometido a auto­estima. 
Rogers  (1977) acredita que uma pessoa pode ser considerada em disfunção se ela
72 

experimenta  ansiedade  e  tem  percepção  de  que  são  inconscientes  com  seu  auto­conceito  e 
incongruentes com suas experiências. 
Brito (2001), seguindo o modelo marxista, acredita que o adoecer está na luta pela 
transformação  social  de  uma  realidade  diferenciada.  Nessa  perspectiva,  o  indivíduo  torna­se 
alheio  a  uma  instituição  ou  uma  sociedade.A  atividade  é  a  base  real  do  tratamento  e  o 
processo terapêutico é democrático, sendo o indivíduo responsável por ele, pelo seu fazer. 
A  terapia  ocupacional  busca  resgatar  o  interesse  e  o  desejo  do  indivíduo  e  se 
concretiza através da atividade, utilizando recursos e materiais, estimulando a autopercepção e 
o  prazer  do  ato,  possibilitando  um  alívio  nos  conflitos  internos  e  melhora  na  relação  com  o 
meio. 
Devemos  considerar  que  os  discursos  evidenciam  um  dos  momentos  mais  ricos  e 
produtivos  no  processo  terapêutico,  pois  se  referem  a  circunstâncias  que  excedem  o  setting 
terapêutico  e  transferem­se  ao  cotidiano  dos  integrantes  do  grupo;  as  mesmas  já  trazem 
consigo  e  comportam­se  de  acordo  com  as  experiências  acumuladas  no  grupo,  utilizando­se 
dos  elementos  adquiridos  no  qual  contribuem  as  atitudes  e  decisões  diante  de  um  conflito, 
concretizando desse modo, a validade e a eficácia terapêuticas. 

Descoberta simbólica do potencial transformador  

[...]  aí  antes  eu  não  ligava  pra  nada  e  agora  já  faço  atividade, antes  eu não 
gostava  né,  aí  agora  me  sinto  bem  fazendo,  faço  e  gosto  muito.  (Amor 
Perfeito). 

[...] eu mudei muitas  coisas, coisas  que eu não sabia antes  de vir pra cá, na 


minha mente [...] (Gardênia). 

[...] quando eu vou entrar numa crise, aí eu lembro do que eu fiz na terça... aí 
eu  respiro,  respiro  que  é  pra  eu  poder  voltar  e  não  ter  o  sistema nervoso, a 
crise. (Rosa). 

Segundo  Lowen  (1984),  a  função  do  ego  na  auto­expressão  é  a  necessidade  de 
reconhecimento.  Cada  ato  consciente  de  auto­expressão  sente­se  incompleto  até  provocar 
reação dos outros membros. 
Durante  a  atividade  o  sujeito  desperta  para  sua capacidade criativa, recebendo do 
grupo o suporte necessário para a valorização de seu potencial. 
Brito (2001) refere que a terapia ocupacional trabalha com o fazer humano. Busca 
conhecer  esse  fazer  e,  através  dele,  criar  possibilidades  terapêuticas.  Tenta  desvelar  a  “cura” 
já existente nesse fazer humano, ou melhor, tenta ativá­la.
73 

A atividade terapêutica, por ser transformadora e prazerosa, nessa relação sujeito e 
objeto  ocorre  a  concretização  prática  e,  em  nível  subjetivo,  ativa  a  capacidade  de  ser 
responsável é ativo em sua própria vida e sentimentos. 
Notamos,  nesses  relatos,  a  continuidade  positiva  da  atividade  na  qual  as 
possibilidades  ultrapassam  os  objetivos  iniciais  de  relaxamento/liberação  e  fixam­se  em 
aspectos em níveis individuais e subjetivos, onde as participantes do grupo experimentaram e 
vivenciaram  novas  possibilidades  de  perceberem­se  livres  das  amarras  preconceituosas  e 
limitações do estresse diário e descobriram­se como pessoas capazes e criativas. 

Percepção da criatividade 

[...]  eu  gosto  muito  de  pintar  aqui,  com  aqueles  trabalhos  eu  descobri  que 
gosto de pintar [...] (orquídea). 

[...]  até  as  coisas  que  pensei  que  eu  que  não  entrava  na  atividade  eu  to 
conseguindo...me sinto bem [...] (Tulipa). 

[...] porque quando eu to pintando eu me acho mesmo feliz na minha pintura, 
mesmo que eu não pinte bem, mas eu me acho feliz. (Gardênia). 

[...]  é  bom  quando  a    gente  ta  fazendo,  a  gente  ta com o pincel na mão... a 


gente vai contribuindo...é ótimo, é maravilhoso [...] (Rosa). 

Lowen (1984) observa que a auto­expressão, a criatividade e o prazer encontram­ 
se  intimamente  relacionados.  Toda  forma  de  auto­expressão  possui  elementos  criativos, 
acarretando prazer e satisfação. 
Segundo Kneller (1997), a criatividade é a descoberta e a expressão de algo que é 
tanto uma novidade para o criador quanto uma realização por si mesma. É na relação  com o 
objeto e no desenvolvimento da práxis que o sujeito internaliza o significado do fazer, criando 
uma  simbologia  nessa  relação,  identificando­se,  transformando­se  e descobrindo novas forma 
de  construir  prazerosa.  Nessa  relação  sujeito  e  objeto  ocorre  a  concretização  prática  e,  em 
nível  subjetivo,  ativa  a  capacidade  de  ser  responsável  é  ativo  em  sua  própria  vida  e 
sentimentos. 
As  referências  positivas  demonstradas nos relatos sugerem uma retomada na ação 
e  pensamentos  dessas  mulheres  em  relação  ao  tratamento  e  uma  perspectiva  delas  mesmas 
diante dos planos futuros e retomadas dos projetos de vida. Essa fase, no processo terapêutico, 
é muito importante, pois, as integrantes já tem uma percepção da força do grupo, conquistas e 
avanços  em  relação  à  abordagem  terapêutica,  havendo  ainda  a  concepção  de  que  cada  um  é
74 

agente transformadora, principalmente de sua própria vida. 

Contribuição para reformulação do projeto de vida 

[...] estou me recuperando, pretendo continuar [...] (Camélia). 

[...]  nós  temos  problemas  e  vejo  que  tem  saída,  que  tudo  tem  fim  basta  a 
gente querer, ter vontade que gente consegue. (Orquídea). 

[...]  naquele  futuro  de  vida,  deu  ta  aqui  atrás  da  minha  saúde,  de  melhoria 
[...] Gardênia). 

[...] tem muitas coisas na vida que a gente tem que saber suportar sem querer 
dar fim na vida...que eu dar meu grito de independência e dizer eu to curada. 
(Rosa). 

Segundo  Rogers  (1977)  tomar  consciência  ou  reconhecer  outros  modos  possíveis 
de  consciência  são  eventos  muito  relacionados  com  uma  maior  amplitude  de  autopercepção. 
Dessa  forma,  o  contato  com  o  outro  no  processo  grupal  permite  uma  visão  ampliada  da 
realidade e sofrimento, a partir do momento  em que o indivíduo permeia no espaço interno e 
externo,  trazendo  conteúdos  internos  ao  ambiente  do  grupo  e  identificando­se  ou 
internalizando características do outro, podendo reformular idéias e objetivos de vida. 
De  acordo  com  Pichon­Rivière  (1988),  no  grupo  operativo,  o  esclarecimento,  a 
comunicação,  a  aprendizagem  e  a  resolução  de  tarefas  coincidem  com  a  cura,  criando­se, 
assim, um novo esquema referencial. 

5.2.4  Evolução terapêutica 

A) Características: 
Grupo  com  boa  integração,  participando  desse  encontro  sete  pacientes,  sendo 
realizada  uma  atividade  corporal  e  produtiva  associada  à  verbalização,  conduzida  por  uma 
temática: evolução terapêutica. A sessão iniciou às 9:00 h e finalizou às 11:20h. 

B)  Impressões Iniciais: 
O  grupo,  apesar  de  estar  com  evasão  de  seus  componentes,  algumas  tiveram 
retorno  médico,  estava  com  boa  sintonia,  demonstrando  prazer  em estar  reunido. A paciente 
MESS apresentou ansiedade e agitação, porém, conseguiu controlar­se.
75 

C)  Sessão Propriamente dita: 
Começamos  a  sessão  com  a  mobilização  corporal  ao  som  de  música  suave 
buscando  relaxamento  global  e  dinâmico.  Iniciamos  pintura  de  frutas  artificiais  para  compor 
um  arranjo  (fruteira),  momento  em  que  foram  questionadas  as  contribuições  do  grupo  e  a 
evolução terapêutica gerando verbalização. 

Figura 4. Evolução terapêutica 

Melhoria na qualidade de vida 

[...]  Agora  já  vou  pra  missa,  saio  na  rua,  já  me  sinto  a  vontade,  já  consigo 
conversar  com  as  pessoas  olhando,  que  antes  eu  não  olhava...  eu  tinha 
vergonha, agora não; eu me sinto super bem, depois que eu entrei aqui eu to 
me sentindo ótima, consigo falar, olhar nos olhos das pessoas, mas antes era 
tímida [...] (Amor Perfeito). 

[...]  Quando  eu  cheguei...  não  tinha  condições  nem  de  cozinhar:  eu  já 
consigo  ir  pra  cozinha,  já  lavo  roupa  gosto  de  lavar  roupa...gosto  do  meu 
canto...eu sinto que melhorei, gosto de ouvir música, gosto do meu mundo e 
gosto das minhas colegas [...] (Rosa). 

[...]  Hoje  eu  me  sinto  feliz,  eu  sei  que  todo  mundo  tem  problema  e  aqui  a 
gente encontra soluções né para os problemas de cada uma e aí hoje me sinto 
bem, to bem. Tenho problemas, mas tenho força de superar. (Orquídea).
76 

Fernandes  (2003)  enfatiza  que  agrupar  pessoas  é  possibilitar  o  surgimento  de 


forças  transformadoras,  já  que  a  existência  humana  é  uma  experiência  ininterrupta  das 
transformações. 
Durante  o  processo  grupal  é  constituído  o  contato  e  troca  de  experiências  desse 
meio,  onde  o  sujeito  tem  consciência  de  seus  sentimentos  mutuamente.  Na  transferência, 
durante  o  processo  grupal,  um  afeto  é  deslocado  de  uma  representação  para  outra.  Esse 
deslocamento  permite  que  os  sentimentos,  os  desejos  e  as  fantasias  reprimidas  ou  recalcadas 
venham à tona. 
No  processo  terapêutico,  o  grupo  os  objetivos  transpõem  a  cura  sintomática 
criando um espaço para correção, crescimento e amadurecimento pessoal. 
De acordo com Rogers (1977), os limites do potencial humano são ainda variáveis 
desconhecidas  e  o  crescimento  pessoal  vai  além  das  fronteiras  do  mero  ajustamento  às 
situações objetivas. 

Mudanças de atitude 

[...]  eu  nunca  fui  em  frente  com  tratamento  nenhum,  e  aqui  eu  to  indo,  eu 
parava...e  aqui  não,  eu  tenho esforço, muita força de vontade, por mais  que 
eu tenha o que fazer, quando chega a hora eu venho.(Tulipa). 

[...] Muitas vezes eu vou entrar numa crise, um pânico vem doido, aí eu digo 
não é assim, é assim que a Perla explicou, é assim e assim que eu faço com 
as colegas do grupo,... aí eu respiro, suspiro e vou aliviando.(Rosa). 

[...]  eu  falava  demais...  meus  familiares  não  me  ouviam,  eu  já  tava  me 
aborrecendo...não  queriam  mais  me  ouvir,  e  hoje  quando  eu  me  sinto 
magoada  eu  digo  uma  só  vez  e  pronto  né?Já  falei,  eles  sabem  o  que  to 
sentindo e pronto, me sinto fortalecida, né? (Orquídea) 

Observamos  nos  discursos  a  demonstração  das  conquistas  e  descobertas  feitas  no 


grupo,  no  qual  potencializam  essas  mulheres  em  suas  capacidades  e  autonomias, 
influenciando  diretamente  na  auto­estima  e  reações  positivas  ao  meio  social.  Desse  modo,  a 
imagem  de  submissão,  a  postura  de  vítima  e  a  doença  vão  dando  espaço  à  segurança, 
mudanças de atitudes e firmeza. 
Brigss  (1987)  refere  que  através  de  um  processo  de  aprendizagem  e  uma  relação 
significativa com outros, o cliente pode aprender como preencher suas necessidades humanas 
básicas. A mudança ocorre enquanto o cliente assimila o processo da auto­satisfação. 
Segundo  Rivière  (1988)  esquema  referencial  é  o  conjunto  de  conhecimentos,  de 
atitudes que cada um de nós tem em sua mente e com o qual trabalha na relação com o mundo
77 

e consigo mesmo. 

Diminuição dos sintomas do uso de medicamentos 

[...] eu era muito nervosa, tudo que eu ia falar era me tremendo, a minha voz 
era trêmula, então eu consegui superar... já to conseguindo falar sem chorar, 
sem tremer, e as atividades me ajudam muito [...] (Margarida). 

[...]  não  tinha  capacidade  de  contar  minha  história  que  chorava...  hoje  sou 
capaz  de  contar  a  minha  história sem chorar, tinha trauma  de incapacidade, 
que é o que eu ouvia do meu esposo, hoje sei que posso aprender...encontrar 
força, né? (Orquídea). 

[...]  hoje  eu  me  sinto  bem  melhor.  Não  tô  tomando  mais  remédio,  o  grupo 
me ajudou muito... a gente pode expressar o que ta sentindo [...] (Tulipa). 

[...]  eu  cheguei  a  tomar  quatro  diazepan  por  dia  e  não  dava  jeito...  hoje  já 
baixou  só  tomo  às  vezes,  é  um  remédio  que  aos  poucos  a  gente  saí  dele. 
(Rosa). 

Os  relatos  destacam  a  força  adquirida,  por  essas  mulheres  durante  o  processo 
grupal,  e  revela  através  da  expressão  verbal  a  capacidade  que  estas  têm  de  serem  ativas  no 
processo de cura, tirando­as da passividade da melhora farmacológica, apenas paliativa. 
Segundo  Carvalho  (2003),  a  ausência  de  atividades  leva  ao  ócio  onde  o  sujeito 
gradativamente irá adquirir hábitos patológicos, se assim o ambiente favorecer. 
De acordo com Brito (2201), o terapeuta ocupacional utiliza­se da atividade como 
meio de intervenção terapêutica e tem como objeto de atenção o ato humano específico onde a 
atividade é como um remédio a ser prescrito pelo profissional. 
Ribeiro  (1994)  refere  que  o  grupo  se  transforma  num  processo  contínuo  de  cura, 
descobrindo,  a  cada  momento,  sua  capacidade  auto­reguladora  e  equilibradora,  em  que  cada 
um  de  seus  membros  colhem  na  atmosfera  grupal,  força  para  a  solução  de  seus  conflitos  e 
compreensão do mistério do outro. 

Fortalecimento pessoal e grupal 

[...] Aqui todas entende, cada uma tem o seu problema, desabafa, chora, mas 
uma  consola  a  outra,  só  quem  sabe  mesmo  como  é  o  problema,  é  quem  já 
passou [...] (Jasmim). 

[...] As minhas colegas de  grupo também a gente conversa... assim alivia as 
vezes  o  que  a  gente  ta  sentindo,  dá  um  conselho,  orienta,  então  quando  eu 
vou pra cá eu fico me sinto melhor [...] (Camélia).
78 

[...]  Aqui  a  gente  tem  as  nossas  amiguinhas,  a  gente  olha  pra  cada  uma,  a 
gente  chega  aqui  com  um  problema,  aí  já  vai  ouvindo  cada  uma  e  vai 
melhorando... encontro aconchego e compreensão [...] (Rosa). 

[...] O grupo me ajuda porque tenho muitas colegas, gente que não conhecia, 
e agora eu gosto de todas como se fosse minha família, estou muito bem [...] 
(Flor do Campo). 

Segundo  Carvalho  (2003)  o  terapeuta  ocupacional, em seu entendimento, permite 


a  construção  de  um  novo  cotidiano  através  das  oportunidades  que  lhe  são  oferecidas  e 
clarifica a real importância da pessoa enquanto sujeito na sua complexidade, pois no processo 
de intervenção, estreitam­se laços de confiança, amizade e afetividade. 
No  grupo,  o  aprendizado  se  dá  através  da  observação,  conscientização,  trocas  e 
reconstrução de comportamentos, sendo a confiança e vinculação afetiva imprescindíveis para 
que isso ocorra. 
Foulkes  apud  Osório  (1986)  compara  o  grupo  a  uma  sala  de  espelhos,  onde  o 
indivíduo  entra  em  confronto  com  a sua imagem social, psicológica e corporal, obtendo uma 
imagem pessoal de si próprio e descobrindo sua identidade real 

Evolução 
Terapêutica 

Diminuição 
dos sintomas e 
uso de  Melhoria na 
medicamentos  qualidade de vida  Mudanças de 
atitude 

Fortalecimento 
pessoal e grupal

5.2.5 Construindo vínculo e fazendo arte 

A) Características: 
Grupo composto por 13 integrantes onde foi trabalhado o sentido de colaboração, 
integração  e  expressão.  Todos  os  integrantes  foram  participativos,  demonstrando  habilidades 
na prática. A sessão iniciou às 9:00h e finalizou às 11:30h. 
79 

B) Impressões Iniciais: 
Grupo  receptivo,  onde  as  pacientes  demonstraram  boa  sintonia  de  sentimentos 
mesmo antes de entrar na sala de grupo. Demonstraram entusiasmo ao ser sugerida a atividade 
da  sessão.  A  paciente  MESS  necessitou  sair  devido  a  sua  ansiedade  e  agitação  estar 
prejudicando o andamento do grupo, sendo encaminhada ao médico. 

C) Sessão propriamente dita: 
Inicialmente, foi colocado pela terapeuta a importância do vínculo e como a forma 
de  relacionar­se  no  grupo  impulsiona  os  integrantes  na  sua  vida  prática,  a  fim  de  por  em 
prática a necessidade de vínculos positivos. É feito um círculo e proposto o contato das mãos, 
formando  duplas,  onde  uma  possa sentir a energia da outra. Depois foi sugerida a confecção 
de um quadro em dupla, onde as pacientes puderam expor os sentimentos que emergiram. 

Figura 5. Construindo vínculo e fazendo arte 

Auto­afirmação expressiva no grupo 

[...] Eu me senti como se fosse uma artista, de tão concentrada que eu tava... 
me senti ótima. (Amor Perfeito).
80 

[...] Foi uma terapia maravilhosa. E a tela então, eu estou aqui deslumbrada, 
olhando  aqui  para  nosso  trabalho  e  eu  estou  me  sentindo  muito  bem  [...] 
(Tulipa). 

[...] Eu estou aqui olhando para o trabalho, né, e estou assim uma verdadeira 
artista. É uma cura para o meu trauma, né, de incapacidade e mostra que eu 
sou  capaz  de  fazer  uma  tela  tão  bela  dessas  e  eu  estou  feliz.  É  um  dos 
trabalhos mais lindos que eu fiz aqui (Orquídea). 

Os  relatos  demonstram  a  capacidade  que  estas  mulheres  têm  de  expandir  seu 
potencial, sendo este o resultado da execução de seu trabalho, no qual o produto causou­lhes 
uma surpresa, pois nem elas mesmas percebiam­se como agentes transformadoras de sua vida 
e de seu ambiente, descobrindo na arte esta mediação. 

A tomada de consciência de seu poder artístico e criativo possibilitou a construção 
do  vínculo, uma vez perdida pela baixa auto­estima e senso  de incapacidade e restituído pela 
capacidade criativa e relação com o objeto. 
Pichon­Rivière  (1988)  define  vínculo  como  uma  relação  particular  com  o  objeto. 
Essa relação particular tem como conseqüência uma conduta com esse objeto, formando uma 
relação que tende a se repetir tanto na relação interna quanto na relação externa com o objeto. 
Segundo  Kneller  (1997),  a  inspiração  é  a  condição  necessária  à  criação  e 
proporciona  a  matéria­prima  à  realização  criadora.  A  auto­realização  implica 
autoconhecimento e autoconfiança. 
De  acordo  com  Rogers  (1977),  se adotarmos a perspectiva de que o ser humano 
tende ao seu crescimento pleno e o busca, a matéria básica da terapia deixa de ser identificada 
pelos  recursos  do  terapeuta  e passa a consistir na tendência e na potencialidade, que existem 
no ser humano, para auto­realização. 
O terapeuta ocupacional utiliza recursos terapêuticos, intercalando e direcionando 
o processo terapêutico em si, onde o foco principal é o indivíduo e suas relações intra e extra 
pessoal.  Este,  por  sua  vez,  serve­se  dos  materiais  terapêuticos  e  desencadeia,  em  si, 
descobertas, capacidades, potencialidades, levando­o a auto­realização individual e grupal. 

Expressão artística dos conteúdos internos 

[...]  a  paz,  eu  me  senti  com  tranqüilidade,  leve  como  no  jardim [...]  (Amor 
Perfeito). 

[...]  Eu  me  senti  na  paz,  uma  tranqüilidade,  me  deu  até  sono  [...] 
(Margarida).
81 

[...] Passamos energia uma pra outra [...] (Hortência). 

[...] Me senti muito serena, assim quase adormecida, muito feliz, parecia que 
tava voando [...] (Flor do Campo). 

Os discursos revelaram a relação de prazer desencadeada através do contato com 
os  sentimentos  positivos  que  emergiram  da  arte  e  vínculo  grupal.  Essa  relação  possibilitou 
que  as  componentes  se  entregassem  à  vivência,  desprovidas  de  resistências  e  mecanismos  de 
fuga.  As  sensações  mobilizaram  uma  experiência  de  autopercepção  e  contato  interno  com 
sentimentos,  geralmente  pouco  experimentados  devido  estarem  bloqueados  por  fatores 
negativos e estressantes. 
Segundo  Oliveira  (1995),  as  atividades  auto­expressivas  permitem  ao  paciente 
viver  um  processo  que  possibilitará  dar  forma  às  desordens  internas  vividas,  pois  na  medida 
em  que  "imagens  do  inconsciente"  vão  sendo  projetadas  tornam­se  possíveis  de  ser 
compreendidas e elaboradas. 
Kneller (1997) refere que ser criativo é realizar­se como pessoa. Cada um de nós 
constitui  um  padrão  singular  de  potencialidades;  cada  um  de  nós  dá  à  vida  e  dela  recebe; 
ainda  mais,  cada  um  de  nós  tem  de  moldar­se  a  si  mesmo  ou  deixar  que  o  moldem  as 
circunstâncias externas. 
Como podemos observar, a arte possibilita a compreensão das imagens internas e 
a  elaboração  dos  sentimentos;  estes,  por  sua  vez,  delimitam  as  relações  internas,  como  nos 
percebemos, e externas, ou seja, nossa interação com o meio. É na relação com o outro e com 
o  ambiente  que  nos  identificamos  e  buscamos  auto­realização  e  desabrochamos  as 
potencialidades. 
Segundo  Pichon­Rivière  (1988),  temos  dois  campos  psicológicos  no  vínculo:  um 
interno  e  outro  externo.  Aquilo  que  mais  nos  interessa  do  ponto  de  vista  psicossocial  é  o 
vínculo  externo,  enquanto  que,  do  ponto  de  vista  psicanalítico,  aquilo  que  nos  interessa  no 
vínculo interno é a forma que o eu tem de relacionar­se com a imagem de um objeto colocado 
dentro do sujeito. 

Transferência expressiva dos sentimentos 

[...]  Eu  senti  como  se  estivesse  num  jardim,  cheio  de  flores,  só  paz... 
justamente  quando  eu  estava  botando  estas  florzinhas,  eu  me  senti  como  se 
eu estivesse ali... só na paz [...] (Amor Perfeito).
82 

[...]  Eu  me  senti  muito  bem,  me  senti  como...  no  momento  que  eu  tava  ali, 
me  senti  como  se  estivesse  num  lugar  bem  calmo,  bem  silencioso,  como  se 
aqui (pintura) fosse um pedaço do céu [...] (Camélia). 

[...] Pra mim foi quase como se estivesse voando para o céu... não me canso 
de olhar, tô me achando muito feliz (Gardênia). 

Podemos perceber que os relatos descrevem as possibilidades que as componentes 
encontraram  de  analisar  as  angústias  e  tensões.  O  processo  artístico  possibilitou  o  alívio  dos 
sintomas negativos, direcionando estas mulheres a uma simbologia imaginária e criativa, onde 
possibilidades de sentimentos diversos emergiram. 
Kneller (1997) refere que o momento da iluminação leva o processo de criação a 
um  clímax.  De  repente  o  criador  percebe  a  solução  de  seu  problema,  o  conceito  que  enfoca 
todos  os  fatos,  o  pensamento  que  completa  a  cadeia  de  idéias  em  que  ele  trabalha.  No 
momento da inspiração tudo entra em seus lugares. 
De acordo com Coutinho (1995), através de uma pintura livre, é possível conhecer 
e demarcar "as relações objetais fantasiosas", permitindo em seguida que o paciente manipule 
e  construa  representações  simbólicas,  para  que  assim  obtenha  gratificações  das  necessidades 
emocionais básicas. 
Fernandes  (2003)  refere  que  a  arte  permite  ao  homem  expressar  e,  ao  mesmo 
tempo, perceber os significados atribuídos a sua vida, em busca de um tênue equilíbrio com o 
meio circundante. 

Fortalecimento de vínculos 

[...]  eu  senti  que  estava  muito  feliz,  arrodiada  de  amigas,  eu  não  sabia qual 
escolher  para  fazer  o  trabalho...  eu  queria  que  fossem todas... mas  só podia 
ser uma... Amo todas (Flor do Campo). 

[...]  na  construção  da  tela  teve  também  a  participação  dela,  tem  aqui  o 
jeitinho dela [...] (Rosa). 

[...]  Eu  gostei  muito  porque  a  gente  sozinha  não  constrói,  tem  que  ter  uma 
colega pra ajudar... Eu gostei muito (Prímula). 

[...]  Pra  mim  foi  ótimo,  foi  um  dos  melhores  dias  de  todos  os  momentos 
maravilhosos  que  eu  passo  aqui,  hoje  foi  um  dos  melhores  dias,  que  essa 
convivência assim com amigas... Foi uma terapia maravilhosa [...] (Tulipa). 

Os  relatos  reforçam  a  temática  inicial  da  vivência  e  torna­se  evidente  nos 
discursos a importância do vínculo positivo e sua influência direta na autoconcepção enquanto
83 

sujeito e sua percepção na importância para com o outro, bem como no processo de interação 
com o meio. 
A  atividade  expressiva  contemplou  e  concretizou  a  afetividade  e  possibilitou  o 
grupo, através do seting terapêutico, torná­la presente por meio da arte. 
De  Pádua  (2003)  descreve  que  o  fazer  em  grupo  pode  facilitar  e  até  mesmo 
transformar  o  fazer,  podendo  ter  características  terapêuticas.  Dessa  maneira,  todos  os 
elementos  relacionados  com  o  fazer,  bem  como  a  relação  que  se  estabelece  ao  longo  do 
processo terapêutico ocupacional são de fundamental importância. 
Fernandes  (2003)  refere  que  o  dispositivo  grupo  é  privilegiado  para  observar  a 
comunicação,  pois  é por meio do  "olho no olho" que se pode captar os gestos, os olhares, a 
voz  e  os  contatos  ou  as  distâncias  especiais,  que  indicam  a  experiência  emocional  do 
momento. 
Segundo  Ribeiro  (1994),  o  grupo  oferece  uma  reação  de  espelho  múltipla,  onde 
cada um pode ver­se espelhado no outro de uma maneira sistemática e sempre persiste. 

Construindo vínculos 
e fazendo arte 

Expressão artística dos  Auto­afirmação  Transferência expressiva 


conteúdos internos  expressiva  dos sentimentos 

Fortalecimento de 
vínculos

5.2.6  Arte e sentimentos 

A) Características: 
Grupo  composto  por  13  componentes  onde  foi  trabalhado  a  expressão  corporal, 
verbal  e  artística  dos  sentimentos  adoecidos,  levando  a  uma  reflexão  e  à  busca  da 
transformação  dos  mesmos.  A  vivência  foi  significativa  e  o  grupo  teve  um  bom 
aproveitamento terapêutico. Iniciando às 9:00h e finalizando às 11:40 h. 
84 

B) Impressões iniciais: 
A paciente JCS estava bastante ansiosa e chorosa devida a uma discussão com seu 
genro,  necessitando  de  atenção  inicial;  além  dela,  a  paciente  Margarida  também  demonstrou 
aflição  devido  à  preocupação  com  o filho, por este estar bebendo muito, merecendo também 
atenção inicial do grupo. 

C) Sessão propriamente dita: 
Esta sessão foi extensa e dividida em quatro etapas: 
1ª etapa: Atividade corporal onde foi utilizada a contração e o relaxamento global 
estimulando a percepção de sentimentos negativos. 
2ª  etapa:  Descarga  de  energia  e  sentimentos  através  de  movimentos  corporais  e 
papéis  (onde  as  pacientes  puderam  rasgar,  amassar,  jogar  etc.).  As  pacientes empenharam­se 
bastante neste momento, algumas cansaram devido à intensidade dos movimentos. Margarida, 
Lírio e Camélia choraram. 
3ª  etapa:  Expressão  através  de  pintura  em  tela  utilizando  as  mãos,  procurando 
transmitir esses sentimentos. Momento muito prazeroso para o grupo. 
4ª etapa: Verbalização da vivência. Percebeu­se que até as pacientes mais caladas, 
verbalizaram com mais facilidade. 
As  participantes  foram  bastante  receptivas  à  atividade  proposta,  demonstrando 
prazer ao realizá­la. 

Figura 6. Arte e sentimentos
85 

Tomada de consciência dos sentimentos 

[...] Eu tive muita raiva durante os trinta e seis anos de casada que eu tenho 
eu  já  passei  muita  raiva,  muita  raiva  mesmo...  eu  sinto  muita  agitação  no 
meu  organismo,  isso  me  prejudica  muito...  choro,  choro  muito  [...] 
(Prímula). 

[...] Eu tento aceitar tudo e ser perfeita, e é isso que vem me adoecendo... eu 
choro, dói o corpo, cabeça , estômago [...] (Orquídea). 

[...]  Meu  sentimento  não  é  de  ter  raiva...  ele  é  mais  calmo,  só  que  o  modo 
deu  agir  eu  só  faço  é  chorar.  Eu  guardo  tudo  pra  mim  e  isso  me  prejudica 
[...] (Dália). 

Através  dos  discursos  podemos  associar  a  interferência  direta  do  modelo  de 
concepção  de  vida  e  valores  que  estas  mulheres  sofreram  ao  longo  do  processo  de 
internalização  e  suas  respostas  através  de  atuação  como  atrizes  sociais e familiares. De certa 
forma, suas posturas de passividade já estavam tão arraigadas que elas não se deram conta de 
que era este comportamento que fomentava o processo de adoecimento. 
A tomada de consciência de seus sentimentos possibilitará a retomada do real e de 
seus desejos, pensamentos e atuação do mesmo. Desenvolvidas através do autoconhecimento, 
autonomia  e  auto­estima,  favorecerão,  finalmente,  mudanças  de  atitudes  e  melhoras  em  seus 
quadros clínicos. 
Segundo Kneller (1997), para que se realize como pessoa criadora, deve­se abrir­ 
se ao mundo. Deve­se confrontar com as coisas na plenitude de seu ser. 
Rogers  (1977)  afirma  que  qualquer  forma  de  terapia  pode  ser  vista  como  um 
processo que interfere na percepção da realidade. Todo indivíduo, em cada momento, constrói 
a sua imagem do real para si mesmo e para as situações que vive. O processo terapêutico deve 
levá­lo a conceituar o mundo e /ou ele mesmo de um modo que lhe satisfaça. 
De  acordo  com  Ponciano  (1994),  no  processo  grupal,  a  cura  ocorre  ou  pode 
ocorrer à razão em que, vendo a dor, o conflito do outro, abro silenciosamente o meu ser para 
acolher  minha  angústia,  meus  medos,  e,  sem  que  ninguém  saiba,  sem  julgamento,  no  meu 
ritmo, posso operar minhas mudanças.
86 

Catarse emocional 

[...]  Na  terapia  eu  botei  meus  estresses  para  fora,  eu  tava estressada com o 
meu marido... Joguei meu estresse naqueles papeizinhos, eu fiz de conta que 
tava tomando banho..eu to leve. (Amor Perfeito). 

[...]  Hoje  aqui  foi  bem,  que  eu  consegui  tirar  o  que  tava  dentro  de  mim, 
agora  to  bem  aliviada,  passei  tudinho  quando  eu  tava  ali  no  jornal  e  no 
quadro  me  aliviou,  eu  tava  muito  pesada,  aí  eu  coloquei  o  sentimento  de 
raiva, muita raiva, eu tava me sentindo muito presa. (Margarida). 

[...]  Eu  tive  a  oportunidade  de  tirar  um  pouco  dos  meus  sentimentos 
negativos...  quando  eu  tava  pintando  eu  botei na tela a tinta com as  mãos  e 
pensei que tava tirando os sentimentos negativos.(Prímula). 

O comentário a respeito da vivência mostra­nos as possibilidades encontradas por 
essas  mulheres  de  liberar  o  estresse  e,  acima  de  tudo,  aliviar  a  angústia  e  sentimentos 
negativos  já  impregnados.  A  atividade  corporal  e  pintura  livre  serviram  como  agentes 
desencadeantes  e  abriram  a  conexão  permitindo  que  os  sentimentos  internos  de  leveza, 
limpeza, alívio, entre outros. 
Segundo  Lowen  (1984)  a  auto­expressão,  como  a  manifestação  explícita  da 
individualidade,  corresponde  à  autoconsciência  e  a  autopercepção,  que  representam  os  mais 
íntimos aspectos psíquicos da existência individual. 
Fernandes  (2003)  define  como  expressão  de  exprimir,  ou  seja,  de  compor  um 
dado atual que corresponda analogamente a um dado ausente ou escondido. Reforça ainda que 
é  preciso  usar  a  expressão.  Ela  é  vista  como  a  manifestação  exterior  do  pensamento  e  dos 
estados psíquicos. 
Coutinho  (1995)  parte  de  pressuposto  de  que  na  atividade  expressiva  os 
pensamentos  e  sentimentos  do  homem  exprimem­se  mais  facilmente  em  imagens  do  que  em 
palavras e de que o inconsciente é revelado por meio de projeção das imagens espontâneas em 
expressão gráfica e plástica. 

Reformulação de sentimentos 

[...] a gente por muito tempo tem raiva e chora, porque eu passei muitos anos 
da  minha  vida,  raiva  que  eu  sentia  e  meu  sentimento  era  só  choro,  depois 
que  eu  to  aqui  eu  não  expresso  mais  desse  modo  de  chorar,  quando  eu fico 
estressada  eu  falo  logo...  é  a  minha  maneira  de  desabafar  e  não  choro. 
(Tulipa) 

[...]  eu  aprendi com essa arte, assim, que às  vezes  a gente precisa ter raiva, 


porque às vezes essa raiva se transforma numa forma construtiva, que aqui a
87 

gente  expressou  raiva  e  transformou  numa  arte  tão  bela,  assim  pode  passar 
para minha vida também. (Orquídea). 

[...]  Pra  mim  essa  arte,  essa  tela  parece  um  caminho,  um  labirinto,  aí  foi 
colocado  vários  sentimentos  de  paixões,  sonhos  de  depressão  ou  de 
saudade... Ta lindo, lindo... e na vida  a gente pode fazer assim , deixar tudo 
bonito também. (Vanília). 

Os discursos demonstram a satisfação dos componentes em conseguir concretizar 
seus  sentimentos.  A  atividade  expressiva  possibilita  esse  processo,  onde  se  busca  ativar  os 
sentimentos  e  estes  se  materializam.  A  conscientização  do  que  se  observa  no  produto  final, 
também  é  reinteriorizada,  contudo  o  mecanismo  ocorre  de  forma  diferenciada,  sendo  mais 
positivo, pois é resultado da função inicial do que eu sinto e apresento ao meio, esse material 
possibilita que se observem os sentimentos, reformulando e transformando­se nas relações de 
cotidiano. 
Segundo Ponciano (1994), o entrar conscientemente nas possibilidades da própria 
fraqueza  conduz  o  indivíduo  e  o  grupo  a  repensar  continuamente  o  seu  próprio  caminho  de 
dor, de abandono, e a procurar soluções aceitáveis. 
Coutinho  (1995)  refere  que  as  atividades  possibilitam  ao  indivíduo  explorar  a 
natureza de seus interesses, necessidades, capacidades e limitações; desenvolver ou recuperar 
uma  série  de  atitudes  sociais  e  interpessoais,  componentes  esses  necessários  para  o  manejo 
dos elementos de seu meio ambiente. 
Rogers  (1977)  afirma  que  o  processo  de  mudanças  na  percepção  é  contínuo  no 
desenvolvimento  humano,  mas  refere­se  com  freqüência  a  idéias  ou  sentimentos  que  o 
indivíduo reluta em admitir. 

Alívio dos sintomas 

[...]  Assim  meu  estresse  que  eu  sou  assim  um  pouco  angustiada,  tipo 
estressada, ai eu expressei na pintura com as mãos aliviei mais. (Tulipa). 

[...] Nessa arte tentei passar esse momento de alegria, que eu esqueci  raiva, 
esqueci  angústia,  só  fiquei  sorrindo,  e  aliviou  muito  que  até  uma  dor  no 
pescoço foi embora. (Camélia). 

[...]  Eu  fazendo  a  pintura  eu  senti  um  alívio  na  minha  cabeça,  pensei  que 
tava pintando um quadro, pensei na minha vida. (Dália). 

[...]  Me  deu  vontade  de  só  pintar,  pintar,  pintar,  aí  eu  fui  relaxando. 
(Jasmim).
88 

Os  registros  mostraram  um  dos  momentos  mais  terapêuticos  do  grupo  onde  é 
comprovada  a  eficácia  do  processo  grupal.  A  arte  canalizou  o  estresse,  a  tensão  e  os 
sentimentos  negativos,  que  por  sua  vez  estavam  representados  na  sintomatologia  corporal, 
emocional e psíquica. Desse modo, a catarse  proporcionou o alívio dos sintomas. 
Este  momento  foi  de  suma  importância,  pois  o grupo experimentou a diminuição 
dos sintomas, através da sua ação própria, acontecendo contrariamente ao habitual, ou seja, a 
forma passiva de aliviar os sintomas em conseqüência do paliativo  farmacológico. A primeira 
experiência  é,  sem  dúvida,  a  mais  significativa,  e  faz  com  que  essas  mulheres  tomem 
consciência do seu poder de transformação. 
De Pádua (2003) refere que em Terapia Ocupacional um grupo de atividade pode 
ser  definido  como  aquele  em  que  os  participantes  se  reúnem  na  presença  do  terapeuta 
ocupacional, para vivenciar experiências relacionadas ao fazer, onde o objetivo é o tratamento 
e tudo que ele implica. 
Fernandes  (2003)  enfatiza  a  necessidade  de  usar  técnicas  em  que  o  ser  humano 
possa  expressar  a  angústia,  sem  mesmo  perceber  o  que  vem  fazendo.  Trazer  seus  aspectos 
inconscientes à flor da pele para que possam ser interpretados e melhor compreendidos. 
Segundo Brito (2001) a terapia ocupacional, tem como objetivo de atenção o ato 
humano  específico.  Sua  preocupação  é  tirar  a  doença  ou  aproximar  o  indivíduo  do  padrão 
normal. A atividade é como um remédio a ser prescrito pelo profissional.
89 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Ao  concluirmos  nossa  pesquisa,  constatamos  a  latência  presente  nas  relações 


familiares e sociais, existindo preconceito em vários aspectos no papel social da mulher. Essa 
violência,  ora  implícita,  ora  explícita,  vitimiza  a  mulher  na  concepção  do  próprio  conceito, 
estendendo­se ainda a nível psíquico e emocional, onde os conflitos existenciais concretizam­ 
se nos sintomas da ansiedade. 
As  vivências  desenvolvidas  no  processo  terapêutico  possibilitaram a abertura para 
a  auto­expressão  e  a  tomada  de  consciência  a  respeito  dos  sentidos  negativos,  favorecendo 
ainda  a  percepção  de  suas  ações  em  relação  ao  processo  de  adoecimento,  onde  as  mesmas 
alimentavam  a  sintomatologia,  a  partir  do  momento  em  que  se  definiam  como  incapazes, 
infelizes, “perturbadas” e agressivas. 
Integrar­se  no  grupo  significou  romper  o  ciclo  dos  sintomas  e  disponibilizar­se  a 
desenvolver outra forma de autopercepção. Em muitas circunstâncias o fator que desencadeia 
o  sofrimento  continuou  existindo,  contudo,  o  poder  de  resolução  e  o  mecanismo  de  ação 
modificou­se, tornando as participantes do grupo mais seguras e independentes. 
Evidenciamos,  através  dos  relatos,  a  interferência  das  relações  vinculares  e 
familiares  na  qualidade  de  vida, existindo uma ambivalência no adoecer afetivo e psíquico. A 
função  da  família  na  construção  da  imagem  dessas  pacientes  enquanto  membro  é  essencial, 
pois  ao  sentir­se  acolhida  ou  rejeitada  irá  projetar  esses  sentimentos  exteriormente  nas 
relações sociais e interiormente, no conceito e somatização desses sentimentos. 
Conseguimos  compreender  com  maior  clareza  o  perfil  das  pacientes  que  são 
atendidas  no  CAPS,  tornando­se  notória  a  repercussão  dos  fatores  social,  educacional  e 
cultural exercendo forte influência nessa população em que muitas adoecem por se sujeitarem 
a  permanecer  em  situações  emocionalmente  insalubres,  pelo  simples  fato  de  manter 
necessidades  básicas,  devido  à  dependência  econômica,  havendo  ainda  uma  carência  de 
oportunidades, sendo emergentes soluções que busquem resgatar a dignidade, a autonomia e o 
prazer pela vida. 
Validamos  a  eficácia  do  grupo  ao  unificarmos  a  teoria  à  prática,  consolidada 
através  dos  relatos  dos  componentes  da  pesquisa,  na  qual  referiram  melhoras  dos  sintomas, 
autocontrole,  mudanças  de  hábito,  auto­realização, descoberta de novas aptidões, diminuição 
dos medicamentos, intensificação de sentimentos positivos, autoconhecimento e auto­estima. 
Ademais,  o  retorno  trazido  pelos  componentes  do  grupo  em  relação  à  influência
90 

positiva do processo terapêutico no seu cotidiano, bem como as recordações das vivências que 
transcendiam  o  setting  terapêutico  e  estendiam­se  até  suas  rotinas  diárias,  possibilitou  a 
observação do real benefício, na qual as pacientes passaram a utilizar­se do espaço terapêutico 
para  encontrarem  mecanismos  de  ações  próprias  para  solucionar  os  conflitos,  substituindo, 
por  meio  dessas  mudanças,  o  uso  de  Diazepan.  Dessa  forma,  haveria,  nessa  interação 
terapeuta/grupo/pacientes,  a  construção  do  papel  do  grupo  em  suas  vidas,  associando  as 
melhorias significativas dos sintomas após ingresso no grupo. 
Podemos  pontuar  entre  os  benefícios  detectados  no  grupo,  a  percepção  de 
potencialidades  e  auto­estima,  a  reformulação  de  vínculos  afetivos,  o  alívio  dos  sintomas,  a 
descoberta  simbólica  do  potencial  transformador,  a  reformulação  de  projeto  de  vida,  o 
fortalecimento pessoal e grupal, a melhoria na qualidade de vida, dentre outros. 
Cabe aqui ressaltar a importância da afetividade para a evolução grupal, sendo esse 
um potente dispositivo terapêutico, estando presente em praticamente todos os momentos das 
vivências,  tais  como  catarse  emocional,  construção  de  vínculos  através  da  escuta  e  da  fala, 
tomada de consciência dos sentimentos e busca da transformação dos mesmos, acolhimento e 
suporte afetivo mútuo, possibilitando a capacidade de doar e receber apoio. 
Evidenciou­se uma sensação de prazer e contentamento a cada evolução, tornando 
o  grupo  bastante  afetivo  e  acolhedor,  permitindo  uma  troca  de  conhecimentos  de  vida, 
experiência e amadurecimento mútuo, de grande valia, não só pelo conhecimento científico da 
pesquisadora,  mais  do  que  isso,  foi  uma  experiência  de  vida  que  possibilitou  uma  nova 
perspectiva como pessoa e cidadã. 
É  necessária  uma  sensibilização  em  relação  aos  órgãos  públicos  no  intuito  de 
direcionar  o  atendimento  no  nível  de  prevenção,  uma  vez  que  a  ansiedade  pode  ser 
inicialmente  considerada  um  transtorno  leve,  fazendo  parte  da  atenção  primária,  sendo 
inadiável também a co­responsabilidade do Programa de Saúde da Família no que diz respeito 
à saúde mental. 
Existe ainda, em Maracanaú, uma necessidade urgente de se criar um programa de 
saúde  mental  que  busque  ampliar  a  rede  que  se  volta  a  esse  tipo  de  atenção,  abrindo  um 
espaço  para  que possamos destacar a importância do atendimento grupal, principalmente nos 
casos leves de ansiedade que abrangem um grande público feminino. O atendimento de saúde 
mental  para  mulheres,  quando  realizado  em  grupo,  viabiliza  as  possibilidades  de  evolução, 
evita o agravamento dos sintomas, potencializa a ação do sujeito de auto­ajuda e  colaboração 
mútua, além de funcionar como uma alternativa que previne o uso dos benzodiazepínicos.
91 

Observamos,  nos  relatos  das  pacientes  ao  ingressarem  no  CAPS,  que  muito 
poderia ser feito para evitar o agravamento dos sintomas ou ainda o desenvolvimento destes. 
Uma  alternativa  seria  a  simples  escuta  dos  conflitos:  muitas  se  queixam  de  que  não  há 
envolvimento  da  própria  equipe  do  PSF,  outra  abordagem  séria,  formação  de  grupos  de 
aconselhamento  e  orientação  como  alternativa  diferenciada  que  evitasse  o  uso  dos 
benzodiazepinicos.  Ela  comportaria,  ainda,  num  aspecto  mais  amplo,  ações  comunitárias, 
identificando  os  problemas  locais  e  criando  articulações  que  mobilizassem  a  modificação 
destes,  vislumbrando  a  saúde,  não  só  pelo  funcionamento  orgânico  adequado  e  sim  pelo 
conjunto bio­psico­social. 
Acredita­se, com o término dessa pesquisa, que existe a possibilidade de acelerar o 
processo de mudança na concepção da imagem feminina, essa já existe, mas ainda em passos 
lentos,  mesmo  assim  é  inconcebível  que  a  mulher  menos  favorecida  seja  desprovida  de 
condições  mínimas  de  vida,  ou  subsista  em  circunstâncias  de  humilhação,  sendo 
progressivamente  castrada  na  sua  existência  humana, afetiva  e psíquica. Apesar de existirem 
circunstâncias  sociais  e  econômicas  precárias  em  grande  parte  do  nosso  país,  há  ainda,  de 
gravidade  equivalente,  uma  estigmatização  da  mulher,  agredindo­a,  vitimando­a,  adoecendo­ 
a.  Diante  dessa  realidade,  nós  como  profissionais  de  saúde  temos  a  responsabilidade  de 
intervir,  pois  a  saúde  não  se  faz  á  parte  do  social  e  cultural.  No  abraço  da  jornada  contra  o 
preconceito e a discriminação, faz­se necessário a criação de novas pesquisas que subsidiem o 
conhecimento e as ações em busca de um novo fazer cultural.
92 

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95 

ANEXOS
96 

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE 

Prezada Senhora: 

Sou  Terapeuta  Ocupacional  e  aluna  do  curso  de  especialização  em  saúde  mental  da 
Escola  de  Saúde  da  Família  Visconde  de  Sabóia,  na  cidade  de  Sobral,  estado  do  Ceará. 
Pretendo, aqui no CAPS de Maracanaú, desenvolver um estudo para avaliar os atendimentos 
nos  grupos  terapêuticos  em  relação  a  sua  eficiência  e  validade,  cujo  título  é:  “Grupo  como 
dispositivo na vida, arte e expressão de mulheres com transtorno de ansiedade”. 
Neste  sentido,  estou  solicitando  a  sua  colaboração  na  participação  da  pesquisa 
respondendo a uma entrevista que será utilizada através de técnicas em grupo focal. Esclareço 
que a abordagem através do grupo focal trata­se de um processo de entrevista feito a partir de 
questionamentos  correspondentes  ao  assunto  da  pesquisa  que  são  aplicados  e  respondidos 
durante  as  sessões  do  processo  grupal,  contendo  questões  de  avaliação  da  situação  pessoal 
anterior  ao  ingresso  no  grupo,  o  processo  grupal  e  terapêutico  em  si  e  as  repercussões  do 
mesmo na sua qualidade de vida e cotidiano. 
Nesta  entrevista  conversaremos  sobre  vários  assuntos,  como  por  exemplo, 
a  cidade  na  qual  a  senhora  mora;  se  é  casada;  se  estudou;  se  tem  filhos;  com  quem  mora; 
motivos  que  causaram  o  transtorno  de  ansiedade;  história  de  vida  passada  e  atual;  seus 
relacionamentos  na  vida  familiar,  social  e  profissional;  comprometimento  pessoal  em  relação 
ao  transtorno; fatores persistentes no transtorno; medicamentos utilizados; seu ingresso neste 
grupo  e  participação  no  mesmo;  efeitos  e  contribuições  do  grupo  em  sua  vida.  Assim,  esta 
entrevista pode durar até uma hora e, para que não  seja perdido nenhum dado que a senhora 
falar,  também  peço  sua  autorização  para  gravá­la.  Também  peço  permissão  para  registrar 
dados de seu prontuário do CAPS. 
Gostaria de deixar claro à senhora que essas informações são sigilosas, não as repassarei 
para  ninguém  e,  principalmente,  o  seu  nome  não  será  em  nenhum momento divulgado. Caso 
se sinta constrangida e envergonhada durante esta nossa entrevista, a senhora tem o direito de 
pedir  para  interrompê­la  sem  causar  qualquer  mudança  em  seu  atendimento.  Mesmo  se  não 
aceitar  participar  do  estudo,  a  senhora  será  atendida  normalmente  aqui  no  CAPS  de 
Maracanaú. 
Os  dados  obtidos  nesta  entrevista  serão  de  grande  importância  e  farão  parte  do  meu 
trabalho  de  conclusão  da  especialização  em  saúde  mental,  sempre  respeitando  o  caráter 
confidencial  do  seu  nome.  Pretendo  com  esta  pesquisa  obter  informações  mais  apuradas  a 
respeito  dos  aspectos  sociais,  sua  correlação com o transtorno de ansiedade e a contribuição 
do grupo aos mesmos. 
Informo ainda que:
· Mesmo  tendo  aceitado  participar,  se  por  qualquer  motivo,  durante  o  andamento  da 
pesquisa, resolver desistir, tem toda a liberdade para retirar o seu consentimento.
· Sua colaboração e participação poderão trazer benefícios para o desenvolvimento da 
ciência  e  para  a  melhoria  da  assistência  nos  atendimentos  e  abordagens  grupais  a 
mulheres com transtorno de ansiedade.
· Responder  a  esta  entrevista  não  trará  nenhum  risco  para  você,  entretanto  caso  se 
sinta constrangida em responder alguma pergunta, interromperemos a mesma.
· Estarei  disponível  diariamente  para  qualquer  outro  esclarecimento  no  CAPS  de 
Maracanaú.
97 

Caso queira reclamar sobre este trabalho, poderá dirigir­se pessoalmente à coordenação 
do CAPS, ou fazê­lo por escrito e entregar na sala da coordenação. Em face a estes motivos, 
gostaria muito de contar com a sua colaboração. 

Atenciosamente, 

Perla Madalena Soares Beserra 
Terapeuta Ocupacional 
CREFITO 6246 TO 

Consentimento pós­informado 

Declaro  que  tomei  consentimento  do  estudo  que  pretende  avaliar  os  efeitos  e 
contribuição do grupo nas mulheres com transtorno de ansiedade no município de Maracanaú, 
cujo título é: “Grupo como dispositivo na vida, arte e expressão de mulheres com transtorno 
de  ansiedade”  realizado  pela  pesquisadora  Perla  Madalena  Soares  Beserra,  compreendi  seus 
propósitos, concordo em participar da pesquisa, não me oponho  à gravação da entrevista e à 
pesquisa  em  meu  prontuário  e  também  que,  em  qualquer  momento,  posso  retirar  o  meu 
consentimento em participar da referida pesquisa. 

Maracanaú, _____ de _________________ de 2006. 

____________________________________________ 
Assinatura do paciente
98 

ROTEIRO DE PESQUISA DO PRONTUÁRIO 

1.  Assiduidade na consulta. 
2.  Tempo de interconsultas. 
3.  Relatos  sobre  efeitos  da  medicação,  posologia,  crises  de  ansiedade,  capacidade  de 
contornar situações ou necessidade de aumento de doses. 
4.  Queixas diversas. 
5.  Relato de evoluções e referências ao grupo. 
6.  Monitorização de doses.

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