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Doutor da Igreja
PROPOSIÇÃO XII. O cristão não deve prestar obediência à ordem que lhe
for feita (ainda que feita pelo Sumo Pontífice) se primeiro não houver
examinado se a ordem, na medida em que o exige a matéria, é
conveniente e legítima e obrigatória; e aquele que sem exame algum da
ordem a executa, obedecendo às cegas, comete pecado.
RESPOSTA. Essa proposição se poderia esperar de qualquer um, menos de
pessoas religiosas; mas, deixando de lado a sua origem, que a nós
pouco importa, digo que essa proposição é diretamente contrária aos
Santos Padres; que não se encontra em nenhum bom autor; que enerva a
disciplina de toda congregação bem ordenada, seja espiritual ou
temporal; e é em tudo conforme à doutrina dos luteranos e outros
hereges de nosso tempo.
Não chego a dizer que seja pecado por vezes examinar o preceito do
superior, mas digo que não é pecado não o examinar, bem como que a
obediência é mais perfeita e mais agrada a Deus quando se obedece
simplesmente, sem examinar a ordem, não cuidando de saber por que o
superior ordena, bastando-lhe saber que ordena; sempre, porém,
excetuando quando a ordem contenha pecado manifesto, pois aí não há
ocasião de examinar, devendo-se obedecer antes a Deus do que aos
homens; e, se me fosse dito que quando é duvidoso se a ordem contém ou
não pecado, dever-se-ia então examiná-la para não se pôr em perigo de
pecar, eu responderei com São Bernardo que quando não há nela pecado
manifesto, não se há de examiná-la, nem há aí perigo de pecar, porque
na dúvida o súdito deve remeter-se ao superior e tem de pressupor que
este ordene bem; e eis as palavras dele, no livro De precepto, et
dispensatione [Sobre o preceito e a dispensa]:
“Dir-me-eis, talvez, que os homens podem enganar-se sobre a vontade de
Deus nas coisas duvidosas, e ordenar errado. Que vos importa? Não
tendes culpa nenhuma nesse caso.” [Sed homines (inquis) facile falli
in Dei voluntate de rebus dubiis percipienda, et praecipienda fallere
possunt; sed enim quid hoc refert tua, qui conscius non es?]
E, pouco adiante:
“Aquele, pois, que está no lugar de Deus perante nós, devemos ouvi-lo
como se ouvíssemos a Deus mesmo, em tudo aquilo que não é abertamente
contra Deus.” [Ipsum proinde, quem pro Deo habemus, tamquam Deum in
his, quae aperte non sunt contra Deum, audire debemus.]
Todos esses onze doutores Santos teriam errado, e haveria que corrigi-
los, se os sete doutores de Veneza dizem a verdade. Mas, que eles não
tenham errado, disso dá testemunho Deus onipotente, que com milagres
estupendos confirmou a obediência simples e pronta sem examinar a
ordem do superior.
Escreve Severo Sulpício, no primeiro diálogo dos milagres dos eremitas
do Oriente, que um simples monge ao qual se mandou levar todo dia
água, a cinco quilômetros de distância, para regar um bastão seco
fincado na terra seca e estéril pelo Abade, a fim de que florescesse,
fez isso prontamente por obediência, e Deus fez o bastão seco dar flor
e se tornar árvore, chamada por esse fato de a árvore da obediência.
O mesmo autor, no mesmo lugar, relata um outro que, mandado pelo
superior entrar numa fornalha ardente, sem examinar a ordem, a qual
simplesmente não fora dada para ser executada mas como prova de
obediência, movido – como se deve crer piamente – por particular
instinto divino, pulou na fornalha e ali ficou o quanto foi preciso, e
saiu sem dano às vestes não mais que à sua pessoa, tendo cedido as
chamas do fogo ao ardor da perfeita obediência; e isso que escreve
Sulpício do fogo, São Gregório escreve da água no 2.º Diálogo, cap. 7,
onde diz que São Mauro por obediência caminhou sobre as águas, como se
andasse sobre a terra.
Muitos outros milagres contam, tanto Sulpício em seus diálogos, quanto
Cassiano nos seus livros De institutis renunciantium, que omito por
brevidade.
Peço agora aos sete doutores que me deem um autor santo, ou ao menos
católico, que afirme aquela sua proposição. Considerei todas as
palavras que gastam para provar essa proposição décima-segunda, e não
encontrei que aleguem em favor dela outro além do Cardeal Toleto,
dizendo:
“Essa proposição é doutrina do Cardeal Toleto, o qual, em seu livro
Instructio Sacerdotum [Instrução aos sacerdotes], tomo 5, cap. 4,
assim escreve, falando da residência episcopal: Quando o Papa
encarrega um bispo de algum negócio que exige a ausência deste por um
tempo, este pode se ausentar; mas não basta obedecer, há que ser uma
obediência devida; pois, na ausência de causa razoável, um preceito
não devemos obedecer. [Cum enim Papa imponit aliquod negotium
episcopo, quod requirit ad tempus absentiam, abesse potest: sed
allende, quodnon sufficit obedientia tantum, sed debita, quia cum
absque caussa rationabili aliquid praecipitur, non debemus obedire].”
Aí estão todos os autores que eles citam em prol de sua sentença.
Ao que, nós respondemos: primeiro, que o Cardeal Toleto não trata da
obediência em geral, nem põe in terminis a proposição deles de que o
súdito seja obrigado a examinar o mandamento do superior e peque se
não o fizer. E nós, pelo contrário, alegamos muitos santos que louvam
a obediência daqueles que não examinam o mandamento do superior.
Segundo, respondemos que o Cardeal Toleto fala de um caso em que
ocorrem duas ordens que parecem contrárias, pois o bispo tem um
mandamento do sacro concílio, e por consequência do Sumo Pontífice que
aprovou o concílio, de residir na sua diocese; por onde, quando o Papa
manda-o sair para longe da diocese, pode merecidamente duvidar de qual
dos dois mandamentos deve obedecer, máxime que a obediência de ficar
fora da diocese carrega em si a dispensa para não residir, e as
dispensas não valem in foro conscientiae quando não há causa legítima;
e assim entendo as palavras do Cardeal Toleto, Cum absque caussa
rationabili aliquid praecipitur non debemus obedire, ou seja, que não
devemos obedecer em detrimento de outro mandamento mais importante;
pois, quando não há tal detrimento, deve-se simplesmente obedecer
ainda que o mandamento seja sem causa razoável, dado que não contenha
pecado expresso.
Assim, dado que os sete doutores não têm autor onde apoiar-se, e nós
temo-los aos montes, permaneceremos em nossa sentença, sobretudo
porque, como se disse no princípio, esse ensinamento de examinar os
preceitos não é outro que o de tornar os súditos juízes de seus
superiores e abrir a porta à rebelião e à contumácia.
Certamente que, se no exército devessem os soldados examinar as ordens
do General, máxime quando são mandados a invadir alguma cidade, poucas
vitórias seriam contadas; e por isso os antigos romanos eram tão
rígidos cobradores da simples obediência nos soldados, que não
admitiam desculpa nem interpretação alguma. Daí que Torquato puniu com
a pena capital o próprio filho, porque sem obediência havia combatido,
embora tivesse vencido.
Nos governos políticos, se toda a vez que o Príncipe emite um edito de
que não se faça isto ou aquilo, fosse lícito, ou melhor dizendo,
conforme os sete doutores, fosse obrigatório sob pena de pecado não
admitir essas ordens sem examiná-las diligentemente, e em seguida não
as executar se não lhes parecessem convenientes, vão seria o poder
público, nem se poderiam governar as cidades ou as províncias.
Igualmente, quando o Bispo prega ao povo, e manda aquilo que devem
crer, e obrar, para salvar-se, se os ouvintes fossem obrigados a
examinar esses preceitos do Prelado, que confusão não nasceria na
Igreja? Aquela, por certo, que hoje vemos nas congregações dos
luteranos, onde cada qual se faz juiz, segundo a sua consciência, das
decisões acerca da fé ou costumes dadas pelos ministros, nem se podem
lamentar dessa insolência os seus líderes, pois foram eles que os
ensinaram a fazer-se censores e juízes de seus superiores, dando a
essa desobediência o nome de liberdade de consciência.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
São Roberto Cardeal BELLARMINO, S.J., Sobre a obediência cega e sem
exame. Refutação à Proposição XII dos Sete teólogos de Veneza, Roma,
1606; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-WV
de: Risposta al trattato dei sette teologi di Venezia sopra
l’interdetto della Santità di nostro Signore Papa Paolo V, in: Roberti
Cardinali Bellarmini Opera Omnia, Tomi Quarti pars II, Ad
Controversias Additamenta, et opuscula varia polemica, Nápoles, 1856,
pp. 453-473,
http://books.google.com/books?id=0DgAAAAAYAAJ&pg=PA453
http://books.google.com.br/books?id=dHFFAAAAcAAJ
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
This entry was posted on 18 setembro 2011 at 1:22 and is filed under
Doutrina, Método. Você pode acompanhar qualquer resposta para esta
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7 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – X”
1. Sandro de Pontes Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
4. Irmão Bento Disse:
Pax !
Foi nestes tempos que eu conheci o Revmo. Padre George Petrenko, hoje
bispo Gregorio, com quem mantive relações de amizade e respeito ainda
que distantes, por todos estes anos. No entanto, recentemente, após eu
ter tomado conhecimento de estar entre eles como monge um antigo
companheiro de fundação sedevacantista, o Senhor Claudio Alberto
Fernandes ( Ir. Pio Maria ), uma nova fase de aproximação se tornou
possível, principalmente por conta do projeto de vida monástica deste
antigo companheiro de acordo com os cânones da Igreja Russa apoiados
pelo bispo Gregório.
Mas permaneço a sua disposição para aclarar qualquer ponto sobre esta
minha conduta em relação a Igreja Russa, garantindo também ao senhor
que rechaço todo erro, toda heresia e todo cisma que os Orientais, por
questões diversas, de múltiplos aspectos, acabaram caindo ao longo do
tempo, tanto quanto rechaço os erros, heresias e cismas que
aconteceram por aqui, no Ocidente, desde o triunfo do Humanismo, da
heresia Luterana, do Naturalismo, do Liberalismo e por fim do
Modernismo condenado por São Pio X, mas inteiramente assimilado pelo
herético conciliábulo do Vaticano II com seus falsos papas e seus
falsos bispos e padres.
In Xto,
http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=625 )
Sobre essas questões, trata-se mais longamente nos Apêndices III e IV
do livro do Rev. Pe. Hervé BELMONT, As Sagrações Episcopais Sem
Mandato Apostólico em questão, 2000, http://wp.me/pw2MJ-r2
Leitura recomendabilíssima. Com cuja recomendação, porém, não quero
dizer que creia o senhor idôneo para o sacerdócio, antes, se me perdoa
a franqueza, devo dizer que o oposto é bastante manifesto, como me
parece provar-se, a seguir, pelas palavras do senhor mesmo.
4. O senhor prossegue afirmando “apreço pela espiritualidade da Igreja
Russa. Com certeza o mesmo apreço que levou Pio XII a fundar o
Russicum para formar padres para serem enviados à Rússia comunista e
poderem salvar o povo russo do jugo dos soviéticos anticristãos e
anti-católicos.”
Há aí uma maneira bastante peculiar de formular os desejos do Papa! Na
realidade, a missão do idealizador do Russicum Mons. D’Herbigny, por
exemplo, na Rússia, era restabelecer a Hierarquia Católica Romana no
país e não apenas um vago anticomunismo; foi para esse fim que o então
Cardeal Pacelli recebeu ordens do Papa Pio XI de sagrá-lo secretamente
bispo in partibus de Illium, ou seja Tróia…
5. O senhor fala em “apostasia de Roma”, mas, na realidade, a Igreja
de Roma é indefectível, e o que hoje faz as vezes de Roma é uma falsa
igreja, uma anti-igreja, comandada por “Romanos” que não são
verdadeiramente tais, como notou mesmo um bispo da FSSPX, nesse ponto,
lamento dizer, mais ortodoxo que o senhor:
“Não creiam que as discussões que teremos com Roma – se Deus o
permitir – tenham por objetivo depor as armas ou fazer a paz, não se
trata disso. Trata-se de convencer os hereges de suas heresias. Trata-
se de convencer de erro os ‘Romanos’ que não são verdadeiros Romanos.
Não se trata de fazer a paz. Será preciso combater longamente,
longamente continuar a combater, caros fiéis.”
(bispo Bernard TISSIER DE MALLERAIS, Conferência de 5-VI-2009, cit.
em: Lettre des dominicains d’Avrillé [Circular dos dominicanos de
Avrillé], de junho de 2009, p. 5).
O senhor dá toda a mostra de confundir tragicamente – talvez em razão
de suas tantas idas e vindas entre as duas? – a Igreja Católica Romana
com a Igreja Conciliar! Senão vejamos.
6. Voltando às razões profundas do mandato entre aspas acima, as
mesmas sem dúvida do apostatar entre aspas abaixo, o que francamente
beira o insulto à inteligência e boa fé de nós, católicos apostólicos
romanos, é o senhor vir ainda afirmar:
“E hoje, depois de tantos dissabores, de tantas perseguições, de
tantos escândalos, de tantas perplexidades, de fato eu me vejo não
numa situação de ‘apostatar’ para a Igreja Russa, mas de considerar de
forma justa os acontecimentos históricos que envolvem os caminhos
desta Igreja e Roma, e considerar a sucessão apostólica de seus
bispos, a legitimidade de seus sacramentos e costumes. Mas adianto ao
senhor que não tenho a menor pretensão de deixar de pertencer a Igreja
Una, Sancta, Catholica e Apostólica. [...] Essa procura se desenvolva
num clima de estudos de toda a situação da Igreja Russa, de sua
doutrina, seus costumes, sua liturgia e sua noção de catolicidade. Mas
a coisa se mantém apenas neste nível. E para isso tenho mantido
conversar com o Bispo Gregorio e com o Monge Clemente Fernandes. [...]
O que eu posso lhe garantir, diante de Deus, é que eu jamais vou
deixar de pertencer a Igreja Católica, e bem entendida, em toda sua
extensão católica, verdadeiramente universal, amparando, abrigando e
defendendo todo o passado que nos liga a espiritualidade e a teologia
dos Patriarcados de Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Constantinopla,
bem como sua Liturgia, formas de piedade e costumes santos. Mas
permaneço a sua disposição para aclarar qualquer ponto sobre esta
minha conduta em relação a Igreja Russa, garantindo também ao senhor
que rechaço todo erro, toda heresia e todo cisma que os Orientais, por
questões diversas, de múltiplos aspectos, acabaram caindo ao longo do
tempo [...].”
Prezado Prof. Viana, como não se espantar e indignar por o senhor
tentar usar aí comigo de linguagem ecumênica, ambígua, inclusiva,
anfibológica, ao mesmo tempo que condena o ecumenismo do conciliábulo
vaticano II como herético?!
Não existe Igreja Católica que não a Católica Romana.
É sempre a contradição, assim como quando o senhor fazia as mais
violentas invectivas contra a FSSPX, ao mesmo tempo que mantinha laços
de confidente e difusor das fofocas pérfidas da Sra. Gríma, esposa do
finado e saudoso Prof. Théoden, cujo ódio por mim, aliás, é ao senhor
que agradeço por me fazê-lo ver com tantos anos de atraso, a mim que a
considerava quase uma mãe, eu que sou tão estúpido com esse gênero de
juízos…
Pois do diálogo seguinte, entre o senhor e dois católicos, depreende-
se insofismavelmente que Bento XVI não é o único Bento que
manifestamente perdeu a fé:
CELINA VIEIRA – Irmão Bento, o senhor é frade? (08 de setembro às
20:04)
IRMÃO BENTO – Cara Celina, eu sou monge beneditino, e estou em vias de
passar para a Igreja Russa, com a graça de Deus Nosso Senhor e de Sua
Santa Mae, a Bendita e gloriosa Sempre Virgem Maria. (08 de setembro
às 20:05)
CELINA VIEIRA – Vixe Irmão Bento?! mas e o papa? não gosta dele? e a
infiltração da kgb na igreja russa? não seria o contrario, os russos
reatarem com roma, com pedro, com o papa? (08 de setembro às 20:16)
IRMÃO BENTO – Celina, o papa é o Patriarca e bispo de Roma, mas a
Igreja até o século XI já era composta de 5 grandes patriarcados, a
saber Jerusalem, Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Roma… Qto a
Igreja q eu estou é a do Exilio, q fugiu da Russia por resistir a KGB
e ao imperio comunista. (08 de setembro às 20:18)
CELINA VIEIRA – Irmao, Pedro foi eleito por Cristo, haviam sim
inclusive as sete igrejas da asia menor, destruidas pelo islã, a
unidade da igreja de cristo tem como principe o papa, o trono de
pedro. o cisma da russia com roma deveria ser revertido, mas a
autoridade do papa foi instituida por jesus, estou certa ou errada?
(08 de setembro às 20:25)
IRMÃO BENTO – Celina, é dificil entender a grande crise q culminou
naquelas excomunhoes reciprocas dos tempos de Miguel Celulário. Mas o
fato é q a Igreja de Cristo, naquela epoca, era constituida em 5
grandes patriarcados: Jerusalem, Antioquia, Alexandria, Constantinopla
e Roma… Com a excomunhao deixada sob o altar pelo legado pontificio,
Roma se separou da comunhao dos outros patriarcados, q se mantiveram
em uniao… (08 de setembro às 20:28)
CELINA VIEIRA – Caro irmao, com todo respeito, creio eu que quem se
separou da comunhão não foi Roma, uma vez que havia sim um “Pedro”,
desde sempre, mas enfim. Que a paz esteja convosco. (08 de setembro às
20:39)
IRMÃO BENTO – Celina, q a Paz esteja no seu coraçao! O q eu quis
mostrar, e q pode ser visto em qualquer bom livro de história, e q
houve um problema envolvendo o Patriarca de Constantinopla e Roma. E
várias foram as tentativas de soluçao. Mas todas fracassaram. E nesse
cômputo de 5 patriarcados, quatro permaneceram como estavam, e Roma
seguiu outro caminho… As excomunhoes até já foram levantadas por um
ato histórico de Paulo VI e Atenagoras, Patriarca de Constantinopla…
(08 de setembro às 20:50)
CESAR MORTARI – Caro irmão Bento. Concordando com todas vossas
exposições, apenas esclareço para Celina q não havia hierarquia entre
os Patriarcados. Rogando por Vossas orações. Humildemente. P.D.César.
(08 de setembro às 20:46)
JOEL PINHEIRO DA FONSECA – Irmão Bento Maria, o patriarco histórico de
Constantinopla e Antioquia não permaneceram em união com o restante da
Igreja. Separaram-se na época do cisma monofisita. O que Bizâncio fez
foi estabelecer patriarcados BIZANTINOS nesses lugares, que
supostamente suplantaram os originais (que inclusive tinham, e ainda
preservam, ritos próprios). (08 de setembro às 21:41)
IRMÃO BENTO – Caro Sr. Joel, Constantinopla, enquanto patriarcado,
permaneceu integro na fé ortodoxa, e na união com os demais
patriarcados do Oriente. O monofisismo foi uma heresia defendida
inicialmente por Eutiques, membro do clero de Constantinopla, como uma
reaçao ao Nestorianismo. Mas ele foi justamente condenado pelo
Patriarca Flaviano em 448. Ou seja, sua doutrina foi rejeitada pelo
Patriarca de Constantinopla e ele foi condenado como herege. Ali quem
se separou foram os Armenios, seguidos pelos Sírios e Coptas. Mas o
Patriarcado de Constantinopla rejeitou essa heresia e não houve ai,
como o senhor disse acima, nenhuma ruptura com Roma. (08 de setembro
às 23:02)
JOEL PINHEIRO DA FONSECA – Eu sei, Irmão Bento. O que eu quis dizer é
que os Patriarcados de Alexandria e Antioquia se separaram de Roma e
de Constantinopla. A situação atual não é Roma de um lado e os quatro
outros do outro. É Roma de um lado, Constantinopla e suas filhas de
outro, e Alexandria + Antioquia de outro.
O que você diz: “quatro continuaram como estvaam, Roma seguiu outro
caminho” não é verdade. Parte dessas quatro já havia se separado
antes, formando um outro grupo.
Em JMJ,
Felipe Coelho
6. Irmão Bento Disse:
Devo escrever.
Agora faço outrossim por caridade. Sim, por caridade! Pois é chocante
e escandaloso o seu proceder, sicrano “irmão Bento Maria”. Que as
pessoas não o imitem.
Não é o ódio pela sua pessoa que me leva a escrever assim, porém o
ódio pela sua conduta.
JMJTJ
Acies Ordinata
“Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”
« Textos essenciais em tradução inédita – XXI
Textos essenciais em tradução inédita – XXIII »
O texto essencial em tradução inédita
By aciesordinata
[N.d.T. – A conferência a seguir é a melhor introdução ao
sedevacantismo de que tenho notícia e, assim, a grande defesa atual da
honra da Santa Madre Igreja Católica e do Papado contra tantos erros
que os aviltam e diminuem, das mais variadas procedências, e sem
prejulgar das intenções de seus difusores, não raro possuidores de
maior ciência e virtude do que nós. Para facilitar eventual segunda
leitura e estudo, acrescentei no final um Índice: a divisão do texto
em breves capítulos e o título a estes atribuído são de minha
responsabilidade somente. Peço de antemão o perdão do leitor por
traduzir, quando o palestrante se dirige à audiência, o “you” inglês
pelo menos suscetível de uso formal “você(s)”, e não por “vós” nem
“senhor(es)” como seria talvez mais adequado, mas me parece que daria
menos fluência ao texto, cujo estilo oral foi mantido. AMDGVM, Felipe
Coelho]
_____________
A Crise Impossível
(2002 / 2009)
John DALY
Reverendos Padres, Senhoras e Senhores,
Esta conferência dedica-se a apresentar os argumentos em favor do
sedevacantismo. Antes de começar, eu gostaria de me certificar de que
todos nós sabemos o que o sedevacantismo é, e o que ele não é. O
sedevacantismo é a convicção de que a Santa Sé está vacante. Se você
crê que a Igreja Católica hoje não tem papa – não tem um verdadeiro,
válido e legítimo sucessor de São Pedro – você é sedevacantista; do
contrário, você não é.
Enfatizo que o sedevacantismo não é um movimento. Há sedevacantistas
que só vão à Missa de padres sedevacantistas; há outros que vão
alhures, e outros ainda que nem vão à Missa. Semelhantemente, é claro,
há pessoas que vão à Missa de padres sedevacantistas sem serem, elas
próprias, sedevacantistas. Assim, o sedevacantismo não diz respeito a
com quem você se associa, assim como não se trata de se você pensa que
as mulheres devem ou não usar calças, ou sua opinião sobre rastros
químicos ou o estado dental do Arcebispo Thuc; trata-se de se você
reconhece ou não João Paulo II como cabeça visível da Igreja de
Cristo.
E, dado que é uma convicção, não um movimento, o sedevacantismo como
tal não tem nenhum objetivo nem exerce qualquer atividade específica.
Se vocês vieram aqui hoje na esperança de nos ouvir falar sobre o meio
mais eficaz de restaurar a ordem católica, ou de aumentar o número de
católicos tradicionais, ou de conseguir mais assinantes para revistas
tradicionais, vocês ficarão desapontados. O escopo das duas
conferências que vocês ouvirão não é sobre se o sedevacantismo é útil.
Restringe-se a se o sedevacantismo é verdadeiro. E, se é verdade que
João Paulo II não é o Vigário de Cristo, essa verdade continuará sendo
obstinadamente verdadeira, gostemos ou não, e bem independentemente do
que fizermos a respeito. Um escritor proeminente do Remnant disse,
recentemente, que o sedevacantismo vai matar o movimento
tradicionalista. Isso não é verdade, mas, o que é ainda mais
importante, isso não é relevante. Não se vocês amam a verdade.
Há muitos fatos que são pouco conhecidos e muito inconvenientes, mas
não deixam de ser fatos. Se você descobre um caroço tumoral debaixo do
braço, ou percebe que suas despesas mensais estão excedendo a sua
renda, ou que há um barulho e odor estranhos saindo do motor do seu
carro quando você dirige… você normalmente não considera se o câncer,
a falência ou um bloco de cilindros rachado são desejáveis ou
populares: você quer saber a verdade, não importa o quão inconveniente
ela seja. E a verdade será baseada em provas. No caso da verdade
católica, será baseada no que a Igreja nos diz por meio dos
ensinamentos dela, das leis dela, dos teólogos dela, etc.
A palavra sedevacantista, é claro, é um neologismo: uma palavra
inventada no fim dos anos 70. É um rótulo conveniente, assim como a
palavra tradicionalista; os de fora sempre inventam rótulos
convenientes para identificar os grupos, e esses rótulos
frequentemente colam. O importante é ir além do rótulo e entender o
que ele significa. Eis um teste: se você entendeu corretamente o que a
palavra sedevacantista quer dizer, você vai se dar conta de que, toda
vez que um papa morre, o mundo católico inteiro é sedevacantista. E,
se você não é ainda sedevacantista, então você é sede-ocupantista. É
uma coisa ou outra.
E é claro que o sedevacantismo não tem nada a ver com rejeitar o
Papado. Nós aceitamos todos os papas, mas não pensamos que Karol
Wojtyla é um. E baseamos essa convicção no ensinamento e leis da
Igreja Católica.
Hoje vocês ouvirão duas conferências sobre o sedevacantismo, e cada
uma delas apresenta um argumento básico diferente, porque há duas
maneiras fundamentalmente diferentes de provar que João Paulo II não é
papa. Quero que elas estejam claramente distinguidas na cabeça de
vocês. [Nota do Editor (da revista The Four Marks, edição de abr. 2009
— NdT): Uma versão amplamente expandida da outra conferência, dada por
John Lane, encontra-se na pág. 5, continuando do mês passado.]
Suponham que alguém lhes ofereça um anel de ouro maciço, mas que, na
realidade, é uma bijuteria. Há duas maneiras possíveis de mostrar que
ele é fajuto. A primeira é mostrar que ele não possui alguma
característica que o ouro precisa ter: sua gravidade específica ou sua
reação ao ácido nítrico. A segunda é mostrar que ele na realidade é
outra coisa, muito diferente do ouro e incompatível com ser ouro. Por
exemplo, vocês passam um ímã sobre o objeto, e ele pula e gruda no
ímã. Vocês sabem de imediato que vocês têm ferro e, portanto, não ouro
maciço.
Considerando João Paulo, o Sr. Lane argumentará que ele é um herege
público e que um herege público não pode, em nenhuma circunstância,
ser papa. Ele passará o ímã da heresia sobre Karol Wojtyla, e Karol
Wojtyla pulará e grudará nele, mostrando-se pobre, férreo e propenso à
ferrugem. Não tenho mais nada a dizer sobre esse argumento, que o Sr.
Lane lhes apresentará com grande competência.
A minha tarefa não é mostrar que Karol Wojtyla é herege. Não é nem
mesmo investigar, de modo algum, a causa por que ele não é papa. É
simplesmente mostrar que um verdadeiro papa é impedido pela proteção
do Espírito Santo de fazer o que K.W. faz, e que K.W., portanto, não
pode ser papa.
Fazer isso, de minha parte, envolverá também um tratamento
considerável do corpo religioso que Karol Wojtyla encabeça: o corpo
que chamou a si próprio de Igreja Conciliar. Pretendo mostrar que essa
igreja também manifesta incompatibilidade essencial com o Catolicismo:
que ela oficialmente e formalmente adotou doutrinas, costumes, leis e
cerimônias que a Igreja Católica não somente faria mal em adotar, como
também não teria como adotar.
Então, permitam-me dizer a minha argumentação em poucas palavras.
Afirmo que a Igreja mesma nos ensina que ela é infalível e
indefectível, não somente nos ensinamentos do seu Magistério
extraordinário, mas também no seu Magistério ordinário e universal; em
suas leis, em sua liturgia e no ensinamento universal que ela comunica
aos fiéis diariamente através de todos os meios pelos quais ela
manifesta sua fé. Em parte alguma deles, pode ela ensinar erros que se
oponham, ainda que indiretamente, à revelação divina; em parte alguma
deles, pode ela contradizer o que ela sempre ensinou; em parte alguma
deles, pode ela conduzir os fiéis rumo ao erro e o pecado ou para
longe da verdade e da santidade.
E afirmo, em seguida, que a Igreja Conciliar faz todas essas coisas
que a Igreja Católica não pode em nenhuma circunstância fazer. A
liturgia, as leis, os ensinamentos e prática conciliares ordinários,
unânimes e cotidianos são incompatíveis com a doutrina católica e
estão seduzindo incontáveis almas para a heresia ou apostasia e a
condenação eterna.
E, em estrita consequência lógica, a Igreja Conciliar não é a Igreja
Católica, e o seu cabeça não é o papa.
Ora, há diversas objeções que vocês podem querer fazer contra um
argumento nessa linha, mas não há dúvida sobre qual seja a objeção
mais comum por parte dos que sustentam uma posição mais ou menos na
linha da FSSPX. É a objeção de que a minha alegação exagera o escopo
da infalibilidade e indefectibilidade da Igreja e descreve como
impossíveis coisas que são meramente indesejáveis e incomuns, mas não
claramente contrárias a qualquer promessa divina.
Penso que esse é o ponto principal em litígio entre os
tradicionalistas sedevacantistas e os tradicionalistas sede-
ocupantistas. É por isso que citarei uma porção de altas autoridades
sobre essa questão precisa.
Antes, porém, que eu o faça, recordemos os antecedentes históricos da
divergência. Ao longo da década de 1960 até o começo dos anos 70,
ocorreu aquilo que veio a ser chamado de “as mudanças na Igreja”. A
Missa evoluiu através de uma série de breves estágios até se
transformar numa cerimônia vernácula de tipo protestante. O catecismo
ou desapareceu totalmente, ou foi substituído por textos que inculcam
heresia. Todos os demais sacramentos mudaram também. Assim como
mudaram as vestimentas, os hábitos de sacerdotes e religiosos, as
cerimônias e tradições. Todas as condenações também cessaram… exceto
daqueles que recusavam adotar as mudanças. O culto em comum com
acatólicos, anteriormente pecado mortal, tornou-se lícito e até
desejável. Nações cuja constituição dava posição privilegiada à Igreja
fundada por Deus foram constrangidas a alterar sua constituição,
removendo esses privilégios. Certas doutrinas desapareceram,
especialmente as que dizem respeito à condenação eterna e à
necessidade de pertencer à verdadeira Igreja. Doutrinas morais
inconvenientes, se ainda chegavam a ser mencionadas, apareciam sempre
com uma ressalva acerca dos supostos direitos mais altos da
consciência. E tanta coisa mais.
E não havia como alguém ter entendido a natureza da crise desde o
início. Seria um tolo quem culpasse alguém por não ter entendido, já
em 1968, que estávamos, literalmente, em face de uma nova e falsa
religião. Contudo, já em 1968 vigoravam as novas orações eucarísticas,
assim como o novo rito de ordenação, e isso antes mesmo do chamado
“Novo Ordo da Missa”.
A situação em 1969 até 1970 era que muitos padres e laicato viram-se
na impossibilidade de, em consciência, aceitar o Novus Ordo, mas a
possibilidade de que Paulo VI talvez não fosse verdadeiro papa ainda
não havia sido nem sequer ventilada. Para explicar e justificar a
rejeição de leis e ensinamento aparentemente papais, o movimento
tradicional emergente desenvolveu o hábito de enfatizar os limites da
infalibilidade. Virou moda alegar que somente ensinamento ex cathedra
era infalível e que as liturgias, encíclicas, etc., não tinham nenhuma
proteção ou garantia especiais. Muito compreensível. Mas,
infelizmente… flagrantemente contrário à doutrina católica, como logo
veremos.
E, é claro, quem adota aquela posição se vê rapidamente numa posição
que nem mesmo é coerente consigo mesma. Daí que vejamos
tradicionalistas sede-ocupantistas protestando contra a recusa dos
modernistas em aceitar a doutrina das encíclicas papais, por exemplo
condenando a contracepção. Mas eles próprios alegremente rejeitam ou
ignoram o ensinamento das encíclicas de seus papas pós-Vaticano II.
Então, temos amplo fundamento para reabrir a questão. Coloquemos de
lado o hábito e o preconceito e recorramos, de mente aberta, ao que a
própria Igreja ensinou sobre sua infalibilidade e indefectibilidade.
Até onde a infalibilidade alcança? Comecemos pelo Concílio do
Vaticano, de 1870. Todos sabemos que esse concílio definiu a
infalibilidade das definições doutrinais ex cathedra. Teria ele dito
ou sugerido que a infalibilidade limitava-se exclusivamente a elas?
Longe disso… Ele ensinou claramente que os católicos devem crer com fé
divina em tudo aquilo que a Igreja ensina ser divinamente revelado,
seja por um juízo solene [Magistério extraordinário] ou pelo
Magistério ordinário e universal (Dz 1.792). Os dois são
correlacionados. Comandam o mesmo nível de assentimento. São
igualmente infalíveis. Então, por que o Vaticano I concentrou-se na
infalibilidade do Magistério extraordinário papal? Simplesmente porque
era a doutrina que, naquele momento, estava sendo posta em questão em
alguns círculos, notavelmente na França.
A infalibilidade do Magistério Ordinário sob certas condições era uma
verdade tão bem conhecida de todos os católicos, que não precisava de
mais que breve menção. A infalibilidade da definição papal solene
tinha de ser especialmente sublinhada.
Hoje, no movimento tradicional, o oposto parece aplicar-se. Até parece
que, ao definir a infalibilidade do Magistério extraordinário do Papa,
a Igreja condenara ao esquecimento o dogma da infalibilidade de seu
Magistério ordinário e universal.
Na realidade, esse erro já vinha se introduzindo sorrateiramente bem
antes do Vaticano II (Cônego Smith, “Must I Believe It?”, Clergy
Review [“Tenho o Dever de Crer Nisso?”, Revista do Clero (ndt)], anos
40):
“Não é de modo algum incomum encontrar a opinião, senão expressa ao
menos cultivada, de que nenhuma doutrina deve ser considerada dogma de
fé a não ser que tenha sido definida solenemente por um Concílio
ecumênico ou pelo próprio Soberano Pontífice. Isso não é necessário de
maneira nenhuma. É suficiente que a Igreja a ensine em seu Magistério
ordinário, exercido através dos Pastores dos fiéis, os Bispos, cujo
ensinamento unânime por todo o orbe católico, seja comunicado
expressamente através de cartas pastorais, catecismos emitidos pela
autoridade episcopal, sínodos provinciais, seja implicitamente através
de orações e práticas religiosas permitidas ou encorajadas, ou através
do ensinamento de teólogos aprovados, é não menos infalível do que uma
definição solene promulgada por um Papa ou um Concílio geral.”
Então, agora que sabemos que ele é infalível, vejamos mais de perto o
que é esse Magistério ordinário. Alguma confusão foi causada, entre os
católicos que estão se esforçando para entender de vez esses
conceitos, pelo fato de que, como eles sabem, todas as encíclicas
papais, todas as cartas pastorais de um bispo, todos os catecismos
aprovados, todas as orações do Missal ou Breviário e todas as leis no
Código de Direito Canônico da Igreja refletem essa autoridade
magisterial ordinária da Igreja. Mas obviamente não são todos
infalíveis em si mesmos como o são os pronunciamentos ex cathedra.
Não há nenhum mistério aqui. Façamos uma comparação. Os germes podem
causar doença, mas são necessários muitos germes, todos agindo no
mesmo lugar ao mesmo tempo, para a doença aparecer. Os atos
individuais do Magistério ordinário não são positivamente infalíveis
como é uma definição doutrinal. Mas, pelo peso e número deles, eles
entram em coalizão e convergem na infalibilidade. Uma afirmação
isolada numa encíclica papal não equivale, normalmente, a uma
definição doutrinal. Uma doutrina ensinada nas cartas pastorais de um
punhado de bispos não equivale a um concílio geral. Mas, quando as
afirmações dos papas e/ou bispos e outras fontes que representam a
Igreja são tão numerosas e concordes, que os fiéis inevitavelmente
consideram esse ensinamento como sendo o da própria Igreja, aí então
temos um ensinamento que, verdadeiramente, tem a mesma autoridade e
comanda o mesmo assentimento que se ele tivesse sido ensinado por meio
de uma definição solene.
Quando digo que os fiéis consideram esse ensinamento como sendo o da
própria Igreja, quero dizer a grande massa dos fiéis ao redor do
mundo: é por isso que a palavra “universal” é usada. É o Magistério
ordinário e universal que é infalível. Ele não é algo de diferente do
Magistério ordinário, ele é o Magistério ordinário quando o seu
ensinamento sobre um dado ponto tornou-se universal.
Certo, fiz uma alegação forte aqui; chegou a hora de ver se consigo
justificar o que estou dizendo, pela voz da autoridade católica.
Há uma porção de livros que cobrem os diferentes modos em que a Igreja
ensina os fiéis e os diferentes modos em que o ensinamento dela
vincula os fiéis, mas o guia principal que quero utilizar neste tópico
é um de que pouquíssimos de vocês já terão ouvido falar… e, no
entanto, tem ele a mais elevada autoridade. Chama-se De Valore Notarum
Theologicarum – Sobre o Significado das Qualificações Teológicas, de
autoria do Pe. Sixtus Cartechini. A importância especial dessa obra é
ter sido escrita para uso das Congregações Romanas na avaliação da
ortodoxia ou heterodoxia das diversas doutrinas. Foi publicada na
Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, em 1951. É baseada nas
doutrinas padrão dos grandes teólogos e dos próprios Papas sobre esses
tópicos e tornou-se imediatamente obra clássica, permanecendo assim
até que João XXIII decidiu que a era da condenação das falsas
doutrinas chegava ao fim.
Dependerei muito pesadamente do Pe. Cartechini, porque o que ele diz é
o ensinamento padrão. Quem quer que duvide do que ele diz pode
verificar em incontáveis outras fontes.
Os três primeiros capítulos da obra do Pe. Cartechini são sobre dogmas
definidos, Magistério extraordinário. O Capítulo 4 chama-se O que é o
Magistério ordinário e como os dogmas podem ser provados a partir
dele, ou: acerca da fé divina e católica fundada no Magistério
ordinário. O título já é eloquente: ele nos informa que os dogmas,
exigindo o máximo assentimento de fé, podem ser provados a partir do
Magistério ordinário, assim como do extraordinário.
O Pe. Cartechini explica que há três modos diversos em que o
Magistério ordinário pode comunicar aos católicos o que eles devem
crer como de fé.
Primeiro, diz ele, o Magistério ordinário é exercido através de sua
doutrina expressa, comunicada pelo Papa ou pelos bispos aos fiéis no
mundo inteiro sem o uso de definições formais. E ele dá uma lista de
doutrinas que dizem respeito à fé e à moral ensinadas infalivelmente
pelo Magistério ordinário como divinamente reveladas. Muitas delas são
simplesmente propostas em encíclicas papais.
Em segundo lugar, diz ele, o Magistério ordinário é exercido pelo
ensinamento implícito contido na prática ou vida da Igreja. Cartechini
realça que a Igreja segue aqui o próprio Cristo, que também ensinou
certos pontos pelos Seus atos, por exemplo o dever de honrar Sua Mãe,
Maria Santíssima. E, sob este tópico, ele faz referência,
particularmente, ao colossal peso doutrinal da liturgia. “A liturgia
não cria dogmas, mas ela exprime dogmas, porque, no modo como ela
louva ou reza a Deus, a Igreja exprime o que ela crê, como ela o crê,
e segundo quais conceitos Deus quer ser adorado publicamente. …[então]
a Igreja não pode permitir que, na liturgia, sejam ditas coisas em
nome dela que sejam contrárias àquilo que ela defende ou crê.” (p.
37).
Cartechini também menciona as leis da Igreja como fonte de ensinamento
infalível do Magistério ordinário e universal por meio da prática e
vida da Igreja: “…nem os concílios gerais nem o papa podem estabelecer
leis que contêm pecado…e nada pode estar contido no Código de Direito
Canônico que seja de qualquer modo oposto às regras da fé ou à
santidade do Evangelho.”
Finalmente, há o terceiro meio em que a Igreja exerce o seu Magistério
ordinário infalível: pela aprovação tácita que a Igreja outorga ao
ensinamento dos Padres, dos doutores e dos teólogos. Se uma doutrina é
difundida pela Igreja toda, sem objeção, isso significa que a Igreja
aprova tacitamente essa doutrina. Do contrário, a Igreja inteira
poderia e inevitavelmente iria errar na fé.
Se vocês estão acostumados com a noção de que o ensinamento da Igreja
só tem plena certeza e obrigatoriedade quando ele toma a forma de
definições ex cathedra, vocês terão percebido a esta altura que vocês
foram enganados. Penso que eu já disse o suficiente para mostrar que
estamos numa pista certa. Deus deu à Sua Igreja garantias maiores do
que muitos católicos se deram conta. Mas a extensão da fraude
teológica de que alguns de vocês podem ter sido vítimas não pára aqui.
Até agora, falamos do ensinamento estritamente infalível da Igreja, a
nós comunicado ou pelo Magistério extraordinário ou pelo Magistério
ordinário e universal. Mas há também o ensinamento da Igreja que não
chega à infalibilidade estrita, e no entanto é estritamente e
gravemente obrigatório para todos os católicos.
Aqui estamos considerando, por exemplo, o grosso dos conteúdos
doutrinais das encíclicas e dos decretos das Congregações Romanas.
A respeito das encíclicas, o Papa Pio XII escreveu o seguinte, na
Humani Generis:
“Nem se deve pensar que aquilo que é apresentado nas cartas encíclicas
não exige por si só o assentimento, sob alegação de que ao escrever
tais encíclicas os Pontífices não exercem a suprema autoridade do seu
Magistério. Pois essas matérias são ensinadas pelo Magistério
ordinário, acerca do qual as palavras ‘Quem vos ouve a Mim ouve’ (Lc
10,16) também se aplicam… A maior parte do que é apresentado e
proposto nas encíclicas já pertence à doutrina católica por outras
razões. Mas se os Sumos Pontífices chegam a pronunciar sentença
expressa, nos seus documentos oficiais, sobre questão até então
controvertida, é evidente para todos que segundo a intenção e vontade
dos mesmos Pontífices essa questão já não pode ser tida como objeto de
livre disputa entre os teólogos.” (Dz 2.313).
Isso é bastante claro. O ensinamento das encíclicas é obrigatório,
ainda que ele antes não pertencesse ao corpo do ensinamento da Igreja.
E o dever de crer nele não deriva do dever da fé. Vem do dever da
obediência, assim como o dever da criança de crer nos seus pais.
Eis, por exemplo, o cônego George Smith novamente, escrevendo na
década de 1940, num artigo na Clergy Review [Revista do Clero (ndt)]
que trata expressamente do que os católicos têm de crer:
“…que grande parte do ensinamento autoritativo da Igreja, seja na
forma de encíclicas, decisões, condenações papais, respostas das
Congregações Romanas – tais como o Santo Ofício – ou da Comissão
Bíblica, não seja um exercício do Magistério infalível. E aqui,
novamente, o nosso fiel precavido eleva a sua voz: ‘Tenho o dever de
crer nisso?’ A resposta está implícita nos princípios já demonstrados.
Vimos que a fonte da obrigação de crer não é a infalibilidade da
Igreja, mas a comissão divina que ela tem de ensinar. Portanto, seja o
ensinamento dela garantido pela infalibilidade ou não, a Igreja é
sempre a mestra e guardiã divinamente designada da verdade revelada,
e, consequentemente, a suprema autoridade da Igreja, mesmo quando não
intervém para tomar uma decisão infalível e definitiva em questões de
fé ou moral, tem o direito, em virtude da comissão divina, de comandar
o assentimento obediente dos fiéis. Na ausência da infalibilidade, o
assentimento assim exigido não pode ser o de fé, seja católica ou
eclesiástica; será um assentimento de ordem inferior, proporcionado ao
seu fundamento ou motivo. Mas, seja qual for o nome que se lhe dê, –
por ora, podemos chamá-lo de crença –, ele é obrigatório; obrigatório
não porque o ensinamento é infalível – ele não é – mas porque é o
ensinamento da Igreja designada por Deus. É dever da Igreja, como
Franzelin mostrou, não somente ensinar a doutrina revelada mas também
protegê-la, e por isso a Santa Sé ‘pode prescrever para serem seguidas
ou proscrever para serem evitadas opiniões teológicas ou opiniões
conectadas com a teologia, não somente com a intenção de
infalivelmente decidir a verdade por um pronunciamento definitivo, mas
também – sem qualquer intenção dessas – meramente para o propósito de
salvaguardar a segurança da doutrina católica.’ Se é dever da Igreja,
ainda que não infalivelmente, ‘prescrever ou proscrever’ doutrinas
para essa finalidade, então é evidentemente também o dever dos fiéis
aceitá-las ou rejeitá-las, por conseguinte.
Nem tampouco essa obrigação de submissão às declarações não-infalíveis
da autoridade é satisfeita pelo chamado silentium obsequiosum. A
segurança da doutrina católica, que é o propósito dessas decisões, não
seria salvaguardada se os fiéis fossem livres para negar o
assentimento deles. Não é suficiente que eles escutem em silêncio
respeitoso, evitando oposição aberta. Eles são obrigados em
consciência a submeter-se a elas (Carta de Pio IX ao Arcebispo de
Munique, 1861; cf. Denzinger, 1684), e a submissão de consciência a um
decreto doutrinal não significa apenas abster-se de rejeitá-lo
publicamente; significa a submissão do juízo particular ao juízo mais
competente da autoridade.
Mas, como já notamos, ad impossibile nemo tenetur, e, sem um motivo
intelectual de alguma espécie, nenhum assentimento intelectual, embora
obrigatório, é possível. Sobre que fundamento intelectual, portanto,
os fiéis baseiam o assentimento que eles são obrigados a prestar a
essas decisões não-infalíveis da autoridade? Naquilo que o Cardeal
Franzelin (De Divina Scriptura et Traditione, 1870, p.116), com
expressão um tanto extensa mas exata, descreve como auctoritas
universalis providentiae ecclesiasticae. Os fiéis consideram com razão
que mesmo onde não haja o exercício do Magistério infalível, a divina
Providência tem um cuidado especial pela Igreja de Cristo; que,
portanto, o Sumo Pontífice, em vista do seu ofício sagrado, é dotado
por Deus com as graças necessárias para o cumprimento apropriado
deste; que, portanto, as suas declarações doutrinais, ainda quando não
garantidas pela infalibilidade, possuem a mais alta competência; que,
num grau proporcionado, isso é verdadeiro também das Congregações
Romanas e da Comissão Bíblica, compostas por homens de grande saber e
experiência, que estão plenamente atentos às necessidades e tendências
doutrinais dos nossos dias e que, em vista do cuidado e da
(proverbial) cautela com que executam os deveres que lhes são
confiados pelo Sumo Pontífice, inspiram plena confiança na sabedoria e
prudência de suas decisões. Baseado como está nessas considerações de
ordem religiosa, o assentimento em questão é chamado de ‘assentimento
religioso’.”
[Possibilidade de erro. O erro não teria como ser uma heresia. A
teoria de que uma encíclica teria a possibilidade de conter uma
afirmação inexata – por não ser infalível em si mesma sob todos os
aspectos – é defendida por alguns poucos, mas está longe de sugerir
que uma encíclica possa ensinar doutrina previamente condenada, possa
desencaminhar as almas. E está longe de sugerir que tal doutrina
errônea em encíclicas possa tornar-se tão habitual que, longe de se
submeterem às doutrinas das encíclicas, os católicos tenham de lê-las
com os seus manuais de teologia abertos no colo, para ver se, por
algum golpe de sorte, o ensinamento delas pode vir a ser ortodoxo...]
Citei Smith para facilitar, já que ele escreveu em inglês. Se vocês
leem latim, remeto-os particularmente sobre este tópico a Cartechini e
ao De Divina Scriptura et Traditione do Cardeal Franzelin, que é
considerado a análise teológica mais detalhada e respeitada sobre o
tema.
E, de fato, a obrigação de assentimento aos decretos mesmo das
Congregações Romanas já foi inculcada com frequência pelos papas. Por
exemplo, sob o Papa São Pio X foi decidido que falhar em submeter-se
ao ensinamento da Comissão Bíblica envolvia grave culpa de
desobediência em respeito à sua autoridade e de temeridade em respeito
à sã doutrina (Dz 2.113). Cartechini conta-nos que os decretos
doutrinais das Congregações Romanas, quando promulgados por encargo
especial do papa, constituem preceito doutrinal vinculante (p. 117),
mas que até mesmo quando não são especificamente promulgados em nome
do Papa, mas apenas sob a autoridade geral já delegada às
Congregações, eles ainda assim exigem obediência sob pena de pecado
grave (p. 118). E o Papa Pio IX decretou na Tuas Libenter (1863, ao
arcebispo de Munique) que não era de modo algum suficiente para os
escritores e estudiosos católicos aceitar os dogmas da Igreja, “mas
eles devem também submeter-se às decisões – ele disse – relativas à
doutrina que são propostas pelas Congregações Pontifícias, bem como
àqueles pontos de doutrina que, pelo comum e constante sentir dos
católicos, são considerados verdades teológicas tão certas que, ainda
que as opiniões contrárias a esses pontos de doutrina não possam ser
chamadas de heréticas, elas merecem, sem embargo, alguma outra censura
teológica.” (Dz 1.684).
* * *
Então, vamos recapitular um pouco. Mostrei que a verdadeira
infalibilidade doutrinal estende-se muito além dos limites das
definições solenes. Espero ter traçado, em linhas gerais, os modos em
que o Magistério Ordinário pode ensinar infalivelmente, tais como
através de leis, da liturgia e do ensinamento comum dos teólogos.
Mostrei também que o nosso dever de submissão ao ensinamento das
autoridades da Igreja estende-se ainda além da infalibilidade do
Magistério Ordinário.
Espero, sobretudo, ter re-inspirado em vocês uma atitude que está
muito em falta em nossos dias. Chama-se confiança na Igreja. Penso que
eu já disse o bastante para mostrar que nossa Mãe, a Santa Igreja
Católica, é verdadeiramente “a coluna e o firmamento da verdade” e,
verdadeiramente, como o profeta Isaías previu, “35:8. Haverá ali uma
vereda e um caminho, que se chamará o caminho santo; não passará por
ele o impuro, e este será para vós um caminho direito, de sorte que
andem por ele os próprios insensatos sem se perderem.”
Tenho bem a peito disseminar confiança na Igreja. Nós, mortais, somos
tão faltos de confiança onde ela é merecida… e tão dispostos a confiar
em nós mesmos, onde nossa confiança é raramente merecida. Agimos como
se Cristo nunca tivesse feito Suas promessas. A nossa vida espiritual
não faz progressos, porque nós não confiamos em Deus o bastante. E a
nossa catolicidade é fraca e murcha, deixando-nos vulneráveis à
confusão na crise, à transigência e à distorção da sã doutrina, porque
nós não confiamos na Igreja de Deus como Deus quer que ela seja objeto
de confiança.
Eis Dom Guéranger:
“O que torna sempre mais firme e mais serena a reflexão do historiador
cristão é a certeza que lhe dá a Igreja, que marcha diante dele como
uma coluna luminosa e alumia divinamente todos os seus juízos. Ele
sabe que vínculo estreito une a Igreja ao Deus-Homem, como ela é
assegurada por Sua promessa contra todo erro no ensinamento e na
direção geral da sociedade cristã, como o Espírito Santo a anima e
conduz; é, pois, nela que ele buscará o critério dos seus juízos. …ele
sabe onde se manifesta a direção, o espírito da Igreja, seu instinto
divino. Recebe-os, aceita-os, confessa-os corajosamente; aplica-os…
Igualmente, nunca trai, nunca sacrifica; diz que é bom o que a Igreja
julga bom, mau o que a Igreja julga mau. Que lhe importam os
sarcasmos, as chacotas dos covardes medíocres? Ele sabe que está com a
verdade, porque ele está com a Igreja e a Igreja está com Cristo.”
http://www.santamariadasvitorias.com.br/documentos/O_sentido_cristao_d
a_historia_Dom_Gueranger.doc]
Mas, é claro, vocês não podem adotar essa atitude com a Igreja
Conciliar, podem? Se vocês conhecem e creem na imutável Fé Católica,
é-lhes impossível crer em tudo o que a religião conciliar ensina nos
decretos do Vaticano II, nas suas encíclicas, no ensinamento comum dos
seus bispos, nos seus textos litúrgicos oficialmente aprovados e
usados, nas suas leis e normas disciplinares. Muito menos podem vocês
ter a atitude de Dom Guéranger para com a Igreja que emergiu do
Vaticano II, segurando a mão dela como uma criança, atendo-se a cada
palavra dela, amando-a, admirando-a, sedentos de aprender dela a todo
o tempo: confiando nela.
Eu digo que não podem. E chegou a hora de ilustrar e provar essa
alegação. Passei um bom tempo tratando da base doutrinal, para me
certificar de que temos os nossos critérios de julgamento acertados.
Espero ser agora mais sucinto.
Tenho de mostrar que a Igreja que emergiu do Vaticano II claramente
não goza das garantias divinas concernentes ao seu Magistério
ordinário e atos associados, garantias estas que a Igreja Católica
necessariamente e inalienavelmente possui. Poderíamos passar anos
debruçando-nos sobre os exemplos disponíveis… Escolherei apenas
alguns, mas suficientes.
Como o meu primeiro exemplo, escolho a liturgia da Igreja Conciliar.
Escolho a liturgia primeiro, porque ela é crucial. Na Quas Primas, o
Papa Pio XI fez uma declaração notabilíssima. Ele disse que “as
pessoas são instruídas nas verdades da fé…com muito maior eficácia
pela celebração anual dos nossos sagrados mistérios do que por
qualquer pronunciamento autorizado do Magistério da Igreja.” Noutras
palavras, quando se trata de comunicar a fé aos fiéis, no nível
prático, a liturgia é mais importante e influente do que qualquer
outro meio em que a Igreja comunica a mente dela. E sabemos que isso é
verdade por experiência. Vocês só precisam pensar: não foi o próprio
Vaticano II que solapou a fé da maior parte do laicato, pois estes
nunca leram o Vaticano II. Foi a Missa Nova o que realmente os
arruinou, não foi?
Mencionamos a liturgia como garantida pelo Magistério ordinário
infalível.
Cartechini disse: “a Igreja não pode permitir que, na liturgia, sejam
ditas coisas em nome dela que sejam contrárias àquilo que ela defende
ou crê.” (p. 37).
O Papa Pio VI condenou o sínodo jansenista de Pistoia por este
insinuar que a “ordem litúrgica vigente, recebida e aprovada pela
Igreja, pudesse resultar em qualquer parte do esquecimento dos
princípios que devem guiá-la”; ele ensinou que essa ideia era
impossível porque “a Igreja, guiada pelo Espírito de Deus, não pode
estabelecer uma disciplina…que é perigosa ou nociva” (Dz 1.533 e
1.578).
Vocês veem de imediato que essas citações – e há muitas outras
disponíveis – excluem de imediato as rotas de fuga usuais. Vocês não
podem escapar dizendo que a Missa Nova não é totalmente obrigatória ou
não se aplica à Igreja inteira. Se a Igreja Conciliar é a Igreja
Católica, então a Missa Nova é indubitavelmente a mais vasta parte da
“ordem litúrgica vigente, recebida e aprovada pela Igreja” e,
portanto, impedida pela proteção do Espírito Santo de ser não-ortodoxa
ou nociva. Estritamente falando, vocês não podem adotar a popular
evasiva de Michael Davies e dos indúlteros, insistindo que é só o
latim que conta. Pois as autoridades da Igreja Conciliar
conscientemente aprovaram os erros de tradução vernaculares – sendo o
mais notável o erro de tradução encontrado em todas as línguas do
mundo pelo qual as palavras “será derramado por vós e por muitos” na
consagração do cálice são vertidas: “por vós e por todos”. Essa
herética tradução deturpada é agora parte da ordem litúrgica vigente,
recebida e aprovada pela Igreja, não é mesmo? A única questão é… por
qual Igreja?
Mas suponha-se que consideremos, mesmo assim, os textos em latim.
Darei um só exemplo simples. Ele ocorre na oração da Sexta-feira Santa
pelos judeus, quando os ministros do Novus Ordo rezam não pela
conversão dos judeus, mas, ao invés disso, para que eles possam
continuar ou progredir na fidelidade à aliança de Deus, “in sui
fœderis fidelitate proficere”. Isso só pode querer dizer que os judeus
são, presentemente, fiéis à aliança de Deus. Mas é claro que eles
abandonaram completamente a Antiga Aliança ao recusarem aceitar o
Messias, ao gritarem: “Não temos rei senão César… Não queremos que
este homem reine sobre nós.” [Jo 19,15 e Lc 19,14 (ndt)]. E, como
resultado imediato disso, a Antiga Aliança foi abrogada e substituída
pela nova e perpétua Aliança entre Deus e a Sua Igreja, com a qual os
pérfidos judeus não têm absolutamente nenhuma conexão. Eis aí heresia
clara ensinada na Liturgia Conciliar, e de fato uma verdadeira
promoção do judaísmo.
Além disso, noto rapidamente os seguintes pontos sobre a Liturgia
Conciliar, todos eles ofensivos à doutrina católica e nocivos às
almas:
— A fórmula da consagração traduzida altera substancialmente as
palavras de Cristo e é inválida de acordo com Santo Tomás, as
rubricas, o Concílio de Florença (Dz 715) e os Padres.
— Ausência de verdadeiro ofertório – essencial –, substituído por ação
de graças judaica antes das refeições.
— Consagração que é mandada ler como narrativa e não in persona
Christi.
— A aprovação dada, no mínimo, à “Missa” voltada para o povo, à
comunhão na mão, aos ministros extraordinários, à supressão de tudo o
que inspira a reverência: alterações calculadas para destruir a fé na
presença real, na natureza sacrifical da Missa, na necessidade de um
sacerdócio sacrificial ordenado.
— A total ausência, do novo rito e do novo catecismo, da palavra ou da
doutrina de que a Missa é propiciatória.
— Chamo a atenção também para o livreto muito lúcido e valioso do Pe.
Cekada chamado The Problems with the Prayers of the Modern Mass [Os
problemas com as orações da missa moderna (ndt)]. É uma análise dos
Próprios da Missa Nova e de como eles foram criados a partir dos
Próprios tradicionais. Ele prova à saciedade, para além de todo debate
e até de todo resmungo, que os novos Próprios foram fixados com base
no princípio, seguido à risca, de suprimir ou substituir toda menção a
milagres, ira divina, perigo de perder a alma, tentações,
concupiscência, culpa, desapego do mundo, existência de inimigos da
Santa Igreja ou de nossas almas e muito mais. Tudo liquidado.
Recordo-lhes que a Igreja não pode conduzir as almas ao erro ou ao
perigo por meio da liturgia aprovada. Eis como Santo Agostinho o
coloca: “A Igreja de Deus, cercada por tanta palha e cizânia, tolera
muitas coisas, mas ela não aprova nem faz o que é contrário à fé ou à
virtude e ela não fica calada perante essas coisas.” [Epístola 55; no
original, citado alhures pelo autor: “Sed Ecclesia Dei inter multam
paleam multaque zizania constituta, multa tolerat, et tamen quæ sunt
contra fidem vel bonam vitam non approbat, nec tacet, nec facit.”
(ndt)].
A indefensável “missa” nova, tão insultante da honra divina, tão
nociva às almas e tão corrosiva da sã doutrina, é, portanto, o meu
primeiro exemplo claro de que a Igreja Conciliar não pode ser a Igreja
Católica.
Em segundo lugar, há as leis da Igreja. Lembram-se de Cartechini
resumindo o ensinamento unânime dos teólogos? “Nem os concílios gerais
nem o papa podem estabelecer leis que contêm pecado…Nada pode estar
contido no Código de Direito Canônico que seja de qualquer modo oposto
às regras da fé ou à santidade do Evangelho.”
Ora, se consultamos as leis da Igreja Conciliar, encontramos muitas
que contêm pecado, são opostas de muitos modos às regras da fé e que
francamente espezinham o próprio conceito de santidade do Evangelho.
Eis alguns exemplos que me ocorrem:
1. A autorização a administrar os sacramentos a não católicos. No
Antigo Código, cânon 731: “É proibido administrar os sacramentos da
Igreja a hereges ou cismáticos, mesmo que eles errem de boa fé e os
peçam, a não ser que eles tenham antes rejeitado os seus erros e se
reconciliado com a Igreja.” No Novo Código, cânon 844/3+4, é agora
permitido a todos os hereges e cismáticos orientais e muitos outros
acatólicos também.
2. A autorização a assistir ativamente ao culto público em comum com
acatólicos e a participar ativamente nos ritos deles. Código antigo,
cânon 1.258… nem vou me incomodar de ler: está no catecismo. Agora
temos o V2 com o seu decreto Unitatis Redintegratio que diz que
atualmente pode ser boa ideia violar o Primeiro Mandamento desse
jeito, 8442 etc.
Por dois mil anos, a Igreja ensinou enfaticamente que esses dois atos
são ambos mortalmente pecaminosos. E, em ambos os casos, a doutrina
dela é o mais evangelicamente santa que se pode desejar: Não deis aos
cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, se eles
não ouvirem a Igreja, considerai-os como pagãos e publicanos. [Mt 6,6
e 18,17 (ndt)]
3. A definição do matrimônio no cânon 1.055, que segue o decreto do V2
sobre a Igreja no Mundo Moderno, ao equacionar os vários fins do
casamento, entra em conflito com o ensinamento tradicional da Igreja,
resumido no Código de 1917, que dizia, sucintamente, que “a finalidade
primeira do matrimônio é a procriação e educação da prole” (cânon
1.013). Na realidade, o novo Código chega a listar o bem dos esposos
antes da finalidade primeira e só menciona a procriação de crianças em
seguida. Esse é o erro que foi veementemente combatido no V2 pelo
Cardeal Ottaviani e pelo Cardeal Browne, o Superior Geral dos
Dominicanos.
4. A supressão, do novo Código, da lei divina promulgada por São Paulo
conforme a qual as mulheres devem ter a cabeça coberta, e os homens, a
cabeça descoberta na igreja. Ou será que São Paulo precisava de aulas,
sobre a santidade conforme o Evangelho, dos redatores do Código de
Direito Canônico de 1983?
Vemos então que a Igreja Conciliar por suas leis autoriza e encoraja
pecado letal e a heresia de que a verdadeira Igreja é alguma coisa
outra, e mais ampla, que a Igreja Católica. A Igreja Católica não tem
como fazer isso.
Agora vejamos o próprio Vaticano II. Os tradicionalistas enfatizaram
que ele não deu a entender que exercia o Magistério extraordinário e
concluíram que é, portanto, aceitável supor que ele errou. Um momento.
Quando os decretos de um concílio geral não estão fazendo definições
dogmáticas solenes, eles permanecem um dos mais altos exercícios do
Magistério ordinário e universal. Dizer que não precisamos
automaticamente aceitar por fé divina tudo o que eles dizem não é o
mesmo que sugerir que eles podem ensinar erros contra a doutrina
católica que já foram condenados infalivelmente. No mínimo dos
mínimos, o ensinamento de um tal concílio é infalivelmente seguro e
obrigatório em consciência.
Só que, nos textos do Vaticano II, encontramos numerosas heresias e
outras doutrinas falsas.
Não tenho tempo de listar muitas [N.d.T. – Cf., do A., sua refutação a
17 erros do concílio: “The Principal Heresies and Other Errors of
Vatican II” (As principais heresias e outros erros do Vaticano II),
1990, editado pelo Sr. John Lane e publicado no ótimo site deste,
StRobertBellarmine.net], mas é preciso mencionar a liberdade
religiosa, para a qual uma declaração inteira foi devotada e que
contradiz praticamente palavra por palavra o ensinamento da Quanta
Cura do Papa Pio IX, que é comumente considerado exemplo clássico de
definição solene pelo Magistério extraordinário infalível.
Não posso mencionar esse tópico sem alguma alusão aos esforços
engenhosos do Dr. Brian Harrison em mostrar que a doutrina do V2 é, na
realidade, compatível com o ensinamento infalível que ela aparenta
contradizer. Eu ressaltaria que, até onde eu sei, o Fr. Harrison é o
primeiro homem na história do Cristianismo que julgou necessário
escrever um longuíssimo livro acadêmico alegando demonstrar que,
apesar das reconhecidas aparências, o ensinamento de um dado concílio
geral pode de fato – com enorme esforço – ser interpretado de um jeito
que talvez seja mais ou menos compatível com a doutrina católica!
Seria rude não admirar os esforços do Dr. Harrison. A mim, eles sabem
a verdadeiro heroísmo. E partem do sólido princípio de que – Harrison
sabe tão bem quanto eu – sem uma tal reconciliação, a Igreja Conciliar
desmorona no chão em detrito e ruína.
Mas era uma tarefa desenganada já desde o início. Que uma obra dessa
pudesse ter sido considerada necessária já era prova de que o Vaticano
II não foi realmente um concílio geral da Igreja Católica. Harrison
estica os antigos ensinamentos pré-Vaticano II o máximo que ele
consegue numa direção liberal e estica a doutrina do Vaticano II o
máximo que ele consegue na direção do Catolicismo, e se convence de
que fez as duas pontas se encontrarem. Não fez.
Ele não fez, porque, em ambos os casos, a interpretação dele é
peculiar a ele próprio. E, em ambos os casos, todo o mundo exceto ele
entendeu e supôs o oposto. Até o Vaticano II, por exemplo, os papas
insistiram enfaticamente no dever das nações de professar a Fé
verdadeira e repreenderam asperamente qualquer nação outrora católica
que malograsse em o fazer. Desde o Vaticano II, porém, os novos
“papas” insistiram, pelo mundo inteiro, que toda nação outrora
católica deveria remover de sua constituição todo sinal de posição
privilegiada para a Fé verdadeira. E eles despiram a liturgia da
Igreja de toda alusão (e havia muitas) ao dogma de que Cristo deve
reinar não somente sobre as almas dos indivíduos mas também sobre os
estados e instituições. Devemos crer realmente que tudo isso dizia
respeito somente a uma questão de conveniência política? No que as
circunstâncias políticas em todas as nações mudaram tão radicalmente
entre 1958 e 1963 que aquilo que era antes grave dever tornou-se, da
noite para o dia, grave pecado?
Devemos realmente crer que Pio IX enganou-se sobre o verdadeiro
significado e aplicação da Quanta Cura e precisava que o Dr. Harrison
lha explicasse? E que João Paulo II enganou-se sobre o verdadeiro
significado do Vaticano II e precisava de Harrison para lho explicar?
E, se João Paulo II aceita a versão Harrison da liberdade religiosa ao
invés das heresias de John Courtney Murray, quando ele vai mostrar
algum sinal disso?
Outro erro flagrante na lei da Igreja Conciliar encontra-se no seu
regime de declarações de nulidade. Os EUA são, é claro, a capital
mundial da declaração de nulidade. Mais da metade dos casamentos
católicos acabam sendo decretados pela Igreja Conciliar como nunca
tendo existido, como tendo sido inválidos e nulos desde o início.
Noutras palavras, o casal não se casou. Eles estavam vivendo em
fornicação. Os filhos deles são bastardos. Ora, ou a Igreja Conciliar
está cooperando, em grande escala, com o adultério ao anular
casamentos sem razão suficiente, destroçando aquilo que Deus uniu; ou
então a Igreja Conciliar não sabe como casar as pessoas validamente
para começar e está cooperando com fornicação em grande escala ao
dizer às pessoas que elas estão casadas quando elas não estão. De um
jeito ou de outro, a mensagem é alta e clara. Os que aprendem com as
leis e prática da Igreja Conciliar estão concluindo que o casamento
sacramental não é um estado permanente que dura até a morte. Isso é
uma heresia.
Um exemplo final. Nós aprendemos que a Igreja ensina, através do seu
Magistério ordinário infalível, não somente pelo que ela diz, como
pelo que ela não diz. Quem cala, consente; certamente quando a Igreja,
durante 40 anos, falha em protestar contra um erro ou um mal notórios
e amplamente difundidos, mesmo universais. Ora, dentre muitas outras,
considere-se apenas a verdade, um tanto importante, da condenação
eterna. Por um único pecado mortal, nós perdemos a vida divina e somos
necessariamente destinados ao Inferno, a não ser que nos arrependamos.
Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou essa verdade umas quarenta vezes nos
Evangelhos. Não há quase nada de mais central no Catolicismo. Depois
de dar glória a Deus, a principal tarefa da Igreja é salvar almas.
Salvá-las do quê? Sem o perigo do fogo do Inferno, a Redenção não tem
sentido: o Cristianismo torna-se irrelevante.
Agora considerem o silêncio ensurdecedor da Igreja Conciliar acerca do
Inferno. Considerem o silêncio dela sobre o pecado mortal. Perguntem a
um padre conciliar quando foi a última vez que ele pregou sobre o
Inferno. Perguntem a João Paulo II por que ele devota as encíclicas
dele a centenas de textos visando criar a noção de que a Encarnação
cria um vínculo permanente e indissolúvel entre Cristo e todos os
homens, convidando à noção da salvação universal, e nunca alerta o seu
rebanho para o perigo da condenação. O fato é claro. Pelo seu
silêncio, a Igreja Conciliar nega o Inferno, ao menos como um perigo
real que ameaça os seus membros.
Reverendos Padres, Senhoras e Senhores, se me acompanharam até aqui,
terão visto que a Igreja Conciliar ensina doutrina falsa para os seus
fiéis de maneiras que a Igreja Católica tem a garantia divina de nunca
fazer. A Igreja Conciliar não é, portanto, a Igreja Católica.
Recordem, por favor, que esse argumento não depende, de maneira
nenhuma, da questão da pertinácia: a questão de se, individualmente,
aqueles que ensinam os erros percebem ou não que os seus erros são
contrários à doutrina católica. Cristo prometeu proteger a Sua Igreja
de modo a impedi-la de conduzir os fiéis para o erro ou o perigo para
as suas almas, seja deliberadamente ou por acidente. Semelhantemente,
a minha demonstração não depende, de maneira nenhuma, das distinções
sutis que por vezes se aplicam acerca da qualificação teológica exata
de uma determinada doutrina. Algo do que a Igreja ensina
infalivelmente deve ser crido com fé eclesiástica, não com fé divina.
Negá-lo é pecado grave que acarreta excomunhão, mas provavelmente não
é estritamente heresia. Esse tipo de distinção não tem lugar aqui. A
Igreja mesma não pode ensinar às almas qualquer erro que seja oposto
de qualquer modo ao ensinamento que ela já lhas deu; independentemente
da exata qualificação teológica que pertence à doutrina em pauta. A
Igreja é “a coluna e o firmamento da verdade”. (1 Tim 3,15; nota de
rodapé da Douay-Rheims [a tradução consagrada da Vulgata para o inglês
(ndt)]: “3:15. Porém, se eu tardar, para que saibas como deves portar-
te na casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo, coluna e firmamento
da verdade. A coluna e o firmamento da verdade…. Portanto, a Igreja do
Deus vivo nunca pode defender o erro, nem introduzir corrupções,
superstição, ou idolatria.”)
A razão pela qual a Igreja Conciliar não é a Igreja Católica é
bastante simples. Se alguém professa heresia publicamente, deixa por
esse próprio fato de ser católico. JP2 e os bispos dele fizeram isso.
Vocês ouvirão mais sobre isso do Sr. Lane.
Eu gostaria de concluir voltando às disposições que os bons católicos
são obrigados a ter com respeito à Igreja. Quero citar algumas
palavras do imortal Pe. Faber, em seu livro The Precious Blood [O
Precioso Sangue (ndt)]:
Devemos ser leais à Igreja até em nossos mínimos pensamentos sobre
ela.
Devemos amar os seus caminhos, além de obedecer aos seus preceitos e
crer nas suas doutrinas.
Devemos estimar tudo o que a Igreja abençoa, tudo o que a Igreja
afeta.
A nossa deve ser sempre uma atitude de submissão, não de crítica. Quem
está desapontado com a Igreja, deve estar perdendo a fé, ainda que não
o saiba.
O amor de um homem pela Igreja é o teste mais seguro do seu amor por
Deus. Ele sabe que a Igreja toda é informada com o Espírito Santo. A
vida divina do Paráclito, Seus conselhos, Suas inspirações, Suas
operações, Suas conaturalidades, Sua atração, estão nela por toda
parte.
O dom da infalibilidade é somente uma concentração, o ponto
culminante, a exteriorização solene e oficial, da inabitação do
Espírito Santo na Igreja. Ao passo que ele pede, como a Revelação,
absoluta submissão de coração e alma, todos os arranjos, maneiras e
disposições menores da Igreja pedem submissão, docilidade e reverência
globais, em razão de a Igreja toda ser um templo preenchido com a vida
do Espírito Santo.
—Pe. F. W. Faber Cong. Orat. D.D., op. cit., Burns and Oates, 4.ª ed.
pp. 187-9.
Eu afirmo que nenhum católico tradicional pode adotar essa visão com
relação a João Paulo II e a religião que ele encabeça. A razão está
num fato exposto por um cardeal estrangeiro que esteve nos EUA para o
41.º Congresso Eucarístico, realizado em 1969 na Filadélfia. Ele
disse: “Estamos agora em face do maior confronto histórico pelo qual a
humanidade já passou… Estamos agora encarando o confronto final entre
a Igreja e a anti-Igreja, entre o Evangelho e o anti-Evangelho. Este
confronto está dentro dos planos da divina Providência.”
O nome dele era Karol Cardeal Wojtyla, arcebispo de Cracóvia. É bom
descobrir que concordamos em algo.
Assim concluo minha exposição.
* * *
“Quando alguém ama o Papa, não pára para debater sobre o que ele
aconselha ou exige, para perguntar até onde vai o estrito dever de
obediência e para marcar o limite dessa obrigação. Quando alguém ama o
Papa, não objeta que ele não falou claro o bastante, como se ele fosse
obrigado a repetir no ouvido de cada indivíduo a vontade dele, tão
frequentemente enunciada claramente, não só de viva voz, mas também
por meio de cartas e outros documentos públicos; não põe em dúvida as
ordens dele sob o pretexto – facilmente invocado por todo o mundo que
não quer obedecer – de que elas não emanam diretamente dele, mas dos
que o rodeiam; não limita o campo no qual ele pode e deve exercer a
vontade dele; não opõe, à autoridade do papa, a de outras pessoas, não
importa o quão cultas, que diferem de opinião com o Papa. Ademais, não
importa o quão vasta é a ciência deles, falta-lhes santidade, pois não
pode haver santidade onde há desacordo com o Papa.”
Mas se estes que lhes cito bem como outros se dispuserem a ler este
texto de Daly poderemos construir um caminho diferente aqui no Brasil,
onde mostraremos que não se ajuda a Igreja endossando os que a
destróem, mas ao contrário combatendo-os. A mudança estará nesta
conscientização absolutamente indispensável para que quem sabe os
católicos tupiniquins possam se unir na maior resistência mundial
contra as investidas desta Roma atual, não eterna e passageira,
luciferina e anticatólica, que segue como Dragão destruindo todo o
patrimônio de fé e de moral que foi construido em dois mil anos de
cristianismo.
“Em parte alguma deles, pode ela ensinar erros que se oponham, ainda
que indiretamente, à revelação divina; em parte alguma deles, pode ela
contradizer o que ela sempre ensinou; em parte alguma deles, pode ela
conduzir os fiéis rumo ao erro e o pecado ou para longe da verdade e
da santidade.” [JS DALY]
Falando de erros:
http://apologetica.ning.com/forum/topics/ideias-claras-sobre-o”
(Thiago Santos de Moraes, fórum “Apologética Católica”, do [p]orkut,
tópico “Plenitudo Potestatis”, comentário 8, 10 dez. 2009.)
Novamente, seguindo a indicação dele de link, encontro afirmação ainda
mais explícita do erro que logo refutarei (destaque meu em
maiúsculas):
“Magistério universal ordinário infalível da Igreja (continuidade do
ensino do Papa + bispos NO TEMPO e no espaço em matéria de fé ou
moral);”
(Thiago Santos de Moraes, Idéias claras sobre o Magistério infalível
do Papa: entre a desobediência e a servilidade, no seu fórum
Apologetica.ning.com, postagem de 26 de maio de 2009, em:
http://apologetica.ning.com/xn/detail/2616359:Comment:5321).
Meu único consolo é que, desta vez, o Prof. Rui Machado viu bem o erro
e tentou corrigi-lo (infelizmente sem sucesso), recordando ao
moderador do fórum a doutrina correta:
“A respeito do magistério ordinário universal dos bispos também não é
necessário que este se insira numa continuidade de declarações. De
acordo com o entendimento dos teólogos, este magistério se dá quando
os bispos, unidos entre si e com o Papa, propõem uma doutrina, fora de
um concílio ecumênico.”
(Rui Ribeiro Machado, na sequência do loc. cit. no comentário
anterior, em 29 de maio de 2009:
http://apologetica.ning.com/xn/detail/2616359:Comment:5587).
Muito bem dito! Exceto por este inciso final (“fora de um concílio
ecumênico”), sobre o qual se poderia debater, mas que não tem maior
consequência para a verdade central aí exprimida, trata-se aí de
formulação direta e concisa de uma verdade fundamental, que nenhum
católico pode negar. E, no entanto, o fato de o Sr. Thiago Moraes não
se ter retratado ou corrigido, mas de continuar indicando seus artigos
com a heresia aí refutada otimamente por Rui Machado, mostra que
Thiago Moraes não se convenceu de seu erro.
Vejamos se não tenho mais sucesso; para esse fim, citarei três
excertos de outro texto que traduzi (este ainda não publicado) do Sr.
John Daly, que a meu ver refutam esse grave erro, ou melhor heresia,
da maneira mais satisfatória que já encontrei (acrescento que as
citações a seguir independem, em seu núcleo, do contexto polêmico em
que se encontram, referente à infalibilidade do Vaticano II se Montini
fosse papa):
« 4. Outros escapistas, não querendo falsificar fatos facilmente
verificáveis sobre o próprio Concílio [Vaticano II], preferiram
alterar alegremente a doutrina católica. Eles alegam, em particular,
que o Magistério Ordinário e Universal é infalível somente quando o
ensinamento que ele propõe, não somente é ensinado por todos os bispos
num dado momento, mas pode-se também demonstrar ter sido ensinado por
eles ao longo de um período muito extenso. Para justificar essa
alegação, eles apelam ao famoso “Cânon Vicentino” ou pedra de toque da
doutrina tradicional: “O que foi crido sempre, em toda parte e por
todos.” Essa exigência é também útil para quem nega o ensinamento da
Igreja de que o Batismo “in voto” (por desejo) pode ser suficiente
para a justificação e, portanto, para a salvação.
Mas a exigência é de fato herética! O ensinamento do Concílio do
Vaticano, de 1870, sobre o tema é dogmático e claro, e qualquer dúvida
de interpretação é resolvida pela consulta às discussões conciliares.
O termo “universal” implica em universalidade local, não de tempo. Em
termos técnicos, é a universalidade sincrônica, não a universalidade
diacrônica, que condiciona a infalibilidade. O que foi crido sempre e
em toda parte é infalivelmente verdadeiro, mas o ensinamento pode ser
infalivelmente verdadeiro sem ter sido explicitamente crido sempre e
em toda parte. O ensinamento presente da suprema autoridade docente da
Igreja, seja expresso num juízo solene ou por atos ordinários, é
necessariamente infalível e, portanto, bem incapaz de apresentar
doutrina falsa ou nova, embora possa tornar explícito o que foi até
então implícito ou trazer certeza ao que caiu em dúvida. Se doutrina
flagrantemente falsa é ensinada em condições que deveriam garantir a
infalibilidade, é não somente a novidade o que deve ser rejeitado, mas
a autoridade que a impõe também, pois a legítima autoridade não pode
errar em casos tais, e o erro descarado é, portanto, prova certa de
ilegitimidade. »
(J.S. DALY, “O Vaticano II Ensinou Infalivelmente? O Magistério
Ordinário e Universal”, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2009,
[a ser publicado proximamente em:] AciesOrdinata.wordpress.com,
negritos meus).
E, dado que “qualquer dúvida de interpretação é resolvida pela
consulta às discussões conciliares”, como acaba de ser dito, vale
citar a esse respeito, do mesmo artigo, o trecho seguinte, que trata
justamente do que foi elucidado nas referidas discussões e o respalda
ainda pelo ensinamento dos Papas Pio IX e Pio XII (negrito meu,
itálicos do original):
« Dever-se-ia notar também que, quando os Padres do Concílio do
Vaticano, de 1870, discutiam o esquema da Dei Filius antes da votação,
foram levantadas questões sobre o sentido da palavra “universal” na
expressão “Magistério Ordinário e Universal”, e o relator oficial do
Concílio, o Bispo Martin, remeteu-os à Tuas Libenter (de 21 de
dezembro de 1863), do Papa Pio IX. Esse documento (Denzinger 1679-84)
esclarece magnificamente bem as obrigações dos fiéis quanto aos atos
pelos quais os representantes da Igreja docente comunicam-lhes a
doutrina. Eis a parte mais relevante, que confirma as palavras de Dom
Martin:
“Mesmo em se tratando somente da submissão que se deve prestar pelo
ato de fé divina, esta não pode ser limitada àquilo que foi definido
pelos decretos expressos de concílios ecumênicos ou pelos decretos
desta Sé, mas deve ser estendida também àquilo que é transmitido como
divinamente revelado pelo Magistério Ordinário da Igreja inteira
espalhada pelo mundo…” (Denzinger 1683).
Assim, o “Magistério Ordinário e Universal” designa o poder de ensinar
do papa e bispos do mundo inteiro juntos. Nenhum tipo especial de
ensinamento é exigido. Nem é necessário que o ensinamento seja dado ao
longo de um extenso período de tempo. Se a autoridade docente
universal, i.e. o papa e os bispos com unanimidade moral, transmitem
aos fiéis um ensinamento como revelado, os fiéis são obrigados, sob
pena de heresia, a crer com fé divina nessa doutrina. É uma negação do
significado certo desse dogma rejeitar algum ensinamento que o papa e
os bispos estejam transmitindo aos fiéis hoje sob pretexto de que o
mesmo consenso não pode ser encontrado no passado.
[...]
É a doutrina padrão dos teólogos e é afirmada muito claramente, de
fato, pelo Papa Pio XII num ato do Magistério Extraordinário, a
constituição Munificentissimus Deus definindo a Assunção de Nossa
Senhora Santíssima. Fazendo referência às declarações dos bispos do
mundo feitas antes de o dogma ser promulgado, o Papa diz:
“A singular concordância dos bispos e fiéis católicos em afirmar que a
Assunção corpórea ao céu da Mãe de Deus podia ser definida como dogma
de fé, dado que nos mostra a doutrina concorde da autoridade doutrinal
ordinária da Igreja e a fé concorde do povo cristão que aquela
autoridade doutrinal sustenta e dirige, manifesta, portanto, por si
mesma e de modo inteiramente certo e infalível, que tal privilégio é
verdade revelada por Deus e contida no depósito divino que Jesus
Cristo confiou à sua Esposa para o guardar fielmente e infalivelmente
o ensinar. (…) Por essa razão, do consenso universal do magistério da
Igreja deduz-se prova certa e segura para demonstrar que a Assunção
corpórea da Bem-aventurada Virgem Maria (…) é verdade revelada por
Deus, e por essa razão todos os filhos da Igreja têm obrigação de a
crer firme e fielmente. Pois, como afirma o Concílio Vaticano, “temos
obrigação de crer com fé divina e católica todas as coisas que se
contêm na palavra de Deus escrita ou transmitida oralmente, e que são
propostas pela Igreja, seja por solene definição ou pelo seu
magistério ordinário e universal, para crer como reveladas por Deus”.”
(Itálico acrescentado). »
(J.S. DALY, “O Vaticano II Ensinou Infalivelmente? O Magistério
Ordinário e Universal”, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2009,
[a ser publicado proximamente em:] AciesOrdinata.wordpress.com,
negritos meus).
E fique destarte impugnada de vez, assim espero e rezo, a referida
“exigência herética” para a infalibilidade do Magistério Ordinário e
Universal, deploravelmente ainda comum entre tradicionalistas de
nossos dias. (Só resta implorar, por caridade, que não se me force a
refutar também, como confirmação, aquele absurdo estudo de Hirpinus em
que se baseou o Sr. Thiago Moraes…)
5. TERCEIRO GRAVE ERRO: A ORTODOXIA DO ENSINAMENTO COMO CRITÉRIO, EM
VEZ DE CONSEQUÊNCIA, DA INFALIBILIDADE
Rapidamente, antes de terminar esse comentário que já vai longo (mas
quero crer que didático, para quem tiver a paciência, espero movida
pelo amor à ortodoxia, de chegar até aqui), um último grave erro a
refutar, intimamente relacionado com os que acabamos de dissipar com a
luz da sã doutrina explicada com maestria pelo Pe. Penido e pelo Sr.
John S. Daly.
Esse derradeiro erro (também comum entre tradicionalistas) de que o
Sr. Thiago Santos de Moraes se faz autêntico paladino em seus fóruns,
onde “trabalha” a doutrina para “aprofundá-la”, aparece claramente no
seguinte diálogo, genuinamente, surreal (novamente, vemos o Prof. Rui
Ribeiro Machado tentando converter o seu amigo à sã doutrina, sem
sucesso):
« T.S.M.: — “O Papa tem a última palavra no que se refere à fé ou
moral, mas, ao mesmo tempo, tem esse poder limitado pela Revelação
como vista pelo Magistério infalível anterior. Os dois pólos interagem
direto; aliás, sem essa interação o que o Papa diz não passaria de
opinião comum. Portanto, o Papa só detém a última palavra enquanto
fiel servidor do Senhor. A última palavra do Sumo Pontífice é sempre
condicionada.” (comentário 6, de 9 dez. 2009.)
R.R.M.: — “Thiago, eu não vejo possibilidade do Papa fazer uma
declaração “ex cathedra” que contrarie a Revelação e essa ficar
reduzida apenas a uma opinião comum, destituída de valor. Mesmo num
pronunciamento não infalível, ele nunca pode emitir uma opinião
contrária à Revelação, sem que haja uma grave consequência. Eu penso
que, se fizer tal declaração, ele torna-se simultaneamente um herege.
Nesse caso, não há mais Papa, pois tornou-se um herege público. De
todo modo, um verdadeiro Papa jamais fará uma declaração dessas, pois
o Vaticano I definiu que o verdadeiro Papa sempre é infalível quando
fala “ex cathedra”.” (comentário 10, de 11 dez. 2009.)
T.S.M.: — “Não, ele não se torna herege porque para alguém ser herege
é necessário mais do que falar ou proclamar uma heresia.
Em JMJ,
Felipe Coelho
P.S. — Se não estivesse sobrecarregado de trabalho nesses dias que
antecedem o Natal e no começo do ano novo, continuaria escrevendo esta
resposta nos próximos dias, incluindo nela a refutação às duas
objeções feitas pelo Sr. Paulo Frade, que são honestas e inclusive já
foram as minhas, bem como a refutação do tristemente célebre artigo de
Hirpinus, que pude reestudar detidamente neste fim de semana e que
muito provavelmente está na origem dos erros do Sr. Thiago Moraes (o
herético e obscuro “Ideias Claras sobre o Magistério etc.” supracitado
é basicamente digitação desse artigo praticamente inteiro, acrescida
de alguns poucos enxertos e ressalvas). Como, porém, nenhuma daquelas
duas objeções diz respeito diretamente à demonstração contida na
conferência de John Daly, a qual, concluindo como pretende, reduz
ambas as objeções a meras dificuldades sem maior peso, e como os erros
de Hirpinus parecem-me já mais do que refutados acima, o que faz a
refutação do artigo do Sì Sì No No ficar reduzida a interesse quase
meramente histórico e de erudição, deixo então, para daqui a algumas
semanas provavelmente, essas três interessantes refutações, para as
quais, de resto, já reuni o material. AMDGVM, FC
4. Sandro de Pontes Disse:
Sobre Escandalizar-se
Cap. VIII das
Conferências Espirituais
(Londres, 1859)
Padre Frederick William FABER (1814-1863),
do Oratório
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Padre FABER, Sobre Escandalizar-se, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, fev. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-fY
de: “On Taking Scandal“, cap. VIII das Spiritual Conferences, Londres,
1859, pp. 305-315.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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"Por fim, meu Imaculado Coração triunfará"
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Textos essenciais em tradução inédita – 37 »
Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – IV
“salve-regina.com/Theologie/Canon_saint_Vincent_Lerins.htm”.
http://www.salve-regina.com/salve/Le_Canon_de_saint_Vincent_de_Lérins
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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"Por fim, meu Imaculado Coração triunfará"
« Textos essenciais em tradução inédita – XCIII
Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XI »
Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – X
Doutor da Igreja
PROPOSIÇÃO XII. O cristão não deve prestar obediência à ordem que lhe
for feita (ainda que feita pelo Sumo Pontífice) se primeiro não houver
examinado se a ordem, na medida em que o exige a matéria, é
conveniente e legítima e obrigatória; e aquele que sem exame algum da
ordem a executa, obedecendo às cegas, comete pecado.
RESPOSTA. Essa proposição se poderia esperar de qualquer um, menos de
pessoas religiosas; mas, deixando de lado a sua origem, que a nós
pouco importa, digo que essa proposição é diretamente contrária aos
Santos Padres; que não se encontra em nenhum bom autor; que enerva a
disciplina de toda congregação bem ordenada, seja espiritual ou
temporal; e é em tudo conforme à doutrina dos luteranos e outros
hereges de nosso tempo.
Não chego a dizer que seja pecado por vezes examinar o preceito do
superior, mas digo que não é pecado não o examinar, bem como que a
obediência é mais perfeita e mais agrada a Deus quando se obedece
simplesmente, sem examinar a ordem, não cuidando de saber por que o
superior ordena, bastando-lhe saber que ordena; sempre, porém,
excetuando quando a ordem contenha pecado manifesto, pois aí não há
ocasião de examinar, devendo-se obedecer antes a Deus do que aos
homens; e, se me fosse dito que quando é duvidoso se a ordem contém ou
não pecado, dever-se-ia então examiná-la para não se pôr em perigo de
pecar, eu responderei com São Bernardo que quando não há nela pecado
manifesto, não se há de examiná-la, nem há aí perigo de pecar, porque
na dúvida o súdito deve remeter-se ao superior e tem de pressupor que
este ordene bem; e eis as palavras dele, no livro De precepto, et
dispensatione [Sobre o preceito e a dispensa]:
“Dir-me-eis, talvez, que os homens podem enganar-se sobre a vontade de
Deus nas coisas duvidosas, e ordenar errado. Que vos importa? Não
tendes culpa nenhuma nesse caso.” [Sed homines (inquis) facile falli
in Dei voluntate de rebus dubiis percipienda, et praecipienda fallere
possunt; sed enim quid hoc refert tua, qui conscius non es?]
E, pouco adiante:
“Aquele, pois, que está no lugar de Deus perante nós, devemos ouvi-lo
como se ouvíssemos a Deus mesmo, em tudo aquilo que não é abertamente
contra Deus.” [Ipsum proinde, quem pro Deo habemus, tamquam Deum in
his, quae aperte non sunt contra Deum, audire debemus.]
Peço agora aos sete doutores que me deem um autor santo, ou ao menos
católico, que afirme aquela sua proposição. Considerei todas as
palavras que gastam para provar essa proposição décima-segunda, e não
encontrei que aleguem em favor dela outro além do Cardeal Toleto,
dizendo:
“Essa proposição é doutrina do Cardeal Toleto, o qual, em seu livro
Instructio Sacerdotum [Instrução aos sacerdotes], tomo 5, cap. 4,
assim escreve, falando da residência episcopal: Quando o Papa
encarrega um bispo de algum negócio que exige a ausência deste por um
tempo, este pode se ausentar; mas não basta obedecer, há que ser uma
obediência devida; pois, na ausência de causa razoável, um preceito
não devemos obedecer. [Cum enim Papa imponit aliquod negotium
episcopo, quod requirit ad tempus absentiam, abesse potest: sed
allende, quodnon sufficit obedientia tantum, sed debita, quia cum
absque caussa rationabili aliquid praecipitur, non debemus obedire].”
Aí estão todos os autores que eles citam em prol de sua sentença.
Ao que, nós respondemos: primeiro, que o Cardeal Toleto não trata da
obediência em geral, nem põe in terminis a proposição deles de que o
súdito seja obrigado a examinar o mandamento do superior e peque se
não o fizer. E nós, pelo contrário, alegamos muitos santos que louvam
a obediência daqueles que não examinam o mandamento do superior.
Segundo, respondemos que o Cardeal Toleto fala de um caso em que
ocorrem duas ordens que parecem contrárias, pois o bispo tem um
mandamento do sacro concílio, e por consequência do Sumo Pontífice que
aprovou o concílio, de residir na sua diocese; por onde, quando o Papa
manda-o sair para longe da diocese, pode merecidamente duvidar de qual
dos dois mandamentos deve obedecer, máxime que a obediência de ficar
fora da diocese carrega em si a dispensa para não residir, e as
dispensas não valem in foro conscientiae quando não há causa legítima;
e assim entendo as palavras do Cardeal Toleto, Cum absque caussa
rationabili aliquid praecipitur non debemus obedire, ou seja, que não
devemos obedecer em detrimento de outro mandamento mais importante;
pois, quando não há tal detrimento, deve-se simplesmente obedecer
ainda que o mandamento seja sem causa razoável, dado que não contenha
pecado expresso.
Assim, dado que os sete doutores não têm autor onde apoiar-se, e nós
temo-los aos montes, permaneceremos em nossa sentença, sobretudo
porque, como se disse no princípio, esse ensinamento de examinar os
preceitos não é outro que o de tornar os súditos juízes de seus
superiores e abrir a porta à rebelião e à contumácia.
Certamente que, se no exército devessem os soldados examinar as ordens
do General, máxime quando são mandados a invadir alguma cidade, poucas
vitórias seriam contadas; e por isso os antigos romanos eram tão
rígidos cobradores da simples obediência nos soldados, que não
admitiam desculpa nem interpretação alguma. Daí que Torquato puniu com
a pena capital o próprio filho, porque sem obediência havia combatido,
embora tivesse vencido.
Nos governos políticos, se toda a vez que o Príncipe emite um edito de
que não se faça isto ou aquilo, fosse lícito, ou melhor dizendo,
conforme os sete doutores, fosse obrigatório sob pena de pecado não
admitir essas ordens sem examiná-las diligentemente, e em seguida não
as executar se não lhes parecessem convenientes, vão seria o poder
público, nem se poderiam governar as cidades ou as províncias.
Igualmente, quando o Bispo prega ao povo, e manda aquilo que devem
crer, e obrar, para salvar-se, se os ouvintes fossem obrigados a
examinar esses preceitos do Prelado, que confusão não nasceria na
Igreja? Aquela, por certo, que hoje vemos nas congregações dos
luteranos, onde cada qual se faz juiz, segundo a sua consciência, das
decisões acerca da fé ou costumes dadas pelos ministros, nem se podem
lamentar dessa insolência os seus líderes, pois foram eles que os
ensinaram a fazer-se censores e juízes de seus superiores, dando a
essa desobediência o nome de liberdade de consciência.
http://books.google.com/books?id=0DgAAAAAYAAJ&pg=PA453
http://books.google.com.br/books?id=dHFFAAAAcAAJ
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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7 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – X”
1. Sandro de Pontes Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
4. Irmão Bento Disse:
Pax !
Foi nestes tempos que eu conheci o Revmo. Padre George Petrenko, hoje
bispo Gregorio, com quem mantive relações de amizade e respeito ainda
que distantes, por todos estes anos. No entanto, recentemente, após eu
ter tomado conhecimento de estar entre eles como monge um antigo
companheiro de fundação sedevacantista, o Senhor Claudio Alberto
Fernandes ( Ir. Pio Maria ), uma nova fase de aproximação se tornou
possível, principalmente por conta do projeto de vida monástica deste
antigo companheiro de acordo com os cânones da Igreja Russa apoiados
pelo bispo Gregório.
Mas permaneço a sua disposição para aclarar qualquer ponto sobre esta
minha conduta em relação a Igreja Russa, garantindo também ao senhor
que rechaço todo erro, toda heresia e todo cisma que os Orientais, por
questões diversas, de múltiplos aspectos, acabaram caindo ao longo do
tempo, tanto quanto rechaço os erros, heresias e cismas que
aconteceram por aqui, no Ocidente, desde o triunfo do Humanismo, da
heresia Luterana, do Naturalismo, do Liberalismo e por fim do
Modernismo condenado por São Pio X, mas inteiramente assimilado pelo
herético conciliábulo do Vaticano II com seus falsos papas e seus
falsos bispos e padres.
In Xto,
http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=625 )
Sobre essas questões, trata-se mais longamente nos Apêndices III e IV
do livro do Rev. Pe. Hervé BELMONT, As Sagrações Episcopais Sem
Mandato Apostólico em questão, 2000, http://wp.me/pw2MJ-r2
Leitura recomendabilíssima. Com cuja recomendação, porém, não quero
dizer que creia o senhor idôneo para o sacerdócio, antes, se me perdoa
a franqueza, devo dizer que o oposto é bastante manifesto, como me
parece provar-se, a seguir, pelas palavras do senhor mesmo.
4. O senhor prossegue afirmando “apreço pela espiritualidade da Igreja
Russa. Com certeza o mesmo apreço que levou Pio XII a fundar o
Russicum para formar padres para serem enviados à Rússia comunista e
poderem salvar o povo russo do jugo dos soviéticos anticristãos e
anti-católicos.”
Há aí uma maneira bastante peculiar de formular os desejos do Papa! Na
realidade, a missão do idealizador do Russicum Mons. D’Herbigny, por
exemplo, na Rússia, era restabelecer a Hierarquia Católica Romana no
país e não apenas um vago anticomunismo; foi para esse fim que o então
Cardeal Pacelli recebeu ordens do Papa Pio XI de sagrá-lo secretamente
bispo in partibus de Illium, ou seja Tróia…
5. O senhor fala em “apostasia de Roma”, mas, na realidade, a Igreja
de Roma é indefectível, e o que hoje faz as vezes de Roma é uma falsa
igreja, uma anti-igreja, comandada por “Romanos” que não são
verdadeiramente tais, como notou mesmo um bispo da FSSPX, nesse ponto,
lamento dizer, mais ortodoxo que o senhor:
“Não creiam que as discussões que teremos com Roma – se Deus o
permitir – tenham por objetivo depor as armas ou fazer a paz, não se
trata disso. Trata-se de convencer os hereges de suas heresias. Trata-
se de convencer de erro os ‘Romanos’ que não são verdadeiros Romanos.
Não se trata de fazer a paz. Será preciso combater longamente,
longamente continuar a combater, caros fiéis.”
O que você diz: “quatro continuaram como estvaam, Roma seguiu outro
caminho” não é verdade. Parte dessas quatro já havia se separado
antes, formando um outro grupo.
Em JMJ,
Felipe Coelho
6. Irmão Bento Disse:
Devo escrever.
Agora faço outrossim por caridade. Sim, por caridade! Pois é chocante
e escandaloso o seu proceder, sicrano “irmão Bento Maria”. Que as
pessoas não o imitem.
O que escrever de mais coerente e alentador para dissuadir e
transformar esse fulano, que se intitula “irmão Bento Maria”?
Não é o ódio pela sua pessoa que me leva a escrever assim, porém o
ódio pela sua conduta.
JMJTJ
_____________
Firmeza de Princípios.
Esses princípios são sólidos e imutáveis; valeram nos tempos de
Inocêncio III ou de Bonifácio VIII, valeram nos tempos de Leão XIII, e
valem nos de Pio XII, que os reafirmou em mais de um Documento. Por
isto, com severa firmeza, o Santo Padre tem conclamado os governantes
ao cumprimento dos seus deveres, lembrando-lhes a advertência do
Espírito Santo, advertência que não conhece limitações no tempo:
“Devemos pedir com insistência a Deus – escreve Pio XII na Encíclica
Mystici Corporis – que todos aqueles que governam os povos amem a
sabedoria de modo que nunca venha a feri-los esta gravíssima sentença
do Espírito Santo: ‘O Altíssimo examinará vossas obras e esquadrinhará
vossos pensamentos; porque, sendo ministros do seu reino, não
governastes retamente, nem observastes a lei da justiça, nem
procedestes de acordo com a vontade de Deus. Terrível e veloz Ele
cairá sobre vós, porque será feito rigorosíssimo juízo daqueles que se
acham em altas situações. Aos míseros se fará misericórdia; os
poderosos, porém, serão poderosamente castigados. Porque o Senhor não
retrocederá diante de ninguém, nem temerá a grandeza de ninguém: do
grande como do pequeno é Ele o criador, e de todos toma igual
cuidado’” (A. A. S., vol. XXXV, p. 244).
Nas encíclicas acima referidas a concordância é completa sobre o
assunto em discussão; e tenho a certeza de que ninguém poderá apontar
nelas qualquer oscilação de princípios, pois são os mesmos que se
afirmam na Summi Pontificatus de Pio XII, como nas de Pio XI Divini
Redemptoris, contra o comunismo ateu, Mit Brennender Sorge, contra o
nazismo, Non abbiamo bisogno, contra o monopólio estatal do fascismo,
como nas precedentes de Leão XIII – Immortale Dei, Libertas, e
Sapientiae Christianae.
“As últimas, profundas e graníticas bases fundamentais da sociedade –
proclamou o Augusto Pontífice, em sua radiomensagem natalícia de 1942
– não podem ser consideradas meras criações do engenho humano; podem
ser ignoradas, negadas, desprezadas, violadas, mas nunca serão ab-
rogadas com eficácia jurídica” (A. A. S., vol. XXXV, pp. 13-14).
Os Direitos da Verdade.
Agora é necessário resolver outra questão, ou melhor uma dificuldade,
mas tão especiosa que à primeira vista parece insolúvel. Objetam-nos
isto: “Sustentais dois critérios ou normas de ação diferentes, a que
recorreis consoante vossas conveniências: nos países católicos
defendeis a idéia do Estado confessional, com o dever de proteção
exclusiva à religião católica; onde estais em minoria, porém, pugnais
pela tolerância ou exatamente pela igualdade de direito a todos os
cultos. Usais, portanto, de dois pesos e duas medidas; verdadeira e
embaraçosa duplicidade, da qual os católicos, que têm noção dos
desenvolvimentos atuais da civilização, desejam livrar-se”.
Pois bem, não há dúvida que dois pesos e duas medidas têm de usar-se:
um para a verdade, outro para o erro. Os homens que estão na posse
tranquila da verdade e da justiça não admitem transações; exigem pleno
respeito aos seus direitos. Aqueles, ao contrário, que não se sentem
seguros de possuir a verdade, não ousam tampouco declarar-se únicos
senhores desse campo nem recusar respeito aos direitos de quem os
reclama baseado em outros princípios.
O conceito de igualdade de cultos e de tolerância é um produto do
livre exame e da multiplicidade religiosa. É uma decorrência lógica
das opiniões daqueles que entendem não haver necessidade de dogmas em
religião, bastando a consciência individual de cada um para
estabelecer o critério e as normas para a profissão da fé e para o
exercício do culto. Por que estranhar-se, pois, que, nos países onde
vigora essa teoria, procure a Igreja estabelecer-se em condições que
lhe assegurem o exercício da sua missão divina e trabalhe para que lhe
sejam reconhecidos aqueles direitos que, por consequência lógica dos
princípios adotados em tais países, ela pode reclamar?… A Igreja
desejaria falar e reclamar em nome de Deus; mas naqueles Estados não
lhe é reconhecida a exclusividade da sua missão. Contenta-se, então,
com reclamar em nome daquela tolerância, daquela igualdade de
direitos, daquelas garantias comuns que admitem as leis dos países
referidos.
Quando, em 1949, efetuou-se em Amsterdão a reunião das várias igrejas
heterodoxas para impulsionar o movimento ecumênico, encontraram-se ali
representantes de 146 igrejas ou confissões diferentes. Os delegados
pertenciam a cinquenta nações. Viam-se ali calvinistas, luteranos,
coptas, velhos-católicos, batistas, valdenses, metodistas,
episcopalianos, presbiterianos, malabares, adventistas, etc…. A Igreja
Católica, naturalmente, não compareceu, pois, sentindo-se já na posse
da verdade e da unidade, não precisava de ir procurá-las naquela
assembléia. O caso é que, no fim de muita discussão, os congressistas
não conseguiram pôr-se de acordo sobre nenhum ponto, nem sequer para
uma celebração final, em comum, da ceia eucarística, na qual se
deveria simbolizar a união de todos eles, se não na fé, ao menos na
caridade. Em resultado, na sessão plenária de 23 de Agosto de 1949, o
Dr. Kraemer, calvinista holandês, nomeado depois diretor do novo
Instituto Ecumênico de Coligny, na Suíça, alvitrou que seria melhor
desistir de qualquer celebração eucarística, do que manifestar a
existência de tantas divergências, fazendo uma multidão de ceias
separadas.
Sendo esses os fatos – pergunto eu – poderia qualquer uma dessas
confissões, que convive com outras em um Estado, ou mesmo que nele
predomine, assumir uma posição intransigente e reclamar para si aquilo
que a Igreja espera de um Estado em sua grande maioria católico?
Não é de estranhar, por conseguinte, que a Igreja invoque em seu favor
os direitos do homem aí onde são desconhecidos os direitos de Deus!
Isto ela fez nos primeiros séculos do cristianismo, em face do império
e do mundo pagão; isto continua a fazer na atualidade, especialmente
nos países onde todo direito religioso é negado, como nos que se acham
sob o domínio soviético.
Diante das perseguições de que são alvo todos os cristãos – e em
primeiro lugar os católicos – como poderia o reinante Pontífice deixar
de apelar para os direitos do homem, para a tolerância, para a
liberdade das consciências, mesmo que estes direitos venham sendo
objeto de detestáveis burlas? Esses direitos do homem, reivindicou-os
Sua Santidade em todos os campos da vida individual e social em sua
Mensagem do Natal de 1942 e, mais recentemente, na do Natal de 1952, a
propósito da sofredora “Igreja do Silêncio”.
É claro, portanto, que andam errados aqueles que assoalham ser
inconciliável com a civilização moderna o reconhecimento dos direitos
de Deus e da Igreja, feito no passado, como se constituísse regresso
admitir o que, em todos os tempos, é justo e verdadeiro. Acena a um
retorno à Idade Média, por exemplo, o trecho seguinte de um conhecido
escritor: “L’Église catholique insiste sur ce principe: que la vérité
doit avoir le pas sur l’erreur, et que la vraie réligion, quand elle
est connue, doit être aidée dans sa mission spirituelle de préférence
aux réligions dont le message est plus ou moins défaillant et où
l’erreur se mêle avec la vérité. C’est là une simple conséquence de ce
que l’homme doit à la vérité. Il serait cependant très faux d’en
conclure que ce principe ne peut s’appliquer qu’en réclamant pour la
vraie réligion les faveurs d’un pouvoir absolutiste, ou l’assistance
des dragonnades, ou que l’Église catholique revendique des sociétés
modernes les privilèges dont elle jouissait dans une civilisation de
type sacral, comme au Moyen Age”.
Para cumprir seu dever, o governante católico de um Estado católico
não tem necessidade de ser um absolutista, nem um esbirro, nem um
sacristão, nem de retornar ao complexo da civilização medieva.
Outro autor objeta: “Quase todos os que até agora procuravam refletir
e examinar o problema do pluralismo religioso esbarravam-se com este
perigoso axioma: que só a verdade tem direitos, não cabendo nenhum ao
erro. No entanto, hoje todos reconhecem que este axioma é falaz. Não
que queiramos reconhecer direitos ao erro, ma simplesmente porque nos
lembramos desta verdade lapalissiana: que nem o erro, nem a verdade –
que são abstrações – são objetos de direitos, são capazes de possuir
direitos, isto é, de criar deveres exigíveis de pessoa a pessoa”.
Parece-me, muito ao contrário, que a verdade lapalissiana seja antes
esta: que os direitos em questão se acham otimamente encarnados nos
indivíduos que estão na posse da verdade, e que iguais direitos não
podem reclamar os indivíduos que encarnam o erro.
Nas Encíclicas que citamos o primeiro sujeito desses direitos é o
próprio Deus, do que se segue que só possuem verdadeiro direito
aqueles que obedecem aos mandatos de Deus e se encontram, assim, na
sua verdade e na sua justiça.
Em conclusão: a síntese das doutrinas da Igreja nesta matéria foi, em
nossos dias, exposta clarissimamente na Carta que a Sacra Congregação
dos Seminários e das Universidades enviou aos Bispo do Brasil aos 7 de
Março de 1950. Esta Carta, que se refere continuamente aos
ensinamentos de Pio XII, entre outras coisas previne contra os erros
do renascente liberalismo católico, o qual “admite e encoraja a
separação entre os dois Poderes. Nega à Igreja qualquer poder indireto
em questões mistas, afirma que o Estado deve mostrar-se indiferente em
matéria religiosa… e reconhecer a mesma liberdade à verdade e ao erro.
À Igreja não cabem privilégios, favores e direitos superiores aos que
se concedem as outras confissões religiosas nos outros países
católicos”, e assim por diante.
Contraste de Legislações.
Tratada a questão pelos seus aspectos doutrinário e jurídico, seja-me
permitido fazer um pequeno excursus sobre o seu aspecto prático.
Pretendo falar da diferença e da desproporção que se observa entre o
clamor levantado contra os princípios acima expostos, entranhados na
Constituição espanhola, e o escasso repúdio manifestado por todo o
mundo laicista contra o sistema legislativo soviético, opressor de
todas as religiões. Abundam, no entanto, como consequência deste
sistema, os mártires que definham nos campos de concentração, nas
estepes siberianas, nos cárceres, sem contar as centenas daqueles que,
com a extirpação da vida de todo o seu sangue, sofreram até o extremo
as violências da iniquidade.
O artigo 124 da Constituição staliniana, promulgada em 1936, em
estreita conexão com as leis de 1929 e 1932 sobre as associações
religiosas, estatui o seguinte: “Com o fim de assegurar aos cidadãos a
liberdade de consciência, a Igreja fica separada do Estado, e a Escola
da Igreja. A liberdade de profissão religiosa e a liberdade de
propaganda anti-religiosa são reconhecidas a todos os cidadãos”.
Posta de parte a ofensa feita a Deus, a toda religião e à consciência
dos fiéis assegurando na Constituição a plena liberdade de propaganda
anti-religiosa – propaganda que se efetua do modo mais abusivo –
convém mostrar com clareza em que consiste a famosa liberdade de fé
garantida pela lei bolchevista. As normas que regulam o exercício dos
cultos se encontram na lei de 18 de Março de 1929, que interpretou o
artigo correspondente da Constituição de 1918 e cujo espírito informou
o artigo 124 da Constituição atual. Toda possibilidade de propaganda
religiosa é negada; assegurada é unicamente a propaganda anti-
religiosa. No que respeita ao culto, este só é permitido no interior
dos templos; toda formação religiosa é vedada, quer se opere por meio
de discursos quer de impressos de todo e qualquer gênero. Todas as
iniciativas sociais e caritativas são reprimidas, e nenhuma
organização que vise prodigar-se pelo bem do próximo tem o direito de
constituir-se.
Para provar que essa é a situação basta ler a exposição sintética que
desse estado de coisas fez um russo soviético, Orleanskij, no seu
opúsculo: A lei das associações religiosas na República Socialista
Federal Soviética Russa (Moscou, 1930, 224 págs.).
“Liberdade de profissão religiosa significa que a ação dos fiéis na
profissão dos seus dogmas religiosos é limitada ao ambiente dos
próprios fiéis e se considera estritamente ligada ao culto religioso
de alguma das religiões toleradas no nosso Estado… Por conseguinte
toda atividade propagandística e agitadora por parte de homens de
igreja ou de religiosos – e ainda mais de missionários – não se pode
considerar como atividade que lhes seja permitida pela lei das
associações religiosas, mas considera-se como exorbitante dos limites
da liberdade religiosa tutelada pela lei e torna-se, em consequência,
objeto das leis penais e civis, em tudo quanto as contradiz”.
A luta contra a religião é, ademais, levada pelo Estado até ao campo
de todas essas atividades que a prática do Evangelho implica, como no
que concerne à moral e às relações sociais entre os homens. Os
soviéticos perceberam perfeitamente que a religião se prende
intimamente à vida dos indivíduos e das coletividades; para combatê-
la, pois, sufocam todas as suas possibilidades de expressão no campo
educativo, moral e social. Eis o testemunho de um soviético: “O
propagandista anti-religioso deve lembrar-se de que a legislação
soviética, mesmo reconhecendo a cada cidadão a liberdade de praticar
atos de culto, limita ao mesmo tempo a atividades das organizações
religiosas, negando-lhes o direito de se imiscuir na vida político-
social da U.R.S.S. As associações religiosas podem ocupar-se única e
exclusivamente daquilo que concerne ao exercício do seu respectivo
culto, de nada mais. Os padres não podem fazer imprimir publicações
obscurantistas, nem fazer propaganda oral nas fábricas e oficinas, no
Kolcoz, nos Sovchoz, nos Clubes, nas Escolas, das suas idéias
reacionárias e anticientíficas. Pela lei de 8 de Abril de 1929 é
proibido às associações religiosas fundar caixas de socorro mútuo,
cooperativas, sociedades de produção, e, em geral, servir-se dos bens
que se acham à sua disposição para quaisquer fins que não se incluam
no âmbito das necessidades religiosas” (artigo Constituição Staliniana
e Liberdade de Consciência, em “Sputnik Antireligioznika”, Moscou,
1939, pp. 131-133).
Antes, pois, de atirar pedras aos governos católicos que cumprem os
seus próprios deveres no que toca à religião dos seus concidadãos, os
tutores dos direitos do homem deverão preocupar-se com sua situação,
que constitui um ultraje à dignidade do homem, qualquer seja a sua
religião, criada por um poder tirânico que pesa sobre um terço da
população do mundo!
Cultos Tolerados.
Também a Igreja reconhece a necessidade em que se podem achar governos
de países católicos de conceder, por motivos gravíssimos, a tolerância
aos outros cultos. “Posto que a Igreja entenda não ser lícito atribuir
aos diversos cultos os mesmos direitos que à verdadeira religião,
todavia não condena os governantes que, para conseguir um bem maior ou
para evitar algum mal, toleram, na prática, a existência de vários
cultos no Estado que regem” (Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V,
p. 141).
Mas tolerância não significa liberdade de propaganda, fomentadora de
discórdias religiosas e perturbadora da tranquila e unânime posse da
verdade e do culto religioso em países como a Itália, a Espanha e
semelhantes.
Referindo-se às leis italianas sobre os “cultos admitidos”, Pio XI
escreveu: “Cultos tolerados, permitidos, admitidos, – não seremos Nós
que haveremos de levantar uma questão de palavras. O caso se
soluciona, e não sem elegância, distinguindo entre texto
constitucional e texto meramente legislativo: naquele, por si mesmo
mais teorético e doutrinário, cabe melhor a palavra tolerados; este,
de ordem mais prática, recebe sem dano as palavras permitido ou
admitido, desde que devidamente entendidas. O que deve ficar clara e
lealmente conhecido é que a religião católica, e só ela, é, de acordo
com a Constituição e os Tratados, a Religião do Estado, e só a ela
pertencem as lógicas e jurídicas consequências de tal situação
constitucional, particularmente as que se referem à propaganda… Não se
pode entender a liberdade de discussão de modo tão absoluto que
compreenda todas as formas de discussão, inclusive essas que podem
facilmente enganar a boa fé de auditores pouco esclarecidos ou que
facilmente degeneram em modalidades dissimuladas de propaganda
contrária à Religião do Estado e, por isso mesmo, ao Próprio Estado e
exatamente naquilo que possui de mais precioso e de mais essencial à
tradição do povo italiano – a sua unidade” (Carta de 30 de Maio de
1929 ao Cardeal Gasparri sobre os Pactos Lateranenses).
Entretanto os acatólicos, que desejariam evangelizar os países dos
quais partiu e se difundiu sobre eles a luz do Evangelho, não se
contentam com o que lhes concede a lei, mas contra a lei e sem sequer
respeitar as suas prescrições, querem ter plena licença para romper a
unidade de povos católicos, e se lamentam se os governos fecham as
capelas que abriram sem a devida autorização ou expulsam os que se
dizem missionários mas que entraram nos país declarando, para poderem
entrar, que viajavam com outros objetivos.
É muito significativo, aliás, que os mais zelosos defensores e
auxiliares de todas as formas de propaganda protestante, em países
católicos, são os comunistas, aqueles, justamente, que na Rússia
proíbem qualquer propaganda religiosa, como atrás vimos, comentando o
art. 124 da sua vigente Constituição. E nos Estados Unidos, embora
muitos irmãos dissidentes ignorem várias circunstâncias de fato e de
direito concernentes ao nosso país, não faltam os que, imitando o zelo
dos comunistas, protestam contra a nossa famosa intolerância contra os
missionários enviados para evangelizar-nos!
Mas – por favor – por que se haveria de negar às autoridades italianas
o direito de fazerem em sua própria casa o mesmo que fazem os
americanos em sua terra quando aplicam in virga ferrea leis que lhes
permitem impedir o ingresso no seu país ou dele expulsar a quem quer
que venham a considerar como perigoso a respeito de certas ideologias
ou nocivos às livres tradições e instituições de sua Pátria?
Por outro lado, se os crentes de além-mar, que recolhem fundos para os
seus missionários e para os neófitos por eles conquistados, soubessem
que a maior parte desses “convertidos” se compõe de autênticos
comunistas, que não ligam a mínima importância às coisas religiosas,
senão quando se trata de prejudicar ao catolicismo, e, ao contrário,
importam-se muitíssimo com os auxílios que copiosamente enviam os que
moram do outro lado do oceano, creio que pensariam mais detidamente
antes de continuar a remeter o que, em última análise, reverte
unicamente em proveito do comunismo.
_____________
ÍNDICE
Prefácio
Introdução
Igreja Carismática ou Igreja Jurídica?
Adesão ao Magistério Ordinário.
Deveres do Estado Católico.
Firmeza de Princípios.
Os Direitos da Verdade.
Contraste de Legislações.
Cultos Tolerados.
No Templo e Fora do Templo.
_____________
LINK:
Cardeal Alfredo OTTAVIANI, Deveres religiosos do Estado Católico,
1953, transcrito em: http://wp.me/pw2MJ-10O
Transcrição fiel do texto impresso:
IDEM, “Deveres religiosos do Estado Católico”, trad. br. in: Vozes de
Petrópolis. Revista Católica de Cultura, de julho/agosto de 1953, vol.
11, fascículo 4, pp. 350-367.
Cf. tb. ID., “Os deveres religiosos do Estado Católico”, Revista
Eclesiástica Brasileira, Vol. 13, fasc. 3, setembro de 1953, p. 537-
554.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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Essa entrada foi publicada em 5 de outubro de 2011 às 1:51 e está
arquivada em Autores: pré-conciliares, Cardeal Ottaviani, Doutrina,
Formação, Liberdade religiosa, Maritain, Método, Papa LEÃO XIII (1878-
1903), Papa PIO XI (1922-39), Papa PIO XII (1939-58). Você pode
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34 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIII”
1. Sandro de Pontes Disse:
em JMJ,
Aruan
4. Alexandre Fernandes Disse:
SM! VCR!
Ao meu ver, você tem razões EM PARTE quando diz que existe um direito
natural a liberdade religiosa, pois, realmente, a partir da própria
natureza humana, podemos chegar ao conhecimento de Deus e dos DEVERES
que temos para com Ele: a lei moral a praticar, verdades a crer e
culto a ser tributado ao Ser Supremo.
Neste sentido, o homem deve ser livre para praticar o culto a Deus. É
o que se chama religião natural.
Entretanto, repare que a liberdade inerente a natureza humana de
praticar a religião natural está intimamente ligada à verdade, pois só
podemos chegar ao conhecimento de certas verdades metafísicas por meio
da pesquisa pela verdade que é uma lei moral natural (É contra a lei
natural a mentira, a fraude, etc). Portanto, assim como a liberdade de
pensar só existe para a verdade, assim também a liberdade para a
prática religiosa também só existe para a verdade. Não é possível
fazer uma dissociação entre as duas, como a DH faz.
Desse modo, caso não houvesse revelação, teríamos a liberdade natural
de praticar o culto a Deus, pois esta deriva da lei natural que temos
de expressar o pensamento veraz. Como Deus, em sua infinita bondade,
revelou verdades sobre Ele para nós, temos a obrigação de aceitar
estas verdades; e é por isso que o Estado também tem a obrigação moral
de aceitar estas verdades, pois aquele deve estar ordenado a Cristo.
O que o Aquinate sustenta em seu posicionamento, não é que o direito
natural da pessoa humana para a prática da religião está acima da
verdade religiosa (até porque não existe nenhuma incompatibilidade
entre as duas ), mas simplesmente que a imposição da Fé sem o
consentimento dos pais vai contra OUTRO direito natural que é o
direito dos pais sobre os filhos que ainda não alcançaram a razão. Não
se pode impor pela força a revelação, mas isso não significa que não
se possa coibir que um pensamento falso se manifeste.
Santo Tomás em nenhum momento defende uma (pseudo )liberdade natural à
religião que viria antes da verdade religiosa. A tolerância que se
deve ao culto dos infiéis é apenas com vistas a um bem maior ou à
própria verdade. Jamais é fundamentada em algum direito natural que
viria antes da própria verdade. Veja o que
Mas del hecho de observar los judíos sus ritos, en los que estaba
prefigurada la verdad de fe que tenemos, proviene la ventaja de que
tengamos en nuestros enemigos un testimonio de nuestra fe y cómo, en
figura, está representado lo que nosotros creemos. Por esa razón se
les toleran sus ritos. No hay, en cambio, razón alguna para tolerar
los ritos de los infieles, que no nos aportan ni verdad ni utilidad, a
no ser para evitar algún mal, como es el escándalo, o la discordia que
ello pudiera originar, o la oposición a la salvación de aquellos que,
poco a poco, tolerados de esa manera, se van convirtiendo a la fe. Por
eso mismo, en alguna ocasión, toleró también la Iglesia los ritos de
los herejes y paganos: cuando era grande la muchedumbre de infieles.
(Suma teológica – Parte II-IIae – q. 10, a. 11)
Conclusão: a liberdade religiosa tal qual exprimida na DH é herética.
pois não aprofunda uma verdade contida na Revelação, mas a modifica.
não empolga.
Eu afirmei duas coisas simples, a primeira num sentido muito pontual e
a segunda foi num sentido diferente daquele que você atribuiu-me.
A primeira foi dizer que a DH parte de um princípio anterior à decisão
moral de um indivíduo, e dos direitos que o indivíduo possui perante o
estado, independentemente de quaisquer circunstâncias nas quais o
indivíduo esteja.
A segunda foi uma afirmação da completa inoportunidade de se ensinar
alegremente por aí afora a idéia de um estado católico cuja ingerência
indevida em assuntos religiosos não se distingue (para a maior parte
das pessoas), na prática, em nada de um regime totalitário. Fazer
alarde de tal doutrina é amarrar corda no próprio pescoço e incentivar
mais ainda uma segregação social que já impera contra os católicos
tradicionalistas. Isso não significa, de modo nenhum, que eu rejeite
esse princípio: só significa que ele é francamente secundário perante
outras doutrinas cujo conhecimento é bem mais importante à salvação
das almas.
Ou você por acaso acha que vai converter algum índio, ateu,
protestante ou qualquer outra pessoa falando desse tipo de tema,
diretamente, sem ensinar-lhe as razões fundantes de uma tal posição
política…?
DISCERNIMENTO, gente.
—
Temos a obrigação de aceitar essas verdades sim, caro Renato, assim
como o Estado também deve reconhecer, segundo a sua competência, tais
verdades.
Mas eu não disse que Tomás de Aquino defende uma liberdade natural
para a defesa de doutrinas acatólicas (aliás, nem a DH defende isso, o
que ela defende é uma liberdade PARA a verdade, e não uma liberdade DA
verdade).
Eu disse que Tomás de Aquino, ao colocar os deveres para com a verdade
religiosa da necessidade do batismo como SUBMISSOS à verdade natural
do legítimo direito ao pátrio poder, MESMO QUANDO ELE IMPLICA EM
EFEITOS CONTRÁRIOS À VERDADE RELIGIOSA, demonstra que existe um certo
“locus” no qual não há legitimidade nenhuma de intervenção em favor da
verdade religiosa SEM COM ISSO VIOLAR UM DIREITO NATURAL.
E isso é, evidentemente, semelhante à situação das comunidades
religiosas não-católicas perante o estado: ele não pode intervir nelas
sem violar o direito natural à imunidade de coerção/coação senão
quando estas fogem totalmente dos limites aceitáveis, limites estes
que são variáveis (mas não totalmente variáveis, dado que devem
obedecer a norma moral objetiva, a moralidade pública, etc).
Eu duvido que a Igreja não compreenda ser sua própria liberdade de
ação fundada numa potência geral e natural, potência esta que é
verdadeira ela mesma, meu caro. Com base na afirmação positiva dessa
potência anterior à adesão a qualquer proposição (esta sim verdadeira
ou falsa) é que subjaz a possibilidade de erro ou acerto moralmente
imputáveis.
É visando defender essa potência de ingerências indevidas que a DH
afirma o que afirma. Depois disso, concordo plenamente que hajam
outros direitos cumulativos que somente a verdade religiosa dispõe – e
a DH não me parece negar isso em nenhum momento.
A DH justifica sua doutrina na inviolável dignidade da natureza
humana, cujos direitos transcendem a potência de intervenção do estado
até que sejam violados os “justos limites”, isto é, até que tal
potência crie desordenações não apenas doutrinalmente erradas (coisa
que o Estado não têm legitimidade para discernir), mas também coisas
que afetem o âmbito da ordem pública.
Isso não tiraria em nenhum momento a obrigação dos homens e das
comunidades religiosas de buscarem a verdade e encontrando-na,
aderirem a ela. Apenas permitiria que elas fizessem isso sem qualquer
coação (que concordarmos ser sempre condenável, embora muitas vezes
praticada pelos católicos na História e inclusive – lamentavelmente –
justificada por Santo Tomás de Aquino) ou indevida coerção.
E ISSO NÃO ME PARECE SER CONTRADITÓRIO COM NADA A FÉ CATÓLICA NOS
OBRIGUE A ADMITIR, até porque o Estado não têm jurisdição para impedir
todo e qualquer ato mau das comunidades religiosas acatólicas PELO
MERO FATO DE SEREM ACATÓLICAS.
Historicamente falando, não há nenhum documento sequer que ofereça ao
Estado legitimidade para uma potência dessas. Isso que afirmo, aliás,
é o que diz Pio XII na “Ci Riesci”; não me parece ser bom católico
quem nega tal coisa.
Nesse caso, as comunidades possuiriam um direito negativo, isto é,
poderiam exigir a não-intervenção estatal em suas práticas religiosas,
desde que salvaguardem a justa ordem pública (coisa que, segundo já
afirmamos anteriormente, NÃO parece ser a mesma coisa que a “pax
publica” da Quanta Cura, e por isso NÃO incorre naquela censura).
E quel mal há nisso, oras?
Aliás, a idéia de que o Estado possa reprimir a heresia pelo mero fato
dela ser uma heresia é fundamentalmente de origem protestante (Calvino
e Zwinglio), não é católica.
—
Att.
AJBF
13. AJBF Disse:
AJBF
16. Sandro de Pontes Disse:
19. Em tão grande contraste de paixões e entre tão graves perigos, não
há meio-termo: ou esperar as piores catástrofes, ou procurar sem
demora um remédio válido. Reprimir os delinqüentes, enobrecer o
costume das plebes, e prevenir de toda forma os males por meio de leis
sábias, É COISA BOA E NECESSÁRIA;
20. Muito se falou às multidões sobre aqueles que são definidos “os
direitos do homem”; fale-se-lhes também dos direitos de Deus”.
Agora o Papa Pio IX, que no Syllabus condenou as seguintes
proposições:
“77. Na nossa época não é mais necessário que a religião católica seja
considerada como a única religião do Estado, EXCLUÍDOS OS OUTROS
CULTOS”.
78. Por isso é de louvar que em regiões católicas, se tenha
providenciado por lei, que aos imigrantes naquelas regiões se permita
o culto público próprio deles.”
Ou seja, segundo Pio IX, é necessário que a religião católica seja
considerada como a única do Estado, excluindo-se assim, em princípio,
todos os outros cultos. Este é o Estado católico ideal! Negar isso que
ensinou Pio IX é discordar da Igreja Católica.
O Vaticano II nega isso claramente, pois no número seis da DH ele
ensina que MESMO NOS ESTADOS CATÓLICOS todos os tipos de culto devem
ser reconhecidos o direito a existência.
Você fez sua escolha, Aruan, eu fiz a minha.
(continua)
18. Sandro de Pontes Disse:
AJBF
22. AJBF Disse:
Att.
AJBF
23. AJBF Disse:
1. O Ambiente do “Sonho”
2. O Conteúdo do “Sonho”
3. A Interpretação do “Sonho”
4. Epílogo
1. O Ambiente do “Sonho”
Em 26 de maio de 1862, Dom Bosco prometeu aos meninos do Oratório,
como muitas vezes fazia, que teria “algo agradável” para contar a eles
no último ou penúltimo dia do mês,[2] em sua conferência de Boa Noite
à comunidade do Oratório. A Boa Noite é um costume salesiano que
remonta a 1847, quando foi inaugurada pela santa mãe de Dom Bosco.
Pouco tempo depois de alojar-se em suas próprias instalações em Turim,
Dom Bosco percebeu que alguns meninos precisavam de abrigo à noite.
Ele arrumou o estábulo. Mas as primeiras experiências dele não foram
encorajadoras. Ele conta-nos, em suas Memórias, que alguns daqueles
meninos “repetidamente fugiam com os lençóis, outros com os
cobertores, e no fim até mesmo o próprio colchão foi roubado.” [3]
Então, numa noite chuvosa em maio de 1847, um órfão de quinze anos
apareceu na porta, pedindo comida e abrigo. O Padre João e Mamãe
Margarida o acolheram, deram-lhe um prato de sopa e secaram as roupas
dele perto do fogo. Dom Bosco conversou com ele sobre o estado
espiritual, educacional e empregatício dele. Depois de um tempo, o
menino irrompeu em lágrimas e implorou abrigo, levando Margarida
também às lágrimas e comovendo Dom Bosco igualmente. O diálogo, nas
Memórias dele, segue-se deste modo: [4]
“— Se eu pudesse ter certeza de que você não é ladrão, eu tentaria
alojá-lo. Mas outros meninos roubaram alguns dos cobertores, e você
poderia levar os que sobraram.
— Ah, não, senhor. Não precisa se preocupar com isso. Eu sou pobre,
mas nunca roubei nada.
— Aqui na cozinha.
— Vá em frente, então.
2. O Conteúdo do “Sonho”
Por fim, Dom Bosco anunciou: “Eu havia prometido narrar algo para
vocês.” “Sim, Sim!”, exclamaram todos. “Mas está um pouco tarde”, Dom
Bosco provocou. Todo o mundo gemeu. Novamente, a interação familiar do
pai no seio de sua família. Assim, Dom Bosco começou.
“Está bem, já que vocês querem que eu conte algo, escutem. Quero ver
se vocês têm a cabeça boa. Vou lhes contar uma fábula, um símile.
Prestem atenção [e vejam] se conseguem entendê-la.” Chiala relata que
“Silêncio absoluto caiu sobre aquele grupo de mais de 500 cabeças que,
pouco antes, ensurdecia as estrelas com o seu barulho.” [9]
Note-se que Dom Bosco não disse, como usualmente fazia, que ele
sonhara o que estava prestes a narrar, muito menos alertou os meninos
que se lembrassem de que sonhos são somente sonhos, como ele
frequentemente fazia. Ele disse explicitamente que era “uma fábula, um
símile”. (A primeira carta, a de João Boggero, omite toda essa matéria
introdutória. Por outro lado, no fim da carta, ele observa a Oreglia:
“O que eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.) O próximo dos
testemunhos mais antigos do que Dom Bosco disse também usa os termos
fábula e símile. Esse testemunho vem da crônica cotidiana mantida pelo
seminarista Domingos Ruffino, a qual é dependente da carta de Chiala.
O rascunho preliminar do Padre Lemoyne, ordenando todos os materiais a
partir dos quais ele mais tarde construiria as Memórias Biográficas,
usa a mesma terminologia: fábula e símile. [10] O primeiro documento
que chama essa narrativa específica de sonho parece ser o texto final
dessas Memórias, no volume 7, [11] sem explicação para a mudança, a
não ser que a explicação seja a observação final – e evidentemente
pessoal – de Boggero: “Eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.
Essa história textual, obviamente, não é testemunho muito convincente
para um sonho. [12] Um dos problemas que encontramos ao estudar a vida
de Dom Bosco está no que o Padre Lemoyne fez com o texto de suas
fontes; [13] este é um exemplo.
Portanto, pelo visto, Dom Bosco está propondo aos seus meninos e
seminaristas uma parábola, o tipo de parábola frequentemente chamado
de apólogo. Esse é um termo tomado de empréstimo dos estudiosos da
Escritura, especialmente os que estudam as parábolas, e significa uma
alegoria que ensina uma moral. É um termo apto para aquilo que Dom
Bosco narrou na noite de 30 de maio de 1862, bem como para alguns de
seus outros sonhos, por exemplo, o da serpente — óbvio símbolo do
demônio — que foi morta por uma corda batida contra ela, após o que, a
corda soletrou “Ave Maria”. [14]
De volta agora às palavras de Dom Bosco tais como relatadas por César
Chiala. “Imaginem – disse-nos ele – que vocês estão numa praia e não
veem outro espaço de terra a não ser o que está sob os seus pés.” [15]
Novamente, temos indicação de uma parábola. Dom Bosco é sempre um dos
protagonistas nos sonhos dele; ele nem mesmo aparece nesta aventura.
Embora os meninos dele muitas vezes tenham papéis atuantes nos sonhos
dele, ele nunca pede a eles que “imaginem” que estão realmente fazendo
ou testemunhando o que ele está prestes a descrever. Aqui ele é muito
semelhante a Nosso Senhor dizendo aos camponeses da Palestina:
“Escutai! Eis que saiu um semeador a semear…” (Marcos 4:1-12); ou
dizendo a Simão fariseu: “Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe
quinhentos denários, o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar,
perdoou a ambos a dívida. Qual deles, pois, mais o amará?” (Lucas
7:40-43). De fato, Dom Bosco, como Jesus, pedirá uma interpretação
depois que terminar a sua parábola.
Darei agora a narrativa de Dom Bosco sem interrupções, tal como Chiala
a relatou:
“Em toda a superfície do mar vocês veem uma infinidade de navios,
todos com um bico de ferro afiado que perfura tudo o que ele atinge.
Alguns desses navios têm armas, canhões, fuzis; outros têm livros e
materiais incendiários. Todos eles se apinham contra um navio que é
consideravelmente maior, tentando abalroá-lo, incendiá-lo e fazer nele
todo o tipo de dano possível. Imaginem que, no meio do mar, vocês veem
duas colunas altíssimas. Sobre uma delas está a estátua da Santíssima
Virgem Imaculada, com embaixo a inscrição: “Auxílio dos Cristãos”.
Sobre a outra, que é ainda mais alta e imponente, há uma Hóstia de
tamanho proporcionalmente grande em relação à coluna, e sob ela as
palavras: “Salvação dos que creem”. Da base da coluna, pendem muitas
correntes com âncoras, às quais é possível prender os navios. O navio
maior é capitaneado pelo Papa, e todos os esforços dele são dirigidos
para manobrá-lo em meio àquelas duas colunas. Mas, como eu disse, as
outras barcas tentam de todo o modo bloqueá-lo ou destruí-lo, algumas
com armas, outras com os bicos em suas proas, com o fogo de livros e
periódicos. Mas todas as suas armas são inúteis. Toda arma e
substância se esfacela e afunda. Vez por outra, os canhões abrem fenda
profunda nalgum ponto dos flancos do navio. Mas uma brisa que sopra
das duas colunas é suficiente para remediar toda a ferida e fechar as
fendas. O navio, novamente, continua em seu curso. No percurso, o Papa
cai uma vez, então se levanta novamente, cai segunda vez e morre.
Assim que ele se encontra morto, outro imediatamente o substitui. Ele
guia o navio para as duas colunas. Ao chegar, ele prende o navio com
uma âncora à coluna com a Hóstia consagrada, com outra âncora à coluna
com a Imaculada Conceição. Então, irrompe uma desordem total ao longo
de toda a superfície do mar. Todos os navios que até aquele momento
vinham combatendo a nau do Papa se dispersam, fogem, colidem uns com
os outros, alguns naufragando e tentando afundar os outros. Os que
estão à distância mantêm-se prudentemente afastados até os destroços
de todos os navios demolidos terem afundado nas profundezas do mar, e
então eles rumam vigorosamente para o lado da nau maior. Tendo se
juntado a ela, eles também se prendem a si mesmos nas âncoras que
pendem das duas colunas e ali permanecem em perfeita calmaria.”
Passo agora à carta de João Boggero ao Irmão Frederico Oreglia,
escrita na manhã seguinte à Boa Noite de Dom Bosco. Esse seminarista
tinha vivido no Oratório por mais de seis anos e foi um dos vinte e
dois salesianos originais. Ele acabou se tornando padre diocesano.
[16] Acerca do que Dom Bosco disse em 30 de maio, ele fez uma coisa
que muitos alunos, mesmo seminaristas, já fizeram, vez por outra: ele
escreveu uma carta durante a aula. Conforme a carta, ele começou a
escrever às 10:30 da manhã e concluiu-a quando a aula estava chegando
ao fim, às 11:00 da manhã; por onde, podemos suspeitar de um pouco de
pressa.
Ele concorda com Chiala que Dom Bosco começou convidando todos os
meninos a se imaginarem numa praia. Ele difere num detalhe: Dom Bosco
incluiu a si mesmo. Mas, como Dom Bosco não desempenha mais nenhum
papel na ação, isso não tem significância. Boggero oferece uma porção
de detalhes secundários que Chiala não apresenta, por exemplo, ele
descreve os bicos dos navios inimigos como “afiados como uma flecha” e
conta-nos que as duas colunas eram “pouco distantes uma da outra”. Por
outro lado, ele omite alguns dos detalhes de Chiala; dissera este que
os bicos eram de ferro e perfuravam tudo o que atingiam. Essas
pequenas variações são interessantes, confirmam que os relatos são
independentes, e não afetam a substância da história de Dom Bosco.
Entre as armas inimigas listadas por Boggero estão não somente
canhões, armas e livros, como também “mãos, punhos, blasfêmias e
maldições”. O Papa cai a primeira vez por ter sido gravemente ferido;
Chiala não dava uma razão. Quando ele cai pela segunda vez, morto, “um
grito de júbilo se ergue entre os inimigos remanescentes”. Chiala era
vago, apenas sugerindo depois do fim da batalha que alguns outros
navios haviam estado aliados ao Papa, senão efetivamente combatendo
por ele; Boggero observa que, depois que o navio papal é ancorado em
segurança às duas colunas, “Então foram vistos muitos dos navios
pequenos, alguns que haviam combatido por ele, outros à distância que
haviam recuado por medo da batalha, correrem para as colunas e se
ligarem àqueles ganchos, permanecendo ali totalmente a salvo e em
segurança.” Embora Boggero ponha a história de Dom Bosco entre aspas
e, numa ocasião, no início, note uma mudança no tom de voz dele, na
realidade ele, como Chiala, está apresentando somente um resumo
substancial.
3. A Interpretação do “Sonho”
Dom Bosco introduzira sua fábula ou símile com um desafio: “Eu quero
ver se vocês têm a cabeça boa. Prestem atenção [e vejam] se conseguem
entendê-lo.” Não era incomum ele apresentar uma interpretação de seus
sonhos, perguntar aos ouvintes o que achavam, ou entrar em algum
diálogo durante um sermão. Tendo concluído seu conto do navio do Papa
no vasto oceano, segundo nossas duas testemunhas, ele chamou o Pe.
Miguel Rua [17] e pediu-lhe que explicasse a fábula. Boggero, sem usar
aspas, resume a resposta do Pe. Rua:
“Ele disse: Parece-me que o navio do Papa é a Igreja, da qual ele é o
cabeça. Os outros navios são seres humanos, e o mar é este mundo, esta
terra. Os que estavam defendendo a Igreja são as pessoas boas, que
aderem à Santa Sé; os outros são os inimigos dela, que tentam destruí-
la com todo tipo de arma. E as duas colunas da segurança são a devoção
a Maria Santíssima a ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia.”
Dom Bosco aprovou a resposta do Pe. Rua e fez uma correção na
interpretação dele. Disse ele: “os navios inimigos são as perseguições
vindouras à Igreja. O que aconteceu até agora é quase nada.” Então ele
deu boa noite aos meninos.
O resumo de Chiala nota que Dom Bosco fez algumas sugestões de
interpretação, mas, diferentemente de Boggero, ele não especifica
quais foram. Ele fornece alguns detalhes ou variações sobressalentes:
os navios que lutam contra a Igreja são “as potências do mundo”; a
Igreja “de quando em quando sofre avarias, simbolizadas pelos buracos
feitos no grande navio pelas armas, mas uma brisa do Onipotente e da
Santíssima Virgem é suficiente para reparar esses danos, essas perdas
de algumas almas.” Em conformidade com essa visão de que se trata de
uma fábula ou apólogo, Chiala apresenta a moral, presumivelmente ainda
parafraseando o Pe. Rua: “A moral, então, é que temos somente dois
meios de ficar firmes nessa confusão, a devoção à Virgem Maria e a
recepção frequente dos sacramentos, esforçando-nos de todas as
maneiras em venerá-los e em difundir essa veneração.”
Nem o Padre Rua nem Dom Bosco comentaram sobre a dupla queda e morte
do Papa. De acordo com Chiala, quando Dom Bosco desceu da tribuna, ele
disse ao seminarista Francisco Provera que, se lhe perguntassem isso
outra noite, ele comentaria. Então, devia significar algo. Chiala
arriscou suas próprias opiniões:
“Parece-me que ele quis indicar que o Pontífice vivo hoje não verá o
fim dessas aflições, cairá uma vez de seu trono mas retornará a ele, e
que a paz será restaurada na Cristandade somente sob outro Papa, que
sucederá a Pio IX imediatamente após a morte deste. Os navios à
distância, penso eu, seriam as nações infiéis que se aproximarão da
fé.”
Com o espaço acabando, Chiala concluiu sugerindo a Oreglia que, se ele
quisesse “uma exposição mais genuína” das palavras de Dom Bosco, ele
devia consultar o Padre Rua e então confirmar aquele relato com o
próprio Dom Bosco.
Essas são as fontes primárias para aquilo que chamamos comumente de o
“Sonho” das Duas Colunas. Coloco “Sonho” entre aspas porque, como
vimos, Dom Bosco não o apresenta como sonho, mas como parábola. Quando
foi registrá-lo nas Memórias Biográficas, o Padre Lemoyne acrescentou
uma porção de passagens, [18] algumas importantes e outras não,
incluindo uma em que Dom Bosco chamou seu conto de sonho, a referência
a uma tempestade, uma esquadra dando apoio ao navio do Papa, duas
reuniões, convocadas pelo Papa, dos capitães das embarcações aliadas,
“regozijo indescritível” nas embarcações inimigas com a avaria que
fizeram no navio do Papa, e um conclave dos capitães aliados para
eleger um novo Papa. A mim, me parece que a esquadra de apoio e
diversas reuniões do Papa e seus capitães são importantes, não somente
detalhes que uma ou outra fonte pudesse ter acidentalmente omitido. O
navio principal não é mais a Igreja, mas a Santa Sé, com esquadras de
apoio que representam, ou as nações católicas, ou as igrejas locais. A
reunião dos capitães na ponte do navio papal pode facilmente ser
considerada o Concílio Vaticano I, ainda mais de sete anos no futuro.
Mas e quanto à segunda reunião, que é realizada sob o mesmo Papa? E
qual a fonte desse novo material?
O Padre Lemoyne afirma que dependeu de quatro documentos: as cartas de
Boggero e Chiala, a crônica de Ruffino, que já mencionamos, e um
manuscrito de Secondo Merlone, um seminarista em 1862 que depois se
tornou padre diocesano. O Padre Lemoyne diz que esse último documento
foi escrito “muito tempo depois” da narração de Dom Bosco, mas isso é
tudo que ele nos conta sobre o documento, e este não sobreviveu.
Talvez seja a fonte de parte do material que aparece exclusivamente
n’As Memórias Biográficas. Como quer que seja, o Padre Lemoyne
insiste: “Todas as quatro narrativas concordam perfeitamente exceto
pela omissão de alguns detalhes.” [19] Ora, como dissemos acima,
alguns dos detalhes que ele introduz não são insignificantes.
O Padre Lemoyne também nos conta de uma visita ao Oratório em 1886 do
Cônego João Bourlot, que fora seminarista em 1862 e escutara a
narrativa original por Dom Bosco. Ele recontou a parábola num jantar,
em presença de Dom Bosco e do Padre Lemoyne, e pôs um terceiro Papa na
narrativa. O Côn. Bourlot apareceu no Oratório novamente em 1907 e
contou o conto inteiro novamente, ainda insistindo que houvera três
Papas. [20] Obviamente o Padre Lemoyne não aceitou esse ponto. Mas é
possível que o relato oral do Côn. Bourlot, fresco na mente do Padre
Lemoyne quando este compunha o volume 7, tenha suscitado alguns dos
detalhes inexplicados no texto final d’As Memórias Biográficas. Por
outro lado, é preciso ser cuidadoso em aceitar testemunho oral vinte e
quatro anos depois de um acontecimento, que é o hiato entre a Boa
Noite de Dom Bosco e o primeiro relato dela pelo Côn. Bourlot na
presença do Padre Lemoyne. Se, por um lado, Dom Bosco estava presente
em 1886 para garantir a precisão do Cônego, ele não estava ali em
1907, quarenta e cinco anos depois do evento original.
É uma infelicidade que não saibamos com base em que autoridade o Padre
Lemoyne acrescentou os detalhes e substância que não temos como
rastrear nas fontes primárias sobreviventes, especialmente dado que
algumas delas não são inteiramente coerentes com as fontes
sobreviventes. Sem descartá-los categoricamente, um pouco de ceticismo
sobre esses detalhes é apropriado.
Agora, o que devemos pensar da parábola de Dom Bosco? Temos de começar
por onde ele começou, isto é, em 1862, num ambiente pedagógico entre
seus meninos e seus salesianos. A imagem da Igreja como barca de Pedro
era uma imagem comum que todos entendiam. O mar agitado pela
tempestade é imagem prontamente reconhecível do mundo com seus
perigos, e aparece com freqüência nos sonhos de Dom Bosco. A coluna
com a Hóstia no topo é auto-explicativa. A outra coluna tinha uma
estátua de Maria Imaculada, foco da devoção mariana de Dom Bosco desde
o início de seu Oratório, em 8 de dezembro de 1841, até este período,
quando seu foco mariano estava começando a passar para a Auxiliadora
dos Cristãos. Essa transição pode ter sido inspirada pelo apelo de
alguns Bispos italianos a Maria como Auxiliadora dos Cristãos para vir
em socorro da Igreja e, talvez, por algumas recentes alegações de
aparições num santuário mariano sob este título, perto da cidade de
Spoleto. [21] “Auxílio dos Cristãos” era a inscrição no pilar; e essa
festa específica acabara de ser observada, em 24 de maio. O título
mariano “Auxílio dos Cristãos” origina-se da vitória naval cristã em
Lepanto, 7 de outubro de 1571; o leque de imagens deste apólogo é
sugestivo de Lepanto. Quando um inimigo anterior da Igreja, Napoleão,
capturou o Papa Pio VII e levou-o ao exílio, o Papa retornou em
triunfo a Roma em 24 de maio. Assim, o leque de imagens de Dom Bosco
da Igreja e do Papa encontrando segurança no pilar da Auxiliadora dos
Cristãos encaixava-se com a história da Igreja e também refletia
acontecimentos contemporâneos.
O que estava acontecendo na Itália em 1862? A Igreja estava sob ataque
pesado em diversas frentes. Ela havia sido atacada política e
militarmente. O rei Vítor Emanuel II, Camillo Cavour, Giuseppe
Garibaldi e outros, em 1860, haviam unificado a maior parte da Itália
em um único reinado. Juntamente com outros territórios, eles haviam
capturado a maior parte dos Estados Papais, que haviam pertencido ao
Papado durante mil anos; e não era segredo que se pretendia que Roma,
que o Papa ainda detinha, acabasse por tornar-se a capital nacional.
Embora hoje percebamos que um Estado minúsculo é suficiente para
garantir a independência moral e espiritual do Papa, e o poder moral
dele seja mais forte sem ser ele uma potência temporal, isso não era
de modo nenhum claro em 1862.
A Igreja também estava sob assalto religiosamente. Além da lei
piemontesa de 1855 suprimindo as ordens monásticas, outras leis haviam
despojado as cortes eclesiásticas de um bocado de sua autoridade,
reduzido o número de feriados religiosos observados publicamente,
eliminado a censura da imprensa e o controle da educação pela Igreja,
e estabelecido tolerância religiosa, embora nominalmente o Catolicismo
permanecesse a religião do Estado. Essas leis foram estendidas para
outras regiões à medida que estas eram incorporadas ao reino da
Itália. Exceto pela supressão dos mosteiros e a captura de suas
propriedades e bens, esses passos redundavam, basicamente, na
separação de Igreja e Estado, conceito este que a Igreja não aceitou
formalmente até 1965. Na Europa do século XIX, isso era ainda
considerado algo revolucionário e maligno. Que decorreram males dessa
separação é inquestionável.
A Igreja estava sob ataque culturalmente. Por diversas razões, a
opinião pública começava a tornar-se anticlerical. O Papa tinha
respaldo estrangeiro na manutenção de sua posse dos Estados da Igreja
até 1860 e de Roma até 1870; a presença austríaca era particularmente
odiosa para os patriotas italianos. No geral, a hierarquia italiana
combateu com unhas e dentes todas as mudanças no status quo social e
político. Sem o freio da censura eclesiástica, escritores de toda a
espécie, de patriotas a protestantes evangélicos, a demagogos, a
mascates de imundícies, eram todos livres para atacar a religião, a
devoção popular, a Igreja, o Papa, os Bispos, a vida religiosa, as
escolas paroquiais e os sacerdotes individuais. O leitor deve ter
notado a presença de livros e periódicos no armamento dos inimigos da
Igreja na alegoria de Dom Bosco.
Padres, Bispos e mesmo Cardeais que se opunham ao novo regime eram
hostilizados, encarcerados, exilados. Os católicos podiam muito bem
sentir que a Igreja sofria uma nova perseguição como aquela infligida
pela Revolução Francesa. [22]
Até Dom Bosco e seu Oratório estavam sob ataque. No começo da década
de 1850 ele foi submetido a diversas tentativas de assassinato. Na
década de 1860 elas cessaram, mas ataques vis na imprensa anticlerical
tomaram o seu lugar. Políticos anticlericais também visaram-no,
convencidos de que, bem na capital nacional, Turim, ele estava
conspirando com o Papa contra a Itália. De tempos em tempos sua
correspondência era interceptada, e onze vezes em 1860 oficiais de
polícia apareceram no Oratório para vasculhá-lo, interrogar e
intimidar mestres e pupilos, e saquear o aposento de Dom Bosco e seus
papéis, em busca de provas que o incriminassem. Naturalmente, eles não
encontraram nada que pudessem usar; graças não somente à prudência e
posição apolítica do Santo, mas também a um de seus sonhos, que o
alertou antes da primeira revista. Dom Bosco utilizou a oportunidade
fornecida pelas buscas, para conversar com os oficiais sobre as almas
deles. Alguns meses depois do “Sonho” das Duas Colunas, oficiais do
departamento de educação tentariam desqualificar os professores de Dom
Bosco e demonstrar que o Oratório ensinava subversão, para poderem
fechá-lo.
Se desejarmos interpretar a primeira queda do Papa na alegoria de Dom
Bosco, e depois sua fatal segunda queda, podemos explicá-las deste
modo: A primeira queda representava a temporária derrubada do poder
temporal do Papa durante a Revolução de 1848, quando Pio IX foi
empurrado ao exílio por cerca de um ano, e Garibaldi, Mazzini e seus
amigos instauraram a efêmera República Romana. A fatal segunda ferida
poderia representar o que muitas pessoas podiam prever em 1862: que o
poder temporal da Igreja lhe seria completamente subtraído no futuro,
como aconteceu em 1870. Dessa “fatalidade”, um novo tipo de liderança
da Igreja emergiu. Isso, é claro, é uma hipótese. Não temos a
explicação do próprio Dom Bosco. Outros poderiam aventar a hipótese de
que os Papas sejam figuras pessoais: Pio IX, que viveria até 1878, e
Leão XIII.
Começar a especular sobre as conferências dos capitães aliados ao
Santo Padre e o conclave que elegeu um novo Papa leva-nos às
interpolações feitas pelo Padre Lemoyne n’As Memórias Biográficas, e
adentramos terreno ainda menos seguro, por não termos certeza de que
Dom Bosco descreveu essas coisas.
Como quer que seja, tomando o que Dom Bosco inquestionavelmente disse,
temos a Igreja e uma casa religiosa sofrendo a tempestade da
perseguição. Dom Bosco poderia facilmente ter falado diretamente aos
meninos e aos salesianos sobre a Divina Providência, a promessa de
Jesus de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, o
poder da Eucaristia, a proteção de nossa Mãe Santíssima. E assim fez
ele constantemente. Mas usar uma história ou parábola pitoresca que ao
menos sugerisse aos seus ouvintes os conhecidos sonhos dele seria uma
ferramenta de ensino mais poderosa, como as inesquecíveis parábolas do
Senhor.
Com efeito, as imagens da Igreja assediada, da pilotagem segura do
Santo Padre, do porto seguro oferecido pela proteção de Maria, da
salvação garantida pelo Santíssimo Sacramento mantêm seu apelo a nós
hoje. À luz do contexto pedagógico e das palavras dele tais como
registradas pelas testemunhas, creio que isso é tudo o que Dom Bosco
pretendia transmitir. A alegoria de São João Bosco é tão intemporal
quanto a Igreja mesma. Sob esse aspecto, pessoas que encontram nesse
sonho ou parábola “uma visão profética para o nosso tempo” acertam em
cheio.
Ora, alguns tentaram fazer desse sonho ou parábola “uma visão da
Igreja Católica no fim dos tempos… uma visão reveladora de como a
Igreja sobreviveria a perseguições terríveis no fim do século XX.”
Espero que a exposição acima já tenha deixado claro que tal
interpretação é uma distorção sem fundamento. Ademais, não há registro
de que Dom Bosco estivesse interessado, ainda que minimamente, pelos
últimos tempos ou dedicasse algum pensamento à especulação sobre eles.
A preocupação dele com os seus meninos, e mesmo com os inspetores de
polícia que perturbavam seu Oratório, era sempre pela salvação
individual deles, de que estivessem pessoalmente prontos para o juízo
inevitável que vem imediatamente após a morte. Esse é um tema
constante em seus sermões, conferências de Boa Noite e sonhos, e é a
moral que ele extrai do episódio que ele relatou da ressuscitação
temporária de um menino morto.[23] Para alcançar a salvação devemos
estar a bordo da arca da segurança, que é a Igreja; Maria oferece-nos
sua certeira proteção materna em todas as circunstâncias; os
sacramentos, particularmente a Penitência e a Santa Eucaristia, são
nossos meios de salvação.
4. Epílogo
Talvez a ideia de que Dom Bosco estivesse prevendo alguma batalha
apocalíptica entre a Igreja e os poderes do mal no fim do século XX
venha de uma certa confusão que, lamentavelmente, parece amplamente
disseminada. Pessoas frequentemente me ligam ou escrevem com perguntas
sobre São João Bosco. De quando em quando, sou questionado sobre as
datas nos dois pilares no mar. Como o leitor percebe, não existem
datas.
Como foi que datas entraram nesse “Sonho” das Duas Colunas, na cabeça
de alguns? Minha teoria é de que algumas pessoas se depararam com dois
parágrafos que estão no volume 9 d’As Memórias Biográficas. É 1869, e
Dom Bosco construiu a Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos no
Oratório, mas os retoques finais ainda estão por ser dados. O Padre
Lemoyne escreve:
“…trabalho adicional na Igreja de Maria Auxiliadora estava em curso.
Cada um dos dois campanários flanqueando a fachada devia ter no topo
um anjo, de quase 2,5 metros de altura, feito de cobre bruto dourado,
de acordo com o plano do próprio Dom Bosco. O anjo da direita segurava
uma bandeira…que continha a palavra “LEPANTO” talhada em letras
grandes através do metal, enquanto o da esquerda oferecia…uma coroa de
louros à Santíssima Virgem localizada sobre o domo.
Num desenho anterior, o segundo anjo também segurava uma bandeira na
qual o número “19” estava talhado através do metal, seguido de dois
pontinhos. Representava outra data, “mil novecentos”, sem os dois
números finais indicando o ano específico. Embora no fim, como
dissemos, uma coroa de louros tenha sido posta na mão do anjo, nunca
nos esquecemos da data misteriosa que, em nossa opinião, apontava para
um novo triunfo de Nossa Senhora. Que venha logo este e reúna todas as
nações sob o manto de Maria.”
Até aqui o Padre Lemoyne, na tradução publicada para o inglês. [24]
Conferi com o original em italiano, [25] e uma frase importante está
faltando no inglês: “Num desenho anterior, que nós mesmos vimos…” O
Padre Lemoyne gosta muito do nós editorial. Ele quer dizer que ele o
viu. Infelizmente, ele não diz especificamente que o desenho original
fosse de Dom Bosco; ele é explícito sobre isso quanto ao desenho
final, os anjos tais como realmente ficam no topo daqueles dois
campanários. É razoável supor que o desenho não utilizado, a data
incompleta do século XX do segundo anjo, também tenham vindo do nosso
Santo; teria ajudado se o Padre Lemoyne o tivesse afirmado. Mas,
apesar das procuras pelos arquivos, o desenho original nunca foi
encontrado, e ninguém além do Padre Lemoyne jamais alegou tê-lo visto.
Dizer algo além disso sobre o desenho ou a data é especulação.
Se o primeiro desenho originou-se de Dom Bosco, teria a data
misteriosa vindo de um sonho? É possível, mas isso também é somente
especulação.
Um pouco de especulação, então. A data 19.. pode ser qualquer data no
século. Não há absolutamente nenhuma razão para dizer que deva ser no
fim do século XX. Não há nem sequer razão alguma constringente para a
data dever ser identificada. Mas, se alguém quiser adivinhá-la, deve
procurar algo que tivesse algum paralelo com o evento de Lepanto,
assinalado pela bandeira do primeiro anjo. Lepanto foi a vitória de
uma aliança católica contra as legiões islâmicas reunindo-se para
invadir a Europa cristã em 1571. A vitória era totalmente inesperada,
resultado de boa fortuna, falando militarmente, e de uma estratégia de
batalha bem executada. Foi atribuída, na ocasião e desde então, ao
poder do Rosário, à assistência de Maria Auxiliadora.
Se a data misteriosa veio de Dom Bosco, ele escolheu não publicá-la.
Mas, se se quiser especular — e não há mal algum nisso —, eis uma
hipótese razoável. O ano misterioso já passou, e não faz muito tempo.
Foi o ano de uma sequência de eventos inesperada, de tirar o fôlego: o
triunfo do Solidariedade nas primeiras eleições livres na Polônia, a
liberação dos satélites soviéticos por toda a Europa, a queda do Muro
de Berlim: eventos que pressagiaram o colapso da União Soviética. Essa
série de acontecimentos tem, por alto, paralelo com a vitória de
Lepanto. Nossa Senhora pediu-nos em Fátima, antes mesmo que houvesse
uma Rússia comunista, que rezássemos pela conversão da Rússia. Em
1989, vimos alguns dos frutos visíveis de nossas orações.
Isso é especulação, e outros podem oferecer outras ideias. De qualquer
modo, aquele desenho angélico não usado é provavelmente de onde surgiu
a ideia incorreta e sem fundamento de que haveria datas nas duas
colunas no oceano. Não há absolutamente nenhuma conexão com as duas
colunas. Logo, a ideia de que o “sonho” ou fábula das duas colunas
preveja uma vitória específica para a Igreja no século XX não tem
respaldo. O “sonho” ou fábula deve ser interpretado em seu próprio
contexto do século XIX, incluindo sua plateia de meninos ginasianos.
Oferece conselho muito bom e perene, como toda boa fábula: nesse caso,
o conselho espiritual de que nossa Mãe Santíssima é nossa auxiliadora
e protetora nesta vida contra os ataques de nossos inimigos
espirituais; que nossa salvação vem de nos alimentarmos de Jesus na
Santa Eucaristia, sacramentalmente e devocionalmente; que a Igreja
Católica, pilotada pelo Sucessor de Pedro, nos guiará para o porto
seguro. [26]
_____________
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Michael MENDL, S.D.B., O “Sonho” das Duas Colunas. Ensaio de Crítica
Textual e Interpretação, 1997, trad. br. por F. Coelho, São Paulo,
set. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-Ut
de: “The ‘Dream’ of the Two Columns. An Essay in Textual Criticism and
Interpretation”, ensaio baseado num discurso proferido no Congresso
Eucarístico Mariano em Columbus, Ohio, a 11 de outubro de 1997,
http://www.bosconet.aust.com/2columns.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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(set. 2011)
[Proposição XII. O cristão não deve obedecer a preceito algum que lhe
for dado (ainda que pelo Sumo Pontífice) sem antes examinar, até onde
a matéria exige, se o preceito é conveniente, legítimo e obrigatório.
Quem, sem prévio exame do preceito, presta obediência cega realizando
o preceito, torna-se réu de pecado. (N. do T.)]
Esses singulares teólogos chegavam, pois, ao ponto de afirmar que quem
não se entrega a um exame prévio torna-se culpado de pecado: do pecado
de obediência cega.
A qualificação que São Roberto atribui a essa proposição ímpia é
mordaz:
“Seria de esperar encontrar uma tal afirmação na boca de homens
irreligiosos. (…) Essa proposição é diretamente contrária aos Santos
Padres; ela é incapaz de se apoiar na autoridade de qualquer bom
autor; ela é propícia à subversão de toda disciplina bem estabelecida;
ela é conforme à doutrina dos luteranos e dos outros hereges do nosso
tempo”.
E São Roberto chama à barra São Basílio, São João Crisóstomo, São
Jerônimo, São Gregório Magno, Santo Antão e São Macário do Egito, São
Bento, São João Clímaco, São Cesário de Arles, São Bernardo, Santo
Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Agostinho, os eremitas do
Oriente; em seguida vêm os Papas e os Doutores; por fim ele examina
nove argumentos aduzidos por esses teólogos.
A resposta de São Roberto é assim referida na edição Le Bachelet:
“Essa proposição é herética (…) A discussão do preceito, quando ele
não contém manifestamente um pecado, é reprovada pelos Padres, pois
aquele que discute o preceito se faz juiz de seu superior” (Auctarium
Bellarminum, ed. Le Bachelet, n. 872).
Esses teólogos rebeldes servem agora de exemplo àqueles que – com uma
sinceridade que não dá margem a dúvida – fazem profissão de defender a
fé católica. O modernismo marcou profundamente as inteligências e os
corações, para que se tenha chegado a este ponto.
É urgente abandonar esses erros que estragam e esterilizam, há
quarenta ou cinquenta anos, a reação contra as doutrinas heterodoxas e
deletérias do Vaticano II. Pois há aí um escândalo (no sentido próprio
do termo) que corrompe a fé, que a solapa e corrói com tanto mais
profundidade quanto é mascarado por um verdadeiro zelo.
Nunca se é ouvido quando se recorda esse triste aspecto das coisas,
essa horrenda deformação do ensinamento da Igreja. É que se está
lidando, o mais das vezes, com tradicionalistas de segunda ou de
terceira geração.
A geração dos que começaram a recusar as reformas conciliares e a
organizar a resistência aos erros modernistas apressadamente erigiu
diques para opor-se ao rebentamento de novidades que ameaçavam a fé e
a vida cristã, e ela teve muito mérito de o fazer.
Como era praticamente inevitável, dentre os materiais de que foram
compostos esses diques, encontravam-se certos argumentos imprecisos,
parciais, mal construídos, incorretos. Não se tinha essa cautela: o
importante era a eficácia imediata; cumpria não se deixar submergir
nem arrastar.
Onde as coisas começaram a se deteriorar foi quando, depois da
primeira linha de defesa, não se teve um pouco de recuo nem se
examinou ditos argumentos, para escorá-los, para retificá-los, para
retirá-los se necessário; em todo o caso, para julgá-los à luz da
doutrina perene da Igreja – pois só podemos defender a Igreja por meio
da doutrina dela, não podemos combater o erro por meio de outros
erros.
Foi o contrário o que aconteceu; argumentos ad hominem, por vezes
emprestados do inimigo e erigidos em verdades permanentes, em
doutrinas obrigatórias. Uma ou duas gerações depois, nem se faz mais
ideia de que possa haver, em meio a esse corpo doutrinário que foi
herdado, erros graves que põem a fé em causa.
Antes de ir ao Vaticano, é preciso começar fazendo a limpeza na
própria casa.
Senão, o lobo será terrível.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, Um velho erro tornado “verdade”, ou:
Chapéuzinho (Vermelho) violeta, 2011, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-ZC
de: “Une vieille erreur devenue « vérité », ou : Le Petit Chaperon
[Rouge] violet”, blogue Quicumque, 27-IX-2011,
http://www.quicumque.com/article-le-petit-chaperon-rouge-violet-
85284651.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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(1939-58), Papa São PIO X (1903-14), São Bernardo de Claraval, São
Jerônimo, São Roberto Bellarmino, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XCVIII”
1. Sandro de Pontes Disse:
[WILLIAMSON:] Não posso dizer que tenha sido uma sábia idéia para a
maioria deles. Mas nós estamos passando por uma crise sem igual. E eu
penso que a magnitude da crise pede muita caridade e compaixão, 355
graus, quase a volta toda da bússola, e mais caridade e compaixão a
cada dia que passa. O Arcebispo [Dom Lefebvre] foi um homem de
profunda caridade e confiança.”
(bispo Richard WILLIAMSON, Entrevista a Stephen HEINER de 2 de outubro
de 2006, publicada na revista da FSSPX The Angelus e também no blogue
do entrevistador:
http://truerestoration.blogspot.com/2006/10/interview-with-bishop-
richard-n.html ).
[Note, por fim, como o próprio Pe. Belmont afirma sobre eles, neste
mesmo artigo que estamos comentando:
“Esses teólogos rebeldes [de Veneza] servem agora de exemplo àqueles
que – com uma sinceridade que não dá margem a dúvida – fazem profissão
de defender a fé católica. O modernismo marcou profundamente as
inteligências e os corações, para que se tenha chegado a este ponto. É
urgente abandonar esses erros que estragam e esterilizam, há quarenta
ou cinquenta anos, a reação contra as doutrinas heterodoxas e
deletérias do Vaticano II. Pois há aí um escândalo (no sentido próprio
do termo) que corrompe a fé, que a solapa e corrói com tanto mais
profundidade quanto é mascarado por um verdadeiro zelo.”
De minha parte, não ouso ir além do que vai gente tão mais douta do
que eu, ao mesmo tempo que tão rigorosa com a exatidão, quanto o Sr.
J.S. Daly e o Rev. Pe. Belmont. Talvez se possa aplicar aqui o que diz
o Livro dos Provérbios: “Não removas as fronteiras postas pelos teus
pais” (XXII,28).]
Abraços,
Em JMJ,
Felipe Coelho
[ACRÉSCIMOS ENTRE COLCHETES E RASURAS FEITOS EM 7/dez./2011]
3. Felipe Coelho Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
Roma
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Mons. Giuseppe DI MEGLIO, A Ci Riesce e o Discurso do Cardeal
Ottaviani, Roma, 1954, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2011,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-11Q
de: “Ci Riesce and Cardinal Ottaviani’s Discourse”, in The American
Ecclesiastical Review, n.º 130, de junho de 1954, pp. 384-387.
Escaneado em:
http://sedevacantist.com/forums/viewtopic.php?f=2&t=923
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Liberdade religiosa, Método, Papa LEÃO XIII (1878-1903), Papa PIO XII
(1939-58), Sto. Agostinho. Você pode acompanhar qualquer resposta para
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3 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIV”
1. AJBF Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
3. Textos essenciais em tradução inédita – CI « Acies Ordinata Disse:
A Voz de Roma – I
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Papa PIO IX, Repúdio à calúnia de liberalismo. Excerto da Alocução aos
Cardeais no Consistório de 17 de dezembro de 1847; trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-120
A partir da trad. ingl. em:
John Gilmary SHEA, LL.D., The Life of Pope Pius IX and the Great
Events in the History of the Church During His Pontificate [A Vida do
Papa Pio IX e os Grandes Eventos na História da Igreja Durante Seu
Pontificado], New York: Thomas Kelly, 1878, pp. 97-103.
Livro disponível em:
http://www.archive.org/details/lifepopepiusixa00sheagoog
http://www.archive.org/details/thelifeofpopepiu00sheauoft
http://www.archive.org/details/a608509300sheauoft
http://www.archive.org/details/a608510000sheauoft
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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Essa entrada foi publicada em 19 de outubro de 2011 às 23:45 e está
arquivada em Doutrina, História da Igreja, Método, Oitavo, Papa PIO IX
(1846-78). Você pode acompanhar qualquer resposta para esta entrada
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3 Respostas para “A Voz de Roma – I”
1. Rogério Alexandre Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
3. Rogério Alexandre Disse:
Rogério
A Voz de Roma – II
SANTO OFÍCIO
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Suprema Sagrada Congregação do SANTO OFÍCIO, Declaração de julho de
1954 condenando quatro proposições de John Courtney Murray como
errôneas; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-11V
A partir da trad. ingl. de:
J.A. KOMONCHAK, “Religious Freedom and the Confessional State: The
Twentieth-Century Discussion”, Rev. hist. eccl. 95 (2000) 634-50.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Essa entrada foi publicada em 20 de outubro de 2011 às 0:02 e está
arquivada em Cardeal Ottaviani, Doutrina, História da Igreja,
Liberdade religiosa, Maritain, Mons. Fenton, Papa LEÃO XIII (1878-
1903), Papa PIO XII (1939-58). Você pode acompanhar qualquer resposta
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2 Respostas para “A Voz de Roma – II”
1. AJBF Disse:
Liberdade Religiosa
O Dr. Brian Harrison e a tentativa
John S. Daly
Reconciliações Intentadas
Diversas tentativas foram feitas para reconciliar essas doutrinas em
oposição. Dom Basil Valuet do mosteiro Le Barroux, por exemplo,
escreveu umas três mil páginas sobre o tópico da liberdade religiosa:
a tese dele é que a doutrina da Igreja mudou, mas no contexto de uma
cambiante lei das nações e sob o impulso de um “magistério vivo” cujas
doutrinas devem evoluir como todas as coisas vivas. Esquecido há muito
tempo, ao que parece, está o Juramento Anti-Modernista de Dom Basil:
“Eu rejeito totalmente a ideia herética de que os dogmas podem
evoluir, mudando de um significado para outro, diferente daquele que a
Igreja anteriormente considerava.” (Denzinger 2145)
O grande filósofo Pe. Julio Meinvielle argumentou que o Vaticano II
não buscou dar nenhum ensinamento absoluto, mas somente estabelecer
diretrizes prudenciais a serem seguidas no triste estado presente da
sociedade. Que pena, esse modo de ver é bem incompatível com as
palavras “declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se
funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, tal como a dão
a conhecer a palavra revelada de Deus e a razão mesma”. Sentimo-nos
seguros de que a idade avançada do Pe. Meinvielle deve ter embotado
sua perspicácia na ocasião em que ele formou esse juízo.
Ao menos a interpretação do Pe. Meinvielle, embora infiel ao texto do
Vaticano II, não acarretava nenhum afastamento da sã doutrina. Pode-se
dizer o mesmo de um artigo do dominicano Pe. Thomas Crean publicado em
Christian Order (outubro de 2004). Crean reconhece que a Dignitatis
Humanae é doutrinal, não meramente prática, mas para ele o direito à
liberdade religiosa dela pertence exclusivamente aos que professam a
verdadeira religião: ele acrescenta que a referência a religiões no
plural explica-se pelo fato de que a doutrina dela teria se aplicado
até mesmo no caso hipotético em que Deus não tivesse feito revelação
alguma e tivesse deixado o homem no estado de natureza. É uma teoria
bonita, contanto que nunca se chegue a tirar da prateleira uma cópia
do texto em discussão. Quando se faz isso, ela desaparece numa nuvem
de fumaça. Seu suposto direito, a Dignitatis Humanae o aplica à
liberdade de abandonar ou aderir a qualquer “comunidade religiosa”
seja qual for (parágrafo 6), noutras palavras ela ordena o Estado a
autorizar a apostasia da religião católica e assegura-nos de que o
Estado não deve punir essa apostasia, pois o homem possui um direito
pessoal de passar de qualquer religião para qualquer outra religião –
direito este que o Estado deve respeitar. De fato, a Dignitatis
Humanae proíbe formalmente toda e qualquer discriminação entre
religiões por parte do Estado, seja para criminalizar a blasfêmia
muçulmana, para proibir a propaganda protestante, para eximir os
sacerdotes do serviço militar ou para excluir do ofício público judeus
cuja oração litúrgica “kol nidre” explicitamente autoriza-os a mentir
inclusive sob juramento.
O Pe. Bernard Lucien (ex-guérardo-sedevacantista) e os Pes. André
Vincent e De Margerie acreditam ter encontrado uma solução viável para
a aparente contradição: o direito à liberdade religiosa ensinado pelo
Vaticano II está condicionado à fidelidade à própria consciência, ao
passo que a doutrina tradicional condena somente a extensão da
liberdade religiosa a tudo quanto é gente, mesmo aqueles cujos erros
são culpáveis. Ou, noutros termos, a Dignitatis Humanae ensina o
direito de seguir a própria consciência, enquanto os Papas pré-
Vaticano II condenaram o direito de seguir o próprio capricho. Além de
exigir que as autoridades civis sondem o coração dos homens, e de
limitar arbitrariamente o escopo da doutrina tradicional, essa
interpretação da Dignitatis Humanae é, novamente, incompatível com o
texto. O Vaticano II afirma claramente que “o direito à liberdade
religiosa não se funda na disposição subjetiva da pessoa, mas na sua
própria natureza, razão pela qual esse direito à imunidade permanece
inclusive naqueles que não satisfazem à obrigação de buscar e aderir à
verdade, e o seu exercício não pode ser impedido, desde que se observe
a justa ordem pública.”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, Liberdade Religiosa. O Dr. Brian Harrison e a tentativa
de absolver o Vaticano II de erro, 2006, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-12r
de: “Religious Liberty. Dr. Brian Harrison and the attempt to absolve
Vatican II of error”, in: The Four Marks, vol. 1, n.º 7, agosto de
2006, pp. 6-7,11,14.
Adquirível em:
http://www.thefourmarks.com/downloads.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Relacionado
Essa entrada foi publicada em 23 de outubro de 2011 às 1:44 e está
arquivada em Autores: DALY, “Subito”, Cardeal Billot, Cardeal
Ottaviani, Chesterton, Dom Guéranger, Doutrina, Dr. Brian Harrison,
Latrocínio Vaticano II, Liberdade religiosa, Maritain, Método, Michael
Davies, Papa GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa PIO IX (1846-78), Papa PIO
XI (1922-39). Você pode acompanhar qualquer resposta para esta entrada
através do feed RSS 2.0. Você pode deixar uma resposta, ou trackback
do seu próprio site.
14 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – C”
1. José Carlos Disse:
AJBF
—
Em JMJ,
Felipe Coelho
5. Felipe Coelho Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
6. AJBF Disse:
SMI!
Às questões:
—
—
Não nego que o Estado seja competente para condenar ou aprovar o
conteúdo da prática religiosa (exatamente nos termos que o Pe. Francis
Connell). Só não sei ainda qual é a extensão lícita dessa competência
segundo a doutrina da fé católica. E aí é que entra a hipótese do pe.
Brian Harrison sobre a LR, dizendo que há como que um hiato no qual o
poder público não poderia intervir sem com isso cometer um abuso – não
em razão da natureza da coisa reprimida (que admite-se sempre má), mas
em razão da incompetência estatal de reprimir determinadas coisas que
lhe escapam da competência. Boa parte do problema consiste-se nisso,
compreende? É nisso que ainda não vi argumentos definitivamente
claros, que demonstrem o que é que o Magistério Católico afirma
inequivocamente nessa questão.
—
Em razão de esse ponto não estar tão claro para mim em sua resposta,
repito aqui a pergunta de meu “precipitado” comentário de poucos
minutos atrás: você aceita que aquelas quatro proposições condenadas
de Murray são errôneas?
—
Mas sem dúvida que aceito! As 4 proposições de Murray estão erradas –
palavra da Cúria Romana, com a chancela da autoridade papal de Pio
XII. Que católico sério ousará discordar??
Abraços fraternais,
em JMJ,
AJBF
7. AJBF Disse:
em JMJ
AJBF
8. Textos essenciais em tradução inédita – CI « Acies Ordinata Disse:
[...]
Esta autoridade, embora tenha sido dada a um homem e por ele seja
exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de
Deus e fundada, para ele e seus sucessores, Naquele que ele, a rocha,
confessou, quando o Senhor disse a Pedro: ‘Tudo o que ligares…’ (Mt
16,19). Assim, quem resiste a este poder determinado por Deus ‘resiste
à ordem de Deus’ (Rm 13,2), a menos que não esteja imaginando dois
princípios, como fez Maniqueu, opinião que julgamos falsa e herética,
já que, conforme Moisés, não é ‘nos princípios’, mas ‘no princípio
Deus criou o céu e a terra’ (Gn 1,1).
Em JMJ,
Felipe Coelho
P.S. Sobre a autoridade que o herético conciliábulo Vaticano II teria,
se Paulo VI e sucessores tivessem sido Papas (e, justamente por isso,
não o foram de jeito nenhum!), tratei recentemente aqui (wp.me/pw2MJ-
1Sd#comment-6768). AMDGVM, FC
13. AJBF Disse:
Em JMJ,
AJBF
14. AJBF Disse:
5. Espaço autônomo?
Poder-se-ia fazer uma objeção ao parágrafo precedente mediante a
distinção seguinte: quem é tolerado não tem direito “simpliciter” de
ser tolerado, mas tem um direito “secundum quid”, a saber, “de ser
tolerado pelo poder civil” que não teria o direito de interferir nesse
“espaço autônomo”, domínio protegido pela dignidade da pessoa humana.
A resposta é simples: a adesão interior escapa ao domínio da
autoridade humana, não somente civil como também eclesiástica, pois “o
homem enxerga o exterior, somente Deus julga os corações” (I Reis 16,
7). Mas a prática exterior do erro, e mais ainda a propagação desse
erro, é do domínio público e não pode, portanto, ser excluída do
domínio da autoridade civil. Pretender que haja um domínio onde o
homem teria direito à imunidade de ofender Nosso Senhor Jesus Cristo
(direito à tolerância = direito à imunidade), é uma impiedade. Opõe-se
diretamente a São Paulo: “oportet Illum regnare”.
É, no mais, diretamente contrário à Escritura Santa, que prescreve a
pena de morte para os que propagam o erro religioso (Deut. 13, 1-11 e
Deut. 17, 2-7): é que a prática exterior de uma religião falsa, e mais
ainda a propagação do erro religioso, realmente não é um domínio
“autônomo” onde a autoridade humana não possa intervir. É notável que,
nessa última passagem (Deut. 17, 2-7), Deus não demanda que se recorra
ao juiz religioso, a saber: os sacerdotes da família de Arão, nem
mesmo que se recorra aos simples levitas, mas simplesmente aos juízes
locais (anciãos da vila que se assentavam perto dos portões da
cidade), portanto ao poder civil. Manifestamente, a liberdade
religiosa não é doutrina contida na Sagrada Escritura. Elias,
obedecendo aos mandamentos divinos e matando num só dia 450 profetas
de Baal, certamente não foi “ecumênico” à moda do Vaticano II! (ver
III Reis 18, 19-40). Diz ele muito bem: “Até quando claudicareis vós
para os dois lados? Se o Senhor é Deus, segui-o; se Baal o é, segui-o!
Mas o povo não lhe respondeu” (III Reis 18, 21). É a condenação do
ecumenismo e da “liberdade religiosa” do Vaticano II mais simples,
mais clara e mais impressionante.
6. Admissões significativas.
Ouçamos, porém, a confissão: “Essa expressão (‘direito de ser
tolerado’) não foi utilizada pelo concílio…, a fim de atribuir uma
maior importância ao que havia de novo nessa doutrina (a parte que o
mundo moderno queria ouvir)… mas isso (a saber, o direito de ser
tolerado) é, sem embargo, o resumo do ensinamento da Dignitatis
Humanae” (p. 131). Há aí três admissões: 1. que essa doutrina é nova,
2. que é aquilo que o mundo moderno queria ouvir, 3. que é o resumo da
doutrina de Dignitatis Humanae.
8. Comparação esclarecedora.
Que aquele que é lesado possa escolher entre a tolerância ou a justiça
é uma coisa; que aquele que lesa tenha um direito de ser tolerado no
ato mesmo pelo qual ofende é coisa totalmente diversa, é um absurdo.
Que uma mulher tenha o direito de suportar pacientemente seu marido
que bate nela, é uma coisa (ela tem o direito de tolerá-lo); que o
marido tenha um direito a que a sua mulher o tolere quando ele bate
nela, é algo inteiramente diferente, é absurdo (ele não tem nem o
direito de ser tolerado, nem o direito à imunidade!) Mesmo que a
mulher possa ter o dever de tolerá-lo em deferência aos filhos que têm
necessidade de uma família estável, isso não quer dizer que ele tenha
um direito de ser tolerado: o dever da mulher de tolerá-lo corresponde
aos direitos dos filhos, não do marido. (Os membros da família têm
direito à estabilidade do matrimônio, incluso aí o marido; mas, na
medida em que ele agride sua mulher, nessa mesma medida ele é, ele
próprio, a causa da instabilidade e, portanto, perde o seu direito a
essa estabilidade.)
O paralelo é claro: a autoridade civil tem o direito de tolerar
aqueles que propagam uma religião falsa, pode até ter o dever de
tolerá-los em atenção aos outros cidadãos; mas isso não quer dizer que
aqueles que propagam uma religião falsa tenham um direito de ser
tolerados; enquanto cidadãos, eles têm o direito à paz pública; mas,
na medida mesma em que propagam erros, eles põem essa paz em perigo e
perdem, assim, o seu direito a essa paz (para eles); é tão somente por
deferência aos demais que a autoridade civil pode ter o dever de
tolerá-los. Assim, não existe direito de ser tolerado.
Esse último exemplo parece-me insuperavelmente claro para ilustrar o
sofisma do padre Harrison.
CONCLUSÃO
Usquequo Domine! Até quando vai-se tentar defender o indefensável
mediante sofismas tais? Enquanto Roma quiser impor essas doutrinas
falsas, haverá sempre “teólogos” para tentar justificá-las.
[N. do T. – Mas não serão também teólogos entre aspas os que pretendem
que Roma, ou seja um Papa verdadeiro e legítimo, possa impor falsas
doutrinas para a Igreja inteira durante meio século?... E todo o
rigor, clareza e ortodoxia admiráveis que o A. demonstra acima, não os
deixa de lado agora inopinadamente ao passar, nesta breve conclusão, a
um assunto em que é ele o verdadeiro sofista (vide os dois incríveis
“portanto” logo abaixo!) e acerca do qual ele se torna réu de tudo
aquilo de que acusa tão certeiramente o Rev. Dr. Harrison, tanto nesta
Conclusão quanto ao final do Cap. 3 supra?]
Esses sofismas provêm da vontade de justificar o injustificável. Roma
querendo impor o Vaticano II em TUDO, isso não tem como dar certo:
será preciso realmente que um dia eles reconheçam que há no Vaticano
II (pastoral, não dogmático, portanto sem vontade de obrigar, portanto
sem infalibilidade “ex sese”[4]) erros (se bem que não se trata de
heresias, pois contrariam-se conclusões teológicas antes que verdades
de fé definidas). [4 – “Por si mesmo”. O próprio Pe. Harrison
reconhece que esses textos são geralmente considerados como “não
infalíveis” (p. 10).]
Pe. François Laisney
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. F. LAISNEY, O sofisma do “direito de ser tolerado”. Recensão
de Le dévelop. de la doct. cath. sur la lib. rel. (B. Harrison, 1988),
1994; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-12B
Fonte do original: Le Sel de la Terre, n.º 3, pp. 119-124.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Relacionado
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II, Liberdade religiosa, Papa LEÃO XIII (1878-1903). Você pode
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9 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CI”
1. AJBF Disse:
Sem palavras!
Por mim esse texto já bastaria – mas aguardo também o outro para
finalmente ter, diante de mim, o golpe de misericórdia.
Obrigado por tudo, caríssimo!
Abraços
AJBF
2. Felipe Coelho Disse:
http://archives.leforumcatholique.org/consulte/message.php?arch=2&num=
101440 )
Como vê, meu caro Aruan, o que pode ser claríssimo ou mesmo elementar
(a distinção entre as várias modalidades da justiça) para quem seja
douto em Teologia e Direito como o A. que acabo de citar, não
necessariamente é fácil de apreender pelo leitor medianamente
instruído ou mesmo cultivado, como nós, que não tenha a mesma formação
e conhecimento das distinções técnicas daquelas disciplinas.
Um grande abraço,
Em JMJ,
Felipe Coelho
3. AJBF Disse:
Em JMJ,
AJBF
4. Gederson Disse:
Salve Maria!
Não sei se pode contribuir com o debate, mas deixo abaixo um texto de
Don Curzio Nitoglia, onde determinado trecho ele faz também uma
distinção entre o direito e a tolerância.
Fique com Deus.
Abraço
Gederson
Liberdade religiosa e tradição apostólica
Dom Curzio Nitoglia
O Decreto sobre Liberdade Religiosa (Dignitatis humanae, 7 de dezembro
de 1965) é uma contradição com a tradição apostólica e o magistério
constante da Igreja resumido no Direito Público Eclesiástico.
· Se veja S. Gregorio Nazianzeno (+ 390), Hom. XVII; S. Joãoi
Crisóstomo (+ 407), Hom. XV super IIam Cor.; S. Ambrósio(+ 397), Sermo
conta Auxentium; S. Agostiho (+ 430), De civitate Dei (V, IX, t. XLI,
col. 151 ss.); S. Gelásio I (+ 496), Epist. ad Imperat. Anastasium I;
S. Leão Magno (+ 461), Epist. CLVI, 3; S. Gregorio Magno (+ 604),
Regesta, n. 1819; S. Isidoro De Sevilha (+ 636), Sent., III, 51; S.
Nicola I, Epistul. Proposueramus quidam (865); S. Gregorio VII (+
1085), Dictatus Papae (1075), I epistola a Ermanno Bispo de Metz (25
agosto 1076), II epistola a Ermanno (15 marzo 1081); Urbano II (+
1099), Epist. ad Alphonsum VI regem; S. Bernardo De Claraval (+ 1173),
Epistola a papa Eugenio III sobre as duas espadas; Inocêncio III (+
1216), Sicut universitatis conditor (1198), Venerabilem fratrem
(1202), Novit ille (1204); Inocêncio IV (+ 1254), Aeger cui levia
(1245); S. Tomás De Aquino (+ 12074), In IVum Sent., dist. XXXVII, ad
4; Quaest. quodlib., XII, a. 19; S. Th., II-II, q. 40, a. 6, ad 3;
Quodlib. XII, q. XII, a. 19, ad 2; Bonifácio VIII (+ 1303), Bula Unam
sanctam (1302); Cajetanus (+ 1534), De comparata auctoritate Papae et
Concilii, tratt. II, pars II, cap. XIII; S. Roberto Bellarmino (+
1621), De controversiis; F. Suarez (+ 1617), Defensio Fidei
catholicae;.Gregorio XVI, Mirari vos (1832); Pio IX, Quanta cura e
Syllabus (1864); Leão XIII, Immortale Dei (1885), Libertas (1888); S.
Pio X, Vehementer (1906); Pio XI, Ubi arcano (1921), Quas primas
(1925), Pio XII, Discurso aos juristas católicos italianos, 6 de
dezembro de 1953.
· A doutrina católica sempre foi aquela da subordinação do Estado a
Igreja, como do corpo a alma. Essa conheceu nuances acidentais: poder
direto in spiritualibus e indireto in temporalibus ou poder direto
também in temporalibus, mas não exercitado e dado pelo Princípe
temporal ao Pontifice Romano (plenitudo potestatis). Nunca nenhum dos
265 Papas, Padres Eclesiásticos, Doutores da Igreja, teólogos ou
canonistas recebeu na Igreja o ensino da separação entre Estado e
Igreja, que é e sempre foi condenado.
· Ora a Dignitatis Humanae (doravante DH) ensina pastoralmente que o
homem tem “direito a liberdade religiosa[...] privadamente [até aqui
nada a objetar, se trata do “foro interno” que resguarda só o homem e
Deus e não o Estado] e em público seja só ou seja associado com outros
[e aqui a casa cai¹, na verdade no “foro externo” não se há o direito
de professar o erro, se pode falar somente de tolerância nunca de
direito]. [...]. É necessário que todos os cidadãos e toda comunidade
religiosa venham reconhecer o direito a liberdade em matéria
religiosa. [...] Liberdade religiosa que deve ser reconhecida como um
direito a todos os homens e a toda comunidade e que deve ser
sancionada no ordenamento jurídico [aqui a ruptura total com o
“direito Público Eclesiástico do Papa São Gelásio até Pio XII]”. (DH,
n. 2, 3, 6 e 13).
· A objeção onde DH queria empregar infalibilidade como declarou: “o
direito a liberdade religiosa se funda realmente sobre a dignidade
mesma da pessoa humana, qual se conhece seja por meio da palavra de
Deus revelada seja através da razão” (n.2). Se responde que o decreto
DH não quer definir que a liberdade religiosa fundada sobre a
dignidade da pessoa humana é verdade revelada e não quer obrigar a
nela crer como condição para salvação, mas só declarou pastoralmente
um “direito a liberdade religiosa” em “foro externo” e publicamente –
também inexistente segundo a Tradição apostpolica, a qual fala só de
“foro interno” e em privado – “fundado sobre uma dignidade pessoal”,
que é uma expressão filosóficamente inexata, enquanto não é sujeito de
mérito ou valor, mas é a natureza onde o sujeito subsiste, que confere
uma maior ou menor dignidade. Por isto DH deveria falar de dignidade
da natureza humana e não da pessoa humana. DH equivoca-se entre “foro
interno” e “foro externo”, entre natureza e pessoa, como sendo
ensinamento pastoral e a-dogmático renunciado ao léxico da filosofia e
teologia escolástica e específicamente tomistíca e se é servida de
expressões inexatas e “poéticas” mais que teológico-filosófica.
· Pio IX na Quanta Cura (8 de dezembro de 1864) definiu explicítamente
que a libedade religiosa em foro externo “é contrária a doutrina das
Sagradas Escrituras, da Igreja e dos Santos Padres Eclesiásticos” e
que “o Estado tem o dever de reprimir os violadores da Religião
Católica com pena específica”.
DOM CURZIO NITOGLIA
27 maio 2011
¹ “e qui casca l’asino”
Em JMJ,
Felipe Coelho
6. Rogério Alexandre Disse:
Em JMJ
Rogério
7. Felipe Coelho Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
8. Textos essenciais em tradução inédita – CIII « Acies Ordinata
Disse:
Salve Maria!
Obrigado pelo comentário. Mas me parece que falta abordar o problema
da pastoralidade (que é o principal do CVII). Embora você tenha
afirmado a doutrina tradicional, permanece a objeção de que, os Papas
conciliares declararam que a finalidade do Concílio era pastoral, não
era declarar nenhum dogma, que comportasse as notas da infalibilidade.
O mesmo ocorreu no seu comentário no Fratres, no post tratando sobre
De Matei. Ali ele se referia ao magistério pastoral, e você achou
estranha a referência que ele fez. Don Curzio Nitoglia, também parece
conceder como legitima, a pastoralidade do Concilio. Mas na sua
resposta você vai diretamente a questão do magistério tradicional, sem
considerar a questão da pastoralidade (que é muito estranha), que
parece sugerir um magistério paralelo.
Me parece, além disso, que a tal pastoralidade, é a doutrina, acima de
qualquer outra, que recebemos através do Concílio. Porque através da
pastoralidade é que temos a medida dos próprios ensinamentos
conciliares. Contudo, eu pelo menos não sei o que vem a ser pastoral,
como o CVII, não é muito clara e segura, daí pergunto:
O que é pastoral? É uma doutrina infalívelmente certa? Infalívelmente
segura?
Embora os Papas conciliares, tenham declarado o Concílio como
pastoral, e o desejo de não declarar dogmas (que comportassem as notas
da infalibilidade), eles trataram de questões que a Igreja tratou
dogmaticamente, dando respostas definitivas, e que preenchiam todas as
notas da infalibilidade. A própria questão da liberdade religiosa foi
respondida definitivamente por Pio IX. Então, um Concílio que se
declara pastoral, não poderia tratar de uma questão, para a qual já se
havia resposta definitiva de forma pastoral. Como ele trata assim tais
questões, não sugere que também considera as respostas definitivas
dadas pela Igreja, como respostas pastorais?
Um exemplo, a Igreja até 1965 acreditava com fé divina e católica, que
a Igreja de Cristo, é a Igreja Católica. Após o Concílio, ela passa a
dar religioso obséquio da inteligência e da vontade, a afirmação de
que “o Corpo de Cristo subsiste plenamente na Igreja Católica.” Embora
os “néo-teólogos” digam que o “subsist” repita a doutrina tradicional,
acredito que eles ficariam em maus lençois se lhes perguntássemos:
na Tradição
(junho de 2006)
John S. DALY
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, A FSSPX deveria aceitar ou recusar as condições postas
por Bento XVI para a reconciliação? Uma resposta alicerçada na
Tradição, jun. 2006, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, nov. 2011,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-13b
de: “Should the SSPX accept or refuse Benedict XVI’s terms for
reconciliation?” – coluna “Answers Built on Tradition” [Respostas
alicerçadas na Tradição], in: The Four Marks, vol. 1, n.º 6, junho de
2006, p. 7.
Adquirível em:
http://www.thefourmarks.com/downloads.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Relacionado
Essa entrada foi publicada em 1 de novembro de 2011 às 15:56 e está
arquivada em Autores: DALY, “Subito”, Bento XVI, Concílio de Trento
(1545-63), Dom Guéranger, Doutrina, Ecclesia Adflicta, FSPX, FSPX-
Vaticano, Liturgia, Método, Papa GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa PIO VI
(1775-99), Sedevacantismo, Sto. Tomás de Aquino. Você pode acompanhar
qualquer resposta para esta entrada através do feed RSS 2.0. Você pode
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2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CII”
1. Gederson Disse:
Salve Maria!
Curiosamente, a Dei Verbum (sobre a revelação), é o documento que
melhor revela, o espírito da liturgia reformada por Paulo VI. Veja do
que estou falando:
21. A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o
próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada
Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa
da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e
continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra
suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por Deus, e
exaradas por escrito duma vez para sempre, continuam a dar-nos
imutàvelmente a palavra do próprio Deus, e fazem ouvir a voz do
Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos Apóstolos. É
preciso, pois, que toda a pregação eclesiástica, assim como a própria
religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura”. Dei
verbum –
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documen
ts/vat-ii_const_19651118_dei-verbum_po.html
Mas a Igreja venera ou adora, o corpo de Cristo? Não é um certo
espírito de “veneração”, o que permite a comunhão na mão?
Como eu disse, é bastante curioso que, um documento sobre a revelação,
revele o espírito do documento sobre a liturgia, ou seja, que não é um
espírito de adoração. Curiosamente este trecho da Dei Verbum, ainda
afirma que a Tradição tal como as sagradas escrituras, foram exaradas
por escrito duma vez para sempre. Mas e a tradição oral que garante o:
“Transmiti o que recebi”, o que aconteceu com ela?
Aparentemente a questão da tradição, não tem muito haver com a questão
litúrgica. Mas se também a tradição se restringe aos escritos e não
existe uma tradição oral, então, transforma-se o lema “Transmiti o que
recebi”, para o “Transmiti o que interprei”. Daí já não estamos mais,
falando de catolicismo, mas sim de protestantismo. Isto salta aos
olhos no Rito de Paulo VI, que foi uma litúrgia fabricada. Não é atoa
que Mons. Gherardini disse que, a Dei Verbum introduziu na Igreja, a
Sola Scriptura protestante!
Fique com Deus.
Abraço
2. AJBF Disse:
Sobre Escandalizar-se
Cap. VIII das
Conferências Espirituais
(Londres, 1859)
Padre Frederick William FABER (1814-1863),
do Oratório
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Padre FABER, Sobre Escandalizar-se, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, fev. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-fY
de: “On Taking Scandal“, cap. VIII das Spiritual Conferences, Londres,
1859, pp. 305-315.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
John Daly
(Cânon 2205§2)
15. “Todo o poder espiritual é dado com uma certa consagração. É por
essa razão que o poder das chaves é dado com o sacramento da Ordem.
Mas o exercício desse poder requer matéria apropriada, que é o povo
cristão submetido por meio da jurisdição. Assim, antes da jurisdição o
padre possui o poder das chaves, mas não a faculdade de exercer esse
poder.”
O Espírito Santo difundiu Seus dons divinos nas almas desses novos
cristãos; mas as virtudes que estão neles só se podem exercer de
maneira a merecer a vida eterna no seio da Igreja verdadeira. Se, em
lugar de seguirem o pastor legítimo, tiverem a infelicidade de
entregar-se a falsos pastores, todas essas virtudes tornar-se-ão
estéreis. Devem eles, então, evitar como estrangeiro aquele que não
recebeu sua missão do Mestre que, somente ele, pode conduzi-los aos
pastos da vida. Muita vez, ao longo dos séculos, houve pastores
cismáticos; o dever dos fiéis é fugir deles, e todos os filhos da
Igreja devem estar atentos à advertência que Nosso Senhor lhes dá
aqui. A Igreja que Ele fundou e que Ele conduz por Seu divino Espírito
tem por característica ser Apostólica. A legitimidade da missão dos
pastores manifesta-se pela sucessão; e, dado que Pedro vive em seus
sucessores, o sucessor de Pedro é a fonte do poder pastoral. Quem está
com Pedro está com Jesus Cristo.”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, Florilégio de textos referentes aos bispos sem Missão
Apostólica e aos padres que eles ordenam, 2007, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2010, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-uL
de: “FLORILÈGE DE TEXTES CONCERNANT LES ÉVÊQUES SANS MISSION
APOSTOLIQUE ET LES PRÊTRES QU’ILS ORDONNENT”,
Relacionado
Essa entrada foi publicada em 27 de dezembro de 2010 às 22:30 e está
arquivada em Autores: DALY, Autores: pré-conciliares, C.E.S.M.A.,
Cardeal Billot, Concílio de Trento (1545-63), Dom Gréa, Dom Guéranger,
Doutrina, Liturgia, Método, Papa PIO XII (1939-58), Papa São PIO X
(1903-14), São Bernardo de Claraval, Sto. Tomás de Aquino. Você pode
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XLIV”
1. Sandro de Pontes Disse:
do Vaticano II
(1990)
John Daly
Introdução
Este documento contém uma lista das mais importantes contradições à
doutrina católica de que estamos cientes nos pronunciamentos do
Vaticano II, juntamente com um sumário, em cada caso, de provas que
evidenciam que o ensinamento falso é herético ou, nalguns poucos
casos, digno de alguma nota menos grave de censura. Suspeitamos que
leitura meticulosa dos documentos do Vaticano II traria à luz muitas
heresias mais, mas pensamos que estas, abaixo listadas, são as mais
conhecidas e as mais flagrantes.
(j) A Igreja tem sincero respeito por doutrinas que diferem das dela.
“A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões [não cristãs]
existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de
agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em
muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, entretanto
refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os
homens.” (Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-
Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 2)
Pondo de lado a escandalosa referência a modos de agir e de viver e
preceitos, concentremo-nos na afirmação de que a Igreja tem “sincero
respeito” pelas “doutrinas” das falsas religiões, não somente por
aquelas doutrinas que, fortuitamente, possam ser verdadeiras, mas
mesmo aquelas que “se afastem…do que ela própria segue e propõe”.
Agora, dado que o ensinamento seguido e proposto pela Igreja Católica
é verdadeiro, é uma necessidade lógica que qualquer doutrina que se
afaste dele deve ser falsa. Os Padres do Vaticano II, portanto,
declararam firmemente que a Igreja tem “sincero respeito” por falsas
doutrinas. Claro que isso é perfeitamente verdadeiro da Seita
Conciliar; mas a atitude da Igreja Católica para com falsas doutrinas
sempre foi a mesma que a de seu Divino Fundador: execração irrestrita.
Censura teológica: HERÉTICO.
(k) Reuniões e discussões teológicas de igual para igual entre
católicos e acatólicos são louváveis.
“Católicos devidamente preparados devem adquirir um melhor
conhecimento da doutrina e história, da vida espiritual e litúrgica,
da psicologia religiosa e da cultura própria dos irmãos separados.
Muito ajudam para isso as reuniões de ambas as partes para tratar
principalmente de questões teológicas, onde cada parte deve agir de
igual para igual, contanto que aqueles que, sob a vigilância dos
superiores, nelas tomam parte, sejam verdadeiramente peritos.”
(Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 9).
O que quer que alguém possa dizer tentando defender a ortodoxia dessa
doutrina herética, é um fato inescapável que, ao entrar em discussão
com quem quer que seja de igual para igual, renuncia-se a qualquer
reivindicação de autoridade superior à autoridade da outra parte. Do
contrário, simplesmente não se estaria em pé de igualdade. Considere:
como pode a Igreja recomendar aos católicos, mesmo os mais
competentes, que entrem em discussão teológica com protestantes, a não
ser que os protestantes estejam abertos e dispostos a reconhecer que
as opiniões religiosas deles são no mínimo duvidosas e a mudá-las se
descobrirem prova clara do contrário? E, no entanto, para um católico
entrar em diálogo com um tal protestante de igual para igual, seria
necessário ao católico ter a mesma atitude para com as suas próprias
convicções religiosas: noutras palavras, considerá-las opiniões
provisórias, ao invés de garantidas por Deus e inabalavelmente certas,
e algo que ele morreria contente mil mortes antes que pôr em dúvida no
mais mínimo detalhe de qualquer uma delas por um único segundo.
Destarte, o Concílio encoraja os católicos a ocultar a obrigação
divina que todas as pessoas têm de aceitar a Fé Católica, a ocultar a
impossibilidade para todo e qualquer católico – sem horrendo pecado
mortal – de questionar o mais ínfimo detalhe de sua Fé, e a ocultar a
necessidade para todos os hereges de submeter-se à Igreja. Encoraja os
católicos a manifestar a postura de que as questões teológicas
disputadas entre católicos e acatólicos são matéria de livre debate:
opinião contra opinião. Não existe outro jeito de ler essas palavras
do Concílio. E a conduta louvada pelo Vaticano II foi expressamente
condenada na Mortalium Animos do Papa Pio XI:
“E se é possível encontrar muitos acatólicos pregando à boca cheia a
união fraterna em Jesus Cristo, entretanto não encontrareis a nenhum
deles em cujos pensamentos esteja a submissão e a obediência ao
Vigário de Cristo enquanto docente ou enquanto governante da Igreja.
Afirmam eles que tratariam de bom grado com a Igreja Romana, mas com
igualdade de direitos, isto é, iguais com um igual. Mas, se pudessem
fazê-lo, não há dúvida de que agiriam com a intenção de que, por um
acordo que talvez se ajustasse, não fossem coagidos a afastarem-se
daquelas opiniões que são a causa pela qual ainda vagueiam e erram
fora do único aprisco de Cristo.
Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa Sé não pode, de modo
algum, participar de suas reuniões e que, aos católicos, de nenhum
modo é lícito aprovar ou contribuir para estas iniciativas…”
O Santo Padre ensinou também que: “…quem concorda com os que pensam e
empreendem tais coisas afasta-se inteiramente da religião divinamente
revelada.”
O Vaticano II afirma que reuniões entre os dois lados – especialmente
para discussão de problemas teológicos e em que cada qual pode tratar
com o outro em pé de igualdade – são de “muita ajuda”. O Papa Pio XI
diz que elas não podem ser aprovadas e que as teorias, que pretendem
defender tais encontros como bons, equivalem a apostasia.
Censura teológica: HERÉTICO CONTRA A FÉ ECLESIÁSTICA.
(PIO XI, Carta Encíclica Ubi Arcano, Sobre a Paz de Cristo no Reino de
Cristo, Documentos Pontifícios – 19, 3.ª ed., Petrópolis: Vozes, 1957,
32 pp., p. 13).
E aqui está o Papa Pio XII na primeira encíclica dele, Summi
Pontificatus:
“Muitos talvez, ao se afastarem da doutrina de Cristo, …não percebiam
a vanidade de todo o esforço humano em substituir a lei de Cristo por
alguma outra coisa que a igualasse; ‘tornaram-se fátuos nos seus
arrazoados’ (Rm 1,21). Enfraquecida a fé em Deus e em Jesus Cristo, o
Divino Redentor, ofuscada nos ânimos a luz dos princípios morais, fica
a descoberto o único e insubstituível alicerce daquela estabilidade e
tranquilidade, daquela ordem externa e interna, privada e pública,
única que pode gerar e salvaguardar a prosperidade dos Estados.”
_____________
ÍNDICE
(a) O direito civil à liberdade religiosa.
(j) A Igreja tem sincero respeito por doutrinas que diferem das dela.
Em JMJ,
Felipe Coelho
6. AJBF Disse:
Um Esclarecimento de Pio IX
(1984)
pp. 147-150:
_____________
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Bernard LUCIEN, Um Esclarecimento de Pio IX, 1984, trad. br.
por F. Coelho, São Paulo, out. 2013, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-27D
Fonte: Anexo II, pp. 147-150 de: B. LUCIEN, L’Infaillibilité du
magistére ordinaire et universel de l’Église, Nice: Éditions
Association Saint-Herménégilde, Documents de Catholicité, 1984,
vi+158p.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Infalibilidade e Obrigação
(1984)
Rev. Pe. Bernard Lucien
pp. 129-146:
_____________
ANEXO II: Infalibilidade e obrigação (p. 129)
– Exposição geral (p. 131)
Exposição geral
“Porro fide divina et catholica ea omnia credenda sunt, quæ in verbo
Dei scripto vel tradito continentur et ab Ecclesia sive solemni
judicio sive ordinario et universali magisterio tamquam divinitus
revelata credenda proponuntur.”
[Fomos nós que indicamos a supressão com o sinal: (...) ; o autor não
a assinala!]
Uma dificuldade
Como assinalamos mais acima, Vacant rompe a unanimidade na tradução de
D. 1792, suscitando destarte uma dificuldade quanto à doutrina que
acabamos de expor. Eis, com efeito, sua tradução do texto:
“Deve-se crer com fé divina e católica todas as verdades que se
encontram contidas na palavra de Deus escrita ou tradicional e que a
Igreja propõe como devendo ser cridas, enquanto divinamente reveladas,
quer ela faça essa proposição por um juízo solene ou por seu
magistério ordinário e universal.”
Observemos, antes de mais nada, que Vacant não é muito apegado à sua
tradução, e que o ponto litigioso não desempenha papel algum nas
explicações que ele fornece sobre a infalibilidade. Com efeito, na
exposição de 1887 publicada em La Science Catholique, exposição esta
retomada substancialmente e por vezes literalmente na obra de 1895,
Vacant dava uma tradução conforme àquela que encontramos nos demais
autores:
“Deve-se crer, com fé divina e católica, todas as verdades que se
encontram contidas na palavra de Deus escrita ou tradicional e que a
Igreja propõe à nossa fé como divinamente reveladas, quer ela faça
essa proposição por um juízo solene ou por seu magistério ordinário e
universal.”
(ibid. p. 302)
Encontra-se justamente aqui a doutrina que precedentemente
evidenciamos: a Igreja propõe determinada verdade como divinamente
revelada: daí se segue que a obrigação de crer está claramente
manifestada. Esse segundo ponto é uma consequência, não um
constitutivo, do ato infalível.
Esse ensinamento se mantém, de resto, na obra de 1895. Vacant ali
escreve:
“(O Concílio) ensina, com efeito, que essa fé deve ter como objeto
todas as verdades que se encontram contidas na palavra de Deus… e que
a Igreja propõe como impondo-se à fé, enquanto divinamente reveladas,
(…). Ora, se bem que, consideradas em bloco, todas as verdades
reveladas sem exceção se imponham à fé de todos; tomadas isoladamente,
somente podem ser consideradas como obrigatórias para todos aquelas
que a Igreja propõe como certamente reveladas.”
(D. 1683)
“Mesmo em se tratando daquela submissão que se deve prestar com um ato
de fé divina, (…) seria preciso estendê-la também às verdades que são
transmitidas como divinamente reveladas pelo magistério ordinário da
Igreja inteira espalhada pela terra (…).”
Aqui, nenhuma dúvida é possível: o ato do magistério ordinário
infalível não comporta, de jeito nenhum, como tal, a afirmação de uma
obrigação, mas somente a afirmação do caráter revelado. E, em
consequência, o ato de fé impõe-se a todos.
O sentido do texto do Vaticano I se esclarece, assim, de maneira
incontestável, pela fonte à qual está ligado.
Portanto, a doutrina que expusemos é realmente o próprio ensinamento
da Igreja.
Todas as vezes, pois, que a palavra desse magistério declara que esta
ou aquela verdade faz parte do conjunto da doutrina divinamente
revelada, cada um deve crer com certeza que isso é verdadeiro; pois,
se isso pudesse de algum modo ser falso, seguir-se-ia, o que é
evidentemente absurdo, que Deus mesmo seria o autor do erro dos
homens.”
(Ibid. 572.ª)
Também aí, Leão XIII indica claramente que o ato infalível do
magistério consiste em declarar a pertença de determinada doutrina ao
depósito, e não em afirmar ou em impor uma obrigação. A obrigação que
liga o fiel é apresentada como uma consequência, que tem sua fonte
própria na Veracidade divina.
Além disso, esse texto de Leão XIII permite comentar de maneira
“autêntica” [= autoritativa (N. do T.)] o texto do Vaticano I. Com
efeito, o Pontífice mesmo, após prosseguir com um desenvolvimento
sobre a necessidade de crer tudo o que a Igreja ensina, recapitula sua
exposição fazendo referência ao texto do Vaticano I:
“Os Padres do Concílio do Vaticano nada decretaram de novo, portanto,
mas só fizeram conformar-se à instituição divina, à antiga e constante
doutrina da Igreja e à natureza mesma da fé, quando formularam este
decreto: ‘Deve-se crer com fé divina e católica todas as verdades que
estão contidas na palavra de Deus escrita ou transmitida pela tradição
e que a Igreja, quer por um juízo solene, quer por seu magistério
ordinário e universal, propõe como divinamente reveladas’.”
(E.P.S. E., 574)
Pio XII contribui, também ele, com um resplandecente testemunho sobre
esse ponto, num texto que já citamos (cf. pp. 53-54).
[N. do T. – O A. faz aqui referência ao seguinte trecho da
Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, que ele citara nas
páginas 53-54 de seu livro:
“Por essa razão, do consenso universal do magistério ordinário da
Igreja, extrai-se um argumento certo e sólido, para demonstrar que a
Assunção corpórea da Bem-aventurada Virgem Maria ao Céu – a qual, pelo
que respeita à ‘glorificação’ celestial do corpo virginal da augusta
Mãe de Deus, não podia ser conhecida pelas forças naturais de nenhuma
faculdade da alma humana – é uma verdade revelada por Deus e, em
consequência disso, deve ser crida firmemente e fielmente por todos os
filhos da Igreja. Pois, como afirma o mesmo Concílio Vaticano, ‘deve-
se crer com fé divina e católica todas as coisas contidas na palavra
de Deus escrita ou transmitida, e que a Igreja, seja com um juízo
solene, seja com seu magistério ordinário e universal, propõe à nossa
fé como verdades reveladas por Deus’.” (E.P.S. N.D. n.º 493.)
No original: “Itaque ex ordinarii Ecclesiae Magisterii universali
consensu certum ac firmum sumitur argumentum, quo comprobatur
corpoream Beatae Mariae Virginis in Caelum Assumptionem — quam quidem,
quoad caelestem ipsam « glorificationem » virginalis corporis almae
Dei Matris, nulla humanae mentis facultas naturalibus suis viribus
cognoscere poterat — veritatem esse a Deo revelatam, ideoque ab
omnibus Ecclesiae filiis firmiter fideliterque credendam. Nam, ut idem
Concilium Vaticanum asseverat: « Fide divina et catholica ea omnia
credenda sunt, quae in verbo Dei scripto vel tradito continentur, et
ab Ecclesia sive sollemni iudicio, sive ordinario et universali
Magisterio tamquam divinitus revelata credenda proponuntur » (De fide
catholica, cap. 3).” (cf. E.P.S. N.D. n.º 493, nota a).]
Na Munificentissimus Deus, Pio XII recorda que quase todos os bispos
responderam sim à questão: “pensais vós (…) que a Assunção corpórea da
Santíssima Virgem possa ser proposta e definida como dogma de fé?”
(E.P.S. N.D., 491-492). O Papa observa que se conhece assim “o
consenso universal do magistério ordinário da Igreja”; e ele afirma
que essa concordância fornece um “argumento certo” para demonstrar que
a Assunção é “uma verdade revelada por Deus”. E o Papa logo ajunta:
“e, como consequência disso, ela deve ser crida firmemente e fielmente
por todos os filhos da Igreja” (E.P.S. N.D., 493; cf. supra pp. 53-54
e p. 97).
Ilustração
É fácil de esclarecer e, ao mesmo tempo, de confirmar o que precede
com um exemplo manifesto. Absolutamente todos os católicos reconhecem
que a definição da Assunção por Pio XII (1.º de novembro de 1950) é
uma definição ex cathedra.
Ora, nesse caso, é igualmente claro que Pio XII define uma doutrina, e
não alguma obrigação:
“…com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados
Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, e com a Nossa própria autoridade, Nós
afirmamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que:
a Imaculada Mãe de Deus, Maria sempre virgem, terminado o curso de sua
vida terrestre, foi assunta de corpo e alma à glória celestial.”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Bernard LUCIEN, Infalibilidade e Obrigação, 1984, trad. br.
por F. Coelho, São Paulo, jun. 2013, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1Ua
de: “Annexe II : Infaillibilité et Obligation”, pp. 129-146 de: B.
LUCIEN, L’Infaillibilité du magistére ordinaire et universel de
l’Église, Nice: Éditions Association Saint-Herménégilde, Documents de
Catholicité, 1984, vi+158p.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Erro de Alvo
(março de 2013)
Vós me dizeis estimar que Mons. Lefebvre não foi “longe o bastante”, e
que a consequência disso é um imenso equívoco.
Assim como vós, e ainda mais, deploro que Mons. Lefebvre não tenha
enunciado claramente a impossibilidade de Paulo VI e João Paulo II, em
razão de seus atos destruidores, terem sido verdadeiros Papas da
Igreja Católica, revestidos da autoridade de Jesus Cristo, fazendo as
vezes d’Ele na cabeça da Igreja militante.
Mas creio que o vício dessa posição é mais profundo do que o simples
fato de ela ser incompleta. Não é para criticar Mons. Lefebvre nem a
quem quer que seja, que digo isso. Nós sabemos o quanto o modernismo
ressurgente do Vaticano II foi hábil; o quanto foi difícil a homens da
Igreja formados no tempo da ordem reagir de encontro a tudo o que
haviam aprendido acerca da submissão e da obediência devidas ao Papa.
Nós devemos todos – e particularmente eu – muitíssimo a Mons.
Lefebvre, para dele nos queixarmos por carências que teriam sido muito
mais graves se estivéramos no lugar dele.
O vício que evoco consiste nisto: atacou-se o Papa, quando se devia
atacar Paulo VI e os sucessores dele; “espoliou-se” o Papa ao invés de
“espoliar” Paulo VI.
Para explicar (coisa que era salutar) os erros na fé e as reformas
protestantes que superabundaram no Vaticano II e na sequela deste,
para justificar o combatê-los e o recusá-los (coisa que era
necessária), ao invés de recusar a Paulo VI (e consortes) e de dizer
que ele não era um verdadeiro Papa, recusou-se o Soberano Pontificado.
Diminuiu-se assim – ou negou-se sem rodeios – as prerrogativas que
Jesus Cristo comunica a Seu Vigário, e através dele à Sua Igreja.
Assim, começou-se a pretender que o Papa não é infalível (fora de
locução ex cathedra, a qual era além disso travestida de magistério
extraordinário – apelação desconhecida pela Igreja –, para não ter de
reconhecê-la senão mais raramente ainda). Destarte, pretendeu-se em
seguida que a obrigação da obediência está ligada à infalibilidade, o
que “justifica” desobediência generalizada a uma autoridade
reconhecida todavia como verdadeira e sobrenatural.
Assim também, durante décadas, passou-se em silêncio a infalibilidade
do magistério ordinário e universal (do qual o Papa é o princípio), e
acabou-se por fim reconhecendo-a a contragosto, modificando o sentido
da palavra universal (a qual, segundo o ensinamento da Igreja, não
designa aqui a universalidade no tempo, mas a universalidade do corpo
episcopal num dado momento).
Assim, negou-se a infalibilidade da Igreja e do Papa na promulgação
das leis gerais, e na constituição dos ritos litúrgicos, ao arrepio do
ensinamento do Concílio de Trento e do Papa Pio VI (entre outros). Na
mesma linha, negou-se a infalibilidade das canonizações.
Assim, negou-se que o Papa é a fonte de toda a jurisdição
eclesiástica, inventando uma jurisdição de suplência [1] da qual “nós
e nossos amigos” estariam revestidos de forma permanente, universal, e
bem mais abrangente do que aquela que se teria em situação normal (no
fim das contas, é bem confortável a crise da Igreja…). Pior ainda,
inventou-se a noção de jurisdição goteira (o apelativo é meu) que o
considerado verdadeiro Papa daria sem saber, e contra a vontade, à
fraternidade São Pio X.
[1. Não viso de maneira alguma a possibilidade (real) de suplência
pela Igreja, gota a gota, de uma jurisdição sacramental inexistente.
Quero falar da afirmação (explícita ou implícita) de que, “por
suplência”, os padres da fraternidade São Pio X gozariam de jurisdição
permanente, estendendo-se até mesmo à ordem não-sacramental.]
Assim também, negou-se que o Papa é o princípio da ordem judiciária na
Igreja, organizando tribunais que dispensam e dissolvem, pelo simples
fato de que se decidiu que assim deveria ser, sendo que não têm título
nenhum a fazê-lo.
Negou-se assim que o Papa tem a exclusividade da constituição da
hierarquia eclesiástica, pretendendo que se possa sagrar bispos sem
mandato apostólico, mediante a jogada de dizer que estão desprovidos
de jurisdição (sendo que, na realidade, eles agem como se tivessem uma
jurisdição quase-papal) e o estratagema de contar que eles não fazem
parte da hierarquia (sem se dar conta de que isso é consagrá-los ou ao
nada ou ao cisma).
Cumpre dizer, para ser justo, que muitos daqueles que são chamados de
sedevacantistas deram uma boa ajuda a essa malvadeza da espoliação do
Papa e do Papado pelo recurso às sagrações sem mandato apostólico, e
pela aceitação das sentenças dos tribunais sejam conciliares ou
fraternitários.
No fim das contas, nada mais resta do Papa, senão uma referência
histórica e mundana. Mas reconhecer no Papa a regra viva da fé e a
fonte da hierarquia (tanto segundo a ordem como segundo a jurisdição),
ninguém mais nem sonha fazer. Os “tradis” se juntaram e quiçá
superaram aos modernistas nessa empresa de demolição; e é a demolição
de uma realidade propriamente fundamental da Igreja: Tu es Petrus et
super hanc petram…
Vós compreendeis que não quero nem participar desse empreendimento,
nem o encorajar nem dele tirar benefício algum. De nenhum modo, em
nenhum dos domínios que evoquei acima, não quero sapar a doutrina
católica, nem diminuir a verdade, nem favorecer um espírito de
anarquia que me inquieta tanto quanto as inovações conciliares (e Deus
sabe como estas me parecem execráveis).
Nem por isso desconheço o bem que a fraternidade São Pio X pôde fazer
e faz ainda: seria injusto; nem por isso desconheço o estado de
necessidade em que nos debatemos; nem por isso desconheço a imensa
necessidade das almas. Mas afirmo que a solução dos nossos males não
está na deformação da doutrina católica, não está na usurpação de
poderes que a Igreja não nos atribui, nem na oposição à constituição
da Santa Igreja Católica.
Anexo a esta carta alguns documentos para explicitar e escorar isto
(quero dizer: a recusa das sagrações episcopais sem mandato
apostólico). No aguardo, eis duas pequenas ilustrações.
Antes de tudo, Pio IX afirma que a constituição do episcopado é a
tarefa principal do Papa; sua primeira responsabilidade diante do Bom
Deus é a nomeação dos bispos. Nenhum outro pode substituí-lo neste
encargo, que ele recebeu diretamente de Jesus Cristo. É a constituição
mesma da Igreja Católica que Jesus Cristo faça o Papa, que o Papa
legítimo faça os bispos, e que o bispo legítimo faça os sacerdotes e
os soldados da Igreja.
Durante a revolução francesa, a 12 de julho de 1797, o Arcebispo de
Lyon em exílio, Mons. De Marbeuf, suplica ao Papa Pio VI que lhe dê um
auxiliar, pois os bispos intrusos “se espalharam na sua diocese e
atraíram numerosos fiéis, especialmente ‘pela isca do sacramento da
Confirmação, que eles se apressavam em oferecer-lhes e em conferir-
lhes na ausência de seu legítimo bispo’” (Charles Ledré, Le culte
caché sous la révolution, Bonne-Presse, Paris 1949, p. 125). Nada
mudou, pois; os pretextos de ontem ressurgem hoje e parecem
inutilizáveis.
É com grande circunspecção, referindo-se sem cessar ao ensinamento que
a Igreja dispensa sobre si mesma, sobre sua autoridade, sua
apostolicidade, sua infalibilidade, sua constituição e seu episcopado,
que cumpre falar e agir. A justeza do combate tem esse preço.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, Erro de Alvo, 2013, trad. br. por F. Coelho,
São Paulo, abr. 2013, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1KM
de: “Erreur de cible”, blogue Quicumque, 27-III-2013,
http://www.quicumque.com/article-erreur-de-cible-116568475.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
O Pe. Lucien foi para mim um amigo (ele continua sendo in corde meo) e
um mestre tanto para a inteligência (que o Bom Deus lhe deu bela e
profunda) quanto para o combate. Sua mudança foi para mim um episódio
doloroso – Deus sabe quanto – assim como foram a sagração episcopal
do Padre Guérard des Lauriers (que Deus tenha piedade de sua alma), e
o reviramento do Padre de Blignières e da comunidade dele.
[A] A distinção
Eis como o Pe. Lucien propõe resolver a contradição entre a declaração
Dignitatis Humanæ do Vaticano II e as condenações dos Papas Gregório
XVI e Pio IX:
« O que não se viu
Uma diferença essencial entre o direito afirmado por Dignitatis Humanæ
e aquele condenado por Gregório XVI e Pio IX foi negligenciada.
Dignitatis Humanæ afirma o direito à liberdade de agir (em matéria
religiosa) segundo a sua consciência.
Os dois papas citados negam a existência de um direito à liberdade de
agir (em matéria religiosa) como se quer.
(Verificar-se-á facilmente esses dois pontos referindo-se à frase
central de Dignitatis Humanæ para o primeiro, e aos dois primeiros
capítulos de meu livro sobre a liberdade religiosa para o segundo. Ver
também abaixo, partes 5 e 6.)
Ora, é inteiramente possível, e mesmo frequente, que um homem aja como
ele quer, sem agir conforme a sua consciência. Muitas vezes, com
efeito, o pecador age contra a sua consciência (noutros casos, o
pecador age segundo a sua consciência culpavelmente errônea). Além
disso, em cada homem, o juízo de consciência é exercido pela razão
prática, que apreende antes de tudo os princípios gerais da ordem
moral. Esse conhecimento dos princípios gerais varia com as pessoas,
sobretudo segundo as condições do entorno social e da educação, ou
ainda outros dados mais individuais, sendo tudo isso observável do
exterior. E assim, ao menos quanto a uma parte e em certos casos, é
possível julgar prudentemente do exterior (supondo que se tenha uma
razão legítima para fazê-lo) se uma pessoa age ou não segundo a sua
própria consciência.
Logo, o direito de agir como se quiser é formalmente diferente do
direito de agir conforme a própria consciência, e concretamente
concede muito mais, em termos de isenção de coação.
Logo, não há contradição entre a condenação do primeiro e a afirmação
do segundo. »
[D] Confirmações
Passagens numerosas do livro do Pe. Lucien sobre a liberdade religiosa
conservam toda a sua força para mostrar a perversidade da liberdade
religiosa, mesmo que se admita a distinção que ele propõe agora:
“Segundo a doutrina tradicional, a verdade religiosa, e concretamente
a posse em comum dessa verdade, assim como a prática comum da
verdadeira religião, são um elemento primordial do bem comum. E é por
isso que, de si, a propaganda do erro religioso é contrária ao bem
comum: donde a impossibilidade de um direito natural, de um direito da
pessoa, à liberdade em matéria religiosa” (página 283).
“Gregório XVI não se contenta de rejeitar uma liberdade ilimitada das
opiniões, sem maiores precisões. Ele indica, da forma mais explícita
possível, o modo de determinar o justo limite: o que é funesto é a
liberdade do erro; faz-se necessário um freio, a autoridade com o
poder coercitivo dela, para manter os homens no caminho da verdade”
(página 38).
Dado que se trata do bem comum e da ordem legislativa, as disposições
subjetivas não entram em consideração. Se o erro religioso for
pregado, a boa fé do pregador não diminuirá as devastações nas almas e
na sociedade (pode ser que muito pelo contrário). O bem comum nem por
isso será menos lesado, e é todavia ele que a lei deve promover.
Conclusão
A distinção proposta pelo Pe. Lucien é, por um lado, ausente das
condenações proferidas pela Igreja e, por outro lado, puramente
verbal. Ela é real por si, claro está, mas ela não teria como o ser,
nem nas afirmações do Vaticano II, nem com relação à ordem jurídica e
legislativa – pois é bem disso que se trata –, a qual não pode ser
fundada num estado de consciência ou condicionada por ele, nem com
respeito ao bem comum que a lei deve promover.
A contradição entre o Vaticano II e a doutrina católica permanece,
portanto, inteira.
Havendo respondido com um “não” às duas questões exigidas pelo exame
da carta do Pe. Lucien, nós nos recusamos a segui-lo duplamente. Não é
sem particular tristeza com sua defecção, e, como no epílogo que
reproduzimos acima ele exortava a “rogar ao Senhor pelo retorno
daqueles que ainda ontem combatiam o ‘bom combate da fé’ mas que
acabam de se entregar, para que eles ‘se arrependam e retornem às suas
primeiras obras’”, nós lhe aplicaremos a lei do talião rezando por ele
com fervor e perseverança.
Padre Hervé Belmont
_____________
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, Uma distinção ilusória, uma conclusão indevida
– Sobre a liberdade religiosa, 1992, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, jun. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1t1
de: “La liberté religieuse – Une distinction illusoire, une conclusion
indue”, in: Rev Didasco, ~1992; reproduzido pelo A. em:
“A propos de M. l’Abbé Bernard Lucien”, 13-V-2005,
http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=943
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
16 de junho de 2012
O exercício cotidiano da fé
na crise da Igreja
(2011)
Jo. VIII, 32
A Fé
Ao falarmos da fé, trata-se da fé teologal, virtude divinamente infusa
na alma de certos homens que, por essa razão, são chamados de fiéis.
[O parentesco entre as duas palavras fica mais patente em latim: fé =
fides; fiéis = fideles (N. do T.).] Trata-se da fé católica, cujo
objeto é apresentado infalivelmente pela Santa Igreja Católica Romana.
A fé é um dom sobrenatural e gratuito de Deus, que sobreleva a
inteligência e determina a vontade para que o fiel adira firmemente e
sem temor de errar à verdade divinamente revelada, ao mistério de Deus
que se revela e se exprime em fórmulas inteligíveis e verdadeiras.
A virtude da fé está na inteligência humana;[4] seu ato é um ato da
inteligência: um ato que tem um objeto definido, um conteúdo
inteligível.
Noutros termos, dois elementos necessários integram a fé:
– um exterior, o objeto da fé. É a Revelação divina exprimida por Deus
em palavras humanas e transmitida pela Igreja;
– outro interior, a virtude da fé. Essa virtude é a tomada de posse da
inteligência por uma luz divina gratuitamente comunicada, que dá à
inteligência a faculdade de ter acesso ao conhecimento sobrenatural do
objeto da fé, e que dá a ela uma certeza dele propriamente divina.
Esses dois elementos formam um só, pois procedem da Verdade única: o
Verbo de Deus.
Não há, pois, senão uma só fé: a fé católica. Fora dela, aquilo que é
chamado impropriamente de fé não passa de crença humana. Essa fé tem
um conteúdo objetivo: as verdades reveladas, e uma regra próxima: o
ensinamento do Magistério da Igreja.
A fé não é, portanto, um sentimento religioso, nem um roborativo
moral, nem a confiança em Jesus Cristo, nem sequer a adesão à Sua
pessoa à margem da adesão à verdade que Ele revela.
Embora a fé possa ser, conforme as pessoas, em maior ou menor medida
intensa e forte, o objeto dela não é divisível: negar ou duvidar
cientemente da mais mínima verdade de fé é deixar de crer na palavra
de Deus, é perder a fé. Assim ensina Leão XIII:
“Pois tal é a natureza da fé que nada é mais impossível do que crer
isto e rejeitar aquilo. A Igreja professa, com efeito, que a fé é uma
‘virtude sobrenatural pela qual, sob a inspiração e com o auxílio da
graça de Deus, nós cremos que aquilo que foi revelado por Ele é
verdadeiro; não o cremos pela verdade intrínseca das coisas vista na
luz natural da razão, mas por autoridade de Deus mesmo, que revela e
que não pode enganar-se nem enganar-nos’ [5. Concílio do Vaticano,
sessão III. Denz. 1789.]. Se, pois, está claro que um ponto foi
revelado por Deus e, apesar disso, não se crê nele, não se crê em
absolutamente nada com fé divina: Si quid igitur traditum a Deo
liqueat fuisse, nec tamen creditur, nihil omnino fide divina
creditur.”
“Vós deixais entender que a Fé seria uma virtude intelectual caso ela
viesse da inteligência humana; e vós co-significais que a Fé ‘não vem
da inteligência humana’, embora ela esteja na inteligência humana. Vós
fazeis, portanto, uma distinção entre ‘vir de’, ‘estar em’... Qual o
fundamento dessa distinção? Se consideramos os dois membros dela na
ordem natural, a distinção se evapora. Não se vê como um ato
intelectual poderia estar na inteligência sem vir da inteligência;
como um habitus intelectual poderia estar na inteligência sem receber
o ser que lhe é próprio da inteligência. A distinção: ‘vir de / estar
em’ deve, portanto, ser entendida com referência à origem da Fé. A Fé
teologal é gratuitamente infundida na inteligência; ela não vem da
inteligência, pois ela é infusa e teologal. De sorte que vós sugeris
isto: ‘A Fé não é uma virtude intelectual (A); pois (B) ela é
teologal’. Eu digo SIM ao A, não ao B. A Fé teologal não é uma virtude
intelectual: não por ela ser teologal, mas por ela ser do gênero ‘fé’;
e porque, POR NATUREZA, a inteligência é feita para VER, e não somente
para crer. Em contrapartida, a Fé é uma virtude da inteligência: pois,
estando na inteligência, inelutavelmente ela procede desta. Isso é
verdadeiro quanto ao ato; isso é verdadeiro quanto ao habitus: ele é
infuso, mas não subsiste entitativamente senão como qualidade do
intelecto. Esse accidentis est inesse. Fides non est virtus
intellectualis, quia fides est. Fides est virtus intellectus, quia
inest intellectui.”]
Quanta Cura
A encíclica Quanta cura do Papa Pio IX, datada de 8 de dezembro de
1864 e consagrada à condenação dos erros modernos, desfruta de uma
autoridade particular. Com efeito, o Soberano Pontífice manifestou
nela a vontade de fazer dela um ato ex Cathedra.
Recordemos, para começar, o que o primeiro Concílio do Vaticano
definiu sobre a infalibilidade do Pontífice romano:
“Nós ensinamos e definimos que é dogma divinamente revelado que o
Romano Pontífice, quando ele fala ex Cathedra, isto é, quando, no
desempenho do ofício de Pastor e Doutor de todos os cristãos, em
virtude de sua suprema autoridade Apostólica, ele define uma doutrina
sobre a fé ou a moral a ser aceita pela Igreja universal, ele desfruta
plenamente, graças à assistência divina prometida a ele na pessoa de
São Pedro, daquela infalibilidade com a qual o divino Redentor quis
munir a sua Igreja quando ela define uma doutrina referente à fé ou à
moral; e que, por conseguinte, tais definições do Romano Pontífice
são, por si mesmas e não em virtude do consentimento da Igreja,
irreformáveis.”
Vaticano II
A 7 de dezembro de 1965, véspera do encerramento do concílio Vaticano
II, Paulo VI, associando a si mais de 2.300 bispos, assinou e
promulgou solenemente o decreto Dignitatis Humanæ Personæ sobre a
liberdade religiosa:
“Todo o conjunto e cada um dos pontos que foram estabelecidos nesta
declaração foram aprovados pelos Padres conciliares. E Nós, em virtude
do poder Apostólico que recebemos de Cristo, em união com os
veneráveis Padres, Nós os aprovamos, decidimos e decretamos no
Espírito Santo, e Nós ordenamos que aquilo que foi assim estabelecido
em concílio seja promulgado para a glória de Deus. Roma, em São Pedro,
a 7 de dezembro de 1965, Eu, Paulo, Bispo da Igreja Católica”.
O impossível ato de fé
O fiel deve, pois, crer com fé divina que a dignidade do homem é tal
que fundamenta o direito à liberdade religiosa: essa conclusão se
depreende inelutavelmente do ensinamento que recordamos.
Mas esse ato de fé é metafisicamente impossível.
Com efeito, o fiel já crê com fé divina que a afirmação do direito à
liberdade religiosa é contrária à Revelação. Ninguém é capaz de crer
simultaneamente em duas proposições contrárias; ninguém é capaz de
crer ao mesmo tempo que o direito à liberdade religiosa é contrário à
Revelação, e que ele está fundado nessa Revelação. É impossível com a
maior boa vontade do mundo: está na natureza das coisas.
Assim, portanto, é a fé, é o exercício da fé católica que torna
impossível o assentimento ao ensinamento do Vaticano II. Não somente
essa adesão é interdita moralmente, como também ela é impedida por
quem quer que exerça retamente a fé.
Detido na adesão que ele deveria dar à Dignitatis Humanæ, o fiel tem o
dever imediato de verificar se existe realmente contradição real e não
só aparente, e se Quanta Cura e Dignitatis Humanæ imperam efetivamente
um ato de fé. Ele constatará novamente que Pio IX nega aquilo que
afirma o Vaticano II: [17] que a liberdade religiosa no foro externo e
público é um direito natural a todo homem, de tal modo que a
autoridade pública não tem o direito de impedir a propaganda e o
exercício público das falsas religiões, a menos que a tranquilidade
pública o exija. Ele poderá verificar também que tanto Quanta Cura
quanto Dignitatis Humanæ recorrem à Revelação e exigem adesão de fé.
[17. Essa contradição é evidente à simples leitura dos textos. Contra
os que a negam, ela foi provada e defendida pelo Pe. Bernard Lucien:
Lettre à quelques évêques [Carta a alguns bispos], pp. 71-118; La
liberté religieuse [A liberdade religiosa], exame de uma tentativa de
justificação – resposta ao Priorado Santo Tomás de Aquino, fevereiro
de 1988, pp. 9-35; Lecture critique des « Remarques sur la brochure
des Abbés Lucien et Belmont » [Leitura crítica das “Observações sobre
a brochura dos padres Lucien e Belmont”], julho-agosto de 1988.]
Então, já crendo, anteriormente e com uma certeza divina que é
impossível e interdito recolocar em questão, no ensinamento de Pio IX,
o fiel rejeitará o do Vaticano II, ou seja, o de Paulo VI do qual o
Vaticano II tira toda a sua autoridade.
Contudo, sendo impossível de aderir ao ensinamento da Dignitatis
humanæ em razão de seu conteúdo, a necessidade de crer nesse mesmo
ensinamento permanece, imperativa, em razão do ato do Magistério que o
apresenta como revelado.
E assim, sendo pela fé teologal detido de aderir à doutrina de Paulo
VI, o fiel é ao mesmo tempo e necessariamente detido e impedido –
sempre pela fé – de aderir à autoridade de Paulo VI e de reconhecê-la.
Isso requer algumas explicações.
Explicações
A Igreja Católica se distingue essencialmente de todas as outras
sociedades por seu caráter sobrenatural: ela é o Corpo Místico de
Jesus Cristo. Nela a Autoridade, e no princípio desta a Autoridade do
Soberano Pontífice, é essencialmente sobrenatural (mesmo exercendo-se
por meios naturais). É a aplicação do princípio geral recordado por
Leão XIII:
“A Igreja não é uma espécie de cadáver: ela é o Corpo de Cristo,
animado de Sua vida sobrenatural (…). De igual maneira, Seu Corpo
Místico só é a Sua verdadeira Igreja com a condição de suas partes
visíveis tirarem a sua força e a sua vida dos dons sobrenaturais e dos
outros elementos invisíveis; e é dessa união que resulta a razão
própria e a natureza das partes visíveis mesmas.”
Confirmações
Assim esclarecido pela fé, e diante da gravidade dessa conclusão, o
fiel buscará confirmar esta verdade certa: Paulo VI não era a
Autoridade da Igreja Católica, ele estava desprovido da Autoridade
pontifícia que o Papa possui de Cristo.
Ele verá então que a universal reforma litúrgica inaugurada pelo
Vaticano II, particularmente a do rito da Missa, é infestada do
espírito da heresia: ela não é fruto nem expressão da fé da Igreja.
Dado que é impossível que uma lei geral da Igreja seja má – admiti-lo
seria cair na condenação de Pio VI e contradizer o ensinamento do
Magistério [19. Pio VI, Auctorem Fidei, 28 de agosto de 1794, Denz.
1578; Gregório XVI, Quo Graviora, 4 de outubro de 1833, Ens. Pont.
L’Église n. 169; Leão XIII, Testem Benevolentiæ, Ens. Pont. L’Église
n. 631.] –, é com mais forte razão impossível que um rito da liturgia
católica seja digno de ser rejeitado. [20. Concílio de Trento, sessão
VII, Denz. 856.] Logo, essa reforma não tem como ser da Igreja: sua
promulgação por Paulo VI é incompatível com a assistência do Espírito
Santo, e portanto com a posse da Autoridade pontifical.
Continuando a exercer a fé católica, o fiel constatará que os atos de
Paulo VI – por sua natureza mesma e considerados em conjunto – não
procuram o bem da Igreja. A intenção habitual – não a intenção íntima
dele, mas aquela que é imanente aos atos por ele realizados – que ele
manifestou e empregou não está ordenada para o bem da Igreja. Essa
ausência da intenção de procurar o bem da Igreja não é compatível com
o gozo da Autoridade pontifícia: em razão dela, efetivamente, o
governo habitual de Paulo VI não é o de Jesus Cristo. Ora, segundo o
ensinamento de Pio XII:
“O Divino Redentor governa Seu Corpo Místico visivelmente e
ordinariamente por seu Vigário na terra.”
– seja porque ela tem seu princípio na fé, exercida por ocasião de
fatos públicos e notórios.]
[29. Essa distinção foi posta em relevo e empregada pelo Rev. Pe. M.
L. Guérard des Lauriers: Cahiers de Cassiciacum n.º 1 pp. 7-99. Seu
fundamento é enunciado por São Roberto Bellarmino: De Romano Pontifice
II, 30 (in Cahiers de Cassiciacum n.º 2 p. 83), e pelo Cardeal
Caetano: “O encargo pontifício e Pedro estão em relação de forma para
matéria” (De Comparatione Auctoritatis Papæ et Concilii, n. 290).]
– quiçá pela ação daqueles que têm poder sobre a eleição, ou de parte
notável da Igreja docente, que poderia intimá-lo a confessar a fé
católica e, em caso de recusa, poderia constatar sua queda de ofício.
Esta última hipótese é, além disso, bastante delicada.
Poder-se-ia comparar a situação presente à de um matrimônio aparente,
juridicamente concluído e celebrado, mas realmente inexistente por
defeito de consentimento (por exemplo, se um dos cônjuges exclui de
seu consentimento uma das propriedades essenciais do matrimônio). Não
há matrimônio formaliter: não existem nem o vínculo matrimonial, nem o
sacramento, nem direito algum conferido por eles. Mas há matrimônio
materialiter: esse matrimônio inexistente possui, mesmo assim,
consequências jurídicas, ele desfruta do favor do direito, etc.
E, sobretudo, ele não tem necessidade de ser exteriormente reiterado
para tornar-se real: basta que o cônjuge faltoso emita interiormente
um verdadeiro consentimento (e que o consentimento do outro cônjuge
perdure nesse momento), para que o matrimônio real exista
imediatamente.
*
* *
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, O exercício cotidiano da fé na crise da
Igreja, 2011, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, jun. 2012, blogue
Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1ss
de: “L’exercice quotidien de la foi dans la crise de l’Église”, blogue
Quicumque, documento D-1 do dossiê “Sedevacantismo” (jul. 2011).
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Viva o Papa!
Contra a separação revolucionária entre
– Mas por que, perguntaram a ele, quer [Ella vuole] que gritemos Viva
o Papa? Pio IX por acaso não é o Papa?
– Vocês têm razão, replicava Dom Bosco, mas vocês não veem aí nada
além do sentido natural das palavras; há certas pessoas que querem
separar o Soberano de Roma do Pontífice, o homem de sua dignidade
divina. Louva-se à pessoa, mas não vejo que se queira prestar
reverência à dignidade com que está revestida. Por isso, se queremos
estar seguros neste momento, gritemos: Viva o Papa!
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Dom LEMOYNE, Os aplausos a Pio IX julgados pelo Arcebispo Dom Fransoni
e por Dom Bosco – Excerto das Memórias Biográficas, vol. 3 (1903),
cap. 21; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, mar. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1ig
Fonte:
http://www.salesio.org/ITA/Documenti/2005/_1_10_6_8_3_.htm
http://www.donboscoland.it/articoli/articolo.php?id=2888
Há uma tradução espanhola, com a qual cotejamos nossa tradução após
terminá-la, em:
http://www.dbosco.net/mb/mbvol3/mbdb_vol3_191.html
Conclusão:
[5. CONC. VAT. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, cap. IV, 18-7-1870.]
Segundo o que afirma o texto dogmático, o Papa no exercício da sua
função de Papa (e não como pessoa privada) é infalível. Noutros
termos, quando, como pastor e doutor universal, o Papa dá uma sentença
definitiva sobre uma doutrina (relativa à fé ou à moral), ele tem o
privilégio da infalibilidade, isto é, ele goza de uma assistência
especial do Espírito Santo para ensinar a verdade revelada sem o
mínimo erro. Nisso o Papa se distingue de todos os outros homens,
católicos ou não, os quais não têm essa assistência prometida por
Nosso Senhor a São Pedro e aos seus sucessores (Mt XVI, 19) [6.
Sodalitium n.º 41, pág. 58.].
Estrutura do artigo
Dado que W contesta a autoridade na matéria de todos os teólogos dos
últimos 128 anos, citarei, sobretudo, os próprios textos do Concílio
Vaticano I, tais como se encontram na coleção editada por Mansi. Lendo
os atos e a história do Concílio, percebe-se como W (e muitos
tradicionalistas) retomam os argumentos que foram o “cavalo de
batalha” da minoria liberal e anti-infalibilista no Vaticano I,
buscando, antes da definição, aumentar desmesuradamente as condições
para a infalibilidade do Papa e, depois da definição, diminuir-lhe o
alcance de tal maneira que o Papa seria infalível apenas muito
raramente.
Após a crise advinda com o Concílio Vaticano II e a introdução do novo
missal, os “tradicionalistas” começaram justamente a resistir ao
“aggiornamento” (que contradiz muitas verdades da doutrina católica),
recusando as reformas. Mas, quando se fez observar a eles que os novos
ensinamentos e as reformas eram promulgados por Paulo VI (e depois por
João Paulo II), e que, portanto, – como todos os decretos do Soberano
Pontífice – deviam ser aceitos porque garantidos pela infalibilidade,
muitos “tradicionalistas” não encontraram nada melhor do que retomar
os argumentos dos liberais. O Papa é infalível somente em certas
condições totalmente extraordinárias – sustentaram eles – as quais não
se encontram todas presentes nessas reformas; assim, por não serem
elas garantidas pela infalibilidade, não somos obrigados a obedecer.
Muitos não entenderam, ou temeram entender, que a recusa das reformas
punha em discussão a autoridade que as havia promulgado. W segue essa
corrente de pensamento que, ao nosso ver, é contrária à definição do
Vaticano I, tanto nos termos quanto no sentido.
Neste artigo analisamos os pontos negados por W, atendo-nos
particularmente ao primeiro.
[24. Dom Gasser, 86.ª Congr. Geral, 16-7-1870, Mansi 52, 1316.]
Recapitulando: a 2.ª condição, definir, significa ensinar de maneira
definitiva; a 3.ª, sobre a fé e sobre os costumes, inclui não somente
as verdades reveladas, como também – embora diversamente – as coisas
conexas com a Revelação.
4ª: Afirma que essa doutrina deve ser aceita por toda a Igreja
A expressão “deve ser aceita” está relacionada com o que se acaba de
dizer, ou seja, indica o assentimento que é preciso dar também às
verdades não contidas formalmente no Depósito da Revelação, que não
são estritamente “de fé” (estas últimas devem ser “cridas” e não
somente “aceitas”). O Concílio fez essa distinção para pôr em
evidência que é duplo o objeto da infalibilidade, contra os liberais
que queriam restringi-lo somente às verdades de fé. Salaverri expõe
amplamente essa distinção feita pelo Concílio. [25. SALAVERRI S.J.,
Sacræ Theologiæ Summa, Tomo I, Tratado III: De Ecclesia Christi,
B.A.C., Madrid 1962. Livro 2, Epílogo, n. 909-910.] Além disso, se o
Papa fala como Papa, e define uma doutrina referente à fé e à moral, é
óbvio que todos os fiéis são obrigados a abraçá-la, mesmo se isso não
for dito explicitamente.
W, pelo contrário, parece querer dizer que o Papa, para ser infalível,
deveria especificar explicitamente que toda a Igreja é obrigada a
aderir a essa doutrina, como se um cristão pudesse não aderir à
Revelação! Essa interpretação é equivocada. Durante o Concílio, o
Bispo de Burgos, Dom Anastasio Yusto, pensou que fosse necessário
acrescentar, precisamente neste ponto da definição, a frase seguinte,
para tornar mais explícito o dever dos fiéis de adotar a doutrina
proposta: “Permanece firme o dever pelo qual todos os católicos são
obrigados a submeter-se ao magistério supremo do Romano Pontífice
quanto às outras doutrinas que não são propostas como de fé…” [26.
Emendas propostas ao cap. IV da Constituição De Ecclesia, 7-7-1870,
Mansi, 52, 1135.]. Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, julgou essa
frase inoportuna, acrescentando que se havia provido a isso na
Constituição já aprovada pelo Concílio. [27. Dom GASSER, 84.ª Congr.
Geral, 11-7-1870, Mansi 52, 1229.] O Concílio de fato havia definido:
“A Igreja, que, com o ofício apostólico de ensinar, recebeu o mandato
de custodiar o depósito da fé, tem também, de Deus, o direito e o
dever de proscrever a falsa ciência, para que ninguém seja enganado
pela filosofia e por fraudes vãs. Por isso os fiéis cristãos não
somente não têm o direito de defender como conclusões legítimas da
ciência as opiniões reconhecidas como contrárias à doutrina da fé,
especialmente se condenadas pela Igreja, mas são estritamente
obrigados a considerá-las, pelo contrário, como erros que têm apenas
uma enganadora aparência de verdade”.
[28. Constituição Dogmática Dei Filius, definida em 24-4-1870, DS
3018.]
Daí resulta evidente que os fiéis são sempre obrigados a aderir aos
juízos da Igreja: não é necessário que a Igreja especifique essa
obrigação.
Essa questão não é nova e já foi resolvida faz tempo. [29. Pe. Bernard
LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère ordinaire et universel de
l’Eglise (A infalibilidade do Magistério ordinário e universal da
Igreja), Bruxelas: Documents de Catholicité, 1984. Anexo, pp. 131-146.
Sodalitium n.º 41, págs. 69-70.] Trazemos um texto do Pe. Kleutgen, ao
Concílio:
“É devida a submissão da vontade à Igreja que define, ainda que não
acrescente nenhum preceito. Porque Deus nos deu a Igreja como Mãe e
Mestra para tudo o que se refere à religião e à piedade, somos
obrigados a ouvi-la quando ela ensina. Por isso, se o pensamento e a
doutrina de toda a Igreja é mostrado, somos obrigados a aderir a ele,
mesmo que não houver aí definição: quanto mais se esse pensamento ou
essa doutrina foram-nos mostrados com uma definição pública?”
[36. Mons. DE SÉGUR, Le Pape est infaillible, Paris 1872, págs. 191-2,
obra aprovada por Pio IX em 8-8-1870.]
Magistério ordinário e condições
Em alguns textos do Concílio resulta evidente que os Padres, quando
falam de infalibilidade, não fazem distinção entre magistério
ordinário, que se exerce continuamente, e magistério solene. Nem
tampouco a infalibilidade existe somente em cânones, formas solenes ou
condições particulares.
Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, na intervenção supracitada,
assim se exprimiu:
“Na Igreja de Jesus Cristo (…) o centro da unidade deve agir
continuamente e permanentemente com uma autoridade inabalável”.
a Regra próxima da Fé
Pio XII ensina: [55. PIO XII, Humani Generis, 12-8-1950, DS 3884-5 e
I.P. n. 1278-9.]
“E embora este Sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em
matéria de fé e de moral, a norma próxima e universal da verdade
(visto que foi a ele que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou o Depósito
da Fé – ou seja, as Sagradas Escrituras e a Tradição divina – para ser
guardado, defendido e interpretado), todavia por vezes se ignora, como
se não existisse, o dever que todos os fiéis têm de fugir mesmo
daqueles erros que se aproximam, em maior ou menor medida, da heresia
e, portanto, ‘de observar também as constituições e decretos em que a
Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões’ [56. C.J.C., cân.
1324; Conc. Vat., De Fide cath., DS 3045.]. O que é exposto nas
Encíclicas dos Sumos Pontífices, acerca do caráter e da constituição
da Igreja, é por alguns, de modo proposital e habitual, descurado com
a finalidade de fazer prevalecer um conceito vago que eles dizem ter
extraído dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os Pontífices
– dizem eles – na realidade não pretendiam dar um juízo sobre questões
que são objeto de disputa entre os teólogos; é, portanto, necessário
retornar às fontes primitivas, e com os escritos dos antigos devem ser
explicadas as constituições e os decretos do Magistério. Essas
afirmações são feitas quiçá com elegância de estilo; mas não carecem
de falsidade. De fato, é verdade que geralmente os Pontífices deixam
livres os teólogos nessas questões que, em diversos sentidos, são tema
de discussões entre os doutores de melhor fama; porém, a história
ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre disputa em
seguida já não podiam mais ser discutidas.”
Leão XIII:
“Determinar, portanto, quais sejam as doutrinas reveladas é ofício
próprio da Igreja docente, à qual Deus confiou a custódia e a
interpretação da Sua palavra; e o Sumo Doutor na Igreja é o Romano
Pontífice. (…) [É necessária a obediência ao Magistério da Igreja e do
Papa]. A qual obediência tem de ser perfeita, pois é exigida pela fé
mesma, e tem em comum com esta o fato de não poder ser parcial… O que
foi maravilhosamente explicado por Santo Tomás de Aquino com as
seguintes palavras:
‘(…) É, pois, manifesto que quem adere à doutrina da Igreja, como a
uma regra infalível, consente em tudo aquilo que a Igreja ensina; de
outro modo, se dos ensinamentos dela ele retivesse somente o que lhe
apraz e rejeitasse o que não lhe agrada, ele não seguiria, como norma
infalível, à doutrina da Igreja, mas à própria vontade dele… A unidade
[da Igreja] não se poderia conservar onde toda questão surgida acerca
da fé não fosse decidida por Aquele que preside à Igreja universal, de
modo que a sua sentença seja firmemente aceita por toda a Igreja.
Assim, unicamente à autoridade do Sumo Pontífice pertence aprovar uma
nova edição do Símbolo, como tudo o mais que se refere a toda a
Igreja” [57. Sto. TOMÁS, Suma Teológica, II II, q. 5, art. 3; q. 1,
art. 10.]…
Por esse motivo, o Pontífice deve poder julgar o que as palavras
divinas contêm, quais doutrinas concordam e quais discrepam delas:
pelo mesmo motivo, deve poder mostrar quais coisas são honestas e
quais são torpes, quais coisas é preciso fazer e de quais cumpre
fugir, para obter a salvação eterna; do contrário, não poderia ser
para o homem um intérprete seguro das palavras de Deus, nem um guia
seguro para a vida”.
[58. LEÃO XIII, Sapientiæ Christianæ, 10-1-1890, I.P. nn. 510, 511,
512, 513.]
São Pio X põe na regra da fé também as leis da Igreja e tudo aquilo
que o Papa comanda:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé”. [59. Em itálico no texto.
S. PIO X, Catecismo Maior, Breve História da Religião, ed. Ares,
Milão, 1991, pág. 290.]
Ensinamento do Concílio Vaticano
[62. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La Chiesa, II, 1389.]
Não faltam diversos outros argumentos de autoridade, recordados já
pelo Pe. Ricossa: [63. F. RICOSSA, Prefácio a A. V. XAVIER DA
SILVEIRA, La nuova messa di Paolo VI, Ferrara, ed. pro manuscripto,
pp. 4-6. (N. do T. – Trad. br. deste Prefácio inteiro em:
“http://wp.me/pw2MJ-rU”).]:
“Aos que negavam que as crianças tivessem o pecado original, Santo
Agostinho respondia que a Igreja as batizava, e: ‘quem ousará aduzir
algum argumento, seja qual for, contra tão sublime Mãe?’ (Serm. 293,
n. 10). Santo Tomás, indagando se o rito da Crisma é conveniente,
depois de aduzir todas as objeções possíveis, responde simplesmente:
‘Ao contrário, basta o uso da Igreja, que é governada pelo Espírito
Santo’; aliás, acrescenta ele: ‘O Senhor fez esta promessa aos Seus
fiéis: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estou eu
estou no meio deles” (Mt XVIII,20). Devemos, pois, sustentar
firmemente que as disposições da Igreja são dirigidas pela sabedoria
de Cristo. E, por isso, devemos ter certeza de que os ritos observados
pela Igreja na crisma e nos outros sacramentos são convenientes’ (III,
q. 72 a. 12.) Eis aí, em substância, a resposta que a Igreja sempre
deu a todos aqueles hereges que criticavam um ou outro dos ritos dela,
ou seu conjunto.
Assim, foram condenados pelo Concílio de Constança e pelo Papa
Martinho V os hussitas, que recusavam o uso da comunhão sob uma única
espécie (D. 626 e 668) e depreciavam os ritos da Igreja (D. 665);
assim o Concílio de Trento condenou os luteranos, que desprezavam o
rito católico do batismo (D. 856), o costume de conservar o Santíssimo
Sacramento no tabernáculo (D. 879 e 889), o Cânon da Missa (D. 942 e
953) e todas as cerimônias do missal, os paramentos, o incenso, as
palavras pronunciadas em voz baixa etc. (D. 943 e 954), a comunhão sob
uma única espécie (D. 935)… Da mesma maneira, os jansenistas reunidos
no sínodo de Pistoia foram condenados por Pio VI por induzirem a
pensar que ‘a Igreja, que é regida pelo Espírito de Deus, pudesse
constituir uma disciplina não só inútil [...] mas também perigosa e
nociva’ (D. 1578, 1533 e 1573). Em suma, para sermos breves, é
impossível que a Igreja dê veneno aos seus filhos (D. 1837, Vaticano
I). Trata-se de uma verdade ‘tão certa teologicamente, que negá-la
seria um erro gravíssimo ou inclusive, segundo a sentença da maioria,
uma heresia’ (Cardeal Franzelin).”
Também sobre este ponto, então, para salvaguardar a legitimidade de
Paulo VI e João Paulo II, W deve contradizer a doutrina da Igreja.
Conclusão
Muitos “tradicionalistas” creem que abraçar a verdadeira Fé nas
matérias acima expostas significaria arriscar aceitar todo o Concílio
Vaticano II com suas reformas.
Parece ser esse o obstáculo mais grave, que os impede de levar em
séria consideração a doutrina da Igreja como a examinamos nos
parágrafos precedentes. A solução desse nó foi exposta pela Tese de
Cassiciacum: é impossível de aceitar essas reformas, pois o ato de Fé
dirigido a elas é metafisicamente impossível. Se cremos, por exemplo,
de fé, que a liberdade religiosa é um erro, como poderemos crer que
seja ao mesmo tempo uma verdade revelada? Se cremos que o ecumenismo é
mau, como a minha inteligência pode crer que seja uma boa prática para
a Igreja? Há aí uma impossibilidade real para a minha inteligência de
aderir a duas proposições contraditórias, ambas propostas a crer pelo
Magistério: as primeiras, do Magistério dos Pontífices do passado; as
segundas, do Magistério dos “pontífices” do pós-concílio (Vaticano
II). Ora, o Magistério não pode contradizer-se, e tampouco a Fé. Logo,
um dos dois está em erro. Mas, se um dos dois está em erro, então isso
quer dizer, ipso facto, que a “autoridade” que promulgou esse
“magistério” errôneo não estava assistida pelo Espírito Santo. Não era
formalmente a Autoridade. [74. H. BELMONT, L’esercizio quotidiano
della Fede. Pro manuscripto, pp. 12-13.]
Mostramos com superabundância de documentos que o Papa é infalível com
o Magistério ordinário; que tal Magistério trata tanto das verdades
reveladas quanto das verdades conexas com o revelado; que, com esse
Magistério infalível, o Papa é a Regra próxima da nossa Fé.
Dado que W não aceita a autoridade dos “bons autores dos manuais de
teologia”, pois “fizeram o jogo dos liberais” [75. Le sel de la terre,
op. cit., pág. 22], não quisemos tomá-los em consideração, mas nos
limitamos aos documentos do Magistério, do Concílio Vaticano e da sua
explicação. É possível que W recuse também a autoridade destes: aí
então, não haverá mais nenhuma autoridade intermediária entre o fiel e
a Tradição? Cada um será para si mesmo a regra da própria fé? [76. As
definições do Magistério solene de fato são raras e não abrangem todo
o revelado, nem toda a doutrina católica.]
Num tal caso gostaríamos de fazer a W algumas perguntas. Se tivesse
vivido no tempo em que se discutia sobre a validade do Batismo dado
pelos hereges, ou em qual dia se havia de celebrar a Páscoa, como
teria se comportado? Teria seguido a “tradição” ou as decisões do
Papa? Se tivesse vivido no tempo em que os jansenistas contestavam a
infalibilidade do Papa quanto aos fatos dogmáticos, a quem teria dado
razão? Interpretar por conta própria a Tradição, porque parece
evidente, ou no sentido em que nós a compreendemos, não é isso um
subjetivismo no ato de fé, o ato mais importante para a nossa
salvação? “Não é lícito – disse Pio XII – investigar e explicar os
documentos da ‘Tradição’, descurando ou minimizando o Sagrado
Magistério”. [77. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La
Chiesa, II, 1389.]
_____________
Í N D I C E
[Introdução]
Exposição da tese de W
Elenco dos erros de W
A definição dogmática do Concílio Vaticano
Estrutura do artigo
Conclusão
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Mons. Williamson contra o Concílio Vaticano…
I !, 1998, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1a3
de: “Mons. Williamson contro il concilio Vaticano… I !”, revista
Sodalitium (órgão oficial do Instituto Mater Boni Consilii), ano
XIV/2, n.º 47, de maio de 1998, pp. 63-78.
[Com o acréscimo da nota 8 bis: fonte indicada no local.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Liberdade Religiosa
O Dr. Brian Harrison e a tentativa
John S. Daly
Reconciliações Intentadas
Diversas tentativas foram feitas para reconciliar essas doutrinas em
oposição. Dom Basil Valuet do mosteiro Le Barroux, por exemplo,
escreveu umas três mil páginas sobre o tópico da liberdade religiosa:
a tese dele é que a doutrina da Igreja mudou, mas no contexto de uma
cambiante lei das nações e sob o impulso de um “magistério vivo” cujas
doutrinas devem evoluir como todas as coisas vivas. Esquecido há muito
tempo, ao que parece, está o Juramento Anti-Modernista de Dom Basil:
“Eu rejeito totalmente a ideia herética de que os dogmas podem
evoluir, mudando de um significado para outro, diferente daquele que a
Igreja anteriormente considerava.” (Denzinger 2145)
O grande filósofo Pe. Julio Meinvielle argumentou que o Vaticano II
não buscou dar nenhum ensinamento absoluto, mas somente estabelecer
diretrizes prudenciais a serem seguidas no triste estado presente da
sociedade. Que pena, esse modo de ver é bem incompatível com as
palavras “declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se
funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, tal como a dão
a conhecer a palavra revelada de Deus e a razão mesma”. Sentimo-nos
seguros de que a idade avançada do Pe. Meinvielle deve ter embotado
sua perspicácia na ocasião em que ele formou esse juízo.
Ao menos a interpretação do Pe. Meinvielle, embora infiel ao texto do
Vaticano II, não acarretava nenhum afastamento da sã doutrina. Pode-se
dizer o mesmo de um artigo do dominicano Pe. Thomas Crean publicado em
Christian Order (outubro de 2004). Crean reconhece que a Dignitatis
Humanae é doutrinal, não meramente prática, mas para ele o direito à
liberdade religiosa dela pertence exclusivamente aos que professam a
verdadeira religião: ele acrescenta que a referência a religiões no
plural explica-se pelo fato de que a doutrina dela teria se aplicado
até mesmo no caso hipotético em que Deus não tivesse feito revelação
alguma e tivesse deixado o homem no estado de natureza. É uma teoria
bonita, contanto que nunca se chegue a tirar da prateleira uma cópia
do texto em discussão. Quando se faz isso, ela desaparece numa nuvem
de fumaça. Seu suposto direito, a Dignitatis Humanae o aplica à
liberdade de abandonar ou aderir a qualquer “comunidade religiosa”
seja qual for (parágrafo 6), noutras palavras ela ordena o Estado a
autorizar a apostasia da religião católica e assegura-nos de que o
Estado não deve punir essa apostasia, pois o homem possui um direito
pessoal de passar de qualquer religião para qualquer outra religião –
direito este que o Estado deve respeitar. De fato, a Dignitatis
Humanae proíbe formalmente toda e qualquer discriminação entre
religiões por parte do Estado, seja para criminalizar a blasfêmia
muçulmana, para proibir a propaganda protestante, para eximir os
sacerdotes do serviço militar ou para excluir do ofício público judeus
cuja oração litúrgica “kol nidre” explicitamente autoriza-os a mentir
inclusive sob juramento.
O Pe. Bernard Lucien (ex-guérardo-sedevacantista) e os Pes. André
Vincent e De Margerie acreditam ter encontrado uma solução viável para
a aparente contradição: o direito à liberdade religiosa ensinado pelo
Vaticano II está condicionado à fidelidade à própria consciência, ao
passo que a doutrina tradicional condena somente a extensão da
liberdade religiosa a tudo quanto é gente, mesmo aqueles cujos erros
são culpáveis. Ou, noutros termos, a Dignitatis Humanae ensina o
direito de seguir a própria consciência, enquanto os Papas pré-
Vaticano II condenaram o direito de seguir o próprio capricho. Além de
exigir que as autoridades civis sondem o coração dos homens, e de
limitar arbitrariamente o escopo da doutrina tradicional, essa
interpretação da Dignitatis Humanae é, novamente, incompatível com o
texto. O Vaticano II afirma claramente que “o direito à liberdade
religiosa não se funda na disposição subjetiva da pessoa, mas na sua
própria natureza, razão pela qual esse direito à imunidade permanece
inclusive naqueles que não satisfazem à obrigação de buscar e aderir à
verdade, e o seu exercício não pode ser impedido, desde que se observe
a justa ordem pública.”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, Liberdade Religiosa. O Dr. Brian Harrison e a tentativa
de absolver o Vaticano II de erro, 2006, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-12r
de: “Religious Liberty. Dr. Brian Harrison and the attempt to absolve
Vatican II of error”, in: The Four Marks, vol. 1, n.º 7, agosto de
2006, pp. 6-7,11,14.
Adquirível em:
http://www.thefourmarks.com/downloads.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Papa PIO IX, Repúdio à calúnia de liberalismo. Excerto da Alocução aos
Cardeais no Consistório de 17 de dezembro de 1847; trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-120
A partir da trad. ingl. em:
John Gilmary SHEA, LL.D., The Life of Pope Pius IX and the Great
Events in the History of the Church During His Pontificate [A Vida do
Papa Pio IX e os Grandes Eventos na História da Igreja Durante Seu
Pontificado], New York: Thomas Kelly, 1878, pp. 97-103.
Livro disponível em:
http://www.archive.org/details/lifepopepiusixa00sheagoog
http://www.archive.org/details/thelifeofpopepiu00sheauoft
http://www.archive.org/details/a608509300sheauoft
http://www.archive.org/details/a608510000sheauoft
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
1. O Ambiente do “Sonho”
2. O Conteúdo do “Sonho”
3. A Interpretação do “Sonho”
4. Epílogo
1. O Ambiente do “Sonho”
Em 26 de maio de 1862, Dom Bosco prometeu aos meninos do Oratório,
como muitas vezes fazia, que teria “algo agradável” para contar a eles
no último ou penúltimo dia do mês,[2] em sua conferência de Boa Noite
à comunidade do Oratório. A Boa Noite é um costume salesiano que
remonta a 1847, quando foi inaugurada pela santa mãe de Dom Bosco.
Pouco tempo depois de alojar-se em suas próprias instalações em Turim,
Dom Bosco percebeu que alguns meninos precisavam de abrigo à noite.
Ele arrumou o estábulo. Mas as primeiras experiências dele não foram
encorajadoras. Ele conta-nos, em suas Memórias, que alguns daqueles
meninos “repetidamente fugiam com os lençóis, outros com os
cobertores, e no fim até mesmo o próprio colchão foi roubado.” [3]
Então, numa noite chuvosa em maio de 1847, um órfão de quinze anos
apareceu na porta, pedindo comida e abrigo. O Padre João e Mamãe
Margarida o acolheram, deram-lhe um prato de sopa e secaram as roupas
dele perto do fogo. Dom Bosco conversou com ele sobre o estado
espiritual, educacional e empregatício dele. Depois de um tempo, o
menino irrompeu em lágrimas e implorou abrigo, levando Margarida
também às lágrimas e comovendo Dom Bosco igualmente. O diálogo, nas
Memórias dele, segue-se deste modo: [4]
“— Se eu pudesse ter certeza de que você não é ladrão, eu tentaria
alojá-lo. Mas outros meninos roubaram alguns dos cobertores, e você
poderia levar os que sobraram.
— Ah, não, senhor. Não precisa se preocupar com isso. Eu sou pobre,
mas nunca roubei nada.
— Se você quiser, respondeu minha mãe, eu o alojarei esta noite, e
para amanhã Deus proverá.
— Aqui na cozinha.
— Vá em frente, então.
2. O Conteúdo do “Sonho”
Por fim, Dom Bosco anunciou: “Eu havia prometido narrar algo para
vocês.” “Sim, Sim!”, exclamaram todos. “Mas está um pouco tarde”, Dom
Bosco provocou. Todo o mundo gemeu. Novamente, a interação familiar do
pai no seio de sua família. Assim, Dom Bosco começou.
“Está bem, já que vocês querem que eu conte algo, escutem. Quero ver
se vocês têm a cabeça boa. Vou lhes contar uma fábula, um símile.
Prestem atenção [e vejam] se conseguem entendê-la.” Chiala relata que
“Silêncio absoluto caiu sobre aquele grupo de mais de 500 cabeças que,
pouco antes, ensurdecia as estrelas com o seu barulho.” [9]
Note-se que Dom Bosco não disse, como usualmente fazia, que ele
sonhara o que estava prestes a narrar, muito menos alertou os meninos
que se lembrassem de que sonhos são somente sonhos, como ele
frequentemente fazia. Ele disse explicitamente que era “uma fábula, um
símile”. (A primeira carta, a de João Boggero, omite toda essa matéria
introdutória. Por outro lado, no fim da carta, ele observa a Oreglia:
“O que eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.) O próximo dos
testemunhos mais antigos do que Dom Bosco disse também usa os termos
fábula e símile. Esse testemunho vem da crônica cotidiana mantida pelo
seminarista Domingos Ruffino, a qual é dependente da carta de Chiala.
O rascunho preliminar do Padre Lemoyne, ordenando todos os materiais a
partir dos quais ele mais tarde construiria as Memórias Biográficas,
usa a mesma terminologia: fábula e símile. [10] O primeiro documento
que chama essa narrativa específica de sonho parece ser o texto final
dessas Memórias, no volume 7, [11] sem explicação para a mudança, a
não ser que a explicação seja a observação final – e evidentemente
pessoal – de Boggero: “Eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.
Essa história textual, obviamente, não é testemunho muito convincente
para um sonho. [12] Um dos problemas que encontramos ao estudar a vida
de Dom Bosco está no que o Padre Lemoyne fez com o texto de suas
fontes; [13] este é um exemplo.
Portanto, pelo visto, Dom Bosco está propondo aos seus meninos e
seminaristas uma parábola, o tipo de parábola frequentemente chamado
de apólogo. Esse é um termo tomado de empréstimo dos estudiosos da
Escritura, especialmente os que estudam as parábolas, e significa uma
alegoria que ensina uma moral. É um termo apto para aquilo que Dom
Bosco narrou na noite de 30 de maio de 1862, bem como para alguns de
seus outros sonhos, por exemplo, o da serpente — óbvio símbolo do
demônio — que foi morta por uma corda batida contra ela, após o que, a
corda soletrou “Ave Maria”. [14]
De volta agora às palavras de Dom Bosco tais como relatadas por César
Chiala. “Imaginem – disse-nos ele – que vocês estão numa praia e não
veem outro espaço de terra a não ser o que está sob os seus pés.” [15]
Novamente, temos indicação de uma parábola. Dom Bosco é sempre um dos
protagonistas nos sonhos dele; ele nem mesmo aparece nesta aventura.
Embora os meninos dele muitas vezes tenham papéis atuantes nos sonhos
dele, ele nunca pede a eles que “imaginem” que estão realmente fazendo
ou testemunhando o que ele está prestes a descrever. Aqui ele é muito
semelhante a Nosso Senhor dizendo aos camponeses da Palestina:
“Escutai! Eis que saiu um semeador a semear…” (Marcos 4:1-12); ou
dizendo a Simão fariseu: “Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe
quinhentos denários, o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar,
perdoou a ambos a dívida. Qual deles, pois, mais o amará?” (Lucas
7:40-43). De fato, Dom Bosco, como Jesus, pedirá uma interpretação
depois que terminar a sua parábola.
Darei agora a narrativa de Dom Bosco sem interrupções, tal como Chiala
a relatou:
“Em toda a superfície do mar vocês veem uma infinidade de navios,
todos com um bico de ferro afiado que perfura tudo o que ele atinge.
Alguns desses navios têm armas, canhões, fuzis; outros têm livros e
materiais incendiários. Todos eles se apinham contra um navio que é
consideravelmente maior, tentando abalroá-lo, incendiá-lo e fazer nele
todo o tipo de dano possível. Imaginem que, no meio do mar, vocês veem
duas colunas altíssimas. Sobre uma delas está a estátua da Santíssima
Virgem Imaculada, com embaixo a inscrição: “Auxílio dos Cristãos”.
Sobre a outra, que é ainda mais alta e imponente, há uma Hóstia de
tamanho proporcionalmente grande em relação à coluna, e sob ela as
palavras: “Salvação dos que creem”. Da base da coluna, pendem muitas
correntes com âncoras, às quais é possível prender os navios. O navio
maior é capitaneado pelo Papa, e todos os esforços dele são dirigidos
para manobrá-lo em meio àquelas duas colunas. Mas, como eu disse, as
outras barcas tentam de todo o modo bloqueá-lo ou destruí-lo, algumas
com armas, outras com os bicos em suas proas, com o fogo de livros e
periódicos. Mas todas as suas armas são inúteis. Toda arma e
substância se esfacela e afunda. Vez por outra, os canhões abrem fenda
profunda nalgum ponto dos flancos do navio. Mas uma brisa que sopra
das duas colunas é suficiente para remediar toda a ferida e fechar as
fendas. O navio, novamente, continua em seu curso. No percurso, o Papa
cai uma vez, então se levanta novamente, cai segunda vez e morre.
Assim que ele se encontra morto, outro imediatamente o substitui. Ele
guia o navio para as duas colunas. Ao chegar, ele prende o navio com
uma âncora à coluna com a Hóstia consagrada, com outra âncora à coluna
com a Imaculada Conceição. Então, irrompe uma desordem total ao longo
de toda a superfície do mar. Todos os navios que até aquele momento
vinham combatendo a nau do Papa se dispersam, fogem, colidem uns com
os outros, alguns naufragando e tentando afundar os outros. Os que
estão à distância mantêm-se prudentemente afastados até os destroços
de todos os navios demolidos terem afundado nas profundezas do mar, e
então eles rumam vigorosamente para o lado da nau maior. Tendo se
juntado a ela, eles também se prendem a si mesmos nas âncoras que
pendem das duas colunas e ali permanecem em perfeita calmaria.”
Passo agora à carta de João Boggero ao Irmão Frederico Oreglia,
escrita na manhã seguinte à Boa Noite de Dom Bosco. Esse seminarista
tinha vivido no Oratório por mais de seis anos e foi um dos vinte e
dois salesianos originais. Ele acabou se tornando padre diocesano.
[16] Acerca do que Dom Bosco disse em 30 de maio, ele fez uma coisa
que muitos alunos, mesmo seminaristas, já fizeram, vez por outra: ele
escreveu uma carta durante a aula. Conforme a carta, ele começou a
escrever às 10:30 da manhã e concluiu-a quando a aula estava chegando
ao fim, às 11:00 da manhã; por onde, podemos suspeitar de um pouco de
pressa.
Ele concorda com Chiala que Dom Bosco começou convidando todos os
meninos a se imaginarem numa praia. Ele difere num detalhe: Dom Bosco
incluiu a si mesmo. Mas, como Dom Bosco não desempenha mais nenhum
papel na ação, isso não tem significância. Boggero oferece uma porção
de detalhes secundários que Chiala não apresenta, por exemplo, ele
descreve os bicos dos navios inimigos como “afiados como uma flecha” e
conta-nos que as duas colunas eram “pouco distantes uma da outra”. Por
outro lado, ele omite alguns dos detalhes de Chiala; dissera este que
os bicos eram de ferro e perfuravam tudo o que atingiam. Essas
pequenas variações são interessantes, confirmam que os relatos são
independentes, e não afetam a substância da história de Dom Bosco.
Entre as armas inimigas listadas por Boggero estão não somente
canhões, armas e livros, como também “mãos, punhos, blasfêmias e
maldições”. O Papa cai a primeira vez por ter sido gravemente ferido;
Chiala não dava uma razão. Quando ele cai pela segunda vez, morto, “um
grito de júbilo se ergue entre os inimigos remanescentes”. Chiala era
vago, apenas sugerindo depois do fim da batalha que alguns outros
navios haviam estado aliados ao Papa, senão efetivamente combatendo
por ele; Boggero observa que, depois que o navio papal é ancorado em
segurança às duas colunas, “Então foram vistos muitos dos navios
pequenos, alguns que haviam combatido por ele, outros à distância que
haviam recuado por medo da batalha, correrem para as colunas e se
ligarem àqueles ganchos, permanecendo ali totalmente a salvo e em
segurança.” Embora Boggero ponha a história de Dom Bosco entre aspas
e, numa ocasião, no início, note uma mudança no tom de voz dele, na
realidade ele, como Chiala, está apresentando somente um resumo
substancial.
3. A Interpretação do “Sonho”
Dom Bosco introduzira sua fábula ou símile com um desafio: “Eu quero
ver se vocês têm a cabeça boa. Prestem atenção [e vejam] se conseguem
entendê-lo.” Não era incomum ele apresentar uma interpretação de seus
sonhos, perguntar aos ouvintes o que achavam, ou entrar em algum
diálogo durante um sermão. Tendo concluído seu conto do navio do Papa
no vasto oceano, segundo nossas duas testemunhas, ele chamou o Pe.
Miguel Rua [17] e pediu-lhe que explicasse a fábula. Boggero, sem usar
aspas, resume a resposta do Pe. Rua:
“Ele disse: Parece-me que o navio do Papa é a Igreja, da qual ele é o
cabeça. Os outros navios são seres humanos, e o mar é este mundo, esta
terra. Os que estavam defendendo a Igreja são as pessoas boas, que
aderem à Santa Sé; os outros são os inimigos dela, que tentam destruí-
la com todo tipo de arma. E as duas colunas da segurança são a devoção
a Maria Santíssima a ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia.”
Dom Bosco aprovou a resposta do Pe. Rua e fez uma correção na
interpretação dele. Disse ele: “os navios inimigos são as perseguições
vindouras à Igreja. O que aconteceu até agora é quase nada.” Então ele
deu boa noite aos meninos.
O resumo de Chiala nota que Dom Bosco fez algumas sugestões de
interpretação, mas, diferentemente de Boggero, ele não especifica
quais foram. Ele fornece alguns detalhes ou variações sobressalentes:
os navios que lutam contra a Igreja são “as potências do mundo”; a
Igreja “de quando em quando sofre avarias, simbolizadas pelos buracos
feitos no grande navio pelas armas, mas uma brisa do Onipotente e da
Santíssima Virgem é suficiente para reparar esses danos, essas perdas
de algumas almas.” Em conformidade com essa visão de que se trata de
uma fábula ou apólogo, Chiala apresenta a moral, presumivelmente ainda
parafraseando o Pe. Rua: “A moral, então, é que temos somente dois
meios de ficar firmes nessa confusão, a devoção à Virgem Maria e a
recepção frequente dos sacramentos, esforçando-nos de todas as
maneiras em venerá-los e em difundir essa veneração.”
Nem o Padre Rua nem Dom Bosco comentaram sobre a dupla queda e morte
do Papa. De acordo com Chiala, quando Dom Bosco desceu da tribuna, ele
disse ao seminarista Francisco Provera que, se lhe perguntassem isso
outra noite, ele comentaria. Então, devia significar algo. Chiala
arriscou suas próprias opiniões:
“Parece-me que ele quis indicar que o Pontífice vivo hoje não verá o
fim dessas aflições, cairá uma vez de seu trono mas retornará a ele, e
que a paz será restaurada na Cristandade somente sob outro Papa, que
sucederá a Pio IX imediatamente após a morte deste. Os navios à
distância, penso eu, seriam as nações infiéis que se aproximarão da
fé.”
Com o espaço acabando, Chiala concluiu sugerindo a Oreglia que, se ele
quisesse “uma exposição mais genuína” das palavras de Dom Bosco, ele
devia consultar o Padre Rua e então confirmar aquele relato com o
próprio Dom Bosco.
Essas são as fontes primárias para aquilo que chamamos comumente de o
“Sonho” das Duas Colunas. Coloco “Sonho” entre aspas porque, como
vimos, Dom Bosco não o apresenta como sonho, mas como parábola. Quando
foi registrá-lo nas Memórias Biográficas, o Padre Lemoyne acrescentou
uma porção de passagens, [18] algumas importantes e outras não,
incluindo uma em que Dom Bosco chamou seu conto de sonho, a referência
a uma tempestade, uma esquadra dando apoio ao navio do Papa, duas
reuniões, convocadas pelo Papa, dos capitães das embarcações aliadas,
“regozijo indescritível” nas embarcações inimigas com a avaria que
fizeram no navio do Papa, e um conclave dos capitães aliados para
eleger um novo Papa. A mim, me parece que a esquadra de apoio e
diversas reuniões do Papa e seus capitães são importantes, não somente
detalhes que uma ou outra fonte pudesse ter acidentalmente omitido. O
navio principal não é mais a Igreja, mas a Santa Sé, com esquadras de
apoio que representam, ou as nações católicas, ou as igrejas locais. A
reunião dos capitães na ponte do navio papal pode facilmente ser
considerada o Concílio Vaticano I, ainda mais de sete anos no futuro.
Mas e quanto à segunda reunião, que é realizada sob o mesmo Papa? E
qual a fonte desse novo material?
O Padre Lemoyne afirma que dependeu de quatro documentos: as cartas de
Boggero e Chiala, a crônica de Ruffino, que já mencionamos, e um
manuscrito de Secondo Merlone, um seminarista em 1862 que depois se
tornou padre diocesano. O Padre Lemoyne diz que esse último documento
foi escrito “muito tempo depois” da narração de Dom Bosco, mas isso é
tudo que ele nos conta sobre o documento, e este não sobreviveu.
Talvez seja a fonte de parte do material que aparece exclusivamente
n’As Memórias Biográficas. Como quer que seja, o Padre Lemoyne
insiste: “Todas as quatro narrativas concordam perfeitamente exceto
pela omissão de alguns detalhes.” [19] Ora, como dissemos acima,
alguns dos detalhes que ele introduz não são insignificantes.
O Padre Lemoyne também nos conta de uma visita ao Oratório em 1886 do
Cônego João Bourlot, que fora seminarista em 1862 e escutara a
narrativa original por Dom Bosco. Ele recontou a parábola num jantar,
em presença de Dom Bosco e do Padre Lemoyne, e pôs um terceiro Papa na
narrativa. O Côn. Bourlot apareceu no Oratório novamente em 1907 e
contou o conto inteiro novamente, ainda insistindo que houvera três
Papas. [20] Obviamente o Padre Lemoyne não aceitou esse ponto. Mas é
possível que o relato oral do Côn. Bourlot, fresco na mente do Padre
Lemoyne quando este compunha o volume 7, tenha suscitado alguns dos
detalhes inexplicados no texto final d’As Memórias Biográficas. Por
outro lado, é preciso ser cuidadoso em aceitar testemunho oral vinte e
quatro anos depois de um acontecimento, que é o hiato entre a Boa
Noite de Dom Bosco e o primeiro relato dela pelo Côn. Bourlot na
presença do Padre Lemoyne. Se, por um lado, Dom Bosco estava presente
em 1886 para garantir a precisão do Cônego, ele não estava ali em
1907, quarenta e cinco anos depois do evento original.
É uma infelicidade que não saibamos com base em que autoridade o Padre
Lemoyne acrescentou os detalhes e substância que não temos como
rastrear nas fontes primárias sobreviventes, especialmente dado que
algumas delas não são inteiramente coerentes com as fontes
sobreviventes. Sem descartá-los categoricamente, um pouco de ceticismo
sobre esses detalhes é apropriado.
Agora, o que devemos pensar da parábola de Dom Bosco? Temos de começar
por onde ele começou, isto é, em 1862, num ambiente pedagógico entre
seus meninos e seus salesianos. A imagem da Igreja como barca de Pedro
era uma imagem comum que todos entendiam. O mar agitado pela
tempestade é imagem prontamente reconhecível do mundo com seus
perigos, e aparece com freqüência nos sonhos de Dom Bosco. A coluna
com a Hóstia no topo é auto-explicativa. A outra coluna tinha uma
estátua de Maria Imaculada, foco da devoção mariana de Dom Bosco desde
o início de seu Oratório, em 8 de dezembro de 1841, até este período,
quando seu foco mariano estava começando a passar para a Auxiliadora
dos Cristãos. Essa transição pode ter sido inspirada pelo apelo de
alguns Bispos italianos a Maria como Auxiliadora dos Cristãos para vir
em socorro da Igreja e, talvez, por algumas recentes alegações de
aparições num santuário mariano sob este título, perto da cidade de
Spoleto. [21] “Auxílio dos Cristãos” era a inscrição no pilar; e essa
festa específica acabara de ser observada, em 24 de maio. O título
mariano “Auxílio dos Cristãos” origina-se da vitória naval cristã em
Lepanto, 7 de outubro de 1571; o leque de imagens deste apólogo é
sugestivo de Lepanto. Quando um inimigo anterior da Igreja, Napoleão,
capturou o Papa Pio VII e levou-o ao exílio, o Papa retornou em
triunfo a Roma em 24 de maio. Assim, o leque de imagens de Dom Bosco
da Igreja e do Papa encontrando segurança no pilar da Auxiliadora dos
Cristãos encaixava-se com a história da Igreja e também refletia
acontecimentos contemporâneos.
O que estava acontecendo na Itália em 1862? A Igreja estava sob ataque
pesado em diversas frentes. Ela havia sido atacada política e
militarmente. O rei Vítor Emanuel II, Camillo Cavour, Giuseppe
Garibaldi e outros, em 1860, haviam unificado a maior parte da Itália
em um único reinado. Juntamente com outros territórios, eles haviam
capturado a maior parte dos Estados Papais, que haviam pertencido ao
Papado durante mil anos; e não era segredo que se pretendia que Roma,
que o Papa ainda detinha, acabasse por tornar-se a capital nacional.
Embora hoje percebamos que um Estado minúsculo é suficiente para
garantir a independência moral e espiritual do Papa, e o poder moral
dele seja mais forte sem ser ele uma potência temporal, isso não era
de modo nenhum claro em 1862.
A Igreja também estava sob assalto religiosamente. Além da lei
piemontesa de 1855 suprimindo as ordens monásticas, outras leis haviam
despojado as cortes eclesiásticas de um bocado de sua autoridade,
reduzido o número de feriados religiosos observados publicamente,
eliminado a censura da imprensa e o controle da educação pela Igreja,
e estabelecido tolerância religiosa, embora nominalmente o Catolicismo
permanecesse a religião do Estado. Essas leis foram estendidas para
outras regiões à medida que estas eram incorporadas ao reino da
Itália. Exceto pela supressão dos mosteiros e a captura de suas
propriedades e bens, esses passos redundavam, basicamente, na
separação de Igreja e Estado, conceito este que a Igreja não aceitou
formalmente até 1965. Na Europa do século XIX, isso era ainda
considerado algo revolucionário e maligno. Que decorreram males dessa
separação é inquestionável.
A Igreja estava sob ataque culturalmente. Por diversas razões, a
opinião pública começava a tornar-se anticlerical. O Papa tinha
respaldo estrangeiro na manutenção de sua posse dos Estados da Igreja
até 1860 e de Roma até 1870; a presença austríaca era particularmente
odiosa para os patriotas italianos. No geral, a hierarquia italiana
combateu com unhas e dentes todas as mudanças no status quo social e
político. Sem o freio da censura eclesiástica, escritores de toda a
espécie, de patriotas a protestantes evangélicos, a demagogos, a
mascates de imundícies, eram todos livres para atacar a religião, a
devoção popular, a Igreja, o Papa, os Bispos, a vida religiosa, as
escolas paroquiais e os sacerdotes individuais. O leitor deve ter
notado a presença de livros e periódicos no armamento dos inimigos da
Igreja na alegoria de Dom Bosco.
Padres, Bispos e mesmo Cardeais que se opunham ao novo regime eram
hostilizados, encarcerados, exilados. Os católicos podiam muito bem
sentir que a Igreja sofria uma nova perseguição como aquela infligida
pela Revolução Francesa. [22]
Até Dom Bosco e seu Oratório estavam sob ataque. No começo da década
de 1850 ele foi submetido a diversas tentativas de assassinato. Na
década de 1860 elas cessaram, mas ataques vis na imprensa anticlerical
tomaram o seu lugar. Políticos anticlericais também visaram-no,
convencidos de que, bem na capital nacional, Turim, ele estava
conspirando com o Papa contra a Itália. De tempos em tempos sua
correspondência era interceptada, e onze vezes em 1860 oficiais de
polícia apareceram no Oratório para vasculhá-lo, interrogar e
intimidar mestres e pupilos, e saquear o aposento de Dom Bosco e seus
papéis, em busca de provas que o incriminassem. Naturalmente, eles não
encontraram nada que pudessem usar; graças não somente à prudência e
posição apolítica do Santo, mas também a um de seus sonhos, que o
alertou antes da primeira revista. Dom Bosco utilizou a oportunidade
fornecida pelas buscas, para conversar com os oficiais sobre as almas
deles. Alguns meses depois do “Sonho” das Duas Colunas, oficiais do
departamento de educação tentariam desqualificar os professores de Dom
Bosco e demonstrar que o Oratório ensinava subversão, para poderem
fechá-lo.
Se desejarmos interpretar a primeira queda do Papa na alegoria de Dom
Bosco, e depois sua fatal segunda queda, podemos explicá-las deste
modo: A primeira queda representava a temporária derrubada do poder
temporal do Papa durante a Revolução de 1848, quando Pio IX foi
empurrado ao exílio por cerca de um ano, e Garibaldi, Mazzini e seus
amigos instauraram a efêmera República Romana. A fatal segunda ferida
poderia representar o que muitas pessoas podiam prever em 1862: que o
poder temporal da Igreja lhe seria completamente subtraído no futuro,
como aconteceu em 1870. Dessa “fatalidade”, um novo tipo de liderança
da Igreja emergiu. Isso, é claro, é uma hipótese. Não temos a
explicação do próprio Dom Bosco. Outros poderiam aventar a hipótese de
que os Papas sejam figuras pessoais: Pio IX, que viveria até 1878, e
Leão XIII.
Começar a especular sobre as conferências dos capitães aliados ao
Santo Padre e o conclave que elegeu um novo Papa leva-nos às
interpolações feitas pelo Padre Lemoyne n’As Memórias Biográficas, e
adentramos terreno ainda menos seguro, por não termos certeza de que
Dom Bosco descreveu essas coisas.
Como quer que seja, tomando o que Dom Bosco inquestionavelmente disse,
temos a Igreja e uma casa religiosa sofrendo a tempestade da
perseguição. Dom Bosco poderia facilmente ter falado diretamente aos
meninos e aos salesianos sobre a Divina Providência, a promessa de
Jesus de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, o
poder da Eucaristia, a proteção de nossa Mãe Santíssima. E assim fez
ele constantemente. Mas usar uma história ou parábola pitoresca que ao
menos sugerisse aos seus ouvintes os conhecidos sonhos dele seria uma
ferramenta de ensino mais poderosa, como as inesquecíveis parábolas do
Senhor.
Com efeito, as imagens da Igreja assediada, da pilotagem segura do
Santo Padre, do porto seguro oferecido pela proteção de Maria, da
salvação garantida pelo Santíssimo Sacramento mantêm seu apelo a nós
hoje. À luz do contexto pedagógico e das palavras dele tais como
registradas pelas testemunhas, creio que isso é tudo o que Dom Bosco
pretendia transmitir. A alegoria de São João Bosco é tão intemporal
quanto a Igreja mesma. Sob esse aspecto, pessoas que encontram nesse
sonho ou parábola “uma visão profética para o nosso tempo” acertam em
cheio.
Ora, alguns tentaram fazer desse sonho ou parábola “uma visão da
Igreja Católica no fim dos tempos… uma visão reveladora de como a
Igreja sobreviveria a perseguições terríveis no fim do século XX.”
Espero que a exposição acima já tenha deixado claro que tal
interpretação é uma distorção sem fundamento. Ademais, não há registro
de que Dom Bosco estivesse interessado, ainda que minimamente, pelos
últimos tempos ou dedicasse algum pensamento à especulação sobre eles.
A preocupação dele com os seus meninos, e mesmo com os inspetores de
polícia que perturbavam seu Oratório, era sempre pela salvação
individual deles, de que estivessem pessoalmente prontos para o juízo
inevitável que vem imediatamente após a morte. Esse é um tema
constante em seus sermões, conferências de Boa Noite e sonhos, e é a
moral que ele extrai do episódio que ele relatou da ressuscitação
temporária de um menino morto.[23] Para alcançar a salvação devemos
estar a bordo da arca da segurança, que é a Igreja; Maria oferece-nos
sua certeira proteção materna em todas as circunstâncias; os
sacramentos, particularmente a Penitência e a Santa Eucaristia, são
nossos meios de salvação.
4. Epílogo
Talvez a ideia de que Dom Bosco estivesse prevendo alguma batalha
apocalíptica entre a Igreja e os poderes do mal no fim do século XX
venha de uma certa confusão que, lamentavelmente, parece amplamente
disseminada. Pessoas frequentemente me ligam ou escrevem com perguntas
sobre São João Bosco. De quando em quando, sou questionado sobre as
datas nos dois pilares no mar. Como o leitor percebe, não existem
datas.
Como foi que datas entraram nesse “Sonho” das Duas Colunas, na cabeça
de alguns? Minha teoria é de que algumas pessoas se depararam com dois
parágrafos que estão no volume 9 d’As Memórias Biográficas. É 1869, e
Dom Bosco construiu a Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos no
Oratório, mas os retoques finais ainda estão por ser dados. O Padre
Lemoyne escreve:
“…trabalho adicional na Igreja de Maria Auxiliadora estava em curso.
Cada um dos dois campanários flanqueando a fachada devia ter no topo
um anjo, de quase 2,5 metros de altura, feito de cobre bruto dourado,
de acordo com o plano do próprio Dom Bosco. O anjo da direita segurava
uma bandeira…que continha a palavra “LEPANTO” talhada em letras
grandes através do metal, enquanto o da esquerda oferecia…uma coroa de
louros à Santíssima Virgem localizada sobre o domo.
Num desenho anterior, o segundo anjo também segurava uma bandeira na
qual o número “19” estava talhado através do metal, seguido de dois
pontinhos. Representava outra data, “mil novecentos”, sem os dois
números finais indicando o ano específico. Embora no fim, como
dissemos, uma coroa de louros tenha sido posta na mão do anjo, nunca
nos esquecemos da data misteriosa que, em nossa opinião, apontava para
um novo triunfo de Nossa Senhora. Que venha logo este e reúna todas as
nações sob o manto de Maria.”
Até aqui o Padre Lemoyne, na tradução publicada para o inglês. [24]
Conferi com o original em italiano, [25] e uma frase importante está
faltando no inglês: “Num desenho anterior, que nós mesmos vimos…” O
Padre Lemoyne gosta muito do nós editorial. Ele quer dizer que ele o
viu. Infelizmente, ele não diz especificamente que o desenho original
fosse de Dom Bosco; ele é explícito sobre isso quanto ao desenho
final, os anjos tais como realmente ficam no topo daqueles dois
campanários. É razoável supor que o desenho não utilizado, a data
incompleta do século XX do segundo anjo, também tenham vindo do nosso
Santo; teria ajudado se o Padre Lemoyne o tivesse afirmado. Mas,
apesar das procuras pelos arquivos, o desenho original nunca foi
encontrado, e ninguém além do Padre Lemoyne jamais alegou tê-lo visto.
Dizer algo além disso sobre o desenho ou a data é especulação.
Se o primeiro desenho originou-se de Dom Bosco, teria a data
misteriosa vindo de um sonho? É possível, mas isso também é somente
especulação.
Um pouco de especulação, então. A data 19.. pode ser qualquer data no
século. Não há absolutamente nenhuma razão para dizer que deva ser no
fim do século XX. Não há nem sequer razão alguma constringente para a
data dever ser identificada. Mas, se alguém quiser adivinhá-la, deve
procurar algo que tivesse algum paralelo com o evento de Lepanto,
assinalado pela bandeira do primeiro anjo. Lepanto foi a vitória de
uma aliança católica contra as legiões islâmicas reunindo-se para
invadir a Europa cristã em 1571. A vitória era totalmente inesperada,
resultado de boa fortuna, falando militarmente, e de uma estratégia de
batalha bem executada. Foi atribuída, na ocasião e desde então, ao
poder do Rosário, à assistência de Maria Auxiliadora.
Se a data misteriosa veio de Dom Bosco, ele escolheu não publicá-la.
Mas, se se quiser especular — e não há mal algum nisso —, eis uma
hipótese razoável. O ano misterioso já passou, e não faz muito tempo.
Foi o ano de uma sequência de eventos inesperada, de tirar o fôlego: o
triunfo do Solidariedade nas primeiras eleições livres na Polônia, a
liberação dos satélites soviéticos por toda a Europa, a queda do Muro
de Berlim: eventos que pressagiaram o colapso da União Soviética. Essa
série de acontecimentos tem, por alto, paralelo com a vitória de
Lepanto. Nossa Senhora pediu-nos em Fátima, antes mesmo que houvesse
uma Rússia comunista, que rezássemos pela conversão da Rússia. Em
1989, vimos alguns dos frutos visíveis de nossas orações.
Isso é especulação, e outros podem oferecer outras ideias. De qualquer
modo, aquele desenho angélico não usado é provavelmente de onde surgiu
a ideia incorreta e sem fundamento de que haveria datas nas duas
colunas no oceano. Não há absolutamente nenhuma conexão com as duas
colunas. Logo, a ideia de que o “sonho” ou fábula das duas colunas
preveja uma vitória específica para a Igreja no século XX não tem
respaldo. O “sonho” ou fábula deve ser interpretado em seu próprio
contexto do século XIX, incluindo sua plateia de meninos ginasianos.
Oferece conselho muito bom e perene, como toda boa fábula: nesse caso,
o conselho espiritual de que nossa Mãe Santíssima é nossa auxiliadora
e protetora nesta vida contra os ataques de nossos inimigos
espirituais; que nossa salvação vem de nos alimentarmos de Jesus na
Santa Eucaristia, sacramentalmente e devocionalmente; que a Igreja
Católica, pilotada pelo Sucessor de Pedro, nos guiará para o porto
seguro. [26]
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PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Michael MENDL, S.D.B., O “Sonho” das Duas Colunas. Ensaio de Crítica
Textual e Interpretação, 1997, trad. br. por F. Coelho, São Paulo,
set. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-Ut
de: “The ‘Dream’ of the Two Columns. An Essay in Textual Criticism and
Interpretation”, ensaio baseado num discurso proferido no Congresso
Eucarístico Mariano em Columbus, Ohio, a 11 de outubro de 1997,
http://www.bosconet.aust.com/2columns.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
e hermenêutica da continuidade
(2010)
e suas dúvidas
A contradição é o sinal mais evidente do erro. Lendo Mons. Gherardini,
é-se golpeado pelas contínuas contradições do seu pensamento a
propósito do Vaticano II, acusado e defendido, declarado em
continuidade ou em ruptura com a Tradição, às vezes na mesma página do
livro dele, à distância de poucas linhas. Não penso que tais
contradições sejam fruto de falta de rigor especulativo do autor,
tanto quanto de confusão e temor em afrontar uma matéria tão grave em
suas consequências.
Mons. Gherardini não silencia, mas sinceramente confessa, as dúvidas
que o acometem e as transigências intelectuais às quais dedicou-se por
40 anos. Teólogo fiel à doutrina tradicional da Igreja, quis aceitar a
nova doutrina do Vaticano II: teve então de convencer-se, para em
seguida convencer os seus pupilos, ouvintes e leitores, de uma
continuidade com a Tradição que não o convencia por completo: “dava
nós em pingos d’água” (p. 163). “Falei – confessa – de continuidade
evolutiva, para exconjurar uma tal suspeita (de ruptura entre Vaticano
II e Tradição, n.d.a.) e encontrar, mediante essa fórmula, a
possibilidade de ancorar o Vaticano II, com a sua originalidade e
criatividade, na precedente Tradição. Confesso todavia que nunca
cessei de me colocar o problema de se efetivamente a Tradição da
Igreja foi totalmente [“in tutto e per tutto” – N. do T.]
salvaguardada pelo último Concílio e se, por conseguinte, a
hermenêutica da continuidade evolutiva é um seu inegável valor e se
pode dar crédito a ela” (p. 87). Gherardini duvida de si mesmo,
portanto. A autocrítica refere-se por exemplo à declaração sobre a
liberdade religiosa Dignitatis humanae personae: “O Vaticano II
terminara havia pouco quando, na minha qualidade de Professor de
Eclesiologia e Decano da Pontifícia Universidade Lateranense, dirigi a
elaboração de uma tese de láurea sobre ‘A Liberdade religiosa no
Vaticano II’. O candidato era um jovem sacerdote, inteligente e dócil,
hoje Bispo na Áustria. Por intermédio dele (…) foi-me possível pela
primeira vez tentar a ligação da disruptiva declaração DH com o
ensinamento tradicional da Igreja. Sim, era preciso dar nós em pingo
d’água, mas a empresa não me pareceu impossível de tentar. Hoje, sobre
o famoso decreto conciliar, eu teria algumas dúvidas a mais do que já
tinha então” (p. 163). Não sabemos se o autor se dá conta de sua
responsabilidade em ter calado por tantos anos suas dúvidas (e só
agora, depois de 40 anos, “romper as pontes do silêncio” p. 25) e
mesmo endossado essas doutrinas, como fez por exemplo com a Missa
Nova, que hoje critica (p. 154-161) (ainda quando porventura celebra,
malgrado os usuais “problemas” que lhe suscita) enquanto que “em
outubro de 1984 o Pe. Piero Cantoni, que em 1981 deixara a
Fraternidade São Pio X para aceitar o Vaticano II e a Missa Nova,
obteve a licença em Sacra Teologia na Pontifícia Universidade
Lateranense com uma investigação sobre ‘Novus Ordo Missae’ e Fé
Católica, sob a direção do professor Brunero Gherardini” (A.
Morselli).
O estudo do Pe. Cantoni, dirigido por Mons. Gherardini, e publicado
antes na revista do card. Siri, Renovatio, e em seguida, em 1988,
pelas edições Quadrivium, tinha o escopo de demonstrar a perfeita
ortodoxia do novo missal, e serviu e serve ainda a esse escopo. Mons.
Gherardini e seus apologistas na Fraternidade São Pio X talvez se
tenham esquecido disso, mas nós não. Padre Guérard des Lauriers, por
ter escrito o “Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae” em 1969 foi
privado da cátedra na Lateranense, ao passo que em 1984 Mons.
Gherardini patrocinava tese de láurea na Lateranense em defesa da
Missa Nova, malgrado os “problemas” que esta lhe apresentava; mas “a
carreira vale bem um incensamento” (p. 16). Não me queira mal Mons.
Gherardini por esta crítica, voltada a certos seus interessados
aduladores antes que a quem, como ele, manifesta com sinceridade os
percalços de seu espírito.
Para concluir:
Notas
1) A primeira edição de Iota unum remonta a 1985, pela imprenta do
editor Ricciardi (desde 1938 pertencente ao conhecido banqueiro
Mattioli). As edições Lindau, de Turim, cuidaram, em junho de 2009, da
reedição, com um posfácio de Enrico Maria Radaelli. A edição Lindau de
Iota unum foi apresentada em Roma a 30 de outubro de 2009, na
Biblioteca Angelica, pelo prof. Radaelli, por Mons. Livi, pelo Pe.
Nitoglia e por Francesco Colafemmina. Iota unum foi, porém,
republicado (abril de 2009) também pela casa editora de Verona (sobre
a qual, cf. adiante a nota 6) Fede e cultura, com prefácio de Mons.
Luigi Negri, Bispo de San Marino. Fede e cultura é também a editora de
duas obras de Mons. Gherardini. O catálogo das edições Lindau é muito
interessante: abundam os autores do “tradicionalismo” mais ou menos
ratzingeriano e os escritos antimuçulmanos (Del Valle, Bat Ye’or, i
foglianti, C. Panella, G. Meotti e G. Israel etc.) e filo-hebraicos.
Uma etiqueta, porém, das mesmas edições Lindau, de 2000, é L’età
dell’Acquario [A Era de Aquário], especializada na publicação de
textos maçônicos, esotéricos, teosóficos e Nova Era. Seria
interessante saber quem são os responsáveis pelas (ao menos
aparentemente) contraditórias escolhas editoriais da pequena casa
editora de Turim. Uma primeira resposta encontramos ao constatar que
Ezio Quarantelli, diretor editorial da Lindau, é também diretor
responsável de Confini. Temi e voci dal mondo della cremazione
[Confins. Temas e vozes do mundo da cremação], publicação da Fundação
A. Fabretti (notório maçom do Risorgimento) da Socrem (Sociedade pela
cremação). Ucci ucci, sento odor di massonucci! Digo logo que creio
100% na boa fé dos católicos que colaboram com Lindau (não é fácil
encontrar um editor para quem, como nós, carece de meios), penso que
as considerações desta nota possam ser úteis para desconfiar, no
futuro, de quem se serve de nós e para procurar entender qual pode ser
eventualmente a estratégia do inimigo em promover paradoxalmente
autores e livros católicos.
2) Segundo Mons. Livi, Romano Amerio se insere numa corrente de
“pensadores como Pascal, Arnauld, Buffier, Reid, Vico, Jacobi,
Kierkegaard, Balmes, Newman e Rosmini, todos pensadores anti-
cartesianos e anti-hegelianos, mas não anti-modernos”. O rosminianismo
de Amerio é declarado, embora Rosmini tenha sido condenado pela Igreja
e depois reabilitado por Ratzinger (cf. Sodalitium, n. 53 p. 34); um
belo exemplo de “variações da Igreja Católica (sic) no século XX”.
3) Que, por si e especulativamente, Iota unum não se insira na
corrente “ratzingeriana” da “hermenêutica da continuidade” não é uma
opinião nossa, mas é tese defendida pelo próprio Amerio e por seus
discípulos, como o professor Enrico Maria Radaelli: “O questionamento
de fundo posto por Amerio em Iota unum – e na sua continuação Stat
Veritas, publicação póstuma em 1997 aos cuidados de Enrico Maria
Radaelli – é o seguinte: ‘Toda a questão sobre o presente estado da
Igreja se encerra nestes termos: é preservada a essência do
catolicismo? As variações introduzidas fazem-no perdurar na
circunstancial vicissitude ou antes fazem-no transgredir ad aliud?
[...] O nosso livro inteiro é um compêndio de provas desse trânsito”
(p. 626 e, no Posfácio, p. 689). E ainda: “O Posfácio a Iota unum,
sintetizando toda a tese do livro, mostra que as hermenêuticas sobre o
concílio Vaticano II hoje são três: a primeira: é a hermenêutica
sofística extrema da “escola de Bologna” (Dossetti, depois Alberigo,
hoje Melloni) e em geral de toda a “nouvelle théologie” (Congar,
Daniélou, De Lubac, Ranher, Schillebeeckx, von Balthasar etc.); é não
teórica; ela promove e espera a descontinuidade e a ruptura das
essências entre Igreja precedente e Igreja subsequente ao Vaticano II
sob a cobertura das equivocidades textuais; a segunda: é a
hermenêutica sofística moderada dos Papas que promoveram, atuaram e em
seguida seguiram o concílio; é também ela não teórica; mas, ao
contrário da primeira, que ademais a formou e produziu, ela estuda em
tudo os modos de dar continuidade entre a essência pós e pré-
conciliar, buscando torcer no sentido da Tradição as anfibologias e as
equivocidades textuais supramencionadas; a terceira: é a hermenêutica
veritativa de Amerio e, em geral, de todos os empurrados (mas só
depois do concílio) para o assim chamado “tradicionalismo”; é teórica,
portanto irrefutável e, na medida em que se apóia na Tradição,
vinculante; ela constata e denuncia no Vaticano II a tentativa de
ruptura e de descontinuidade com a essência; acrescente-se, no mais,
que a irrealizabilidade dessa tentativa é por todos os resistentes ao
concílio (fora os chamados “sedevacantistas”) pela fé absolutamente
crida e por Amerio, como visto acima (primeiro parágrafo) e como
evidenciado no Posfácio (§ 3 b, p. 698), também solidamente
demonstrada, de modo que o Trono mais alto e toda a Igreja volte o
quanto antes a disso se beneficiar” (E. M. Radaelli). As últimas
palavras dessa longa citação evidenciam as contradições de Amerio: o
Vaticano II rompe – essencialmente – com o ensinamento da Igreja, mas
– recusado o “sedevacantismo” – atribui-se o ensinamento dele à Igreja
mesma, em contradição portanto consigo mesma. E destarte não é o
“sedevacantismo” (ou, pelo menos, a Tese de Cassicíaco) quem nega o
que “pela fé deve ser absolutamente crido” (ou seja, a
indefectibilidade da Igreja: as portas do inferno não prevalecerão
contra ela), mas os “tradicionalistas” que negam a vacância da Sé,
sejam os sequazes de Amerio ou de Mons. Lefebvre, segundo os quais é a
Igreja Católica que, sofrendo uma variação essencial, é e não é ao
mesmo tempo a mesma de antes. Por onde, se especulativamente Amerio se
opõe ao Vaticano II (e não só a abusos ou entendimentos errados do
Concílio), na prática, a vida inteira, ao contrário de Mons. Lefebvre,
ele aceitou as suas reformas (inclusive a litúrgica), a sua
disciplina, a sua hierarquia.
4) B. GHERARDINI, Quale accordo tra Cristo e Beliar? Osservazioni
teologiche sui problemi, gli equivoci ed i compromessi del dialogo
interreligioso [Que acordo entre Cristo e Belial? Observações
teológicas sobre os problemas, os equívocos e as transigências do
diálogo inter-religioso], Fede e cultura, Verona, abril de 2009 e, do
mesmo autor, Ecumene tradita, Il dialogo ecumenico tra equivoci e
passi falsi [Ecumenicidade traída. O diálogo ecumênico entre equívocos
e passos em falso], Fede e cultura, setembro de 2009.
5) Assim um seu editor, Fede e cultura, apresenta Mons. Gherardini:
“Brunero Gherardini (Prato, 1925), sacerdote (1948), laureado em
teologia (1952) com especialização na Alemanha (1954-55), antigo
catedrático da Pontifícia Universidade Lateranense e decano da
Faculdade de Teologia, cônego da Basílica de São Pedro no Vaticano
desde 1994, Diretor responsável da Revista Internacional “Divinitas”
desde 2000, por trinta anos consultor da Congregação para a Causa dos
Santos, escreveu além disso 80 volumes e várias centenas de artigos.
Centro de sua investigação: a Igreja. Colateralmente mas em função
complementar, aprofundou a figura e a obra de Lutero, a Reforma, o
Ecumenismo, a Mariologia e a teologia espiritual. É uma das vozes
italianas mais conhecidas inclusive no exterior”. Podemos acrescentar
que Mons. Gherardini foi postulante da causa de beatificação de Pio
IX. Ao contrário de Amerio, Mons. Gherardini não é rosminiano, mas
tomista, se bem que da escola (que pretende ter redescoberto o
“tomismo original” e conciliá-lo com Kierkegaard) do padre estigmatino
Cornelio Fabro. Padre Guérard des Lauriers não compartilhava da
interpretação que Fabro dava do pensamento de Santo Tomás.
6) Uma palavra sobre a casa editora Fede e Cultura de Verona, a não
confundir com a associação Fede, Cultura e Società do Pe. Guglielmo
Fichera. F&C não é a editora do livro ora resenhado, mas das obras
subsequentes de Mons. Gherardini: vale a pena – assim como com a ed.
Lindau – interessar-se pela outra editora, junto com Lindau e em
concorrência com Lindau, de Romano Amerio. A casa editora nasceu
apenas em 2005, mas em pouquíssimo tempo assumiu posição de primeiro
plano entre as casas editoras próximas ao “tradicionalismo”. A linha
não é, de fato, a da “hermenêutica da ruptura” mas a da “hermenêutica
da continuidade”, em pleno apoio a J. Ratzinger e ao Motu proprio
Summorum Pontificum, desejando explicitamente a Reforma da reforma. A
casa editora se apresenta e se reconhece numa citação de “são”
Josemaria Escrivá de Balaguer, e tem como “Protetor” o “Beato” Antonio
Rosmini (condenado pela Igreja), “campeão da liberdade intelectual e
responsável cultural”. É dedicada a ele uma coleção. Daí deduzo que
F&C são “católicos-liberais”. São também decididamente favoráveis ao
Judaísmo e ao Estado de Israel, malgrado Mons. Gherardini! Dentre os
“links” amigos do diretor da casa editora, Giovanni Zenone (Prêmio
Attilio Mordini, figura também conhecida de nossos leitores), figura
no primeiro plano, com direito a bandeira israelita, o sítio de
“Israele.net”, portal de Israel em italiano. Um dos livros do próprio
Zenone, Il chassisismo. Filosofia ebraica [O chassidismo. Filosofia
hebreia], publicado com prefácio de Massimo Introvigne (bem conhecido
de nossos leitores) descreve a seita judaica como “esplêndido capítulo
da religiosidade e do pensamento humano” e exalta o pensamento de
Martin Buber. No campo filosófico, na esteira de seu mestre Mons. Livi
(já citado a propósito das ed. Lindau) G. Zenone escreveu Maritain,
Gilson e il senso commune, elogiando o humanismo integral maritaineano
e pondo-se na corrente de pensamento pascaliana. Os “amigos”
recomendados são – entre outros – Cristianità, Alleanza Cattolica
(Introvigne colabora com a F&C e a Lindau), Lepanto (que tem direito a
uma coleção), os discípulos de Plinio Correa de Oliveira, os
carismáticos de Mediugorje… todo um mundo que certamente não pode ser
considerado oposto ao Vaticano II, mas que é a “direita” do mesmo.
Quanto a Mordini, não espanta a simpatia por Israel de um “prêmio
Mordini” (que militou, durante a guerra, como voluntário no exército
alemão), já que Mordini considerava o hebraísmo e o islão religiões
irmãs do cristianismo e, como Evola, admirava a Cabala (cf. FRANCO
CARDINI, L’intellettuale disorganico [O intelectual desorgânico],
Aragno ed., Torino, 2001, pp. 9, 57-59; F. CARDINI, prefácio a
“Francesco e Maria” de A. Mordini, Cantagalli Siena 1986, pp. 8-9);
sobre todo o ambiente, cf. o sempre atual Costruiremo ancora
cattedrali: l’esoterismo cristiano da Giovanni Cantoni a Massimo
Introvigne [Construiremos ainda catedrais: o esoterismo cristão de
Giovanni Cantoni a Massimo Introvigne], in: Sodalitium, n. 50, pp. 17-
34)
7) Mons. Gherardini – nas páginas talvez piores de seu livro – chega
ao ponto de fazer sua a crítica que DH e o Vaticano II fazem à prática
da Igreja, considerada “não conforme” assim como “contrária” “ao
espírito do Evangelho” (cf. DH 12; Gherardini p. 170). Assim, Cristo
teria combatido a intolerância pré-cristã (seja a pagã seja a
veterotestamentária), assim teria sido Ele próprio vítima da
intolerância, sendo que “alguns homens da Igreja agiram com a mesma
intolerância que havia condenado à morte Jesus; a estes alude DH 12
frisando a falta de obediência deles ao Evangelho. A paz religiosa de
Constantino (313), ainda que somente pelo ‘espaço de uma manhã’,
havia, sim, privilegiado a Igreja, mas a preço caríssimo: a
intolerância contra hereges e pagãos. Uma tal intolerância não
correspondia nem ao ensinamento do Evangelho, nem àquele espírito
evangélico sobre o qual a tradição patrística já vinha modelando o
padrão da existência cristã…” (p. 171). Após ter condenado as
conversões forçadas operadas por Carlos Magno (transeat, p. 171),
Gherardini faz de Santo Tomás um campeão da tolerância (confundida com
a liberdade do ato de fé, p. 172) para, em seguida, acrescentar
inacreditavelmente: “Diversamente, enfim, pensaram inclusive alguns
Papas”: os culpados de intolerância antievangélica teriam sido Paulo
IV (com a instituição do gueto), Gregório XIII (com a obrigação para
os judeus de ouvir as pregações cristãs), a Inquisição, que foi “tudo
menos equilibrada” (p. 172). Embora postulador da causa de Pio IX,
imperitamente defendido por ele (p. 175-177), Mons. Gherardini se
mostra – nestas páginas – como aquilo que é: um católico-liberal.
8) Preciso que utilizo o termo “lefebvriano” no sentido, não polêmico
ou depreciativo, de sequazes das doutrinas e da espiritualidade de
Mons. Lefebvre; assim como se fala de dominicanos, franciscanos,
inacianos, salesianos, tomistas, escotistas etc. Nesse sentido o termo
não designa somente os membros da Fraternidade São Pio X.
9) Das duas, uma. Ou as “autoridades” conciliares não tencionam
ensinar, e isso de maneira habitual, ou então tencionam ensinar. No
primeiro caso, não tencionam realizar objetivamente e habitualmente o
bem e a finalidade da Igreja, nem assumir as funções essenciais da
Autoridade, pelo que, não são e não podem ser a Autoridade; no segundo
caso, ao ensinarem o erro manifestam não ter a infalibilidade, a
divina assistência, mas acima de tudo e mais claramente ainda “o estar
com” (“Eu estarei convosco…”) prometido por Cristo, e portanto não
podem ser a Autoridade. Em ambos os casos, não são a Autoridade.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Francesco RICOSSA, Mons. Gherardini, Vaticano II e
hermenêutica da continuidade, 2010, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, set. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-UJ
de: “Recensione: Mons. Gherardini, Vaticano II ed ermeneutica della
continuità”, in: Sodalitium, n.° 64, Ano XXVI n. 3, maio de 2010, pp.
23-31,
http://www.sodalitium.biz/index.php?ind=downloads&op=entry_view&iden=6
2
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
O desmantelamento do matrimônio:
aonde levam as falsas doutrinas…
(out. 2012)
_____________
— Mas essa comissão canônica a qual vós incriminais com violência foi
instituída por Mons. Lefebvre!
Eu sei disso, e como sei! Por carta de 15 de janeiro de 1991
endereçada ao Pe. Franz Schmidberger – então superior geral da
Fraternidade – Mons. Lefebvre pré-formou aquilo que se tornaria a
“Comissão Canônica São-Carlos-Borromeu” (pobre São Carlos, tão cioso
da santidade da Igreja, tão zeloso pela implementação do Concílio de
Trento!). Essa instituição havia sido preparada com mais de dez anos
de antecedência (1.º de maio de 1980), pela pretendida concessão que
Mons. Lefebvre fazia aos padres da Fraternidade de poder dispensar de
impedimentos ao matrimônio e de poder confirmar [3].
Mas conceder essas faculdades é de estrita dependência do poder
pontifício, que Mons. Lefebvre não possuía e que seus sucessores na
chefia da Fraternidade não possuem, tampouco [4]. Tudo isso então é
nulo, sem valor jurídico nenhum, sem nenhum alcance real — a não ser o
de enganar os fiéis, e de enganá-los no que toca à vida sacramental e
matrimonial. É difícil de exagerar a gravidade disso.
A lição que eu tiro disso é que, uma vez que aceitem atentar contra a
Constituição da Santa Igreja Católica (por sagrações episcopais sem
mandato apostólico, por exemplo), não se detêm por mais nada (nem pelo
direito, nem pela teologia), e isso engendra uma cegueira e obstinação
terrivelmente perigosas.
Outra lição. O mérito de Mons. Lefebvre é imenso, sua coragem
impressionante, sua ação benfazeja, e o reconhecimento dos católicos
tem de ser bem grande a seu respeito. Mas aqueles que fazem dele uma
apologia incondicional, os que realejam que é preciso tudo referir a
ele, os que saem repetindo que cumpre retornar incessantemente ao
“verdadeiro Mons. Lefebvre” desembaraçado da ganga com que seus
discípulos o ocultam, esses aí dogmatizam também a parte de sombra que
a ação dele comporta (inevitavelmente) e fazem um mau trabalho. É a
Igreja, a Santa Igreja Católica Romana, a única que deve ser nossa
referência constante, não meramente de forma documental, mas também em
seu espírito, sua santidade, sua misericórdia.
_____________
[3] Essa concessão foi analisada sem concessão por vosso servidor no
número 6 dos Cahiers de Cassiciacum, páginas 1-11. Este caderno
continua disponível (como todos os outros, aliás).
[N. do T. – Esse estudo do A. se encontra traduzido aqui: As
confirmações ministradas por padres da Fraternidade São Pio X são
válidas?, maio de 1981, http://wp.me/pw2MJ-1mU].
_____________
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, O desmantelamento do matrimônio: aonde levam
as falsas doutrinas…, out. 2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo,
nov. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1zn
de: “Le saccage du mariage : où mènent les fausses doctrines…”, blogue
Quicumque, 31 out. 2012, http://www.quicumque.com/article-le-saccage-
du-mariage-ou-menent-les-fausses-doctrines-111957840.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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O desmantelamento do Matrimônio
(continuação)
– 4 dez. 2012 –
Rev. Pe. Hervé Belmont
*
A segunda interrogação, mais fundada, foi-me apresentada assim:
“Acerca da última edição do vosso boletim, tudo o que escreveis é bem
triste, e a usurpação ‘fraternitária’ está sobejamente comprovada.
Contudo, não tenho certeza de vos acompanhar em tudo e por tudo no que
se refere aos tribunais ‘conciliares’. As sentenças de nulidade por
causa de ‘imaturidade’ são realmente aberrantes. Mas não se deve
admitir, quanto ao mais (e de resto), que esses tribunais ‘beneficiam’
do erro comum? Ao menos é a objeção que me vem imediatamente ao
espírito (talvez malicioso).”
A menção ao erro comum faz referência ao cânon 209, que estipula isto:
“Em caso de erro comum ou de dúvida positiva e provável sobre um ponto
de direito ou de fato, a Igreja supre a jurisdição para o foro tanto
externo quanto interno.”[2]
Esse cânon destina-se a prover ao bem comum dos fiéis e a evitar que
um grande número deles seja enganado: se uma comunidade (paróquia,
diocese, convento…) crê (erroneamente) que um sacerdote recebeu da
autoridade legítima a jurisdição necessária para ouvir confissões ou
para assistir a um matrimônio (ou para qualquer outro ato que
necessite de jurisdição), a Igreja supre: ela concede a jurisdição,
não de forma permanente, mas como que gota a gota para cada ato que
dela necessite.
A Igreja entende com bastante largueza essa suplência. Não tenho
intenção (e provavelmente nem competência) de fazer dela um estudo
canônico; remeto os que se interessam por ela ao artigo de Bride na
Revue de Droit Canonique (setembro de 1953 pp. 278-296 e março de 1954
pp. 3-49): encontrarão aí um amplo panorama e uma interpretação
igualmente larga do objeto desse cânon.
Contento-me com duas observações.
Essa suplência da jurisdição faltante só se aplica quando há ilusão
comumente partilhada acerca da existência de uma jurisdição recebida
da autoridade legítima: ela não tem como legitimar uma autoridade, nem
como fabricar do nada uma pseudo-autoridade. Senão, todo e qualquer
sacerdote poderia (por exemplo) fundar uma seita, persuadir os seus
adeptos de que ele tem jurisdição em virtude do cânon 2.415 (que não
existe) e, assim, realizar atos válidos em virtude do erro comum. Para
tomar uma imagem da marcenaria, a suplência de jurisdição é como a
cola que se utiliza quando faltam os parafusos: a cola permite juntar
os pedaços que deveriam estar parafusados um ao outro, mas ela é
incapaz de substituir uma peça faltante.
Além disso, como faz notar Bride no artigo anteriormente citado, “a
suplência só pode entrar em cena para preencher lacunas ou
deficiências que se refiram unicamente ao direito eclesiástico”
[p. 36].
Os tribunais conciliares poderiam juridicamente entrar no caso de uma
suplência; juízes legitimamente nomeados continuaram a ter assento por
muito tempo depois do Vaticano II… sim, isso pode ser verdade, não é
impossível. Mas, entrementes, foi a doutrina que mudou, foi o direito
natural que foi abandonado, o que vai muito além do direito
eclesiástico.
Eis, a seguir, uma ilustração das mais esclarecedoras. Tiro-a do In
memoriam do Pe. Jean Bernhard (1914-2006) publicado na Revue de Droit
Canonique 55-2, pp. 225-234.
Esse padre, doutor em teologia, foi o fundador da Revue de Droit
Canonique em 1951; ele foi por muito tempo professor de Direito
Canônico na Faculdade de Teologia Católica e no Instituto de Direito
Canônico de Estrasburgo, ele exerceu as funções de vice-oficial (em
1952) e, em seguida, de oficial (em 1956) para a diocese de
Estrasburgo até 1987. Ele foi diretor do Instituto de Direito Canônico
de 1970 a 1982. Enumero isso para mostrar que não se pode duvidar de
sua competência em matéria canônica, e que não se pode negar a ele o
fato de ter sido nomeado oficial (juiz diocesano) pela autoridade
legítima.
Sua evolução é assombrosa e, mais ainda, típica em razão da imensa
influência que esse Pe. Bernhard tinha na França (e mesmo no
estrangeiro, pois ele foi, na sequela do Vaticano II, consultor da
Comissão de Revisão do Código de Direito Canônico). Eis como Jean
Werckmeister, no In memoriam, descreve essa evolução:
“Jean Bernhard foi vice-oficial e, em seguida, oficial de Estrasburgo
durante trinta e cinco anos, de 1952 a 1987. Mas esses trinta e cinco
anos não foram lineares.
Recém-saído do Studium da Rota Romana, ele começou a carreira
judiciária de forma clássica, preocupado, como era de praxe, em
‘defender’ o matrimônio, aplicando estritamente a regra do favor do
direito. As declarações de nulidade eram raras na Igreja da época, e
as pessoas divorciadas recasadas eram tratadas sem misericórdia, pois
a elas se recusava até mesmo as exéquias cristãs.
Como ele próprio admitiu, sua atitude modificou-se no decurso dos anos
60, sob a influência do concílio, mas especialmente de seus contatos
com os interessados. Antes que ‘defender’ a instituição, ele buscava
compreender as pessoas.
Essa evolução não tinha, sem dúvida, nada de original: os tribunais em
sua maioria fizeram o mesmo, em graus diversos. A própria Rota Romana,
bem antes do novo Código, fez evoluir profundamente sua
jurisprudência, e a amizade que o ligava a muitos de seus decanos
(Mons. Jullien, Mons. [Charles] Lefebvre) não foi alheia [à] sua nova
percepção.
O que constituiu a originalidade de J. Bernhard foi que ele se
esforçou em tirar até as últimas consequências práticas e teóricas
dessa nova concepção, dita ‘personalista’. Ele definitivamente
admitira a ideia de que o matrimônio não é um contrato, mas uma
aliança. Por onde, não se tratava mais de estudar sua validade ou
nulidade, mas seu êxito ou fracasso. O matrimônio, dizia ele, é como
uma curva que tem altos e baixos. O essencial é que a tendência geral
seja rumo ao alto. Um matrimônio que, desde o início, descende
inelutavelmente, que desmorona, não é sacramental.
Na prática, ele imaginava o tribunal como um serviço da Igreja
dedicado a resolver os problemas matrimoniais dos fiéis. Antes que
‘tribunal’, ele falava de comissão. À ‘sentença de nulidade’, ele
preferia as expressões ‘decreto de liberdade’ ou ‘processo verbal
[constat (N. do T.)] de estado livre’, sendo o objetivo permitir um
recasamento na Igreja, sempre que possível. Para tanto, era preciso
fazer com que o tribunal fosse melhor conhecido. Ele organizou grandes
visitas a todos os decanatos da diocese, indo explicar aos párocos em
quais condições eles podiam lhe enviar as pessoas interessadas.
Ele fez assim de Estrasburgo um dos mais importantes tribunais da
França. Embora não sendo interdiocesano, o tribunal de Estrasburgo
teve de conhecer, nas décadas de 1970 e 1980, quase uma centena de
causas por ano em primeira instância, ou seja, um terço ou um quarto
de todas as causas acolhidas na França. Além disso, ele fazia – ele
ainda faz – as vezes de segunda instância para as causas de Metz.
Ao longo dos dez últimos anos de atividade de J. Bernhard como
oficial, de 1977 a 1986, observam-se apenas três decisões negativas
(non constare) contra 851 positivas (declarações de nulidade). Essa
proporção se explica, antes de tudo, pela triagem prévia operada pelos
párocos. Mas também pela atitude pastoral do oficial: de que serviria,
indagava-se ele, ‘encurralar’ canonicamente em um casamento que deixou
de existir e que não tem mais chance alguma de se reconstituir? Se
existe uma possibilidade canônica de resolver o seu problema, por que
não utilizá-la?
Com toda a equipe do tribunal de Estrasburgo e a de Metz, instância de
recurso, aderidas às concepções dele, a atividade prática de
J. Bernhard foi, pois, exuberante.
Ele elaborou, ao mesmo tempo, teorias novas sobre o direito
matrimonial. A mais conhecida dessas teorias é a da ‘consumação
existencial e na fé’. Não é este o lugar de expô-la, nem os debates –
e oposições – que ela suscitou. Recordemos simplesmente que ela
consiste em considerar o matrimônio na sua evolução: o matrimônio,
segundo J. Bernhard, não está consumado depois da noite de núpcias,
ele não é ‘rematado’ por um simples [ato corpóreo]. Ele se remata
pouco a pouco, à medida que se estabelece a ‘profunda comunidade de
vida e de amor’ de que fala a constituição conciliar Gaudium et Spes.
E, para os cônjuges cristãos, essa consumação não deve ter lugar
somente na existência cotidiana, mas também na fé compartilhada.
Acontece que há muito tempo já que o direito da Igreja afirma que a
indissolubilidade não está ligada à troca dos consentimentos, mas à
consumação ou à ‘perfeição’ do matrimônio [3]. Se se admite que é
preciso de tempo para rematar seu matrimônio, deve-se considerar que a
indissolubilidade não advém senão progressivamente, e que ela não se
torna canonicamente ‘absoluta’ senão quando a união está consumada
‘existencialmente’ e ‘na fé’; quando, com efeito, as duas pessoas que
formam o casal nem sequer imaginam mais poderem viver separadas.
Dito de outro modo, Jean Bernhard levava em conta duas dimensões
frequentemente esquecidas: o tempo (o matrimônio não é instantâneo,
mas incoativo) e a realidade (a união vivida concretamente é mais
importante do que o vínculo jurídico abstrato).” [Fim da citação]
Aí está o modo como, com a “boa intenção” de ajudar as pessoas que se
colocam em situações das quais não há como sair senão pela conversão
e, se for preciso, o heroísmo (a graça específica do Matrimônio é
feita para isso), subverte-se o sacramento do Matrimônio; e, além
disso, não se ajuda a ninguém, porque a maior infelicidade é o pecado,
porque o maior dos males sociais é a destruição do matrimônio, da sua
unidade, da sua indissolubilidade e da sua fecundidade.
A conclusão que se pode tirar é que pelos reconhecimentos de nulidade
dos tribunais conciliares é impossível obter a certeza de nulidade que
o cânon 1069 exige para que se possa [re]casar-se. Seja como for
quanto à legitimidade jurídica (plena ou suprida) da sentença, ela se
funda em princípios outros que não os princípios católicos (e mesmo
simplesmente naturais), ela tem como base uma outra religião que não a
religião de Jesus Cristo. É impossível levá-la em conta.
Notas
[1] Si haberi vel adiri nequeat sine gravi incommodo parochus vel
Ordinarius vel sacerdos delegatus qui matrimonio assistant ad normam
canonum 1095, 1096 :
1°/ In mortis periculo validum et licitum est matrimonium contractum
coram solis testibus ; et etiam extra mortis periculum, dummodo
prudenter prævideatur eam rerum conditionem esse per mensem
duraturam ;
2°/ In utroque casu, si præsto sit alius sacerdos qui adesse possit,
vocari et, una cum testibus, matrimonio assistere debet, salva
coniugii validitate coram solis testibus.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, O desmantelamento do Matrimônio (continuação),
4 dez. 2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, março de 2012, blogue
Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1Dx
de: “Le saccage du mariage (suite)”, blogue Quicumque, 4-XII-2012,
http://www.quicumque.com/article-le-saccage-du-mariage-suite-
113131900.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
I. INTERPRETAÇÃO DA LEI
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BIBLIOGRAFIA
ABBO, J & J. Hannon. The Sacred Canons. St. Louis: Herder 1957. 2
vols.
http://www.traditionalmass.org/blog/2007/06/25/can-an-excommunicated-
cardinal-be-elected-pope/
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Os erros de Sì Sì No No
(primeira parte)
(1996)
S. = Sì Sì No No.
_____________
APÊNDICE
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Os erros de Si Si No No (primeira parte),
1996, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-18w
de: “Gli errori di Sì Sì No No (prima parte)”, in Sodalitium, ano XII,
nov. 1996, n.º 44, pp. 51-54.
[Fonte do Apêndice mencionada no início deste.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CIX”
1. Textos essenciais em tradução inédita – CX « Acies Ordinata Disse:
(1997)
S. = Sì Sì No No.
O Papa
A propósito do Sumo Pontífice, parece que M. não creia nem na
infalibilidade do Magistério ordinário do Papa, nem que ele seja a
Regra próxima da Fé; em consequência disso, a relação entre Magistério
do Papa e Magistério dos Bispos é falseada.
a) A infalibilidade do Magistério Ordinário do Papa
M. nega explicitamente a infalibilidade do Magistério Ordinário do
Papa: “Cumpre dizer que o Papa não é infalivelmente assistido no seu
Magistério Ordinário, ainda que dirigido para toda a Igreja”. [71. S.
n.º 8, pág. 6, nota 28.] O raciocínio dele é simples: o Conc.
Vaticano, na famosa definição (citada acima em “Nota do M.O.U.”, DS
3011), afirma que a Igreja é infalível com o Magistério solene ou com
o [Magistério] ordinário e universal, e, portanto, conclui ele: “não
existem outros atos do Magistério infalível na Igreja”. [72. S. n.º 8,
pág. 3, col. 1.] M. engana-se.
Antes de tudo, porque, nesse ponto [da Const. Dei Filius], “a
Deputação da Fé não teve, de maneira alguma, a intenção de tratar, nem
direta nem indiretamente, da questão da infalibilidade do Sumo
Pontífice”, precisava Mons. Martin em 31 de março de 1870 aos Padres
Conciliares. [73. Intervenção de Mons. MARTIN, em nome da Deputação da
Fé, durante o Conc. Vaticano, em 31/3/1870. Citado por B. LUCIEN,
L’infaillibilité..., pág. 17.]
M. conhece esse discurso, dado que cita parte dele, mas cala sobre
essa frase. Como pode?
Ademais, negar a infalibilidade do Papa no seu Magistério ordinário é
grave, dado que se trata de uma conclusão teológica certa, [74. Esse
ponto é explicado muito bem pelo Rev. Pe. Noël BARBARA, in: La
Bergerie du Christ et le loup dans la Bergerie (O Redil de Cristo e o
lobo no Redil), edições Forts dans la Foi, Tours 1995, págs. 177 e
ss.] ensinada, além do mais, pelo Magistério da Igreja.
O Conc. Vaticano definiu que o Sumo Pontífice “goza daquela
infalibilidade da qual o Divino Redentor quis que a Sua Igreja
estivesse dotada” (DS 3074); com essa declaração, foram condenados os
galicanos, para os quais “o Papa é inferior à Igreja nas questões de
fé”; [75. Mansi, 49, 673; 52, 1230. In: SALAVERRI, op. cit., n. 647.]
o Papa não é, pois, de nenhum modo inferior à Igreja. Ora, a Igreja
foi dotada do modo extraordinário e ordinário de infalibilidade (DS
3011). Logo, também o Papa pode exercer a sua infalibilidade de duplo
modo.
O Sumo Pontífice tem na Igreja “toda a plenitude do poder supremo” (DS
3064): por isso, deve ter também todos os modos de exercício desse
poder supremo. Ora, o poder supremo de infalibilidade foi dado à
Igreja de modo duplo, extraordinário e ordinário. Logo, o Sumo
Pontífice tem o poder de infalibilidade também de modo ordinário, do
contrário seria preciso concluir que o supremo poder de
infalibilidade, ao menos no modo como é exercido, seria mais restrito
no Papa do que na Igreja. Isso não pode ser, dado que o Papa tem toda
a plenitude do poder supremo sem nenhuma limitação.
O Sumo Pontífice tem o triplo poder de governar, ensinar, santificar.
Se o ensinamento dele fosse infalível só quando define solenemente,
seria então muito raro; muitos Pontífices não o haveriam jamais
utilizado, nunca haveriam desempenhado o papel de “confirmar os
irmãos”, e os fiéis não teriam recebido do Cabeça da Igreja, do
Vigário de Cristo, nenhum ensinamento certo. Isso repugna à estrutura
da Igreja e às promessas de Nosso Senhor a São Pedro. Durante o Conc.
Vaticano, Mons. Gasser assim respondia a quem afirmava que o
Pontífice, ao dar definições, devesse observar uma determinada forma:
“Isso não pode ser feito, de fato não se trata de uma coisa nova. Já
milhares e milhares de juízos dogmáticos foram emanados pela Sé
Apostólica; mas onde algum dia existiu o cânone que prescreve a forma
a ser observada em tais juízos?” [76. Mons. GASSER, Explicação à 84ª
Congregação Geral, 11-7-1870, Mansi 52, 1215.].
Pio XI:
“O Magistério da Igreja – que por divina Providência foi estabelecido
no mundo a fim de que as verdades reveladas se conservassem sempre
incólumes e com facilidade e segurança chegassem ao conhecimento dos
homens – embora seja exercido todos os dias pelo Romano Pontífice e
pelos Bispos em comunhão com ele, tem também o ofício (munus) de
proceder oportunamente à definição de algum ponto de doutrina com
ritos e decretos solenes, caso surja a necessidade de resistir mais
eficazmente aos erros e aos ataques dos hereges ou então de imprimir
nas mentes dos fiéis pontos de sacra doutrina explicados com maior
clareza e precisão”. [77. PIO XI, Mortalium animos, 6/1/1928, DS 3683,
I.P. 871.]
Desse texto deduz-se que o Magistério é um só, com dois modos de
expressão. Pio XII:
“Nem se deve considerar que os ensinamentos das Encíclicas não exijam,
por si mesmos, o nosso assentimento, com o pretexto de que os
Pontífices não exercem aí o poder de seu Magistério Supremo. Na
realidade, esses ensinamentos são do Magistério ordinário, para o qual
também valem as palavras: ‘Quem vos ouve, ouve a Mim’ (Lc X, 16);
ademais, a maior parte do que é proposto e inculcado nas Encíclicas já
é, por outras razões, patrimônio da doutrina católica. Portanto, se os
Sumos Pontífices em seus atos emanam de caso pensado uma sentença em
matéria até então controversa, é evidente para todos que essas
questões, segundo a intenção e a vontade dos mesmos Pontífices, não
podem mais ser objeto de livre discussão entre os teólogos”. [78. PIO
XII, Humani Generis, 12-8-1950, I.P. n. 1280.]
Ainda Pio XII:
“Não é, porventura, o Magistério… o primeiro ofício da Nossa Sé
Apostólica? (…) Na Cátedra de Pedro Nós nos sentamos unicamente porque
Vigário de Cristo. Nós somos o Seu Representante na terra; somos o
órgão por meio do qual faz ouvir a Sua voz Aquele que é o único Mestre
de todos (Ecce dedi verba mea in ore tuo [N. do T. – ‘Eis que ponho as
minhas palavras na tua boca’], Jer. 1, 9)”. [79. PIO XII, Commossi, 4-
11-1950, I.P. n. 1295.]
Foi justamente usando o Magistério Ordinário que Leão XIII definiu a
questão sobre a validade das ordenações anglicanas; Pio XII, sobre o
uso dos assim chamados “métodos naturais” [80. Pe. N. BARBARA, op.
cit., pág. 158.] e sobre e matéria e forma do Sacramento da Ordem.
b) O Papa é Regra próxima da Fé
É uma verdade ensinada pelo Magistério da Igreja, bem como pela
unanimidade dos teólogos. Referimos os leitores ao artigo que saiu no
número precedente de Sodalitium [81. Sodalitium n.º 44, págs. 48-49
(“A regra de nossa fé”, já citado).].
É também uma conclusão lógica da infalibilidade do Magistério
Ordinário do Papa: se de jure não pode errar, todos – Bispos e fiéis –
devem abraçar a doutrina que ele ensina.
M. afirma que o Papa é a Regra viva da Fé somente com o magistério
solene, [82. S. n.º 8, pág. 6, nota 24: no texto francês é chamado de
“extraordinário”.] não com o Magistério Ordinário, caso contrário,
“isso significaria – diz ele – que o depósito da fé se encontra no
magistério do Papa vivo: o que é próximo da heresia”. [83. S. n.º 8,
pág. 6, nota 24.]
Mas uma coisa é o Depósito da Fé, outra é a Regra que permite
discernir o que é que está contido e o que é que se opõe a esse
Depósito. Vimos que o Magistério da Igreja ensina o contrário, como
por exemplo no Catecismo de São Pio X:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé”. [84. São PIO X, Catecismo
Maior, Breve História da Religião, Milão: ed. Ares, 1991, pág. 290.]
Portanto, se a Regra da Fé se encontra também na disciplina que o Papa
impõe-nos, com maioria de razão se encontra no seu Magistério
Ordinário.
Não tendo entendido isso, M. falseia, além do pensamento de Vacant,
também o de Dom Gréa: “Para ele, diz M., o depósito da fé está sempre
no Magistério Ordinário do Romano Pontífice, que o comunica
incessantemente ao corpo episcopal… Essa tese é rejeitada por Vacant”.
[85. S. n.º 8, pág. 7, nota 31.]. Dom Gréa, pelo contrário, afirma que
o Papa nos ensina quais são as verdades reveladas por Nosso Senhor, e
que os Bispos recebem o ensinamento dele para transmiti-lo aos fiéis:
“Como poderemos dizer que Jesus Cristo falará na Igreja? (…) Ele
proveu-a com a instituição de um Vigário que é o Seu órgão permanente,
o guardião e o pregador infalível da sua palavra, e ‘em redor do qual’
[86. “Santo Inácio de Antioquia chama os Apóstolos de ‘aqueles em
redor de Pedro’ Epist. ad Smyrn., n. 13. Essa expressão significa
entre os gregos a corte do soberano e a dependência do seu séquito”:
nota no texto de Dom Gréa.] todos os Bispos se reúnem, unem-se a ele e
recebem dele o poder de formar, com ele e por meio dele, um só e único
magistério da Igreja universal”. [87. DOM A. GRÉA, op. cit., Tomo
primeiro, l. I, cap. VI, § 2, pág. 82. Ver também l. II, cap. 2, § 3,
pág. 145-146.]
Dom Gréa está falando, pois, de Magistério, e não de Depósito da Fé.
No que se refere a Vacant, demonstramos nas págs. 31 e 35-6 que M. não
apresenta objetivamente o pensamento dele.
c) Relação entre Magistério do Papa e Magistério dos Bispos
M. afirma que o Papa goza somente de uma assistência divina maior que
a dos Bispos. [88. S. n.º 8, pág. 5, col. 1; n.º 9, pág. 1, col. 1.]
Respondemos: entre Papa e Bispos há distinção essencial e não de grau,
o Papa tem verdadeiramente uma assistência única por parte do Espírito
Santo, a qual os Bispos, considerados individualmente, não possuem.
Segundo M., o Magistério Ordinário do Papa e o M.O.U. não estão no
mesmo nível: “É falso equiparar, como faz Dom Nau, o Magistério
Ordinário Pontifício dirigido a toda a Igreja ao Magistério Ordinário
Universal”. [89. S. n.º 8, pág. 5, col. 3; pág. 6, nota 8.]
Respondemos que ambos estes Magistérios são infalíveis. A distinção
consiste somente nisto: a infalibilidade do M.O.U. foi definida
solenemente, a do Papa é conclusão teológica certa.
Para M., a teologia romana cometeu um erro: considerar que o
Magistério dos Bispos é reflexo do Magistério romano. [90. S. n.º 8,
pág. 5, col. 2; pág. 6, nota 5.] “Os Bispos são… o eco da doutrina
apostólica, não da doutrina romana”. [91. S. n.º 8, pág. 5, col. 2.]
Para começar, M. se contradiz, pois ele próprio afirma que o
obscurecimento do M.O.U. (coisa para ele possível) é causado pela
“falha da Sé de Pedro”. [92. S. n.º 9, pág. 5, nota 55.] Além disso,
vimos a propósito da Regra da Fé que também os Bispos são instruídos
pelo Papa, o qual tem a função de confirmá-los na Fé. Como São Pedro
era o Cabeça dos Apóstolos, assim também o Sumo Pontífice é Cabeça dos
Bispos.
M. reconhece que o Papa tem o poder de “jurisdição universal”, mas
inexplicavelmente não lhe reconhece o Primado na “função doutrinal”, a
potestas docendi: uma tal maneira de ver as coisas seria, diz ele,
perigosa, pois “leva a enxergar no Sumo Pontífice antes de tudo uma
função doutrinal”. [93. S. n.º 8, pág. 6, nota 24.] O oposto ensina
Leão XIII:
“É à Santa Sé, em primeiro lugar, e também, sob sua dependência, aos
outros pastores estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a
Igreja de Deus, que pertence de direito o ministério doutrinal. A
parte dos simples fiéis se reduz a um só dever: aceitar os
ensinamentos que lhes são comunicados, conformar a estes sua conduta e
secundar as intenções da Igreja”. [94. LEÃO XIII, In mezzo, 4-11-1884,
I.P. n. 458.]
O Concílio do Vaticano definiu:
“Ensinamos, pois, e declaramos que (…) este poder de jurisdição do
Romano Pontífice, sendo verdadeiramente episcopal, é imediato:
portanto, os pastores e fiéis de todas as dignidades e de todos os
ritos, tanto individualmente como todos em conjunto, têm o dever da
subordinação hierárquica e verdadeira obediência, não só nas coisas
referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à
disciplina e ao governo da Igreja espalhada por toda a terra. De modo
que, conservando a unidade de comunhão e de profissão da mesma fé com
o Romano Pontífice, a Igreja de Cristo seja um só redil sob um único
Sumo Pastor (Jo 10, 16). Esta é a doutrina da verdade católica, da
qual ninguém pode afastar-se sem perigo para a própria fé e a própria
salvação.” [95. Conc. Vat., Const. Pastor Aeternus, 18/7/1870, DS
3060.]
Vimos, a propósito da nota teológica do M.O.U., que Mons. d’Avanzo
ensinava:
“Por isso, como o Espírito Santo, espírito de verdade, reside na
Igreja todos os dias; assim também, todos os dias a Igreja ensina as
verdades de fé com a assistência do Espírito Santo. Ensina todas
aquelas coisas que são, ou já definidas, ou contidas explicitamente no
tesouro da Revelação mas não definidas, ou cridas implicitamente:
todas essas verdades a Igreja as ensina cotidianamente, quer por meio
do Papa principalmente, quer por meio de todos os Bispos que aderem ao
Papa. Todos, Papa e Bispos, são infalíveis nesse magistério ordinário
com a própria infalibilidade da Igreja: diferem somente nisto, que os
Bispos não são infalíveis por si sós, mas precisam da comunhão com o
Papa, pelo qual são confirmados; o Papa precisa somente da assistência
do Espírito Santo que lhe foi prometida (…).” [40. Mansi 52, 763 D9-
764 C7. Texto publicado pelo Padre Bernard LUCIEN, L’infaillibilité du
Magistère ordinaire et universel de l’Eglise (A infalibilidade do
Magistério ordinário e universal da Igreja), Documents de Catholicité,
1984, págs. 21-3.]
d) Extensão da infalibilidade
M. sustenta que a assistência ao Papa varia de acordo com as pessoas a
quem ele se dirige: “É certamente maior quando ele se dirige à Igreja
Universal do que quando se dirige a uma nação; é menor se dirigido aos
batizados da diocese de Roma, menor ainda se voltado para um grupo de
peregrinos”. [96. S. n.º 8, pág. 5, col. 1.]
Isso é falso; pouco importa a quem se dirige o Papa: se a doutrina que
ele ensina vale para toda a Igreja, ela é infalível. De resto, não
existem “graus” na assistência do Espírito Santo: ou ela está presente
e então preserva do erro, ou então não existe.
Ademais, o próprio M. se contradiz sucessivamente: de fato ele afirma,
e isto é verdade, que uma Carta do Sumo Pontífice, embora endereçada a
um Patriarca, concerne de fato à Igreja universal e, portanto,
constitui Magistério Ordinário Pontifício. [97. S. n.º 9, pág. 5, nota
48.] Gregório XVI, dirigindo-se ao Bispo de Friburgo, ensinou:
“[O que Nós dizemos] é conforme aos ensinamentos e pareceres que já
conheceis, ó venerável Irmão, por tê-los aprendido pelas Nossas Cartas
ou Instruções escritas a diversos Arcebispos e Bispos, ou nas Cartas
do Nosso predecessor Pio VIII, publicadas por ordem dele ou Nossa.
Pouco importa se essas Instruções foram endereçadas somente a algum
Bispo que requisitara informações à Sé Apostólica: como se aos outros
Bispos fosse concedida a liberdade de não se ater a essas decisões!”
[98. GREGÓRIO XVI, Non sine gravi, ao Bispo de Friburgo, 23/5/1846,
I.P., vol. I, n. 190.]
Do mesmo modo, Pio XII definiu uma questão de moral em discurso às
parteiras. [80. Pe. N. BARBARA, op. cit., pág. 158.]
Outro erro de M. está em considerar que “um ato magisterial isolado do
Papa” não é infalível: é preciso que tal ensinamento seja constante,
de “longa duração”. [99. S. n.º 8, pág. 5, col. 1.] Já respondemos a
essa teoria: M. reduz a infalibilidade do Magistério a um argumento
apologético, o da Tradição.
O absurdo dessa afirmação é evidente: quando São Pio X condenou os
modernistas, tratando-se de um documento “isolado” (o primeiro), teria
sido lícito duvidar de sua infalibilidade! O mesmo ocorre quando Pio
XII condenou a “nouvelle théologie” na Humani Generis, ou quando Leão
XIII definiu a invalidade das Ordenações anglicanas!
Respondemos com Santo Agostinho: “Roma locuta, causa finita”. [100.
Serm. 131, 10, 10.]
e) “Erros” dos Sumos Pontífices
No ensinamento do Papa pode haver um erro material, que não tem
influência alguma na fé ou na moral. Pode haver, além disso, coisas
mais ou menos oportunas, conforme a prudência do ato: nesse caso, não
cabe a nós julgar; serão, em seguida, os Papas subsequentes que
decidirão eventualmente de maneira diversa; mas não pode haver,
jamais, no ensinamento do Papa algo de nocivo à fé ou à moral.
M., pelo contrário, depois de haver diminuído a infalibilidade do
Magistério Ordinário do Papa, termina negando-a, como fez
anteriormente com o M.O.U. “Papas – diz ele – podem dar um magistério
imprudente, daninho para a fé ou errôneo”, [101. S. n.º 9, pág. 3,
col. 1; pág. 1, col. 1; n.º 8, pág. 5, col. 1.] uma Encíclica pode ser
“gravemente nociva ao bem da Igreja”. [102. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.]
Não nos detemos na palavra “imprudente”, mas M. não tem o direito de
afirmar o restante, se pretende ser católico. Com efeito, a Igreja
condenou as mesmíssimas expressões utilizadas pelo Concílio de
Pistóia, segundo o qual na disciplina da Igreja pode haver algo de
“perigoso ou nocivo”. [103. PIO VI, Auctorem fidei, 28-8-1794, DS
1578.]
Ora, se nem sequer na disciplina pode ocorrer coisa do gênero, a
fortiori no ensinamento do Papa! Assim também, a Igreja reivindicou a
infalibilidade nos decretos litúrgicos, [104. DS: 1198-1200, 1645,
1657, 1727-34, 1745-59, 3315-9.] que são menos importantes que os
decretos doutrinais do Sumo Pontífice.
M. até mesmo afirma que “aconteceu de fato” de a Igreja Romana ter
ensinado “um erro” e prescrito “um mal”, [105. S. n.º 8, pág. 5, col.
2.] contradizendo assim o ensinamento do Conc. Vat.:
“(…) Esta Sé de Pedro permanece sempre imune de todo erro, segundo a
promessa divina de Nosso Senhor… Esse carisma de verdade e de fé
jamais defectível, foi concedido por Deus a Pedro e aos seus
sucessores nesta cátedra, para que exercessem este seu altíssimo
ofício para a salvação de todos, para que o universal rebanho de
Cristo, afastado por obra deles da isca envenenada do erro, fosse
nutrido com o alimento da doutrina celeste, e, eliminada toda ocasião
de cisma, toda a Igreja fosse conservada na unidade e, apoiada no seu
fundamento, se erguesse inexpugnável contra as portas do inferno.”
[106. Pastor Aeternus, DS 3070 e 3071.]
Leão XIII, Satis Cognitum:
“…Jesus Cristo instituiu na Igreja um magistério vivo, autêntico e,
ademais, perpétuo, que Ele investiu da Sua própria autoridade,
revestiu do Espírito de verdade, confirmou por milagres, e quis e
severissimamente ordenou que os ensinamentos doutrinais desse
magistério fossem recebidos como os Seus próprios. Todas as vezes que
a palavra desse magistério declara que esta ou aquela verdade faz
parte do conjunto da doutrina revelada por Deus, todos devem crer com
certeza que isso é verdadeiro; pois, se de algum modo isso pudesse ser
falso, daí se seguiria, coisa evidentemente absurda, que o próprio
Deus seria o autor do erro dos homens… Os Padres do Concílio Vaticano
não publicaram, pois, nada de novo, mas só fizeram conformar-se à
instituição divina, à antiga e constante doutrina da Igreja e à
natureza mesma da fé, quando formularam este decreto: ‘Devem-se crer
com fé divina e católica…’ [segue a citação do Cap. 3 da Dei Filius,
DS 3011, N. do A.]” [107. I.P., vol. I, n. 571-2.].
É evidente que Leão XIII dá aqui uma interpretação autêntica da
definição conciliar.
Passemos agora à lista dos “erros” que, segundo M., teriam cometido os
Papas. [108. S. n.º 9, pág. 2, col. 3; pág. 3, col. 1.]
Notemos desde já que defensores da possibilidade de “error facti” da
parte do Sumo Pontífice, no dizer do DTC, foram os jansenistas, os
galicanos e os anti-infalibilistas no Conc. Vaticano. [109. DTC,
Dictionnaire de Théologie Catholique (Dicionário de Teologia
Católica), verbete “Honorius Ier” (Honório I), col. 125-6. Recordemos
que o DTC está longe de ser de orientação “romana”.] Tais são os
precursores de M.!
Ele afirma ter tirado muitos exemplos de Journet. [110. S. n.º 9, pág.
5, nota 51: JOURNET, L’Eglise du Verbe Incarné (A Igreja do Verbo
Encarnado), t. I, pág. 428, excurso 5. A referência exata é: Tomo I,
cap. IV, págs. 347-51 e cap. VII, págs. 428-33. Desclée de Brouwer,
Paris, 1941. O caso de Clemente XIV não conseguimos encontrar.] Tomar
Journet como guia nessas matérias é tomar um péssimo guia. Journet
efetivamente introduziu na teologia a mentalidade liberal de Maritain
e de Paulo VI, o qual, não por acaso, deu-lhe o chapéu cardinalício.
Quanto ao fato de que Honório teria excomungado São Sofrônio, [108. S.
n.º 9, pág. 2, col. 3; pág. 3, col. 1.] já vimos que é falso (no
parágrafo sobre imprecisões e falsificações).
São Pedro, “impelido por motivos humanos, dá o exemplo oposto àquilo
que ele próprio havia prescrito”, diz M.. [111. S. n.º 9, pág. 4, nota
37.] Mas trata-se de comportamento e não de ensinamento de São Pedro!
João XII concede a Fócio estar em comunhão com ele: [108. S. n.º 9,
pág. 2, col. 3; pág. 3, col. 1.] o próprio M. admite que o Papa foi
enganado. M. aduz esse exemplo para provar que o Papa pode enganar-se
quando concede a um Bispo a comunhão: só que isso não pertence ao
Magistério.
M. se serve desse caso para introduzir a questão de uma excomunhão
cominada injustamente pelo Papa. [112. S. n.º 9, pág. 5, nota 49.]
Tenha-se presente que, inclusive nesses casos, raros, todos os fiéis
devem crer que a excomunhão é justa (DS 1272), e o excomungado deve
submeter-se tanto interiormente quanto exteriormente (CJC cân. 2219
§2).
Atanásio e Papa Libério na crise ariana: M., que cita esse episódio
nada menos que sete vezes, acusa o Papa Libério de ter sido favorável
aos arianos. Isso é completamente falso. Libério foi acusado pelos não
católicos de ter assinado uma profissão de fé ariana ou filo-ariana.
Respondemos a essa acusação:
1.° não há certeza de que o Papa Libério tenha assinado algo;
3.° o que quer que Libério tenha assinado, se é que o fez, ele o teria
feito durante o exílio, enquanto era prisioneiro do imperador: ora, um
documento extorquido em cativeiro não tem valor nenhum;
Indefectibilidade da Igreja
A Igreja Católica é indefectível, segundo a promessa de Nosso Senhor
feita a São Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,
18). Porque a Igreja Católica foi instituída por Deus, nunca pode
falhar; ela é, dizia São Pio X, “indefectível em sua essência, unida
com vínculo indissolúvel com seu Esposo”. [127. S. PIO X, Iucunda
sane, 12-3-1904, I.P. 667.]
M. nega praticamente o dogma da indefectibilidade: para ele a Igreja é
apenas “quase” indefectível, frequentemente… mas nem sempre! Sustenta
que a “deficiência da Igreja romana” [128. S. n.º 8, pág. 4, col. 3.]
é possível, pois as promessas feitas por Nosso Senhor valem “fora dos
períodos excepcionais de grave crise”; [129. S. n.º 9, pág. 1, col.
3.] “as promessas de indefectibilidade de Nosso Senhor feitas à sua
Igreja garantem uma coisa só: a relativa raridade e a relativa
brevidade dessas graves crises”; [130. S. n.º 8, pág. 6, nota 22.] a
Igreja em alguns momentos da história pôde “perder a verdade”. [131.
S. n.º 9, pág. 2, col. 3.]
Exemplos históricos: a crise ariana, na qual a Igreja teria falhado
durante bons “30 anos”; [132. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.] o “grande
cisma do Ocidente: 50 anos”; [133. S. n.º 9, pág. 5, nota 56.] sob o
Pontificado de Leão XIII houve “a ‘opacização’ da Igreja: ela não
deixa mais ver Nosso Senhor Jesus Cristo”: [134. S. n.º 9, pág. 3,
col. 2.] já examinamos todos esses exemplos nas págs. 37 e 42-44.
Para M., a defectibilidade invade tanto o M.O.U., quanto o Papa. [135.
S. n.º 9, pág. 2, col. 1 e 2; pág. 3, col. 1 e 2.]
Respondemos que, tendo Deus instituído uma religião e dotado-a de um
Magistério infalível, este último deve permanecer tal, perenemente,
sem interrupção.
“E porque – ensina Leão XIII – a Igreja é tal por beneplácito e
instituição divinos, tal deve permanecer ela perpetuamente; se não
permanecesse sempre, não seria certamente fundada para a
imortalidade”. [136. LEÃO XIII, Satis Cognitum, 29-6-1896, I.P. n.
544.]
A Teologia Romana
Todos sabem que a Igreja de Roma é Mãe e Mestra de todas as Igrejas, e
que a teologia fiel a Roma e ao seu Bispo é a mais próxima da doutrina
da Igreja.
Justamente Dom Lefebvre, grande defensor dos teólogos romanos, como
por exemplo da escola de Solesmes, [137. R. WILTGEN, Le Rhin se jette
dans le Tibre, Ed. du Cèdre, 1976, pág. 243 (cf. trad. br. O Reno se
lança no Tibre: o Concílio desconhecido, Niterói/RJ: Permanência,
2007, p. 249. – N. do T.).] vê-se agora com um descendente que ataca a
teologia romana!
É a contraprova de que, para defender a posição a FSPX, é preciso
andar na contramão da boa teologia.
M. atacou o Papa e a sua indefectibilidade; deve logicamente atacar
também a Teologia Romana. “O alcance da autoridade [do Papa] parece-
nos ser frequentemente exagerado por teólogos desejosos de concentrar
toda a autoridade eclesiástica no Papa”. [138. S. n.º 8, pág. 4, col.
3.] Respondemos, como já se disse sobre a relação entre Papa e Bispos,
que o Conc. Vatic. definiu que na Igreja o Papa tem a autoridade
suprema e monárquica:
“Esta é a doutrina da verdade católica, da qual ninguém pode afastar-
se sem perigo para a própria fé e a própria salvação”. [139. Conc.
Vat., Const. Pastor Aeternus, 18/7/1870, DS 3060.]
M. insiste: “Certos teólogos embora dignos de estima” caíram na
tentação e cometeram erros implícitos “que não são sem consequências”.
“E assim as fulgurantes declarações de romanidade de Solesmes, na
linha de Dom Nau, é [sic] desaguada na infidelidade a Cristo, pois
eles pensaram ser melhor arriscar de estar contra Cristo com o Papa,
do que estar com Cristo contra o Papa”. [140. S. n.º 8, pág. 5, col.
3.] Um protestante não falaria diferentemente: para ser fiel a Cristo
cumpre estar contra o Papa.
Além de Solesmes, M. ataca muitas vezes alguns teólogos romanos como:
Dom Nau, [141. S. n.º 8, pág. 6, notas 5, 6, 24.] Dom Gréa, [142. S.
n.º 8, pág. 6, notas 24 e 31.] Billot. [143. S. n.º 8, pág. 6, nota
28.] Ao contrário, cita sem nenhuma reserva progressistas como Von
Hildebrand, [144. S. n.º 8, pág. 6, nota 21: foi o iniciador da nova
teologia sobre o matrimônio.] Journet, [145. S. n.º 9, pág. 3, col.
1.] Congar [146. S. n.º 9, pág. 5, nota 41.] ou um galicano como
Bossuet. [147. S. n.º 9, pág. 5, nota 47.]
O que dizer? Para convencer M., mais que a autoridade dos Papas, dos
Bispos, dos teólogos católicos, valham as palavras do diretor de Sì Sì
No No, que disse: “O complexo anti-romano é próprio dos modernistas”!
[148. Trata-se do discurso de abertura do Congresso Teológico,
proferido pelo Pe. E. du Chalard de Taveau, Diretor de S., em
homenagem a Mons. Francesco Spadafora. Temos sob os olhos o texto
francês: Église et Contre-Église..., pág. 11.]
Assim Sì Sì No No, fundado por Dom Putti para ser um jornal
“antimodernista”, acolhe, como o testemunha implicitamente seu
Diretor, artigos de evidente tendência modernista!
Disciplina atual
1) O Bispo-farol
Como comportar-se na época atual? M. tem uma resposta: nos períodos de
crise, o Episcopado desempenha “uma ação particular”; [149. S. n.º 9,
pág. 4, col. 2 e 3.] “Em caso de crise, é por vezes… um Bispo-farol
que serve de referência”. [150. S. n.º 9, pág. 5, nota 47.]
Nós sabíamos que há um único farol da verdade, o Papa (Pe. Vallet). M.
nos informa de que este pode errar, ao passo que o outro não:
“Momentaneamente, pode ser farol para a Igreja, mais do que o
magistério do Papa, o magistério de um Bispo venerável”. [151. S. n.º
8, pág. 5, col. 2.] M. inaugura assim uma nova teologia que podemos
chamar de “episcopaliana-marinheira”. Mas, o que é grave, ele inaugura
uma nova Regra da Fé, não mais aquela objetiva dada por Nosso Senhor,
o Magistério infalível de Pedro, mas uma subjetiva e falível: “um
Bispo do qual a experiência terá demonstrado que merece confiança, e,
uma vez concedida essa confiança, [cumpre] aceitar o ensinamento
dele”. [152. S. n.º 9, pág. 4, col. 2.]
Desse modo M. imita os jansenistas, que antepunham a autoridade de um
Padre da Igreja, Santo Agostinho, à do Magistério infalível; M.
antepõe a autoridade do Bispo-farol, escolhido pela própria
experiência. Dentre os Bispos-faróis do passado M. indica-nos Bossuet,
que teve de ser calado, também ele, quando defendeu teses galicanas.
[153. DS 2281 e ss.] Dentre os Bispos-faróis de hoje, M. não diz, mas
fica claro que se trata de Dom Lefebvre e dos bispos por ele sagrados
em 1988.
Portanto, não vale mais o ditado: “ubi Petrus ibi Ecclesia”, mas “ubi
pharus ibi Ecclesia”!
Como já vimos no parágrafo sobre as falsificações, M. baseia a sua
tese “na função extraordinária do Episcopado”, falseando o pensamento
de Dom Gréa. Nos períodos de crise, segundo M., os Bispos podem agir
independentemente do Papa; já para Dom Gréa, pelo contrário:
“os Bispos, sempre dependentes, nisto como em tudo o mais, do Sumo
Pontífice e agindo em virtude da comunhão dele, ou seja recebendo dele
todo o poder deles, fazem uso dessa faculdade para a salvação do
povo”. [154. Dom A. GRÉA, op. cit., págs. 218-219.]
M. dá a entender que os bispos consagrados por Dom Lefebvre, tais como
o Bispo-farol, têm uma “jurisdição suprida”. [155. S. n.º 9, pág. 4,
col. 3.] Respondemos que tais bispos não têm jurisdição nenhuma, pois
nunca foram nem diocesanos nem titulares, logo não possuem a
“solicitude pela Igreja universal”; ademais, tampouco Dom Lefebvre
jamais teve, nem jurisdição fora de sua diocese (da qual esteve
privado a partir de 1962), nem magistério.
A jurisdição na realidade vem do Papa e não dos fiéis.
2) A Fé dos fiéis é mais segura que o ensinamento dos pastores
A doutrina católica ensina que a Igreja docente (Ecclesia docens),
formada pelo Papa e pelos Bispos, é infalível porque assistida pelo
Espírito Santo; os fiéis (Ecclesia discens) têm uma infalibilidade no
ato de crer, devida ao ensinamento infalível que receberam.
M. subverte essa ordem e afirma que os fiéis têm uma fé infalível
independente dos seus Pastores. “Em períodos de crise a fé dos fiéis
pode ser, para conhecer um ponto de fé, critério mais seguro do que o
ensinamento atual dos Pastores”; [156. S. n.º 9, pág. 2, col. 1.] até
mesmo, é mais fácil consultar “a fé da ‘Ecclesia credens’” do que a
Igreja docente. [157. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.]
Como prova da sua afirmação, M. faz referência a uma tese de
Franzelin. [158. S. n.º 9, pág. 4, nota 38.] Leiamo-la:
“A esse magistério perpétuo, indefectível e infalível, pela
instituição mesma de Cristo, corresponde uma perpétua ‘obediência da
fé’ por parte dos fiéis. Logo, assim como o Espírito Santo conserva
sempre imune de erro a pregação e a atestação [testificazione (N. do
T.)] na unidade dos Pastores e dos Doutores; assim também por meio
dessa mesma infalível atestação dos docentes [Ecclesia docens], Ele
conserva sempre imune de erro a fé dos que são ensinados [Ecclesia
discens], os quais, mediante a obediência da fé, permanecem no
consenso e na comunhão com a unanimidade dos Pastores: Cristo é o
Verbo do Pai; os Bispos…estão na mente de Cristo; os fiéis, no juízo
dos Bispos”. [159. I. B. FRANZELIN, op. cit., sectio prima, c. II, T.
XII, pág. 97.]
M. afirma, além disso, que Franzelin dá muitos exemplos probantes de
que a fé dos fiéis é mais segura do que o consenso dos Bispos: pelo
contrário, os exemplos ilustrados por Franzelin (pág. 104) referem-se
aos casos de Bispos individuais que erravam, enquanto os fiéis
permaneciam na fé. Somente nesse sentido a fé dos fiéis pode ser mais
segura que a de alguns Bispos (mesmo muitos, mas nunca todos, se estão
unidos a Pedro): e isso somente porque esses fiéis crêem no que
receberam da Igreja docente.
Mais uma vez, M. altera o pensamento dos autores para as necessidades
da causa. Reproduzimos novamente o ensinamento de Leão XIII:
“É à Santa Sé, em primeiro lugar, e também, sob sua dependência, aos
outros Pastores estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a
Igreja de Deus, que pertence de direito o ministério doutrinal. A
parte dos simples fiéis se reduz a um só dever: aceitar os
ensinamentos que lhes são comunicados, conformar a estes sua conduta e
secundar as intenções da Igreja”. [160. LEÃO XIII, In mezzo, 4-11-
1884, I.P. n. 458.]
Conclusão
M. poderia objetar ter de algum modo afirmado a doutrina católica em
algumas frases que lhe contestamos. Contudo, ainda que assim fosse,
ele a esvaziou de seu significado por de fato negá-la. Também os
arianos afirmavam que “Jesus é Deus”, mas na realidade pensavam que
era criatura de Deus.
M. mudou a noção de infalibilidade: é infalível somente aquilo que de
fato (e não também de direito) não erra. Assim, ele substituiu, como
critério da Fé, o Magistério infalível do Papa e dos Bispos, pela
Tradição, interpretada por ele próprio, pelos fiéis, por um Bispo-
farol, em suma: por um critério subjetivo. Nisso ele se avizinha das
teses dos cismáticos “ortodoxos”, para os quais a Tradição é a regra
próxima da fé (e não a regra remota). Avizinha-se também dos
jansenistas, ao recusar o Magistério vivo da Igreja, e se avizinha dos
galicanos, ao negar praticamente sua infalibilidade.
M. quer diminuir a infalibilidade do Papa [legítimo] e dos Bispos, e
provar que se pode desobedecer-lhe, para em seguida pedir-nos um ato
de fé cego no “Bispo-farol”, no líder carismático, que de fato nunca
se engana. Nós preferimos obedecer ao Papa, ao verdadeiro que tem
autoridade: preferimos nos conformar aos seus ensinamentos antes que
aos de algum outro, seja quem for.
“O Papa é o guardião do dogma e da moral; é o depositário dos
princípios que formam honestas as famílias, grandes as nações, santas
as almas; é o conselheiro dos príncipes e dos povos; é o cabeça sob o
qual ninguém deve sentir-se tiranizado, pois representa a Deus mesmo;
é o pai por excelência, que em si reúne tudo o que pode haver de
amável, de tenro, de divino. Parece incrível, e é também doloroso, que
haja sacerdotes aos quais se deva fazer esta recomendação, mas
estamos, porém, em nossos dias, nesta dura e infeliz condição de dever
dizer a sacerdotes: amai o Papa! E como se deve amar o Papa? Non verbo
neque lingua, sed opere et veritate [N. do T. – “Não de palavra e com
a língua, mas por obra e em verdade”.] (I Jo 3, 18). Quando se ama uma
pessoa, procura-se executar as suas vontades, realizar os seus
desejos. E se Nosso Senhor Jesus Cristo dizia de Si: si quis diligit
me, sermonem meum servabit [N. do T. – “Se alguém me ama, guardará a
minha palavra”.] (Jo 14, 23), assim, para demonstrar o nosso amor ao
Papa, é necessário obedecer-lhe. Pois quando se ama o Papa, não se
discute acerca do que Ele dispõe ou exige, ou até onde deve chegar a
obediência, e em quais coisas se deve obedecer; quando se ama o Papa,
não se diz que ele não falou claro o bastante, como se Ele fosse
obrigado a repetir perto do ouvido de cada um aquela vontade
claramente expressada tantas vezes, não só de viva voz como com cartas
e outros documentos públicos; não se põem em dúvida as suas ordens,
aduzindo o fácil pretexto de quem não quer obedecer, de que não é o
Papa quem manda, mas aqueles que o rodeiam; não se limita o campo em
que Ele pode e deve exercer a sua autoridade; não se antepõe à
autoridade do Papa a de outras pessoas, por mais doutas que sejam, que
dissentem do Papa, as quais, se são doutas, não são santas, pois quem
é santo não pode dissentir do Papa.”
São as palavras de São Pio X. [161. S. PIO X, Vi ringrazio, aos
membros da União Apostólica, 18/12/1912, I.P. 750-2.] A Fraternidade
que leva o seu nome deveria especialmente meditar, e fazer meditarem
os cristãos que a seguem, essas palavras.
“Pois bem, nesta única Igreja de Cristo ninguém está, assim como
ninguém persevera, sem reconhecer e acatar com a obediência a Suprema
autoridade de Pedro e de seus legítimos sucessores.” (PIO XI,
Mortalium animos, I.P. 873.).
“O critério primeiro e máximo da fé, a regra suprema e inabalável da
ortodoxia é a obediência ao Magistério sempre vivo e infalível da
Igreja, constituída por Cristo columna et firmamentum veritatis,
coluna e sustento da verdade.” (S. PIO X, Con vera soddisfazione, 10-
5-1909, I.P. 716.)
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Os erros de Sì Sì No No – 2.ª parte: o
Magistério segundo o Abbé Marcille, 1997, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, dez. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-19i
de: “Gli errori di Sì Sì No No. Seconda Parte: il Magistero secondo
l’abbé Marcille”, in Sodalitium, ano XIII, n.º 45, abr. 1997, pp. 30-
49.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Uma resposta para “Textos essenciais em tradução inédita – CX”
1. AJBF Disse:
A regra da nossa fé
(1996)
O Depósito da Revelação
Sabemos que Nosso Senhor instituiu a Igreja dotando-a de um Magistério
infalível para conservar fielmente a doutrina revelada e para declará-
la infalivelmente (Conc. Vat., DS 3020). Ora, a Revelação se encerrou
de maneira definitiva com a morte do último Apóstolo, São João. Por
isso, é justo perguntar-se: hoje onde se pode encontrar o Depósito da
Revelação, ou seja, tudo aquilo que Deus revelou desde o início da
criação até à morte de São João? Noutros termos: onde estão as fontes
nas quais a palavra de Deus está guardada?
O depósito da Revelação encontra-se na Sagrada Escritura e na
Tradição. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus posta por escrito,
sob a inspiração de Deus, e está contida nos livros do Antigo e do
Novo Testamento. A Tradição é o depósito das verdades e das coisas
reveladas, com a atestação de Deus, que são conservadas por meio da
pregação oral e da fé da Igreja. O Magistério da Igreja, por fim, é
munido da assistência de Deus para guardar, interpretar e explicar a
palavra de Deus contida no Depósito da Fé. Este é o Magistério
confiado aos Apóstolos como encargo ordinário e transmitido aos seus
sucessores formais.
A Regra da Fé
Um simples fiel, como faz para conhecer o que é que foi revelado por
Deus e o que não foi? Para conhecer quais são as verdades e quais os
erros? Deverá, toda a vez, recorrer a investigações exegéticas,
patrísticas, teológicas, para conhecer a verdade da fé? E como faz
para discernir a interpretação correta do Depósito? Qual é, em suma, a
regra da fé ou da verdade revelada?
Os protestantes afirmam que a regra da fé é somente a Escritura: quem
quer que a leia é iluminado pelo Espírito Santo sobre o sentido da
palavra divina [1. Confissão de Augsburgo, De Regula fidei, 1.]. Isso
dá lugar a uma interpretação subjetiva das Escrituras; por isso os
protestantes dividiram-se em tantas igrejas e, em razão das profundas
diferenças na fé, não conseguem encontrar a unidade. Os orientais
cismáticos afirmam que a regra da fé é dada pela Sagrada Escritura e
pelo que foi definido nos primeiros sete Concílios Ecumênicos [2. O
último para eles foi o II Conc. de Nicéia, celebrado em 787. A partir
do oitavo Concílio Ecumênico, o IV de Constantinopla (869-870), que
condenou os erros de Fócio, os orientais iniciaram o cisma.]. Depois
do sétimo, a doutrina ficou fixada: não pode mais haver progresso
dogmático, nem sequer homogêneo. Além disso, eles não têm uma regra
comum para a interpretação da Revelação: daí deriva a divisão que
existe entre as várias igrejas “ortodoxas”.
Segundo a doutrina católica, [3. SALAVERRI, Sacræ Teologiæ Summa, Vol.
I, Tratado III: De Ecclesia Christi, L. 2, c. 4, a. 2, nn. 768-781,
Madrid: B.A.C., 1962. V. ZUBIZARRETA O. C. D., Theologia dogmatico-
scholastica ad mentem S. Thomæ Aquinatis, vol. I, Theologia
Fundamentalis, Trat. II, Q. XXIII, a. IV, nn. 655-661, Bilbao 1948,
págs. 514-7.] a Regra da Fé é dada por Escritura, Tradição e
Magistério:
“Devem ser cridas com fé divina e católica todas as coisas que estão
contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida e que são propostas
a crer pela Igreja como reveladas por Deus, seja com um juízo solene,
seja com o magistério ordinário e universal.” (Conc. Vat. DS 3011).
Escritura e Tradição são, portanto, a Regra da Fé remota e objetiva:
nesta o Magistério alcança, como numa fonte, aquilo que ele propõe a
crer aos fiéis. O Magistério é a Regra da Fé próxima e ativa: os fiéis
haurem do Magistério da Igreja as verdades que eles são obrigados a
crer, por serem reveladas, ou obrigados a aceitar (isto é, a
considerá-las verdadeiras), por serem conexas logicamente com a
Revelação (DS 3018, 3020).
“A regra próxima não é um juízo privado; não é a Escritura e a
Tradição, como diziam os hereges; ela é visível e exterior para todos
os fiéis; é uma regra viva e humana; exige um juiz atuante; quando se
trata dessa regra, fala-se de toda a religião católica; ela é razão de
si mesma; deve ser posta no chefe supremo, o Bispo de Roma”.
[9. LEÃO XIII, Sapientiæ Christianæ, 10-1-1890, I.P. nn. 510, 511,
512, 513.]
Em conclusão, a Igreja ensina que a Palavra de Deus encontra-se na
Escritura e na Tradição; mas nós, homens, que não recebemos
diretamente de Deus a Revelação, para conhecê-la com certeza temos
necessidade de alguém que diga com autoridade infalível onde é que se
encontra a Palavra de Deus, como devemos interpretá-la, o que lhe é
contrário e a ser evitado. Esse “alguém” é o Magistério da Igreja, ou,
igualmente, o do Romano Pontífice. Por isso Santo Agostinho afirma que
crê nos Evangelhos porque a Igreja diz que são revelados.
A mesma coisa é ensinada pelo Catecismo da São Pio X, que põe na Regra
da Fé também as leis da Igreja e tudo aquilo que o Papa manda:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé” [10. Em itálico no texto.
S. PIO X, Catecismo Maior, Breve História da Religião, Milão: ed.
Ares, 1991, pág. 290.].
O progresso dogmático
Todos os dias a Igreja com seu Magistério estuda o Depósito da
Revelação, conserva-o, defende-o, dá a correta interpretação dele,
explica-o. Todos os fiéis, ao ouvirem a Igreja, são instruídos sobre
as verdades que se referem à fé ou à moral, ou seja, sobre aquilo que
é necessário para a salvação eterna.
Nós, homens, por causa dos limites da nossa razão, precisamos de tempo
e de estudo para conhecer uma verdade. Os Anjos têm uma inteligência
intuitiva e, tão logo conhecem algo, compreendem imediatamente todos
os seus aspectos e todas as consequências. Os homens, pelo contrário,
têm necessidade de raciocinar inclusive muitas vezes, para chegar a
conclusões certas; vemos isso, por exemplo, na educação: todos
precisam de numerosos anos de estudo para conhecer uma determinada
matéria, e ainda de muitos anos mais para ter dela conhecimento
científico.
Também para o Depósito da Revelação vale o mesmo raciocínio. Embora
este tenha se encerrado e nele se encontrem todas as verdades que Deus
revelou, nós, homens, mesmo lendo-o, não conseguimos intuir todos os
seus aspectos. É preciso o estudo de anos, por vezes de séculos, para
deduzir uma verdade que Deus revelou, mas que se encontra no Depósito
somente de maneira implícita. É por isso que, por exemplo, por tanto
tempo permaneceu objeto de livre discussão a questão da concepção de
Nossa Senhora sem Pecado Original: essa verdade, que estava contida
implicitamente no Depósito, não era enxergada por todos, e assim
alguns consideravam um erro crer nela. Depois de haver estudado o
Depósito da Revelação, a Igreja, assistida pelo Espírito Santo,
definiu em 1854 que Nossa Senhora teve o privilégio da Imaculada
Conceição e que isso está contido na Revelação. A assistência divina
assegura aqui que a definição é verdadeira, e nenhum católico
doravante é livre para discutir sobre esse assunto: “Roma locuta,
causa finita” [Roma pronunciou-se, a causa encerrou-se (N. do T.)].
Deus, de fato, dando a assistência do Espírito Santo à Igreja,
governada por homens (e não por Anjos), assim também o estudo das
verdades reveladas advém à maneira humana. Com a diferença de que,
quando a Igreja define, ela é assistida pelo Espírito Santo e é,
assim, preservada do erro. Depois do pronunciamento da Igreja, não se
é mais livre de discutir, mas é-se obrigado a adotar aquilo que a
Igreja disse.
Destarte, o Depósito da Fé, embora permanecendo objetivamente o mesmo,
progride de maneira homogênea, pois a Igreja elucida e salienta
verdades que até então não haviam ainda sido intuídas. Estas verdades
não são novas no Depósito, pois sempre estiveram nele contidas; mas
são “novas” para nós, quanto ao nosso conhecimento: antes não as
conhecíamos com certeza, mas depois do pronunciamento da Igreja somos
obrigados a crê-las com um ato de fé [11. F. MARIN-SOLA, O.P.,
L’Evolution homogène du Dogme catholique (A evolução homogênea do
dogma católico – original esp. no sítio Obras Raras do Catolicismo –
N. do T.), 2.ª ed., Friburgo (CH) 1924.].
Leiamos ainda o ensinamento de Pio XII [12. Humani generis, op. cit.,
I.P. n. 1281]:
“Também é verdade que os teólogos devem sempre voltar às fontes da
Revelação: é, de fato, a incumbência deles indicar como os
ensinamentos do Magistério vivo ‘se encontram explícita ou
implicitamente’ na Sagrada Escritura e na divina Tradição [13. PIO IX,
Carta Inter gravissimas, 28-10-1870.]. Além disso, ambas as fontes da
Revelação contêm tantos e tão sublimes tesouros de verdade, que nunca
realmente se esgotarão. Por isso, as ciências sacras, com o estudo das
fontes sagradas, rejuvenescem continuamente; ao passo que, pelo
contrário, torna-se estéril, como sabemos pela experiência, a
especulação que deixa de investigar o Depósito. Mas nem por essa razão
a teologia, mesmo positiva, pode ser equiparada a uma ciência somente
histórica. Pois, junto com as sagradas fontes, Deus deu à Sua Igreja o
Magistério vivo, também para ilustrar e explicar aquelas verdades que
estão contidas no Depósito da Fé apenas obscuramente e como que
implicitamente.
E o Divino Redentor não confiou esse Depósito, para a sua autêntica
interpretação, nem a cada um dos fiéis nem aos próprios teólogos, mas
unicamente ao Magistério da Igreja. Portanto, se a Igreja desempenha
esse ofício (como, no decurso dos séculos, deu-se com frequência) com
o exercício tanto ordinário quanto extraordinário desse mesmo ofício,
é evidente que é inteiramente falso o método pelo qual se pretenderia
explicar as coisas claras pelas obscuras; antes, pelo contrário, faz-
se mister que todos sigam a ordem inversa. Por isso que o Nosso
Predecessor… Pio IX, ao mesmo tempo que ensinou que é dever
nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja
está contida nas fontes, não sem grave motivo acrescentou as seguintes
palavras: ‘naquele mesmo sentido, com o qual foi definida pela Igreja’
(ibidem).”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, A regra da nossa fé, 1996, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-18C
de: “La regola della nostra fede”, in Sodalitium, ano XII, nov. 1996,
n.º 44, pp. 48-50.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CVII”
1. Textos essenciais em tradução inédita – CIX « Acies Ordinata Disse:
Conclusão:
[5. CONC. VAT. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, cap. IV, 18-7-1870.]
Segundo o que afirma o texto dogmático, o Papa no exercício da sua
função de Papa (e não como pessoa privada) é infalível. Noutros
termos, quando, como pastor e doutor universal, o Papa dá uma sentença
definitiva sobre uma doutrina (relativa à fé ou à moral), ele tem o
privilégio da infalibilidade, isto é, ele goza de uma assistência
especial do Espírito Santo para ensinar a verdade revelada sem o
mínimo erro. Nisso o Papa se distingue de todos os outros homens,
católicos ou não, os quais não têm essa assistência prometida por
Nosso Senhor a São Pedro e aos seus sucessores (Mt XVI, 19) [6.
Sodalitium n.º 41, pág. 58.].
Estrutura do artigo
Dado que W contesta a autoridade na matéria de todos os teólogos dos
últimos 128 anos, citarei, sobretudo, os próprios textos do Concílio
Vaticano I, tais como se encontram na coleção editada por Mansi. Lendo
os atos e a história do Concílio, percebe-se como W (e muitos
tradicionalistas) retomam os argumentos que foram o “cavalo de
batalha” da minoria liberal e anti-infalibilista no Vaticano I,
buscando, antes da definição, aumentar desmesuradamente as condições
para a infalibilidade do Papa e, depois da definição, diminuir-lhe o
alcance de tal maneira que o Papa seria infalível apenas muito
raramente.
Após a crise advinda com o Concílio Vaticano II e a introdução do novo
missal, os “tradicionalistas” começaram justamente a resistir ao
“aggiornamento” (que contradiz muitas verdades da doutrina católica),
recusando as reformas. Mas, quando se fez observar a eles que os novos
ensinamentos e as reformas eram promulgados por Paulo VI (e depois por
João Paulo II), e que, portanto, – como todos os decretos do Soberano
Pontífice – deviam ser aceitos porque garantidos pela infalibilidade,
muitos “tradicionalistas” não encontraram nada melhor do que retomar
os argumentos dos liberais. O Papa é infalível somente em certas
condições totalmente extraordinárias – sustentaram eles – as quais não
se encontram todas presentes nessas reformas; assim, por não serem
elas garantidas pela infalibilidade, não somos obrigados a obedecer.
Muitos não entenderam, ou temeram entender, que a recusa das reformas
punha em discussão a autoridade que as havia promulgado. W segue essa
corrente de pensamento que, ao nosso ver, é contrária à definição do
Vaticano I, tanto nos termos quanto no sentido.
Neste artigo analisamos os pontos negados por W, atendo-nos
particularmente ao primeiro.
[24. Dom Gasser, 86.ª Congr. Geral, 16-7-1870, Mansi 52, 1316.]
Recapitulando: a 2.ª condição, definir, significa ensinar de maneira
definitiva; a 3.ª, sobre a fé e sobre os costumes, inclui não somente
as verdades reveladas, como também – embora diversamente – as coisas
conexas com a Revelação.
4ª: Afirma que essa doutrina deve ser aceita por toda a Igreja
A expressão “deve ser aceita” está relacionada com o que se acaba de
dizer, ou seja, indica o assentimento que é preciso dar também às
verdades não contidas formalmente no Depósito da Revelação, que não
são estritamente “de fé” (estas últimas devem ser “cridas” e não
somente “aceitas”). O Concílio fez essa distinção para pôr em
evidência que é duplo o objeto da infalibilidade, contra os liberais
que queriam restringi-lo somente às verdades de fé. Salaverri expõe
amplamente essa distinção feita pelo Concílio. [25. SALAVERRI S.J.,
Sacræ Theologiæ Summa, Tomo I, Tratado III: De Ecclesia Christi,
B.A.C., Madrid 1962. Livro 2, Epílogo, n. 909-910.] Além disso, se o
Papa fala como Papa, e define uma doutrina referente à fé e à moral, é
óbvio que todos os fiéis são obrigados a abraçá-la, mesmo se isso não
for dito explicitamente.
W, pelo contrário, parece querer dizer que o Papa, para ser infalível,
deveria especificar explicitamente que toda a Igreja é obrigada a
aderir a essa doutrina, como se um cristão pudesse não aderir à
Revelação! Essa interpretação é equivocada. Durante o Concílio, o
Bispo de Burgos, Dom Anastasio Yusto, pensou que fosse necessário
acrescentar, precisamente neste ponto da definição, a frase seguinte,
para tornar mais explícito o dever dos fiéis de adotar a doutrina
proposta: “Permanece firme o dever pelo qual todos os católicos são
obrigados a submeter-se ao magistério supremo do Romano Pontífice
quanto às outras doutrinas que não são propostas como de fé…” [26.
Emendas propostas ao cap. IV da Constituição De Ecclesia, 7-7-1870,
Mansi, 52, 1135.]. Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, julgou essa
frase inoportuna, acrescentando que se havia provido a isso na
Constituição já aprovada pelo Concílio. [27. Dom GASSER, 84.ª Congr.
Geral, 11-7-1870, Mansi 52, 1229.] O Concílio de fato havia definido:
“A Igreja, que, com o ofício apostólico de ensinar, recebeu o mandato
de custodiar o depósito da fé, tem também, de Deus, o direito e o
dever de proscrever a falsa ciência, para que ninguém seja enganado
pela filosofia e por fraudes vãs. Por isso os fiéis cristãos não
somente não têm o direito de defender como conclusões legítimas da
ciência as opiniões reconhecidas como contrárias à doutrina da fé,
especialmente se condenadas pela Igreja, mas são estritamente
obrigados a considerá-las, pelo contrário, como erros que têm apenas
uma enganadora aparência de verdade”.
[28. Constituição Dogmática Dei Filius, definida em 24-4-1870, DS
3018.]
Daí resulta evidente que os fiéis são sempre obrigados a aderir aos
juízos da Igreja: não é necessário que a Igreja especifique essa
obrigação.
Essa questão não é nova e já foi resolvida faz tempo. [29. Pe. Bernard
LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère ordinaire et universel de
l’Eglise (A infalibilidade do Magistério ordinário e universal da
Igreja), Bruxelas: Documents de Catholicité, 1984. Anexo, pp. 131-146.
Sodalitium n.º 41, págs. 69-70.] Trazemos um texto do Pe. Kleutgen, ao
Concílio:
“É devida a submissão da vontade à Igreja que define, ainda que não
acrescente nenhum preceito. Porque Deus nos deu a Igreja como Mãe e
Mestra para tudo o que se refere à religião e à piedade, somos
obrigados a ouvi-la quando ela ensina. Por isso, se o pensamento e a
doutrina de toda a Igreja é mostrado, somos obrigados a aderir a ele,
mesmo que não houver aí definição: quanto mais se esse pensamento ou
essa doutrina foram-nos mostrados com uma definição pública?”
[36. Mons. DE SÉGUR, Le Pape est infaillible, Paris 1872, págs. 191-2,
obra aprovada por Pio IX em 8-8-1870.]
Magistério ordinário e condições
Em alguns textos do Concílio resulta evidente que os Padres, quando
falam de infalibilidade, não fazem distinção entre magistério
ordinário, que se exerce continuamente, e magistério solene. Nem
tampouco a infalibilidade existe somente em cânones, formas solenes ou
condições particulares.
Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, na intervenção supracitada,
assim se exprimiu:
“Na Igreja de Jesus Cristo (…) o centro da unidade deve agir
continuamente e permanentemente com uma autoridade inabalável”.
a Regra próxima da Fé
Pio XII ensina: [55. PIO XII, Humani Generis, 12-8-1950, DS 3884-5 e
I.P. n. 1278-9.]
“E embora este Sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em
matéria de fé e de moral, a norma próxima e universal da verdade
(visto que foi a ele que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou o Depósito
da Fé – ou seja, as Sagradas Escrituras e a Tradição divina – para ser
guardado, defendido e interpretado), todavia por vezes se ignora, como
se não existisse, o dever que todos os fiéis têm de fugir mesmo
daqueles erros que se aproximam, em maior ou menor medida, da heresia
e, portanto, ‘de observar também as constituições e decretos em que a
Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões’ [56. C.J.C., cân.
1324; Conc. Vat., De Fide cath., DS 3045.]. O que é exposto nas
Encíclicas dos Sumos Pontífices, acerca do caráter e da constituição
da Igreja, é por alguns, de modo proposital e habitual, descurado com
a finalidade de fazer prevalecer um conceito vago que eles dizem ter
extraído dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os Pontífices
– dizem eles – na realidade não pretendiam dar um juízo sobre questões
que são objeto de disputa entre os teólogos; é, portanto, necessário
retornar às fontes primitivas, e com os escritos dos antigos devem ser
explicadas as constituições e os decretos do Magistério. Essas
afirmações são feitas quiçá com elegância de estilo; mas não carecem
de falsidade. De fato, é verdade que geralmente os Pontífices deixam
livres os teólogos nessas questões que, em diversos sentidos, são tema
de discussões entre os doutores de melhor fama; porém, a história
ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre disputa em
seguida já não podiam mais ser discutidas.”
Leão XIII:
“Determinar, portanto, quais sejam as doutrinas reveladas é ofício
próprio da Igreja docente, à qual Deus confiou a custódia e a
interpretação da Sua palavra; e o Sumo Doutor na Igreja é o Romano
Pontífice. (…) [É necessária a obediência ao Magistério da Igreja e do
Papa]. A qual obediência tem de ser perfeita, pois é exigida pela fé
mesma, e tem em comum com esta o fato de não poder ser parcial… O que
foi maravilhosamente explicado por Santo Tomás de Aquino com as
seguintes palavras:
‘(…) É, pois, manifesto que quem adere à doutrina da Igreja, como a
uma regra infalível, consente em tudo aquilo que a Igreja ensina; de
outro modo, se dos ensinamentos dela ele retivesse somente o que lhe
apraz e rejeitasse o que não lhe agrada, ele não seguiria, como norma
infalível, à doutrina da Igreja, mas à própria vontade dele… A unidade
[da Igreja] não se poderia conservar onde toda questão surgida acerca
da fé não fosse decidida por Aquele que preside à Igreja universal, de
modo que a sua sentença seja firmemente aceita por toda a Igreja.
Assim, unicamente à autoridade do Sumo Pontífice pertence aprovar uma
nova edição do Símbolo, como tudo o mais que se refere a toda a
Igreja” [57. Sto. TOMÁS, Suma Teológica, II II, q. 5, art. 3; q. 1,
art. 10.]…
Por esse motivo, o Pontífice deve poder julgar o que as palavras
divinas contêm, quais doutrinas concordam e quais discrepam delas:
pelo mesmo motivo, deve poder mostrar quais coisas são honestas e
quais são torpes, quais coisas é preciso fazer e de quais cumpre
fugir, para obter a salvação eterna; do contrário, não poderia ser
para o homem um intérprete seguro das palavras de Deus, nem um guia
seguro para a vida”.
[58. LEÃO XIII, Sapientiæ Christianæ, 10-1-1890, I.P. nn. 510, 511,
512, 513.]
São Pio X põe na regra da fé também as leis da Igreja e tudo aquilo
que o Papa comanda:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé”. [59. Em itálico no texto.
S. PIO X, Catecismo Maior, Breve História da Religião, ed. Ares,
Milão, 1991, pág. 290.]
Ensinamento do Concílio Vaticano
[62. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La Chiesa, II, 1389.]
Não faltam diversos outros argumentos de autoridade, recordados já
pelo Pe. Ricossa: [63. F. RICOSSA, Prefácio a A. V. XAVIER DA
SILVEIRA, La nuova messa di Paolo VI, Ferrara, ed. pro manuscripto,
pp. 4-6. (N. do T. – Trad. br. deste Prefácio inteiro em:
“http://wp.me/pw2MJ-rU”).]:
“Aos que negavam que as crianças tivessem o pecado original, Santo
Agostinho respondia que a Igreja as batizava, e: ‘quem ousará aduzir
algum argumento, seja qual for, contra tão sublime Mãe?’ (Serm. 293,
n. 10). Santo Tomás, indagando se o rito da Crisma é conveniente,
depois de aduzir todas as objeções possíveis, responde simplesmente:
‘Ao contrário, basta o uso da Igreja, que é governada pelo Espírito
Santo’; aliás, acrescenta ele: ‘O Senhor fez esta promessa aos Seus
fiéis: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estou eu
estou no meio deles” (Mt XVIII,20). Devemos, pois, sustentar
firmemente que as disposições da Igreja são dirigidas pela sabedoria
de Cristo. E, por isso, devemos ter certeza de que os ritos observados
pela Igreja na crisma e nos outros sacramentos são convenientes’ (III,
q. 72 a. 12.) Eis aí, em substância, a resposta que a Igreja sempre
deu a todos aqueles hereges que criticavam um ou outro dos ritos dela,
ou seu conjunto.
Assim, foram condenados pelo Concílio de Constança e pelo Papa
Martinho V os hussitas, que recusavam o uso da comunhão sob uma única
espécie (D. 626 e 668) e depreciavam os ritos da Igreja (D. 665);
assim o Concílio de Trento condenou os luteranos, que desprezavam o
rito católico do batismo (D. 856), o costume de conservar o Santíssimo
Sacramento no tabernáculo (D. 879 e 889), o Cânon da Missa (D. 942 e
953) e todas as cerimônias do missal, os paramentos, o incenso, as
palavras pronunciadas em voz baixa etc. (D. 943 e 954), a comunhão sob
uma única espécie (D. 935)… Da mesma maneira, os jansenistas reunidos
no sínodo de Pistoia foram condenados por Pio VI por induzirem a
pensar que ‘a Igreja, que é regida pelo Espírito de Deus, pudesse
constituir uma disciplina não só inútil [...] mas também perigosa e
nociva’ (D. 1578, 1533 e 1573). Em suma, para sermos breves, é
impossível que a Igreja dê veneno aos seus filhos (D. 1837, Vaticano
I). Trata-se de uma verdade ‘tão certa teologicamente, que negá-la
seria um erro gravíssimo ou inclusive, segundo a sentença da maioria,
uma heresia’ (Cardeal Franzelin).”
Também sobre este ponto, então, para salvaguardar a legitimidade de
Paulo VI e João Paulo II, W deve contradizer a doutrina da Igreja.
Conclusão
Muitos “tradicionalistas” creem que abraçar a verdadeira Fé nas
matérias acima expostas significaria arriscar aceitar todo o Concílio
Vaticano II com suas reformas.
Parece ser esse o obstáculo mais grave, que os impede de levar em
séria consideração a doutrina da Igreja como a examinamos nos
parágrafos precedentes. A solução desse nó foi exposta pela Tese de
Cassiciacum: é impossível de aceitar essas reformas, pois o ato de Fé
dirigido a elas é metafisicamente impossível. Se cremos, por exemplo,
de fé, que a liberdade religiosa é um erro, como poderemos crer que
seja ao mesmo tempo uma verdade revelada? Se cremos que o ecumenismo é
mau, como a minha inteligência pode crer que seja uma boa prática para
a Igreja? Há aí uma impossibilidade real para a minha inteligência de
aderir a duas proposições contraditórias, ambas propostas a crer pelo
Magistério: as primeiras, do Magistério dos Pontífices do passado; as
segundas, do Magistério dos “pontífices” do pós-concílio (Vaticano
II). Ora, o Magistério não pode contradizer-se, e tampouco a Fé. Logo,
um dos dois está em erro. Mas, se um dos dois está em erro, então isso
quer dizer, ipso facto, que a “autoridade” que promulgou esse
“magistério” errôneo não estava assistida pelo Espírito Santo. Não era
formalmente a Autoridade. [74. H. BELMONT, L’esercizio quotidiano
della Fede. Pro manuscripto, pp. 12-13.]
Mostramos com superabundância de documentos que o Papa é infalível com
o Magistério ordinário; que tal Magistério trata tanto das verdades
reveladas quanto das verdades conexas com o revelado; que, com esse
Magistério infalível, o Papa é a Regra próxima da nossa Fé.
Dado que W não aceita a autoridade dos “bons autores dos manuais de
teologia”, pois “fizeram o jogo dos liberais” [75. Le sel de la terre,
op. cit., pág. 22], não quisemos tomá-los em consideração, mas nos
limitamos aos documentos do Magistério, do Concílio Vaticano e da sua
explicação. É possível que W recuse também a autoridade destes: aí
então, não haverá mais nenhuma autoridade intermediária entre o fiel e
a Tradição? Cada um será para si mesmo a regra da própria fé? [76. As
definições do Magistério solene de fato são raras e não abrangem todo
o revelado, nem toda a doutrina católica.]
Num tal caso gostaríamos de fazer a W algumas perguntas. Se tivesse
vivido no tempo em que se discutia sobre a validade do Batismo dado
pelos hereges, ou em qual dia se havia de celebrar a Páscoa, como
teria se comportado? Teria seguido a “tradição” ou as decisões do
Papa? Se tivesse vivido no tempo em que os jansenistas contestavam a
infalibilidade do Papa quanto aos fatos dogmáticos, a quem teria dado
razão? Interpretar por conta própria a Tradição, porque parece
evidente, ou no sentido em que nós a compreendemos, não é isso um
subjetivismo no ato de fé, o ato mais importante para a nossa
salvação? “Não é lícito – disse Pio XII – investigar e explicar os
documentos da ‘Tradição’, descurando ou minimizando o Sagrado
Magistério”. [77. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La
Chiesa, II, 1389.]
_____________
Í N D I C E
[Introdução]
Exposição da tese de W
Elenco dos erros de W
A definição dogmática do Concílio Vaticano
Estrutura do artigo
Conclusão
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Mons. Williamson contra o Concílio Vaticano…
I !, 1998, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1a3
de: “Mons. Williamson contro il concilio Vaticano… I !”, revista
Sodalitium (órgão oficial do Instituto Mater Boni Consilii), ano
XIV/2, n.º 47, de maio de 1998, pp. 63-78.
[Com o acréscimo da nota 8 bis: fonte indicada no local.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Uma resposta para “Textos essenciais em tradução inédita – CXI”
1. José Carlos Disse:
Os Tradicionalistas,
a Infalibilidade e o Papa
(1995, 2006)
Rev. Pe. Anthony Cekada
Os próprios homens que aparentam possuir autoridade
Canonistas Pós-Vaticano II
A possibilidade de que um papa possa tornar-se herege e perder o seu
ofício é reconhecida também por um autorizado comentário ao Código de
Direito Canônico de 1983:
“Os canonistas clássicos debateram a questão de se um papa, em suas
opiniões privadas ou particulares, poderia entrar em heresia,
apostasia ou cisma. Se ele viesse a fazê-lo de maneira notória e
amplamente publicada, ele romperia a comunhão, e conforme uma opinião
aceita, perderia o seu ofício ipso facto. (c. 194 §1, 2º ). Dado que
ninguém pode julgar o papa (c.1404), ninguém poderia depor um papa por
tais crimes, e os autores estão divididos sobre como essa perda de
ofício seria declarada de tal modo que a vacância pudesse então ser
preenchida por uma nova eleição.” [J. Corridan et al., eds., The Code
of Canon Law: A Text and Commentary commissioned by the Canon Law
Society of America (New York: Paulist 1985), c. 333.]
O princípio de que um papa herege perde automaticamente o seu ofício,
portanto, é amplamente admitido por uma grande variedade de canonistas
e teólogos católicos.
Papas Inocêncio III & Paulo IV
Mesmo papas levantaram a possibilidade de que um herege acabasse de
algum modo no trono de Pedro.
O Papa Inocêncio III (1198–1216), um dos mais vigorosos campeões da
autoridade papal na história do Papado, ensina:
“Menos ainda pode gabar-se o Romano Pontífice, pois ele pode ser
julgado pelos homens — ou melhor, ser mostrado como já julgado —, caso
ele manifestamente ‘perca seu sabor’ na heresia. Pois quem não crê já
está julgado.” [Sermo 4: In Consecratione PL 218:670.]
Durante o tempo da revolta protestante, o Papa Paulo IV (1555–1559),
outro pujante defensor das prerrogativas do Papado, suspeitava de que
um dos cardeais com boas chances de ser eleito papa no conclave
seguinte fosse um herege secreto.
Em 16 de fevereiro de 1559, pois, ele emitiu a Bula Cum ex Apostolatus
Officio. O Pontífice decretou que se algum dia porventura sucedesse de
alguém que foi eleito Romano Pontífice ter antes “desviado da Fé
Católica ou caído em qualquer heresia”, sua eleição, mesmo que com o
acordo e consentimento unânime de todos os cardeais, seria “nula,
legalmente inválida e sem efeito.”
Todos os atos, leis e nomeações subsequentes de um tal papa
invalidamente eleito, decretou ainda Paulo IV, “ficariam carentes de
vigor, e não concederiam nenhuma estabilidade e poder legal a ninguém,
de maneira alguma”. Ele ordenou, ademais, que todos aqueles que fossem
nomeados a ofícios eclesiásticos por um tal papa estariam, “por esse
fato mesmo e sem necessidade de fazer qualquer declaração ulterior,
privados de toda dignidade, posição, honra, título, autoridade, ofício
e poder.”
A possibilidade de heresia, então, e a concomitante falta de
autoridade por parte de um indivíduo que aparenta ser papa, não é nada
remota e está, de fato, fundada no ensinamento de pelo menos dois
papas.
As Alternativas
Trocando em miúdos, por um lado sabemos que a Igreja não pode
defeccionar. Por outro, sabemos que teólogos e mesmo papas ensinam que
um papa enquanto indivíduo pode defeccionar da Fé e, destarte, perder
o seu ofício e autoridade.
Uma vez que reconheçamos os erros e males da religião pós-Vaticano II,
duas alternativas então se apresentam:
(1) A Igreja defeccionou.
* * * * *
_____
Apêndice 1
Sto. Antonino (†1459) “No caso em que o papa se tornasse herege, ele
se encontraria, por este único fato e sem qualquer sentença ulterior,
separado da Igreja. Uma cabeça separada de um corpo não tem como,
enquanto permanecer separada, ser cabeça do mesmo corpo do qual foi
cortada.
Um papa que estivesse separado da Igreja por heresia, portanto,
deixaria por esse próprio fato de ser o cabeça da Igreja. Ele não tem
como ser herege e permanecer Papa, porque, estando fora da igreja, ele
não pode possuir as chaves da Igreja.”
Apêndice 2
Apêndice 3
Sacrae Theologiae Summa. 5.ª ed. Madrid: BAC 1962. 1: 722, 723.
Apêndice 4
Apêndice 5
Bibliografia
Badii, C. Institutiones Iuris Canonici. Florença: Fiorentina 1921.
Bellarmino, Roberto. De Romano Pontifice. De Controversiis, Opera
Omnia, t.1. Nápoles: Giuliano 1836.
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Roma: Angelicum 1936.
Coronata, M. Conte a. Institutiones Iuris Canonici. Roma: Marietti
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Commentary commissioned by the Canon Law Society of America. New York:
Paulist 1985.
Dorsch, A. Insitutiones Theologiae Fundamentalis. Innsbruck: Rauch
1928.
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1959.
Inocêncio III, Papa. In Consecratione: Sermo 2 (PL 216:654–60) e Sermo
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Michel, A. “Hérésie, Hérétique”, in Dictionnaire de Théologie
Catholique. Paris: Letouzey 1913–50.
Paulo IV, Papa. Bula Cum ex Apostolatus Officio. 16 de fevereiro de
1559.
Prümmer, D. Manuale Iuris Canonci. Fribourg in Briesgau: Herder 1927.
Regatillo, E. Institutiones Iuris Canonici. 5.ª ed. Santander: Sal
Terrae, 1956.
Sägmüller, J.B.. “Cardinal”, Catholic Encyclopedia. New York: Appleton
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Salaverri, J. Sacrae Theologiae Summa. 5.ª ed. Madrid: BAC 1962.
Schultes, R.M. De Ecclesia Catholica. Paris: Lethielleux 1931.
Van Noort, G. Dogmatic Theology. Westminster MD: Newman 1959.
Vermeersch, A., I. Creusen. Epitome Iuris Canonici. Roma: Dessain
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Wernz, F.X., P. Vidal. Ius Canonicum. Roma: Gregoriana 1943.
Wilhelm, J. “Heresy”, Catholic Encyclopedia. New York: Encyclopedia
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Zubizarreta, V. Theologia Dogmatico-Scholastica. 4.ª ed. Vitoria: El
Carmen 1948.
(Internet, Janeiro de 2006)
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Os Tradicionalistas, a Infalibilidade e o
Papa, 1995/2006, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue
Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1z2
de: “Traditionalists, Infallibility and the Pope”, 2006, em:
www.traditionalmass.org/images/articles/TradInfallPope.pdf
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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12 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CLXX”
1. N. B. Guarinelo Disse:
“temeridade”, é uma conclusão sobre a qual se pode ter certeza, tanto mais que, sem ela,
o tradicionalismo sedeplenista como o seu se constitui em escândalo ininterrupto e,
objetivamente, equivale a esbofetear nossa Santa Mãe Igreja com a contínua acusação
de que Ela seria (Deus os perdoe pela terrível blasfêmia!) adúltera.
E me limito aqui a apontar a ofensa à castidade da doutrina, sem
entrar na questão das múltiplas usurpações da Autoridade do Vigário de
Cristo e de Seu Corpo Místico.
Deixo-lhe agora quatro citações do Magistério que condenam as posições
que você acaba de expor, mas que não são suas e, sim, do ambiente
doutrinariamente corrompido e de espírito protestantizante que você
frequenta. Que a Santíssima Virgem, Mãe do Bom Conselho, possa se
utilizar destas quatro verdades para tirar-lhe, de uma vez, as escamas
dos olhos:
(1) Infalível não é somente o que é definido solenemente pelos
Concílios ou pelos Papas falando ex cathedra; igualmente infalível é
tudo aquilo que é ensinado (como contido ou conexo com a Revelação)
pelo magistério ordinário da Igreja docente, composta pelo Papa e
pelos bispos a ele unidos:
Concílio do Vaticano, Dei Filius, 1870, Denzinger 1792:
Uma proposição desse concílio “na medida em que, em razão dos termos
gerais utilizados, ela inclui e submete ao exame prescrito mesmo a
disciplina estabelecida e aprovada pela Igreja, como se a Igreja, que
é regida pelo Espírito de Deus, pudesse constituir uma disciplina não
somente inútil e mais onerosa do que a liberdade cristã pode tolerar,
mas ainda por cima perigosa, nociva, conducente à superstição e ao
materialismo” é condenada como “falsa, temerária, escandalosa,
perniciosa, ofensiva a ouvidos pios, injuriosa à Igreja e ao Espírito
de Deus que a conduz, no mínimo errônea”.
(Para mais citações do Magistério e explicações dos teólogos sobre
essa matéria, cf. Rev. Pe. Hervé BELMONT, Infalibilidade das leis
disciplinares gerais, 2011, http://wp.me/pw2MJ-1jt ).
A.M.D.G.V.M.,
Felipe Coelho.
5. Alexandre Disse:
Felipe Coelho
P.S. Tenho debatido com você na esperança de que sejamos ambos movidos
pelo amor à verdade e solicitude pela Santa Igreja Católica Apostólica
Romana; seu último P.S., porém, fez-me desconfiar de que talvez você
estivesse interessado antes em semear a cizânia entre católicos, quem
sabe movido até por algum padre próximo desses sectários que têm o
costume de dividir famílias e de usurpar autoridade que não possuem…
Mas me recuso a crer nisso e afasto essa suspeita como tentação, amigo
caríssimo, por isso limito-me aqui a pedir que você, se tiver
encontrado no link que você cita algum argumento interessante que você
não encontre refutado aqui, por caridade traga-o, que o desconheço e
me interessaria analisá-lo. Abraços, A.M.D.G.V.M., FC
8. Roberto F Santana Disse:
É infalível?
1) o Papa sozinho;
2) a Igreja docente (os bispos em união com o Papa, mas não sem ele),
quer reunida em Concílio ou dispersa pelo mundo;
Em JMJ,
Felipe Coelho
10. Roberto F Santana Disse:
[Extratos]
Em JMJ,
Felipe Coelho
Infalibilidade do Código
de Direito Canônico
L’Ami du Clergé, 1919,
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
L’AMI DU CLERGÉ, Infalibilidade do Código de Direito Canônico, 1919,
trad. br. por F. Coelho, São Paulo, abr. 2012, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1jv
de: “Infaillibilité du Code de Droit canonique”, in: L’Ami du Clergé,
1919, n.º 45, pp. 956-958;
transcrição anotada, pelo Rev. Pe. Hervé Belmont, em: blogue
Quicumque, documento A-4 do dossiê “Sedevacantismo” (16 jul. 2011),
http://www.quicumque.com/article-la-foi-est-infrangible-mosaique-
autour-du-sedevacantisme-79571175.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
* * *
John Daly
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Textos essenciais em tradução inédita – I
O Batismo de Desejo e os Princípios Teológicos
(2000)
Conclusão Geral
Todos os católicos estão obrigados a aderir ao ensinamento comum sobre
batismo de sangue e batismo de desejo.
De acordo com as normas delineadas acima, a posição feeneyita
representa ou erro teológico, ou erro em doutrina católica ou heresia.
Os católicos que aderem à posição feeneyita sobre batismo de desejo e
batismo de sangue cometem um pecado mortal contra a fé.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, O Batismo de Desejo e os Princípios
Teológicos, 2000, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, maio de 2009,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-B
de: “Baptism of Desire and Theological Principles”, 11 pp.,
http://www.traditionalmass.org/images/articles/BaptDes-Proofed.pdf
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – I”
1. A. Daniele Disse:
Para ficar por aqui: a Carta de 1949 ao Arc. de Boston, que era de
fato o desviado dos princípios católicos, não é de Pio XII. Que o Papa
a tenha endossado não é tão certo e não sei se alguém conseguiu
encontrá-la entre os documentos AAS.
O que sei com certeza é que depois de Pio XII deram um golpe mortal na
necessidade do Batismo da Igreja para a salvação.
Saudações
2. Felipe Coelho Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
Prof. N.M.
http://lefebvristes.forum-box.com/p4151.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
(1907-1969)
334. Escolio. Del estado feliz que va a tener la Iglesia. Según estas
teoría, antes de la llegada de Jesucristo se dará un largo período en
el cual la Iglesia se encontrará en un estado muy feliz. Afirman esto,
además de muchos acatólicos, ciertos católicos como Bisping.
Esta opinión, según Beraza, es «falsa y está muy alejada del dogma
católico»; según Lercher «debe ser desaprobada como temeraria». Sin
embargo, si mantiene la doctrina de Jesucristo acerca de que se debe
llevar la cruz, no parece que deba ser calificada de este modo. No
obstante carece sin duda de un fundamento sólido: pues la cruz de
Cristo siempre hay que llevarla (Lc 9,23; 14,25); en la Iglesia
siempre habrá trigo y cizaña (Mt 13,24-30), ovejas y cabritos (Mt
25,32s); corderos y lobos (Lc 10,3), buenos y malos (Mt 13,47); en
todos, incluso en los justos, siempre quedará la concupiscencia
derivada del pecado original (D 792), fuente de muchos males morales,
e igualmente la posibilidad de sufrir físicamente.
_____________
SOBRE A OBRA:
“Las tres primeras escatologías de cuño estrictamente español,
publicadas poco después de la guerra civil y antes del Vaticano II,
responden al esquema neoescolástico de entre-guerras. [...] Es curioso
constatar, sin embargo, que las propuestas del «nacional-catolicismo»,
tal como eran formuladas entonces en muchos ambientes españoles, y
que, evidentemente apuntaban a la cuestión del Reino entendido
intrahistóricamente, no influyeron para nada en los dos manuales que
voy a comentar seguidamente, que se atuvieron a las pautas más
clásicas de la manualística de los ateneos romanos de aquella hora.
***
http://redalyc.uaemex.mx/pdf/355/35501114.pdf.]
_____________
VISÃO PANORÂMICA
DA 2ª PARTE DA OBRA:
INTRODUCCIÓN
http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/introduccion.htm
[...]
LIBRO II – DE LAS POSTRIMERÍAS DEL MUNDO
http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/novisimos_del_mundo_01.h
tm
CAPÍTULO I – DE LA SEGUNDA VENIDA DE CRISTO
CAPITULO II – DE LA RESURRECCIÓN DE LA CARNE
http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/resurreccion_carne.htm
Articulo I.-De la resurrección futura de los muertos
Escolios.
CAPÍTULO III – DEL JUICIO UNIVERSAL
http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/del_juicio_universal.htm
Artículo I.-De la existencia del juicio universal
_____________
R. P. José F. SAGÜÉS, S.J., Toda clase de milenarismo debe ser
rechazada. STS IV, De Novissimis, nn. 324-334; http://wp.me/pw2MJ-1xJ
A verdadeira causa
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Dom GUÉRANGER, A verdadeira causa dos triunfos do islamismo, 1858,
trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1xM
Fonte:
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Quão Sacerdotal é a Fraternidade São Pio X?,
2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1xt
A partir do comentário feito pelo A. em 11 de outubro de 2012 no fórum
de discussão tradicionalista Ignis Ardens, no tópico “Re: Fr. Voight’s
Ordination, Novus Ordo or Conditional?” [Sobre a ordenação do Pe.
Voigt: Novus Ordo ou Sob Condição?]:
http://z10.invisionfree.com/Ignis_Ardens/index.php?showtopic=11067&vie
w=findpost&p=22034064
[O título é de responsabilidade do tradutor. Quem ler inglês poderá
acompanhar, no tópico linkado, as duas declarações evasivas do Dr.
Voigt em resposta às legítimas indagações dos debatedores, e os
comentários geralmente judiciosos de alguém que escreve sob o
pseudônimo “Retrad”.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Neblinoscopus
O Bispo Williamson sobre
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Neblinoscopus: O Bispo Williamson sobre o
Novo Rito de Ordenação, 2008, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out.
2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1un
de: “Smog-O-Scopus: Bp. Williamson on the New Ordination Rite”, 18-XI-
2008, http://www.fathercekada.com/2008/11/18/smog-o-scopus-bp-
williamson-on-the-new-ordination-rite/
O artigo do bispo Williamson, criticado acima, foi publicado
originalmente em:
http://dinoscopus.blogspot.com/2008/11/masterly-confusion.html
Pode ser lido ainda em:
http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:z10.invisionfree.
com/Ignis_Ardens/index.php?showtopic=3023
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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John S. Daly
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, A Validade das Ordens dos Sacerdotes Ordenados pelo
Arcebispo Dom Lefebvre, 1991, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set.
2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1uP
de: “The Validity of the Orders of Priests Ordained by Archbishop
Lefebvre”,
http://www.sedevacantist.com/forums/viewtopic.php?p=5317#p5317
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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“As pessoas que não são teólogos nunca parecem entender quão pouca
intenção é requerida para um sacramento… A ‘intenção implícita de
fazer o Cristo instituiu’ significa uma coisa tão vaga e ínfima, que é
quase impossível deixar de tê-la – a não ser que se a exclua
deliberadamente. No tempo em que todos falavam das ordens anglicanas,
vários católicos confundiram intenção com fé. A fé não é requerida. É
heresia dizer que seja. (Foi este o erro de São Cipriano e Firmiliano
contra o qual o Papa Estêvão I [254-257] protestou.) Um homem pode ter
opiniões completamente erradas, heréticas e blasfemas sobre um
sacramento e, ainda assim, conferi-lo ou recebê-lo validamente.”
— Adrian Fortescue
The Greek Fathers
* * * * *
BIBLIOGRAFIA
BILLOT, L. De Ecclesiae Sacramentis. Roma: Gregoriana 1931.
DANIEL-ROPS, H. The Church in the Eighteenth Century. Londres: Dent
1960. [Trad. br.: A Igreja dos Tempos Clássicos. II. A era dos grandes
abalos. Trad. de Henrique Ruas. São Paulo: Quadrante 2001.]
DOHENY, W. Canonical Procedure in Matrimonial Cases. Milwaukee: Bruce
1942.
GASPARRI, P. Tractatus de Sacra Ordinatione. Paris: Delhomme 1893.
LEEMING, B. Principles of Sacramental Theology. Westminster MD: Newman
1956.
LEÃO XIII. Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896.
LONSWAY, Jesse W. The Episcopal Lineage of the Hierarchy in the United
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MCMANNERS, J. Church and Society in Eighteenth-Century France. Oxford:
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NAZ, R. “Francmaçonnerie”, Dictionnaire de Droit Canonque. Paris:
Letouzey 1953. 1:897-9.
_______. “Intention”, op. cit. 5:1462–64.
WANENMACHER, F. Canonical Evidence in Marriage Cases. Philadelphia:
Dolphin 1935.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Intenção Sacramental e Bispos Maçônicos,
2003, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vg
de: “Sacramental Intention and Masonic Bishops”,
http://www.traditionalmass.org
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, A intenção nos sacramentos, 2006, trad. br.
por F. Coelho, São Paulo, set. 2012, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1uV
de: “L’intention dans les sacrements”, blogue Quicumque, 8-III-2006,
http://www.quicumque.com/article-2091600.html
[N. do T. – Este artigo mais elementar precede logicamente ao
“Validade dos novos sacramentos”, do mesmo A., que aliás quase começa
pelo último parágrafo deste; as citações pertinentes de Sto. Tomás de
Aquino são reproduzidas mais longamente no Apêndice I de seu estudo “A
Missa sacrificada”; por fim, sobre a invalidade da “missa nova”, há
também: “Pro multis ou pro omnibus?” e “A reforma litúrgica”, este
último trazendo longa passagem inédita do Padre Guérard des Lauriers
O.P. (autor principal do Breve Exame Crítico assinado pelos Cardeais
Ottaviani e Bacci) sobre esta importante questão.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Pérolas em meio à lama da rede – XI
5 setembro 2012
EL MILENARISMO (*)
(Estudios, de Buenos Aires,
_____________
Pe. J. SILY, S.J., El Milenarismo, in: Estudios, de Buenos Aires, t.
65, 1941, pp. 115-134; transcrito em: http://wp.me/pw2MJ-1wv
SANTO OFÍCIO
I. Tradução em português,
_____________
ERRO MILENARISTA
(in: Nouvelle Revue Théologique,
_____________
Suprema Sagrada Congregação do SANTO OFÍCIO, Condenação do milenarismo
mitigado. Decreto de 19-21 jul. 1944, seguido do comentário autorizado
do Pe. Gilleman S.J.; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, ag. 2012,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vT
John Daly
Esse tema da jurisdição episcopal é muito amplo, muito difícil e muito
sério, e sinceramente não acho que quero entrar nele e em todas as
suas ramificações neste fórum neste momento.
Mas penso que eu deveria dizer que não acredito nessa noção de
jurisdição episcopal suprida por Cristo a quem quer que tenha ordens
episcopais válidas e professe a Fé Católica em tempo de crise. Nem
acredito que os bispos tradicionais emergenciais tenham algum poder a
mais do que eu de eleger um papa, ou seja, nenhum poder.
Nem tampouco acredito que seja possível que todos os bispos católicos
sobreviventes nomeados validamente deixem de existir, e esse ponto é
considerado dogmático por todos os teólogos de que tenho conhecimento
que advertem para esse fato.
Onde, porém, existe um bispo católico sobrevivente designado
devidamente eu não sei, nem exige a Fé Católica que eu o saiba. O
profeta Elias acreditava que ele era o último adorador sobrevivente do
verdadeiro Deus, mas Deus disse a ele: “Reservei-me sete mil homens
que não dobraram o joelho a Baal”.
Uma vez que tenhamos inculcado em nossa cabeça que não temos de salvar
a Igreja, mas de ser salvos pela Igreja, o mistério deixa de
perturbar. A crise acabará, e Deus porá um fim nela, por meio de
homens que serão ou designados regularmente pela Sua Igreja ou então
farão milagres para dar testemunho de sua missão extraordinária.
Os Papas algumas vezes deram a bispos o poder de transmitir não
somente as ordens episcopais mas também o mandato apostólico aos
candidatos da escolha destes [bispos] em terras perseguidas, e isso
pode ser parte da solução. Mas não sabemos de nenhum detalhe. Não
sabemos que poderes foram dados a quem na China, embora pareça
muitíssimo provável que alguns poderes extraordinários tenham sido
concedidos a alguém para consagrações episcopais. Parece extremamente
improvável que o poder especial não-especificado delegado ao Arcebispo
Thuc pelo Papa Pio XI (e não XII) se referisse a consagrar bispos a
qualquer momento e em qualquer lugar. Ele certamente jamais alegou
isso. Mas alguém em algum lugar pode ainda possuir tais poderes
derivados de um verdadeiro papa.
Estamos no meio de uma crise e um mistério e Deus não nos pediu que
resolvêssemos o mistério. Ele nos pede que mantenhamos a Fé. Que Ele
nos conceda a todos a graça para tanto.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, Brevíssimo comentário sobre a jurisdição episcopal em
nossos dias, 2006, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, julho de 2009,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-2S
FONTE DO ORIGINAL, EM INGLÊS:
Postagem de 11 de junho de 2006, nos Bellarmine Forums, mantidos pelo
Sr. John F. Lane (a quem, incidentalmente, somos muitíssimo gratos,
bem como ao autor ora traduzido, pelo muito que aprendemos com ambos):
http://www.strobertbellarmine.net/forums/viewtopic.php?p=952.html#p952
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Doutrina, Sedevacantismo. Você pode acompanhar qualquer resposta para
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59 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – X”
1. José Carlos Reis Disse:
Estarei errado?
Um abraço e fique com Deus!
José Carlos
2. Felipe Coelho Disse:
Felipe Coelho
3. Rosano Disse:
Eduardo.
5. rosano Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
7. Sandro de Pontes Disse:
Um abração,
Cassiodoro de Carvalho.
11. Sandro de Pontes Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
13. Eduardo Disse:
Eduardo.
14. Renato Salles Disse:
Salve Maria!
Existem algumas correntes sedevacantistas que defendem exatamente isso
que você escreveu: um papa jamais poderia cair em heresia DURANTE o
pontificado. Se ele é herege, então é porque já havia caído ANTES,
sendo, então, sua eleição inválida, nula como diz a Bula citada.
Recomendo o seguinte livro que trata da questão:
http://catolicosalerta.com.ar/iglesia-catolica/misterio-iniquidad.html
Um grande abraço!
Renato
15. Sandro de Pontes Disse:
Eduardo.
P.S.: Uma Igreja visível-invisível é uma contradição, Sandro. Como eu
disse ao Felipe, mais prudente é começar por mostrar que ainda há
Bispos de Pio XII e quais deles não aderem a heresias e cismas
(porque, considerando a hipótese de vocês, erros, mesmo graves, mesmo
negando doutrinas infalíveis da Igreja mas não divinamente reveladas,
não os excluiria da Igreja nem, portanto, lhes retiraria a
jurisdição). O que não dá, penso, é insistir numa Igreja visível-
invisível-misteriosa. Eu já quase engoli isso, mas… não desce mais!
17. Sandro de Pontes Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
20. Aruan Freitas Disse:
http://4.bp.blogspot.com/_Ygk7jiKS3HI/SvMFMwVfRRI/AAAAAAAAADM/oGmLiaTE
sPw/s1600-h/cod11.jpg
Ou seja, o cânone 188 deve ser lido a luz da bula de Paulo IV, que é
uma das suas fontes. E a bula fala justamente da incompatibilidade que
ora tratamos. Mas não apenas ela: outros documentos (de papas como
Inocêncio III que defendeu a incompatibilidade entre heresia e
jurisdição) também estão incluídos como fontes deste cânon. Basta você
clicar sobre a foto escaneada que ela se ampliará e você conseguirá
ler as fontes. E você:
“(…) Quem sabe não seja o que o Pe. Ceriani diz, que seja necessário,
por exemplo, inscrever-se em uma seita (e sei que o Daly nega —
haveria algum exemplo de aplicação do cânone em questão que
exemplifique inequivocamente a tese que ele defende?)”.
Prezado, penso que o contexto é claro no que se refere a palavra
“defeccionar”, ainda mais tendo como fonte a bula de Paulo IV. Porém,
o Revmo. Padre Ceriani defende que a pessoa teria que “corporalmente”
abandonar a fé católica no sentido de adentrar em uma falsa seita.
Para ele, alguém que defenda heresias e continue de batina não seria
atingido pelo 188,4, mas se tal pessoa colocasse um paletó e gravata e
aderisse a uma falsa igreja visivelmente sim!
Você pede que apresentemos “algum exemplo de aplicação do cânone em
questão que exemplifique inequivocamente a tese que ele (Daly)
defende”. Ora, no trabalho que indicamos sobre o direito de julgarmos
a heresia está dito que o 188,4 nunca foi objeto de interpretação
oficial, mas sim aquele outro cânone “irmão”.
Porém, o Catecismo Romano possui uma passagem que demonstra
cristalinamente que a heresia equivale, na prática, a apostasia e ao
abandono do exército católico. Veja:
“(…) Só três classes de homens são EXCLUÍDOS da comunhão com a Igreja.
Em primeiro lugar, os infiéis; em segundo, os HEREGES e cismáticos;
por último, os excomungados (…) Os hereges e cismáticos porque
apostataram da Igreja. PERTENCEM TAMPOUCO A IGREJA COMO OS DESERTORES
FAZEM PARTE DO EXÉRCITO QUE ABANDONARAM. É certo, todavia, que
continuam sobre o poder [coercitivo] da Igreja, que os pode julgar,
punir e excomungar!” (Catecismo Romano – 1º parte – Capitulo 10 – 9º
Artigo – Parágrafo 8 – Página 162).
Ou seja, Eduardo, para a Igreja não é preciso freqüentar literalmente
uma seita para defeccionar da fé: basta manifestar uma heresia
rechonchuda pertinazmente. Pergunto-te: será que por esta passagem do
Catecismo Romano não fica claro que “defeccionar da fé” corresponde a
manifestação pública e pertinaz de heresia?
Outra passagem que ao meu ver demonstra isso claramente é aquela onde
o verbo “defeccionar” aparece sendo utilizado na prática, também
relacionado a manifestação de heresia. Vejamos:
“(…) A autoridade de nossa Sede Apostólica determinou que não seja
considerado deposto ou excomungado o Bispo, clérigo ou simples cristão
que tenha sido deposto ou excomungado por Nestório ou seus seguidores,
DEPOIS que estes começaram a pregar a heresia. POIS QUEM COM TAIS
PREGAÇÕES DEFECCIONOU NA FÉ, não pode depor ou remover a quem quer que
seja” [Papa São Celestino I – Carta ao Clero de Constantinopla).
Penso que este é um exemplo prático de como a palavra “defeccionar”
sempre foi entendida pelos católicos. Não é preciso entrar
publicamente em uma falsa seita e ser visto por todos nela. Para a
Tradição, ensinar heresias é equivalente a defeccionar na fé.
Mas suponhamos que eu não o tenha convencido ainda: afinal, a questão
é realmente complicada. Coloco novamente aquilo que você propõe como
alternativa razoável a questão:
“(…) por que negar que o Pe. Ceriani tem razão quando afirma que não
são absolutamente incompatíveis heresia e jurisdição? Basta que essa
jurisdição seja mantida e sustentado pela autoridade superior”.
Eu nego isso baseando-me na autoridade dos papas, doutores e teólogos
da Igreja que abordaram o tema, a começar por São Tomás de Aquino, que
dispensa apresentações:
“(…) O PODER JURISDICIONAL é conferido por simples injunção humana; e
esse não adere imovelmente. Por isso, NÃO PERMANECE NOS CISMÁTICOS E
NOS HERÉTICOS. Por onde, não podem absolver, nem excomungar, nem
conceder indulgências, nem fazer coisas semelhantes. e, se o fizerem,
SERÁ COMO SE FEITO NÃO FOSSE” (S. Th. 2-2ae, q. XXXIX, a. 3).
Lembra-se que eu lhe disse que a sentença da Igreja retroage ao
cometimento do delito? São Tomás vai corroborar isso dizendo que:
a) o poder jurisdicional não permanece nos cismáticos e nos heréticos;
b) (caso clérigos hereges exerçam juridição praticando atos próprios a
ela) será como se feito não fosse;
Recapitulando: o clérigo manifesta publicamente a heresia. Ele decai
de seu cargo, de acordo com o 188,4. O processo começa pouco depois e
é concluído dali a seis meses. Neste período ele atuou como bispo, e
Padre Ceriani diz que ele o fez “a título precário”. Ora, isso deveria
significar que pelo menos os atos realizados por ele neste período
seriam válidos, pois apesar da heresia e do processo eclesiástico ele
ainda se mantêm no cargo. Mas não: São Tomás explica que neste período
tudo o que ele fizer é absolutamente nulo.
Continuando vejamos o que diz São Roberto Belarmino:
“(…) OS SANTOS PADRES ENSINAM UNANIMEMENTE, não só que os hereges
estão fora da Igreja, mas também que estão “IPSO FACTO” PRIVADOS DE
TODA JURISDIÇÃO E DIGNIDADE ECLESIÁSTICAS. São Cipriano (lib. 2,
epist. 6) diz: “afirmamos que absolutamente todos os hereges e
cismáticos não têm poder e direito algum”; e ensina também (lib. 2,
epist. 1) que os hereges que retornam à Igreja devem ser recebidos
como leigos, ainda que tenham sido anteriormente presbíteros ou Bispos
na Igreja. Santo Optato (lib. 1 cont. Parmen.) ensina que os hereges e
cismáticos não podem ter as chaves do reino dos céus, nem ligar ou
desligar. O mesmo ensinam Santo Ambrósio (lib. 1 de poenit., cap. 2),
Santo Agostinho (in Enchir., cap. 65), São Jerônimo (lib. cont.
Lucifer)”.
E continua:
“(…) os hereges já antes de serem excomungados estão fora da Igreja E
PRIVADOS DE TODA JURISDIÇÃO, pois já foram condenados por sua própria
sentença, como ensina o Apóstolo (Tit. 3, 10-11), isto é, foram
cortados do corpo da Igreja sem excomunhão, conforme explica São
Jerônimo”.
Logo, Eduardo, eu responderia assim a sua pergunta a respeito da tese
do bom padre da FSSPX: eu não posso aceitá-la porque fazendo isso eu
ficaria contra TODOS os santos doutores que abordaram o assunto, bem
como contra TODOS os papas que abordaram o assunto. Adotaria a posição
de um ou dois teólogos respeitáveis e me oporia aos demais, inclusive
ao Código de Direito Canônico.
Com relação ao restante de sua mensagem, que aborda o papado, eu
responderei posteriormente.
Abraços e perdoe-me por me alongar demais.
Sandro
22. Roberto F Santana Disse:
Amigos,
Passo aqui uma informação que tem relação com alguns comentários do
tópico.
É uma relação dos bispos ainda vivos que foram sagrados antes da morte
de Pio XII (9 de outubro de 1958).Temos ainda 25 bispos.
Data da Ordenação Episcopal
Nome
Título Atual
29 Jun 1944
Bishop Francis Hong Yong-ho
Em JMJ,
Felipe Coelho
26. Sandro de Pontes Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
29. Roberto F Santana Disse:
Por fim, esses meus comentários não são para refutar o sedevacantismo,
mas para defender consagrações sem mandato, apesar das argumentações
do padre Belmont e de John Daly.
30. Eduardo Disse:
Eduardo.
P.S.: Caro amigo Sandro, ainda me atendo ao teor deste meu comentário,
e notando que você compartilha da tese da Igreja visível-invisível-
misteriosa, lhe pergunto: estamos nos últimos tempos? Se sim, a coisa
não pode piorar (muito); se não…
Leiamos o que está dito no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima
Virgem, publicado no antigo site Capela, da Permanência:
“3- A Devoção à Santíssima Virgem será especialmente necessária nesses
últimos tempos
nº 2 – Os apóstolos dos últimos tempos
56. Mas quem serão esses servidores, esses escravos e filhos de Maria?
Serão ministros do Senhor ardendo em chamas abrasadoras, que lançarão
por toda a parte o fogo do divino amor.
http://www.strobertbellarmine.net/wilhelm_scannell_02.html
“O que tornou memorável o ensinamento de De Ecclesia Militante na
história da teologia católica foi o fato de São Roberto [Belarmino]
insistir que todos os elementos necessários para a condição de membro
da verdadeira Igreja do Novo Testamento são fatores visíveis, pois a
Igreja militante do Novo Testamento é, conforme o ensinamento e o
decreto do mesmo Deus, ‘uma assembleia de homens tão visível e
palpável quanto o conjunto do povo romano, ou o reino da França, ou a
república de Veneza’ (cap. 2).”
http://www.catholicculture.org/culture/library/view.cfm?recnum=1357
A isso, o Sr. Lane responde com as seguintes reflexões
interessantíssimas, que traduzo agora (pretendendo traduzir logo mais
a excelente conferência dele “The Seamless Robe and the Great
Privilege of Witnessing the Passion of the Mystical Body. A General
View of the Present Crisis” [A Túnica Inconsútil e o Grande Privilégio
de Testemunhar a Paixão do Corpo Místico. Uma Visão Geral da Crise
Presente], http://sedevacantist.com/general_view.htm ):
A metáfora da corda bamba é boa: o Novus Ordo à esquerda, e o abismo
da apostasia direta à direita. Mas temos de permanecer simples. Este é
o Sábado Santo da Igreja. Ela está desfigurada e aparentemente morta,
e mesmo escondida no sepulcro. Mas ela ressurgirá. E temos de lembrar
que o único ser humano com Fé plenamente intacta durante aquele dia
terrível foi Nossa Senhora, então isso é seguramente a indicação mais
clara de que, durante esta era, temos de nos voltar para ela para
obter auxílio. Ela só, como a liturgia nos assegura, destruiu todas as
heresias.
[...]
Posso garantir que, sempre que falo de os laços da unidade serem a Fé
e a Caridade, quero dizer a Fé professada exteriormente e a Caridade
visível da comunhão nos mesmos sacramentos e submissão à mesma
autoridade legítima.
E claro que a unidade da Igreja é a razão primordial (ao meu ver) pela
qual a seita Novus Ordo não pode ser a Igreja. Nem pode ela consistir
dos católicos tradicionais unidos com o Novus Ordo. Em nenhuma dessas
duas hipóteses poderia alguém razoavelmente dizer que ela possuiria a
necessária unidade de Fé e Caridade. Mas, se a Igreja consiste dos
católicos tradicionais (mais algumas pessoas ainda atoladas no Novus
Ordo mas sem professar suas heresias), então ela retém sua unidade
visível em seus elementos essenciais.
O bispo com jurisdição é, tecnicamente, nada mais que uma dificuldade.
[N. do T. – E, recordando a sentença célebre do Cardeal Newman, “mil
dificuldades não fazem uma dúvida”.] Ela é resolvida simplesmente
professando nossa crença de que tem de haver um, e, se afinal acabar
que não havia, aí então também acabará que havia outra solução para a
dificuldade. É preciso manter nossos pensamentos na ordem apropriada.
[...]
Por favor, considere isto atentamente:
1. Penso que a Igreja deve possuir sempre ao menos um bispo com
jurisdição ordinária ou ela não seria a Igreja. Mas posso ter
entendido errado alguma coisa. A humildade dita que consideremos nossa
própria fraqueza ao invés de permitir qualquer ofensa à fé.
Mas suponhamos que eu esteja inteiramente certo em minha afirmação.
2. Até que se demonstre que a Igreja não possui nem mesmo um único
bispo com jurisdição ordinária, então não há nenhum problema real. O
“problema” é meramente uma dificuldade que superamos com humildade e
atos de fé.
Também temos de manter as coisas em seus devidos lugares e relações
umas com as outras. A Igreja deve ter ao menos um bispo com jurisdição
ordinária, porque ela deve ter sempre docentes autênticos. Ela deve
ser sempre visível também. Mas, até onde vejo, as duas verdades podem
ser verificadas independentemente uma da outra; ou seja, a Igreja é
uma unidade visível de fé e caridade e isso se verifica hoje pela
consideração da unidade dos católicos tradicionais professando todos
as mesmas doutrinas, partilhando dos mesmos sacramentos e obedecendo
às mesmas leis; esses docentes estão sempre ensinando em ato, de modo
que isso pode verificar-se hoje num velho bispo “aposentado” que
manteve a Fé e a profissão dela, e cuja renúncia foi inválida por
falta de superior legítimo para aceitá-la. Assim, ele é católico e tem
ordens episcopais e jurisdição ordinária, ainda que não a esteja
exercendo. Potencialmente há muitos bispos assim…
[Há quem] se refira a isso (ou a ideia semelhante a esta) como ideia
do “bispo na selva”, suponho que por analogia com o caso hipotético
considerado por Santo Tomás do homem invencivelmente ignorante da Fé
por ter sido criado por lobos na selva. Mas nas condições que expus
aqui, não há selva nenhuma envolvida, meramente confusão sobre o
Vaticano II e sua autoridade exata. A não ser que se possa demonstrar
que a aceitação do Vaticano II em si mesma acarreta a perda da Fé
sobrenatural e, pois, basta para destituir um homem da condição de
membro da Igreja, não se pode descartar sem mais uma tal hipótese.
Na realidade, penso que a ideia de haver muitos bispos assim é de fato
provável antes que improvável.
(J.F. LANE, Comentários de 11-13-IX-2006, nos Bellarmine Forums, a “O
inteiro corpo episcopal caindo em heresia?“)
Penso que tanto esse comentário quanto a tradução que acabo de
publicar devem ajudar bastante a esclarecer a questão. E aproveito
para fazer minhas as perguntas do Sandro ao Eduardo, em seu último
comentário.
Abraços,
Em JMJ,
Felipe Coelho
34. Eduardo Disse:
Eduardo.
35. Felipe Coelho Disse:
“Quando Deus quer fazer ver que uma obra é toda de Sua mão, Ele reduz
tudo à impotência e ao desespero, em seguida Ele age.”
E, como profetizado em Fátima, de algum modo todos conhecerão que o
triunfo se deu pela intercessão do Imaculado Coração de Maria!
Um grande abraço,
Em JMJ,
Felipe Coelho
36. Cassiodoro Disse:
Abraços e abraços.
Cassiodoro.
37. Felipe Coelho Disse:
http://fratresinunum.com/2011/06/15/para-debate-a-regularizacao-
canonica-da-fraternidade-sao-pio-x/#comment-23388
…e cujo cerne já se encontra bem desenvolvido aqui (onde você lerá a
condenação pelos Papas e Concílios das teses galicano-jansenistas que
a maioria na FSSPX repete):
Rev. Pe. Francesco RICOSSA, Prefácio à edição italiana das
“Considerações Sobre o Novus Ordo Missæ” de Arnaldo Xavier da
Silveira, 1994, http://wp.me/pw2MJ-rU
Sobre o estudo do Rev. Pe. Ceriani, um primeiro grave erro encontra-se
exposto aqui, onde fiz questão de citá-lo nominalmente:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Um Cardeal Excomungado Pode Ser Eleito Papa?,
2007, http://wp.me/pw2MJ-Hb
Outro, se bem lembro, pode ser lido aqui:
http://aciesordinata.wordpress.com/2011/03/30/textos-essenciais-em-
traducao-inedita-liv/#comment-846
Enfim, talvez valha a pena ler também os artigos, não apenas os
comentários, né, Cassiodoro? Entendo, porém, que sejam meio longos e
não contem com a chancela do seu partido…
Atenciosamente,
Em JMJ,
Felipe Coelho
38. Eduardo Disse:
Eduardo.
39. Eduardo Disse:
Eduardo.
40. Roberto F Santana Disse:
Porém, não posso deixar de dizer que o considero um mal papa, assim
como considero João Paulo II e Paulo VI e João XXIII governantes
tiranos.
Sem que pode parecer contraditório mas penso que seja possível, nessa
altura da história humana, que tenhamos papas ruins, fracos e até
mesmo maus.
Penso que por alguma razão estamos em uma época muito difícil de
entender.
Entretanto, tenho uma certeza, não vai ser brigando que vamos chegar a
alguma solução.
41. Cassiodoro Disse:
Felipe Coelho
43. Anônimo Disse:
À esperança em Cristo!
Cassiodoro.
47. Felipe Coelho Disse:
John F. Lane
Em sua essência, esta crise é uma crise de Fé. Façamos um pequeno tour
pela história, para melhor aquilatar como isso é assim, e o que isso
significa para aqueles de nós que fomos escolhidos, desde toda a
eternidade, para viver ao longo desta crise e para receber o grande
dom da verdadeira Fé.
Podemos, para os nossos propósitos, dividir a história da Igreja em
quatro períodos: a fundação, a antiga, a intermediária, e a presente
crise.
A fundação ou início viu a Santa Igreja emergir misticamente do lado
de Nosso Senhor no Calvário, como os Padres dizem, simbolizada pelo
Sangue e água (o divino e o humano). E viu Nosso Santíssimo Redentor
aparecer aos Apóstolos e discípulos muitas vezes, para confirmar a Fé
deles e instruí-los. Mas, para dar a eles a oportunidade de tornar-se
homens verdadeiramente espirituais com Fé verdadeiramente meritória,
Ele subtraiu-Se sensivelmente da presença deles e enviou o Espírito
Santo, que os iluminaria interiormente e recordaria a eles todas as
coisas que Ele ensinara-lhes enquanto ainda estava na terra. “Bem-
Aventurados os que não viram e creram.” Santo Agostinho diz que se
Nosso Senhor tivesse permanecido visivelmente na terra, os Apóstolos e
discípulos teriam encontrado em Sua humanidade santa um obstáculo ao
progresso na Fé e Caridade, precisamente porque seu amor por Ele era
demasiado humano e imperfeito. E foi por essa razão que o Espírito
Santo, que pode fazer tudo, não podia vir a nós sem que Cristo antes
nos deixasse: pois ainda não podíamos recebê-lO. Aprendemos assim que,
bem no início da história da Igreja, a retirada, por Nosso Senhor, de
um bem (Ele Mesmo) foi, em si mesma, um ato de caridade pelos homens.
Foi para o homem poder crescer em virtude e tornar-se mais semelhante
a Ele, e assim merecer para a eternidade. E foi para que o Espírito
Santo pudesse vir e habitar permanentemente em nossas almas! Deus é
muito bom!
O segundo período – os primórdios – da Igreja viu o dom dos milagres
ser concedido aos Apóstolos e seus sucessores imediatos, conforme a
promessa de Nosso Senhor, para dar confirmação indiscutível da verdade
do Evangelho e garantir, assim, sua rápida propagação pelo mundo.
Quando isso foi cumprido, esse dom particular foi subtraído, assim
como Nosso Senhor subtraíra Sua própria presença visível, para
permitir aos homens merecer em grau maior por meio de atos de Fé.
Novamente, vemos Nosso Senhor tirar algo – o dom de milagres – para
dar a maior oportunidade possível aos homens de elevarem a si próprios
acima deste mundo e, assim, conquistarem a felicidade eterna.
O período intermediário – isto é, o período anterior à crise presente
– mostra muitas características que são indiscutivelmente divinas,
tais como a realmente espetacular unidade visível da Igreja na Fé e
Caridade, a linhagem dos Papas ininterrupta mesmo a despeito de
horrores como Grande Cisma do Ocidente, a óbvia fertilidade da Igreja
em produzir tantos e tão variados santos, a cultura pujante da
civilização forjada pela Igreja a partir dos restos da cultura
clássica e da matéria bruta da exótica mistura de sangues da Europa,
com sua música, arquitetura, literatura, ordens religiosas,
universidades, corporações, parlamentos e tudo o mais. Tudo isso,
afirmo, foram motivos monumentais para ter a Igreja na mais alta conta
– e tê-la em alta conta, crendo em seu caráter divino. O homem moderno
não enxerga isso, porque ele não percebe que a Europa é criação da
Igreja, mas todo o mundo antes de nossos séculos ignorantes enxergou e
respeitou isso, mesmo que não quisessem enxergá-lo.
Nosso período vê tudo isso obscurecido, e rapidamente obscurecido. A
Santa Madre Igreja virtualmente desapareceu. Sua influência no mundo
parece ser nula. Ela tornou-se diminuta onde ela era imensa. Sua
unidade é nublada por rachaduras não essenciais mas ainda assim
importantes – fissuras que ameaçam criar divisões essenciais e
portanto mortíferas mesmo entre os Fiéis remanescentes. Tudo é
sombrio, e acumulam-se trevas.
Se acreditamos na Igreja Católica e acreditamos na Divina Providência,
então temos de enxergar que há diversas provações que Nosso Santíssimo
Redentor está permitindo que padeçamos nesta crise. Uma é a aparente
ausência daqueles motivos mesmos de crer, que os manuais de
apologética empregavam como ponto de partida: a unidade visível da
Igreja, sua santidade manifesta, etc. Outra é a própria ausência de
decisões finais de Roma. Sim, nós desejamos com desejo ardente que
Nosso Senhor nos instrua, e Ele permanece em silêncio.
Por que isso é assim? A história e os Evangelhos dão a resposta. Nosso
Senhor faz essas coisas para dar-nos oportunidade de merecer. Com a
Sua graça recebemos, assim, Fé maior do que beneficiaríamos de outro
modo e, por essa Fé, mérito maior do que de outro modo poderíamos
conquistar. E essa Fé e o mérito correspondente dão a Ele glória.
A outra face da mesma moeda é que Ele faz isso para permitir ao
demônio “fazer o seu pior” como o demônio fez a Jó, e assim provar a
todos que ele é impotente contra a graça. Leão XIII sabia que o diabo
recebera cerca de cem anos para destruir, se possível, a Igreja
Católica. Ele fracassará. Mas quão perto chegará da vitória, antes
desse fracasso? A ressurreição da Igreja será, de fato, demonstração
maravilhosa da onipotência de Deus e da definitiva impotência de
Satanás.
Examinemos agora, um pouco mais detidamente, o laço da Caridade, para
que possamos ver como ele existe e como ele é agredido, e como devemos
preservá-lo. A natureza essencial do duplo laço de unidade da Igreja
foi exprimida pelo Concílio do Vaticano:
“O Eterno Pastor e guardião de nossas almas, para perpetuar a
salutífera obra da redenção, determinou fundar a Santa Igreja, na
qual, como na casa do Deus vivo, todos os fiéis se conservassem unidos
pelo vínculo da mesma fé e da mesma caridade.”
Assim, a túnica inconsútil de Nosso Senhor, deixada intacta até mesmo
pela soldadesca romana no Calvário, e que representa misticamente a
unidade da Igreja, consiste de dois elementos entrelaçados: Fé e
Caridade. Vimos como nossa Fé é testada, purificada, e incrementada,
quando seus apoios usuais são removidos ou obscurecidos. Devemos ver
também como a Caridade é servida pelo mesmo processo.
Estamos sendo convidados por Deus a permanecer em paz com homens com
quem sofremos as maiores diferenças possíveis fora daquelas coisas
ensinadas infalivelmente pela Santa Madre Igreja. Temos de considerar
irmãos católicos a homens que aceitam um falso papa ou rejeitam o
verdadeiro, dependendo de nosso ponto de vista. Estamos sendo
convidados a combater o bom combate ao lado de homens que pensam que
Nosso Santo Redentor é ultrajado diariamente na Santa Eucaristia no
Novus Ordo, ou com homens que pensam que Ele não está lá em absoluto,
dependendo novamente do juízo que formamos sobre o ponto
controvertido.
Santo Agostinho, falando da controvérsia sobre questões ainda não
decididas pela Santa Igreja, após referir-se ao fato de que sem a
caridade todas as outras virtudes são vãs, explica:
“E, contudo, se dentro da Igreja homens diferentes ainda detivessem
opiniões diferentes sobre o assunto, sem nesse ínterim violarem a paz,
então até que um decreto simples e claro seja emitido por um Concílio
universal, seria correto à caridade que procura a unidade cobrir com
um véu o erro da enfermidade humana, como está escrito: ‘Pois a
caridade apaga uma multidão de pecados’. Pois, vendo que a ausência
dela faz com que a presença de tudo o mais seja vã, podemos muito bem
supor que, na presença dela, encontra-se perdão para a ausência de
algumas coisas faltantes.”
25 de maio de 2006
Eduardo.
P.S.: Desviando um pouco o assunto, mas aproveitando o meu palavrório:
vocês viram o Pe. Élcio Murucci comentando o sermão de D. Galarreta no
Fratres in Unum?; caramba!, eu não pensava que estávamos daquele
jeito, não! O “resistente” de Campos… que frustração….
49. Felipe Coelho Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
50. Eduardo Disse:
Eduardo.
51. Roberto F Santana Disse:
Acho que estamos sob tirania papal, por outro lado, comparar governos
ou situações civis com o governo da Igreja talvez não dê certo.
O que você acha desse trecho do “The Material Papacy” do bispo Donald
Sanborn:
Eduardo.
53. Sérgio Meneses Disse:
Eduardo.
59. Aruan Freitas Disse:
AMDGVM
EPIQUEIA
Conferencista:
John S. DALY
(…)
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, Epiquéia (conferência), trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, mar. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1gK
[N. do T. - Esta tradução foi expressamente autorizada pelo Autor e,
até onde eu sei, o original ainda não foi publicado em parte alguma,
tratando-se assim do primeiro trabalho do Sr. Daly que tenho a honra
de publicar com exclusividade aqui no blogue Acies Ordinata. Honra
tanto maior quanto este estudo é profundo e erudito ao mesmo tempo que
torna acessível questão tão elevada, e do mais alto interesse em
nossos dias pela luz que projeta sobre a matéria, dissipando tanta
nebulosidade que a envolve hoje quase que universalmente. Deo gratias!
Em JMJ, Felipe Coelho.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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4 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CXXII”
1. Roberto F Santana Disse:
Nós que a cada dia, felizmente ou infelizmente, nos damos conta de uma
crise que é mesmo impossível!
Parabéns por mais esse trabalho, nessa nossa época de mesmice
paralisante e mesquinhez sem fim do “tradicionalismo” no Brasil.
2. Sandra Sabella Disse:
http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=1117).
_____________
SOBRE A OBRA E SEU AUTOR:
“Muito mais influente, todavia, foi o tratado De theologia generali,
no primeiro volume das Institutiones theologiae dogmaticae de Herrmann
[27. O editor Emmanuel Vitte publicou uma sétima edição das
Institutiones de Herrmann em Lião e Paris em 1937], obra que,
incidentalmente, mereceu ao seu autor carta de agradecimento do
próprio São Pio X.”
(Mons. Joseph Clifford FENTON, The Teaching of the Theological Manuals
[O Ensinamento dos Manuais de Teologia], American Ecclesiastical
Review, abril de 1963, pp. 254-270, em:
http://www.catholicculture.org/culture/library/view.cfm?id=3012).
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Padre Johann HERRMANN, C.Ss.R., Condições para o bispo ser Sucessor
dos Apóstolos, excerto de suas: Institutiones Theologiæ Dogmaticæ, n.º
282.
Trad. br. anotada por F. Coelho, a partir da trad. fr. por J.S. DALY.
São Paulo, abril de 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-mb
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Washington, Capital
6. DB, 100.
11. Santo Tomás ensinou na Summa contra gentiles, Lib. IV, cap. 76,
que, para conservar a unidade da Igreja, o poder das chaves deve ser
transmitido, por intermédio de Pedro, aos outros pastores da Igreja.
Escritores subsequentes também recorreram ao ensinamento dele na Summa
theologica, IIa-IIae, q. 39, art. 3, em seu Comentário às Sentenças de
Pedro Lombardo, IV, dist. 20, art. 4, e em seu Comentário ao Evangelho
segundo São Mateus, no cap. 16, n. 2, em apoio da tese de que os
bispos derivam seu poder de jurisdição imediatamente do Soberano
Pontífice.
12. Cf. o Comentário às Sentenças, por Ricardo, Lib. IV, dist. 24.
14. Cf. Summa de ecclesia (Veneza, 1561), Lib. II, capítulos 54-64,
pp. 169-188. A tese de Turrecremata é idêntica àquela ensinada pelo
Papa Pio XII, embora a terminologia dele seja diferente. O Santo Padre
fala dos bispos recebendo o poder de jurisdição deles imediatamente da
Santa Sé, i.e., de Nosso Senhor através do Soberano Pontífice, já
Turrecremata fala dos bispos recebendo o poder deles de jurisdição
mediatamente ou imediatamente do Santo Padre, i.e., dele diretamente
ou de algum outro autorizado a agir em nome dele.
19. Cf. Lib. IV, cap. 4, in: Migne, Theologicae cursus completus
(MTCC) XII, 596 ss. Suarez toca nessa questão em seu tratado De Romano
Pontifice na Opus de triplici virtute theologica, De fide, tract. X,
seção 1.
21. Cf. De clavibus Petri (Rome, 1560), Lib. I, cap. 3, pp. 36 ss.
29. Cf. Tractatus de ecclesia Christi, pars. II, sect. 1, in MTCC, IV,
1043 ss.
31. Cf. In primam secundae Sancti Thomae (Lião, 1631), II, 31.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Mons. Joseph Clifford FENTON, A Jurisdição Episcopal e a Sé Romana,
trad. br. por F. Coelho, São Paulo, abril de 2010, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-o7
de: “Episcopal Jurisdiction and the Roman See”, The American
Ecclesiastical Review, vol. CXX, n.º 4, abril de 1949, pp. 337-342.
Cf. o original transcrito em:
http://www.strobertbellarmine.net/forums/viewtopic.php?f=2&t=207
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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Uma resposta para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – III”
1. Aruan Freitas Disse:
John Daly
É verdade que o Episcopado existe por direito divino e que, por
direito divino, cada Sucessor dos Apóstolos pode ordenar padres com o
direito de exercer seu sacerdócio.
O Bispo, Sucessor dos Apóstolos, não tem necessidade de concessão
especial por parte do Papa a fim de ordenar um padre, pois ele já
possui esse poder, por direito divino, enquanto Sucessor dos
Apóstolos.
Mas donde vem que ele seja Sucessor dos Apóstolos? É porque o Papa
elevou-o a essa dignidade.
Ora, o Cardeal Billot é impossível ser mais explícito, tanto no De
Ecclesia quanto no De Sacramentis, a propósito de que todo o poder de
ordem depende, para a licitude de seu exercício, do poder de
jurisdição, e isso por direito divino.
A partir do momento em que nos apresentam um homem que recebeu a
sagração válida, mas sem o Papa tê-lo nomeado à Hierarquia como
Sucessor dos Apóstolos, encontramo-nos necessariamente perante a
questão: com base em que direito esse homem pretende exercer o poder
validamente recebido?
A única resposta admitida seria: por um direito recebido da parte do
Papa ou da parte de alguém a quem o Papa delegou esse poder.
Dado, porém, que nenhum Papa ou delegado do Papa deu esse direito aos
bispos tradicionalistas, propuseram-se outras soluções, dentre as
quais a que pretende que, por direito divino, todos os bispos teriam
não só o poder, como também o direito de sagrar e de “enviar”
[“missioner”] outros bispos; assim, somente o direito eclesiástico
restringiria esse poder ao Papa.
Só que uma enormidade dessas teria de ser respaldada por autoridades
teológicas… pois a doutrina tradicional é certamente o contrário. O
poder de nomear membros da Hierarquia pertence por direito divino
exclusivamente ao Papa, ainda que possa ser delegado por ele.
O bispo não hierárquico, sem sé nem mesmo titular, sem missão
recebida: perante a teologia e perante a Igreja, ele não tem
existência. Ele pode agir validamente, mas não licitamente. Seus atos
não são apostolado, pois ele não recebeu missão apostólica. O sopro
divino “sicut Pater me misit ego mitto vos [assim como o Pai me
enviou, Eu vos envio]” não chega até ele. E “nemo dat quod non habet
[ninguém dá aquilo que não tem]”: os padres que ele ordena estão na
categoria, clarissimamente explicitada pelo Cardeal Billot, dos que
têm o poder válido do sacerdócio sem poderem, em nenhum caso, exercê-
lo sem cometer sacrilégio. E, por essa razão, os fiéis não podem, sem
sacrilégio, aproximar-se desses padres para receber os sacramentos.
(*)
Não há aqui questão de cisma nem de excomunhão. Trata-se da ausência
da missão divina que é transmitida na Igreja a partir dos Apóstolos —
em toda a sua plenitude — à Sé Apostólica, e a partir da Sé Apostólica
— em menor grau — aos Bispos hierárquicos, e a partir dos Bispos
hierárquicos aos padres… (**)
_____________
NOTAS DO TRADUTOR:
(*) Antes de tirar conclusões de graves consequências, convém
considerar também o parecer do Rev. Pe. Belmont, no Apêndice I de seu
extenso estudo sobre o tema.
(**) Para os textos relevantes do Cardeal Billot cuja doutrina o A.
ecoa aqui, cf. os excertos de 21 a 25 de seu Florilégio sobre o
assunto, tendo em mente também as demais citações ali contidas, como a
do Concílio de Trento. Há também, do A., tradução inglesa da Tese XVI
do De Sacramentis de Billot, fonte de dois daqueles cinco trechos por
ele coligidos, a qual pretendemos ainda verter para o português, se
Deus quiser.
A presente tradução responde, ao menos em parte, às perguntas dos
amigos Rosano, Roberto e Aruan (a este devo ainda, como se vê, mais
objeções às inovações do Padre Calderón, espero que para breve), assim
como — aproveito para mencionar agora — tanto o já mencionado
Florilégio quanto a tradução citando Journet e Lenoir, que se lhe
seguiu, visavam responder às perguntas (em ordem cronológica:) dos
amigos Sérgio, Eduardo, Aruan e Sandro.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John DALY, A necessidade de missão divina segundo o Príncipe dos
Teólogos. Sã teologia, sem conjecturas, 2007, trad. br. por F. Coelho,
São Paulo, fev. 2011, blogue Acies Ordinata: http://wp.me/pw2MJ-Ak
A partir de um comentário do Autor em:
http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=342549
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – L”
1. Rosano Disse:
As Sagrações Episcopais
em questão
exclusivamente e necessariamente,
Notre-Dame de Joie,
_____________
Índice
EM QUESTÃO
PREFÁCIO
AS FILHAS DE LÓ (fev. 1997)
Retrospectiva
Complemento doutrinário
Perguntas
Conclusão
UM ABISMO INTRANSPONÍVEL: O EPISCOPADO AUTÔNOMO (jun. 1997)
Anexo I – Resposta acerca da atitude prática a adotar com respeito aos
padres ordenados por bispos sagrados sem mandato apostólico
Anexo II – Excerto da carta de apresentação ao número 5 de Les Deux
Étendards (dez. 1997)
Anexo III – Excerto de carta a alguns jovens sobre a vocação
(primavera de 1999)
Anexo IV – Excerto de carta a um moço que acaba de entrar no seminário
(outono de 1999)
Anexo V – A fé inteira, nada além da fé. Excerto de nota enviada a
alguns pais de alunos.
_____________
Prefácio
Constituição da Santa Igreja Católica, preocupação com o bem comum,
prudência exacerbada por sermos órfãos, necessidade de paciência,
primado do testemunho da fé e da retidão doutrinal… aí estão
argumentos que, em nossos tristes tempos, não tornam eficaz um
discurso, mesmo entre os católicos decididos a permanecer fiéis em
meio à terrível tempestade que se abate sobre a Santa Igreja. Preferem
ater-se à facilidade de assistência à Santa Missa, à comodidade na
recepção dos sacramentos, à perenidade das obras empreendidas…
Certamente, estes são grandes bens, mas são bens que não se pode
desejar nem obter a qualquer preço.
Será mister recorrer às sagrações episcopais sem mandato apostólico?
Esse recurso é suscetível de ser a santa vontade de Deus? Nas últimas
duas décadas, muitos responderam afirmativamente. Por aí se vê como é
necessário debruçar-se muito seriamente sobre a questão, e a presente
brochura tenta fazê-lo à luz da teologia e da prática da Igreja. Para
dizer a verdade, deveria ser impossível sequer contemplar fazê-lo de
outro modo!
Este opúsculo reúne escritos de circunstância produzidos ao longo de
vinte anos; nisso, falta-lhe unidade e expõe-se a numerosas
repetições. Em compensação, apresenta a vantagem de expor um
pensamento que vemos formar-se aos poucos, à medida que as questões se
põem e que a necessidade se faz sentir: não se trata de “música de
câmara”, trata-se de um dique edificado pouco a pouco à medida que as
vagas do recurso ao episcopado aumentam e ameaçam tudo submergir.
Poder-se-á, ainda, fazer notar que este estudo foi e continua
ineficaz, pois a quase totalidade do pequeno mundo tradicionalista
recorre a essas sagrações que boa teologia e verdadeiro sentido da
Igreja fazem julgar inaceitáveis. Aos olhos humanos, tal ineficácia é
fato certíssimo! Mas, ao olhos do Bom Deus e de Nossa Senhora, não
consiste a eficácia em permanecer fiel, quaisquer que sejam as
consequências, e em esclarecer seu próximo, na medida de suas
possibilidades?
Constituição da Santa Igreja Católica, preocupação com o bem comum,
prudência exacerbada por sermos órfãos, necessidade de paciência,
primado do testemunho da fé e da retidão doutrinal… é bem sob esta luz
que é preciso colocar-se. Isso significa que a publicação desta
brochura parece oportuna; chega mesmo a ser urgente, de tanto progride
a aceitação do episcopado sem mandato: o fato consumado, o desejo de
encontrar algum conforto sacramental, o obscurecimento do sentido da
Igreja são disso a causa. É preciso reagir e reencontrar o brilho da
santa doutrina.
As filhas de Ló
[1. Extraído do número 3 (fevereiro de 1997) da revista Les Deux
Étendards [Os Dois Estandartes], editada pela associação Grâce et
Vérité [Graça e Verdade], 27 Casquit, F—33490 Saint-Maixant.]
A crise, pela qual é misteriosamente afetada a Santa Igreja Católica,
perdura e perdura ainda, e à vista humana seu termo não aparece. São
muitos os que estimam que o recurso a sagrações episcopais [realizadas
sem nenhum mandato apostólico] é a única solução para sobreviver até o
retorno da ordem, e que essa solução é abençoada por Deus, não
obstante a lei ou a constituição da Igreja Romana. Eles já faz tempo
que passaram ao ato, a ponto de os bispos “ilegais” serem numerosos e
os haver de todos os gêneros e de todas as posições. Cada qual pode
encontrar aquele que lhe convém.
Essa via episcopal, pelo contrário, parece-nos impossível em termos de
doutrina e de um perigo temível em termos de prudência. É o que
queremos exprimir no presente parecer. Resignamo-nos a falar disso
novamente, porque não é sem grande tristeza que vemos os adeptos dessa
via ganhar terreno, pondo aos poucos os católicos perante o fato
consumado (o que não é um modo de progressão muito evangélico), por
vezes ao arrepio de toda a dignidade (não vemos um desses bispos fazer
publicidade como se faria a de uma marca de sabão?… Dom Fulano lava
mais branco?). Além disso, tememos que essa questão se torne, por um
lado, itinerário de fuga para longe da doutrina e da prática católicas
e, por outro, pomo de discórdia entre católicos que são de resto bons
amigos, pelos quais temos estima e reconhecimento. Este parecer não
tem outra ambição que a de esclarecer-lhes, pondo a questão sob a
única e verdadeira claridade: a da santa doutrina.
Este parecer não tem autoridade alguma em razão de seu autor, que não
passa de um pobre pecador. Sua única autoridade é a dos argumentos que
apresenta. Mas atenção: os argumentos são graves, enraízam-se na
doutrina perene da Igreja e em reflexão de mais de quinze anos. Essa
estabilidade não é de modo algum prova de verdade, mas, num universo
de opiniões que flutuam com os anos e os interesses [2], pode ser um
título a se fazer escutar. E atenção, ainda, à gravidade das
consequências de uma atitude na qual a salvação eterna de uns e de
outros está envolvida.
[2. Eis dois exemplos, dentre muitos outros, dessas flutuações. Quatro
meses antes de ser sagrado bispo, o Rev. Pe. Guérard des Lauriers
rejeitava toda a ideia de sagração, a propósito do Pe. Barbara, que
diziam desejoso de se fazer sagrar, e citava São Paulo: “Que cada qual
caminhe conforme a própria vocação” (I Cor. VII, 17) [audível em
Cassetiacum, n.° 1]. Em 11 de abril de 1987, Dom Lefebvre declarava em
Nantes: “Se eu sagrar um bispo sem a indispensável autorização do
Papa, serei cismático” [Monde-et-Vie, 15 de maio de 1987]. E, no
entanto, a 30 de junho de 1988, Dom Lefebvre sagrava por conta própria
quatro bispos, explicando que isso não era cismático.]
Não tendo o lazer de compor tratado sintético da questão, procederemos
em forma de retrospectiva, apresentando textos que abrangem uma
quinzena de anos, acrescentando-lhes um complemento doutrinal e a
resposta a algumas dificuldades, tirando por fim conclusão do
conjunto. O leitor benévolo quererá bem desculpar o tom um pouco
pessoal dado ao todo, mas não soubemos como evitá-lo.
Retrospectiva
A primeira ocasião de refletir precisamente sobre a natureza do
episcopado em relação à crise da Igreja foi-nos propiciada por um
curioso documento, primeira extrapolação do poder episcopal e primeira
abertura longínqua rumo às sagrações: numa ordenança do 1.º de maio de
1980, Dom Lefebvre concedia aos padres da Fraternidade São Pio X
“poderes” literalmente exorbitantes, chegando até à faculdade de dar o
sacramento da confirmação ou de dispensar de impedimentos ao
matrimônio. Tais poderes eram nulos, sem dúvida alguma, mas mostram
até que ponto os católicos estavam prontos a aceitar, sem nenhuma
reflexão, tudo o que lhes obtivesse conforto sacramental. Tivemos
assim ocasião de começar a estudar a natureza dos poderes episcopais e
as relações entre a ordem e a jurisdição. Este estudo foi publicado no
n.° 6 dos Cahiers de Cassiciacum [Cadernos de Cassicíaco]. [3. Ainda
disponíveis, assim como os números precedentes e a Cassetiacum
mencionada na nota 2 acima, na Association Saint-Herménégilde, Prieuré
La Croix-Saint-Joseph [Associação Santo Hermenegildo, Priorado Cruz de
São José], 1110 chemin du Puits du Plan, F — 06370 Mouans-Sartoux.]
Em 7 de maio de 1981 (quase simultaneamente e nas mesmas condições que
dois sacerdotes mexicanos, os padres Carmona e Zamora), o Rev. Pe.
Guérard des Lauriers, O. P., recebia secretamente a sagração episcopal
das mãos de Dom Ngo Dinh Thuc, que fora arcebispo de Hué. Tão logo
souberam dessa notícia (no mês de janeiro seguinte), os Rev.s Pe.s
Georges Vinson e Louis-Marie de Blignières e os clérigos Jacques-Marie
Seuillot, Philippe Guépin, Bernard Lucien e Hervé Belmont difundiram
uma declaração renovando sua adesão à “tese de Cassicíaco” sobre a
vacância formal da Sé Apostólica, afirmando seu total desacordo com
essa sagração, por razões teológicas e canônicas, afirmando também não
acreditarem ter havido cisma e excomunhão. Lia-se aí, particularmente,
o seguinte:
“Nestas condições, não vemos como a transmissão do episcopado ao
Reverendo Padre Guérard des Lauriers possa se justificar do ponto de
vista teológico. Não podemos, portanto, subscrevê-la de modo algum.
Nós a deploramos, em razão do perigo próximo ao qual é exposta a ordem
hierárquica na Igreja, e reprovamo-la, na medida em que está em nós
fazê-lo. Nós desaprovamos, então, todo o eventual exercício de seu
poder episcopal” [4. O texto dessa declaração foi publicado na revista
Itinéraires [N.° 261, março de 1982] e provocou reação de violência
inaudita do Padre Barbara, que difundiu um panfleto “Mort d’un
syndicat, naissance d’une secte ?” [“Morte de um sindicato, nascimento
de uma seita?”], que ele fez distribuir manu militari: esbravejava ele
aí que houvera cisma e escândalo. Pergunta (com um sorriso) [triste]:
quinze anos depois, quem permanece nas mesmas convicções? quem honra
ainda sua assinatura?]
A questão era posta aí na perspectiva correta, a da constituição da
Igreja e da natureza do episcopado.
Passam os anos. A reflexão progride, o estudo também.
Dom Castro Mayer, que entregara sua demissão de bispo de Campos,
hesita em ordenar padres sem diocese. Uma nota teológica que redigimos
em 1985 (ou 1984?), a pedido e para convencê-lo de que essas
ordenações seriam legítimas na situação presente, argumenta, entre
outras coisas, com a distinção essencial que deve ser feita entre o
padre e o bispo do ponto de vista da relação com o Corpo Místico de
Jesus Cristo, que é a Igreja. É esse argumento que será desenvolvido
num pequeno estudo redigido em 1986, em resposta a uma pergunta que se
ouve com frequência: dado que pode ser legítimo ordenar padres
ilegalmente, por que não se poderia sagrar bispos? Eis aqui o
essencial desse estudo:
« I. Dado dogmático.
a] A Ordem é um sacramento e um único sacramento (Concílio de Trento,
D. 959).
b] Nesse sacramento, há sete ordens (D. 958).
c] É por disposição de Deus mesmo (divina ordinatione) que existe, na
Igreja, hierarquia composta por bispos, padres e ministros (D. 966).
d] o bispo é superior ao padre; ele possui o poder de confirmar e de
ordenar, e esse poder não é partilhado pelos padres (D. 967).
e] Estes últimos, como os clérigos de ordem inferior, não têm poder
algum sobre essas funções: quarum functionum potestatem reliqui
inferioris ordinis nullam habent (D. 960).
f] Os bispos foram estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a
Igreja de Deus: regere Ecclesiam Dei (Atos X, 28).
II. O ensinamento de Santo Tomás de Aquino.
a] O sacramento da ordem é essencialmente ordenado à Santa Eucaristia
(Suma Teológica, supl. Q. XXXVII, aa. 2 & 4); ora, com relação à Santa
Eucaristia, o poder do bispo não é distinto do poder do padre; logo,
enquanto a ordem é sacramento, o episcopado não é uma ordem (supl. Q.
XL, a. 5).
b] Enquanto a Ordem é ofício relativo a certas funções sagradas, o
episcopado é uma ordem, pois o bispo possui poder superior ao do padre
sobre as ações hierárquicas relativas ao Corpo Místico (supl. Q. XL,
a. 5).
Santo Tomás confirma essa doutrina no seu opúsculo XVIII, c. 24: Habet
enim ordinem episcopus per comparationem ad Corpus Christi mysticum,
quod est Ecclesia… sed quantum ad Corpus Christi verum, non habet
ordinem supra presbyterum; o bispo tem ordem relativa ao Corpo místico
de Cristo, que é a Igreja…; relativamente ao Corpo físico de Cristo, o
bispo não tem ordem acima do sacerdote (in Billuart, Cursus theologiæ,
de sacramento ordinis, c. X, d. IV, a. 2, ad 4um).
c] O episcopado é estado de perfeição ativo, de tal sorte que os
bispos são, não perfecti (perfeitos) como os religiosos, mas
perfectores (aperfeiçoadores ou fazedores de perfeitos) (Suma
Teológica, IIa IIæ Q. CLXXXIV, a. 7).
III. Explicações teológicas.
O episcopado pode ser considerado de duas maneiras:
— seja adequadamente, segundo todo o poder que ele comporta
essencialmente, poder de consagrar, de absolver, de ordenar, de
confirmar e de governar; nesse sentido, o episcopado é verdadeiro
sacramento, é a plenitude do sacerdócio;
— seja inadequadamente, segundo aquilo que ele acrescenta ao simples
sacerdócio: poder de governar, de ordenar e de confirmar; nesse
sentido, o episcopado não é sacramento, mas complemento intrínseco do
sacramento da Ordem: a sagração episcopal não modifica essencialmente
o caráter sacerdotal mas estende-o a novos efeitos (cf. Billuart, loc.
cit.; Garrigou-Lagrange, de Ordine [in de Eucharistia], a. 1).
Feita essa distinção, comparemos o presbiterado (ou simples
sacerdócio) com o episcopado inadequadamente considerado.
O simples padre é primeiro que tudo e essencialmente ordenado ao Corpo
físico de Nosso Senhor Jesus Cristo – a Santa Eucaristia – e é em
razão dessa ordenação que ele possui um certo poder sobre o Corpo
Místico (absolver os pecados, gerere personam Ecclesiæ).
O bispo, enquanto é distinto do padre, é primeiro que tudo e
essencialmente ordenado ao Corpo Místico – regere personam Ecclesiæ –
e é em razão dessa ordenação que ele possui poder de ordem superior ao
do padre, superior não intensive (pois não há nada de maior que
celebrar a Santa Missa) mas extensive (estendido a novos efeitos).
Assim se explica facilmente como o Soberano Pontífice, que não possui
nenhum poder direto sobre os caracteres sacramentais, pode dar a um
simples padre o poder de confirmar (cf. Código de Direito Canônico,
782 § 2) ou de conferir certas ordens (Código, 951), ao passo que este
último não tem, por si mesmo, nenhum poder para isso (nullam
potestatem, D. 960).
O Soberano Pontífice tem a plenitude do poder na Igreja (Papa in
Ecclesia habet plenitudinem potestatis, Santo Tomás de Aquino, IIIa,
Q. LXXII, a. 11). De maneira transitória e precária, ele pode fazer um
padre participar dessa regência do Corpo Místico que é própria dos
bispos e, em razão dessa ordenação ao Corpo Místico, dar-lhe certos
poderes episcopais, isto é, adaptar a novos efeitos seu poder
sacerdotal.
Há na Igreja um só sacerdócio, que abrange dois graus diferenciados,
não segundo o poder de ordem propriamente dito – pois haveria então
dois sacerdócios especificamente distintos – mas segundo sua relação
com o Corpo Místico (com consequências quanto ao poder de ordem).
O caráter do sacramento da Ordem é uma participação no poder
sacerdotal de Cristo. Já a consagração episcopal faz o eleito
participar no poder de realeza de Cristo: é em razão desse poder que
seu poder sacerdotal é, não aumentado, mas estendido a novos efeitos,
em domínios nos quais o bispo age na qualidade de dirigente da ordem
eclesiástica.
A ordenação sacerdotal, de ordem estritamente sacramental, não pede
por si mesma alguma jurisdição, embora torne apto a isso (há padres
ordenados unicamente ad missam).
A sagração episcopal, por conferir sobre o Corpo Místico o poder de
regência de Cristo (de maneira subordinada ao poder do Papa), cria uma
exigência de jurisdição (todos os bispos são pelo menos in partibus).
IV. Consequências.
Não se pode, então, fazer o raciocínio seguinte:
Já que é lícito, na situação presente da Igreja, ordenar padres sem
incardinação e sem cartas dimissórias, pode ser lícito sagrar bispos
sem mandato apostólico; não passa de um grau a mais na aplicação da
mesma regra, que necessita de razão mais grave certamente, mas que
remonta ao mesmo princípio.
Porque a situação da Igreja é a ausência da Autoridade, e na medida em
que essa situação é reconhecida como tal – assim como o exige o
testemunho da fé –, é bem verdadeiro que é lícito ordenar assim
padres, em razão do bem da Igreja, que requer a colação dos
sacramentos contanto que a sua unidade não seja posta em perigo. Mas
não se pode raciocinar assim com relação ao episcopado, por três
razões:
1. Não há diferença de grau mas de natureza entre a transmissão
“selvagem” do sacerdócio e a do episcopado; com efeito, o caráter
“selvagem” dessas transmissões reside na relação delas com o Corpo
Místico, e é precisamente essa relação mesma que é essencialmente
distinta no sacerdócio e no episcopado.
2. Diferentemente do presbiterado, o episcopado é transmissível; ele é
assim facilmente princípio, de início, de isolamento e de desinteresse
pelo bem da Igreja, em seguida, de ruptura com ela. Isso é tanto mais
“natural” pois o bispo é por natureza um dirigente, um hierarca.
3. Não se pode conceber um “episcopado diminuído” que seria legítimo
de transmitir porque comportaria somente os poderes de ordem
(confirmação, ordenação etc.) mas seria privado de sua relação de
realeza com o Corpo Místico. Uma tal noção é um círculo quadrado, pois
é precisamente essa relação que é o constitutivo do episcopado
(inadequadamente considerado) e o fundamento de todos os poderes
próprios ao bispo. E, portanto, uma sagração sem mandato apostólico
será a usurpação de uma função hierárquica na Igreja.
V. Conclusão.
Demonstramos que o sacerdócio é de natureza essencialmente
sacramental, ao passo que o episcopado é de natureza essencialmente
hierárquica. Cremos que aí reside a solução da questão de uma sagração
episcopal fora das normas canônicas. Nenhuma suplência é possível
nesse domínio, pois tudo aí está em dependência essencial da
Autoridade, que ninguém pode arrogar para si.
Sendo o simples sacerdócio essencialmente sacramental, sua transmissão
tende por natureza à permanência da ordem sacramental na Igreja. Ora,
essa ordem sacramental não depende da Autoridade senão em seu
exercício e sua organização; logo, não é impossível contemplar uma
suplência na situação presente.
Em contrapartida, o episcopado é essencialmente hierárquico, e sua
transmissão tende, portanto, por natureza à constituição da hierarquia
eclesiástica. Dado que a ordem hierárquica está em dependência
essencial da Autoridade, nenhuma suplência é possível.
Definitivamente, o que está em causa é a própria natureza da Igreja,
posta em perigo pelo projeto de uma sagração sem mandato; uma tal
sagração, com efeito, equivale a negar nos atos sua estrutura
hierárquica divinamente estabelecida. »
Em 30 de junho de 1988, por sua vez, Dom Lefebvre sagra quatro bispos.
Ele o faz publicamente, ao mesmo tempo que protestando reconhecer
plenamente a Autoridade de João Paulo II. Estamos aqui em plena
incoerência, e é inteiramente compreensível que numerosos fiéis tenham
sido desorientados por essas sagrações. Em nota publicada nessa
ocasião, nossa preocupação é, no entanto, a de não uivar com os lobos,
mas de mostrar que a ruptura que todo o mundo proclama não está no ato
de Dom Lefebvre, mas
“situa-se então no nível da autoridade. Paulo VI e João Paulo II, que
retomou e confirmou a obra daquele, romperam com a função que eles têm
o dever de exercer e estão privados da assistência especial prometida
por Jesus Cristo a São Pedro e a seus sucessores” [5. Essa nota foi
publicada na revista Didasco.].
Em setembro de 1991, a angústia que se pode legitimamente sentir
perante a situação da Santa Igreja impele-nos a redigir um pequeno
estudo intitulado Angor Ecclesiæ. Na enumeração dos erros que fazem
estrago, inclusive, nos que fazem profissão de defender a Santa Igreja
(a liberdade religiosa, o retorno do galicanismo ou a presença do
gnosticismo), consagramos um parágrafo à inflação episcopal. Essa
proliferação de bispos é sinal indubitável do enfraquecimento do
sentido da Igreja; citávamos um estudo que estima o número deles, na
ocasião, na casa do milhar (!) e que afirma que uma lista nominal
deles contém mais de quinhentos [6. Bernard Vignot, Les Églises
parallèles [As igrejas paralelas], Cerf-Fides 1991, pp. 110-111].
Dizíamos em conclusão:
“Será possível reconhecer a Igreja una e santa nessa auto-atribuição
de funções que só podem existir em dependência essencial da
Autoridade, nessa multiplicação de grupos que não aspiram senão à sua
autonomia sacramental e eclesial? Como distinguir o que está ligado à
Igreja Católica do que não mais está?”
Enfim, no mês de julho de 1994, em Réflexions sur la situation de
l’Église [Reflexões sobre a situação da Igreja], um levantamento geral
daquilo que nos parece exigido pela fé e por seu testemunho na
situação presente, consagramos dois parágrafos à questão que nos
ocupa. Ei-los aqui, esses dois parágrafos, que se situam mais
particularmente no ponto de vista da prudência:
« A via episcopal.
A consideração da Apostolicidade, que se manifesta claramente como a
chave de um juízo fundado na fé sobre a situação da Santa Igreja,
determina-nos igualmente a permanecer em extrema reserva a respeito
das sagrações episcopais sem mandato apostólico. Numerosos católicos
veem nelas a única solução à qual é mister resignar-se, para o acesso
aos sacramentos autênticos da Igreja ser possível.
Claro que enxergamos bem que a necessidade dos sacramentos é premente
e que há aí um problema urgente ao qual não somos de modo algum
insensível, mas enxergamos com a mesma agudeza que é preciso não
atentar contra a unidade da Santa Igreja, enxergamos com inquietude os
perigos bem reais de se empenhar numa via da qual não conhecemos o
resultado e da qual é de temer que arraste seus partidários muito mais
longe do que queriam; nós enxergamos que há aí um grande risco de
perder totalmente o sentido da Igreja e de sua hierarquia, sentido que
já está bem solapado por todos os tipos de teorias “em voga” e que
fazem estrago nas inteligências católicas.
Enfim, não vemos como justificar em face da teologia católica tal
recurso às sagrações ilegais. Parece-nos que a natureza do episcopado
– que é essencialmente hierárquico na medida em que se distingue do
simples sacerdócio – faz com que só possa haver aí usurpação daquilo
que pertence exclusivamente ao Soberano Pontífice. Não pretendemos
resolver a questão, mas temos aí, de modo suficiente, elementos para
alertar do perigo e manter a reserva.
As duas linhagens.
A consideração das condições concretas em que foram realizadas as
sagrações só faz aumentar essas reservas. Duas linhagens episcopais
compartilham entre si [7] os sufrágios dos católicos. [7. Teríamos
feito melhor em escrever: “Duas linhagens episcopais se oferecem aos
sufrágios dos católicos”, pois não são raros aqueles que, com justiça,
recusam o princípio das sagrações.]
A que saiu de Dom Lefebvre tem a seu favor o caráter público, a
unidade e o caráter “sério” e limitado; mas foi feita ao arrepio da
doutrina católica, tanto nos fatos, pois feita com o reconhecimento de
João Paulo II como Soberano Pontífice (ao mesmo tempo que negando a
ele o poder de reservar para si as nomeações episcopais), quanto na
doutrina subjacente às justificativas aberrantes que acompanham as
sagrações que estão em sua origem.
A segunda linhagem é a que saiu de Dom Ngo Dinh Thuc, ex-arcebispo de
Hué; encontramo-nos aí em presença de uma proliferação de sagrações
mais ou menos clandestinas, de u’a mescla de ramos católicos e de
seitas que é por vezes muito difícil de distinguir, pois estão
inextricavelmente misturados. A situação dos ramos católicos é muito
mais coerente que a da primeira linhagem e não comporta a mesma
negação implícita da doutrina católica, mas essa multiplicação e
(semi)clandestinidade das sagrações, assim como uma certa afinidade
com movimentos duvidosamente católicos ou francamente sectários,
obrigam a ampliar a reserva de princípio que fizemos.
Essa reserva não ignora as vantagens trazidas por essas sagrações, mas
considera que a unidade da Igreja é um bem muito maior, permanente e
inalienável, e não somente de ocasião. »
Aí estão as principais etapas desta retrospectiva, etapas que mostram
a estabilidade do parecer que expomos e sua independência de toda a
questão de pessoas. Seu cerne é a expressão de uma impossibilidade
doutrinal referente à natureza mesma do episcopado.
Complemento doutrinário
O episcopado é essencialmente hierárquico, como dissemos, mostramos,
repetimos. Por sua sagração episcopal, o bispo é membro da Igreja
docente, ele participa na regência do Corpo Místico, ele chama [8] uma
jurisdição, cujas determinações e aplicação pertencem ao Papa. [8.
Havíamos escrito, quando da publicação deste artigo em Les Deux
Étendards n.°4: “exerce” em lugar de “chama”. Corrigimos esse erro na
sequência (cf. infra, nota 16). [Nota de novembro de 2000].]
Cumpre acrescentar que a recíproca é verdadeira: a jurisdição
eclesiástica é essencialmente episcopal, a hierarquia da Igreja é uma
hierarquia de bispos. Longe de nós pregar algum tipo de episcopalismo:
o Papa tem a plenitude do poder na Igreja – ele não é um bispo dentre
outros, um primus inter pares –, ele tem o primado de jurisdição, ele
é a fonte de toda a jurisdição eclesiástica. Mais precisamente, o Papa
é soberano, dotado de infalibilidade a título pessoal e da Autoridade
suprema da Igreja, porque ele é o bispo de Roma, o bispo da Igreja mãe
e mestra, o bispo dos bispos (Apascenta as minhas ovelhas, disse Nosso
Senhor a São Pedro). O Papa, tendo além disso jurisdição imediata
sobre todos os fiéis, é o bispo de cada um dos católicos (Apascenta os
meus cordeiros). O Concílio do Vaticano, ao querer caracterizar essa
jurisdição do Papa, diz que é uma jurisdição episcopal:
“Ensinamos, pois, e declaramos que a Igreja Romana, por disposição
divina, tem o primado do poder ordinário sobre todas as outras
Igrejas, e que este poder de jurisdição do Romano Pontífice, poder
verdadeiramente episcopal, é imediato… jurisdictionis potestatem, quæ
vere episcopalis est, immediatam esse” Pastor Aeternus, D. 1827, 18 de
julho de 1870.
Há, portanto, equivalência (implicação recíproca) entre episcopado e
jurisdição.
Aceder ao episcopado fora da jurisdição da Igreja é, portanto, um
atentado, não simplesmente contra a legislação da Igreja [9], mas
contra a constituição mesma da Igreja: logo, isso não é admissível
jamais. A epiqueia nunca se pode exercer contra a natureza das coisas:
isso é verdadeiro em toda a ordem natural, mas bem mais ainda no que
concerne à natureza sobrenatural da Igreja.
[9. Pode ser, por vezes, permitido passar ao largo de uma lei
positiva, mas com condições bem precisas: que seja efetivamente uma
lei positiva (pois não se pode transgredir nunca a lei natural), que o
caso em que a pessoa se encontra não tenha sido previsto pelo
legislador, que o recurso à Autoridade seja impossível, que o bem a
obter ou o mal a evitar sejam proporcionais à gravidade da lei, que
não haja escândalo do próximo. É a virtude da epiqueia, parte
subjetiva da justiça, que entra então em jogo [Cf. Santo Tomás de
Aquino, Suma Teológica, IIa IIæ, Q. CXX].]
Queira-se ou não, uma sagração episcopal é, pois, a instauração de uma
hierarquia; e, se essa sagração não é efetuada por ordem pontifícia, é
a criação de uma nova hierarquia, outra que não a da Igreja Católica.
Sinal indubitável disso é também que essas sagrações transtornam toda
a vida da Igreja e invertem a prática a que ela se atém por sua
constituição divina. Assim:
— escolhe-se ser bispo, não se é escolhido;
— escolhe-se ligar-se a tal bispo, não se o recebe da Igreja.
Perguntas
1. Mas não fizestes a mesma coisa? Fostes vós que escolhestes ser
ordenado por Dom Lefebvre! É fácil falar, agora que sois padre!
É verdade. Dom Lefebvre não era um bispo que a Igreja nos tivesse dado
[no sentido da jurisdição]… e é a triste consequência da crise
presente. Mas Dom Lefebvre era um bispo que a Igreja havia se dado a
si mesma [e, portanto, indiretamente a nós]. Ora, o problema está aí:
encontramo-nos agora em presença de bispos que a Igreja não nos deu, e
que ela nem sequer se deu a si mesma. A que título poderíamos, e mais
ainda deveríamos, reconhecê-los e nos ligarmos a eles recorrendo ao
episcopado deles?
Ser padre é uma graça imensa, mas não é, em nenhum caso, um direito.
Não se deve, pois, desejar ser padre a qualquer preço. Não se pode
desejar sê-lo de encontro à constituição da Santa Igreja; há aí
desordem grave, que não pode ser a vontade de Deus. Se uma vocação é
real, é certo que Nosso Senhor a ajudará a chegar a bom termo (quando
Ele quiser) e é mais certo ainda que Ele não quer que ela vingue não
importa como, em desprezo da natureza da Santa Igreja. De modo mais
geral, nos tempos de perturbação e de incerteza, é insensato regrar
sua conduta segundo seus próprios desejos ou segundo sua própria
perspectiva do futuro: é cair, com certeza, na ilusão e no juízo
particular. É preciso regrar sua conduta com base na doutrina, nos
princípios e na prática da Igreja. Mesmo se temos a impressão de não
avançar, não extraviamos nem a nós mesmos nem àqueles que confiam em
nós.
2. E quanto ao aspecto prudencial que anunciastes?
O aspecto prudencial foi evocado aqui e ali nos textos citados acima;
é uma evidência para quem abre os olhos e é, além disso, consequência
inelutável do aspecto teológico.
Antes de tudo, podemos dizer que somos contra as sagrações sem mandato
apostólico porque não somos a favor: em matéria tão grave, cujas
consequências podem ser incalculáveis tanto em efeitos desastrosos
quanto em extensão no tempo [não há hierarquias cismáticas que duram
há quinze séculos?], seria necessária uma certeza bem embasada e bem
sólida para passar ao largo da lei da Igreja – à qual está ligada a
mais severa das excomunhões – que estrutura sua vida hierárquica e
sacramental. Ora, essa certeza, nós não a possuímos, muito pelo
contrário.
Além disso, a proliferação das sagrações, o espírito de anarquia que
daí resultou, a dificuldade de discernir quem é católico e quem não é,
a perda da solicitude para com a Igreja universal, as estranhas
doutrinas que circulam para justificar as sagrações, tudo isso pode
encher o espírito de inquietude e de angústia: isso não é católico,
isso não é justificável, isso é fruto de uma falsa doutrina sobre a
unidade da Igreja e do episcopado, é queda em uma tentação sob
aparência de bem que lisonjeia secretamente o espírito anarquista e
presunçoso que carregamos desde o pecado original.
Em outubro de 1992, o diácono Zins publicava um número especial de sua
revista Sub tuum præsidium consagrado ao que ele chama “gentilmente”
de conluios dos “guérardo-thucistas” com as seitas.
Esse número é uma mixórdia onde é difícil de se encontrar; mas, mesmo
pondo as coisas em perspectiva, mesmo fazendo abstração dos amálgamas
prematuros e partidários que ele poderia manifestar, permanece o fato
de que não há como não ficar vivamente impressionado ou mesmo
assustadíssimo com esse mundo mais ou menos subterrâneo de sagrações e
desastres. Quantos fatos indubitáveis e escandalosos, quantas
catástrofes espirituais e humanas, que mundo dúbio repleto de
perturbações! Está aí a Igreja?
3. Não há, então, ninguém de virtuoso dentre os que aderiram [se sont
ralliés - N. do T.] ou se resignaram à via episcopal?
Claro que sim! Mas é pôr-se em má perspectiva discutir a virtude deste
ou daquele… sem falar dos riscos de juízo falso ou subjetivo. Pois a
virtude de uma pessoa, por maior que a suponhamos, não garante a
verdade dos princípios que ela professa ou aplica. Essa virtude pode
compensar por um tempo os efeitos perversos dos falsos princípios, mas
a longo prazo, seja nele seja em seus sucessores ou discípulos, esses
falsos princípios acabam dando seus frutos, e por vezes de modo tanto
mais violento quanto foram mais tempo impedidos pelas qualidades
pessoais daquele que os professa. A virtude de um homem pode dar uma
presunção favorável, mas não dispensa jamais de examinar o que ele
professa do ponto de vista da verdade, isto é, do ponto de vista da
fé, da doutrina e da prática da Igreja; foi a isso que nos esforçamos,
fazendo abstração das questões de pessoas.
4. O que propondes fazer?
Nada! O que o Bom Deus nos pede é, primeiro, sermos fiéis, custe o que
custar: “Que os homens nos considerem como os ministros de Jesus
Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, o que se requer nos
despenseiros é que cada um se encontre fiel” [10. I Cor. iv, 1]. Não
temos solução substituta, a não ser a fé que nos ensina que Nosso
Senhor cuida Ele Mesmo da perenidade de Sua Igreja: nossa preocupação
principal deve ser a de permanecer nesta Igreja, sem comprometer sua
unidade e nossa salvação por atos que atentem contra a sua
constituição, levando o testemunho da fé e nos santificando no lugar a
que o Bom Deus nos designou.
A esse respeito, ouve-se frequentemente a objeção: se não tivesse
havido sagrações, não haveria mais sacramentos… Pode-se pensar, com
igual verossimilhança, que, se não tivesse havido sagrações, Deus
mesmo as teria provido, pondo fim à crise da Igreja. Estais dizendo
que, se não tivesse havido sagrações, a crise da Igreja teria
terminado? Por que não? Fica manifesto por aí, em todo o caso, que
isso é pôr-se em má perspectiva. Não é com “E se” que se raciocina,
mas com os princípios da Igreja.
Conclusão
Queremos crer que soubemos manifestar a impossibilidade [doutrinal] e
a gravidade [prudencial] das sagrações episcopais sem mandato
apostólico. Compreender-se-á então que, como conclusão, nós afirmemos
que não queremos ter parte alguma, nem direta nem indireta, nisso que
consideramos um atentado contra a constituição da Igreja e uma via
perigosa. Em caso algum, queremos deixar crer que nós a aprovamos.
Supondo que nos enganemos (o que nos parece impossível, no caso, pois
Deus não vai contra a Sua Igreja, e não a desmente), teremos ao menos
o papel do velho rabugento que terá impedido dois ou três imprudentes
de ir depressa demais ou longe demais.
Definitivamente, a história dessas sagrações é análoga à das filhas de
Ló [11. Sobrinho de Abraão. Gênesis XIX, 30-37]. Essas infelizes,
transtornadas com o dilúvio de fogo que destruiu Sodoma e Gomorra e
com a morte da mãe, transformada em estátua de sal, acreditando que
seu pai e elas seriam os únicos sobreviventes da espécie humana,
creram-se autorizadas aos atos mais monstruosos: elas embriagaram duas
vezes o pai, a fim de assegurar-se descendência à revelia dele – pois
ele nunca teria consentido com aqueles abomináveis incestos. Assim
nasceram a raça dos moabitas e a dos amonitas, que foram inimigos
terríveis do povo de Israel. Essas duas filhas não podiam invocar a
desculpa da necessidade, pois nunca necessidade alguma autoriza a
violar a lei natural e, além do mais, elas eram joguete de uma ilusão:
o mundo continuava a existir além delas.
Do mesmo modo, há sempre ilusão e grande perigo em crer que nós somos
os únicos e que nada de bom, nada de verdadeiro, nada de autêntico
existe além de nós e de nossos amigos. Nosso temor é que os
partidários das sagrações se deixem hipnotizar por uma necessidade que
eles invocam equivocadamente como permitindo atos que a Igreja só pode
reprovar. É preciso verdadeiramente embriagar a doutrina católica
sobre a constituição da Igreja, para fazê-la admitir que as sagrações
sem mandato apostólico são legítimas. Esperamos que delas não nasçam
novas gerações de moabitas e amonitas.
Digitus Dei non est hic
Um abismo intransponível:
O episcopado autônomo
[12. Extraído do número 4 (junho de 1997) da revista Les Deux
Étendards [Os Dois Estandartes], editada pela associação Grâce et
Vérité [Graça e Verdade], 27 Casquit, F – 33490 Saint-Maixant.]
A revista Sodalitium publicou, sob a pluma do Sr. Pe. Francesco
Ricossa, [13. “Digitus Dei non est hic”, suplemento ao n.° 43 de
Sodalitium] longa refutação de nosso artigo As filhas de Ló, publicado
no n.° 3 de Les Deux étendards, artigo no qual expusemos nossa recusa
das sagrações episcopais realizadas sem mandato apostólico, assim como
os motivos dessa recusa.
A crítica de Sodalitium é severa. Nossa exposição sobre a natureza do
episcopado é qualificada ali de vincada pelo galicanismo e de tirada
do ensinamento do Vaticano II. Ai, ai, ai! Vale a pena determo-nos aí
um pouco, tanto mais que nos encontramos em presença de verdadeiro
paradoxo: nós recusamos um episcopado autônomo, apoiando-nos numa
doutrina que, se nos diz, concede demasiada autonomia ao episcopado!
O nó da questão é, pois, a natureza do episcopado, e de suas relações
com a constituição hierárquica da Igreja.
A dificuldade de tratar essas questões é grande, ao menos por três
razões.
A primeira é uma diferença na nomenclatura dos poderes da Igreja; o
Magistério [14. Mystici Corporis, 29 de junho de 1943, passim],
conforme o Santo Evangelho, distingue três poderes: ensino (ou
Magistério), santificação (ou Ordem) e governo (ou Jurisdição); o
Direito Canônico, situando-se no plano prático, e na esteira dele
alguns teólogos como Journet, distinguem somente dois: Ordem e
Jurisdição [15. Cânones 196, 948]. Cumpre, pois, atentar sempre para a
compreensão e a extensão das palavras que se emprega, sobretudo se se
passa de uma a outra, sob pena de construir um quebra-cabeça mal
ajambrado. Tanto mais que, seja qual for a nomenclatura adotada, a
jurisdição diz-se de maneira analógica nos diferentes domínios em que
se aplica.
A segunda é que a Igreja tem uma hierarquia, e essa única hierarquia
ordena-se segundo duas razões diversas: a ordem e a jurisdição.
A terceira provém do fato de Santo Tomás de Aquino não ter escrito
nenhuma obra tratando ex professo da Igreja; é preciso então ir
procurar a luz teológica noutros tratados, em particular no tratado do
sacramento da ordem.
Essas dificuldades fazem com que grande número de teólogos sobrevoem
rapidamente a questão do episcopado, com frequência só tratando do
episcopado uma vez recebida a jurisdição do Soberano Pontífice, mal
distinguindo, na dignidade e poderes dos bispos, aquilo que provém
dessa jurisdição e aquilo que provém de sua consagração episcopal.
Tanto para corrigir algumas imprecisões ou erros de linguagem de que
fomos culpado [16], quanto para mostrar que nosso tratamento do
episcopado é inteiramente clássico, e tomista, e incontestável, eis
aqui longos excertos de L’Église du Christ, son sacerdoce, son
gouvernement [A Igreja de Cristo, seu sacerdócio, seu governo] [pp.
67-79], estudo do Pe. Ch.-V. Héris, O.P., que – será mister precisá-
lo? – não é nem galicano, nem conciliar, nem influenciado pelo Pe. de
Blignières, nem está sob o império da paixão ou da amargura, nem
especialmente desejoso de atingir ou de beneficiar a quem quer que
seja, mas simplesmente preocupado em dizer aquilo que é.
[16. A principal está na página 17, onde havíamos escrito: “O bispo
[...] exerce uma jurisdição, cujas determinações e aplicação pertencem
ao Papa”. Nossa maneira de nos exprimirmos foi defeituosa; deveríamos
ter escrito: “o bispo pede uma jurisdição, cuja existência, aplicação
e determinações pertencem ao Papa”. Agradecemos ao Sr. Pe. Ricossa por
ter-nos propiciado a ocasião dessa correção.]
« o padre, com efeito, por esse caráter [sacerdotal] recebe poder
direto e imediato sobre o corpo verdadeiro de Cristo; ele pode
consagrar o pão e o vinho ao Corpo e ao Sangue de Jesus, e oferecê-los
a Deus em sacrifício, renovando o gesto do Calvário. Este é o seu
ofício próprio e principal. Desse poder sobre o corpo de Cristo na
Eucaristia, deriva para o padre o poder de santificação sobre os fiéis
pelos outros sacramentos: pois, estando encarregado do culto
eucarístico, cabe a ele preparar as almas e torná-las dignas de nele
participar. Os sacramentos são precisamente instituídos para ordenar
as almas à Eucaristia; o padre poderá então administrar esses
sacramentos, em vista de encaminhar as almas a uma união mais estreita
com Cristo no sacrifício e na comunhão eucarísticos. Há entre o poder
do padre sobre o corpo verdadeiro de Cristo e o poder sobre Seu corpo
místico a mesma ordem que entre a Eucaristia e os sacramentos: a
Eucaristia é a finalidade dos sacramentos; o poder eucarístico do
padre é também a finalidade e a razão de ser do seu poder sacramental.
Esse poder não é, pois, falando propriamente, um poder de regência, é
um poder de santificação do corpo místico, um poder de mediação
sacerdotal.
Daí que, toda a vez que os sacramentos, por sua própria natureza,
pedirem, para serem administrados validamente, não somente um poder de
santificação, mas um verdadeiro poder de regência, será exigido, para
conferi-los, algo além do simples caráter sacerdotal. É o que ocorre
com o sacramento da Penitência: [17] é o que se produz de maneira
muito mais elevada na colação dos sacramentos da Ordem e da
Confirmação. »
[17. « Conforme a observação de Santo Tomás, os fiéis penitentes são
eles próprios a matéria do sacramento da penitência, e eles não podem
ser submetidos a um julgamento - ou, noutros termos, a forma desse
sacramento não pode ser aplicada à matéria - senão por meio da
jurisdição competente. Sob esse aspecto, a absolvição está em
dependência estreita e necessária da autoridade legítima que,
unicamente ela, tem poder na Igreja de legislar e de sancionar os atos
dos fiéis. Contudo, a absolvição não é simples sentença declaratória:
ela é um ato sacramental que confere instrumentalmente a graça e que
santifica a alma ao justificá-la de suas faltas. Vista dessa
perspectiva, ela deriva unicamente do caráter sacerdotal; a jurisdição
é-lhe extrínseca, é somente uma condição absolutamente requerida.
“Todos os poderes espirituais são dados com uma certa consagração”,
lemos em Santo Tomás. “Por essa razão, o poder das chaves é dado com o
sacramento da Ordem. Mas o exercício desse poder requer matéria
apropriada, que é o povo cristão submetido por intermédio da
jurisdição. Assim também, antes da jurisdição o padre tem o poder das
chaves, mas não a faculdade de exercer esse poder” (Sum. Teol., Supl.,
q. 17, art. 2, sol. 2). » [Héris, op. cit., p. 64; o primeiro
sublinhado é nosso].]
« Não se pode esquecer, com efeito, que, ao mesmo tempo que santificam
as almas, os sacramentos, pelos três caracteres que produzem,
estabelecem uma sociedade cultual orgânica composta de simples
membros, defensores autorizados, os sacerdotes. Para constituir uma
tal sociedade e conferir a seus membros uma dignidade que os distingue
dos outros, não seria suficiente somente o poder sacerdotal de
santificação: é preciso ter um poder direto sobre o corpo místico de
Cristo, é preciso ser apto a regê-lo e a governá-lo. O batismo, é
verdade, dirigindo-se a homens que ainda não fazem parte da Igreja e
não estão submetidos à sua autoridade, não requer, por si, para ser
administrado, esse poder de regência: um simples padre pode introduzir
na Igreja a quem quer que exprima tal desejo. Mas a partir do momento
em que o homem, por seu caráter batismal, faz parte da sociedade
cultual cristã, ele está submetido imediatamente àqueles que têm
autoridade para regê-la. Por conseguinte, quando se tratar, no
interior mesmo do culto cristão, não somente de santificar as almas,
mas de elevá-las a uma dignidade que as faça participar de maneira
mais íntima do sacerdócio de Cristo, o simples padre não poderá por si
mesmo operar essa elevação. Será preciso que ele seja revestido de uma
autoridade que lhe dê poder direto e imediato sobre os membros do
culto cristão. “Pela Ordem e pela Confirmação”, escreve ainda Santo
Tomás, “os fiéis são deputados a ofícios especiais: uma tal deputação
pertence propriamente ao cabeça. É por isso que a colação desses
sacramentos pertence unicamente ao bispo que desempenha na Igreja
encargo de príncipe” (Sum. Teol., IIIa, q. 65, art. 3, sol. 2).
Notemos que não se trata aqui de simples questão de licitude: sob esse
aspecto, todo o padre, na administração dos sacramentos, está
submetido à autoridade da Igreja. É a própria validade do sacramento
que está em jogo: em razão de sua natureza especial, que é de conferir
uma certa excelência na ordem cultual, a Confirmação e a Ordem supõem,
para serem dadas validamente, um poder de regência que somente o bispo
possui.
Mais ainda, tratando-se do sacramento da Penitência, o que é
necessário, falando propriamente, é um poder de jurisdição que dê o
direito de proferir um julgamento autorizado sobre o pecador e de o
absolver. Totalmente diverso é o caso dos sacramentos da Ordem e da
Confirmação: o ato propriamente sacramental que os constitui não
confere somente a graça, mas também uma certa deputação em ofícios e
encargos do culto cristão. Para estar em posição de transmitir uma tal
deputação aos membros desse culto, não parece suficiente, então,
possuir o poder sobre o corpo eucarístico de Cristo, nem o poder de
santificação que dele deriva e que é conferido pelo caráter
sacerdotal; nem mesmo é suficiente estar investido de uma jurisdição
mais ou menos estendida, pois não se trata aqui nem de julgar nem de
sancionar. É preciso com toda a necessidade possuir, na ordem cultual
mesma, um poder hierárquico que autoriza a conferir sacramentalmente
aos membros do corpo místico um ofício ou uma função referentes ao
culto cristão. Esse poder é o poder propriamente episcopal.
Mas quer dizer, então, que o episcopado deve ser considerado
verdadeiro sacramento, assim como o presbiterado e as outras ordens
menores? Sabemos, com efeito, que o sacramento da Ordem divide-se em
várias ordens, sintetizadas todas na unidade pela referência delas ao
culto eucarístico, e, por esse fato, que as ordens inferiores são
participações da ordem suprema. Essa ordem suprema não seria
precisamente o episcopado? Numerosos teólogos modernos, na esteira de
Pedro Soto, são desse parecer. Não é esse, porém, o pensamento de
Santo Tomás: segundo o nosso Doutor, o sacramento da Ordem tem relação
direta e imediata com a Eucaristia; os poderes que ele confere
referem-se primeiramente ao corpo verdadeiro de Cristo oferecido sobre
nossos altares; é somente por derivação que o sacramento da Ordem nos
ordena ao corpo místico, visando dispor as almas para o culto divino.
Ora, com relação à Eucaristia, o bispo não possui poderes mais
estendidos que os do padre: como este, ele consagra e oferece a vítima
divina e não tem como fazer mais do que isso. O episcopado não é,
pois, como se poderia crer, o sacramento da Ordem em seu grau supremo.
Por outro lado, o episcopado investe o bispo com uma dignidade que o
ordena diretamente à regência do corpo místico. Essa dignidade é uma
consagração, porém inteiramente diferente daquela que confere o
caráter sacramental. O caráter nos consagra imediatamente a Deus e nos
une a Ele visando permitir-nos tomar parte nos atos do sacerdócio
cristão. O episcopado vota o bispo e o consagra ao corpo místico, que
é, sim, também algo de divino, pois ligado a Deus pela cabeça, isto é,
por Cristo; mas a pertença do bispo a Deus é indireta, e é antes de
tudo para o corpo místico que sua consagração o orienta. Essa
consagração dá a ele, evidentemente, um poder hierárquico, uma
dignidade de regência de primeira ordem. “Por sua promoção ao
episcopado, escreve Santo Tomás, o bispo recebe um poder que permanece
perpetuamente nele. Mas não se pode dizer que seja um caráter: pois,
pelo poder episcopal, o homem não é diretamente ordenado a Deus, mas
ao corpo místico de Cristo. Esse poder não é menos indelével que o
caráter, e é dado por meio de uma consagração” (S. Theol., supl., q.
38, art. 2, sol. 2).
Pela consagração episcopal o bispo é, pois, estabelecido
verdadeiramente chefe do corpo místico e dos membros do culto cristão.
E a partir daí ele tem a autoridade necessária para agir sobre esses
membros e instituí-los nas funções oficiais referentes ao culto. Ele
pode nomear os defensores da religião de Cristo, ele pode escolher
seus ministros e seus padres. Sem dúvida alguma, é em virtude de seu
caráter sacerdotal que ele os consagrará e lhes dará sacramentalmente
os poderes anexos ao encargo deles; mas será previamente mister que o
caráter tenha sido elevado de tal sorte que seja um caráter de chefe e
de príncipe da Igreja. É a consagração episcopal que realiza essa
elevação. Assim a realeza de Cristo eleva seu sacerdócio ao ponto de
lhe permitir exercer os seus atos com autonomia e maestria perfeitas.
[...] Conforme tudo o que dissemos até aqui, é fácil de compreender
por que ordinariamente divide-se o poder de regência do bispo em poder
de ordem e poder de jurisdição. O poder de ordem vem ao bispo, ao
mesmo tempo, do caráter sacerdotal e da consagração episcopal: é um
poder hierárquico que o estabelece chefe do culto cristão e dá a ele
direito de reger sacramentalmente os membros desse culto. Chega a
estender-se, de um certo modo, à Eucaristia, no sentido de que permite
ao bispo consagrar os objetos que têm relação com a liturgia
eucarística como os cálices, os altares, as igrejas. [...] Também
Santo Tomás não vê dificuldade em reconhecer que o episcopado é
verdadeiramente uma ordem, não no sentido sacramental da palavra, mas
no sentido em que a palavra significa grau, dignidade hierárquica.
[...] Permanece igualmente verdadeiro que o poder de jurisdição do
bispo, ao qual cumpre conectar seu poder de ensinamento, encontra-se
inteiramente distinto de seu poder de ordem. Certamente que este
último, ao conferir ao bispo uma dignidade de realeza, fazendo dele
príncipe da Igreja, cria nele uma aptidão radical para governar e para
ensinar o povo cristão. Como, porém, esse governo e esse ensinamento
só têm valor verdadeiro e eficácia real na medida em que os bispos
estão unidos ao Soberano Pontífice, é ao Papa, e a ele somente, que
incumbe conferir ao bispo o poder de jurisdição. Esse poder não está
em dependência essencial do poder hierárquico: o bispo possui-o a
partir do momento em que ele é instituído pela autoridade suprema na
chefia de uma diocese e antes mesmo de ser consagrado; ele perde-o
mesmo depois de sua consagração, a partir do momento em que aconteça
de ele se separar do Pontífice Romano, de cair no cisma. Pois uma
coisa é ensinar, legislar, julgar o povo cristão; e outra coisa é ter
controle sobre a constituição mesma do culto divino e sobre as funções
essenciais do culto. A primeira função pertence ao poder de jurisdição
dado por Cristo a Pedro e aos Apóstolos e transmitido, por via de
autêntica sucessão, ao Papa e aos bispos. A segunda função pede um
poder hierárquico conferido por via de consagração, e intimamente
ligado a esta outra consagração que é o caráter sacerdotal. O Papa e
os bispos não são simples doutores nem simples legisladores ou juízes:
eles são também consagrados hierarquicamente e sacerdotalmente. Mas,
ao passo que o Papa é superior aos bispos sob o aspecto da jurisdição,
ele é seu igual do ponto de vista da consagração hierárquica; e, ao
passo que o Papa e os bispos são superiores ao simples padre tanto
pela jurisdição quanto pelo poder hierárquico, eles não estão de
maneira alguma acima dele no que tange ao objeto próprio de seu poder
sacerdotal, a consagração eucarística. »
Essa longa citação afirma muito bem a natureza essencialmente
hierárquica do poder episcopal, tal como este é dado pela consagração
mesma: é uma regência sobre o corpo místico, é um poder de príncipe. A
jurisdição lhe é distinta, e somente pode vir do Papa, porém ela é seu
complemento intrínseco, já que necessária ao exercício do poder de
príncipe do bispo, desse poder de regência. Esse chamado à jurisdição
que a dignidade hierárquica conferida pela consagração episcopal
comporta é exprimido assim pelo Padre V. A. Berto (e é difícil de ser
mais romano do que ele foi!):
“Bispo e Igreja particular [18. Ou seja, porção (territorial) da
Igreja Católica, ou diocese.] são termos sempre e em toda a parte
correlativos. Isso é tão verdadeiro, que até hoje os bispos não
residenciais recebem o título de uma sé suprimida. Isso é tão
verdadeiro, que o Bispo dos Bispos é, ele próprio, pastor particular
da Igreja particular de Roma; a Igreja universal não é governada por
um Bispo sem diocese, ela o é pelo Bispo de Roma” [19. Pour la sainte
Église Romaine, [Pela Santa Igreja Romana] Paris, 1976, pp. 225-226.
Escrito em 1954.].
O que é bem posto em foco é que, passando do sacerdócio para o
episcopado, muda-se de ordem (passa-se da ordem principalmente
sacramental à ordem principalmente hierárquica); muda-se de objeto
primordial (passa-se do Corpo físico de Jesus Cristo para o seu Corpo
místico); muda-se de relação com a jurisdição (de acidental –
concernente ao exercício derivado do poder sacerdotal –, ela se torna
essencial – concernente ao exercício primordial do poder episcopal).
Há, portanto, diferença de natureza e não de grau entre sacerdócio e
episcopado, um abismo intransponível sem mandato explícito da
autoridade legítima e suprema da Santa Igreja Católica. A profundeza
desse abismo é manifestada também pelo fato de que a Igreja admite, e
chega a organizar, suplências para o exercício do poder sacerdotal, e
de que ela nunca admitiu suplência no que concerne ao poder
propriamente episcopal.
Nunca. Nem mesmo no caso de Santo Eusébio de Samosata que se alega.
Lamentamos muito que o Sr. Pe. Ricossa a ele se refira, pois essa
história, juntamente com algumas outras como aquela de Honório ou como
a de uma pretensa queda do Papa Libério, faz parte de um arsenal
utilizado pelos inimigos da doutrina católica (galicanos, anti-
concordatários, anti-infalibilistas, …) reciclado para o uso dos
“tradicionalistas” nos últimos vinte ou vinte e cinco anos. É
deplorável ir se abastecer num tal arsenal, de que se servem ora para
diminuir a infalibilidade ou as prerrogativas do Soberano Pontífice,
ora para tentar justificar a desobediência, ora para atentar contra a
constituição da Igreja.
Dom Guéranger já restabeleceu, em seu tempo, a justiça perante as
calúnias contra Libério ou os exageros deformantes da falta de Honório
[20]. Não temos lembrança de que ele tenha tratado de Santo Eusébio de
Samosata, mas este caso encontra-se bem exposto e analisado em dois
artigos do frade A.M. Lenoir, publicados nos números 22 e 23 de Sedes
Sapientiæ [21. Sociedade Santo Tomás de Aquino. F – 53340 Chémeré-le-
Roi]. Resulta desse estudo que Santo Eusébio observou fielmente as
leis canônicas, a vida inteira, e que a atribuição que fazem a ele de
sagrações episcopais realizadas por conta própria repousa sobre uma
única fonte histórica – Teodoreto de Ciro, no século seguinte (o
quinto) – cuja interpretação é, ainda por cima, difícil. Essa
interpretação não pode ser feita nos antípodas de toda a vida dele e,
em todo o caso, não tem como ser aquela adotada para justificar
sagrações ilegais.
[20. Cf. La Monarchie pontificale (A Monarquia pontifícia), ou ainda
Défense de l’Église Romaine (Defesa da Igreja de Roma). [acréscimo de
novembro de 2000: verificação feita, Dom Guéranger não tratou de
Eusébio de Samosata. O Pe. Ricossa anunciou no número seguinte de
Sodalitium (n.°44, julho de 1997, p. 31) que ele iria procurar um caso
histórico inegável de sagração sem mandato ulteriormente aprovada pela
Igreja... nós continuamos esperando.] [E até hoje, em setembro de
2007.]
Mantemos, portanto, integralmente o juízo que exprimimos no fascículo
precedente de Les Deux Étendards, tanto do ponto de vista doutrinal
quanto do ponto de vista prudencial. Não insistimos além disso, porque
reproduzimos em anexo a resposta que fizemos a algumas pessoas que nos
interrogaram sobre a atitude prática a observar.
O Padre Ricossa se espanta de não nos ver empregar a palavra cisma. É
muito natural. Fora de uma declaração dos interessados, com o silêncio
do direito canônico, em razão da clara intenção de muitos de não se
separar da Igreja, caberá à Autoridade, e a ela somente, decidir e
excluir. Todos já sofremos demais com um emprego indistinto e inchado
da acusação de cisma, para que nos caiba contemplar um tal
qualificativo. Isso não nos impede de pensar e de afirmar que uma
sagração episcopal sem mandato apostólico tende por natureza ao cisma:
basta-nos isso para recusá-la, para nos mantermos à margem, para nos
opormos a ela.
Anexo I
Resposta acerca da atitude prática a adotar com respeito aos padres
ordenados por bispos sagrados sem mandato apostólico
Em seguida à publicação do artigo “As Filhas de Ló” em Deux Étendards
[Dois Estandartes] n.° 3, perguntaram-nos diversas vezes que atitude
adotar com respeito a esses padres que receberam o sacerdócio das mãos
de um bispo “ilegal”. Pode-se assistir à Santa Missa que eles
celebram?
A questão só se põe, evidentemente, com relação a padres cuja
ordenação não apresenta nenhuma dúvida quanto à validade [22], que têm
a firme intenção de pertencer à Igreja Católica e nunca a abandonaram,
que professam integralmente a fé e não se arrogam nenhuma jurisdição
que seja, padres “sérios” portanto. Cumpre reconhecer que, por causa
da proliferação dos bispos e da abundância de sua descendência, é
muito difícil de se localizar; esses padres, não podendo alegar
ordenação por um verdadeiro bispo da Igreja, não trazem, tudo somado,
garantia além daquela de suas qualidades pessoais – o que é frágil, e
por vezes enganador.
[22. Será cada vez mais difícil de julgar; a certeza – que repousa já
sobre boa dose de confiança difícil de conceder – irá diminuindo. Esse
simples fato mostra por si só que a “via episcopal” não é a via da
salvação, nem sequer a da sobrevivência. Em certas linhagens
episcopais, se está na terceira ou quarta geração de sagrações, e os
intermediários, vindos por vezes não se sabe de onde, desaparecem uns
após os outros...]
Supondo então que todas essas condições estejam reunidas, permanece o
fato de que o sacerdócio desses padres foi obtido ao preço da adesão
em ato a um falso
Anexo II
Excerto da carta de apresentação ao número 5
Anexo III
Excerto de carta a alguns jovens sobre a vocação
(primavera de 1999)
[...] É o problema da vocação. Matéria delicadíssima, pois toca no
plano que Deus tem para cada um de nós, na intimidade que Deus quer
estabelecer conosco, na mediação da Igreja, na liberdade de cada um e
na crise da Igreja.
Para tratar da questão de modo completo, haveria que remontar à
vocação eterna do Filho de Deus e, em seguida, à vocação de Nosso
Senhor e de Nossa Senhora no mistério da Encarnação Redentora, mas
isso nos levaria longe demais, e além de minhas competências.
Começarei então pela vocação da Igreja. Anteriormente à destinação de
cada um e à vocação de alguns, há a vocação da Igreja. O plano de Deus
é de constituir para o Seu Filho único uma Igreja que lhe seja um
“pleroma”, uma plenitude, uma irradiação de glória, uma sociedade
celeste que será para ele Corpo e Esposa. É nessa eleição da Igreja
que a vocação de cada um de nós tem a sua fonte: Deus nos destina a
assumir um determinado lugar na Sua Igreja: lugar quanto ao grau de
caridade e de glória, lugar quanto a um ofício particular. A eleição a
tal grau de glória permanece misteriosa, um grande mistério da
Sabedoria infinita de Deus. Novamente, não posso me pôr a tratar
disso; minha teologia se veria rapidamente bem curta, e não é isso que
se nomeia estritamente vocação. [28. Deus tem para cada um de nós uma
vontade, que é a razão de ser de nossa criação e é a vontade de fazer-
nos participar de Sua glória. Em razão dessa vontade, Ele nos destinou
a alcançar um dado grau de glória (ou de caridade, o que no fim dá no
mesmo) e ordenou os meios necessários para tanto. Nem esse grau de
glória nem esses meios são-nos conhecidos, ou mais exatamente: Deus
no-los dá a conhecer somente quando julga isso bom. Certos meios são,
de resto, cognoscíveis pela natureza (época, lugar e família de
nascimento), mas nem sempre sabemos como vão concorrer para a obra de
Deus. Observemos de passagem que, como a vontade de Deus sempre se
cumpre, caso nós recusemos obstinadamente participar da glória de
Deus, nós participaremos dela mesmo assim, manifestando a Sua
justiça...]
A vocação em sentido estrito concerne a uma função na Igreja, e é aqui
que cumpre ler a meditação do Padre Berto: “Há entre Cristo e a Igreja
unidade de vida (é o que exprime a ideia de Corpo Místico) e
reciprocidade de amor (é o que exprime a ideia de Núpcias Místicas).
Essas duas grandes realidades sobrenaturais encontram cada qual sua
expressão nas duas instituições mais essenciais da Igreja: o
sacerdócio e a sagrada virgindade. Pelo sacerdócio, com efeito, é
Nosso Senhor que incessantemente vivifica sua Igreja, alimenta nela,
por meio dos sacramentos, a vida da graça, e a governa. Pela sagrada
virgindade, é a Igreja que, incessantemente também, se apresenta como
Esposa a Cristo seu Esposo e Lhe declara novamente sua fidelidade e
seu amor.” [29. Pe. V.-A. Berto, Pour la Sainte Église Romaine [Pela
Santa Igreja Romana], p. 166. Esse texto é extraído de um curso dado
às crianças de Nossa Senhora da Alegria, que é pura e simplesmente uma
maravilha.]
Tudo está demarcado nesse texto admirável: a origem e a distinção das
duas grandes vocações, a vocação sacerdotal e a vocação religiosa, que
são irredutíveis entre si como as duas partes do mistério da Igreja
que elas realizam. Pois, ao falarmos de vocação, cumpre distinguir
desde a origem a vocação sacerdotal e a vocação religiosa, que
apresentam mais diferença que semelhança.
À primeira se aplica a palavra de Nosso Senhor: “Não fostes vós que me
escolhestes, mas fui eu que vos escolhi a vós” (Jo. xv, 16). Essa
vocação é, pois, verdadeiro chamado, mas ainda aí cumpre não se
enganar. O chamado interior, quero dizer o desejo do sacerdócio, a
atração a ele não é senão preparatória para o único chamado que
constitui a vocação sacerdotal: o chamado da Igreja na pessoa do bispo
legítimo. É o que ensina mui claramente o Catecismo do Concílio de
Trento: “Vocari autem a Deo dicuntur qui a legitimis Ecclesiæ
ministris vocantur – São ditos chamados por Deus os que são chamados
por legítimos ministros da Igreja” (de Ordine § 1). É claro que o
bispo somente chama aqueles que se apresentam livremente, que têm as
qualidades e a ciência exigidas, que têm reta intenção; mas a vocação
propriamente dita é dada pelo Bispo, ela é o chamado que ele faz em
nome da Igreja.
À vocação religiosa se aplica esta outra palavra de Nosso Senhor: “Se
queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um
tesouro no céu; e depois vem e segue-me” (Mat. xix, 21). Aí, a vocação
está na vontade de perfeição. Essa vontade, como toda a vontade
normal, deve proceder da compreensão da inteligência: “Qui potest
capere capiat”, diz Nosso Senhor ao falar da castidade perfeita pelo
Reino de Deus, “quem pode compreender compreenda” (Mat. xix, 12). É
preciso também que essa vontade seja razoável, estável e reta; mas
permanece o fato de que a vocação religiosa consiste na vontade.
Vê-se assim, então, a diferença fundamental entre a vocação
sacerdotal, na qual a própria Igreja chama em nome de Jesus Cristo, e
a vocação religiosa, na qual Deus dá a vontade de consagra-se a Ele e
na qual a Igreja só faz organizar (aprovando e supervisionando as
ordens religiosas) a vida daqueles que respondem ao chamado geral
feito por Nosso Senhor.
A vocação, seja sacerdotal, seja religiosa, não consiste na atração
interior. Ademais, essa atração (que é uma pré-vocação) não é
principalmente uma atração sensível; ela pode ser convicção da
inteligência apesar de certa repugnância do coração. Ela desempenha um
papel, mas somente um papel preparatório. Essa pré-vocação é
necessária, seja porque leva a “provocar” o chamado da Igreja no
apresentar-se ao sacerdócio, seja porque vai arrastar a vontade e
determiná-la firmemente a consagrar-se inteiramente a Jesus Cristo.
Quem quer que tenha tido essa atração (sensível ou intelectual) e que
não mais a tenha não “perdeu a vocação” (que ele ainda não tinha); mas
pode ser que ele seja infiel a uma graça de escol que lhe reservara
Nosso Senhor. Há que refletir nisso seriamente.
Na vocação, a Santa Igreja está particularmente presente, pois se
trata do lugar de cada um na Igreja de Jesus Cristo. Nosso Senhor faz
sentir particularmente àqueles a quem Ele reserva um lugar particular
na Sua Igreja que Ele os espera; Ele os chama. Esse chamado de Nosso
Senhor tem seu cumprimento tanto na vontade que Ele dá quanto no
chamado do Bispo. Esse chamado levado a bom termo é a vocação.
Naquilo que se convencionou chamar de a crise da Igreja, o problema da
vocação, sobretudo da vocação sacerdotal, é muito mais espinhoso, e
convém dizer uma palavra sobre isso. Consagrar-se a Deus e à Sua
Igreja não pode ser virtuoso e conforme à vontade de Deus senão na
reta doutrina, nos verdadeiros sacramentos e na justa pertença à Sua
Igreja; é uma evidência. Mas então para onde ir?
— para os “São Pedro”? Lamentavelmente, a adesão a Bento XVI (falsa
regra da fé) provoca a adesão ao Vaticano II, destruidor da
inteligência da fé e portador de graves erros condenados pela Igreja,
como a liberdade religiosa, e uma falsa concepção da Encarnação e da
Igreja mesma. De resto, a aceitação dos novos sacramentos por
princípio faz duvidar legitimamente da validade de certas ordenações
sacerdotais;
— para os “São Pio X”? Lamentavelmente, a adesão a Bento XVI e a
simultânea recusa dos erros do Vaticano II conduzem a inventar
doutrinas heterodoxas que destroem a autoridade do Magistério da
Igreja e do Soberano Pontífice. De resto, é empenhar-se na via
episcopal de que passo a tratar;
— para a “via episcopal”? Lamentavelmente, as sagrações sem mandato do
Soberano Pontífice são contrárias à constituição mesma da Igreja:
“Unicamente o Papa institui os bispos. Esse direito lhe pertence
soberanamente, exclusivamente e necessariamente, pela constituição
mesma da Igreja e pela natureza da hierarquia” [30]. Bispos sem
vocação não podem dar o que não têm, e ordenam padres sem vocação;
pode-se temer muito pelo futuro…
[30. Dom Adrien Gréa, L’Église et sa divine constitution — A Igreja e
sua constituição divina, Casterman 1965, p. 259. Não é por ser Dom
Gréa (fundador, no século passado, dos Cônegos Regulares da Imaculada
Conceição) quem o diz que isso é verdade. Mas Dom Gréa resume numa
fórmula feliz a teologia e a prática sem falha da Igreja. E, ademais,
isso mostrar-vos-á que não o invento para as necessidades da causa...
coisa tão frequente em nossos tempos.]
As indicações dadas acima não passam de resumo demasiado rápido de
convicções doutrinais que eu quisera escrever com letras de sangue, de
tanto me parecem importantes. Nunca se fará nada de durável, de
frutuoso, de benéfico para a glória de Deus contra a doutrina católica
ou fora dela. Teremos sem dúvida ocasião de voltar ao assunto.
O problema é grave, portanto, mas de modo algum desesperado. É sempre
possível consagrar-se a Deus, mesmo se isso tornou-se mais difícil;
nunca houve tantos motivos para consagrar-se a Ele, para consolar Seu
coração, pelo esplendor de Sua Igreja tão desfigurada, para a imolação
de si mesmo em meio a um mundo de gozo, pela irradiação da doutrina
católica no momento em que é negada, diminuída, menosprezada por todas
as direções. Quanto ao sacerdócio, é possível almejá-lo e mesmo
preparar-se para ele de maneira longínqua, tendo o firme propósito de
nada desejar nem fazer que seja contra a doutrina católica ou a
constituição da Santa Igreja. Deus, que não abandona a Sua Igreja, não
abandonará jamais os que querem trabalhar por ela e consagrar-se a
ela.
Anexo IV
Excerto de carta a um moço que acaba de entrar no seminário (outono de
1999)
[...] Eu me interrogo hoje, e me pergunto por que aquilo que me
deveria profundamente regozijar me desola.
Ah, certamente que é verdadeiro júbilo ver uma alma empenhar-se na via
da consagração ao Bom Deus e, para tanto, renunciar ao mundo onde a
tentação permanente é de tomar parte no “caminho das três
concupiscências”, que domina e reina quase universalmente. É
verdadeiramente um júbilo ver preferir, a uma carreira terrena que
teria podido ser brilhante, uma carreira celestial começada desde aqui
embaixo. — E isso não me espanta em nada da parte de X!
Mas então por que, pelo que estou desolado? Pela perspectiva de uma
ordenação sacerdotal conferida por um bispo sagrado sem mandato
apostólico. Como já deves esperar, pois eu disse isto em tempo e fora
de tempo: meu desacordo é total, e é um desacordo fundado no que a
Igreja ensina sobre sua própria constituição, e no que a experiência
(por vezes a triste experiência) me mostrou.
Hoje, só posso repetir as mesmas coisas “mudando o tom” e apresentando
a gravidade do caso sob outra luz; mas no fundo trata-se sempre da
constituição da Santa Igreja e de nossa dependência com relação a ela.
Não quero falar nem um pouco, desta vez, da validade das ordens nos
diferentes ramos episcopais — se bem que essa questão me incomode cada
vez mais: para crer nessa validade, é preciso multiplicar os atos de
fé (humana) à medida que nos distanciamos da fonte, e que a seriedade
e catolicidade das intenções se perde na confusão. Não, mesmo sem
isso, a questão episcopal – e tudo o que dela depende – já é
suficientemente grave e preocupante.
Tratando do sacerdócio, São Paulo escreveu (Heb. v, 4): “Ninguém se
arrogue esta honra, senão o que é chamado por Deus, como Aarão”. Com
as consagrações episcopais sem mandato apostólico (CESMA, para os
íntimos), ninguém mais é chamado.
É por natureza, por instituição divina, pela constituição da Igreja,
que o Papa chama os bispos e que estes chamam os padres. Mas eis que,
com as CESMA, a cadeia é rompida; quando os bispos se atribuem o
episcopado (é bem isso o que ocorre, mesmo que eles se “deixem chamar”
por um bispo que não tem esse poder), os padres não são legitimamente
chamados. Na crise da Igreja, por mais profunda que a suponhamos, pode
muito bem ser permitido contornar uma legislação que delimita e
organiza a transmissão do sacerdócio, mas é impossível que seja
permitido ir contra a natureza das coisas.
Acrescento, além disso, se bem que eu não tenha no momento o lazer de
aprofundar a questão, que me parece que as confirmações conferidas por
um bispo-cesma apresentam problema análogo. Com efeito, esse
sacramento é ao mesmo tempo uma perfeição pessoal e uma função da
Igreja; e, se ele é sumamente útil a cada um, ele é necessário à
Igreja: o aspecto eclesial tem, pois, um primado ao menos de
necessidade na Confirmação. Para fazer uma comparação, o sacramento dá
ao confirmado armas para o combate, e constitui o exército da Igreja
ao alistá-lo a serviço da fé e da cristandade: é por isso que este é
um sacramento episcopal. Mas o que há de mais perigoso – para
continuar a comparação – que soldados sem exército? Um bispo-cesma,
não sendo chamado pelo chefe da Igreja, tem incapacidade radical (e
não uma incapacidade jurídica superável) de constituir o exército da
Igreja. Estas são questões que atormentam tão logo as formulamos
seriamente.
Eis outro aspecto das coisas igualmente grave, senão mais grave ainda:
nós pertencemos à Santa Igreja Católica, e essa pertença a uma
sociedade visível deve ser, por natureza, visível. Em razão da crise
da Igreja, essa visibilidade da pertença não mais é garantida pela
adesão ao Magistério vivo, pois esse poder (sempre presente) não mais
se exerce; nem pela submissão à jurisdição, pois a autoridade está em
falta. É, pois, ao poder de ordem que cabe realizar e garantir essa
visibilidade. Se se suprime essa terceira via, não resta mais nada
nessa matéria. A experiência o confirma: no mundo fervilhante dos
CESMA, não há mais nenhum critério objetivo de catolicidade: cada ramo
se erige “pela defesa da fé”, cada ramo é necessário “pois é o único
sério”, ninguém mais se reconhece nesses prelados-CESMA surgidos não
se sabe de onde, que aparecem e desaparecem. Então, cada qual erige
seu próprio critério: os que ele conhece e aprecia são os “únicos
bons”… Onde está a catolicidade nesse meio? Como é que a Igreja
permanece visível no sentido (real) de seus membros aderirem a ela
visivelmente, de maneira objetivamente constatável? Eu me exprimo mal,
mas a realidade é essa.
Tudo isso, eu o submeto à tua reflexão, meu caro X. E ponho-me a
desejar ainda mais fortemente que a crise da Igreja seja resolvida
antes que o irreparável te suceda. Certamente que há outros motivos, e
mais imperativos, de desejar isso: mas aí está mais um.
Anexo V
A fé inteira, nada além da fé.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, As Sagrações Episcopais Sem Mandato Apostólico
em questão, 2000, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, maio de 2010,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-r2
de: Les Sacres Épiscopaux Sans Mandat Apostolique en question [Saint-
Maixant: Grâce & vérité, 2000].
Tradução baseada no texto disponível em:
“http://ddata.over-blog.com/xxxyyy/0/18/98/43/quicumque/Les-sacres–.-
en-question.pdf”
Via o link encontrado em “L’épiscopat, encore et toujours…” [O
episcopado, ainda e sempre...], blogue Quicumque, 1.º set. 2007,
http://www.quicumque.com/article-12122190.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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7 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XLIII”
1. Sérgio Meneses Disse:
Declaro, por fim, que só realizo esta ordenação sacerdotal por sabê-la
inteiramente lícita
Poderíamos perguntar, por onde anda o último padre ordenado por Dom
Mayer? A quem serve?
Trouxe a unidade?
– Como segue:
– Incardinação?
– Não.
– Ministério?
– Sim.
– Poder de confessar?
– Digamos que é no mínimo paradoxal para quem pretende dar lições aos
outros, não?
http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=1078
http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=1088 )
Roberto caríssimo, estendo essas últimas perguntas a você; ou então
peço que se retrate ou, ao menos, cale suas acusações inadequadamente
respaldadas; peço-lhe ainda que, se responder, certifique-se de trazer
algum argumento ou citar alguma autoridade (em tempo, estes seus
escrúpulos teriam algo a ver com um recente DVD do Sr. Gerry
Matactics, ou com leituras do Sr. Hutton Gibson?); do contrário, um
novo ditirambo repleto de metáforas fora de lugar me tentaria
fortemente à não publicação, como você facilmente compreenderá.
Abraços cordiais,
Em JMJ,
Felipe Coelho
Textos essenciais em tradução inédita – XLV
http://www.quicumque.com/article-1592949.html]
.
II. Precisões ulteriores
Eis o que encontramos, da pena de Journet, no tomo I de L’Église du
Verbe Incarné [A Igreja do Verbo Encarnado], a respeito dos sujeitos
elevados ao episcopado durante os períodos de vacância da Sé
Apostólica:
Assinale-se que estamos num parágrafo intitulado “a jurisdição suprema
não pertence propriamente aos bispos”.
A referência aos sujeitos elevados ao episcopado durante vacância da
Sé Apostólica consta de uma nota (extensa), que vem ilustrar a
passagem seguinte:
“Suponhamos inclusive, como faz Caetano, que após a morte de um Papa
todos os bispos do mundo se reunissem e chegassem a um acordo num
sínodo universal: haveria universalidade jurisdicional quantitativa e
cumulativa, mas daí à universalidade jurisdicional qualitativa e
essencial do Pastor Supremo, há um abismo. Nenhuma decisão oriunda
propriamente do poder papal poderia ser tomada, por exemplo nenhuma
verdade implicitamente revelada por Cristo poderia ser explicitamente
definida [remete à nota 70].”
E, na nota 70, lê-se (concernente ao objeto da presente discussão):
“No que toca ao poder de nomear ou de instituir bispos, pertence este
ao Romano Pontífice (Cód. Dir. Can. 329, § 2 e 332, § 1). Mas Caetano
ressalta, em seu De Romani Pontificis Institutione, cap. XIII, ad. 6,
que é preciso distinguir entre o poder do Soberano Pontífice
(‘auctoritas’) e o exercício desse poder (‘executio’), exercício este
cujo modo pôde variar ao longo dos tempos. Daí que a antiga disciplina
eclesiástica deixava aos patriarcas de Alexandria e de Antioquia o
direito de eleger os bispos de suas províncias. As eleições de bispos
feitas durante a vacância da Santa Sé e consideradas válidas se
explicam dessa maneira.”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
“Há Precedente Histórico para Consagrações Episcopais sem Mandato da
Santa Sé?”, por um Professor de História, 2007, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2010, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-vg
.
A partir de:
– “Pauvre saint Eusèbe de Samosate !” [Pobre Santo Eusébio de
Samosata!], Le Forum Catholique, 19 nov. 2007,
http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=344462
– “Journet invoqué à tort” [Journet invocado erroneamente], Le Forum
Catholique, 19 nov. 2007,
http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=344455
– O título desta tradução foi tirado da tradução inglesa, por J. S.
DALY, em: “Necessity of Apostolic Mandate” [Necessidade do Mandato
Apostólico], Bellarmine Forums, 30 jun. 2008,
http://www.strobertbellarmine.net/forums/viewtopic.php?t=863
.
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Uma resposta para “Textos essenciais em tradução inédita – XLV”
1. Textos essenciais em tradução inédita – L « Acies Ordinata Disse:
John Daly
(Cânon 2205§2)
15. “Todo o poder espiritual é dado com uma certa consagração. É por
essa razão que o poder das chaves é dado com o sacramento da Ordem.
Mas o exercício desse poder requer matéria apropriada, que é o povo
cristão submetido por meio da jurisdição. Assim, antes da jurisdição o
padre possui o poder das chaves, mas não a faculdade de exercer esse
poder.”
O Espírito Santo difundiu Seus dons divinos nas almas desses novos
cristãos; mas as virtudes que estão neles só se podem exercer de
maneira a merecer a vida eterna no seio da Igreja verdadeira. Se, em
lugar de seguirem o pastor legítimo, tiverem a infelicidade de
entregar-se a falsos pastores, todas essas virtudes tornar-se-ão
estéreis. Devem eles, então, evitar como estrangeiro aquele que não
recebeu sua missão do Mestre que, somente ele, pode conduzi-los aos
pastos da vida. Muita vez, ao longo dos séculos, houve pastores
cismáticos; o dever dos fiéis é fugir deles, e todos os filhos da
Igreja devem estar atentos à advertência que Nosso Senhor lhes dá
aqui. A Igreja que Ele fundou e que Ele conduz por Seu divino Espírito
tem por característica ser Apostólica. A legitimidade da missão dos
pastores manifesta-se pela sucessão; e, dado que Pedro vive em seus
sucessores, o sucessor de Pedro é a fonte do poder pastoral. Quem está
com Pedro está com Jesus Cristo.”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, Florilégio de textos referentes aos bispos sem Missão
Apostólica e aos padres que eles ordenam, 2007, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2010, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-uL
de: “FLORILÈGE DE TEXTES CONCERNANT LES ÉVÊQUES SANS MISSION
APOSTOLIQUE ET LES PRÊTRES QU’ILS ORDONNENT”,
http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=342628
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2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XLIV”
1. Sandro de Pontes Disse:
“As pessoas que não são teólogos nunca parecem entender quão pouca
intenção é requerida para um sacramento… A ‘intenção implícita de
fazer o Cristo instituiu’ significa uma coisa tão vaga e ínfima, que é
quase impossível deixar de tê-la – a não ser que se a exclua
deliberadamente. No tempo em que todos falavam das ordens anglicanas,
vários católicos confundiram intenção com fé. A fé não é requerida. É
heresia dizer que seja. (Foi este o erro de São Cipriano e Firmiliano
contra o qual o Papa Estêvão I [254-257] protestou.) Um homem pode ter
opiniões completamente erradas, heréticas e blasfemas sobre um
sacramento e, ainda assim, conferi-lo ou recebê-lo validamente.”
— Adrian Fortescue
* * * * *
BIBLIOGRAFIA
BILLOT, L. De Ecclesiae Sacramentis. Roma: Gregoriana 1931.
DANIEL-ROPS, H. The Church in the Eighteenth Century. Londres: Dent
1960. [Trad. br.: A Igreja dos Tempos Clássicos. II. A era dos grandes
abalos. Trad. de Henrique Ruas. São Paulo: Quadrante 2001.]
DOHENY, W. Canonical Procedure in Matrimonial Cases. Milwaukee: Bruce
1942.
GASPARRI, P. Tractatus de Sacra Ordinatione. Paris: Delhomme 1893.
LEEMING, B. Principles of Sacramental Theology. Westminster MD: Newman
1956.
LEÃO XIII. Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896.
LONSWAY, Jesse W. The Episcopal Lineage of the Hierarchy in the United
States: 1790–1948.
MANY, S. Praelectiones de Sacra Ordinatione. Paris: Letouzey 1905.
MCMANNERS, J. Church and Society in Eighteenth-Century France. Oxford:
University Press 1998.
NAZ, R. “Francmaçonnerie”, Dictionnaire de Droit Canonque. Paris:
Letouzey 1953. 1:897-9.
_______. “Intention”, op. cit. 5:1462–64.
WANENMACHER, F. Canonical Evidence in Marriage Cases. Philadelphia:
Dolphin 1935.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Intenção Sacramental e Bispos Maçônicos,
2003, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vg
de: “Sacramental Intention and Masonic Bishops”,
http://www.traditionalmass.org
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_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Quão Sacerdotal é a Fraternidade São Pio X?,
2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1xt
A partir do comentário feito pelo A. em 11 de outubro de 2012 no fórum
de discussão tradicionalista Ignis Ardens, no tópico “Re: Fr. Voight’s
Ordination, Novus Ordo or Conditional?” [Sobre a ordenação do Pe.
Voigt: Novus Ordo ou Sob Condição?]:
http://z10.invisionfree.com/Ignis_Ardens/index.php?showtopic=11067&vie
w=findpost&p=22034064
[O título é de responsabilidade do tradutor. Quem ler inglês poderá
acompanhar, no tópico linkado, as duas declarações evasivas do Dr.
Voigt em resposta às legítimas indagações dos debatedores, e os
comentários geralmente judiciosos de alguém que escreve sob o
pseudônimo “Retrad”.]
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7 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CLXVI”
1. AJBF Disse:
Salve Maria!
A atual abordagem da FSPX, quanto à questão de se é ou não é válida
uma ordenação conferida no rito novo, não é exatamente o oposto dos
princípios estabelecidos pela teologia sacramental católica e o Pe.
Voigt, de forma alguma viola o princípio geral que Leão XIII utilizou
para condenar as ordens anglicanas. Na verdade, o princípio utilizado
por Leão XIII (segundo a revista La Civiltà Cattolica serie XVI, vol.
IX, fasc. 1117, 23 dicembre 1896) é o seguinte:
“De mente vel intenzione, utpote quae per se quiddam est interius,
Ecclesia non iudicat: at quatenus extra proditur, indicare de ea
debet.”.
No mesmo artigo, o R.P. Salvatore M. Brandi S.J., afirma literalmente:
“Leão XIII feriu de morte as ordenações anglicanas, propriamente na
sua essência, demonstrando e declarando lhes nulas e inválidas por
intrínseco defeito de forma e intenção”. La condanna delle ordinazione
anglicane – R. Pe. Salvatore M. Brandi S.J. –
http://progettobarruel.zxq.net/novita/10/ordinaz_anglicane_IV.html
Das coisas internas, realmente a Igreja não julga, mas julga-lhes a a
sua manifestação exterior. Por isso entre os artigos disponibilizados
pelo Progetto Barruel sobre a “Condenação das ordens anglicanas”, o
autor (seguindo Leão XIII) discorre sobre a intenção do legislador
anglicano (Crammer) de manter o sacerdócio católico (como argumentou
Dom Williamson e o Pe Cekada fez piada). Além do que é afirmado no
artigo, São Pio V ao promulgar o Missal Romano reformado, publicou o
“De defectibus in celebratione Missae occurentibus”, onde uma parte é
dedicada aos “Defeitos de intenção”. Ora, se as coisas são como o Pe
Cekada diz, jamais a Igreja poderia julgar os defeitos de intenção.
Provavelmente o Pe Cekada não deve conhecer o De defectibus, se
conhecesse não afirmaria os absurdos que afirmou neste artigo, baseado
em um princípio, que ele conhece pela metade.
Ao ler o artigo do Pe Cekada e o artigo da La Civiltà, fiquei
impressionado com a imprudência e a temeridade, com que o Pe Cekada
julga a FSSPX, mas com que autoridade?
Fique com Deus.
Abraço
P.S.: Nos artigos da La Civiltà Cattolica, tem mais coisas
interessantes…
3. Felipe Coelho Disse:
Em JMJ,
Felipe Coelho
4. Gederson Disse:
Salve Maria!
Agradeço sua resposta. Postei o no blog e na lista aguardando algum
comentário a respeito, mas poderia tê-lo enviado em particular para
você (nisto me precipite). Quanto ao artigo e a minha resposta,
preciso dar-lhes alguns esclarecimentos. O trecho que motivou minha
resposta apressada foi o trecho:
“Esse modo de proceder viola o princípio geral que o Papa Leão XIII
estipulou ao condenar as ordens anglicanas: “de internis Ecclesia non
judicat” (a Igreja não emite julgamento sobre coisas internas).
Se a Igreja não julga sobre coisas internas, como é que podem fazê-lo
o Pe. Fullerton e o bispo Fellay? [N. do T. - Ambos disseram ao Dr.
Voigt que ele não precisaria ser reordenado sob condição para
trabalhar com a FSPX.]
Pelo contrário, quando se trata de determinar a validade de uma
ordenação, olha-se primeiro para as coisas externas: matéria e forma.”
Primeiramente (sem entrar nos méritos do motivo), o princípio
utilizado por Leão XIII* foi colocado pela metade pelo Pe Cekada, e
isto afeta o entendimento do artigo. Lendo assim, a impressão que se
tem é que a intenção é apenas uma coisa interior, que não se manifesta
exteriormente. Não existem margens para um entendimento de que a
Igreja julgue a manifestação exterior da intenção (além do julgamento
dos defeitos na forma). Pode ser um erro de leitura meu, mas foi a
impressão que tive.
Em segundo lugar, quando existe uma corrupção na forma do sacramento,
a Igreja julga a intenção do ministro que operou a mudança (um defeito
na forma, não significa necessariamente a ausência ou o defeito de
intenção de se fazer o que a Igreja sempre fez). Assim, perguntas são
formuladas para que através da manifestação interior, se avalie a
intenção do ministro. Cito como exemplo (conforme lhe disse em
particular), o caso do Papa São Zacarias**, houve um caso na
arquidiocese de Mongúcia, onde um Padre Bávaro corrompia a fórmula do
batismo, dizendo-a da seguinte forma:
“ Baptizo te in nomine patria et filia et Spiritus Sancti”
Diante da corrupção da forma, S. Bonifácio, mandou re-batizar todas
pessoas que haviam sido batizadas pelo dito Padre e encaminhou a
questão ao Papa São Zacarias, que considerou o sacramento válido,
mediante ao julgamento das intenções do ministro, que corrompeu a
forma por ignorância. Neste caso, o Papa São Zacarias, teria também
julgado coisas internas, ao se questionar quanto ao motivo pelo qual o
ministro corrompia a fórmula? Pelo trecho acima (considerando apenas a
questão do julgamento de coisas externas), parece que sim, porque as
questões estabelecidas e que são criticadas pelo Padre Cekada, por
analogia ao caso de São Zacarias, visam julgar a intenção do ministro,
exatamente por aquilo que ele manifesta exteriormente. Assim, com os
questionamentos não me parece que o Padre da FSSPX tinha a intenção de
julgar coisas interiores, mas a intenção por aquilo que o ministro
manifesta exteriormente, julgar sua intenção. Evidentemente isto
deveria ser aplicado não ao ministro, mas ao legislador do NO, e ao
que parece, foi aplicado pelos Cardeais Ottaviani e Bacci, que na nota
29 do “Breve Exame Crítico” (conforme também lhe disse em particular),
escrevem:
“Da forma como aparecem no contexto do Novus Ordo, as palavras da
consagração poderiam ser válidas em virtude das intenções do padre.
Mas, uma vez que sua validade não advém mais da força das próprias
palavras sacramentais (ex vi verborum) – ou mais precisamente, do
significado que o antigo rito da Missa conferia à fórmula – as
palavras de consagração no Novo Ordinário da Missa poderiam também não
ser válidas. No futuro os padres que não receberem formação
tradicional e que confiarem no Novus Ordo para a intenção de “fazer o
que a Igreja faz” farão consagrações válidas na Missa? Pode-se duvidar
disto”.
Em italiano a mesma nota (nº 15 na versão italiana):
“Le parole della Consacrazione, quali sono inserite nel contesto
delNovus Ordo, possono essere valide in virtù dell’intenzione del
ministro. Possono non esserlo perché non lo sono più ex vi verborum o
più precisamente in virtù del modus significandi che avevano finora
nella Messa [i due punti narrativi hanno rimpiazzato il punto a capo
della forma esplicitamenteconsacratoria, ndr]. I sacerdoti, che, in un
prossimo avvenire, non avranno ricevuto la formazione tradizionale e
che si affideranno al Novus Ordo al fine di “fare ciò che fa la
Chiesa” consacreranno validamente? È lecito dubitarne»”.
Os Cardeais Ottaviani e Bacci, afirmam coisa semelhante, pois
concedendo que as sagrações poderiam ser válidas em virtude da
intenção dos ministros, se pressupões ordenações válidas e a concessão
de que, da parte do legislador do NO, não houve a sustentação do
próprio erro ao ponto de ex indústria corromper ou rejeitar o rito
católico. No caso concreto colocado pelos ilustres Cardeais, o juízo
sobre a intenção do ministro, é formulado através de questões através
daquilo que o ministro manifesta exteriormente, mas como julgar tais
intenções, se por si mesmo para o Pe Cekada (conforme o artigo), tal
julgamento seria um julgamento somente de coisas interiores? Para ser
mais claro, pergunto a você:
As questões formuladas pelo Padre da FSSPX são para o julgamento das
manifestações exteriores ou são para o julgamento de coisas internas?
Você disse na sua resposta:
“Você, Gederson, afirma corretamente: “Das coisas internas, realmente
a Igreja não julga, mas julga-lhes a sua manifestação exterior.”
Pois então, meu caro, é justamente isso o que o Padre Cekada está
dizendo, e não entendo de onde você tirou que ele negue esse ponto de
doutrina! E, em contrapartida, é justamente isso o que a FSPX está
negando, na prática hipócrita dela de “analisar a intenção do
ministro” para estabelecer a validade ou não dos ritos de Paulo VI
cuja forma foi alterada por este”.
Você tem certeza de que é exatamente isso que o Pe Cekada esta
dizendo? Porque o Pe Cekada não usou o princípio completo, e pelo que
entendi deixa entender que uma corrupção na forma implica
necessariamente na invalidade do sacramento, por defeito tanto na
forma, como na intenção. Além disso, aquilo que os Cardeais Ottaviani
e Bacci afirmam, vai na linha do que o próprio Padre da FSSPX tenta
fazer com as perguntas e que São Zacarias fez. Estou errado? Se
estiver por gentileza e caridade, me corrija.
Quanto ao ponto em que você diz:
“Onde seu erro fica mais claro, Gederson, é ao você supor que “se as
coisas são como o Pe Cekada diz, jamais a Igreja poderia julgar os
defeitos de intenção.” Será que você desconhece o seguinte ponto de
doutrina ensinado pelo próprio Leão XIII:
Em JMJ,
Felipe Coelho
7. Sandra Disse:
O nome pelo qual assino minha mensagem é meu nome de batismo. Se vier
à São Paulo, poderemos nos encontrar, como já fez o professor Carlos
Nougué.
A Voz de Roma – V
SANTO OFÍCIO
I. Tradução em português,
_____________
ERRO MILENARISTA
(in: Nouvelle Revue Théologique,
_____________
Suprema Sagrada Congregação do SANTO OFÍCIO, Condenação do milenarismo
mitigado. Decreto de 19-21 jul. 1944, seguido do comentário autorizado
do Pe. Gilleman S.J.; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, ag. 2012,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vT
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Doutrina, Método, Profecias. Você pode acompanhar qualquer resposta
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2 Respostas para “A Voz de Roma – V”
1. Roberto F Santana Disse: