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Acies Ordinata

"Por fim, meu Imaculado Coração triunfará"


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Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – X

Sobre a obediência cega e sem exame


Refutação à Proposição XII

dos Sete teólogos de Veneza


(1606)

São Roberto Cardeal BELLARMINO, S.J.,

Doutor da Igreja

PROPOSIÇÃO XII. O cristão não deve prestar obediência à ordem que lhe
for feita (ainda que feita pelo Sumo Pontífice) se primeiro não houver
examinado se a ordem, na medida em que o exige a matéria, é
conveniente e legítima e obrigatória; e aquele que sem exame algum da
ordem a executa, obedecendo às cegas, comete pecado.
RESPOSTA. Essa proposição se poderia esperar de qualquer um, menos de
pessoas religiosas; mas, deixando de lado a sua origem, que a nós
pouco importa, digo que essa proposição é diretamente contrária aos
Santos Padres; que não se encontra em nenhum bom autor; que enerva a
disciplina de toda congregação bem ordenada, seja espiritual ou
temporal; e é em tudo conforme à doutrina dos luteranos e outros
hereges de nosso tempo.
Não chego a dizer que seja pecado por vezes examinar o preceito do
superior, mas digo que não é pecado não o examinar, bem como que a
obediência é mais perfeita e mais agrada a Deus quando se obedece
simplesmente, sem examinar a ordem, não cuidando de saber por que o
superior ordena, bastando-lhe saber que ordena; sempre, porém,
excetuando quando a ordem contenha pecado manifesto, pois aí não há
ocasião de examinar, devendo-se obedecer antes a Deus do que aos
homens; e, se me fosse dito que quando é duvidoso se a ordem contém ou
não pecado, dever-se-ia então examiná-la para não se pôr em perigo de
pecar, eu responderei com São Bernardo que quando não há nela pecado
manifesto, não se há de examiná-la, nem há aí perigo de pecar, porque
na dúvida o súdito deve remeter-se ao superior e tem de pressupor que
este ordene bem; e eis as palavras dele, no livro De precepto, et
dispensatione [Sobre o preceito e a dispensa]:
“Dir-me-eis, talvez, que os homens podem enganar-se sobre a vontade de
Deus nas coisas duvidosas, e ordenar errado. Que vos importa? Não
tendes culpa nenhuma nesse caso.” [Sed homines (inquis) facile falli
in Dei voluntate de rebus dubiis percipienda, et praecipienda fallere
possunt; sed enim quid hoc refert tua, qui conscius non es?]
E, pouco adiante:
“Aquele, pois, que está no lugar de Deus perante nós, devemos ouvi-lo
como se ouvíssemos a Deus mesmo, em tudo aquilo que não é abertamente
contra Deus.” [Ipsum proinde, quem pro Deo habemus, tamquam Deum in
his, quae aperte non sunt contra Deum, audire debemus.]

Mas passemos aos testemunhos dos Santos Padres.


São Basílio, no livro das Constituições Monásticas, ao cap. 22:
“Assim como as ovelhas obedecem ao seu pastor, e marcham no caminho
pelo qual ele as conduz, assim também os cultores da piedade para com
Deus devem obedecer ao seu superior, sem examinar de maneira alguma os
motivos das ordens que lhes são dadas, se elas estão livres de pecado”
[Quemadmodum pastori suae oves obtemperant, et viam quamcumque ille
vult, ingrediuntur: sic qui ex Deo pietatis cultores sunt,
moderatoribus suis obsequi debent, nihil omnino ipsorum jussa
curiosius perscrutantes, quando libera sunt a peccato].
Notem-se estas palavras: Nihil omnino perscrutantes, de nenhum modo
examinando o preceito do superior. Não importa que São Basílio não
fale do Papa, mas dos superiores imediatos, pois os religiosos são
mais obrigados a obedecer ao Papa, que é o superior principal, do que
aos outros inferiores; o mesmo Santo, no mesmo lugar, prova por aquele
passo do Evangelho: Luc. 10, Qui vos audit, me audit [Quem vos ouve, a
Mim ouve], que essa doutrina de não examinar o preceito do superior
está fundada na Escritura divina, e que aquilo que disse então Cristo
aos discípulos deve-se entender ser dito a todos os prelados que
viriam depois deles na Santa Igreja.
São João Crisóstomo, na Homilia 16 sobre o Gênesis, considera quanto
dano fez ao mundo aquela serpente que ensinou a examinar os preceitos
dos superiores, dizendo a Eva: Cur praecepit vobis Deus? [Por que vos
preceituou Deus? (cf. Gên. 3,1)] E pouco importa que fosse este um
preceito divino, pois Deus mesmo ordenou que se obedeça aos Seus
ministros, como a Ele: Qui vos audit me audit, Luc. 10 [Quem vos
escuta, a Mim escuta], como pouco antes disse São Basílio.
São Jerônimo, em Epístola que escreve a Rústico, diz assim:
“Teme o superior como Senhor, ama-o como Pai, crê salutar seja lá o
que ele te ordenar; não julgues as sentenças dos maiores, pois teu
ofício é obedecer e cumprir aquilo que te é dito.” [Praepositum
timeas ut Dominum, diligas ut parentem, credas salutare quidquid ille
praeceperit: nec de majorum sententia judices, cujus officii est
obedire et implere, quae jussa sunt].
São Gregório Magno, escrevendo sobre o primeiro livro dos Reis, diz
assim:
“A verdadeira obediência não tem a pretensão de penetrar a intenção
dos superiores, nem de fazer um discernimento entre os preceitos que
lhe são impostos; pois aquele que abandona a sua inteira conduta a
quem está encarregado de dirigi-la, põe o seu contentamento somente em
fazer bem o que lhe é prescrito: quem sabe obedecer perfeitamente
proíbe a si mesmo todo juízo, pois considera como o único bem a
obediência às ordens.” [Vera obedientia nec praepositorum intentionem
discutit, nec praecepta discernit; quia qui omne vitae suae judicium
majori subdit, in hoc solo gaudet, si quod sibi praecipitur, operatur:
nescit enim judicare quisquis perfecte didicerit obedire, quia hoc
totum bonum putat, si praeceptis obediat.]
Dos monges do Egito instituídos e instruídos por Santo Antão e São
Macário e semelhantes Santos Padres, refere João Cassiano, no 4.º
livro De institutis renunciantium [Sobre as instituições dos
renunciadores, i.e. os monges], cap. 10, que este era o uso deles:
“E é assim que eles se apressavam em fazer, sem examinar, tudo o que
lhes fosse ordenado por seu superior, como se fosse Deus mesmo quem
lhes impusesse o dever” [Sic universa complere, quaecumque fuerint a
praeposito suo praecepta, tamquam si a Deo sint caelitus edita sine
ulla discussione festinant].
E, no cap. 41, refere o mesmo autor as palavras de um santíssimo Abade
deste modo:
“Verdadeiramente, antes de tudo cultiva isto: faz-te de tolo neste
mundo, segundo a sentença do Apóstolo, para seres sábio, nada examina
nem julga no que te for imperado.” [Verum et hoc prae omnibus excole,
ut stultum te, secundum Apostoli sententiam, facias in hoc mundo, ut
sis sapiens,nihil scilicet discernens nihil dijudicans ex his quae
tibi fuerint imperata].
São Bento, na sua Regra, a qual segundo o testemunho de São Gregório
no 2.º diálogo, cap. 36, é repleta de discernimento e de sabedoria,
descreve no quinto capítulo quais são os verdadeiros obedientes,
dizendo:
“Tão logo algo é ordenado pelo superior, é como se fora ordenado por
Deus, e não suportam demora alguma em fazê-lo.” [Mox ut imperatum a
majore fuerit, ac si divinitus imperetur: moram pati nesciunt in
faciendo].
Por onde, não dê tempo de examinar o que se quer, mas imediatamente e
sem mais delongas se obedeça, como se Deus mesmo houvesse ordenado.
São João Clímaco, aquele que à perfeita obediência chamou cega, em seu
livro intitulado Escada, no quarto degrau, escreve:
“Quando te ocorrer o pensamento de julgar ou condenar teu superior,
afasta-o com a mesma presteza com que afastas pensamentos impuros”
[Cum tibi cogitatio suggesserit, ut prelatum, aut dijudices aut
damnes, ab ea non secus quam a fornicatione discede].
E, pouco adiante:
“Diz assim à serpente: ‘Ó maligno sedutor, não tenho o direito de
julgar meu superior, mas ele tem autoridade de me julgar; não sou eu
quem o julga, é ele quem julga a mim’.” [Loquere ad hujusmodi
serpentem, o seductor maligno, non ego Ducem meum judicandum suscepi,
sed ille me; non ego illius, sed ille mei Dux est].
São Cesário de Arles, na Homilia oitava daquelas que escreve para os
monges do mosteiro lirinense, diz:
“O que quer que te seja ordenado, aceita como se fora ordem do Céu,
saída da boca de Deus; nada repreende nem discute, jamais presume
murmurar, mas julga tudo justo, tudo santo, e útil, o que ao superior
aprouver ordenar.” [Quicquid a senioribus fuerit imperatum accipe
tamquam de coelo sicut de ore Dei prolatum, nihil reprehendas, nihil
discutias, in nullo penitus murmurare praesumas totum justum, totum
sanctum, et utile judica quidquid a prelato videris imperari].
São Bernardo, que escreve depois de todos esses, no livro De
praecepto, et dispensatione, diz assim:
“É sinal de um coração imperfeito e de uma vontade enferma examinar
minuciosamente as injunções de nossos superiores, hesitar a cada ordem
recebida, exigir saber a razão de tudo, e suspeitar o pior de toda
ordem” [Imperfecti cordis, et infirmae prorsus voluntatis iudicium
est, statuta seniorum studiosius discutere, haesitare ad singula, quae
injunguntur, exigere de quibuscumque; rationem, et male suspicari de
praecepto].
E no Sermão, ou melhor dizendo, Tratado De vita solitaria ad fratres
de monte Dei [Sobre a vida solitária, aos irmãos do Monte Deus], diz:
“A obediência perfeita, sobretudo no incipiente, é indiscreta, ou
seja, não discerne nem o que, nem por que se ordena” [Perfecta
obedientia maxime in incipiente, est indiscreta, hoc est, non
discernit quid, vel quare praecipiatur].
Certamente que, se à obediência pôde-se chamar indiscreta, pode-se
ainda chamá-la cega, ainda que isso não agrade aos sete doutores.
Santo Tomás, Doutor Angélico, I-II q. 13 art. 3 ad tertium, tendo
feito contra si mesmo uma objeção tomada da Regra de São Bento, onde
está dito que é preciso obedecer inclusive nas coisas impossíveis,
responde:
“Quanto ao terceiro, deve-se dizer que isso se afirma porque o súdito
não deve definir com seu juízo se uma coisa é possível, mas em tudo
deve ater-se ao juízo do superior.” [Ad tertium dicendum, quod hoc
ideo dicitur, quia an aliquid sit possibile, subditus non debet suo
judicio definire, sed in unoquoque judicio superioris stare].
O que tem para examinar quem não tem de examinar nem mesmo se aquilo
que se ordena é possível ou impossível?
São Boaventura, In speculo disciplinae [Espelho da disciplina],
primeira parte, cap. 4, escreve:
“Chamo de excelente o grau de obediência em que a ordem dada é
recebida com o mesmo sentimento que a ditou; em que a intenção de quem
executa a ordem está inteiramente em sintonia com a vontade que
comanda: que não julguem, pois, as razões dos superiores jamais,
aqueles cujo ofício é obedecer e realizar aquilo que lhes é ordenado.”
[Illum optimum dixerim obedientiae gradum, cum eo animo opus injunctum
recipitur, quo et praecipitur: cum ex voluntate jubentis pendet
intentio exequentis, numquam de majorum sententia judicent quorum
officii est obedire et implere quae jussa sunt.]
O mesmo Santo Doutor, In opusculo octo collationum [Opúsculo das oito
conferências] cap. 3, declara as condições da perfeita obediência
enumeradas como diz ele por Santo Agostinho, e são estas as suas
palavras:
“Para que a obediência seja aceita por Deus, deve ser imediata sem
dilação, devota sem desdenhação, voluntária sem contradição, simples
sem discussão.” [Ut obedientia sit acceptabilis Deo, debet esse
prompta sine dilatione, devota sine dedignatione, voluntaria sine
contradictione, simplex sine discussione.]

Todos esses onze doutores Santos teriam errado, e haveria que corrigi-
los, se os sete doutores de Veneza dizem a verdade. Mas, que eles não
tenham errado, disso dá testemunho Deus onipotente, que com milagres
estupendos confirmou a obediência simples e pronta sem examinar a
ordem do superior.
Escreve Severo Sulpício, no primeiro diálogo dos milagres dos eremitas
do Oriente, que um simples monge ao qual se mandou levar todo dia
água, a cinco quilômetros de distância, para regar um bastão seco
fincado na terra seca e estéril pelo Abade, a fim de que florescesse,
fez isso prontamente por obediência, e Deus fez o bastão seco dar flor
e se tornar árvore, chamada por esse fato de a árvore da obediência.
O mesmo autor, no mesmo lugar, relata um outro que, mandado pelo
superior entrar numa fornalha ardente, sem examinar a ordem, a qual
simplesmente não fora dada para ser executada mas como prova de
obediência, movido – como se deve crer piamente – por particular
instinto divino, pulou na fornalha e ali ficou o quanto foi preciso, e
saiu sem dano às vestes não mais que à sua pessoa, tendo cedido as
chamas do fogo ao ardor da perfeita obediência; e isso que escreve
Sulpício do fogo, São Gregório escreve da água no 2.º Diálogo, cap. 7,
onde diz que São Mauro por obediência caminhou sobre as águas, como se
andasse sobre a terra.
Muitos outros milagres contam, tanto Sulpício em seus diálogos, quanto
Cassiano nos seus livros De institutis renunciantium, que omito por
brevidade.

Peço agora aos sete doutores que me deem um autor santo, ou ao menos
católico, que afirme aquela sua proposição. Considerei todas as
palavras que gastam para provar essa proposição décima-segunda, e não
encontrei que aleguem em favor dela outro além do Cardeal Toleto,
dizendo:
“Essa proposição é doutrina do Cardeal Toleto, o qual, em seu livro
Instructio Sacerdotum [Instrução aos sacerdotes], tomo 5, cap. 4,
assim escreve, falando da residência episcopal: Quando o Papa
encarrega um bispo de algum negócio que exige a ausência deste por um
tempo, este pode se ausentar; mas não basta obedecer, há que ser uma
obediência devida; pois, na ausência de causa razoável, um preceito
não devemos obedecer. [Cum enim Papa imponit aliquod negotium
episcopo, quod requirit ad tempus absentiam, abesse potest: sed
allende, quodnon sufficit obedientia tantum, sed debita, quia cum
absque caussa rationabili aliquid praecipitur, non debemus obedire].”
Aí estão todos os autores que eles citam em prol de sua sentença.
Ao que, nós respondemos: primeiro, que o Cardeal Toleto não trata da
obediência em geral, nem põe in terminis a proposição deles de que o
súdito seja obrigado a examinar o mandamento do superior e peque se
não o fizer. E nós, pelo contrário, alegamos muitos santos que louvam
a obediência daqueles que não examinam o mandamento do superior.
Segundo, respondemos que o Cardeal Toleto fala de um caso em que
ocorrem duas ordens que parecem contrárias, pois o bispo tem um
mandamento do sacro concílio, e por consequência do Sumo Pontífice que
aprovou o concílio, de residir na sua diocese; por onde, quando o Papa
manda-o sair para longe da diocese, pode merecidamente duvidar de qual
dos dois mandamentos deve obedecer, máxime que a obediência de ficar
fora da diocese carrega em si a dispensa para não residir, e as
dispensas não valem in foro conscientiae quando não há causa legítima;
e assim entendo as palavras do Cardeal Toleto, Cum absque caussa
rationabili aliquid praecipitur non debemus obedire, ou seja, que não
devemos obedecer em detrimento de outro mandamento mais importante;
pois, quando não há tal detrimento, deve-se simplesmente obedecer
ainda que o mandamento seja sem causa razoável, dado que não contenha
pecado expresso.

Assim, dado que os sete doutores não têm autor onde apoiar-se, e nós
temo-los aos montes, permaneceremos em nossa sentença, sobretudo
porque, como se disse no princípio, esse ensinamento de examinar os
preceitos não é outro que o de tornar os súditos juízes de seus
superiores e abrir a porta à rebelião e à contumácia.
Certamente que, se no exército devessem os soldados examinar as ordens
do General, máxime quando são mandados a invadir alguma cidade, poucas
vitórias seriam contadas; e por isso os antigos romanos eram tão
rígidos cobradores da simples obediência nos soldados, que não
admitiam desculpa nem interpretação alguma. Daí que Torquato puniu com
a pena capital o próprio filho, porque sem obediência havia combatido,
embora tivesse vencido.
Nos governos políticos, se toda a vez que o Príncipe emite um edito de
que não se faça isto ou aquilo, fosse lícito, ou melhor dizendo,
conforme os sete doutores, fosse obrigatório sob pena de pecado não
admitir essas ordens sem examiná-las diligentemente, e em seguida não
as executar se não lhes parecessem convenientes, vão seria o poder
público, nem se poderiam governar as cidades ou as províncias.
Igualmente, quando o Bispo prega ao povo, e manda aquilo que devem
crer, e obrar, para salvar-se, se os ouvintes fossem obrigados a
examinar esses preceitos do Prelado, que confusão não nasceria na
Igreja? Aquela, por certo, que hoje vemos nas congregações dos
luteranos, onde cada qual se faz juiz, segundo a sua consciência, das
decisões acerca da fé ou costumes dadas pelos ministros, nem se podem
lamentar dessa insolência os seus líderes, pois foram eles que os
ensinaram a fazer-se censores e juízes de seus superiores, dando a
essa desobediência o nome de liberdade de consciência.

Mas vejamos agora como provam os sete doutores a sua proposição:


Primeiramente dizem que não se há de obedecer ao Papa quando ele
ordena coisas de pecado; e por isso é necessário examinar a ordem se
porventura contenha pecado.
A isso já se respondeu com São Bernardo, que se o pecado é manifesto,
não se deve obedecer nem é preciso exame nas coisas manifestas; se o
pecado é duvidoso, deve-se obedecer remetendo-se ao juízo do superior:
nem por isso põe-se o súdito em perigo de pecar, pois Deus lhe ordena
que obedeça ao superior, e não que examine ou julgue as ações do
superior, de modo que, se naquela obediência houver pecado, a culpa
será do superior, e o mérito, do súdito.
Em segundo lugar dizem que pode ser que a ordem do Papa traga consigo
escândalo ou perturbação da república, ou destruição da Igreja, e por
isso importa examiná-la.
Responde-se que se o escândalo, e outros males, são manifestos, é sem
exame que já não se deve obedecer, pois estes são pecados; mas, se
houver dúvida, ao Papa incumbe examiná-la, não ao súdito, pois a
prudência é virtude necessária aos superiores; a obediência, aos
súditos.
Em terceiro lugar dizem que o Papa Alexandre III, no cap. Si quando de
rescript, quer que, quando ele ordena alguma coisa, ou ela seja
obedecida pelos súditos, ou se apresentem causas razoáveis pelas quais
não possam obedecê-la. Logo, o Papa quer que se examine o seu
mandamento.
Respondo que o Papa Alexandre fala de um caso particular, isto é, o de
quando o próprio superior duvida se é bom fazer aquilo que ele ordena,
pois talvez não esteja bem informado, e nesse caso é necessário
examinar o mandamento, pois o superior ordena que se o examine: e isso
se colhe das palavras subsequentes, em que o Papa dá a razão dizendo:
pois Nós pacientemente suportaremos não ser obedecidos, quando
conheçamos ter sido falsamente informados.
Em quarto lugar dizem que foram louvados, nos Atos dos Apóstolos, cap.
17, os de Bereia que, escutando as palavras de São Paulo com muita
avidez, escrutavam todo o dia as divinas Escrituras para ver se era
assim como São Paulo pregava: não seria menos louvável escrutar as
Escrituras e outras doutrinas católicas, para ver se se deve fazer
assim como o Papa ordena.
Respondo que esse é o argumento próprio dos luteranos, como se pode
ver em nosso livro III, De verbo Dei, cap. 10, e daí não somente
deduzem eles que se possa duvidar dos preceitos particulares do Papa
em matéria de censura, mas também das decisões de fide e da doutrina
das boas obras em geral, nas quais, porém, os sete doutores dizem que
o Papa não pode errar, sem embargo espalham sementes de doutrina que
atingem os fundamentos da fé. E, por isso, rogo com todo o afeto à
sereníssima república que abra bem os olhos e veja aonde querem levá-
la esses seus doutores.
Esse lugar da Escritura não tem nada a ver com a controvérsia
presente, pois São Paulo não ordenava nada aos de Bereia, mas
anunciava-lhes a vinda do Salvador predita pelos profetas: para que
efeito, então, se alega agora essa Escritura, pela qual os luteranos
se esforçam de provar que não se deve crer nem no Papa, nem nos
Concílios, se antes não se examina a decisão do Papa e dos Concílios
com a Sagrada Escritura?
Nem, tampouco, é boa consequência que, se são louvados os de Bereia
porque examinavam a pregação de São Paulo com as Escrituras, devam-se
louvar aqueles que examinam as ordens do Papa com as Escrituras e
outras doutrinas católicas: pois os de Bereia não eram ainda cristãos,
nem tinham certeza de que São Paulo tivesse o Espírito Santo e não
pudesse errar, e por isso faziam bem em estudar as Escrituras dos
profetas que São Paulo citava, pois por esse meio Deus dispunha-os a
receber a fé. Mas os cristãos, que já têm a luz da fé e têm a certeza
de que o Papa e os Concílios legítimos são guiados pelo Espírito
Santo, não merecem louvor, mas censura, se duvidando das suas decisões
quiserem esclarecer-se com o estudo da Escritura santa; e,
semelhantemente, aquele que sabe que o Papa é verdadeiro Vigário de
Cristo, e que detém o lugar d’Ele na terra, não merece louvor algum em
examinar as suas ordens, mas todavia a merece em obedecer sem tal
exame quando não vê pecado manifesto, sendo esta a perfeita
obediência, como acima foi demonstrado.
Em quinto lugar alegam a repreensão feita por São Paulo a São Pedro,
da qual se fala em Gál. 2; e que São Pedro deu aos fiéis as razões do
que fizera, quando eles murmuravam sobre ele por ter pregado a
Cornélio, que era gentio, Act. 11; e que o mesmo São Pedro disse:
Prontos para dar as razões, a todo aquele que as pedir, da fé que
temos em nós [Parati reddere rationem unicuique poscenti de ea, quae
est in nobis fide (cf. I Pdr. 15)].
Respondo que esses lugares não vêm ao caso, pois a repreensão de São
Paulo não foi porque São Pedro tivesse ordenado mal, mas porque
retirando-se da conversação dos gentios, para não escandalizar os
judeus recém-convertidos à fé, vinha a escandalizar os gentios recém-
convertidos à fé, e, quando São Pedro prestou contas aos fiéis por ter
pregado a Cornélio, não o fez por obrigação, mas por bondade sua, e
para consolar os fiéis com a novidade da Revelação que havia
acontecido e dos milagres ocorridos na conversão de Cornélio: São
Gregório, no livro 9, epist. 39, tratando desse fato, diz que São
Pedro teria podido repreender os fiéis e adverti-los que não tivessem
ardis de julgar o seu superior, mas que lhe apeteceu ensinar a
mansidão, com o seu exemplo, a todo o mundo; aquelas outras
palavras, Parati semper reddere rationem, são alegadas totalmente fora
de propósito, pois não falava aí São Pedro de dar as razões das
ordens, mas da fé e esperança que temos como cristãos, sendo bem
instruídos para defender a nossa santa Religião católica, das calúnias
dos infiéis.
Em sexto lugar dizem: que o Papa pode errar nos juízos particulares, e
por isso devem os fiéis se precaver acerca de se nos preceitos haja
erro.
Respondo que não se nega que se possa considerar se nos preceitos
particulares haja erro, por má informação ou outra causa semelhante;
mas dizemos não existir essa obrigação, sendo melhor obedecer
simplesmente.
Em sétimo lugar dizem ser regra geral dos doutores que quem se expõe a
perigo de pecar, peca, dizendo a Escritura: Qui amat periculum peribit
in illo [Quem ama o perigo, nele perece], Ecles. 3; logo, todos estão
obrigados a examinar se no preceito do superior há pecado; senão, se
expõem a perigo de pecar e, consequentemente, pecam.
Já se respondeu, com São Bernardo, que não se expõe a perigo algum
quem obedece ao superior simplesmente, pois ver se há pecado toca ao
superior, não ao súdito, e por isso, o pecado cometido incientemente,
não há culpa nele, embora a haja no superior.
E quando replicam que a ignorância não escusa se não for invencível, e
invencível não se pode dizer quando a pessoa não faz aquilo que sabe e
pode para encontrar a verdade, e por isso devem todos examinar o
preceito, para poder assegurar-se de ter feito quanto sabem e podem
para encontrar a verdade.
Respondo que o súdito não é obrigado a procurar nem a saber se no
preceito do superior encontra-se algum pecado, como muitas vezes já
foi dito; assim, deve crer, como dizem os santos supracitados, ser
tudo justo e bom quanto lhe ordena o superior, e não é ignorância
culpável quando a pessoa não procura e não sabe aquilo que ela não
está obrigada a procurar e saber.
E quando respondem de novo que se deve pressupor que o superior sempre
ordene bem, quanto a não fazer mal conceito dele; mas não se deve
pressupor que sempre ordene bem, quanto a executar a sua ordem.
Respondo que nessa matéria não tem lugar essa distinção entre
pressupor o bem, para ter bom conceito de alguém, e não para executar
a sua ordem; pois devendo o perfeito obediente com grande sinceridade
crer que a ordem do superior é justa e boa, deve crê-lo tanto para ter
o superior em bom conceito, quanto para executar a sua ordem; aquela
distinção tem lugar quando duvido se alguém quer me ferir, pois aí
então devo, não fazer mal juízo dele, mas todavia resguardar-me como
se fosse certo que ele procura me ferir.
Em oitavo lugar alegam que o Papa é homem que pode pecar e falhar, e
que por vezes os sucessores revogam os preceitos de seus
predecessores, e nas decretais dizem estar preparados a revogar as
suas sentenças, se for mostrado que teriam cometido injustiça, e citam
para tanto o cap. Ad Apostolicae, de sent. et re jud. in 6.
Respondo que tudo isso é verdadeiro, mas não prova que o súdito seja
obrigado a examinar o preceito de seu superior: que era a proposição
que se tinha a provar.
Finalmente dizem que, embora seja doutrina comum que nas coisas dúbias
o súdito deve remeter-se ao juízo do superior, não obstante, isso se
deve entender de quando o súdito tiver examinado bem o preceito e não
tiver conseguido se esclarecer sobre a verdade; e não quando não tiver
querido pensar nisso nem tiver querido examinar o preceito, como
estava obrigado a fazer.
Respondo que o súdito não é obrigado a pôr-se dúvidas, mas pode, como
já se disse, sem nenhum exame obedecer; mas, quando lhe advém a dúvida
de que talvez no preceito se contenha pecado, e ele crê que
investigando saberá esclarecer-se sobre a verdade, nesse caso cremos
também nós que ele deva procurar esclarecer-se; mas, se ele não crê
poder se esclarecer, ele pode e deve depor a dúvida e obedecer ao seu
superior.
E esta é a doutrina comum de Santo Agostinho e de Santo Tomás e dos
sagrados cânones, referidos por Silvestro, verbo, Obedientia, num. 2.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
São Roberto Cardeal BELLARMINO, S.J., Sobre a obediência cega e sem
exame. Refutação à Proposição XII dos Sete teólogos de Veneza, Roma,
1606; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-WV
de: Risposta al trattato dei sette teologi di Venezia sopra
l’interdetto della Santità di nostro Signore Papa Paolo V, in: Roberti
Cardinali Bellarmini Opera Omnia, Tomi Quarti pars II, Ad
Controversias Additamenta, et opuscula varia polemica, Nápoles, 1856,
pp. 453-473,

http://books.google.com/books?id=0DgAAAAAYAAJ&pg=PA453

(O trecho traduzido se encontra nas págs. 464-467.)


Cf. tb. Responsio Cardinalis Bellarmini ad tractatum septem
theologorum Venetorum, 1607,

http://books.google.com.br/books?id=dHFFAAAAcAAJ
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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7 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – X”
1. Sandro de Pontes Disse:

18 setembro 2011 às 15:56


Felipe, salve Maria.
Quando eu acho impossível você postar textos que superem os
anteriormente postados, eis que você me aparece com uma obra de arte
como esta ora publicada.
Muito, mas MUITO bom mesmo!
Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!
Abraços e parabéns pelo trabalho prestado,
Sandro
2. Irmão Bento Disse:

19 setembro 2011 às 11:20


Caro senhor Felipe Coelho,
Pax !
De fato o texto reestabelece, entre os que se dizem seguidores da
Tradição, a noção exata de obediência. O testemunho dos Santos Padres,
dos Padres da Igreja, dos Santos Doutores são mais que suficientes
para nos fazer VER que os que pregam a desobediência não andam pelas
vias da ortodoxia e do bom caminho!
Mas a questão tb não pára por aqui… Outro ponto ainda obscuro para
muitos é a questão da comunhão com os heréticos, com aqueles que negam
os dogmas, que insultam a Igreja, e que praticam atos de apostasia
publica! É preciso ler na Patrologia e nos Santos Doutores a completa
impossibildade de rezar o “una cum” e de apelar para os hereticos na
recepção dos sacramentos.
É fato que a Igreja do Vaticano II perdeu as notas da verdadeira
Igreja. Perdeu sua catolicidade e principalmente perdeu a sucessão
apostólica legítima! Seus sacramentos são falsos, nulos, e não
concedem mais a graça do Espirito Santo. É preciso que isso seja dito
por toda parte! Chega de permanecemos inertes diante da Operação do
Erro! Nada nesta igreja produz salvação ou constitui ato de adoração e
louvor a Trindade Santa.
In Xto,
Irmão Bento
3. Felipe Coelho Disse:

20 setembro 2011 às 12:33


Caro Prof. Viana, Salve Maria!
Sem dúvida que os tradicionalistas sedeplenistas fazem bem, não mal,
de pregar a desobediência ao que vai contra a fé e a moral. O problema
vem, muitas vezes, na hora que tentam justificar-se e, também, por não
tirarem a consequência da necessidade de desobediência habitual à alta
hierarquia conciliar, que é a atual vacância da Santa Sé Romana,
Mestra de todas as igrejas.
Sem dúvida que não se pode ter comunhão in sacris com cismáticos ou
hereges declarados, como por exemplo os cismáticos greco-russos, que
têm rituais muito bonitos e solenes, mas são cismáticos e hereges.
Mas claro que, antes da condenação pela Santa Igreja Católica
Apostólica Romana, única verdadeira e fora da qual não há salvação, é
natural que haja discordância entre os católicos sobre quem é herege
ou não, quem é cismático ou não, dentre os que ainda não foram
expressamente condenados.
Não me parece correto afirmar que seja impossível a um leigo, padre ou
mesmo bispo aceitar o Vaticano II, por exemplo “à luz da Tradição”
como dizem, e permanecer católico, embora em perigoso erro.
No mais, também outras afirmações suas me parecem demasiado
peremptórias e pediriam matizes, mas antes gostaria de lhe perguntar
se o senhor aceita tudo isso que afirmei, pois não quero crer que o
senhor esteja realmente considerando apostatar para o cisma e heresia
dos exilados russos.
Atenciosamente,

Em JMJ,

Felipe Coelho
4. Irmão Bento Disse:

20 setembro 2011 às 19:01


Caro Senhor Felipe Coelho,

Pax !

Minha amizade, consideração e respeito pelos “exilados” russos vêm de


longa data, quando eu ainda estava ligado aos quadros de cooperados da
TFP, nas campanhas anticomunistas, na década de 80. Eu os conheci
através do artista, e mais tarde sacerdote tradicionalista, Hélio Buck
Júnior, de saudosa memória, que fazia aulas de iconografia com eles em
Vila Alpina, através do também finado professor Rodion, conhecido
iconógrafo da Igreja Russa no Exílio. Igreja que mantinha uma forte
oposição ao regime comunista soviético, e por quem quem a TFP sempre
manteve simpatia e admiração, embora com as devidas reservas.

Foi nestes tempos que eu conheci o Revmo. Padre George Petrenko, hoje
bispo Gregorio, com quem mantive relações de amizade e respeito ainda
que distantes, por todos estes anos. No entanto, recentemente, após eu
ter tomado conhecimento de estar entre eles como monge um antigo
companheiro de fundação sedevacantista, o Senhor Claudio Alberto
Fernandes ( Ir. Pio Maria ), uma nova fase de aproximação se tornou
possível, principalmente por conta do projeto de vida monástica deste
antigo companheiro de acordo com os cânones da Igreja Russa apoiados
pelo bispo Gregório.

No entanto, meus laços com a espiritualidade da Igreja Ortodoxa com


sua esplendida liturgia e sua veneração pela Tradição dos Santos
Padres e dos Concílios Ecumênicos vêm destes tempos em que em São
Paulo “caçávamos” uma missa digna para ser assistida no cumprimento do
preceito. Nesta época Dr. Plínio já não ia mais a Eparquia Greco-
melquita de Nossa Senhora do Paraiso, pois que Dom Elias Coueter já
não era bispo e Dom Espiridon Mattar fazia alguns desatinos pelos
quais foi inclusive exonerado da Eparquia.

Com a amizade do Hélio Buck e o conhecimento da Igreja Russa eu passei


a freqüentar a missa dos Uniatas que acontecia numa pequena capela de
um colégio no bairro do Ipiranga. Esta missa era então celebrada por
um velho sacerdote, formado em Roma pelo Russicum, de acordo com as
disposições do Papa Pio XII. A amizade com este velho sacerdote, sua
direção espiritual, me fez amar profundamente a espiritualidade da
Igreja Russa e sua Divina Liturgia celebrada segundo o rito de São
João Crisóstomo. Dessa forma passei a estudar os costumes, a liturgia,
e principalmente a teologia da Igreja Russa, tendo inclusive tido a
oportunidade, em 1993, de visitar o Russicum em Roma, que fica próximo
a Santa Maria Maior.

E hoje, depois de tantos dissabores, de tantas perseguições, de tantos


escândalos, de tantas perplexidades, de fato eu me vejo não numa
situação de “apostatar” para a Igreja Russa, mas de considerar de
forma justa os acontecimentos históricos que envolvem os caminhos
desta Igreja e Roma, e considerar a sucessão apostólica de seus
bispos, a legitimidade de seus sacramentos e costumes. Mas adianto ao
senhor que não tenho a menor pretensão de deixar de pertencer a Igreja
Una, Sancta, Catholica e Apostólica.

As dificuldades trazidas pela apostasia de Roma através do herético


conciliábulo do Vaticano II com a conseqüente perda de validade do
novo rito de consagração episcopal, e de roldão, a invalidade das
novas ordenações, dos novos ritos dos sacramentos, e mais a
problemática em torno da falta de “mandato”, e, portanto da
legitimidade e liceidadade das consagrações episcopais realizadas por
Mgr. Lefebvre e Mgr. Thuc, conforme o demonstram a revelia os estudos
do Revmo. Pe. Belmont me forçam a estudar alguns meios para conseguir
um sacerdócio válido, regular e legitimo, onde possa terminar meus
dias como monge, como filho de São Bento.

Essa procura se desenvolva num clima de estudos de toda a situação da


Igreja Russa, de sua doutrina, seus costumes, sua liturgia e sua noção
de catolicidade. Mas a coisa se mantém apenas neste nível. E para isso
tenho mantido conversar com o Bispo Gregorio e com o Monge Clemente
Fernandes.

As fotos que eu tenho, antigas, de quando Mons. Pivarunas veio a nossa


fundação beneditina sedevacantista no Brasil para receber meus votos e
me dar a tonsura clerical, mostram nossa capela bastante bizantina,
com uma iconostase no estilo russo, e todo nosso apreço pela
espiritualidade da Igreja Russa. Com certeza o mesmo apreço que levou
Pio XII a fundar o Russicum para formar padres para serem enviados à
Rússia comunista e poderem salvar o povo russo do jugo dos soviéticos
anticristãos e anti-católicos.

O que eu posso lhe garantir, diante de Deus, é que eu jamais vou


deixar de pertencer a Igreja Católica, e bem entendida, em toda sua
extensão católica, verdadeiramente universal, amparando, abrigando e
defendendo todo o passado que nos liga a espiritualidade e a teologia
dos Patriarcados de Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Constantinopla,
bem como sua Liturgia, formas de piedade e costumes santos.

Mas permaneço a sua disposição para aclarar qualquer ponto sobre esta
minha conduta em relação a Igreja Russa, garantindo também ao senhor
que rechaço todo erro, toda heresia e todo cisma que os Orientais, por
questões diversas, de múltiplos aspectos, acabaram caindo ao longo do
tempo, tanto quanto rechaço os erros, heresias e cismas que
aconteceram por aqui, no Ocidente, desde o triunfo do Humanismo, da
heresia Luterana, do Naturalismo, do Liberalismo e por fim do
Modernismo condenado por São Pio X, mas inteiramente assimilado pelo
herético conciliábulo do Vaticano II com seus falsos papas e seus
falsos bispos e padres.

Rogo a Santíssima Mãe de Deus, a Theotókos, que tenha piedade de nós


pecadores, e salve nossas almas da perdição eterna!

In Xto,

Irmão Bento, por profissão religiosa monástica, filho de São Bento,


Patriarca dos Monges do Ocidente
5. Felipe Coelho Disse:

22 setembro 2011 às 0:42


Caro Prof. Viana, Salve Maria!
Lamento muitíssimo que o senhor tenha vindo comentar em meu blogue,
sendo que tantas vezes lhe pedi que não o fizesse, e ainda por cima
venha a este espaço católico e dirigido a católicos na condição de
defensor de coisas completamente acatólicas.
Claro que agradeço, embora a história me seja nauseante, por o senhor
se dar ao trabalho de contar tão pormenorizadamente o itinerário de
sua triste aproximação dos inimigos de Cristo Nosso Senhor.
Não posso deixar de fazer graves reparos, como o senhor facilmente há
de compreender.
1. O senhor afirma crer, como eu, na “perda de validade do novo rito
de consagração episcopal, e de roldão, a invalidade das novas
ordenações”. No início, porém, referindo-se a quem primeiro
introduziu-o na amizade dos cismáticos russos, o senhor fala de um
“sacerdote tradicionalista, Hélio Buck Júnior”.
Ocorre que o Rev. Pe. Bernard Henri René Jacqueline, que ordenou o
finado Sr. Buck no Instituto Cristo Rei, foi por sua vez sagrado bispo
da Igreja Conciliar em 19 de junho de 1982, mais de uma década,
portanto, depois da reforma dos ritos de ordenação episcopal e
sacerdotal por Paulo VI. (Incidentalmente, o consagrador do Padre
Jacqueline foi o cardeal progressista de João Paulo II Agostino
Casaroli – famoso especialmente pela Ostpolitik –, tendo como co-
consagradores os cardeais de JP2 Silvestrini, ultra-progressista, e
Lourdusamy, que não conheço mas dize-me com quem andas…
Foi por causa desse problema, aliás, que traduzi aquele estudo do Rev.
Pe. Scott que provoca tanto escândalo farisaico, por motivos óbvios,
entre os que enviam seus filhos, e os filhos dos outros, para o
Instituto Bom Passatempo, como o chamava com muita propriedade o Rev.
Pe. Joël Danjou: Os padres da Igreja Conciliar devem ser “reordenados”
quando vêm para a Tradição? (2007, http://wp.me/pw2MJ-hh).
2. Semelhantemente, o senhor menciona “a problemática em torno da
falta de ‘mandato’, e, portanto da legitimidade e liceidadade das
consagrações episcopais realizadas por Mgr. Lefebvre e Mgr. Thuc,
conforme o demonstram a revelia os estudos do Revmo. Pe. Belmont”.
Já agora, pôr mandato entre aspas… Mas logo retorno sobre isso.
O fato é que, se o senhor também crê ilegítimas essas consagrações
ditas “selvagens”, então lamento dizer mas, quando conta que o
boníssimo “Mons. Pivarunas veio a nossa fundação beneditina
sedevacantista no Brasil para receber meus votos e me dar a tonsura
clerical”, o fato é que nem o bispo Pivarunas pode ser dito Monsenhor,
embora tenha o caráter episcopal, nem tinha ele autoridade episcopal
alguma para receber votos e dar a tonsura clerical a quem quer que
seja sem cometer sacrilégio.
3. O senhor afirma que esses e outros problemas o “forçam a estudar
alguns meios para conseguir um sacerdócio válido, regular e legitimo,
onde possa terminar meus dias como monge”.
Como assim?
Lembrei-me de uma pessoa a mim muito querida que, certa vez, formulou
o seguinte argumento realmente irrefutável contra o sedevacantismo:
sendo verdade, não haveria seminário para onde ir… Uma nova e inaudita
promessa de Cristo?
Caro Professor, permita-me copiar aqui tradução de um excerto de
resposta do Rev. Pe. Belmont imediatamente anterior àquele que traduzi
em “A destruição do Matrimônio pelo Vaticano II e as más soluções dos
tradicionalistas” (2005, http://wp.me/pw2MJ-Ba ):
“O problema da vocação sacerdotal é angustiante. A ele se aplica a
palavra de Nosso Senhor: ‘Não fostes vós que me escolhestes, mas fui
eu que vos escolhi a vós’ (Jo XV,16). Essa vocação é, pois, um
verdadeiro chamado, mas também aí é preciso não se enganar. O chamado
interior, quero dizer o desejo do sacerdócio, a atração para ele, não
é mais que preparatória ao único chamado que constitui a vocação
sacerdotal: o chamado da Igreja na pessoa do Bispo legítimo. É o que
ensina clarissimamente o Catecismo do Concílio de Trento: “Vocari
autem a Deo dicuntur qui a legitimis Ecclesiæ ministris vocantur – São
ditos chamados por Deus os que são chamados por legítimos ministros da
Igreja” (de Ordine §1). Certamente que o Bispo só chama aqueles que se
apresentam livremente, que têm as qualidades e a ciência exigidas, que
têm reta intenção; mas a vocação propriamente dita é dada pelo Bispo.
ela é o chamado que ele faz em nome da Igreja. Para ser chamado, é
preciso um Bispo: um Bispo que tenha sido, ele próprio, chamado pelo
Soberano Pontífice. Senão, ele não o pode, não mais do que ele pode
chamar à confirmação: nemo dat quod non habet [ninguém dá aquilo que
não tem].
Na situação presente, aqueles que têm o desejo sobrenatural do
sacerdócio e as capacidades requeridas não podem senão preparar-se
pelo estudo, a oração e a regularidade, no aguardo na hora de Deus. É
difícil, humanamente insustentável talvez, mas é o preço da
fidelidade: fidelidade ao chamado da graça de um lado, fidelidade ao
sacerdócio católico de outro. Pois não é possível voltar-se — nem para
os ‘São Pedro’: lamentavelmente, a adesão a Bento XVI (falsa regra da
fé) acarreta a adesão ao Vaticano II, destruidor da inteligência da fé
e portador de graves erros condenados pela Igreja, como a liberdade
religiosa, e uma falsa concepção da Encarnação e da Igreja mesma… de
resto, a aceitação dos novos sacramentos em seu princípio faz duvidar
legitimamente da validade de certas ordenações sacerdotais; — nem para
os “São Pio X”: lamentavelmente, a adesão a Bento XVI e a simultânea
recusa dos erros do Vaticano II levam a inventar doutrinas heterodoxas
que destroem a autoridade do Magistério da Igreja e do Soberano
Pontífice… de resto, é empenhar-se na via episcopal de que passo a
tratar; — nem para os bispos sagrados sem mandato apostólico. As
sagrações sem mandato do Soberano Pontífice são contrárias à própria
constituição da Igreja: “Unicamente o Papa institui os bispos. Esse
direito lhe pertence soberanamente, exclusivamente e necessariamente,
pela constituição mesma da Igreja e pela natureza da hierarquia” (Dom
Gréa). Bispos sem vocação não podem dar aquilo que eles não têm, e
ordenam padres sem vocação; pode-se temer muito pelo futuro… O
problema é grave, pois, mas de maneira nenhuma desesperado. É sempre
possível consagrar-se a Deus, mesmo que isso tenha se tornado mais
difícil; nunca houve tantos motivos para se consagrar a Ele, para
consolar Seu coração, pelo esplendor de Sua Igreja tão desfigurada,
para a imolação de si mesmo em meio a um mundo de gozo, pela
irradiação da doutrina católica no momento em que ela é negada,
diminuída, menosprezada por todas as partes. Quanto ao sacerdócio, é
possível contemplá-lo ou mesmo se preparar para ele de forma remota,
tendo o firme propósito de nada desejar nem fazer que seja contra a
doutrina católica ou a constituição da Santa Igreja. Deus, que não
abandona a Sua Igreja, não abandonará jamais os que querem trabalhar
por ela e a ela se consagrar.”
(Rev. Pe. Hervé BELMONT, Resposta às questões Graves de L.S., 4-V-
2005,

http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=625 )
Sobre essas questões, trata-se mais longamente nos Apêndices III e IV
do livro do Rev. Pe. Hervé BELMONT, As Sagrações Episcopais Sem
Mandato Apostólico em questão, 2000, http://wp.me/pw2MJ-r2
Leitura recomendabilíssima. Com cuja recomendação, porém, não quero
dizer que creia o senhor idôneo para o sacerdócio, antes, se me perdoa
a franqueza, devo dizer que o oposto é bastante manifesto, como me
parece provar-se, a seguir, pelas palavras do senhor mesmo.
4. O senhor prossegue afirmando “apreço pela espiritualidade da Igreja
Russa. Com certeza o mesmo apreço que levou Pio XII a fundar o
Russicum para formar padres para serem enviados à Rússia comunista e
poderem salvar o povo russo do jugo dos soviéticos anticristãos e
anti-católicos.”
Há aí uma maneira bastante peculiar de formular os desejos do Papa! Na
realidade, a missão do idealizador do Russicum Mons. D’Herbigny, por
exemplo, na Rússia, era restabelecer a Hierarquia Católica Romana no
país e não apenas um vago anticomunismo; foi para esse fim que o então
Cardeal Pacelli recebeu ordens do Papa Pio XI de sagrá-lo secretamente
bispo in partibus de Illium, ou seja Tróia…
5. O senhor fala em “apostasia de Roma”, mas, na realidade, a Igreja
de Roma é indefectível, e o que hoje faz as vezes de Roma é uma falsa
igreja, uma anti-igreja, comandada por “Romanos” que não são
verdadeiramente tais, como notou mesmo um bispo da FSSPX, nesse ponto,
lamento dizer, mais ortodoxo que o senhor:
“Não creiam que as discussões que teremos com Roma – se Deus o
permitir – tenham por objetivo depor as armas ou fazer a paz, não se
trata disso. Trata-se de convencer os hereges de suas heresias. Trata-
se de convencer de erro os ‘Romanos’ que não são verdadeiros Romanos.
Não se trata de fazer a paz. Será preciso combater longamente,
longamente continuar a combater, caros fiéis.”
(bispo Bernard TISSIER DE MALLERAIS, Conferência de 5-VI-2009, cit.
em: Lettre des dominicains d’Avrillé [Circular dos dominicanos de
Avrillé], de junho de 2009, p. 5).
O senhor dá toda a mostra de confundir tragicamente – talvez em razão
de suas tantas idas e vindas entre as duas? – a Igreja Católica Romana
com a Igreja Conciliar! Senão vejamos.
6. Voltando às razões profundas do mandato entre aspas acima, as
mesmas sem dúvida do apostatar entre aspas abaixo, o que francamente
beira o insulto à inteligência e boa fé de nós, católicos apostólicos
romanos, é o senhor vir ainda afirmar:
“E hoje, depois de tantos dissabores, de tantas perseguições, de
tantos escândalos, de tantas perplexidades, de fato eu me vejo não
numa situação de ‘apostatar’ para a Igreja Russa, mas de considerar de
forma justa os acontecimentos históricos que envolvem os caminhos
desta Igreja e Roma, e considerar a sucessão apostólica de seus
bispos, a legitimidade de seus sacramentos e costumes. Mas adianto ao
senhor que não tenho a menor pretensão de deixar de pertencer a Igreja
Una, Sancta, Catholica e Apostólica. [...] Essa procura se desenvolva
num clima de estudos de toda a situação da Igreja Russa, de sua
doutrina, seus costumes, sua liturgia e sua noção de catolicidade. Mas
a coisa se mantém apenas neste nível. E para isso tenho mantido
conversar com o Bispo Gregorio e com o Monge Clemente Fernandes. [...]
O que eu posso lhe garantir, diante de Deus, é que eu jamais vou
deixar de pertencer a Igreja Católica, e bem entendida, em toda sua
extensão católica, verdadeiramente universal, amparando, abrigando e
defendendo todo o passado que nos liga a espiritualidade e a teologia
dos Patriarcados de Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Constantinopla,
bem como sua Liturgia, formas de piedade e costumes santos. Mas
permaneço a sua disposição para aclarar qualquer ponto sobre esta
minha conduta em relação a Igreja Russa, garantindo também ao senhor
que rechaço todo erro, toda heresia e todo cisma que os Orientais, por
questões diversas, de múltiplos aspectos, acabaram caindo ao longo do
tempo [...].”
Prezado Prof. Viana, como não se espantar e indignar por o senhor
tentar usar aí comigo de linguagem ecumênica, ambígua, inclusiva,
anfibológica, ao mesmo tempo que condena o ecumenismo do conciliábulo
vaticano II como herético?!
Não existe Igreja Católica que não a Católica Romana.
É sempre a contradição, assim como quando o senhor fazia as mais
violentas invectivas contra a FSSPX, ao mesmo tempo que mantinha laços
de confidente e difusor das fofocas pérfidas da Sra. Gríma, esposa do
finado e saudoso Prof. Théoden, cujo ódio por mim, aliás, é ao senhor
que agradeço por me fazê-lo ver com tantos anos de atraso, a mim que a
considerava quase uma mãe, eu que sou tão estúpido com esse gênero de
juízos…
Pois do diálogo seguinte, entre o senhor e dois católicos, depreende-
se insofismavelmente que Bento XVI não é o único Bento que
manifestamente perdeu a fé:
CELINA VIEIRA – Irmão Bento, o senhor é frade? (08 de setembro às
20:04)
IRMÃO BENTO – Cara Celina, eu sou monge beneditino, e estou em vias de
passar para a Igreja Russa, com a graça de Deus Nosso Senhor e de Sua
Santa Mae, a Bendita e gloriosa Sempre Virgem Maria. (08 de setembro
às 20:05)
CELINA VIEIRA – Vixe Irmão Bento?! mas e o papa? não gosta dele? e a
infiltração da kgb na igreja russa? não seria o contrario, os russos
reatarem com roma, com pedro, com o papa? (08 de setembro às 20:16)
IRMÃO BENTO – Celina, o papa é o Patriarca e bispo de Roma, mas a
Igreja até o século XI já era composta de 5 grandes patriarcados, a
saber Jerusalem, Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Roma… Qto a
Igreja q eu estou é a do Exilio, q fugiu da Russia por resistir a KGB
e ao imperio comunista. (08 de setembro às 20:18)
CELINA VIEIRA – Irmao, Pedro foi eleito por Cristo, haviam sim
inclusive as sete igrejas da asia menor, destruidas pelo islã, a
unidade da igreja de cristo tem como principe o papa, o trono de
pedro. o cisma da russia com roma deveria ser revertido, mas a
autoridade do papa foi instituida por jesus, estou certa ou errada?
(08 de setembro às 20:25)
IRMÃO BENTO – Celina, é dificil entender a grande crise q culminou
naquelas excomunhoes reciprocas dos tempos de Miguel Celulário. Mas o
fato é q a Igreja de Cristo, naquela epoca, era constituida em 5
grandes patriarcados: Jerusalem, Antioquia, Alexandria, Constantinopla
e Roma… Com a excomunhao deixada sob o altar pelo legado pontificio,
Roma se separou da comunhao dos outros patriarcados, q se mantiveram
em uniao… (08 de setembro às 20:28)
CELINA VIEIRA – Caro irmao, com todo respeito, creio eu que quem se
separou da comunhão não foi Roma, uma vez que havia sim um “Pedro”,
desde sempre, mas enfim. Que a paz esteja convosco. (08 de setembro às
20:39)
IRMÃO BENTO – Celina, q a Paz esteja no seu coraçao! O q eu quis
mostrar, e q pode ser visto em qualquer bom livro de história, e q
houve um problema envolvendo o Patriarca de Constantinopla e Roma. E
várias foram as tentativas de soluçao. Mas todas fracassaram. E nesse
cômputo de 5 patriarcados, quatro permaneceram como estavam, e Roma
seguiu outro caminho… As excomunhoes até já foram levantadas por um
ato histórico de Paulo VI e Atenagoras, Patriarca de Constantinopla…
(08 de setembro às 20:50)
CESAR MORTARI – Caro irmão Bento. Concordando com todas vossas
exposições, apenas esclareço para Celina q não havia hierarquia entre
os Patriarcados. Rogando por Vossas orações. Humildemente. P.D.César.
(08 de setembro às 20:46)
JOEL PINHEIRO DA FONSECA – Irmão Bento Maria, o patriarco histórico de
Constantinopla e Antioquia não permaneceram em união com o restante da
Igreja. Separaram-se na época do cisma monofisita. O que Bizâncio fez
foi estabelecer patriarcados BIZANTINOS nesses lugares, que
supostamente suplantaram os originais (que inclusive tinham, e ainda
preservam, ritos próprios). (08 de setembro às 21:41)
IRMÃO BENTO – Caro Sr. Joel, Constantinopla, enquanto patriarcado,
permaneceu integro na fé ortodoxa, e na união com os demais
patriarcados do Oriente. O monofisismo foi uma heresia defendida
inicialmente por Eutiques, membro do clero de Constantinopla, como uma
reaçao ao Nestorianismo. Mas ele foi justamente condenado pelo
Patriarca Flaviano em 448. Ou seja, sua doutrina foi rejeitada pelo
Patriarca de Constantinopla e ele foi condenado como herege. Ali quem
se separou foram os Armenios, seguidos pelos Sírios e Coptas. Mas o
Patriarcado de Constantinopla rejeitou essa heresia e não houve ai,
como o senhor disse acima, nenhuma ruptura com Roma. (08 de setembro
às 23:02)
JOEL PINHEIRO DA FONSECA – Eu sei, Irmão Bento. O que eu quis dizer é
que os Patriarcados de Alexandria e Antioquia se separaram de Roma e
de Constantinopla. A situação atual não é Roma de um lado e os quatro
outros do outro. É Roma de um lado, Constantinopla e suas filhas de
outro, e Alexandria + Antioquia de outro.

O que você diz: “quatro continuaram como estvaam, Roma seguiu outro
caminho” não é verdade. Parte dessas quatro já havia se separado
antes, formando um outro grupo.

Constantinopla fundou um novo patriarcado em Alexandria, por exemplo.


Mas o original, que inclusive preserva o rito copta, não é ligado a
Constantinopla. E nem a Roma, claro. (09 de setembro às 01:03)
[NESTE PONTO ENTRA UM MONGE RUSSO HEREGE E CISMÁTICO INSULTANDO A
IGREJA CATÓLICA ROMANA E OS PAPAS, COM APROVAÇÃO DO SR. VIANA; POUPO
OS LEITORES DESSAS BLASFÊMIAS JÁ MIL VEZES REFUTADAS, POIS O SUPRA É
MAIS QUE SUFICIENTE COMO PROVA DE APOSTASIA.]
(http://www.facebook.com/arimateia/posts/1941189250252)
Caro Senhor, a minha esperança, pela qual peço as orações de meus
poucos leitores, é que assim como o senhor ainda antes de ontem
voltara a ser apenas “Prof. Viana”, e ontem já passara a “Fra Eliseu”,
para hoje voltar a ser “Irmão Bento”, mas nesta nova encarnação
professando o cisma greco-russo, cujas heresias hediondas atraíram de
Deus o castigo maometano – nota o grande Dom Guéranger, este, sim, um
verdadeiro beneditino digno de sua Ordem [cit. em: http://wp.me/pw2MJ-
MW] – e mais recentemente o flagelo comunista, a minha esperança,
dizia, é que seja apenas passageira também esta sua mais recente
apostasia.
Nossa Senhora das Mercês, rogai por nós!

Em JMJ,

Felipe Coelho
6. Irmão Bento Disse:

22 setembro 2011 às 9:15


Senhor Felipe Coelho,
Esta resposta será breve.
Como poderei lhe agradecer todo o bem que o senhor me fez ao se ocupar
tão exaustivamente em provar que sou um apóstata da verdadeira Fé,
inimigo de Jesus Cristo e Sua Santa Igreja? Digo bem por que o
discípulo jamais poderá desejar ser tratado melhor que seu mestre!
Rogo a Deus, Pai das Misericórdias, que tenha tanta compaixão do
senhor como quero que tenha de mim, miserável pecador, tão cheio de
defeitos e de fraquezas, tão indigno do hábito que trago e da tonsura
que creio ter recebida tão validamente quanto o sacerdócio do ardoroso
Padre Belmont, em quem o senhor se fia, e cujos estudos em hipótese
alguma são definitivos ou esgotam o assunto!
Que Ele, o Justo Juiz, e ao mesmo tempo Deus Compassivo, dê ao senhor,
como a mim, a graça da conversão e da fidelidade a Divina Verdade. E
que pelos rogos da Santíssima Mãe de Deus sejamos todos salvos no dia
da ira!
Curiosamente, como o senhor bem lembrou em seu texto, análoga acusação
de apostasia, de traição a verdadeira Igreja, de também ter passado
para o rol dos inimigos de Cristo e de ter perdido a Fé lhe é
amplamente imputada pelos círculos da ilustre viúva que cita. Também
por lá se horrorizam com sua postura sedevacantista, acusando-o, como
o senhor a mim, de insultar a Santa Igreja de Deus, trair a memória
dos Santos Papas e aderir ao erro e a heresia daqueles que negam o
Sucessor de Pedro!
Veja como são as coisas, senhor Felipe Coelho! E o senhor se mostra
tão ressentido com essa digna senhora, por lhe acusar de tantas outras
coisas mais, e no seu ressentimento o senhor diz que eu era dela um
confidente e difusor de pérfidas fofocas! E com isso transfere, para o
lado inteiramente pessoal e apaixonado, toda a discussão que entabulei
com o senhor!
E num ressentido ato de desabafo o senhor diz que ela tem ódio pelo
senhor… Posso pensar o mesmo do senhor em relação a minha pessoa?
Bem, creio já ter escrito o suficiente, e por aqui encerro todo meu
contato com o senhor! Jamais voltarei a me pronunciar por aqui ou
talvez em qualquer outro lugar sobre esse assunto. Apenas lamento que
seu ressentimento, seu orgulho e suas pretensões comprometam tanto sua
pequena obra no Acies Ordinata, e dêem tanta razão aquela senhora em
tudo que ela disse a seu respeito!
Vale!
Irmão Bento Maria
7. Cassiodoro Disse:

23 setembro 2011 às 8:42


Não me contive.

Devo escrever.

Correto o Felipe por desdizê-lo.

Agora faço outrossim por caridade. Sim, por caridade! Pois é chocante
e escandaloso o seu proceder, sicrano “irmão Bento Maria”. Que as
pessoas não o imitem.

O que escrever de mais coerente e alentador para dissuadir e


transformar esse fulano, que se intitula “irmão Bento Maria”?

A razão já não se presta mais. Talvez a força!

O que merece um beltrano que busca pela vaidade apaziguar a sua


consciência de tantos devaneios inúteis?

Um fulano que não se define, não se vislumbra em nada realmente firme


e invariável.

Um caniço agitado pelo vento!

Quantas idas e vindas! Para quê? Para nada!

Ora é isso, ora é aquilo.

Não me espantará se mais tarde vier a saber que você, “Viana-Bento-


Maria-Etc”, tenha se tornado maometano ou budista ou candomblista ou
demais absurdos.

Seja homem! Seja homem! Seja homem!

A polidez de suas palavras não me engana.

Vale para você outrossim a alcunha de Gríma, divertidamente usada pelo


Felipe.

Igreja Russa?!? É muita audácia. É muita petulância!

Reflita, fulano! Reflita!

Mude o seu proceder definitivamente.

Recomece sendo de fato católico!

Não um católico de mil facetas!

Não é o ódio pela sua pessoa que me leva a escrever assim, porém o
ódio pela sua conduta.

Rezarei por você quando assistir ao Santo Sacrifíco Incruento


Tridentino.

JMJTJ
Acies Ordinata
“Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”
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Textos essenciais em tradução inédita – XXIII »
O texto essencial em tradução inédita
By aciesordinata
[N.d.T. – A conferência a seguir é a melhor introdução ao
sedevacantismo de que tenho notícia e, assim, a grande defesa atual da
honra da Santa Madre Igreja Católica e do Papado contra tantos erros
que os aviltam e diminuem, das mais variadas procedências, e sem
prejulgar das intenções de seus difusores, não raro possuidores de
maior ciência e virtude do que nós. Para facilitar eventual segunda
leitura e estudo, acrescentei no final um Índice: a divisão do texto
em breves capítulos e o título a estes atribuído são de minha
responsabilidade somente. Peço de antemão o perdão do leitor por
traduzir, quando o palestrante se dirige à audiência, o “you” inglês
pelo menos suscetível de uso formal “você(s)”, e não por “vós” nem
“senhor(es)” como seria talvez mais adequado, mas me parece que daria
menos fluência ao texto, cujo estilo oral foi mantido. AMDGVM, Felipe
Coelho]
_____________
A Crise Impossível
(2002 / 2009)
John DALY
Reverendos Padres, Senhoras e Senhores,
Esta conferência dedica-se a apresentar os argumentos em favor do
sedevacantismo. Antes de começar, eu gostaria de me certificar de que
todos nós sabemos o que o sedevacantismo é, e o que ele não é. O
sedevacantismo é a convicção de que a Santa Sé está vacante. Se você
crê que a Igreja Católica hoje não tem papa – não tem um verdadeiro,
válido e legítimo sucessor de São Pedro – você é sedevacantista; do
contrário, você não é.
Enfatizo que o sedevacantismo não é um movimento. Há sedevacantistas
que só vão à Missa de padres sedevacantistas; há outros que vão
alhures, e outros ainda que nem vão à Missa. Semelhantemente, é claro,
há pessoas que vão à Missa de padres sedevacantistas sem serem, elas
próprias, sedevacantistas. Assim, o sedevacantismo não diz respeito a
com quem você se associa, assim como não se trata de se você pensa que
as mulheres devem ou não usar calças, ou sua opinião sobre rastros
químicos ou o estado dental do Arcebispo Thuc; trata-se de se você
reconhece ou não João Paulo II como cabeça visível da Igreja de
Cristo.
E, dado que é uma convicção, não um movimento, o sedevacantismo como
tal não tem nenhum objetivo nem exerce qualquer atividade específica.
Se vocês vieram aqui hoje na esperança de nos ouvir falar sobre o meio
mais eficaz de restaurar a ordem católica, ou de aumentar o número de
católicos tradicionais, ou de conseguir mais assinantes para revistas
tradicionais, vocês ficarão desapontados. O escopo das duas
conferências que vocês ouvirão não é sobre se o sedevacantismo é útil.
Restringe-se a se o sedevacantismo é verdadeiro. E, se é verdade que
João Paulo II não é o Vigário de Cristo, essa verdade continuará sendo
obstinadamente verdadeira, gostemos ou não, e bem independentemente do
que fizermos a respeito. Um escritor proeminente do Remnant disse,
recentemente, que o sedevacantismo vai matar o movimento
tradicionalista. Isso não é verdade, mas, o que é ainda mais
importante, isso não é relevante. Não se vocês amam a verdade.
Há muitos fatos que são pouco conhecidos e muito inconvenientes, mas
não deixam de ser fatos. Se você descobre um caroço tumoral debaixo do
braço, ou percebe que suas despesas mensais estão excedendo a sua
renda, ou que há um barulho e odor estranhos saindo do motor do seu
carro quando você dirige… você normalmente não considera se o câncer,
a falência ou um bloco de cilindros rachado são desejáveis ou
populares: você quer saber a verdade, não importa o quão inconveniente
ela seja. E a verdade será baseada em provas. No caso da verdade
católica, será baseada no que a Igreja nos diz por meio dos
ensinamentos dela, das leis dela, dos teólogos dela, etc.
A palavra sedevacantista, é claro, é um neologismo: uma palavra
inventada no fim dos anos 70. É um rótulo conveniente, assim como a
palavra tradicionalista; os de fora sempre inventam rótulos
convenientes para identificar os grupos, e esses rótulos
frequentemente colam. O importante é ir além do rótulo e entender o
que ele significa. Eis um teste: se você entendeu corretamente o que a
palavra sedevacantista quer dizer, você vai se dar conta de que, toda
vez que um papa morre, o mundo católico inteiro é sedevacantista. E,
se você não é ainda sedevacantista, então você é sede-ocupantista. É
uma coisa ou outra.
E é claro que o sedevacantismo não tem nada a ver com rejeitar o
Papado. Nós aceitamos todos os papas, mas não pensamos que Karol
Wojtyla é um. E baseamos essa convicção no ensinamento e leis da
Igreja Católica.
Hoje vocês ouvirão duas conferências sobre o sedevacantismo, e cada
uma delas apresenta um argumento básico diferente, porque há duas
maneiras fundamentalmente diferentes de provar que João Paulo II não é
papa. Quero que elas estejam claramente distinguidas na cabeça de
vocês. [Nota do Editor (da revista The Four Marks, edição de abr. 2009
— NdT): Uma versão amplamente expandida da outra conferência, dada por
John Lane, encontra-se na pág. 5, continuando do mês passado.]
Suponham que alguém lhes ofereça um anel de ouro maciço, mas que, na
realidade, é uma bijuteria. Há duas maneiras possíveis de mostrar que
ele é fajuto. A primeira é mostrar que ele não possui alguma
característica que o ouro precisa ter: sua gravidade específica ou sua
reação ao ácido nítrico. A segunda é mostrar que ele na realidade é
outra coisa, muito diferente do ouro e incompatível com ser ouro. Por
exemplo, vocês passam um ímã sobre o objeto, e ele pula e gruda no
ímã. Vocês sabem de imediato que vocês têm ferro e, portanto, não ouro
maciço.
Considerando João Paulo, o Sr. Lane argumentará que ele é um herege
público e que um herege público não pode, em nenhuma circunstância,
ser papa. Ele passará o ímã da heresia sobre Karol Wojtyla, e Karol
Wojtyla pulará e grudará nele, mostrando-se pobre, férreo e propenso à
ferrugem. Não tenho mais nada a dizer sobre esse argumento, que o Sr.
Lane lhes apresentará com grande competência.
A minha tarefa não é mostrar que Karol Wojtyla é herege. Não é nem
mesmo investigar, de modo algum, a causa por que ele não é papa. É
simplesmente mostrar que um verdadeiro papa é impedido pela proteção
do Espírito Santo de fazer o que K.W. faz, e que K.W., portanto, não
pode ser papa.
Fazer isso, de minha parte, envolverá também um tratamento
considerável do corpo religioso que Karol Wojtyla encabeça: o corpo
que chamou a si próprio de Igreja Conciliar. Pretendo mostrar que essa
igreja também manifesta incompatibilidade essencial com o Catolicismo:
que ela oficialmente e formalmente adotou doutrinas, costumes, leis e
cerimônias que a Igreja Católica não somente faria mal em adotar, como
também não teria como adotar.
Então, permitam-me dizer a minha argumentação em poucas palavras.
Afirmo que a Igreja mesma nos ensina que ela é infalível e
indefectível, não somente nos ensinamentos do seu Magistério
extraordinário, mas também no seu Magistério ordinário e universal; em
suas leis, em sua liturgia e no ensinamento universal que ela comunica
aos fiéis diariamente através de todos os meios pelos quais ela
manifesta sua fé. Em parte alguma deles, pode ela ensinar erros que se
oponham, ainda que indiretamente, à revelação divina; em parte alguma
deles, pode ela contradizer o que ela sempre ensinou; em parte alguma
deles, pode ela conduzir os fiéis rumo ao erro e o pecado ou para
longe da verdade e da santidade.
E afirmo, em seguida, que a Igreja Conciliar faz todas essas coisas
que a Igreja Católica não pode em nenhuma circunstância fazer. A
liturgia, as leis, os ensinamentos e prática conciliares ordinários,
unânimes e cotidianos são incompatíveis com a doutrina católica e
estão seduzindo incontáveis almas para a heresia ou apostasia e a
condenação eterna.
E, em estrita consequência lógica, a Igreja Conciliar não é a Igreja
Católica, e o seu cabeça não é o papa.
Ora, há diversas objeções que vocês podem querer fazer contra um
argumento nessa linha, mas não há dúvida sobre qual seja a objeção
mais comum por parte dos que sustentam uma posição mais ou menos na
linha da FSSPX. É a objeção de que a minha alegação exagera o escopo
da infalibilidade e indefectibilidade da Igreja e descreve como
impossíveis coisas que são meramente indesejáveis e incomuns, mas não
claramente contrárias a qualquer promessa divina.
Penso que esse é o ponto principal em litígio entre os
tradicionalistas sedevacantistas e os tradicionalistas sede-
ocupantistas. É por isso que citarei uma porção de altas autoridades
sobre essa questão precisa.
Antes, porém, que eu o faça, recordemos os antecedentes históricos da
divergência. Ao longo da década de 1960 até o começo dos anos 70,
ocorreu aquilo que veio a ser chamado de “as mudanças na Igreja”. A
Missa evoluiu através de uma série de breves estágios até se
transformar numa cerimônia vernácula de tipo protestante. O catecismo
ou desapareceu totalmente, ou foi substituído por textos que inculcam
heresia. Todos os demais sacramentos mudaram também. Assim como
mudaram as vestimentas, os hábitos de sacerdotes e religiosos, as
cerimônias e tradições. Todas as condenações também cessaram… exceto
daqueles que recusavam adotar as mudanças. O culto em comum com
acatólicos, anteriormente pecado mortal, tornou-se lícito e até
desejável. Nações cuja constituição dava posição privilegiada à Igreja
fundada por Deus foram constrangidas a alterar sua constituição,
removendo esses privilégios. Certas doutrinas desapareceram,
especialmente as que dizem respeito à condenação eterna e à
necessidade de pertencer à verdadeira Igreja. Doutrinas morais
inconvenientes, se ainda chegavam a ser mencionadas, apareciam sempre
com uma ressalva acerca dos supostos direitos mais altos da
consciência. E tanta coisa mais.
E não havia como alguém ter entendido a natureza da crise desde o
início. Seria um tolo quem culpasse alguém por não ter entendido, já
em 1968, que estávamos, literalmente, em face de uma nova e falsa
religião. Contudo, já em 1968 vigoravam as novas orações eucarísticas,
assim como o novo rito de ordenação, e isso antes mesmo do chamado
“Novo Ordo da Missa”.
A situação em 1969 até 1970 era que muitos padres e laicato viram-se
na impossibilidade de, em consciência, aceitar o Novus Ordo, mas a
possibilidade de que Paulo VI talvez não fosse verdadeiro papa ainda
não havia sido nem sequer ventilada. Para explicar e justificar a
rejeição de leis e ensinamento aparentemente papais, o movimento
tradicional emergente desenvolveu o hábito de enfatizar os limites da
infalibilidade. Virou moda alegar que somente ensinamento ex cathedra
era infalível e que as liturgias, encíclicas, etc., não tinham nenhuma
proteção ou garantia especiais. Muito compreensível. Mas,
infelizmente… flagrantemente contrário à doutrina católica, como logo
veremos.
E, é claro, quem adota aquela posição se vê rapidamente numa posição
que nem mesmo é coerente consigo mesma. Daí que vejamos
tradicionalistas sede-ocupantistas protestando contra a recusa dos
modernistas em aceitar a doutrina das encíclicas papais, por exemplo
condenando a contracepção. Mas eles próprios alegremente rejeitam ou
ignoram o ensinamento das encíclicas de seus papas pós-Vaticano II.
Então, temos amplo fundamento para reabrir a questão. Coloquemos de
lado o hábito e o preconceito e recorramos, de mente aberta, ao que a
própria Igreja ensinou sobre sua infalibilidade e indefectibilidade.
Até onde a infalibilidade alcança? Comecemos pelo Concílio do
Vaticano, de 1870. Todos sabemos que esse concílio definiu a
infalibilidade das definições doutrinais ex cathedra. Teria ele dito
ou sugerido que a infalibilidade limitava-se exclusivamente a elas?
Longe disso… Ele ensinou claramente que os católicos devem crer com fé
divina em tudo aquilo que a Igreja ensina ser divinamente revelado,
seja por um juízo solene [Magistério extraordinário] ou pelo
Magistério ordinário e universal (Dz 1.792). Os dois são
correlacionados. Comandam o mesmo nível de assentimento. São
igualmente infalíveis. Então, por que o Vaticano I concentrou-se na
infalibilidade do Magistério extraordinário papal? Simplesmente porque
era a doutrina que, naquele momento, estava sendo posta em questão em
alguns círculos, notavelmente na França.
A infalibilidade do Magistério Ordinário sob certas condições era uma
verdade tão bem conhecida de todos os católicos, que não precisava de
mais que breve menção. A infalibilidade da definição papal solene
tinha de ser especialmente sublinhada.
Hoje, no movimento tradicional, o oposto parece aplicar-se. Até parece
que, ao definir a infalibilidade do Magistério extraordinário do Papa,
a Igreja condenara ao esquecimento o dogma da infalibilidade de seu
Magistério ordinário e universal.
Na realidade, esse erro já vinha se introduzindo sorrateiramente bem
antes do Vaticano II (Cônego Smith, “Must I Believe It?”, Clergy
Review [“Tenho o Dever de Crer Nisso?”, Revista do Clero (ndt)], anos
40):
“Não é de modo algum incomum encontrar a opinião, senão expressa ao
menos cultivada, de que nenhuma doutrina deve ser considerada dogma de
fé a não ser que tenha sido definida solenemente por um Concílio
ecumênico ou pelo próprio Soberano Pontífice. Isso não é necessário de
maneira nenhuma. É suficiente que a Igreja a ensine em seu Magistério
ordinário, exercido através dos Pastores dos fiéis, os Bispos, cujo
ensinamento unânime por todo o orbe católico, seja comunicado
expressamente através de cartas pastorais, catecismos emitidos pela
autoridade episcopal, sínodos provinciais, seja implicitamente através
de orações e práticas religiosas permitidas ou encorajadas, ou através
do ensinamento de teólogos aprovados, é não menos infalível do que uma
definição solene promulgada por um Papa ou um Concílio geral.”
Então, agora que sabemos que ele é infalível, vejamos mais de perto o
que é esse Magistério ordinário. Alguma confusão foi causada, entre os
católicos que estão se esforçando para entender de vez esses
conceitos, pelo fato de que, como eles sabem, todas as encíclicas
papais, todas as cartas pastorais de um bispo, todos os catecismos
aprovados, todas as orações do Missal ou Breviário e todas as leis no
Código de Direito Canônico da Igreja refletem essa autoridade
magisterial ordinária da Igreja. Mas obviamente não são todos
infalíveis em si mesmos como o são os pronunciamentos ex cathedra.
Não há nenhum mistério aqui. Façamos uma comparação. Os germes podem
causar doença, mas são necessários muitos germes, todos agindo no
mesmo lugar ao mesmo tempo, para a doença aparecer. Os atos
individuais do Magistério ordinário não são positivamente infalíveis
como é uma definição doutrinal. Mas, pelo peso e número deles, eles
entram em coalizão e convergem na infalibilidade. Uma afirmação
isolada numa encíclica papal não equivale, normalmente, a uma
definição doutrinal. Uma doutrina ensinada nas cartas pastorais de um
punhado de bispos não equivale a um concílio geral. Mas, quando as
afirmações dos papas e/ou bispos e outras fontes que representam a
Igreja são tão numerosas e concordes, que os fiéis inevitavelmente
consideram esse ensinamento como sendo o da própria Igreja, aí então
temos um ensinamento que, verdadeiramente, tem a mesma autoridade e
comanda o mesmo assentimento que se ele tivesse sido ensinado por meio
de uma definição solene.
Quando digo que os fiéis consideram esse ensinamento como sendo o da
própria Igreja, quero dizer a grande massa dos fiéis ao redor do
mundo: é por isso que a palavra “universal” é usada. É o Magistério
ordinário e universal que é infalível. Ele não é algo de diferente do
Magistério ordinário, ele é o Magistério ordinário quando o seu
ensinamento sobre um dado ponto tornou-se universal.
Certo, fiz uma alegação forte aqui; chegou a hora de ver se consigo
justificar o que estou dizendo, pela voz da autoridade católica.
Há uma porção de livros que cobrem os diferentes modos em que a Igreja
ensina os fiéis e os diferentes modos em que o ensinamento dela
vincula os fiéis, mas o guia principal que quero utilizar neste tópico
é um de que pouquíssimos de vocês já terão ouvido falar… e, no
entanto, tem ele a mais elevada autoridade. Chama-se De Valore Notarum
Theologicarum – Sobre o Significado das Qualificações Teológicas, de
autoria do Pe. Sixtus Cartechini. A importância especial dessa obra é
ter sido escrita para uso das Congregações Romanas na avaliação da
ortodoxia ou heterodoxia das diversas doutrinas. Foi publicada na
Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, em 1951. É baseada nas
doutrinas padrão dos grandes teólogos e dos próprios Papas sobre esses
tópicos e tornou-se imediatamente obra clássica, permanecendo assim
até que João XXIII decidiu que a era da condenação das falsas
doutrinas chegava ao fim.
Dependerei muito pesadamente do Pe. Cartechini, porque o que ele diz é
o ensinamento padrão. Quem quer que duvide do que ele diz pode
verificar em incontáveis outras fontes.
Os três primeiros capítulos da obra do Pe. Cartechini são sobre dogmas
definidos, Magistério extraordinário. O Capítulo 4 chama-se O que é o
Magistério ordinário e como os dogmas podem ser provados a partir
dele, ou: acerca da fé divina e católica fundada no Magistério
ordinário. O título já é eloquente: ele nos informa que os dogmas,
exigindo o máximo assentimento de fé, podem ser provados a partir do
Magistério ordinário, assim como do extraordinário.
O Pe. Cartechini explica que há três modos diversos em que o
Magistério ordinário pode comunicar aos católicos o que eles devem
crer como de fé.
Primeiro, diz ele, o Magistério ordinário é exercido através de sua
doutrina expressa, comunicada pelo Papa ou pelos bispos aos fiéis no
mundo inteiro sem o uso de definições formais. E ele dá uma lista de
doutrinas que dizem respeito à fé e à moral ensinadas infalivelmente
pelo Magistério ordinário como divinamente reveladas. Muitas delas são
simplesmente propostas em encíclicas papais.
Em segundo lugar, diz ele, o Magistério ordinário é exercido pelo
ensinamento implícito contido na prática ou vida da Igreja. Cartechini
realça que a Igreja segue aqui o próprio Cristo, que também ensinou
certos pontos pelos Seus atos, por exemplo o dever de honrar Sua Mãe,
Maria Santíssima. E, sob este tópico, ele faz referência,
particularmente, ao colossal peso doutrinal da liturgia. “A liturgia
não cria dogmas, mas ela exprime dogmas, porque, no modo como ela
louva ou reza a Deus, a Igreja exprime o que ela crê, como ela o crê,
e segundo quais conceitos Deus quer ser adorado publicamente. …[então]
a Igreja não pode permitir que, na liturgia, sejam ditas coisas em
nome dela que sejam contrárias àquilo que ela defende ou crê.” (p.
37).
Cartechini também menciona as leis da Igreja como fonte de ensinamento
infalível do Magistério ordinário e universal por meio da prática e
vida da Igreja: “…nem os concílios gerais nem o papa podem estabelecer
leis que contêm pecado…e nada pode estar contido no Código de Direito
Canônico que seja de qualquer modo oposto às regras da fé ou à
santidade do Evangelho.”
Finalmente, há o terceiro meio em que a Igreja exerce o seu Magistério
ordinário infalível: pela aprovação tácita que a Igreja outorga ao
ensinamento dos Padres, dos doutores e dos teólogos. Se uma doutrina é
difundida pela Igreja toda, sem objeção, isso significa que a Igreja
aprova tacitamente essa doutrina. Do contrário, a Igreja inteira
poderia e inevitavelmente iria errar na fé.
Se vocês estão acostumados com a noção de que o ensinamento da Igreja
só tem plena certeza e obrigatoriedade quando ele toma a forma de
definições ex cathedra, vocês terão percebido a esta altura que vocês
foram enganados. Penso que eu já disse o suficiente para mostrar que
estamos numa pista certa. Deus deu à Sua Igreja garantias maiores do
que muitos católicos se deram conta. Mas a extensão da fraude
teológica de que alguns de vocês podem ter sido vítimas não pára aqui.
Até agora, falamos do ensinamento estritamente infalível da Igreja, a
nós comunicado ou pelo Magistério extraordinário ou pelo Magistério
ordinário e universal. Mas há também o ensinamento da Igreja que não
chega à infalibilidade estrita, e no entanto é estritamente e
gravemente obrigatório para todos os católicos.
Aqui estamos considerando, por exemplo, o grosso dos conteúdos
doutrinais das encíclicas e dos decretos das Congregações Romanas.
A respeito das encíclicas, o Papa Pio XII escreveu o seguinte, na
Humani Generis:
“Nem se deve pensar que aquilo que é apresentado nas cartas encíclicas
não exige por si só o assentimento, sob alegação de que ao escrever
tais encíclicas os Pontífices não exercem a suprema autoridade do seu
Magistério. Pois essas matérias são ensinadas pelo Magistério
ordinário, acerca do qual as palavras ‘Quem vos ouve a Mim ouve’ (Lc
10,16) também se aplicam… A maior parte do que é apresentado e
proposto nas encíclicas já pertence à doutrina católica por outras
razões. Mas se os Sumos Pontífices chegam a pronunciar sentença
expressa, nos seus documentos oficiais, sobre questão até então
controvertida, é evidente para todos que segundo a intenção e vontade
dos mesmos Pontífices essa questão já não pode ser tida como objeto de
livre disputa entre os teólogos.” (Dz 2.313).
Isso é bastante claro. O ensinamento das encíclicas é obrigatório,
ainda que ele antes não pertencesse ao corpo do ensinamento da Igreja.
E o dever de crer nele não deriva do dever da fé. Vem do dever da
obediência, assim como o dever da criança de crer nos seus pais.
Eis, por exemplo, o cônego George Smith novamente, escrevendo na
década de 1940, num artigo na Clergy Review [Revista do Clero (ndt)]
que trata expressamente do que os católicos têm de crer:
“…que grande parte do ensinamento autoritativo da Igreja, seja na
forma de encíclicas, decisões, condenações papais, respostas das
Congregações Romanas – tais como o Santo Ofício – ou da Comissão
Bíblica, não seja um exercício do Magistério infalível. E aqui,
novamente, o nosso fiel precavido eleva a sua voz: ‘Tenho o dever de
crer nisso?’ A resposta está implícita nos princípios já demonstrados.
Vimos que a fonte da obrigação de crer não é a infalibilidade da
Igreja, mas a comissão divina que ela tem de ensinar. Portanto, seja o
ensinamento dela garantido pela infalibilidade ou não, a Igreja é
sempre a mestra e guardiã divinamente designada da verdade revelada,
e, consequentemente, a suprema autoridade da Igreja, mesmo quando não
intervém para tomar uma decisão infalível e definitiva em questões de
fé ou moral, tem o direito, em virtude da comissão divina, de comandar
o assentimento obediente dos fiéis. Na ausência da infalibilidade, o
assentimento assim exigido não pode ser o de fé, seja católica ou
eclesiástica; será um assentimento de ordem inferior, proporcionado ao
seu fundamento ou motivo. Mas, seja qual for o nome que se lhe dê, –
por ora, podemos chamá-lo de crença –, ele é obrigatório; obrigatório
não porque o ensinamento é infalível – ele não é – mas porque é o
ensinamento da Igreja designada por Deus. É dever da Igreja, como
Franzelin mostrou, não somente ensinar a doutrina revelada mas também
protegê-la, e por isso a Santa Sé ‘pode prescrever para serem seguidas
ou proscrever para serem evitadas opiniões teológicas ou opiniões
conectadas com a teologia, não somente com a intenção de
infalivelmente decidir a verdade por um pronunciamento definitivo, mas
também – sem qualquer intenção dessas – meramente para o propósito de
salvaguardar a segurança da doutrina católica.’ Se é dever da Igreja,
ainda que não infalivelmente, ‘prescrever ou proscrever’ doutrinas
para essa finalidade, então é evidentemente também o dever dos fiéis
aceitá-las ou rejeitá-las, por conseguinte.
Nem tampouco essa obrigação de submissão às declarações não-infalíveis
da autoridade é satisfeita pelo chamado silentium obsequiosum. A
segurança da doutrina católica, que é o propósito dessas decisões, não
seria salvaguardada se os fiéis fossem livres para negar o
assentimento deles. Não é suficiente que eles escutem em silêncio
respeitoso, evitando oposição aberta. Eles são obrigados em
consciência a submeter-se a elas (Carta de Pio IX ao Arcebispo de
Munique, 1861; cf. Denzinger, 1684), e a submissão de consciência a um
decreto doutrinal não significa apenas abster-se de rejeitá-lo
publicamente; significa a submissão do juízo particular ao juízo mais
competente da autoridade.
Mas, como já notamos, ad impossibile nemo tenetur, e, sem um motivo
intelectual de alguma espécie, nenhum assentimento intelectual, embora
obrigatório, é possível. Sobre que fundamento intelectual, portanto,
os fiéis baseiam o assentimento que eles são obrigados a prestar a
essas decisões não-infalíveis da autoridade? Naquilo que o Cardeal
Franzelin (De Divina Scriptura et Traditione, 1870, p.116), com
expressão um tanto extensa mas exata, descreve como auctoritas
universalis providentiae ecclesiasticae. Os fiéis consideram com razão
que mesmo onde não haja o exercício do Magistério infalível, a divina
Providência tem um cuidado especial pela Igreja de Cristo; que,
portanto, o Sumo Pontífice, em vista do seu ofício sagrado, é dotado
por Deus com as graças necessárias para o cumprimento apropriado
deste; que, portanto, as suas declarações doutrinais, ainda quando não
garantidas pela infalibilidade, possuem a mais alta competência; que,
num grau proporcionado, isso é verdadeiro também das Congregações
Romanas e da Comissão Bíblica, compostas por homens de grande saber e
experiência, que estão plenamente atentos às necessidades e tendências
doutrinais dos nossos dias e que, em vista do cuidado e da
(proverbial) cautela com que executam os deveres que lhes são
confiados pelo Sumo Pontífice, inspiram plena confiança na sabedoria e
prudência de suas decisões. Baseado como está nessas considerações de
ordem religiosa, o assentimento em questão é chamado de ‘assentimento
religioso’.”
[Possibilidade de erro. O erro não teria como ser uma heresia. A
teoria de que uma encíclica teria a possibilidade de conter uma
afirmação inexata – por não ser infalível em si mesma sob todos os
aspectos – é defendida por alguns poucos, mas está longe de sugerir
que uma encíclica possa ensinar doutrina previamente condenada, possa
desencaminhar as almas. E está longe de sugerir que tal doutrina
errônea em encíclicas possa tornar-se tão habitual que, longe de se
submeterem às doutrinas das encíclicas, os católicos tenham de lê-las
com os seus manuais de teologia abertos no colo, para ver se, por
algum golpe de sorte, o ensinamento delas pode vir a ser ortodoxo...]
Citei Smith para facilitar, já que ele escreveu em inglês. Se vocês
leem latim, remeto-os particularmente sobre este tópico a Cartechini e
ao De Divina Scriptura et Traditione do Cardeal Franzelin, que é
considerado a análise teológica mais detalhada e respeitada sobre o
tema.
E, de fato, a obrigação de assentimento aos decretos mesmo das
Congregações Romanas já foi inculcada com frequência pelos papas. Por
exemplo, sob o Papa São Pio X foi decidido que falhar em submeter-se
ao ensinamento da Comissão Bíblica envolvia grave culpa de
desobediência em respeito à sua autoridade e de temeridade em respeito
à sã doutrina (Dz 2.113). Cartechini conta-nos que os decretos
doutrinais das Congregações Romanas, quando promulgados por encargo
especial do papa, constituem preceito doutrinal vinculante (p. 117),
mas que até mesmo quando não são especificamente promulgados em nome
do Papa, mas apenas sob a autoridade geral já delegada às
Congregações, eles ainda assim exigem obediência sob pena de pecado
grave (p. 118). E o Papa Pio IX decretou na Tuas Libenter (1863, ao
arcebispo de Munique) que não era de modo algum suficiente para os
escritores e estudiosos católicos aceitar os dogmas da Igreja, “mas
eles devem também submeter-se às decisões – ele disse – relativas à
doutrina que são propostas pelas Congregações Pontifícias, bem como
àqueles pontos de doutrina que, pelo comum e constante sentir dos
católicos, são considerados verdades teológicas tão certas que, ainda
que as opiniões contrárias a esses pontos de doutrina não possam ser
chamadas de heréticas, elas merecem, sem embargo, alguma outra censura
teológica.” (Dz 1.684).
* * *
Então, vamos recapitular um pouco. Mostrei que a verdadeira
infalibilidade doutrinal estende-se muito além dos limites das
definições solenes. Espero ter traçado, em linhas gerais, os modos em
que o Magistério Ordinário pode ensinar infalivelmente, tais como
através de leis, da liturgia e do ensinamento comum dos teólogos.
Mostrei também que o nosso dever de submissão ao ensinamento das
autoridades da Igreja estende-se ainda além da infalibilidade do
Magistério Ordinário.
Espero, sobretudo, ter re-inspirado em vocês uma atitude que está
muito em falta em nossos dias. Chama-se confiança na Igreja. Penso que
eu já disse o bastante para mostrar que nossa Mãe, a Santa Igreja
Católica, é verdadeiramente “a coluna e o firmamento da verdade” e,
verdadeiramente, como o profeta Isaías previu, “35:8. Haverá ali uma
vereda e um caminho, que se chamará o caminho santo; não passará por
ele o impuro, e este será para vós um caminho direito, de sorte que
andem por ele os próprios insensatos sem se perderem.”
Tenho bem a peito disseminar confiança na Igreja. Nós, mortais, somos
tão faltos de confiança onde ela é merecida… e tão dispostos a confiar
em nós mesmos, onde nossa confiança é raramente merecida. Agimos como
se Cristo nunca tivesse feito Suas promessas. A nossa vida espiritual
não faz progressos, porque nós não confiamos em Deus o bastante. E a
nossa catolicidade é fraca e murcha, deixando-nos vulneráveis à
confusão na crise, à transigência e à distorção da sã doutrina, porque
nós não confiamos na Igreja de Deus como Deus quer que ela seja objeto
de confiança.
Eis Dom Guéranger:
“O que torna sempre mais firme e mais serena a reflexão do historiador
cristão é a certeza que lhe dá a Igreja, que marcha diante dele como
uma coluna luminosa e alumia divinamente todos os seus juízos. Ele
sabe que vínculo estreito une a Igreja ao Deus-Homem, como ela é
assegurada por Sua promessa contra todo erro no ensinamento e na
direção geral da sociedade cristã, como o Espírito Santo a anima e
conduz; é, pois, nela que ele buscará o critério dos seus juízos. …ele
sabe onde se manifesta a direção, o espírito da Igreja, seu instinto
divino. Recebe-os, aceita-os, confessa-os corajosamente; aplica-os…
Igualmente, nunca trai, nunca sacrifica; diz que é bom o que a Igreja
julga bom, mau o que a Igreja julga mau. Que lhe importam os
sarcasmos, as chacotas dos covardes medíocres? Ele sabe que está com a
verdade, porque ele está com a Igreja e a Igreja está com Cristo.”

(Guéranger, Le Sens Chrétien de l’Histoire [O Sentido Cristão da


História (ndt)], Paris, 1945, p. 21-22).

[N.d.T. – Trad. br., com leves retoques de detalhe, extraída de:

http://www.santamariadasvitorias.com.br/documentos/O_sentido_cristao_d
a_historia_Dom_Gueranger.doc]
Mas, é claro, vocês não podem adotar essa atitude com a Igreja
Conciliar, podem? Se vocês conhecem e creem na imutável Fé Católica,
é-lhes impossível crer em tudo o que a religião conciliar ensina nos
decretos do Vaticano II, nas suas encíclicas, no ensinamento comum dos
seus bispos, nos seus textos litúrgicos oficialmente aprovados e
usados, nas suas leis e normas disciplinares. Muito menos podem vocês
ter a atitude de Dom Guéranger para com a Igreja que emergiu do
Vaticano II, segurando a mão dela como uma criança, atendo-se a cada
palavra dela, amando-a, admirando-a, sedentos de aprender dela a todo
o tempo: confiando nela.
Eu digo que não podem. E chegou a hora de ilustrar e provar essa
alegação. Passei um bom tempo tratando da base doutrinal, para me
certificar de que temos os nossos critérios de julgamento acertados.
Espero ser agora mais sucinto.
Tenho de mostrar que a Igreja que emergiu do Vaticano II claramente
não goza das garantias divinas concernentes ao seu Magistério
ordinário e atos associados, garantias estas que a Igreja Católica
necessariamente e inalienavelmente possui. Poderíamos passar anos
debruçando-nos sobre os exemplos disponíveis… Escolherei apenas
alguns, mas suficientes.
Como o meu primeiro exemplo, escolho a liturgia da Igreja Conciliar.
Escolho a liturgia primeiro, porque ela é crucial. Na Quas Primas, o
Papa Pio XI fez uma declaração notabilíssima. Ele disse que “as
pessoas são instruídas nas verdades da fé…com muito maior eficácia
pela celebração anual dos nossos sagrados mistérios do que por
qualquer pronunciamento autorizado do Magistério da Igreja.” Noutras
palavras, quando se trata de comunicar a fé aos fiéis, no nível
prático, a liturgia é mais importante e influente do que qualquer
outro meio em que a Igreja comunica a mente dela. E sabemos que isso é
verdade por experiência. Vocês só precisam pensar: não foi o próprio
Vaticano II que solapou a fé da maior parte do laicato, pois estes
nunca leram o Vaticano II. Foi a Missa Nova o que realmente os
arruinou, não foi?
Mencionamos a liturgia como garantida pelo Magistério ordinário
infalível.
Cartechini disse: “a Igreja não pode permitir que, na liturgia, sejam
ditas coisas em nome dela que sejam contrárias àquilo que ela defende
ou crê.” (p. 37).
O Papa Pio VI condenou o sínodo jansenista de Pistoia por este
insinuar que a “ordem litúrgica vigente, recebida e aprovada pela
Igreja, pudesse resultar em qualquer parte do esquecimento dos
princípios que devem guiá-la”; ele ensinou que essa ideia era
impossível porque “a Igreja, guiada pelo Espírito de Deus, não pode
estabelecer uma disciplina…que é perigosa ou nociva” (Dz 1.533 e
1.578).
Vocês veem de imediato que essas citações – e há muitas outras
disponíveis – excluem de imediato as rotas de fuga usuais. Vocês não
podem escapar dizendo que a Missa Nova não é totalmente obrigatória ou
não se aplica à Igreja inteira. Se a Igreja Conciliar é a Igreja
Católica, então a Missa Nova é indubitavelmente a mais vasta parte da
“ordem litúrgica vigente, recebida e aprovada pela Igreja” e,
portanto, impedida pela proteção do Espírito Santo de ser não-ortodoxa
ou nociva. Estritamente falando, vocês não podem adotar a popular
evasiva de Michael Davies e dos indúlteros, insistindo que é só o
latim que conta. Pois as autoridades da Igreja Conciliar
conscientemente aprovaram os erros de tradução vernaculares – sendo o
mais notável o erro de tradução encontrado em todas as línguas do
mundo pelo qual as palavras “será derramado por vós e por muitos” na
consagração do cálice são vertidas: “por vós e por todos”. Essa
herética tradução deturpada é agora parte da ordem litúrgica vigente,
recebida e aprovada pela Igreja, não é mesmo? A única questão é… por
qual Igreja?
Mas suponha-se que consideremos, mesmo assim, os textos em latim.
Darei um só exemplo simples. Ele ocorre na oração da Sexta-feira Santa
pelos judeus, quando os ministros do Novus Ordo rezam não pela
conversão dos judeus, mas, ao invés disso, para que eles possam
continuar ou progredir na fidelidade à aliança de Deus, “in sui
fœderis fidelitate proficere”. Isso só pode querer dizer que os judeus
são, presentemente, fiéis à aliança de Deus. Mas é claro que eles
abandonaram completamente a Antiga Aliança ao recusarem aceitar o
Messias, ao gritarem: “Não temos rei senão César… Não queremos que
este homem reine sobre nós.” [Jo 19,15 e Lc 19,14 (ndt)]. E, como
resultado imediato disso, a Antiga Aliança foi abrogada e substituída
pela nova e perpétua Aliança entre Deus e a Sua Igreja, com a qual os
pérfidos judeus não têm absolutamente nenhuma conexão. Eis aí heresia
clara ensinada na Liturgia Conciliar, e de fato uma verdadeira
promoção do judaísmo.
Além disso, noto rapidamente os seguintes pontos sobre a Liturgia
Conciliar, todos eles ofensivos à doutrina católica e nocivos às
almas:
— A fórmula da consagração traduzida altera substancialmente as
palavras de Cristo e é inválida de acordo com Santo Tomás, as
rubricas, o Concílio de Florença (Dz 715) e os Padres.
— Ausência de verdadeiro ofertório – essencial –, substituído por ação
de graças judaica antes das refeições.
— Consagração que é mandada ler como narrativa e não in persona
Christi.
— A aprovação dada, no mínimo, à “Missa” voltada para o povo, à
comunhão na mão, aos ministros extraordinários, à supressão de tudo o
que inspira a reverência: alterações calculadas para destruir a fé na
presença real, na natureza sacrifical da Missa, na necessidade de um
sacerdócio sacrificial ordenado.
— A total ausência, do novo rito e do novo catecismo, da palavra ou da
doutrina de que a Missa é propiciatória.
— Chamo a atenção também para o livreto muito lúcido e valioso do Pe.
Cekada chamado The Problems with the Prayers of the Modern Mass [Os
problemas com as orações da missa moderna (ndt)]. É uma análise dos
Próprios da Missa Nova e de como eles foram criados a partir dos
Próprios tradicionais. Ele prova à saciedade, para além de todo debate
e até de todo resmungo, que os novos Próprios foram fixados com base
no princípio, seguido à risca, de suprimir ou substituir toda menção a
milagres, ira divina, perigo de perder a alma, tentações,
concupiscência, culpa, desapego do mundo, existência de inimigos da
Santa Igreja ou de nossas almas e muito mais. Tudo liquidado.
Recordo-lhes que a Igreja não pode conduzir as almas ao erro ou ao
perigo por meio da liturgia aprovada. Eis como Santo Agostinho o
coloca: “A Igreja de Deus, cercada por tanta palha e cizânia, tolera
muitas coisas, mas ela não aprova nem faz o que é contrário à fé ou à
virtude e ela não fica calada perante essas coisas.” [Epístola 55; no
original, citado alhures pelo autor: “Sed Ecclesia Dei inter multam
paleam multaque zizania constituta, multa tolerat, et tamen quæ sunt
contra fidem vel bonam vitam non approbat, nec tacet, nec facit.”
(ndt)].
A indefensável “missa” nova, tão insultante da honra divina, tão
nociva às almas e tão corrosiva da sã doutrina, é, portanto, o meu
primeiro exemplo claro de que a Igreja Conciliar não pode ser a Igreja
Católica.
Em segundo lugar, há as leis da Igreja. Lembram-se de Cartechini
resumindo o ensinamento unânime dos teólogos? “Nem os concílios gerais
nem o papa podem estabelecer leis que contêm pecado…Nada pode estar
contido no Código de Direito Canônico que seja de qualquer modo oposto
às regras da fé ou à santidade do Evangelho.”
Ora, se consultamos as leis da Igreja Conciliar, encontramos muitas
que contêm pecado, são opostas de muitos modos às regras da fé e que
francamente espezinham o próprio conceito de santidade do Evangelho.
Eis alguns exemplos que me ocorrem:
1. A autorização a administrar os sacramentos a não católicos. No
Antigo Código, cânon 731: “É proibido administrar os sacramentos da
Igreja a hereges ou cismáticos, mesmo que eles errem de boa fé e os
peçam, a não ser que eles tenham antes rejeitado os seus erros e se
reconciliado com a Igreja.” No Novo Código, cânon 844/3+4, é agora
permitido a todos os hereges e cismáticos orientais e muitos outros
acatólicos também.
2. A autorização a assistir ativamente ao culto público em comum com
acatólicos e a participar ativamente nos ritos deles. Código antigo,
cânon 1.258… nem vou me incomodar de ler: está no catecismo. Agora
temos o V2 com o seu decreto Unitatis Redintegratio que diz que
atualmente pode ser boa ideia violar o Primeiro Mandamento desse
jeito, 8442 etc.
Por dois mil anos, a Igreja ensinou enfaticamente que esses dois atos
são ambos mortalmente pecaminosos. E, em ambos os casos, a doutrina
dela é o mais evangelicamente santa que se pode desejar: Não deis aos
cães o que é santo, nem lanceis aos porcos as vossas pérolas, se eles
não ouvirem a Igreja, considerai-os como pagãos e publicanos. [Mt 6,6
e 18,17 (ndt)]
3. A definição do matrimônio no cânon 1.055, que segue o decreto do V2
sobre a Igreja no Mundo Moderno, ao equacionar os vários fins do
casamento, entra em conflito com o ensinamento tradicional da Igreja,
resumido no Código de 1917, que dizia, sucintamente, que “a finalidade
primeira do matrimônio é a procriação e educação da prole” (cânon
1.013). Na realidade, o novo Código chega a listar o bem dos esposos
antes da finalidade primeira e só menciona a procriação de crianças em
seguida. Esse é o erro que foi veementemente combatido no V2 pelo
Cardeal Ottaviani e pelo Cardeal Browne, o Superior Geral dos
Dominicanos.
4. A supressão, do novo Código, da lei divina promulgada por São Paulo
conforme a qual as mulheres devem ter a cabeça coberta, e os homens, a
cabeça descoberta na igreja. Ou será que São Paulo precisava de aulas,
sobre a santidade conforme o Evangelho, dos redatores do Código de
Direito Canônico de 1983?
Vemos então que a Igreja Conciliar por suas leis autoriza e encoraja
pecado letal e a heresia de que a verdadeira Igreja é alguma coisa
outra, e mais ampla, que a Igreja Católica. A Igreja Católica não tem
como fazer isso.
Agora vejamos o próprio Vaticano II. Os tradicionalistas enfatizaram
que ele não deu a entender que exercia o Magistério extraordinário e
concluíram que é, portanto, aceitável supor que ele errou. Um momento.
Quando os decretos de um concílio geral não estão fazendo definições
dogmáticas solenes, eles permanecem um dos mais altos exercícios do
Magistério ordinário e universal. Dizer que não precisamos
automaticamente aceitar por fé divina tudo o que eles dizem não é o
mesmo que sugerir que eles podem ensinar erros contra a doutrina
católica que já foram condenados infalivelmente. No mínimo dos
mínimos, o ensinamento de um tal concílio é infalivelmente seguro e
obrigatório em consciência.
Só que, nos textos do Vaticano II, encontramos numerosas heresias e
outras doutrinas falsas.
Não tenho tempo de listar muitas [N.d.T. – Cf., do A., sua refutação a
17 erros do concílio: “The Principal Heresies and Other Errors of
Vatican II” (As principais heresias e outros erros do Vaticano II),
1990, editado pelo Sr. John Lane e publicado no ótimo site deste,
StRobertBellarmine.net], mas é preciso mencionar a liberdade
religiosa, para a qual uma declaração inteira foi devotada e que
contradiz praticamente palavra por palavra o ensinamento da Quanta
Cura do Papa Pio IX, que é comumente considerado exemplo clássico de
definição solene pelo Magistério extraordinário infalível.
Não posso mencionar esse tópico sem alguma alusão aos esforços
engenhosos do Dr. Brian Harrison em mostrar que a doutrina do V2 é, na
realidade, compatível com o ensinamento infalível que ela aparenta
contradizer. Eu ressaltaria que, até onde eu sei, o Fr. Harrison é o
primeiro homem na história do Cristianismo que julgou necessário
escrever um longuíssimo livro acadêmico alegando demonstrar que,
apesar das reconhecidas aparências, o ensinamento de um dado concílio
geral pode de fato – com enorme esforço – ser interpretado de um jeito
que talvez seja mais ou menos compatível com a doutrina católica!
Seria rude não admirar os esforços do Dr. Harrison. A mim, eles sabem
a verdadeiro heroísmo. E partem do sólido princípio de que – Harrison
sabe tão bem quanto eu – sem uma tal reconciliação, a Igreja Conciliar
desmorona no chão em detrito e ruína.
Mas era uma tarefa desenganada já desde o início. Que uma obra dessa
pudesse ter sido considerada necessária já era prova de que o Vaticano
II não foi realmente um concílio geral da Igreja Católica. Harrison
estica os antigos ensinamentos pré-Vaticano II o máximo que ele
consegue numa direção liberal e estica a doutrina do Vaticano II o
máximo que ele consegue na direção do Catolicismo, e se convence de
que fez as duas pontas se encontrarem. Não fez.
Ele não fez, porque, em ambos os casos, a interpretação dele é
peculiar a ele próprio. E, em ambos os casos, todo o mundo exceto ele
entendeu e supôs o oposto. Até o Vaticano II, por exemplo, os papas
insistiram enfaticamente no dever das nações de professar a Fé
verdadeira e repreenderam asperamente qualquer nação outrora católica
que malograsse em o fazer. Desde o Vaticano II, porém, os novos
“papas” insistiram, pelo mundo inteiro, que toda nação outrora
católica deveria remover de sua constituição todo sinal de posição
privilegiada para a Fé verdadeira. E eles despiram a liturgia da
Igreja de toda alusão (e havia muitas) ao dogma de que Cristo deve
reinar não somente sobre as almas dos indivíduos mas também sobre os
estados e instituições. Devemos crer realmente que tudo isso dizia
respeito somente a uma questão de conveniência política? No que as
circunstâncias políticas em todas as nações mudaram tão radicalmente
entre 1958 e 1963 que aquilo que era antes grave dever tornou-se, da
noite para o dia, grave pecado?
Devemos realmente crer que Pio IX enganou-se sobre o verdadeiro
significado e aplicação da Quanta Cura e precisava que o Dr. Harrison
lha explicasse? E que João Paulo II enganou-se sobre o verdadeiro
significado do Vaticano II e precisava de Harrison para lho explicar?
E, se João Paulo II aceita a versão Harrison da liberdade religiosa ao
invés das heresias de John Courtney Murray, quando ele vai mostrar
algum sinal disso?
Outro erro flagrante na lei da Igreja Conciliar encontra-se no seu
regime de declarações de nulidade. Os EUA são, é claro, a capital
mundial da declaração de nulidade. Mais da metade dos casamentos
católicos acabam sendo decretados pela Igreja Conciliar como nunca
tendo existido, como tendo sido inválidos e nulos desde o início.
Noutras palavras, o casal não se casou. Eles estavam vivendo em
fornicação. Os filhos deles são bastardos. Ora, ou a Igreja Conciliar
está cooperando, em grande escala, com o adultério ao anular
casamentos sem razão suficiente, destroçando aquilo que Deus uniu; ou
então a Igreja Conciliar não sabe como casar as pessoas validamente
para começar e está cooperando com fornicação em grande escala ao
dizer às pessoas que elas estão casadas quando elas não estão. De um
jeito ou de outro, a mensagem é alta e clara. Os que aprendem com as
leis e prática da Igreja Conciliar estão concluindo que o casamento
sacramental não é um estado permanente que dura até a morte. Isso é
uma heresia.
Um exemplo final. Nós aprendemos que a Igreja ensina, através do seu
Magistério ordinário infalível, não somente pelo que ela diz, como
pelo que ela não diz. Quem cala, consente; certamente quando a Igreja,
durante 40 anos, falha em protestar contra um erro ou um mal notórios
e amplamente difundidos, mesmo universais. Ora, dentre muitas outras,
considere-se apenas a verdade, um tanto importante, da condenação
eterna. Por um único pecado mortal, nós perdemos a vida divina e somos
necessariamente destinados ao Inferno, a não ser que nos arrependamos.
Nosso Senhor Jesus Cristo ensinou essa verdade umas quarenta vezes nos
Evangelhos. Não há quase nada de mais central no Catolicismo. Depois
de dar glória a Deus, a principal tarefa da Igreja é salvar almas.
Salvá-las do quê? Sem o perigo do fogo do Inferno, a Redenção não tem
sentido: o Cristianismo torna-se irrelevante.
Agora considerem o silêncio ensurdecedor da Igreja Conciliar acerca do
Inferno. Considerem o silêncio dela sobre o pecado mortal. Perguntem a
um padre conciliar quando foi a última vez que ele pregou sobre o
Inferno. Perguntem a João Paulo II por que ele devota as encíclicas
dele a centenas de textos visando criar a noção de que a Encarnação
cria um vínculo permanente e indissolúvel entre Cristo e todos os
homens, convidando à noção da salvação universal, e nunca alerta o seu
rebanho para o perigo da condenação. O fato é claro. Pelo seu
silêncio, a Igreja Conciliar nega o Inferno, ao menos como um perigo
real que ameaça os seus membros.
Reverendos Padres, Senhoras e Senhores, se me acompanharam até aqui,
terão visto que a Igreja Conciliar ensina doutrina falsa para os seus
fiéis de maneiras que a Igreja Católica tem a garantia divina de nunca
fazer. A Igreja Conciliar não é, portanto, a Igreja Católica.
Recordem, por favor, que esse argumento não depende, de maneira
nenhuma, da questão da pertinácia: a questão de se, individualmente,
aqueles que ensinam os erros percebem ou não que os seus erros são
contrários à doutrina católica. Cristo prometeu proteger a Sua Igreja
de modo a impedi-la de conduzir os fiéis para o erro ou o perigo para
as suas almas, seja deliberadamente ou por acidente. Semelhantemente,
a minha demonstração não depende, de maneira nenhuma, das distinções
sutis que por vezes se aplicam acerca da qualificação teológica exata
de uma determinada doutrina. Algo do que a Igreja ensina
infalivelmente deve ser crido com fé eclesiástica, não com fé divina.
Negá-lo é pecado grave que acarreta excomunhão, mas provavelmente não
é estritamente heresia. Esse tipo de distinção não tem lugar aqui. A
Igreja mesma não pode ensinar às almas qualquer erro que seja oposto
de qualquer modo ao ensinamento que ela já lhas deu; independentemente
da exata qualificação teológica que pertence à doutrina em pauta. A
Igreja é “a coluna e o firmamento da verdade”. (1 Tim 3,15; nota de
rodapé da Douay-Rheims [a tradução consagrada da Vulgata para o inglês
(ndt)]: “3:15. Porém, se eu tardar, para que saibas como deves portar-
te na casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo, coluna e firmamento
da verdade. A coluna e o firmamento da verdade…. Portanto, a Igreja do
Deus vivo nunca pode defender o erro, nem introduzir corrupções,
superstição, ou idolatria.”)
A razão pela qual a Igreja Conciliar não é a Igreja Católica é
bastante simples. Se alguém professa heresia publicamente, deixa por
esse próprio fato de ser católico. JP2 e os bispos dele fizeram isso.
Vocês ouvirão mais sobre isso do Sr. Lane.
Eu gostaria de concluir voltando às disposições que os bons católicos
são obrigados a ter com respeito à Igreja. Quero citar algumas
palavras do imortal Pe. Faber, em seu livro The Precious Blood [O
Precioso Sangue (ndt)]:
Devemos ser leais à Igreja até em nossos mínimos pensamentos sobre
ela.
Devemos amar os seus caminhos, além de obedecer aos seus preceitos e
crer nas suas doutrinas.
Devemos estimar tudo o que a Igreja abençoa, tudo o que a Igreja
afeta.
A nossa deve ser sempre uma atitude de submissão, não de crítica. Quem
está desapontado com a Igreja, deve estar perdendo a fé, ainda que não
o saiba.
O amor de um homem pela Igreja é o teste mais seguro do seu amor por
Deus. Ele sabe que a Igreja toda é informada com o Espírito Santo. A
vida divina do Paráclito, Seus conselhos, Suas inspirações, Suas
operações, Suas conaturalidades, Sua atração, estão nela por toda
parte.
O dom da infalibilidade é somente uma concentração, o ponto
culminante, a exteriorização solene e oficial, da inabitação do
Espírito Santo na Igreja. Ao passo que ele pede, como a Revelação,
absoluta submissão de coração e alma, todos os arranjos, maneiras e
disposições menores da Igreja pedem submissão, docilidade e reverência
globais, em razão de a Igreja toda ser um templo preenchido com a vida
do Espírito Santo.
—Pe. F. W. Faber Cong. Orat. D.D., op. cit., Burns and Oates, 4.ª ed.
pp. 187-9.
Eu afirmo que nenhum católico tradicional pode adotar essa visão com
relação a João Paulo II e a religião que ele encabeça. A razão está
num fato exposto por um cardeal estrangeiro que esteve nos EUA para o
41.º Congresso Eucarístico, realizado em 1969 na Filadélfia. Ele
disse: “Estamos agora em face do maior confronto histórico pelo qual a
humanidade já passou… Estamos agora encarando o confronto final entre
a Igreja e a anti-Igreja, entre o Evangelho e o anti-Evangelho. Este
confronto está dentro dos planos da divina Providência.”
O nome dele era Karol Cardeal Wojtyla, arcebispo de Cracóvia. É bom
descobrir que concordamos em algo.
Assim concluo minha exposição.
* * *
“Quando alguém ama o Papa, não pára para debater sobre o que ele
aconselha ou exige, para perguntar até onde vai o estrito dever de
obediência e para marcar o limite dessa obrigação. Quando alguém ama o
Papa, não objeta que ele não falou claro o bastante, como se ele fosse
obrigado a repetir no ouvido de cada indivíduo a vontade dele, tão
frequentemente enunciada claramente, não só de viva voz, mas também
por meio de cartas e outros documentos públicos; não põe em dúvida as
ordens dele sob o pretexto – facilmente invocado por todo o mundo que
não quer obedecer – de que elas não emanam diretamente dele, mas dos
que o rodeiam; não limita o campo no qual ele pode e deve exercer a
vontade dele; não opõe, à autoridade do papa, a de outras pessoas, não
importa o quão cultas, que diferem de opinião com o Papa. Ademais, não
importa o quão vasta é a ciência deles, falta-lhes santidade, pois não
pode haver santidade onde há desacordo com o Papa.”

(São Pio X, aos padres da União Apostólica, 18 de novembro de 1912,


AAS 1912, p. 695).
_____________
ÍNDICE
[I. APRESENTAÇÃO]
[1. O que é o sedevacantismo, o que ele não é]
[2. As duas vias para provar a vacância da Santa Sede em nossos dias]
[3. A primeira via de prova do sedevacantismo, em breve silogismo]
[II. DEMONSTRAÇÃO DA PREMISSA MAIOR]
[4. A objeção mais comum dos sedeplenistas]
[5. Origem histórica do litígio]
[6. A incoerência interna da posição sedeplenista]
[7. O Magistério Ordinário Universal é infalível]
[8. O que é o Magistério Ordinário Universal]
[9. Prova do que se acabou de dizer]
[10. A grande fraude teológica, suas vítimas e seu alcance]
[11. O Magistério Meramente Autêntico e o assentimento a ele devido]
[III. DEMONSTRAÇÃO DA PREMISSA MENOR]
[12. Recapitulando a exposição e demonstração da Maior]
[13. A confiança na Igreja, obrigatória mas rara]
[14. Impossibilidade de confiar na Igreja Conciliar]
[15. A liturgia da Igreja Conciliar]
[16. As leis da Igreja Conciliar]
[17. O Vaticano II, a liberdade religiosa e os princípios da reta
hermenêutica]
[18. A destruição do matrimônio pela Igreja Conciliar]
[19. A Igreja Conciliar e o inferno]
[IV. CONCLUSÃO]
[20. Recapitulando a argumentação e notando sua independência das
questões da pertinácia e da exata qualificação teológica]
[21. Voltando às disposições dos bons católicos para com a Igreja e
concluindo]
[22. Apêndice: Amor ao Papa e docilidade católica segundo São Pio X]
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, A Crise Impossível, trad. br. por F. Coelho (São Paulo,
dez. 2009, publicada em: AciesOrdinata.wordpress.com), de: “The
Impossible Crisis”, paper lido durante a 2002 “Sede vacante”
Traditional Catholic Conference, realizada no Turning Stone Resort,
up-state New York, sábado, 6 de julho de 2002, e publicado como uma
série, em quatro partes, no mensário The Four Marks, edições de abr. a
jul. 2009.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Essa entrada foi postada em 5 dezembro, 2009 às 22:53 sob a(s)
categoria(s) Bento XVI, Doutrina, Ecclesia Adflicta, Liturgia, Método,
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6 Respostas para “O texto essencial em tradução inédita”
1. Sandro Pelegrineti de Pontes Disse:

7 dezembro, 2009 às 16:18


Prezado Felipe, salve Maria.

Tinha que ser eu o primeiro a comentar….

O texto é fantástico e a rigor dispensa qualquer consideração. Mas


realço um trecho dele que para mim é de fundamental importância (eu
que nos últimos anos tenho debatido com muitos conservadores que
conhecendo a doutrina católica tradicional entendem ser possível
conciliá-la com o conciliábulo maçonico denominado vaticano II). Eis o
trecho do texto de Daly que destaco:
“Harrison estica os antigos ensinamentos pré-Vaticano II o máximo que
ele consegue numa direção liberal e estica a doutrina do Vaticano II o
máximo que ele consegue na direção do Catolicismo, e se convence de
que fez as duas pontas se encontrarem. Não fez”.
Felipe, eis o ‘xis” da questão no que se refere a (aparentemente) bons
católicos como Alessandro Lima, Taiguara, Jorge Ferraz e muitos outros
não nos acompanharem no combate as teses nefastas defendidas pelo
Vaticano II.

É exatamente por ser possivel tanto “esticamento” que nós nos


dividimos em tantas vertentes. Tivessem sido escritos os

textos conciliares de forma “menos tradicional” e seria muito mais


fácil combatê-los. O problema é que com muita imaginação e jogo de
palavras (além de um “desejar que o concílio esteja certo” que nasce a
partir da premissa maior que a Igreja não pode errar) chega-se a teses
que defendem o concílio como legitimamente concordante com o passado
católico. Infelizmente!

Mas se estes que lhes cito bem como outros se dispuserem a ler este
texto de Daly poderemos construir um caminho diferente aqui no Brasil,
onde mostraremos que não se ajuda a Igreja endossando os que a
destróem, mas ao contrário combatendo-os. A mudança estará nesta
conscientização absolutamente indispensável para que quem sabe os
católicos tupiniquins possam se unir na maior resistência mundial
contra as investidas desta Roma atual, não eterna e passageira,
luciferina e anticatólica, que segue como Dragão destruindo todo o
patrimônio de fé e de moral que foi construido em dois mil anos de
cristianismo.

Que este texto possa ser um divisor de águas em nosso país.


Sandro Pelegrineti de Pontes
2. Antonio Cesar Disse:

9 dezembro, 2009 às 8:14


Caro Felipe Coelho,
Texto Excelente!Um texto que consegue unir o verdadeiro,o bom e o
belo.Merece ser lido.
3. Felipe Coelho Disse:

21 dezembro, 2009 às 1:45


Caríssimo Antonio Cesar, salve Maria Imaculada!
Compartilho plenamente do seu parecer sobre este texto e fico bem
contente que você também pense assim! Vejo, inclusive, que você tomou
a iniciativa de divulgá-lo num desses fóruns católicos da internet com
fama de menos superficial, e não sem render alguma discussão… (v.
fórum “Apologética Católica”, do porkut [não recomendo clicar!],
tópico “A candeia debaixo do alqueire”, comentários 46-73.)
Agora que esfriou o debate lá, estou em posição de fazer algumas
observações aqui. Tomo, então, como ponto de partida o seguinte
comentário ótimo que ali se fez, de autoria do Sr. Paulo Frade (um dos
responsáveis pelo excelente sítio ObrasCatolicas.com), que toca no
ponto central do problema (a falta de acentos, presumo, é por o autor
usar teclado estrangeiro):
« Gostei do texto e aprendi muito com ele. Nao sou um daqueles que
pensam que apenas o magisterio extraordinario atraves de suas
definicoes ex cathedra seja infalivel mas ainda nao havia lido um
texto que explicasse tao bem o que e o magisterio ordinario e
universal.
Devido a crise atual, com o tempo, realmente vamos perdendo a
confianca na Igreja o que nao e nada sadio ja que assim como o texto
citou, ela e a “coluna e sustentaculo da Verdade”. Alguem vai querer
argumentar que na verdade nao perdemos confianca na Igreja mas nos
pastores da Igreja que de um certo modo, principalmente para as
pessoas mais simples, acaba dando na mesma. »
(Paulo Ghetti Frade, 9 dez. 2009, loc. cit. – comentário 57, negrito
meu).
Também eu concordo que este texto é dos que melhor explicam o que é o
Magistério Ordinário Universal, esse importantíssimo dogma de nossa
Fé, em nossos dias, lamentavelmente, tão obscurecido, tanto pelo
liberalismo e pelo modernismo quanto por certo tradicionalismo.
É pena que, na discussão que se seguiu, nem o Prof. Rui Ribeiro
Machado – de quem, pelo pouco que dele já li, confesso que esperava
mais – nem o moderador deste fórum, o Sr. Thiago Santos de Moraes,
seguiram o seu bom conselho, caro Antonio Cesar, e leram o texto
inteiro antes de o pretenderem contestar; do contrário, não teriam
dito os erros que disseram, sobretudo este último, que vejo agora vem
difundindo sem grande contestação, há algum tempo já, verdadeiras
heresias na internet, e passa por tradicionalista!
Eis o que comentou o Prof. Rui Machado:
« O texto é muito grande; e eu não pude lê-lo todo. Mas me parece, em
certo ponto do texto, que John Daly defende que não se pode suspender
o assentimento religioso em relação ao ensinamento do magistério
autêntico, e me parece querer fundamentar essa opinião em teólogos.
Bem, eu tenho uma edição da Synopsis theologiae dogmaticae ad usum
seminariorum, de Tanquerey, e sei que nessa obra ele diz que é
possível, em tese, suspender tal assentimento. E o texto de Arnaldo
Xavier cita muitos outros teólogos a esse respeito. Inclusive, ele
argumenta contra a postura do Cardeal Franzelin (que diz que o
magistério não pode propor erros senão no campo especulativo). A
postura de Franzelin é mencionada no texto de John Daly.
Mas me parece um excelente texto. O texto em que ele trata das
“heresias do Vaticano II” também merece uma tradução, até para que o
ponto de vista de vocês seja melhor conhecido. »
(Rui Machado, 8 dez. 2009, loc. cit. – comentário 49; negritos meus,
itálico do original).
Ora, John Daly não defende isso que o Prof. Rui Machado lhe atribui,
como você bem mostrou a ele, caro Antonio Cesar:
« Falando do Magistério da Igreja:

“Em parte alguma deles, pode ela ensinar erros que se oponham, ainda
que indiretamente, à revelação divina; em parte alguma deles, pode ela
contradizer o que ela sempre ensinou; em parte alguma deles, pode ela
conduzir os fiéis rumo ao erro e o pecado ou para longe da verdade e
da santidade.” [JS DALY]
Falando de erros:

“Possibilidade de erro. O erro não teria como ser uma heresia. A


teoria de que uma encíclica teria a possibilidade de conter uma
afirmação inexata – por não ser infalível em si mesma sob todos os
aspectos – é defendida por alguns poucos, mas está longe de sugerir
que uma encíclica possa ensinar doutrina previamente condenada, possa
desencaminhar as almas. E está longe de sugerir que tal doutrina
errônea em encíclicas possa tornar-se tão habitual que, longe de se
submeterem às doutrinas das encíclicas, os católicos tenham de lê-las
com os seus manuais de teologia abertos no colo, para ver se, por
algum golpe de sorte, o ensinamento delas pode vir a ser ortodoxo…”
[JS DALY]
Não foi dito que não poderia haver erro.
Mas erros, imprecisões,imprudências,todas leves em coisas
remotas,muito longe de constituir algo contra a fé e a moral, é uma
coisa,outra é o que o primeiro trecho afirma,sendo este tipo de “erro”
algo impossível a Santa Igreja.
A Igreja Católica não pode ensinar heresias,propor leis que sejam uma
blasfêmia,incentivar práticas imorais ou contra a fé,etc,etc…ninguém
em sã consciência admitiria isso.
Sugiro novamente a leitura do texto indicado. »
(Antonio Cesar Abdalla Chiaradia, 9 dez. 2009, loc. cit. – comentários
50 e 55; colchetes meus, negrito do original)
A isso, você obteve duas respostas, uma mais surpreendente que a
outra, dos mencionados senhores Machado e Moraes; serão o objeto da
maior parte de minhas críticas a seguir, que dividirei em breves
tópicos, e assim concluo esta introdução e passo à refutação.
1. A CONFUSÃO DE “ORDEM” PAPAL COM “LEI” PAPAL
Comecemos pelo que diz o primeiro, o Prof. Rui Machado, que dá mostra
de ser estudioso sério e capaz de diálogo tanto cortês quanto
profundo, com quem vale a pena, portanto, argumentar. Respondeu ele,
para começar, o seguinte:
« Mas, do mesmo jeito que o Papa pode agredir as almas numa decisão
política, de governo, pode agredi-los quanto à fé também, sem
necessariamente cair em heresia. Esta é a tese de Arnaldo Xavier »
etc.
(Rui Ribeiro Machado, 9 dez. 2009, loc. cit. – comentário 56)
Cumpre notar que esse “Mas” não é exatamente retratação clara do
flagrante erro de interpretação por você apontado, caríssimo Antonio
Cesar… Mas, desta vez, deixemos passar.
Mais importante: ele dá mostra, nesse trecho, de se basear também no
segundo (no comentário dele citado mais acima, ele fizera referência
ao primeiro) dos dois artigos de Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira,
publicados um abaixo do outro na internet, que apareceram
originalmente na revista Catolicismo (nn. 223 e 224) em julho e agosto
de 1969: “Pode haver erro em documentos do Magistério?” e “Resistência
pública a decisões da autoridade eclesiástica”, ambos posteriormente
incluídos – se me perdoam esta como “nota de rodapé” inserida aqui –
na sua célebre obra Considerações sobre o “Ordo Missae” de Paulo VI
(mimeografado para o autor, São Paulo, junho de 1970, xx+169 pp.),
respectivamente, às pp. 53-59 e 67-77, capítulos IX e XI, da primeira
das duas partes em que se divide o livro, intitulada “A Hipótese
Teológica de um Papa Herege”.
Com efeito, num comentário do Prof. Rui Machado feito alhures, que
citarei noutro ponto mais à frente (quando contarei como cheguei a
ele), são mencionados novamente esses dois artigos, a esse mesmo
respeito, assim concluindo (negrito e colchetes meus):
« …Arnaldo Xavier da Silveira mostra que esses mesmos teólogos [que
admitem nalguns casos a suspensão do assentimento interno] não estavam
dispostos a ceder no que se tratava do assentimento externo, ou seja,
do silêncio obsequioso, que se deve guardar, “mesmo no caso em que o
contrário fosse verdadeiramente evidente” (Mors). Arnaldo Xavier, em
seu trabalho, não nega que esse assentimento externo não deva ser
quebrado, em questões menores, como as de caráter especulativo, mas
que uma resistência pública aos decretos da Santa Sé somente teria
justificativa, quando a decisão da autoridade acarretasse um “perigo
próximo para a fé” ou quando constituísse uma “agressão às almas”
(expressão de São Roberto Belarmino). »
(Rui Ribeiro Machado, comentário de 29 de maio de 2009, em:
http://apologetica.ning.com/xn/detail/2616359:Comment:5587)
Enfim, que pensar disso?
Nada melhor, a meu ver, que aproveitar a ocasião para dedicar ao Prof.
Rui Machado a última tradução que acabo de publicar neste meu pobre e
pequenino blogue, motivado por esta discussão, de um brevíssimo estudo
do Pe. Cekada provando que a citação de São Roberto Bellarmino a que
se faz referência não diz aquilo que os tradicionalistas costumam
fazê-la dizer:
http://aciesordinata.wordpress.com/2009/12/19/textos-essenciais-em-
traducao-inedita-xxiii/
Penso que, se me fizer a honra de ler ao menos essa tradução, bem mais
breve que a outra, o Prof. Rui Machado não repetiria mais, doravante,
o que disse nas duas últimas citações que acabamos de ler dele…
Acrescente-se somente a seguinte precisão, que traduzo de estudo de
dez anos mais tarde, do mesmo autor sobre o mesmo assunto, onde ele
refuta o erro que também me salta aos olhos nisso que citei do
professor do Rio de Janeiro baseado em Arnaldo Xavier, erro que
consiste em não distinguir entre ordens (praecepta) e leis (leges)
más:
“1. Ordens Más, não Leis Más. Os tradicionalistas realmente ‘resistem’
às doutrinas falsas (por ex., sobre o ecumenismo) e leis más (por ex.,
a Missa Nova) promulgadas pelos papas pós-conciliares. Mas, na famosa
citação, Bellarmino trata de um caso completamente diferente: ele foi
questionado sobre um papa que ataca alguém injustamente, perturba a
ordem pública, ou ‘tenta matar as almas por seu mau exemplo’ (animas
malo suo exemplo nitatur occidere). Em sua resposta, ele diz: ‘é
lícito resistir a ele não fazendo o que ele ordena’ (…licet, inquam,
ei resistere, non faciendo quod jubet). Essa linguagem descreve um
papa que dá maus exemplos ou ordens, ao invés de – como seria o caso
com Paulo VI ou seus sucessores – um papa que ensina erro doutrinário
ou impõe leis más. Isso fica claro a partir do capítulo 27 do livro do
Cardeal Caetano De Comparatione Auctoritatis Papae et Concilii, que
Bellarmino imediatamente cita como apoio à sua posição. Primeiro, em
seu título para o capítulo 27, Caetano diz que ele vai discutir um
tipo de ofensa papal ‘diferente da heresia’ (ex alio crimine quam
haeresis). A heresia, diz ele, altera completamente o status de um
papa como cristão (mutavit christianitatis statum). É o ‘crime máximo’
(majus crimen). Os outros são ‘crimes menores’ (criminibus minoribus)
que ‘não são equivalentes’ (cetera non sunt paria [ed. Roma: Angelicum
1936] 409). Nem Bellarmino nem Caetano, portanto, referem-se a
‘resistir’ aos erros doutrinários de um papa ao mesmo tempo que
continuando a considerá-lo verdadeiro papa. Segundo, durante o De
Comparatione, Caetano fornece exemplos específicos dos maus atos
papais que justificam essa resistência da parte dos súditos: ‘promover
os maus, oprimir os bons, comportar-se como um tirano, encorajar
vícios, blasfêmias, avarezas, etc.’ (356), ‘se ele oprime a Igreja, se
ele assassina as almas [pelo mau exemplo]’ (357), ‘dissipar os bens
[da Igreja]’ (359), ‘se ele age manifestamente contra o bem comum da
caridade para com a Igreja Militante’ (360), tirania, opressão,
agressão injusta (411), ‘destruir publicamente a Igreja’ pela venda de
benefícios eclesiásticos e barganha de ofícios (412). Tudo isso
envolve ordens (praecepta) más, só que ordens más não são a mesma
coisa que leis (leges) más. Uma ordem é particular e transitória; lei
é geral e é estável. (Para uma explicação, ver R. NAZ, ‘Précepte’,
Dictionnaire de Droit Canonique, [Paris: Letouzey 1935-65] 7:116–17).
O argumento de Bellarmino e Caetano justifica somente resistir às
ordens más de um papa (digamos, vender o cargo de pastor de uma
paróquia a quem oferecer o melhor lance). Não dá apoio à noção de que
um papa, enquanto ele ainda retém a autoridade de Jesus Cristo, pode
(por exemplo) impor uma Missa sacrílega e protestantizada à Igreja
inteira, cujos membros podem então ‘resistir’ a ele, ao mesmo tempo
que continuando a reconhecê-lo como verdadeiro papa.”
(Pe. Anthony CEKADA, The Bellarmine ‘Resistance’ Quote: Another
Traditionalist Myth [A citação de Bellarmino da ‘resistência’: mais um
mito tradicionalista], St. Gertrude the Great Newsletter [Circular de
notícias da igreja de Santa Gertrude, a Grande], outubro de 2004,
negrito meu, itálicos e comentários entre colchetes do original).
Sobre o mais que objeta o Prof. Rui Machado, veremos adiante, no item
3.
2. A HERESIA DA “IGREJA QUE ENSINA A PECAR”
Antes, porém, convém passar à segunda reação àquele seu excelente
comentário, caro Antonio Cesar, que foi a reação do Sr. Thiago Santos
de Moraes, simplesmente escandalosa:
« “A Igreja Católica não pode ensinar… incentivar práticas imorais…”
[Antonio Cesar]
Foi exatamente isso que o grande Pio IX fez no caso de Eugênio
Mortara: incentivou uma imoralidade. »
(Thiago Santos de Moraes, 10 dez. 2009, loc. cit. [tópico “A candeia
debaixo do alqueire” do fórum “Apologética Católica” do orkut] –
comentário 64, grifo e colchetes meus)
Ora, o que pode significar essa contraposição do “caso Mortara” à
afirmação de meu amigo Antonio Cesar (fundada na conferência de J.S.
Daly), senão que, para o Sr. Thiago Moraes, “A Igreja PODE ensinar ou
incentivar práticas imorais”?! Só que isso é claríssima HERESIA:
“…é DE FÉ que a Igreja só pode mostrar um caminho de vida conforme ao
Evangelho; donde concluímos, aplicando: impossível que uma lei
disciplinar universal [por exemplo: o rito romano da liturgia (F.C.)],
uma regra religiosa definitivamente aprovada, contrariem o Evangelho.
Impossível também que um santo canonizado não tenha vivido
cristãmente.”
(Mons. Dr. Maurílio Teixeira-Leite PENIDO, Iniciação teológica – vol.
I: O mistério da Igreja, 2.ed., Petrópolis: Vozes, 1956, p. 291,
grifos meus).
Nem se argumente que o exemplo dado pelo Sr. Thiago Moraes não tem
cabimento (e concordo que, de fato, não tem nenhum!), seja porque Pio
IX não feriu realmente a moral no caso Mortara (vide qualquer manual
de apologética que trate do ocorrido), seja porque não se poderia
atribuir à Igreja assim, sem mais, esse ato do Papa Pio IX: o fato é
que, para ele, moderador da “Apologética Católica” do orkut, trata-se
aí, sim, de um caso de incentivo à imoralidade por parte da Igreja, do
contrário não teria contraposto esse exemplo infeliz à afirmação
citada, entre aspas, imediatamente antes!
E a citação do Padre Penido é especialmente apropriada se se nota que,
no mesmo comentário herético que acabo de citar e refutar do Sr.
Thiago Moraes, ele segue recomendando, logo em seguida, sobre o tema
do dever de assentimento ao Magistério, um artigo seu que termina,
justamente, com duas citações do Pe. Penido, e deste mesmo livro!
« “A Igreja Católica não pode ensinar… incentivar práticas imorais…”
[Antonio Cesar]
Foi exatamente isso que o grande Pio IX fez no caso de Eugênio
Mortara: incentivou uma imoralidade.
——-
“De qualquer modo,como bem cita o texto de John Daly, Pio XII
disse:”Nem se deve pensar que aquilo que é apresentado nas cartas
encíclicas não exige por si só o assentimento, sob alegação de que ao
escrever tais encíclicas os Pontífices não exercem a suprema
autoridade do seu Magistério. Pois essas matérias são ensinadas pelo
Magistério ordinário, acerca do qual as palavras ‘Quem vos ouve a Mim
ouve’ (Lc 10,16) também se aplicam.” [Antonio Cesar]
Isso tá mais do que respondido:
http://apologetica.ning.com/forum/topics/a-funcao-da-epiclese-e-o-
caso?commentId=2616359%3AComment%3A1022 »
(Thiago Santos de Moraes, 10 dez. 2009, loc. cit. – comentário 64,
grifo e colchetes meus)
Voltarei a este link dentro em pouco, onde fico espantado de encontrar
nova heresia do Sr. Thiago Moraes, sobre a infalibilidade do
Magistério Ordinário Universal!
Antes, porém, seja-me permitido aproveitar a menção do Pe. Penido,
para citar mais alguns breves pontos desta obra do maior teólogo
brasileiro, que corroboram o que afirma o Sr. Daly e que foi posto em
litígio pelos senhores Thiago e Rui.
3. SETE CITAÇÕES DO Pe. PENIDO QUE CORROBORAM O ARGUMENTO DE JOHN DALY
Pois, voltando ao Prof. Machado, ter-se-á notado que deixei de
comentar um ponto de suas críticas, de que só citei um passo e que se
estendem um tanto mais longamente: o que parece insinuar (se bem
entendo) que a infalível segurança, por assim dizer, do ensinamento e
leis da Santa Igreja, ainda quando não garantidos pela máxima
assistência divina, seria tese de um que outro teólogo maximalista!
Chegou o momento de ver quanto vale também essa objeção, para o que,
evitarei entrar em questões de exegese dos textos dos Cardeais Billot
e Franzelin (que nos permitiriam verificar se sua descrição, por
Arnaldo Xavier, não sofre porventura de defeito semelhante ao que
acabamos de constatar na sua utilização da “citação da resistência” do
Santo Cardeal Bellarmino), discussão esta que nos levaria demasiado
longe, pois me parece mais do que suficiente, como refutação, mostrar
que uma autoridade reconhecida por todos, o Padre Penido, ensina
praticamente o mesmo que diz o autor de “A Crise Impossível”, no ponto
que foi questionado.
Eis, assim, mais sete breves citações do Padre Penido, que servem
também para reforçar a refutação da tese herética e blasfema (ainda
que inadvertidamente tal) da “Igreja pecadora” – mais: da “Igreja
corruptora”! – de Thiago Santos de Moraes (destaques meus em negrito e
maiúsculas; itálico do original):
(Mons. Dr. Maurílio Teixeira-Leite PENIDO, Iniciação teológica – vol.
I: O mistério da Igreja, 2.ed., Petrópolis: Vozes, 1956, pp. 292-324,
grifos meus):
1) “Além da pregação do episcopado conjunto ao Papa, manifestam o
ensinamento do Magistério ordinário universal [= infalível (F.C.)]: a
sagrada liturgia (Enc. Mediator Dei, nn. 41-44), o consenso dos Santos
Padres, dos teólogos e do povo cristão. Padres e teólogos não
pertencem à Igreja docente (salvo quando pessoalmente ungidos da graça
episcopal). Todavia, se estão concordes em afirmar que uma doutrina é
revelada, falam na qualidade de testemunhas da fé da Igreja (Denz., n.
1683 [Pio IX]). Errassem eles no seu ensinamento, e seriam EM SEGUIDA
censurados pelo Papa e os Bispos. É impossível que a Igreja docente
aprove – posto que tacitamente – um erro geral.” (Ibid., p. 292, com
as notas 58 e 59 incorporadas ao texto).
2) “Nem basta acolher este ensinamento com um silêncio respeitoso;
impõe-se uma adesão intelectual (Denz., nn. 1350 [Clemente XI], 2007
[S. Pio X]). Dando-a, nossa piedade filial se curva a Cristo, que
conferiu autoridade sobre nós à sua Esposa. Assim, embora essa
modalidade de ensino não esteja garantida, de maneira absoluta, contra
o erro, SEMPRE acertamos, aceitando-a com docilidade, porque rendemos
homenagem ao Senhor Jesus, nosso Mestre. À primeira vista, parece
estranha essa adesão interna a uma doutrina, afinal de contas,
passível de reforma. Guarde-se silêncio: é questão de disciplina; mas,
que se dê assentimento verdadeiro, espanta. Atentemos todavia em que,
frequentes vezes, um sábio admite, como cientificamente certas,
doutrinas que, mais tarde, novas descobertas obrigá-lo-ão a abandonar.
Nem essa atitude se lhe afigura como incoerente. Com efeito, ao
assentir, o sábio subentendia uma condição: ‘certa – no estado atual
da ciência’. De modo semelhante, quando o Santo Ofício ou a Comissão
bíblica publicam um decreto com sanção pontifícia, devemos admitir-lhe
a doutrina como certa – no estado atual da teologia ou da exegese
católicas.” (Ibid., p. 294-295).
3) “Em relação ao Magistério eclesiástico, a ÚNICA atitude condizente
com a qualidade de católico é a obediência aquiescente. Quando a
Igreja propõe a fé, podemos chamar essa obediência de ‘teologal’,
porque, de fato, obedecemos imediatamente a Deus. (A Igreja, já foi
dito, é mensageira e não autora da Revelação). Quando aceitamos o
ensinamento não infalível, poderia nossa obediência ser denominada
‘eclesiástica’, pois então é a própria autoridade da Igreja que motiva
nosso assentimento. Não mais ouvimos a voz do Esposo, senão a da
Esposa (porém da Esposa guiada pelo Esposo). E embora o Magistério
possa errar neste ou naquele caso particular, podemos todavia
atribuir-lhe uma infalibilidade ‘global’, porque, em conjunto, tais
decisões são verídicas e santificantes. Cristo Jesus está com a Igreja
não apenas quando ela define o dogma e a moral, senão ‘todos os dias’
(Mt 28, 20). Muito melhor do que ‘obediência eclesiástica’, diríamos
‘docilidade filial’.” (Ibid., p. 300).
4) “Filial docilidade, acrescentamos: não aquiescência automática e
forçada, como a de soldados, mas aceitação afetuosa e grata, como
ouvimos a uma Mãe muito querida. De quanta perplexidade nos livra o
ensinamento da Santa Madre Igreja!” (Ibid., p. 301).
5) “Possível é o erro, em compensação, no que se refere a decisões
menos importantes e gerais. Porém, ainda aqui devemos crer que a
‘assistência’ divina não falta. As diretivas eclesiásticas serão
acertadas, o mais das vezes. Já aludimos a certa ‘infalibilidade
global’, entendendo por aí que o governo da Igreja é de tal forma
dirigido pelo Espírito Santo que, em conjunto, leva ao estabelecimento
do Reino de Deus sobre a terra, em que pesem os enganos ou
deficiências pessoais deste ou daquele hierarca. A crença na
‘assistência’ do Espírito Santo confere a nossa obediência de fiéis um
caráter religioso. Obedecendo aos pastores, obedecemos ao Espírito que
os constitui Bispos, para governarem a Igreja de Deus (At 20, 28). Mas
podem errar? – Seja. Em última análise, Deus saberá tirar o bem do
mal. De qualquer forma foi Deus servido permitir aquele erro.” (Ibid.,
p. 308).
6) “De pouco valeria, houvesse Cristo confiado a sua Igreja dogma
profundo e sublime moral, se ela malograsse na aplicação COTIDIANA
desse dogma e dessa moral; se não conseguisse praticamente afastar
seus filhos do mal e encaminhá-los ao bem.” (Ibid., p. 309).
7) “O Magistério quando não ensina com autoridade imediatamente divina
mas com simples autoridade PASTORAL, não é absolutamente infalível v.
g. o Papa falando sem intenção de definir. Devemos a tais
ensinamentos, não já adesão de fé mas assentimento interno, filial,
por ser tal magistério também assistido pelo Espírito Santo, embora
não de maneira absoluta. Maior ou menor a obrigação de assentir,
segundo o Magistério urge mais ou menos a aceitação da verdade ou a
repulsa do erro. Em conjunto, tais decisões da Igreja são verídicas e
santificantes.” (Ibid., p. 324).
Deixo ao leitor a ingrata tarefa de verificar se essa sã doutrina pode
ou não ser aplicada ao magistério e governo da Igreja Conciliar, e
qual a consequência necessária de sua evidente inaplicabilidade: não é
outra que a conclusão da conferência de John S. Daly demonstrando o
sedevacantismo.
4. SEGUNDA HERESIA DO Sr. T.S.M.: A DE QUE NÃO BASTARIA A
UNIVERSALIDADE SINCRÔNICA PARA A INFALIBILIDADE DO M.O.U.
Como já disse, segui o link indicado pelo Sr. Thiago Moraes, como apto
a “responder” a um ponto de John Daly citado por você, caro Antonio
Cesar. E lá encontrei, entre outras coisas, a seguinte afirmação:
“Também os Bispos, quando falam isoladamente ou em conjunto, podem
errar – a menos que, em Concílio ou fora dele, definam um dogma, em
forma solene, com o Sumo Pontífece [sic].”
(Thiago Santos de Moraes, E a indefectibilidade da Igreja?, Comentário
de 26 dez. 2008 ao tópico “A função da Epiclese e o caso da Anáfora de
Addai e Mari”, do fórum Apologetica.ning.com, em:
http://apologetica.ning.com/xn/detail/2616359:Comment:1022).
Ora, simultaneamente à discussão suscitada por você, Antonio Cesar,
acontecia outro debate sobre tema afim, de que por isso não pude
deixar de tomar conhecimento, no qual o Sr. Thiago Moraes fez a
seguinte recomendação, no mesmo dia em que proferia aquela heresia
refutada acima, recomendação esta que me ajudou muito a entender a
origem de seus graves erros sobre a infalibilidade da Igreja Católica:
“Alfredo, para você aprofundar os estudos sobre o Magistério infalível
do Papa sugiro a leitura deste tópico:

http://apologetica.ning.com/forum/topics/ideias-claras-sobre-o”
(Thiago Santos de Moraes, fórum “Apologética Católica”, do [p]orkut,
tópico “Plenitudo Potestatis”, comentário 8, 10 dez. 2009.)
Novamente, seguindo a indicação dele de link, encontro afirmação ainda
mais explícita do erro que logo refutarei (destaque meu em
maiúsculas):
“Magistério universal ordinário infalível da Igreja (continuidade do
ensino do Papa + bispos NO TEMPO e no espaço em matéria de fé ou
moral);”
(Thiago Santos de Moraes, Idéias claras sobre o Magistério infalível
do Papa: entre a desobediência e a servilidade, no seu fórum
Apologetica.ning.com, postagem de 26 de maio de 2009, em:
http://apologetica.ning.com/xn/detail/2616359:Comment:5321).
Meu único consolo é que, desta vez, o Prof. Rui Machado viu bem o erro
e tentou corrigi-lo (infelizmente sem sucesso), recordando ao
moderador do fórum a doutrina correta:
“A respeito do magistério ordinário universal dos bispos também não é
necessário que este se insira numa continuidade de declarações. De
acordo com o entendimento dos teólogos, este magistério se dá quando
os bispos, unidos entre si e com o Papa, propõem uma doutrina, fora de
um concílio ecumênico.”
(Rui Ribeiro Machado, na sequência do loc. cit. no comentário
anterior, em 29 de maio de 2009:
http://apologetica.ning.com/xn/detail/2616359:Comment:5587).
Muito bem dito! Exceto por este inciso final (“fora de um concílio
ecumênico”), sobre o qual se poderia debater, mas que não tem maior
consequência para a verdade central aí exprimida, trata-se aí de
formulação direta e concisa de uma verdade fundamental, que nenhum
católico pode negar. E, no entanto, o fato de o Sr. Thiago Moraes não
se ter retratado ou corrigido, mas de continuar indicando seus artigos
com a heresia aí refutada otimamente por Rui Machado, mostra que
Thiago Moraes não se convenceu de seu erro.
Vejamos se não tenho mais sucesso; para esse fim, citarei três
excertos de outro texto que traduzi (este ainda não publicado) do Sr.
John Daly, que a meu ver refutam esse grave erro, ou melhor heresia,
da maneira mais satisfatória que já encontrei (acrescento que as
citações a seguir independem, em seu núcleo, do contexto polêmico em
que se encontram, referente à infalibilidade do Vaticano II se Montini
fosse papa):
« 4. Outros escapistas, não querendo falsificar fatos facilmente
verificáveis sobre o próprio Concílio [Vaticano II], preferiram
alterar alegremente a doutrina católica. Eles alegam, em particular,
que o Magistério Ordinário e Universal é infalível somente quando o
ensinamento que ele propõe, não somente é ensinado por todos os bispos
num dado momento, mas pode-se também demonstrar ter sido ensinado por
eles ao longo de um período muito extenso. Para justificar essa
alegação, eles apelam ao famoso “Cânon Vicentino” ou pedra de toque da
doutrina tradicional: “O que foi crido sempre, em toda parte e por
todos.” Essa exigência é também útil para quem nega o ensinamento da
Igreja de que o Batismo “in voto” (por desejo) pode ser suficiente
para a justificação e, portanto, para a salvação.
Mas a exigência é de fato herética! O ensinamento do Concílio do
Vaticano, de 1870, sobre o tema é dogmático e claro, e qualquer dúvida
de interpretação é resolvida pela consulta às discussões conciliares.
O termo “universal” implica em universalidade local, não de tempo. Em
termos técnicos, é a universalidade sincrônica, não a universalidade
diacrônica, que condiciona a infalibilidade. O que foi crido sempre e
em toda parte é infalivelmente verdadeiro, mas o ensinamento pode ser
infalivelmente verdadeiro sem ter sido explicitamente crido sempre e
em toda parte. O ensinamento presente da suprema autoridade docente da
Igreja, seja expresso num juízo solene ou por atos ordinários, é
necessariamente infalível e, portanto, bem incapaz de apresentar
doutrina falsa ou nova, embora possa tornar explícito o que foi até
então implícito ou trazer certeza ao que caiu em dúvida. Se doutrina
flagrantemente falsa é ensinada em condições que deveriam garantir a
infalibilidade, é não somente a novidade o que deve ser rejeitado, mas
a autoridade que a impõe também, pois a legítima autoridade não pode
errar em casos tais, e o erro descarado é, portanto, prova certa de
ilegitimidade. »
(J.S. DALY, “O Vaticano II Ensinou Infalivelmente? O Magistério
Ordinário e Universal”, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2009,
[a ser publicado proximamente em:] AciesOrdinata.wordpress.com,
negritos meus).
E, dado que “qualquer dúvida de interpretação é resolvida pela
consulta às discussões conciliares”, como acaba de ser dito, vale
citar a esse respeito, do mesmo artigo, o trecho seguinte, que trata
justamente do que foi elucidado nas referidas discussões e o respalda
ainda pelo ensinamento dos Papas Pio IX e Pio XII (negrito meu,
itálicos do original):
« Dever-se-ia notar também que, quando os Padres do Concílio do
Vaticano, de 1870, discutiam o esquema da Dei Filius antes da votação,
foram levantadas questões sobre o sentido da palavra “universal” na
expressão “Magistério Ordinário e Universal”, e o relator oficial do
Concílio, o Bispo Martin, remeteu-os à Tuas Libenter (de 21 de
dezembro de 1863), do Papa Pio IX. Esse documento (Denzinger 1679-84)
esclarece magnificamente bem as obrigações dos fiéis quanto aos atos
pelos quais os representantes da Igreja docente comunicam-lhes a
doutrina. Eis a parte mais relevante, que confirma as palavras de Dom
Martin:
“Mesmo em se tratando somente da submissão que se deve prestar pelo
ato de fé divina, esta não pode ser limitada àquilo que foi definido
pelos decretos expressos de concílios ecumênicos ou pelos decretos
desta Sé, mas deve ser estendida também àquilo que é transmitido como
divinamente revelado pelo Magistério Ordinário da Igreja inteira
espalhada pelo mundo…” (Denzinger 1683).
Assim, o “Magistério Ordinário e Universal” designa o poder de ensinar
do papa e bispos do mundo inteiro juntos. Nenhum tipo especial de
ensinamento é exigido. Nem é necessário que o ensinamento seja dado ao
longo de um extenso período de tempo. Se a autoridade docente
universal, i.e. o papa e os bispos com unanimidade moral, transmitem
aos fiéis um ensinamento como revelado, os fiéis são obrigados, sob
pena de heresia, a crer com fé divina nessa doutrina. É uma negação do
significado certo desse dogma rejeitar algum ensinamento que o papa e
os bispos estejam transmitindo aos fiéis hoje sob pretexto de que o
mesmo consenso não pode ser encontrado no passado.
[...]
É a doutrina padrão dos teólogos e é afirmada muito claramente, de
fato, pelo Papa Pio XII num ato do Magistério Extraordinário, a
constituição Munificentissimus Deus definindo a Assunção de Nossa
Senhora Santíssima. Fazendo referência às declarações dos bispos do
mundo feitas antes de o dogma ser promulgado, o Papa diz:
“A singular concordância dos bispos e fiéis católicos em afirmar que a
Assunção corpórea ao céu da Mãe de Deus podia ser definida como dogma
de fé, dado que nos mostra a doutrina concorde da autoridade doutrinal
ordinária da Igreja e a fé concorde do povo cristão que aquela
autoridade doutrinal sustenta e dirige, manifesta, portanto, por si
mesma e de modo inteiramente certo e infalível, que tal privilégio é
verdade revelada por Deus e contida no depósito divino que Jesus
Cristo confiou à sua Esposa para o guardar fielmente e infalivelmente
o ensinar. (…) Por essa razão, do consenso universal do magistério da
Igreja deduz-se prova certa e segura para demonstrar que a Assunção
corpórea da Bem-aventurada Virgem Maria (…) é verdade revelada por
Deus, e por essa razão todos os filhos da Igreja têm obrigação de a
crer firme e fielmente. Pois, como afirma o Concílio Vaticano, “temos
obrigação de crer com fé divina e católica todas as coisas que se
contêm na palavra de Deus escrita ou transmitida oralmente, e que são
propostas pela Igreja, seja por solene definição ou pelo seu
magistério ordinário e universal, para crer como reveladas por Deus”.”
(Itálico acrescentado). »
(J.S. DALY, “O Vaticano II Ensinou Infalivelmente? O Magistério
Ordinário e Universal”, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2009,
[a ser publicado proximamente em:] AciesOrdinata.wordpress.com,
negritos meus).
E fique destarte impugnada de vez, assim espero e rezo, a referida
“exigência herética” para a infalibilidade do Magistério Ordinário e
Universal, deploravelmente ainda comum entre tradicionalistas de
nossos dias. (Só resta implorar, por caridade, que não se me force a
refutar também, como confirmação, aquele absurdo estudo de Hirpinus em
que se baseou o Sr. Thiago Moraes…)
5. TERCEIRO GRAVE ERRO: A ORTODOXIA DO ENSINAMENTO COMO CRITÉRIO, EM
VEZ DE CONSEQUÊNCIA, DA INFALIBILIDADE
Rapidamente, antes de terminar esse comentário que já vai longo (mas
quero crer que didático, para quem tiver a paciência, espero movida
pelo amor à ortodoxia, de chegar até aqui), um último grave erro a
refutar, intimamente relacionado com os que acabamos de dissipar com a
luz da sã doutrina explicada com maestria pelo Pe. Penido e pelo Sr.
John S. Daly.
Esse derradeiro erro (também comum entre tradicionalistas) de que o
Sr. Thiago Santos de Moraes se faz autêntico paladino em seus fóruns,
onde “trabalha” a doutrina para “aprofundá-la”, aparece claramente no
seguinte diálogo, genuinamente, surreal (novamente, vemos o Prof. Rui
Ribeiro Machado tentando converter o seu amigo à sã doutrina, sem
sucesso):
« T.S.M.: — “O Papa tem a última palavra no que se refere à fé ou
moral, mas, ao mesmo tempo, tem esse poder limitado pela Revelação
como vista pelo Magistério infalível anterior. Os dois pólos interagem
direto; aliás, sem essa interação o que o Papa diz não passaria de
opinião comum. Portanto, o Papa só detém a última palavra enquanto
fiel servidor do Senhor. A última palavra do Sumo Pontífice é sempre
condicionada.” (comentário 6, de 9 dez. 2009.)
R.R.M.: — “Thiago, eu não vejo possibilidade do Papa fazer uma
declaração “ex cathedra” que contrarie a Revelação e essa ficar
reduzida apenas a uma opinião comum, destituída de valor. Mesmo num
pronunciamento não infalível, ele nunca pode emitir uma opinião
contrária à Revelação, sem que haja uma grave consequência. Eu penso
que, se fizer tal declaração, ele torna-se simultaneamente um herege.
Nesse caso, não há mais Papa, pois tornou-se um herege público. De
todo modo, um verdadeiro Papa jamais fará uma declaração dessas, pois
o Vaticano I definiu que o verdadeiro Papa sempre é infalível quando
fala “ex cathedra”.” (comentário 10, de 11 dez. 2009.)
T.S.M.: — “Não, ele não se torna herege porque para alguém ser herege
é necessário mais do que falar ou proclamar uma heresia.

E o Vaticano I não definiu que o Papa é sempre infalível quando dala


“ex cathedra”, definiu que quando ele fala “ex cathedra” ele pode ser
infalível. E bem verdade que se ele não fala respeitando a Revelação e
o Magistério infalível anterior ele, de fato, não está falando “ex
cathedra”, mas um pronunciamento assim pode ter a aparência de “ex
cathedra”, por isso escrevo como escrevi. Não dá para ficar explicando
as coisas no estilo: – Ele é infalível quando fala “ex cathedra” e
fala “ex cathedra” quando é infalível. E quando eu falei que a opinião
dele se torna uma opinião comum num caso assim não foi para dizer que
dela não se tire conseqüências, mas que ela não representará mais o
exercício do Magistério papal.” (comentário 11, de 11 dez. 2009.) »
(Thiago Santos de Moraes, fórum “Apologética Católica”, do orkut,
tópico “Plenitudo Potestatis”, comentários 6 e 11, de 9 e 11 dez.
2009, negritos meus.)
Desta última citação do Sr. Thiago Moraes depreende-se com clareza
meridiana o erro exato que é refutado magistralmente a seguir, num
último excerto daquele artigo ainda não publicado cuja tradução citei
no item anterior:
« 6. Isso nos traz à tentativa final de evadir a conclusão óbvia: a
alegação perfeitamente exasperante, endêmica [entre tradicionalistas],
de que para o ensinamento ser infalível ele precisa ser ortodoxo, e,
portanto, que o ensinamento do Vaticano II não pode ser infalível.
Isso é verdadeiro, claro, no sentido de que nenhuma expressão de erro
flagrante pode ter sido protegida pela infalibilidade. Mas é
desastrosamente falso se é usado para fazer da ortodoxia da doutrina
ensinada uma condição para a intervenção protetora do Espírito Santo
que chamamos de infalibilidade, ou um parâmetro pelo qual os fiéis
possam julgar o que é infalível e o que não é. A ortodoxia garantida
de um dado ensinamento é uma consequência da sua infalibilidade. Não
pode ser um critério para detectar essa infalibilidade. Isso
destruiria todo o propósito da infalibilidade. Os fiéis não seriam
mais capazes de reconhecer a sã doutrina pelo fato de ela ter sido
ensinada pelo papa e os bispos em união. Eles teriam de avaliar o
ensinamento do papa e bispos à luz de um critério de ortodoxia
extrínseco e não-infalível. Eles não mais seriam dóceis súditos do
Magistério, mas os juízes dele e, portanto, superiores a ele.
Concedido que as doutrinas do Vaticano II são falsas e perniciosas e,
portanto, não foram protegidas pela infalibilidade. A questão aí
surge: por que não? Que elas são falsas não é uma resposta a essa
questão. Estamos perguntando por que o Espírito Santo não as protegeu
evitando que fossem falsas.
Os fatos mostram que as condições para a infalibilidade foram
aparentemente cumpridas, pois os bispos de 7 de dezembro de 1965 sob
Paulo VI foram moralmente unânimes em apresentar à Igreja o
ensinamento deles sobre fé e moral como definitivo e a ser crido como
consequência da própria revelação divina. Se eles não foram, na
realidade, infalíveis, isso só pode ser porque o sustentáculo do
consenso deles, a autoridade de um verdadeiro bispo de Roma, estava
faltando. »
(J.S. DALY, “O Vaticano II Ensinou Infalivelmente? O Magistério
Ordinário e Universal”, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2009,
[a ser publicado proximamente em:] AciesOrdinata.wordpress.com,
negritos meus).
E assim conclui-se a refutação desses erros e heresias tipicamente
tradicionalistas num de seus mais expressivos expoentes brasileiros, o
moderador do fórum “Apologética Católica” do orkut-ning Sr. Thiago
Santos de Moraes. Quisera que ele tomasse para si, sobre estes
assuntos de Magistério, a excelente recomendação que faz num de seus
fóruns, a respeito de outro tema doutrinário:
“Todos podem cometer erros, por isso devemos estudar. O tema … é muito
delicado e demanda estudo de alguém que pretenda emitir opinião sobre
ele. Infelizmente, hoje em dia, as pessoas gostam de falar sobre tudo
sem se dar o mínimo trabalho na busca do conhecimento.”
(Thiago Santos de Moraes, tópico “Eutanásia, distanásia e
ortotanásia”, comentário de 10 dez. 2009, em:
http://apologetica.ning.com/xn/detail/2616359:Comment:11570).
Enfim, isso é tudo o que eu tinha a dizer sobre o tema central do
debate, caríssimo Antonio Cesar, a quem sou muito grato por ter-me
proporcionado ocasião de recordar e tentar elucidar esses tão mal
conhecidos dogmas de nossa Santíssima Religião.
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
P.S. — Se não estivesse sobrecarregado de trabalho nesses dias que
antecedem o Natal e no começo do ano novo, continuaria escrevendo esta
resposta nos próximos dias, incluindo nela a refutação às duas
objeções feitas pelo Sr. Paulo Frade, que são honestas e inclusive já
foram as minhas, bem como a refutação do tristemente célebre artigo de
Hirpinus, que pude reestudar detidamente neste fim de semana e que
muito provavelmente está na origem dos erros do Sr. Thiago Moraes (o
herético e obscuro “Ideias Claras sobre o Magistério etc.” supracitado
é basicamente digitação desse artigo praticamente inteiro, acrescida
de alguns poucos enxertos e ressalvas). Como, porém, nenhuma daquelas
duas objeções diz respeito diretamente à demonstração contida na
conferência de John Daly, a qual, concluindo como pretende, reduz
ambas as objeções a meras dificuldades sem maior peso, e como os erros
de Hirpinus parecem-me já mais do que refutados acima, o que faz a
refutação do artigo do Sì Sì No No ficar reduzida a interesse quase
meramente histórico e de erudição, deixo então, para daqui a algumas
semanas provavelmente, essas três interessantes refutações, para as
quais, de resto, já reuni o material. AMDGVM, FC
4. Sandro de Pontes Disse:

21 dezembro, 2009 às 13:15


Felipe, salve Maria.
De tudo o que foi falado sobre o debate retirado do “porkut”, penso
que finalmente chegou a hora de você explicar o seguinte ensinamento
de Billot, amplamente usado contra os sedevacantistas e penso eu que
nunca refutado por nenhum de nós:
“Deus pode permitir que uma vacancia da Se Apostolica dure por um
tempo. Ele tambem pode permitir que algumas duvida possam surgir
quanto a legitimidade desta ou daquela eleicao papal. No entanto, Deus
nunca permitira que toda a Igreja reconheca como Pontifice alguem que
nao e de fato e legalmente o Pontifice. Assim, enquanto um papa e
aceito pela Igreja, e unida com ela como a cabeca esta unida ao corpo,
nao se pode mais levantar duvidas sobre uma possivel eleicao
defeituosa … A aceitacao universal pela Igreja cura na raiz qualquer
eleicao viciada” (Billot, Tractatus de Ecclesia Christi, Vol. I, pp.
612-613).
Certa vez, salvo engano, você havia dito que esta citação, assim do
jeito que vem sendo trazida, está “deturpada” (salvo engano). Desta
maneira peço que a explique, por favor.
Sandro de Pontes
5. Antonio Cesar Disse:

25 dezembro, 2009 às 16:25


Felipe Coelho,
Novamente agradeço-te por ter traduzido este texto,quando terminei de
lê-lo me senti muito bem,mais convicto ainda da vacância da Sé Romana.
Quanto a este longo comentário que o sr. colocou aqui,agradeço pela
delicadeza (e clareza).Claramente se percebe que há uma confusão
grande nesta questão do Magistério por parte de muitos
tradicionalistas,ora se confundem a pessoa privada do papa com a
Igreja e sua Fé,ora o contrário,ora se apoiam em
“opiniões”,”teses”,quando o próprio Magistério já definiu a doutrina
de fé.
Naquele fórum de debate eu desisti de debater pelo fato de as mesmas e
mesmas questões que já cansei de ouvir serem levantadas
novamente,estava sem a mínima paciência de perder o meu tempo num
debate que me parece infrutífero,pela parte contrária a mim parecer-me
obstinada,pertinaz.
Mas agradeço esta longa postagem,que com certeza irei repassar naquele
mesmo tópico de debate.
Abraços e Fique com Deus!

Espero um dia nos encontrarmos!


6. Textos essenciais em tradução inédita – XXV « Acies Ordinata Disse:

9 janeiro, 2010 às 23:58


[...] sob alegação de ter encontrado conciliação possível da
Dignitatis Humanae com a Quanta Cura, tese absurda por mais de uma
razão, de que ainda pretendo publicar aqui tradução de uma das três ou
quatro refutações detalhadas de que tenho notícia, mas cuja inanidade
não escapará aos leitores que entenderam bem a conferência A Crise
Impossível, publicada neste blogue há cerca de um mês.
Ainda assim, talvez seja interessante notar a esse respeito que, em
recente Rendez-vous no Forum Catholique, o Rev. Pe. Lucien afirmou, em
resposta ao Sr. John Daly, que, havendo contradição entre aqueles dois
documentos, o restante da tese de Cassicíaco, a seu ver, ainda
permanece de pé e, portanto, se aplicaria aos “papas” conciliares.
O texto a seguir, de leitura não muito fluente, interessa-me aqui
sobretudo pela segunda metade, com sua análise do papel do princípio
de não-contradição no ato de Fé, útil contra a objeção voluntarista de
que uma demonstração a posteriori (ou “quia”) do sedevacantismo (como
a demonstração, a meu ver irrefutável, desenvolvida na supracitada
conferência) falharia contudo por pecar, já em seu ponto de partida,
contra a docilidade católica perante o Magistério.
Ainda sobre essa questão capital, — pois é preciso evitar também o
erro oposto ao do voluntarismo, que é o do “tradicionalismo crítico”,
a cuja impugnação o Pe. Calderón aliás fez importante contribuição n’A
Candeia Debaixo do Alqueire, mas que continua ainda, apesar disso,
muito presente, e mesmo tragicamente preponderante, em meios
tradicionalistas no Brasil como no mundo, — pretendo acrescentar [...]
Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XV

Sobre Escandalizar-se
Cap. VIII das

Conferências Espirituais

(Londres, 1859)
Padre Frederick William FABER (1814-1863),

do Oratório

Causar escândalo é falta grave, mas receber escândalo é falta mais


grave ainda. Implica maior maldade em nós e faz maior dano aos outros.
Nada escandaliza mais rápido do que a rapidez em se escandalizar. Vale
a pena considerarmos isso. Pois encontro numerosíssimas pessoas
moderadamente boas que pensam que não tem problema escandalizar-se.
Consideram isso uma espécie de prova de sua própria bondade e de
delicadeza de consciência, quando na realidade é somente prova de sua
presunção desordenada ou então de estupidez extrema. É um infortúnio
para elas quando é este último o seu caso, pois então ninguém tem
culpa além da natureza inculpável. Se, como disseram alguns, o homem
estúpido não pode ser Santo, ao menos sua estupidez nunca poderá fazer
dele um pecador. Ademais, as pessoas em questão parecem muitas vezes
sentir e agir como se a sua profissão de piedade envolvesse alguma
espécie de designação oficial para escandalizar-se. É o negócio delas
receber escândalo. É seu modo de testemunhar a Deus. Demonstraria
culpável inércia na vida espiritual se não se escandalizassem. Pensam
que sofrem muitíssimo enquanto estão se escandalizando, ao passo que,
na verdade, gostam disso impressionantemente. É uma agitação
prazerosa, que diversifica deliciosamente a monotonia da devoção.
Elas, na realidade, não caem por causa do pecado de seu próximo, nem o
pecado dele por si só as detém no caminho da santidade, nem tampouco
amam menos a Deus por causa daquele pecado: todas coisas que deveriam
estar implicadas no receber escândalo. Mas elas tropeçam de propósito
e cuidam que seja diante de alguma falta de seu próximo, para que
possam chamar a atenção para a diferença entre ele e elas próprias.
Há certamente muitas causas legítimas para escandalizar-se, mas
nenhuma mais legítima do que a facilidade quase jactanciosa de se
escandalizar que caracteriza tantas pessoas supostamente religiosas. O
fato é que proporção imensa de nós é fariseu. Para cada homem piedoso
que torna a piedade atraente, há nove que a tornam repugnante. Ou,
noutras palavras, somente uma em cada dez pessoas reputadas
espirituais é realmente espiritual. Aquele que, durante vida longa,
mais se escandalizou, fez mais injúria à glória de Deus e foi, ele
próprio, pedra de tropeço real e substancial no caminho de muitos. Foi
ele fonte inesgotável de odiosa desedificação para os pequenos de
Cristo. Se um desses tais ler isto, escandalizar-se-á de mim. Tudo
aquilo de que ele não gosta, tudo aquilo que o desvia de sua maneira
estreita de ver as coisas, é para ele um escândalo. É o modo farisaico
de expressar diferença de opinião.
Os homens gostam maravilhosamente de ser papas, e o mais enfadonho dos
homens, se ao menos tiver, como costuma ter, obstinação proporcionada
à sua enfadonhice, pode na maioria das vizinhanças esculpir para si um
pequeno papado; e se à sua enfadonhice ele conseguir acrescentar
pomposidade, poderá reinar gloriosamente, pequeno concílio ecumênico
local em sessão intermitente durante todas as quatro estações do ano.
Quem tem tempo suficiente, ou ânimo suficiente, ou esperança
suficiente, para tentar persuadir a esses homens? Eles não nos são
suficientemente interessantes para serem dignos de os persuadirmos.
Deixemo-los a sós com a sua glória e a sua felicidade. Tentemos
persuadir a nós mesmos. Nós mesmos não nos escandalizamos com
demasiada frequência? Examinemos a questão e vejamos.
Agora, eis aqui algo em que muitas vezes meditei. Certamente ninguém é
capaz de se lembrar de tudo nas volumosas vidas dos Santos, pois
levaria uma vida inteira para lê-las todas. Mas não me lembro de ter
lido de nenhum Santo que tenha alguma vez se escandalizado. Se isso é
ainda que aproximadamente verdadeiro, a questão está decidida de
imediato. Homens inchados, inflados de auto-importância, que veem
faltas nos outros com olhos de lince, criticam-nos com hábeis
sarcasmos e se deleitam no pedantismo de um estado de espírito
judicial, somente de modo humorístico podem aplicar a si mesmos o nome
de pequenos de Cristo. Todavia os livros nos contam que há dois tipos
de escândalo: o escândalo dos pequenos de Cristo e o escândalo dos
fariseus. Segue-se, então, que esses homens devem ser fariseus. Mas eu
digo que, se essa observação sobre os Santos for ainda que
aproximadamente verdadeira, ela deve frear-nos, e fazer-nos pensar
muito, caso sejamos homens sérios, embora não Santos; e o que pertence
aos Santos de modo algum se aplica a nós com segurança sob todos os
aspectos. Suponhamos que não seja estritamente verdadeira. Suponhamos
que seja somente coisa rara para os Santos escandalizar-se. Podemos
tirar disso conclusão suficientemente ampla, para nos ser muito
prática. Pois podemos inferir que é questão sobre a qual pessoas que
almejam ser espirituais não têm como precaver-se o bastante. Toda a
vez que nos escandalizamos, corremos grande risco de pecar, e risco
múltiplo assim como grande. Corremos o risco de prejudicar a glória de
Deus, de desonrar ao nosso Santo Senhor, de dar escândalo substancial
a outros, de quebrar nós mesmos o preceito da caridade, de indiscrição
altamente culpável e, no mínimo dos mínimos, de entristecer o Espírito
Santo em nossas próprias almas. Há aqui o bastante para fazer valer a
pena investigar.
Vejamos, primeiro que tudo, a quantidade de maldade que o hábito de se
escandalizar implica. Implica orgulho silencioso, que é totalmente
inconsciente de quão orgulhoso é. O orgulho é a negação da vida
espiritual. Orgulho espiritual significa que não temos vida
espiritual, mas, em lugar dela, a posse desse mau espírito. O orgulho
já é difícil o bastante de administrar mesmo quando dele estamos
cientes, mas um orgulho que não tem consciência de si próprio é coisa
muito desesperada. Frequentemente, parece como se a graça só o pudesse
atingir através da queda em pecado grave, que despertará sua
consciência e, no mesmo instante, transformá-lo-á em vergonha. Ora, o
hábito de escandalizar-se indica aquele pior tipo de orgulho, um
orgulho que acredita ser a humildade. Qualquer coisa próxima a um
hábito de receber escândalo implica também a existência de uma fonte
de falta de caridade nas profundezas do nosso íntimo, que a graça e a
mortificação interior ainda não alcançaram ou não conseguiram
influenciar. Se prestarmos atenção em nós mesmos, descobriremos que,
contemporaneamente com o nosso escandalizar-se, houve uma ou outra
mágoa em estado de agitação dentro de nós. Quando estamos bem
dispostos, não nos escandalizamos. É um ato que não é
preponderantemente acompanhado de benevolência. Uma tristeza
genuinamente mansa pela pessoa ofensora não é nem o primeiro
pensamento nem o pensamento predominante em nossa mente quando nos
melindramos. É fruto geralmente de um humor maligno. Às vezes, de
fato, brota da morosidade, ocasionada por adotarmos uma gravidade que
não fica bem em nós, porque vai contra a simplicidade. Precipitamo-nos
em reminiscências e descobrimos que nos entregamos de cabeça à
rabugice. Nem, tampouco, pode o ato de escandalizar-se ser muito
frequente em nós, sem que implique também um hábito formado de julgar
os outros. Numa pessoa realmente humilde ou naturalmente empática, o
instinto de julgar os outros é coberto, e como esmagado, por outras e
melhores qualidades. Tem de se empenhar e de fazer grande esforço
antes de conseguir chegar à superfície e se fazer valer, ao passo que
já está na superfície, óbvio, preparado, disponível e predominante no
homem que é dado a escandalizar-se. Será com frequência permitido
julgar ao nosso próximo? Certamente sabemos que deve ser a coisa mais
rara possível. Ora, não temos como nos escandalizar sem primeiro
formar um juízo; segundo, formar um juízo desfavorável; terceiro,
entretê-lo deliberadamente como motivação propulsora que nos inclina a
fazer ou omitir alguma coisa; e quarto, fazer tudo isso
predominantemente em temas de piedade, que, em nove entre dez casos,
nossa óbvia ignorância subtrai de nossa jurisdição.
Também indica carência generalizada de espírito interior. A graça
sobrenatural de um espírito de interioridade, dentre outros de seus
efeitos, produz os mesmos resultados do dom natural da profundidade de
caráter; e, a este, junta a engenhosa doçura da caridade. Um homem
irrefletido ou superficial tem maior probabilidade de se escandalizar
do que qualquer outro. Não consegue conceber nada além do que ele vê
na superfície. Ele tem apenas pouco auto-conhecimento e dificilmente
suspeita da variedade ou complicação de suas próprias motivações.
Muito menos, então, tem ele probabilidade de adivinhar com
discernimento as causas ocultas, as desculpas ocultas, as tentações
ocultas, que podem estar, e frequentemente estão, por trás das ações
dos outros. Assim também é, em questões espirituais, com um homem que
não tenha espírito de interioridade. Há não somente uma temeridade,
mas também uma grosseria e vulgaridade em seus julgamentos dos outros.
Algumas vezes ele só enxerga superficialmente. Isso se ele for um
homem estúpido. Se for homem sagaz, ele enxerga mais fundo do que a
verdade. A vulgaridade dele é do tipo sutil. Ele conecta coisas que
não tinham conexão real na conduta do próximo. Sendo ele próprio
baixo, suspeita de baixeza nos outros. Se ele visse um Santo, ele o
julgaria, ou ambicioso, teimoso, ou hipócrita. Ele enxerga complôs e
conspirações até mesmo na mais impulsiva das naturezas. É
absolutamente incapaz de julgar do caráter. Consegue apenas projetar
suas próprias possibilidades de pecado nos outros e imaginar que o
caráter deles seja aquilo que ele sente que, fosse-lhe a graça
retirada, seria o seu próprio. Ele julga como julga o homem cuja razão
está ligeiramente instável. É astuto em vez de perspicaz. Para homens
sagazes a caridade é quase impossível, se não tiverem espírito de
interioridade.
Descobriremos também que, quando caímos para o caminho do
escandalizar-se, há algo de errado com nossas meditações. Há ocasiões
em que nossas meditações são ineficazes. Com alguns homens isso é
assim quase durante a vida toda. O fato é que o hábito da meditação,
por si mesmo, não basta para tornar-nos interiores. Quando a vida
espiritual de um homem reduz-se à prática da meditação cotidiana,
vemos que ele logo perde o controle de sua língua, seu humor e suas
mágoas. Sua meditação matutina é inadequada para preencher de doçura o
seu dia inteiro. É demasiado fraca para deter a presença de Deus na
alma até à noite. Como as intenções gerais, tem ela possibilidades
teológicas que quase nunca são realidades práticas. É como um arbusto
plantado na argila: se não cavamos em volta dele e deixamos entrar o
ar e a umidade, ele não crescerá. Seu crescimento é retardado e
impedido. É um estado de coisas perigoso quando nossa meditação não
passa de uma ilha, num dia, de resto, inundado de mundanidade e
conforto. Pois devemos recordar que o conforto é dos piores tipos de
mundanidade e encontra asilo facilmente em nossos próprios aposentos,
a certa distância do mundo frívolo, barulhento e dissipado. Não
estamos longe de algum sério infortúnio quando a mortificação e o
exame de consciência desertaram de nossa meditação e deixaram-na à sua
própria sorte. O hábito de receber escândalo revela-nos muitas vezes
que estamos nesse estado ou tendendo rapidamente a ele.
Também envenena muitas outras coisas boas e profana coisas santas,
quase tornando-as positivamente sacrílegas. Infunde algo de chicaneiro
em nossa própria oração de intercessão. Transforma nossas leituras
espirituais em silenciosa pregação aos outros. Encanta as flechas do
pregador para longe de nós e, com habilidade satisfeita, mira-as nos
outros que temos perante o olhar de nossa mente. É joguete do que quer
que haja de mesquinho e detestável em nossas disposições naturais; e
torna a nossa própria espiritualidade a-espiritual, ao torná-la sem
caridade. Toda essa maldade complicada, ele implica já existir em nós;
e a fomenta e intensifica toda para o futuro, ao mesmo tempo que a
implica no presente. É, portanto, patente que nos faria bem
escandalizarmo-nos com o nosso escandalizar-se, ao vermos que
revelação degradante é ele, para nós, de nossa própria miséria e
mesquinhez. Estamos visando a uma vida devota. Mal acabamos de nos
livrar dos pântanos do pecado mortal. Conhecemos alguma coisa dos
caminhos da graça. Temos o modelo dos Santos. Estamos mais ou menos
familiarizados com o ensinamento dos autores espirituais. Não estamos
obrigados, seja por causa da nossa ignorância ou por causa da nossa
fraqueza, a olhar para a conduta dos outros como regra da nossa. Daí
que, em nosso caso, escandalizar-se é nem mais nem menos que julgar, e
devemos tratar a tentação a isso como trataríamos qualquer outra
tentação contra a caridade; a saber: devemos contê-la, puni-la,
detestá-la, tomar resolução contra ela e dela nos acusarmos na
confissão. Devemos nos precaver também contra os seus artifícios. Pois
ela tem muitas trapaças, e estas são com frequência bem-sucedidas.
Mestres, pais e diretores conhecem bem um estratagema dos que estão
sob o seu cuidado e controle, e que criticam, ao menos com
insinuações, o seu governo ou direção: esse truque consiste em se
acusarem a si mesmos de se terem escandalizado com a conduta de seus
superiores e diretores. É engenhoso, mas rapidamente se esgota. Os
diretores aprendem cedo a sufocar a sua própria curiosidade e não
permitir que seus críticos auto-iludidos lhes digam o que os
escandalizou, já que não podem nem sequer prestar ouvidos a isso sem
comprometer a sua dignidade e abrir mão da sua influência. Numa
palavra, descobriremos como conclusão mais segura e verdadeira a
tirar, a de que devemos considerar a tentação de escandalizar-se como
absolutamente maligna, sem atenuantes, tentação esta a que nenhuma
trégua deve ser dada e a cujas eloquentes súplicas por delicadeza de
consciência nenhuma audiência deve ser concedida além daquela do
desprezo tranquilo.
Agora que consideramos a maldade existente que a prontidão em
escandalizar-se implica em nós, podemos considerar o modo como ela nos
estorva na conquista da perfeição. Estorva-nos na aquisição do auto-
conhecimento. A vigilância sobre nós mesmos não é nada menos que uma
verdadeira mortificação. Avidamente agarramos a menor desculpa para
direcionar nossa atenção para longe de nós próprios, e a conduta
alheia é o objeto mais prontamente disponível ao qual nos voltamos.
Ninguém é tão cego para suas próprias faltas como o homem que tem o
hábito de detectar as faltas alheias. Isso também nos faz sabotar-nos
a nós mesmos. Acabamos interceptando a luz do sol que recairia em
nossa própria alma. Um homem que é sujeito a escandalizar-se nunca é
homem alegre e jovial. Nunca tem uma luz clara ao seu redor. Ele não é
feito para a felicidade, e já houve algum homem melancólico tornado
Santo? Um homem abatido é matéria-prima que só pode ser transformada
num cristão muito ordinário. Ademais, se tivermos um mínimo de
seriedade em nós, o nosso escandalizar-se deve, por fim, tornar-se
para nós fonte de escrúpulos. Se não é exatamente a mesma coisa que a
chicanice, quem traçará a linha divisória entre os dois? Sabemos muito
bem que não é em nossos melhores momentos que nos escandalizamos, e
deve ocorrer-nos gradativamente que é, tantas vezes, contemporâneo com
um estado espiritual enfermiço, que a coincidência é praticamente
impossível de ser acidental. Ao mesmo tempo, o ato é tão
intrinsecamente mesquinho em si mesmo, que tende a destruir todos os
impulsos generosos em nós mesmos. Ninguém pode ser generoso com Deus
que não tenha amor largo e abrangente por seu próximo.
Ademais, destrói nossa influência nos demais. Irritamos quando
devíamos animar. Ser suspeito de falta de simpatia é ficar
incapacitado como apóstolo. Quem é crítico será necessariamente não
persuasivo. Até na literatura, que departamento seu é menos
persuasivo, e portanto menos influente, que o da crítica? Os homens
entretêm-se com ela, mas não formam os seus juízos com base nela. Há
pouca coisa no universo literário mais impressionante do que o peso
ínfimo da crítica comparado à sua quantidade e habilidade. Gostamos de
encontrar defeitos; nunca, porém, somos atraídos por outros que
encontram defeitos. É o último refúgio de nossa boa disposição o
gostarmos de ter o monopólio da censura. Além do mais, esse hábito nos
enreda numa centena de dificuldades auto-suscitadas acerca da correção
fraterna, essa rocha das almas estreitas; pois a presunção de um homem
é, em geral, proporcional à estreiteza dele. Os homens despertam às
vezes, e descobrem que se puseram quase inconscientemente numa posição
falsa. É este um negócio terrível na espiritualidade. É mais difícil
de nos endireitarmos, do que recuperar o nosso equilíbrio depois de um
pecado. No entanto, a suposta obrigação da correção fraterna está
sempre nos seduzindo a posições falsas. Ela também atrai a nossa
atenção para longe de Deus, e fixa-os, com um tipo de seriedade
doentia, nas pusilanimidades e misérias terrenas. É ruim o bastante
desviar os olhos de Deus ao olhar demais para nós mesmos, mas tirar os
olhos de Deus para olhar os nossos próximos é mal maior ainda.
Transtorna por inteiro o mundo interior do pensamento, do qual o
exercício da caridade tanto depende. Impede-nos de alcançar o governo
da língua. Impede que tenhamos sucesso em boas obras nas quais a
cooperação livre e zelosa com outros é necessária. É o disfarce que a
inveja está eternamente a tomar e chamar pelo nome de cautela. No fim,
pensamos que todas essas coisas sejam virtudes, quando são, na
realidade, vícios da mais desagradável descrição.
Não penso que eu tenha exagerado o mal dessa rapidez em receber
escândalo. Confesso que é falta que me vexa mais do que muitas outras,
e por muitas razões. Suas vítimas são homens bons, homens muito
promissores, e cujas almas foram palco de operações da graça não
desconsideráveis. Apodera-se deles, em sua maioria, no exato momento
em que dons mais altos parecem estar se abrindo para eles. Sua
peculiaridade consiste nisto, que é incompatível com as graças mais
altas da vida espiritual, conspurca aquilo que já estava agora quase
limpo e torna vulgar aquilo que estava a ponto de consolidar seu
título à nobreza. Quando consideramos como são muitos os chamados à
perfeição e poucos os perfeitos, não podemos quase dizer que fazemos
bem em nos zangar com aquele mal, que tão certeira e eficazmente
estraga o trabalho da graça?
Em que consiste a perfeição? Numa caridade infantil, de vistas curtas,
caridade que acredita em todas as coisas; numa grande convicção
sobrenatural de que todo o mundo é melhor do que nós; em estimar muito
reduzida a quantidade de mal no mundo; em olhar demasiado
exclusivamente para o que é bom; na engenhosidade de interpretações
benévolas; numa desatenção, quase ininteligível, para as faltas dos
outros; numa graciosa perversidade de incredulidade sobre escândalos,
que por vezes, nos Santos, chega perto de constituir um escândalo por
si só. Essa é a perfeição; esse é o temperamento e o gênio dos Santos
e dos homens que os imitam. É uma vida de desejo, esquecida das coisas
terrenas. É uma fé radiante e enérgica de que a lentidão e frieza do
homem não interferirão no sucesso da glória de Deus. Ao mesmo tempo,
porém, lutando instintivamente, pela prece e reparação, contra os
males nos quais não se permite a si próprio crer conscientemente.
Nenhuma sombra de morosidade cai jamais sobre a mente brilhante de um
Santo. Não é possível que venha a fazê-lo. Finalmente, a perfeição tem
o dom de penetrar no universal Espírito de Deus, adorado de tantos
jeitos diferentes, e está contente. Ora, tudo isso não é,
simplesmente, o exato oposto do temperamento e do espírito de um homem
que está sujeito a escandalizar-se? A diferença é tão manifesta, que é
desnecessário comentá-la. Feliz de quem, em seu leito de morte, pode
dizer: “Ninguém jamais me escandalizou na minha vida!” Ele ou não viu
as faltas do próximo ou, quando as viu, a visão delas para alcançá-lo
tinha de atravessar tanta luz solar dele próprio, que as faltas
alheias não o atingiram tanto como faltas a culpar, mas antes como
razões para um mais profundo e terno amor.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Padre FABER, Sobre Escandalizar-se, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, fev. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-fY
de: “On Taking Scandal“, cap. VIII das Spiritual Conferences, Londres,
1859, pp. 305-315.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – IV

O Cânon de São Vicente de Lérins


Sua utilização pelos heterodoxos

e sua verdadeira explicação católica


pela Deputação da Fé do Vaticano I

e pelo Cardeal Franzelin


(1981)

Rev. Pe. Bernard Lucien

Certos autores recentes pretenderam atrelar a doutrina católica sobre


o Magistério ordinário e universal à regra da ortodoxia enunciada no
século V por São Vicente de Lérins. O presente trabalho tem, pois,
como objetivo estudar esse “cânon de São Vicente de Lérins” e sua
interpretação católica.
Para começar, situaremos rapidamente São Vicente de Lérins e sua obra;
em seguida, indicaremos como o famoso “cânon” foi recebido, na
sequência dos tempos, pelos católicos e pelos heterodoxos. Isso já
mostrará como nos enganam os que afirmam esse critério como se fosse
pura expressão do pensamento da Igreja.
Por fim, citaremos dois estudos importantes e autorizados sobre o
referido cânon.
Dentre esses autores, alguns não temem apresentar sua posição como a
expressão da teologia católica, como a posição tradicional, de fato
como a posição “dos santos, dos doutores e dos teólogos”.
Temos de desmascarar, de passagem, essa segurança na ignorância. Pois,
lamentavelmente, ela engana os fiéis. Muitos realmente acreditam que,
quando um escritor tradicionalista sentencia: “Todos os teólogos
afirmam que…”, é porque de fato todos os teólogos o afirmam. A
realidade é, com frequência, bem diferente. Gostaríamos muitíssimo de
não ser constrangidos a fornecer maiores precisões sobre esse assunto…
A. SITUAÇÃO DO CÂNON LIRINENSE.
1. ALGUMAS RECORDAÇÕES HISTÓRICAS.
É em torno do ano 410 que Santo Honorato, abandonando fortuna e
posição social, retirou-se em companhia de alguns amigos à Ilha
Lirina, ao sul de Cannes, para lá viverem à maneira dos monges do
Oriente.
Em poucos anos, um mosteiro dos mais fervorosos estabeleceu-se assim
na solidão das ilhas Lérins. Essa “cidadela gloriosa”, esse
“acampamento entrincheirado” (expressões frequentes sob a pluma dos
lirinenses) tornou-se, durante todo o século V, viveiro de bispos e de
santos, bem como centro ativo de teologia. A irradiação do mosteiro,
tanto do ponto de vista pastoral como doutrinal, expandiu-se
amplamente pela Gália desse século. Notemos em particular que os
lirinenses tomaram posição contra a doutrina da graça defendida por
Santo Agostinho. E é preciso reconhecer que eles talvez não tenham
escapado completamente à influência do semipelagianismo, em particular
sob a ação de Cassiano, abade do mosteiro de São Vítor de Marselha (de
410 a 435, aproximadamente).
É nesse meio que encontramos, desde 430, São Vicente. Ignora-se quase
tudo sobre ele, mas ele ficou célebre por seu Comonitório (= notas
teológicas para auxiliar a memória), obra concluída em 434, e que se
propunha a enunciar uma regra segura para distinguir a verdadeira fé
católica do erro das heresias.
Essa regra foi condensada pelo autor em fórmula de feliz brevidade,
cuja expressão lapidar indubitavelmente contribuiu não pouco para
garantir-lhe o sucesso: “Nós devemos manter o que foi crido por toda a
parte, sempre e por todos”.
O modo como essa regra, logo denominada “Cânon de São Vicente de
Lérins”, foi acolhida na Igreja, e entre os inimigos da Igreja, é o
que vamos focar agora, antes de passarmos ao seu estudo propriamente
doutrinal, feito por teólogos particularmente autorizados.
2. A RECEPÇÃO DO CÂNON LIRINENSE.
Não parece que a obra de São Vicente tenha sido utilizada pela Idade
Média. Santo Tomás de Aquino não a cita jamais. Foi com a Reforma que
o cânon lirinense recuperou o prestígio, tanto pelos católicos quanto
pelos protestantes (Cf. Meslin, p. 26). Mas foi sobretudo no século
XIX que se discutiu sobre o valor teológico dessa regra (Cayré, p.
164).
Alguns tomaram posição bastante dura contra São Vicente. Assim, o
doutor Ehrhard, teólogo católico alemão, escreveu:
“No que tange à regra da fé de [São] Vicente, pode-se conseguir dar às
palavras um sentido justo; mas, no sentido em que [São] Vicente a
compreendia e queria que fosse compreendida, essa regra é pura e
simplesmente falsa, e já é hora de abandoná-la ao seu autor e não
fazer mais nenhum amálgama da verdadeira regra da fé católica com o
nome do monge lirinense…” (Cf. d’Alès, col. 1752).
Tamanha severidade, porém, parece ter sido excepcional. A maioria dos
autores tomou posição mais favorável ao santo. Mas assinalavam então a
necessidade de precisões, de distinções, algumas fornecidas pelo
próprio São Vicente na sequência do texto dele, outras formuladas por
teólogos posteriores, ou exigidas pela doutrina da Igreja explicitada
depois do século V. Nesse sentido, d’Alès escreve (col. 1750-1751):
“Regra de aplicação evidente, no caso de novidade que entra em
conflito com tradição constante e segura, de aplicação muito mais
delicada em grande número de casos. Para regular essa aplicação, o
monge de Lérins julgou necessário enunciar certas distinções; foram
formuladas outras depois dele. É preciso levar em conta tanto umas
como outras, para pronunciar juízo equitativo sobre esse canon
lirinensis.”
Nessa perspectiva, reconhece-se de bom grado que essa regra, tomada
demasiado estritamente à letra, poderia tornar-se fonte de erro (Cf.
Meslin, p. 23). É bem conhecido, por exemplo, que a defecção do
teólogo alemão Doellinger quando do Concílio Vaticano I deveu-se, ao
menos em parte, a uma fidelidade demasiado formal ao cânon lirinense.
E, de fato, não apenas a regra vicentina exige precisões e pode ser
fonte de erro, como ainda foi ela utilizada por diversos hereges
contra a Igreja. Já o apontamos acima, a propósito da Reforma. O
cardeal Journet, em estudo sobre a conversão de Newman (p. 718),
observa:
“Ele [Newman] toma emprestada ainda, dos teólogos anglicanos, a ideia
de se munir da regra da ortodoxia formulada por São Vicente de Lérins
na primeira metade do século V, e constantemente citada desde então
pelos teólogos católicos, para tentar voltá-la contra a própria Igreja
Romana. Pode-se, com efeito, atribuir ao princípio do monge lirinense,
como a muitos outros princípios, sentidos distintos e mesmo
inconciliáveis”.
Diante desse estado de fato, a conclusão de Meslin, no parágrafo
“Valor e limites do critério lirinense” (p. 23), explica-se
facilmente:
“Compreende-se, no entanto, que, em razão das insuficiências
teológicas do critério lirinense, nunca a Igreja Católica Romana o
assumiu sem reservas”.
E compreende-se também como se enganam – e nos enganam – aqueles que,
hoje em dia, tentam fazer desse critério referência absoluta à qual os
teólogos deveriam se submeter sem discussão, como se fosse definição
do Magistério.
Concluamos este parágrafo com dois fatos que ilustram bem a atitude da
Igreja com relação ao cânon lirinense:
— O catecismo da diocese de Würzburgo, sob o pontificado de Leão XIII,
trazia: “Como reconhecemos que uma tradição é divina? Reconhecemo-lo
pelo fato de ela ter sido crida sempre, por toda a parte e por todos”.
A isso, os censores romanos fizeram observar que o cânon de Lérins não
era nem o único critério dos dogmas, nem o principal, e que era
preciso dar o primeiro lugar às definições da Igreja (d’Alès, col.
1753).
— Durante as conversações de Malines (entre anglicanos e católicos;
essas conversações, de acordo com a vontade da Santa Sé, guardaram
sempre caráter oficioso), o cânon lirinense foi aduzido. Os anglicanos
pediam, com efeito, que a Igreja Romana não exigisse nada além da
profissão dos artigos de fé que se ajustassem estritamente ao cânon de
Vicente de Lérins. Pela boca de Mons. Battiffol a resposta foi
negativa: “Não! esse cânon não pode ser tomado à letra, sob pena de
nos levar de volta a uma concepção caduca da história dos dogmas”.
(Cf. Meslin, p. 30).
E Meslin conclui (p. 30): “O fracasso das conversações de Malines
coincide com uma baixa muito sensível do crédito dado ao Comonitório”.
B. DOIS ESTUDOS TEOLÓGICOS “CLÁSSICOS”

SOBRE O CÂNON LIRINENSE.


1. APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS.
a) Posicionamento da Deputação da Fé no Vaticano I.
Ao longo dos debates sobre a infalibilidade pontifícia que ocorreram
no Vaticano I, a minoria anti-infalibilista apoiou-se especialmente no
cânon lirinense. Contra a infalibilidade do Papa sozinho, da Igreja
Romana sozinha, ela aduzia o “por toda a parte, por todos” de São
Vicente. Para um ensinamento do Papa ser infalível, dizia a minoria,
seria preciso que ele fosse crido por toda a parte e por todos; seria
necessário, pois, o consentimento de todos os bispos.
Diante dessa utilização falaciosa do critério lirinense, a Deputação
da Fé teve de reagir, e difundiu uma exegese do famoso cânon, para
expor o alcance dele em perspectiva católica.
O objetivo da Deputação da Fé era demonstrar que esse cânon não podia
ser utilizado contra a infalibilidade do Papa sozinho. Mas ela foi
levada a dar algumas indicações mais gerais sobre o significado da
regra de São Vicente. São essas indicações de ordem geral que
reproduziremos, deixando de lado, na medida em que o bom entendimento
do texto o permita, as explicações particulares concernentes à
infalibilidade pontifícia, já que esta não é mais contestada hoje em
dia.
O texto encontra-se reproduzido em Mansi, vol. 52, col. 26-28.
b) A exposição do cardeal Franzelin.
O Cardeal Franzelin, sacerdote da Companhia de Jesus, elevado ao
cardinalato por Pio IX em 1876, foi um dos grandes teólogos romanos da
segunda metade do século XIX. A sua influência foi profunda no
Concílio Vaticano I. Foi ele, em particular, o encarregado de redigir
a Constituição “sobre a doutrina católica”.
Ele foi o autor de diversos tratados teológicos estimados, um dos
quais é muitas vezes considerado obra-prima, e, em todo o caso, marcou
época entre os teólogos: é o De Divina Traditione et Scriptura, sobre
a Tradição e o Magistério, publicado em 1870.
Ao longo desse estudo, o cardeal é levado a examinar o verdadeiro
sentido do cânon de São Vicente. É a tese XXIV de sua obra,
desenvolvida nas páginas 294-299 da segunda edição, à qual nos
referiremos. Se há uma tese clássica sobre essa questão, é esta, cujas
passagens principais citaremos.
2. A POSIÇÃO DA DEPUTAÇÃO DA FÉ NO VATICANO I.
a) Excertos do texto.
“Passemos ao cânon de Vicente de Lérins. No capítulo III [II, nas
edições atuais] de seu Comonitório, o ilustríssimo escritor
eclesiástico diz que é preciso manter o que foi crido por toda a
parte, sempre e por todos;
1. Interpretar-se-ia o cânon contra o espírito do autor caso se o
referisse à chamada norma diretiva infalível na Igreja Católica. Com
efeito, para o Lirinense, o cânon diz respeito à norma objetiva (ou
seja, a divina tradição), como o mostra o contexto; e, assim, o cânon
proposto contém um critério para reconhecer a “tradição da Igreja
Católica” pela qual, “em união com a autoridade da lei divina, a fé
divina é defendida”. É bem outra a questão de saber se o mencionado
cânon contém uma condição necessária para que uma doutrina possa ser
infalivelmente definida pelo Magistério da Igreja Católica. Isso,
Vicente não ensinou; ele chegou mesmo a exprimir o contrário, como
veremos. Por onde:
2. Resulta daí que seria distorcer o cânon lirinense de seu verdadeiro
sentido exigir, em nome dele, o consentimento universal ou a
unanimidade de todos os bispos para uma doutrina poder ser definida
como dogma da fé pelo Magistério da Igreja, no qual é encontrada a
norma diretiva da fé. Assim também:
3. Está claro que seria perverter o cânon lirinense buscar nele ambas
a norma objetiva e a norma diretiva, como se a única norma infalível
da Fé católica se encontrasse no acordo constante e universal da
Igreja; desse jeito, em matéria de fé, unicamente aquilo que tivesse
sido crido por um acordo constante seria absolutamente certo e
infalível, e ninguém poderia crer o que fosse, com aquela fé divina
que é absolutamente e infalivelmente certa, sem que enxergasse com os
próprios olhos esse acordo constante e universal da Igreja. [...]
4. Mas se, como é mister, o cânon lirinense é referido à norma
objetiva, ainda assim não se o compreenderá corretamente caso se o
entenda ao mesmo tempo em sentido positivo e em sentido negativo. Ele
é certamente verdadeiro, se for compreendido em sentido positivo, a
saber: aquilo que foi crido sempre, por toda a parte e por todos é
divinamente revelado, e portanto deve ser mantido; mas ele seria falso
se fosse entendido em sentido negativo. O mesmo se dá no que se refere
às três notas de antiguidade, de universalidade, de acordo, tomadas
conjuntamente e simultaneamente: [caso se compreenda que] nada pode
ser divinamente revelado e, portanto, deva ser crido, sem que essas
três notas de antiguidade, de universalidade e de acordo militem
conjuntamente e simultaneamente em seu favor, [cai-se em erro]. Que
seja possível de acontecer, com efeito, e que tenha de fato ocorrido,
que uma doutrina tenha sido sempre crida, desde a origem, e portanto
seja divinamente revelada, sem ter sido crida por toda a parte, nem
por todos, Vicente mesmo o ensina.
[...]”
(Mansi, vol. 52, col. 26-27).
b) Alguns comentários.
Limitamo-nos a sublinhar as indicações de ordem geral dadas pela
Deputação, deixando de lado aquilo que se refere à infalibilidade do
Papa sozinho.
• É preciso distinguir a norma diretiva e a norma objetiva da fé. É
essa distinção fundamental que serve de base para todas as explicações
da Deputação. Ela é, no mais, bem conhecida dos teólogos, sob esse
nome ou sob outro (por exemplo, fala-se por vezes de “regra próxima” e
de “regra remota”).
A norma diretiva (ou regra próxima, ou ativa) é o Magistério vivo; a
norma objetiva (ou regra remota) é a doutrina mesma, mais precisamente
a Revelação divina considerada em seu conteúdo (ou a Tradição divina,
em sentido objetivo, englobando ao mesmo tempo a Tradição escrita e a
Tradição oral). A Deputação recorda ademais, de passagem, essas duas
definições, bem conhecidas evidentemente pelos bispos aos quais ela se
dirige (Cf. os §§ 1 e 2: “A norma objetiva, a saber: a divina
tradição”; “o Magistério da Igreja, no qual é encontrada a norma
diretiva da fé”).
Essa distinção é, portanto, clara. Porém, tendo em vista o seu caráter
fundamental, e para precisar-lhe o alcance e a importância, cremos
útil trazer também, a esse respeito, o testemunho de dois teólogos
“clássicos” que utilizam e definem esse vocabulário.
a. La Règle de la Foi [A Regra da Fé], pelo Pe. Goupil, p. 17:
“A regra objetiva ou constitutiva de nossa fé é a palavra de Deus; eu
devo crer o que Deus disse. Mas como saberei o que Ele disse? Como
saber, por exemplo, se Ele revelou a transubstanciação, o caráter
sacramental do matrimônio, etc.? Haverá regra que governe e dirija
imediatamente a fé? Eis a questão. A essa questão, o católico
responde: o primeiro e principal meio de conhecer a verdade revelada é
escutar o Magistério vivo, instituído por Cristo. A esse Magistério
público, os particulares, os fiéis, devem obediência necessária como à
regra diretiva da fé. – Não, retruca o protestante: a verdade revelada
é conservada unicamente na Escritura, e a regra diretiva da fé é o
juízo privado do fiel que lê a Escritura à luz do Espírito Santo”.
b. De Magisterio vivo et Traditione [Sobre o Magistério vivo e a
Tradição], por Bainvel, p. 14:
“A regra da fé pode ser dita:
ou objetiva e constitutiva; ela significa, então, a quais verdades é
necessário aderir como reveladas. – Sobre esse ponto, a disputa entre
os protestantes e nós incide sobre o fato de saber se há verdades
reveladas que não estão contidas na Escritura santa;
ou diretiva; ela significa, então, por quais instrumentos ou órgãos a
palavra de Deus nos é proposta e nos alcança. Eis, sobre esse ponto, a
controvérsia entre os protestantes e nós: Deus instituiu um Magistério
vivo, ao qual confiou Ele o encargo e o poder de guardar a Sua
palavra, tanto escrita quanto transmitida oralmente, de explicá-la e
de propô-la, de defendê-la e de defini-la, e isso com uma tríplice
prerrogativa:
de autoridade [...]
de infalibilidade [...]
de apresentar as notas de credibilidade [...]”
• Estando assim precisada, sob todos os aspectos, a distinção entre
norma objetiva e norma diretiva (bem como sua capital importância: ela
domina toda a querela entre protestantes e católicos sobre a questão
da regra da fé), o ensinamento da Deputação da fé fica claríssimo:
O cânon de São Vicente de Lérins NÃO DIZ RESPEITO AO MAGISTÉRIO, não
diz respeito à norma diretiva, mas somente à norma objetiva da fé.
As explicações dadas pela Deputação contradizem absolutamente a tese
inteiramente nova, agora vemos bem, dos que pretendem fazer o cânon
lirinense coincidir com o Magistério ordinário universal [3]. O cânon
lirinense, conforme a teologia “clássica” (só falta negarem que a
Deputação da Fé do Concílio Vaticano I seja boa testemunha da
teologia?), não se refere nem ao Magistério ordinário nem ao
extraordinário, nem ao universal nem ao pontifical, pois, em absoluto,
não diz respeito ao Magistério.
• Concluímos esta exposição com uma observação do cardeal Journet, que
indica bem a correlação entre o Magistério e a manutenção, no tempo e
no espaço, da regra objetiva da fé. Essa observação, o célebre teólogo
a faz precisamente a propósito do cânon de São Vicente, no estudo que
já citamos (p. 718):
“Para São Vicente como para nós, pertence à hierarquia, ao corpo
apostólico, ensinar o mundo. Se acontece então que a coerência
doutrinal é preservada no tempo e no espaço, isso será em virtude da
assistência prometida por Cristo à verdadeira hierarquia, ao
verdadeiro corpo apostólico. O quod semper e o quod ubique são ao
mesmo tempo efeitos e sinais da apostolicidade divina autêntica.”
3. O VERDADEIRO SENTIDO DO CÂNON LIRINENSE, SEGUNDO O CARDEAL
FRANZELIN.
a) Excertos principais do texto.
Enunciado da tese:
“O cânon de São Vicente de Lérins designa como atributos da doutrina
católica a universalidade, a antiguidade e o acordo comum sobre a fé;
• Se 1.° consideramo-lo em si mesmo:
Ele é absolutamente verdadeiro em sentido afirmativo, segundo o qual
uma doutrina provida dessas propriedades é certamente dogma da fé
católica; mas ele não é verdadeiro em sentido exclusivo, como se nada
pudesse pertencer ao depósito da fé sem ter sido crido por toda a
parte, por todos e sempre.
• Se 2.° procuramos o sentido da regra no contexto do próprio
Comonitório:
Ele revela duas notas, cada qual suficiente para discernir a
antiguidade absoluta ou apostolicidade de uma doutrina: o acordo atual
da Igreja, de um lado; o acordo da antiguidade relativa, existente
antes do início da controvérsia, de outro lado.”
Desenvolvimento da tese:
“I. O Cânon em pauta é enunciado por São Vicente nestes termos: ‘Na
Igreja Católica mesma, é preciso velar com grande cuidado para que
sustentemos aquilo que foi crido por toda a parte, sempre e por todos.
Isso é, com efeito, verdadeiramente e propriamente católico… Mas tal
se dará, precisamente, se seguirmos a universalidade, a antiguidade, o
acordo.’ [...]
Pode-se crer uma verdade de dois modos, explicitamente ou somente
implicitamente. Todo o conteúdo do depósito da revelação objetiva,
certamente, foi crido por toda a parte, sempre e por todos os
católicos ao menos implicitamente [...] Mas, nesse sentido, [o fato
de] ter sido crido sempre e por toda a parte não pode ser dado como
critério e regra teológica que permita discernir o conteúdo da
revelação; as verdades de fé cridas somente implicitamente não são,
com efeito, conhecidas por si mesmas como reveladas. Mais ainda:
procurar saber se uma doutrina foi crida por toda a parte, sempre, por
todos, ao menos implicitamente e investigar se ela está contida na
revelação objetiva e na Tradição são uma só e mesma coisa; ora, é esse
fato que deve ser demonstrado a partir de outra coisa; ele não é,
pois, critério que permita determinar outra coisa. [...]
O critério proposto só pode, então, ser entendido acerca da fé
explícita. Ora, decorre das teses precedentemente expostas que o
acordo universal sobre um dogma como doutrina de fé, em qualquer época
que ele exista (quovis tempore is existat), é critério certo de que
uma doutrina é divinamente transmitida. Portanto, sem dúvida alguma,
um tal acordo da antiguidade, e da maneira mais retumbante o acordo
universal de todas as épocas, manifestam com certeza a Tradição
divina. Por conseguinte, aquilo que foi crido por toda a parte,
sempre, por todos, não tem como não ser revelado e divinamente
transmitido.
Mas nossas teses precedentes demonstram igualmente isto: certos pontos
de doutrina podem estar contidos no depósito da revelação objetiva sem
terem estado sempre na pregação da Igreja de modo manifesto e
explícito; e assim, enquanto não estiverem propostos suficientemente,
podem ser objeto de controvérsia no próprio interior da Igreja, sem
prejuízo para a fé e a comunhão. Assim, tal ponto de doutrina contido
na revelação objetiva pode, a partir de uma certa época (ao ter sido
suficientemente explicado e proposto), pertencer às verdades que
cumpre necessariamente crer com fé católica: e, no entanto, esse ponto
de doutrina, embora contido desde sempre no depósito da revelação, não
foi crido explicitamente sempre, por toda a parte e por todos, e não
tinha de sê-lo. Assim, se bem que as notas enumeradas no cânon
demonstrem com evidência, pela presença delas, que a doutrina à qual
elas se aplicam é dogma de fé católica, elas porém não provam, pela
ausência delas, que uma doutrina não esteja contida no depósito da fé…
O cânon é, pois, verdadeiro em sentido afirmativo, mas não pode ser
aceito em sentido negativo e exclusivo.
II. Se se considera o cânon em seu contexto, com as explicações dadas
por São Vicente, descobre-se o sentido seguinte: a) a antiguidade
absoluta ou apostolicidade de uma doutrina não é proposta como nota,
pela qual se chega a conhecer outra coisa; ela é aquilo mesmo que está
sendo investigado. b) Duas propriedades são propostas como notas que
dão a conhecer a apostolicidade da doutrina: a universalidade, que é o
acordo presente da Igreja, e o acordo da antiguidade (relativa,
claro), ou seja o acordo que se demonstra ter existido antes do início
da controvérsia. Qualquer uma dessas duas notas, não importa qual,
permite inferir e conhecer a antiguidade absoluta. Com efeito, quando
o acordo presente da universalidade é claro e manifesto, ele é
suficiente por si mesmo; dá-se isso seja por um juízo solene do
magistério autêntico (Concílio ecumênico ou Papa), seja pela pregação
eclesiástica unânime. Em contrapartida, se a controvérsia já tivesse
eclodido, se esse acordo fosse menos perceptível, ou se não fosse
reconhecido pelos adversários a serem refutados, aí então, diz São
Vicente, há que recorrer ao acordo da antiguidade manifestado seja em
juízos solenes, seja nas sentenças convergentes dos Padres.
[...]
O próprio São Vicente declara o que é que ele entende pelo substantivo
universalidade: “nós seguimos a universalidade se reconhecemos como
única fé verdadeira aquela que a Igreja inteira espalhada pela terra
confessa”. A universalidade é, pois, o acordo de toda a Igreja e,
precisamente, enquanto ela se distingue da nota de antiguidade, [a
universalidade é] o acordo da Igreja desta época presente na qual se
levanta a questão. Isso é manifesto no n. 4, em que ele compara a
universalidade como acordo presente, que pode ser perturbado por novos
erros, com a antiguidade como acordo da época precedente, “que não
pode mais ser fraudulentamente ludibriada por uma novidade”. [...]
Que a antiguidade, como nota, seja entendida por São Vicente como
relativa, de sorte que a partir dela se infere a antiguidade absoluta
ou apostolicidade; isso resulta de toda a maneira dele de conduzir a
discussão. [...]
Por fim, São Vicente demonstra claramente em todas as partes que uma
ou outra dessas duas notas, seja o acordo da universalidade presente,
seja o acordo da antiguidade, basta para demonstrar a apostolicidade
da doutrina [5]. “Que fará então o cristão católico – interroga-se ele
no n. 4 – se uma parte da Igreja se afasta da comunhão da fé
universal?” “O que mais, senão antepor a saúde do corpo inteiro ao
membro pestilento e corrompido?” Mas, se há dúvida sobre o acordo
presente, por causa das perturbações suscitadas, a segunda nota
permanece: “então ele cuidará – diz São Vicente – em aderir à
antiguidade”.
Não se pode, pois, duvidar que o sentido que desenvolvemos na tese
seja o sentido autêntico de São Vicente. Uma doutrina à qual faltam
ambas as notas deve ser considerada como, no mínimo, ainda não
suficientemente proposta à fé católica; uma doutrina que se opõe a um
ou outro dos acordos deve ser considerada como novidade profana.”
b) Alguns comentários:
As explicações do Cardeal Franzelin são de tal maneira luminosas que
não resta objetivamente nada a acrescentar.
Façamos simplesmente notar que as explicações dadas em nossos Cahiers
de Cassiciacum [Cadernos de Cassicíaco] sobre a infalibilidade do
Magistério ordinário universal, e que alguns não temem qualificar de
“doutrina inteiramente nova do Pe. Guérard des Lauriers”, correspondem
exatamente ao ensinamento clássico do ilustre cardeal.
Podemos somente repetir o que dissemos logo de início: esse
ensinamento é o da doutrina católica, e impõe-se com toda a certeza a
todos os católicos, ainda que “tradicionalistas”!
Abbé Bernard LUCIEN
_____________
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

(Cf. nota 2, abaixo):


— DEPUTAÇÃO DA FÉ (no Vaticano I).
O texto que citamos faz parte do “Relatório sobre as observações dos
Padres conciliares acerca do esquema sobre o primado do Romano
Pontífice”.
Esse texto encontra-se em Mansi, tomo 52, col. 8-28.
A referência Mansi designa a Amplissima collectio conciliorum,
composta de 53 tomos em 59 volumes.
Começada por J. D. Mansi, prelado italiano, essa coleção foi conduzida
a termo por Mons. Petit e pelo Abbé Martin.
Em seu estado atual, ela foi publicada por H. Welter, livreiro-editor
de Arnhem (Países Baixos).
— FRANZELIN, S.J., De Divina Traditione et Scriptura, 2.ª edição,
Roma, 1875.
Obra em latim sobre “a Tradição e a Escritura divinas”.
— BAINVEL, S.J., De Magisterio vivo et Traditione, Beauchesne, 1905.
Obra em latim “sobre o Magistério vivo e a Tradição”.
Quando do falecimento desse padre da Companhia de Jesus, o Bulletin
Thomiste (t. V, fasc. 1, 1937, p. 83) frisou sua “teologia proba e
serena” e sua “grande santidade de vida”.
— d’ALÈS, S.J., Dictionnaire apologétique de la Foi catholique
[Dicionário Apologético da Fé Católica], fascículo XXIV, 4.ª edição,
Beauchesne, 1928.
Artigo “Tradition chrétienne dans l’histoire” [Tradição cristã na
história] (col. 1740-1783).
Esse dicionário foi realizado sob a direção do Pe. D’Alès; o artigo a
que nos referimos saiu, ele próprio, da pluma desse religioso jesuíta.
— CAYRÉ, A.A., Patrologie et histoire de la théologie [Patrologia e
história da teologia], t. II, 2.ª ed., Desclée et Cie, 1933.
— GOUPIL, S.J., La Règle de la foi [A Regra da Fé], vol. I: “Le
Magistère vivant, la Tradition, le développement du dogme” [O
Magistério vivo, a Tradição, o desenvolvimento do dogma]; 3.ª ed.,
1953.
[Ndt: formatado pelo Rev. Pe. Belmont e disponibilizado para baixar
em: http://www.quicumque.com/article-4065293.html]
— JOURNET, L’Église du Verbe Incarné [A Igreja do Verbo Encarnado],
vol. I : “La Hiérarchie apostolique” [A Hierarquia Apostólica]; 2.ª
ed., Desclée de Brouwer, 1955. Excursus XII: “L’apostolicité, raison
de la conversion de Newman au catholicisme” [A apostolicidade, razão
da conversão de Newman ao catolicismo], pp. 718-724.
— MESLIN, Saint Vincent de Lérins: Le Commonitorium, traduit et
présenté par Michel Meslin. [São Vicente de Lérins: O Comonitório,
traduzido e apresentado por Michel Meslin.] Les éditions du Soleil
Levant, Namur, 1959.
_____________
NOTAS
[1] As referências bibliográficas estão detalhadas ao final do artigo;
no texto, remetemos a elas simplesmente pelo nome do autor e indicação
da página.
[2] Ficamos verdadeiramente chocados, cumpre dizê-lo, ao vermos o
autor que lidera a “inflação” do cânon de Lérins declarar sem medo,
acerca de um texto promulgado solenemente no Vaticano I (texto que
retoma um ensinamento de Pio IX): “Não se há, tampouco, de exagerar a
importância desses dois textos conciliares e pontificais”. E ele chega
ao ponto de afirmar que unicamente os cânones, num Concílio, são
revestidos de infalibilidade. E esse autor, sobre essa matéria, é
apresentado como oráculo por diversas “lideranças” tradicionalistas.
Assim, ao constatar, apesar de suas explicações arrevesadas, que os
documentos do Magistério se opõem ao cânon lirinense tal como ele o
entende, o autor de que falamos resolve rebaixar o valor do
ensinamento do Magistério em comparação com o do escritor
eclesiástico. É a inversão radical da atitude católica, recordada por
Santo Tomás: “O ensinamento mesmo dos doutores católicos recebe a sua
autoridade da Igreja. Decorre daí que é necessário fiar-se na
autoridade da Igreja antes que na autoridade de Agostinho, de Jerônimo
ou de qualquer outro Doutor” (Suma Teológica, IIa-IIae, q. 10, a. 12).
Sobre a infalibilidade dos Concílios, recordemos igualmente o
ensinamento “clássico”: “Quanto aos capítulos doutrinais, também eles
contêm um ensinamento que, imposto a todos pela autoridade suprema
como expressão da tradição constante e como dogma obrigatório da fé, é
consequentemente infalível” (Dictionnaire de Théologie Catholique,
art. “Conciles”, col. 666).
[3] A vanguarda desse movimento desviante é animada por Michel Martin,
no periódico De Rome et d’Ailleurs [De Roma e Alhures]. No n.º 15
(nov.-dez. 1980), Michel Martin publicou ainda longo estudo sobre a
infalibilidade. A inteira seção intitulada “o erro dos sedevacantistas
sobre a infalibilidade” (pp. 13-21) é baseada numa tal identificação:
ela é, portanto, integralmente destituída de valor.
Não queremos insistir demasiadamente no ensinamento de um autor que,
manifestamente, não estudou a questão, a não ser muito de longe. Sem
embargo, a título de ilustração, propomos a nossos leitores comparar o
ensinamento do Cardeal Franzelin, cuja competência ninguém contestará,
ao de Michel Martin (op. cit., p. 16):
“Vimos pelas citações feitas mais acima que, para os sedevacantistas,
a unanimidade dos bispos num dado momento bastaria para garantir a
verdade de um ensinamento de fé e moral. Eis aí uma mutilação do
critério lirinense, dado que, na fórmula resumida ‘sempre e por toda a
parte’, os sedevacantistas suprimem a palavra ‘sempre’.”
[4] “Aquilo que parece repartido em três membros por São Vicente nos
nn. 3, 4, 38, a saber: a universalidade, a antiguidade, o acordo,
somente comporta, na realidade, dois membros realmente distintos, como
o demonstra a explicação do próprio autor. E, no n. 41, [...] ele
mesmo opera a redução a dois membros: ‘Nós dissemos – escreve ele –
que se há de observar o acordo da universalidade e da antiguidade’.”
[5] Vê-se claramente que, para o Cardeal Franzelin, não há nenhuma
“mutilação” do critério lirinense em considerar “o acordo da
universalidade presente” como critério suficiente da apostolicidade de
uma doutrina. Cf. nota 4, p. 91.
_____________
ÍNDICE
O CÂNON DE SÃO VICENTE DE LÉRINS
A. SITUAÇÃO DO CÂNON LIRINENSE.
1. ALGUMAS RECORDAÇÕES HISTÓRICAS.
2. A RECEPÇÃO DO CÂNON LIRINENSE.
B. DOIS ESTUDOS TEOLÓGICOS “CLÁSSICOS” SOBRE O CÂNON LIRINENSE.
1. APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS.
a) Posicionamento da Deputação da Fé no Vaticano I.
b) A exposição do cardeal Franzelin.
2. A POSIÇÃO DA DEPUTAÇÃO DA FÉ NO VATICANO I.
a) Excertos do texto.
b) Alguns comentários.
3. O VERDADEIRO SENTIDO DO CÂNON LIRINENSE, SEGUNDO O CARDEAL
FRANZELIN.
a) Excertos principais do texto.
b) Alguns comentários.
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS (Cf. nota 2, p. 85)
NOTAS
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Bernard LUCIEN, O Cânon de São Vicente de Lérins, 1981, trad.
br. por F. Coelho, São Paulo, abr. 2010, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-ok
de: “Le canon de Saint Vincent de Lérins”, in: Cahiers de Cassiciacum,
n.° 6, maio de 1981, pp. 83-95.
Tradução baseada no texto antigamente disponível em:

“salve-regina.com/Theologie/Canon_saint_Vincent_Lerins.htm”.

Hoje o original se encontra no endereço:

http://www.salve-regina.com/salve/Le_Canon_de_saint_Vincent_de_Lérins
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Vaticano (1870), Doutrina, Método, Michel Martin, Mons. Journet,
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Uma resposta to “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – IV”
1. Textos essenciais em tradução inédita – CX « Acies Ordinata Says:

21 de dezembro de 2011 às 1:11


[...] de St Vincent de Lérins, in: Cahiers de Cassiciacum, n.º 6,
págs. 83-95 (cf. a trad. br. “O Cânon de São Vicente de Lérins”, em:
[...]

Acies Ordinata
"Por fim, meu Imaculado Coração triunfará"
« Textos essenciais em tradução inédita – XCIII
Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XI »
Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – X

Sobre a obediência cega e sem exame


Refutação à Proposição XII

dos Sete teólogos de Veneza


(1606)

São Roberto Cardeal BELLARMINO, S.J.,

Doutor da Igreja
PROPOSIÇÃO XII. O cristão não deve prestar obediência à ordem que lhe
for feita (ainda que feita pelo Sumo Pontífice) se primeiro não houver
examinado se a ordem, na medida em que o exige a matéria, é
conveniente e legítima e obrigatória; e aquele que sem exame algum da
ordem a executa, obedecendo às cegas, comete pecado.
RESPOSTA. Essa proposição se poderia esperar de qualquer um, menos de
pessoas religiosas; mas, deixando de lado a sua origem, que a nós
pouco importa, digo que essa proposição é diretamente contrária aos
Santos Padres; que não se encontra em nenhum bom autor; que enerva a
disciplina de toda congregação bem ordenada, seja espiritual ou
temporal; e é em tudo conforme à doutrina dos luteranos e outros
hereges de nosso tempo.
Não chego a dizer que seja pecado por vezes examinar o preceito do
superior, mas digo que não é pecado não o examinar, bem como que a
obediência é mais perfeita e mais agrada a Deus quando se obedece
simplesmente, sem examinar a ordem, não cuidando de saber por que o
superior ordena, bastando-lhe saber que ordena; sempre, porém,
excetuando quando a ordem contenha pecado manifesto, pois aí não há
ocasião de examinar, devendo-se obedecer antes a Deus do que aos
homens; e, se me fosse dito que quando é duvidoso se a ordem contém ou
não pecado, dever-se-ia então examiná-la para não se pôr em perigo de
pecar, eu responderei com São Bernardo que quando não há nela pecado
manifesto, não se há de examiná-la, nem há aí perigo de pecar, porque
na dúvida o súdito deve remeter-se ao superior e tem de pressupor que
este ordene bem; e eis as palavras dele, no livro De precepto, et
dispensatione [Sobre o preceito e a dispensa]:
“Dir-me-eis, talvez, que os homens podem enganar-se sobre a vontade de
Deus nas coisas duvidosas, e ordenar errado. Que vos importa? Não
tendes culpa nenhuma nesse caso.” [Sed homines (inquis) facile falli
in Dei voluntate de rebus dubiis percipienda, et praecipienda fallere
possunt; sed enim quid hoc refert tua, qui conscius non es?]
E, pouco adiante:
“Aquele, pois, que está no lugar de Deus perante nós, devemos ouvi-lo
como se ouvíssemos a Deus mesmo, em tudo aquilo que não é abertamente
contra Deus.” [Ipsum proinde, quem pro Deo habemus, tamquam Deum in
his, quae aperte non sunt contra Deum, audire debemus.]

Mas passemos aos testemunhos dos Santos Padres.


São Basílio, no livro das Constituições Monásticas, ao cap. 22:
“Assim como as ovelhas obedecem ao seu pastor, e marcham no caminho
pelo qual ele as conduz, assim também os cultores da piedade para com
Deus devem obedecer ao seu superior, sem examinar de maneira alguma os
motivos das ordens que lhes são dadas, se elas estão livres de pecado”
[Quemadmodum pastori suae oves obtemperant, et viam quamcumque ille
vult, ingrediuntur: sic qui ex Deo pietatis cultores sunt,
moderatoribus suis obsequi debent, nihil omnino ipsorum jussa
curiosius perscrutantes, quando libera sunt a peccato].
Notem-se estas palavras: Nihil omnino perscrutantes, de nenhum modo
examinando o preceito do superior. Não importa que São Basílio não
fale do Papa, mas dos superiores imediatos, pois os religiosos são
mais obrigados a obedecer ao Papa, que é o superior principal, do que
aos outros inferiores; o mesmo Santo, no mesmo lugar, prova por aquele
passo do Evangelho: Luc. 10, Qui vos audit, me audit [Quem vos ouve, a
Mim ouve], que essa doutrina de não examinar o preceito do superior
está fundada na Escritura divina, e que aquilo que disse então Cristo
aos discípulos deve-se entender ser dito a todos os prelados que
viriam depois deles na Santa Igreja.
São João Crisóstomo, na Homilia 16 sobre o Gênesis, considera quanto
dano fez ao mundo aquela serpente que ensinou a examinar os preceitos
dos superiores, dizendo a Eva: Cur praecepit vobis Deus? [Por que vos
preceituou Deus? (cf. Gên. 3,1)] E pouco importa que fosse este um
preceito divino, pois Deus mesmo ordenou que se obedeça aos Seus
ministros, como a Ele: Qui vos audit me audit, Luc. 10 [Quem vos
escuta, a Mim escuta], como pouco antes disse São Basílio.
São Jerônimo, em Epístola que escreve a Rústico, diz assim:
“Teme o superior como Senhor, ama-o como Pai, crê salutar seja lá o
que ele te ordenar; não julgues as sentenças dos maiores, pois teu
ofício é obedecer e cumprir aquilo que te é dito.” [Praepositum
timeas ut Dominum, diligas ut parentem, credas salutare quidquid ille
praeceperit: nec de majorum sententia judices, cujus officii est
obedire et implere, quae jussa sunt].
São Gregório Magno, escrevendo sobre o primeiro livro dos Reis, diz
assim:
“A verdadeira obediência não tem a pretensão de penetrar a intenção
dos superiores, nem de fazer um discernimento entre os preceitos que
lhe são impostos; pois aquele que abandona a sua inteira conduta a
quem está encarregado de dirigi-la, põe o seu contentamento somente em
fazer bem o que lhe é prescrito: quem sabe obedecer perfeitamente
proíbe a si mesmo todo juízo, pois considera como o único bem a
obediência às ordens.” [Vera obedientia nec praepositorum intentionem
discutit, nec praecepta discernit; quia qui omne vitae suae judicium
majori subdit, in hoc solo gaudet, si quod sibi praecipitur, operatur:
nescit enim judicare quisquis perfecte didicerit obedire, quia hoc
totum bonum putat, si praeceptis obediat.]
Dos monges do Egito instituídos e instruídos por Santo Antão e São
Macário e semelhantes Santos Padres, refere João Cassiano, no 4.º
livro De institutis renunciantium [Sobre as instituições dos
renunciadores, i.e. os monges], cap. 10, que este era o uso deles:
“E é assim que eles se apressavam em fazer, sem examinar, tudo o que
lhes fosse ordenado por seu superior, como se fosse Deus mesmo quem
lhes impusesse o dever” [Sic universa complere, quaecumque fuerint a
praeposito suo praecepta, tamquam si a Deo sint caelitus edita sine
ulla discussione festinant].
E, no cap. 41, refere o mesmo autor as palavras de um santíssimo Abade
deste modo:
“Verdadeiramente, antes de tudo cultiva isto: faz-te de tolo neste
mundo, segundo a sentença do Apóstolo, para seres sábio, nada examina
nem julga no que te for imperado.” [Verum et hoc prae omnibus excole,
ut stultum te, secundum Apostoli sententiam, facias in hoc mundo, ut
sis sapiens,nihil scilicet discernens nihil dijudicans ex his quae
tibi fuerint imperata].
São Bento, na sua Regra, a qual segundo o testemunho de São Gregório
no 2.º diálogo, cap. 36, é repleta de discernimento e de sabedoria,
descreve no quinto capítulo quais são os verdadeiros obedientes,
dizendo:
“Tão logo algo é ordenado pelo superior, é como se fora ordenado por
Deus, e não suportam demora alguma em fazê-lo.” [Mox ut imperatum a
majore fuerit, ac si divinitus imperetur: moram pati nesciunt in
faciendo].
Por onde, não dê tempo de examinar o que se quer, mas imediatamente e
sem mais delongas se obedeça, como se Deus mesmo houvesse ordenado.
São João Clímaco, aquele que à perfeita obediência chamou cega, em seu
livro intitulado Escada, no quarto degrau, escreve:
“Quando te ocorrer o pensamento de julgar ou condenar teu superior,
afasta-o com a mesma presteza com que afastas pensamentos impuros”
[Cum tibi cogitatio suggesserit, ut prelatum, aut dijudices aut
damnes, ab ea non secus quam a fornicatione discede].
E, pouco adiante:
“Diz assim à serpente: ‘Ó maligno sedutor, não tenho o direito de
julgar meu superior, mas ele tem autoridade de me julgar; não sou eu
quem o julga, é ele quem julga a mim’.” [Loquere ad hujusmodi
serpentem, o seductor maligno, non ego Ducem meum judicandum suscepi,
sed ille me; non ego illius, sed ille mei Dux est].
São Cesário de Arles, na Homilia oitava daquelas que escreve para os
monges do mosteiro lirinense, diz:
“O que quer que te seja ordenado, aceita como se fora ordem do Céu,
saída da boca de Deus; nada repreende nem discute, jamais presume
murmurar, mas julga tudo justo, tudo santo, e útil, o que ao superior
aprouver ordenar.” [Quicquid a senioribus fuerit imperatum accipe
tamquam de coelo sicut de ore Dei prolatum, nihil reprehendas, nihil
discutias, in nullo penitus murmurare praesumas totum justum, totum
sanctum, et utile judica quidquid a prelato videris imperari].
São Bernardo, que escreve depois de todos esses, no livro De
praecepto, et dispensatione, diz assim:
“É sinal de um coração imperfeito e de uma vontade enferma examinar
minuciosamente as injunções de nossos superiores, hesitar a cada ordem
recebida, exigir saber a razão de tudo, e suspeitar o pior de toda
ordem” [Imperfecti cordis, et infirmae prorsus voluntatis iudicium
est, statuta seniorum studiosius discutere, haesitare ad singula, quae
injunguntur, exigere de quibuscumque; rationem, et male suspicari de
praecepto].
E no Sermão, ou melhor dizendo, Tratado De vita solitaria ad fratres
de monte Dei [Sobre a vida solitária, aos irmãos do Monte Deus], diz:
“A obediência perfeita, sobretudo no incipiente, é indiscreta, ou
seja, não discerne nem o que, nem por que se ordena” [Perfecta
obedientia maxime in incipiente, est indiscreta, hoc est, non
discernit quid, vel quare praecipiatur].
Certamente que, se à obediência pôde-se chamar indiscreta, pode-se
ainda chamá-la cega, ainda que isso não agrade aos sete doutores.
Santo Tomás, Doutor Angélico, I-II q. 13 art. 3 ad tertium, tendo
feito contra si mesmo uma objeção tomada da Regra de São Bento, onde
está dito que é preciso obedecer inclusive nas coisas impossíveis,
responde:
“Quanto ao terceiro, deve-se dizer que isso se afirma porque o súdito
não deve definir com seu juízo se uma coisa é possível, mas em tudo
deve ater-se ao juízo do superior.” [Ad tertium dicendum, quod hoc
ideo dicitur, quia an aliquid sit possibile, subditus non debet suo
judicio definire, sed in unoquoque judicio superioris stare].
O que tem para examinar quem não tem de examinar nem mesmo se aquilo
que se ordena é possível ou impossível?
São Boaventura, In speculo disciplinae [Espelho da disciplina],
primeira parte, cap. 4, escreve:
“Chamo de excelente o grau de obediência em que a ordem dada é
recebida com o mesmo sentimento que a ditou; em que a intenção de quem
executa a ordem está inteiramente em sintonia com a vontade que
comanda: que não julguem, pois, as razões dos superiores jamais,
aqueles cujo ofício é obedecer e realizar aquilo que lhes é ordenado.”
[Illum optimum dixerim obedientiae gradum, cum eo animo opus injunctum
recipitur, quo et praecipitur: cum ex voluntate jubentis pendet
intentio exequentis, numquam de majorum sententia judicent quorum
officii est obedire et implere quae jussa sunt.]
O mesmo Santo Doutor, In opusculo octo collationum [Opúsculo das oito
conferências] cap. 3, declara as condições da perfeita obediência
enumeradas como diz ele por Santo Agostinho, e são estas as suas
palavras:
“Para que a obediência seja aceita por Deus, deve ser imediata sem
dilação, devota sem desdenhação, voluntária sem contradição, simples
sem discussão.” [Ut obedientia sit acceptabilis Deo, debet esse
prompta sine dilatione, devota sine dedignatione, voluntaria sine
contradictione, simplex sine discussione.]
Todos esses onze doutores Santos teriam errado, e haveria que corrigi-
los, se os sete doutores de Veneza dizem a verdade. Mas, que eles não
tenham errado, disso dá testemunho Deus onipotente, que com milagres
estupendos confirmou a obediência simples e pronta sem examinar a
ordem do superior.
Escreve Severo Sulpício, no primeiro diálogo dos milagres dos eremitas
do Oriente, que um simples monge ao qual se mandou levar todo dia
água, a cinco quilômetros de distância, para regar um bastão seco
fincado na terra seca e estéril pelo Abade, a fim de que florescesse,
fez isso prontamente por obediência, e Deus fez o bastão seco dar flor
e se tornar árvore, chamada por esse fato de a árvore da obediência.
O mesmo autor, no mesmo lugar, relata um outro que, mandado pelo
superior entrar numa fornalha ardente, sem examinar a ordem, a qual
simplesmente não fora dada para ser executada mas como prova de
obediência, movido – como se deve crer piamente – por particular
instinto divino, pulou na fornalha e ali ficou o quanto foi preciso, e
saiu sem dano às vestes não mais que à sua pessoa, tendo cedido as
chamas do fogo ao ardor da perfeita obediência; e isso que escreve
Sulpício do fogo, São Gregório escreve da água no 2.º Diálogo, cap. 7,
onde diz que São Mauro por obediência caminhou sobre as águas, como se
andasse sobre a terra.
Muitos outros milagres contam, tanto Sulpício em seus diálogos, quanto
Cassiano nos seus livros De institutis renunciantium, que omito por
brevidade.

Peço agora aos sete doutores que me deem um autor santo, ou ao menos
católico, que afirme aquela sua proposição. Considerei todas as
palavras que gastam para provar essa proposição décima-segunda, e não
encontrei que aleguem em favor dela outro além do Cardeal Toleto,
dizendo:
“Essa proposição é doutrina do Cardeal Toleto, o qual, em seu livro
Instructio Sacerdotum [Instrução aos sacerdotes], tomo 5, cap. 4,
assim escreve, falando da residência episcopal: Quando o Papa
encarrega um bispo de algum negócio que exige a ausência deste por um
tempo, este pode se ausentar; mas não basta obedecer, há que ser uma
obediência devida; pois, na ausência de causa razoável, um preceito
não devemos obedecer. [Cum enim Papa imponit aliquod negotium
episcopo, quod requirit ad tempus absentiam, abesse potest: sed
allende, quodnon sufficit obedientia tantum, sed debita, quia cum
absque caussa rationabili aliquid praecipitur, non debemus obedire].”
Aí estão todos os autores que eles citam em prol de sua sentença.
Ao que, nós respondemos: primeiro, que o Cardeal Toleto não trata da
obediência em geral, nem põe in terminis a proposição deles de que o
súdito seja obrigado a examinar o mandamento do superior e peque se
não o fizer. E nós, pelo contrário, alegamos muitos santos que louvam
a obediência daqueles que não examinam o mandamento do superior.
Segundo, respondemos que o Cardeal Toleto fala de um caso em que
ocorrem duas ordens que parecem contrárias, pois o bispo tem um
mandamento do sacro concílio, e por consequência do Sumo Pontífice que
aprovou o concílio, de residir na sua diocese; por onde, quando o Papa
manda-o sair para longe da diocese, pode merecidamente duvidar de qual
dos dois mandamentos deve obedecer, máxime que a obediência de ficar
fora da diocese carrega em si a dispensa para não residir, e as
dispensas não valem in foro conscientiae quando não há causa legítima;
e assim entendo as palavras do Cardeal Toleto, Cum absque caussa
rationabili aliquid praecipitur non debemus obedire, ou seja, que não
devemos obedecer em detrimento de outro mandamento mais importante;
pois, quando não há tal detrimento, deve-se simplesmente obedecer
ainda que o mandamento seja sem causa razoável, dado que não contenha
pecado expresso.
Assim, dado que os sete doutores não têm autor onde apoiar-se, e nós
temo-los aos montes, permaneceremos em nossa sentença, sobretudo
porque, como se disse no princípio, esse ensinamento de examinar os
preceitos não é outro que o de tornar os súditos juízes de seus
superiores e abrir a porta à rebelião e à contumácia.
Certamente que, se no exército devessem os soldados examinar as ordens
do General, máxime quando são mandados a invadir alguma cidade, poucas
vitórias seriam contadas; e por isso os antigos romanos eram tão
rígidos cobradores da simples obediência nos soldados, que não
admitiam desculpa nem interpretação alguma. Daí que Torquato puniu com
a pena capital o próprio filho, porque sem obediência havia combatido,
embora tivesse vencido.
Nos governos políticos, se toda a vez que o Príncipe emite um edito de
que não se faça isto ou aquilo, fosse lícito, ou melhor dizendo,
conforme os sete doutores, fosse obrigatório sob pena de pecado não
admitir essas ordens sem examiná-las diligentemente, e em seguida não
as executar se não lhes parecessem convenientes, vão seria o poder
público, nem se poderiam governar as cidades ou as províncias.
Igualmente, quando o Bispo prega ao povo, e manda aquilo que devem
crer, e obrar, para salvar-se, se os ouvintes fossem obrigados a
examinar esses preceitos do Prelado, que confusão não nasceria na
Igreja? Aquela, por certo, que hoje vemos nas congregações dos
luteranos, onde cada qual se faz juiz, segundo a sua consciência, das
decisões acerca da fé ou costumes dadas pelos ministros, nem se podem
lamentar dessa insolência os seus líderes, pois foram eles que os
ensinaram a fazer-se censores e juízes de seus superiores, dando a
essa desobediência o nome de liberdade de consciência.

Mas vejamos agora como provam os sete doutores a sua proposição:


Primeiramente dizem que não se há de obedecer ao Papa quando ele
ordena coisas de pecado; e por isso é necessário examinar a ordem se
porventura contenha pecado.
A isso já se respondeu com São Bernardo, que se o pecado é manifesto,
não se deve obedecer nem é preciso exame nas coisas manifestas; se o
pecado é duvidoso, deve-se obedecer remetendo-se ao juízo do superior:
nem por isso põe-se o súdito em perigo de pecar, pois Deus lhe ordena
que obedeça ao superior, e não que examine ou julgue as ações do
superior, de modo que, se naquela obediência houver pecado, a culpa
será do superior, e o mérito, do súdito.
Em segundo lugar dizem que pode ser que a ordem do Papa traga consigo
escândalo ou perturbação da república, ou destruição da Igreja, e por
isso importa examiná-la.
Responde-se que se o escândalo, e outros males, são manifestos, é sem
exame que já não se deve obedecer, pois estes são pecados; mas, se
houver dúvida, ao Papa incumbe examiná-la, não ao súdito, pois a
prudência é virtude necessária aos superiores; a obediência, aos
súditos.
Em terceiro lugar dizem que o Papa Alexandre III, no cap. Si quando de
rescript, quer que, quando ele ordena alguma coisa, ou ela seja
obedecida pelos súditos, ou se apresentem causas razoáveis pelas quais
não possam obedecê-la. Logo, o Papa quer que se examine o seu
mandamento.
Respondo que o Papa Alexandre fala de um caso particular, isto é, o de
quando o próprio superior duvida se é bom fazer aquilo que ele ordena,
pois talvez não esteja bem informado, e nesse caso é necessário
examinar o mandamento, pois o superior ordena que se o examine: e isso
se colhe das palavras subsequentes, em que o Papa dá a razão dizendo:
pois Nós pacientemente suportaremos não ser obedecidos, quando
conheçamos ter sido falsamente informados.
Em quarto lugar dizem que foram louvados, nos Atos dos Apóstolos, cap.
17, os de Bereia que, escutando as palavras de São Paulo com muita
avidez, escrutavam todo o dia as divinas Escrituras para ver se era
assim como São Paulo pregava: não seria menos louvável escrutar as
Escrituras e outras doutrinas católicas, para ver se se deve fazer
assim como o Papa ordena.
Respondo que esse é o argumento próprio dos luteranos, como se pode
ver em nosso livro III, De verbo Dei, cap. 10, e daí não somente
deduzem eles que se possa duvidar dos preceitos particulares do Papa
em matéria de censura, mas também das decisões de fide e da doutrina
das boas obras em geral, nas quais, porém, os sete doutores dizem que
o Papa não pode errar, sem embargo espalham sementes de doutrina que
atingem os fundamentos da fé. E, por isso, rogo com todo o afeto à
sereníssima república que abra bem os olhos e veja aonde querem levá-
la esses seus doutores.
Esse lugar da Escritura não tem nada a ver com a controvérsia
presente, pois São Paulo não ordenava nada aos de Bereia, mas
anunciava-lhes a vinda do Salvador predita pelos profetas: para que
efeito, então, se alega agora essa Escritura, pela qual os luteranos
se esforçam de provar que não se deve crer nem no Papa, nem nos
Concílios, se antes não se examina a decisão do Papa e dos Concílios
com a Sagrada Escritura?
Nem, tampouco, é boa consequência que, se são louvados os de Bereia
porque examinavam a pregação de São Paulo com as Escrituras, devam-se
louvar aqueles que examinam as ordens do Papa com as Escrituras e
outras doutrinas católicas: pois os de Bereia não eram ainda cristãos,
nem tinham certeza de que São Paulo tivesse o Espírito Santo e não
pudesse errar, e por isso faziam bem em estudar as Escrituras dos
profetas que São Paulo citava, pois por esse meio Deus dispunha-os a
receber a fé. Mas os cristãos, que já têm a luz da fé e têm a certeza
de que o Papa e os Concílios legítimos são guiados pelo Espírito
Santo, não merecem louvor, mas censura, se duvidando das suas decisões
quiserem esclarecer-se com o estudo da Escritura santa; e,
semelhantemente, aquele que sabe que o Papa é verdadeiro Vigário de
Cristo, e que detém o lugar d’Ele na terra, não merece louvor algum em
examinar as suas ordens, mas todavia a merece em obedecer sem tal
exame quando não vê pecado manifesto, sendo esta a perfeita
obediência, como acima foi demonstrado.
Em quinto lugar alegam a repreensão feita por São Paulo a São Pedro,
da qual se fala em Gál. 2; e que São Pedro deu aos fiéis as razões do
que fizera, quando eles murmuravam sobre ele por ter pregado a
Cornélio, que era gentio, Act. 11; e que o mesmo São Pedro disse:
Prontos para dar as razões, a todo aquele que as pedir, da fé que
temos em nós [Parati reddere rationem unicuique poscenti de ea, quae
est in nobis fide (cf. I Pdr. 15)].
Respondo que esses lugares não vêm ao caso, pois a repreensão de São
Paulo não foi porque São Pedro tivesse ordenado mal, mas porque
retirando-se da conversação dos gentios, para não escandalizar os
judeus recém-convertidos à fé, vinha a escandalizar os gentios recém-
convertidos à fé, e, quando São Pedro prestou contas aos fiéis por ter
pregado a Cornélio, não o fez por obrigação, mas por bondade sua, e
para consolar os fiéis com a novidade da Revelação que havia
acontecido e dos milagres ocorridos na conversão de Cornélio: São
Gregório, no livro 9, epist. 39, tratando desse fato, diz que São
Pedro teria podido repreender os fiéis e adverti-los que não tivessem
ardis de julgar o seu superior, mas que lhe apeteceu ensinar a
mansidão, com o seu exemplo, a todo o mundo; aquelas outras
palavras, Parati semper reddere rationem, são alegadas totalmente fora
de propósito, pois não falava aí São Pedro de dar as razões das
ordens, mas da fé e esperança que temos como cristãos, sendo bem
instruídos para defender a nossa santa Religião católica, das calúnias
dos infiéis.
Em sexto lugar dizem: que o Papa pode errar nos juízos particulares, e
por isso devem os fiéis se precaver acerca de se nos preceitos haja
erro.
Respondo que não se nega que se possa considerar se nos preceitos
particulares haja erro, por má informação ou outra causa semelhante;
mas dizemos não existir essa obrigação, sendo melhor obedecer
simplesmente.
Em sétimo lugar dizem ser regra geral dos doutores que quem se expõe a
perigo de pecar, peca, dizendo a Escritura: Qui amat periculum peribit
in illo [Quem ama o perigo, nele perece], Ecles. 3; logo, todos estão
obrigados a examinar se no preceito do superior há pecado; senão, se
expõem a perigo de pecar e, consequentemente, pecam.
Já se respondeu, com São Bernardo, que não se expõe a perigo algum
quem obedece ao superior simplesmente, pois ver se há pecado toca ao
superior, não ao súdito, e por isso, o pecado cometido incientemente,
não há culpa nele, embora a haja no superior.
E quando replicam que a ignorância não escusa se não for invencível, e
invencível não se pode dizer quando a pessoa não faz aquilo que sabe e
pode para encontrar a verdade, e por isso devem todos examinar o
preceito, para poder assegurar-se de ter feito quanto sabem e podem
para encontrar a verdade.
Respondo que o súdito não é obrigado a procurar nem a saber se no
preceito do superior encontra-se algum pecado, como muitas vezes já
foi dito; assim, deve crer, como dizem os santos supracitados, ser
tudo justo e bom quanto lhe ordena o superior, e não é ignorância
culpável quando a pessoa não procura e não sabe aquilo que ela não
está obrigada a procurar e saber.
E quando respondem de novo que se deve pressupor que o superior sempre
ordene bem, quanto a não fazer mal conceito dele; mas não se deve
pressupor que sempre ordene bem, quanto a executar a sua ordem.
Respondo que nessa matéria não tem lugar essa distinção entre
pressupor o bem, para ter bom conceito de alguém, e não para executar
a sua ordem; pois devendo o perfeito obediente com grande sinceridade
crer que a ordem do superior é justa e boa, deve crê-lo tanto para ter
o superior em bom conceito, quanto para executar a sua ordem; aquela
distinção tem lugar quando duvido se alguém quer me ferir, pois aí
então devo, não fazer mal juízo dele, mas todavia resguardar-me como
se fosse certo que ele procura me ferir.
Em oitavo lugar alegam que o Papa é homem que pode pecar e falhar, e
que por vezes os sucessores revogam os preceitos de seus
predecessores, e nas decretais dizem estar preparados a revogar as
suas sentenças, se for mostrado que teriam cometido injustiça, e citam
para tanto o cap. Ad Apostolicae, de sent. et re jud. in 6.
Respondo que tudo isso é verdadeiro, mas não prova que o súdito seja
obrigado a examinar o preceito de seu superior: que era a proposição
que se tinha a provar.
Finalmente dizem que, embora seja doutrina comum que nas coisas dúbias
o súdito deve remeter-se ao juízo do superior, não obstante, isso se
deve entender de quando o súdito tiver examinado bem o preceito e não
tiver conseguido se esclarecer sobre a verdade; e não quando não tiver
querido pensar nisso nem tiver querido examinar o preceito, como
estava obrigado a fazer.
Respondo que o súdito não é obrigado a pôr-se dúvidas, mas pode, como
já se disse, sem nenhum exame obedecer; mas, quando lhe advém a dúvida
de que talvez no preceito se contenha pecado, e ele crê que
investigando saberá esclarecer-se sobre a verdade, nesse caso cremos
também nós que ele deva procurar esclarecer-se; mas, se ele não crê
poder se esclarecer, ele pode e deve depor a dúvida e obedecer ao seu
superior.
E esta é a doutrina comum de Santo Agostinho e de Santo Tomás e dos
sagrados cânones, referidos por Silvestro, verbo, Obedientia, num. 2.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
São Roberto Cardeal BELLARMINO, S.J., Sobre a obediência cega e sem
exame. Refutação à Proposição XII dos Sete teólogos de Veneza, Roma,
1606; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-WV
de: Risposta al trattato dei sette teologi di Venezia sopra
l’interdetto della Santità di nostro Signore Papa Paolo V, in: Roberti
Cardinali Bellarmini Opera Omnia, Tomi Quarti pars II, Ad
Controversias Additamenta, et opuscula varia polemica, Nápoles, 1856,
pp. 453-473,

http://books.google.com/books?id=0DgAAAAAYAAJ&pg=PA453

(O trecho traduzido se encontra nas págs. 464-467.)


Cf. tb. Responsio Cardinalis Bellarmini ad tractatum septem
theologorum Venetorum, 1607,

http://books.google.com.br/books?id=dHFFAAAAcAAJ
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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7 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – X”
1. Sandro de Pontes Disse:

18 setembro 2011 às 15:56


Felipe, salve Maria.
Quando eu acho impossível você postar textos que superem os
anteriormente postados, eis que você me aparece com uma obra de arte
como esta ora publicada.
Muito, mas MUITO bom mesmo!
Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!
Abraços e parabéns pelo trabalho prestado,
Sandro
2. Irmão Bento Disse:

19 setembro 2011 às 11:20


Caro senhor Felipe Coelho,
Pax !
De fato o texto reestabelece, entre os que se dizem seguidores da
Tradição, a noção exata de obediência. O testemunho dos Santos Padres,
dos Padres da Igreja, dos Santos Doutores são mais que suficientes
para nos fazer VER que os que pregam a desobediência não andam pelas
vias da ortodoxia e do bom caminho!
Mas a questão tb não pára por aqui… Outro ponto ainda obscuro para
muitos é a questão da comunhão com os heréticos, com aqueles que negam
os dogmas, que insultam a Igreja, e que praticam atos de apostasia
publica! É preciso ler na Patrologia e nos Santos Doutores a completa
impossibildade de rezar o “una cum” e de apelar para os hereticos na
recepção dos sacramentos.
É fato que a Igreja do Vaticano II perdeu as notas da verdadeira
Igreja. Perdeu sua catolicidade e principalmente perdeu a sucessão
apostólica legítima! Seus sacramentos são falsos, nulos, e não
concedem mais a graça do Espirito Santo. É preciso que isso seja dito
por toda parte! Chega de permanecemos inertes diante da Operação do
Erro! Nada nesta igreja produz salvação ou constitui ato de adoração e
louvor a Trindade Santa.
In Xto,
Irmão Bento
3. Felipe Coelho Disse:

20 setembro 2011 às 12:33


Caro Prof. Viana, Salve Maria!
Sem dúvida que os tradicionalistas sedeplenistas fazem bem, não mal,
de pregar a desobediência ao que vai contra a fé e a moral. O problema
vem, muitas vezes, na hora que tentam justificar-se e, também, por não
tirarem a consequência da necessidade de desobediência habitual à alta
hierarquia conciliar, que é a atual vacância da Santa Sé Romana,
Mestra de todas as igrejas.
Sem dúvida que não se pode ter comunhão in sacris com cismáticos ou
hereges declarados, como por exemplo os cismáticos greco-russos, que
têm rituais muito bonitos e solenes, mas são cismáticos e hereges.
Mas claro que, antes da condenação pela Santa Igreja Católica
Apostólica Romana, única verdadeira e fora da qual não há salvação, é
natural que haja discordância entre os católicos sobre quem é herege
ou não, quem é cismático ou não, dentre os que ainda não foram
expressamente condenados.
Não me parece correto afirmar que seja impossível a um leigo, padre ou
mesmo bispo aceitar o Vaticano II, por exemplo “à luz da Tradição”
como dizem, e permanecer católico, embora em perigoso erro.
No mais, também outras afirmações suas me parecem demasiado
peremptórias e pediriam matizes, mas antes gostaria de lhe perguntar
se o senhor aceita tudo isso que afirmei, pois não quero crer que o
senhor esteja realmente considerando apostatar para o cisma e heresia
dos exilados russos.
Atenciosamente,

Em JMJ,

Felipe Coelho
4. Irmão Bento Disse:

20 setembro 2011 às 19:01


Caro Senhor Felipe Coelho,

Pax !

Minha amizade, consideração e respeito pelos “exilados” russos vêm de


longa data, quando eu ainda estava ligado aos quadros de cooperados da
TFP, nas campanhas anticomunistas, na década de 80. Eu os conheci
através do artista, e mais tarde sacerdote tradicionalista, Hélio Buck
Júnior, de saudosa memória, que fazia aulas de iconografia com eles em
Vila Alpina, através do também finado professor Rodion, conhecido
iconógrafo da Igreja Russa no Exílio. Igreja que mantinha uma forte
oposição ao regime comunista soviético, e por quem quem a TFP sempre
manteve simpatia e admiração, embora com as devidas reservas.

Foi nestes tempos que eu conheci o Revmo. Padre George Petrenko, hoje
bispo Gregorio, com quem mantive relações de amizade e respeito ainda
que distantes, por todos estes anos. No entanto, recentemente, após eu
ter tomado conhecimento de estar entre eles como monge um antigo
companheiro de fundação sedevacantista, o Senhor Claudio Alberto
Fernandes ( Ir. Pio Maria ), uma nova fase de aproximação se tornou
possível, principalmente por conta do projeto de vida monástica deste
antigo companheiro de acordo com os cânones da Igreja Russa apoiados
pelo bispo Gregório.

No entanto, meus laços com a espiritualidade da Igreja Ortodoxa com


sua esplendida liturgia e sua veneração pela Tradição dos Santos
Padres e dos Concílios Ecumênicos vêm destes tempos em que em São
Paulo “caçávamos” uma missa digna para ser assistida no cumprimento do
preceito. Nesta época Dr. Plínio já não ia mais a Eparquia Greco-
melquita de Nossa Senhora do Paraiso, pois que Dom Elias Coueter já
não era bispo e Dom Espiridon Mattar fazia alguns desatinos pelos
quais foi inclusive exonerado da Eparquia.

Com a amizade do Hélio Buck e o conhecimento da Igreja Russa eu passei


a freqüentar a missa dos Uniatas que acontecia numa pequena capela de
um colégio no bairro do Ipiranga. Esta missa era então celebrada por
um velho sacerdote, formado em Roma pelo Russicum, de acordo com as
disposições do Papa Pio XII. A amizade com este velho sacerdote, sua
direção espiritual, me fez amar profundamente a espiritualidade da
Igreja Russa e sua Divina Liturgia celebrada segundo o rito de São
João Crisóstomo. Dessa forma passei a estudar os costumes, a liturgia,
e principalmente a teologia da Igreja Russa, tendo inclusive tido a
oportunidade, em 1993, de visitar o Russicum em Roma, que fica próximo
a Santa Maria Maior.

E hoje, depois de tantos dissabores, de tantas perseguições, de tantos


escândalos, de tantas perplexidades, de fato eu me vejo não numa
situação de “apostatar” para a Igreja Russa, mas de considerar de
forma justa os acontecimentos históricos que envolvem os caminhos
desta Igreja e Roma, e considerar a sucessão apostólica de seus
bispos, a legitimidade de seus sacramentos e costumes. Mas adianto ao
senhor que não tenho a menor pretensão de deixar de pertencer a Igreja
Una, Sancta, Catholica e Apostólica.

As dificuldades trazidas pela apostasia de Roma através do herético


conciliábulo do Vaticano II com a conseqüente perda de validade do
novo rito de consagração episcopal, e de roldão, a invalidade das
novas ordenações, dos novos ritos dos sacramentos, e mais a
problemática em torno da falta de “mandato”, e, portanto da
legitimidade e liceidadade das consagrações episcopais realizadas por
Mgr. Lefebvre e Mgr. Thuc, conforme o demonstram a revelia os estudos
do Revmo. Pe. Belmont me forçam a estudar alguns meios para conseguir
um sacerdócio válido, regular e legitimo, onde possa terminar meus
dias como monge, como filho de São Bento.

Essa procura se desenvolva num clima de estudos de toda a situação da


Igreja Russa, de sua doutrina, seus costumes, sua liturgia e sua noção
de catolicidade. Mas a coisa se mantém apenas neste nível. E para isso
tenho mantido conversar com o Bispo Gregorio e com o Monge Clemente
Fernandes.

As fotos que eu tenho, antigas, de quando Mons. Pivarunas veio a nossa


fundação beneditina sedevacantista no Brasil para receber meus votos e
me dar a tonsura clerical, mostram nossa capela bastante bizantina,
com uma iconostase no estilo russo, e todo nosso apreço pela
espiritualidade da Igreja Russa. Com certeza o mesmo apreço que levou
Pio XII a fundar o Russicum para formar padres para serem enviados à
Rússia comunista e poderem salvar o povo russo do jugo dos soviéticos
anticristãos e anti-católicos.

O que eu posso lhe garantir, diante de Deus, é que eu jamais vou


deixar de pertencer a Igreja Católica, e bem entendida, em toda sua
extensão católica, verdadeiramente universal, amparando, abrigando e
defendendo todo o passado que nos liga a espiritualidade e a teologia
dos Patriarcados de Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Constantinopla,
bem como sua Liturgia, formas de piedade e costumes santos.

Mas permaneço a sua disposição para aclarar qualquer ponto sobre esta
minha conduta em relação a Igreja Russa, garantindo também ao senhor
que rechaço todo erro, toda heresia e todo cisma que os Orientais, por
questões diversas, de múltiplos aspectos, acabaram caindo ao longo do
tempo, tanto quanto rechaço os erros, heresias e cismas que
aconteceram por aqui, no Ocidente, desde o triunfo do Humanismo, da
heresia Luterana, do Naturalismo, do Liberalismo e por fim do
Modernismo condenado por São Pio X, mas inteiramente assimilado pelo
herético conciliábulo do Vaticano II com seus falsos papas e seus
falsos bispos e padres.

Rogo a Santíssima Mãe de Deus, a Theotókos, que tenha piedade de nós


pecadores, e salve nossas almas da perdição eterna!

In Xto,

Irmão Bento, por profissão religiosa monástica, filho de São Bento,


Patriarca dos Monges do Ocidente
5. Felipe Coelho Disse:

22 setembro 2011 às 0:42


Caro Prof. Viana, Salve Maria!
Lamento muitíssimo que o senhor tenha vindo comentar em meu blogue,
sendo que tantas vezes lhe pedi que não o fizesse, e ainda por cima
venha a este espaço católico e dirigido a católicos na condição de
defensor de coisas completamente acatólicas.
Claro que agradeço, embora a história me seja nauseante, por o senhor
se dar ao trabalho de contar tão pormenorizadamente o itinerário de
sua triste aproximação dos inimigos de Cristo Nosso Senhor.
Não posso deixar de fazer graves reparos, como o senhor facilmente há
de compreender.
1. O senhor afirma crer, como eu, na “perda de validade do novo rito
de consagração episcopal, e de roldão, a invalidade das novas
ordenações”. No início, porém, referindo-se a quem primeiro
introduziu-o na amizade dos cismáticos russos, o senhor fala de um
“sacerdote tradicionalista, Hélio Buck Júnior”.
Ocorre que o Rev. Pe. Bernard Henri René Jacqueline, que ordenou o
finado Sr. Buck no Instituto Cristo Rei, foi por sua vez sagrado bispo
da Igreja Conciliar em 19 de junho de 1982, mais de uma década,
portanto, depois da reforma dos ritos de ordenação episcopal e
sacerdotal por Paulo VI. (Incidentalmente, o consagrador do Padre
Jacqueline foi o cardeal progressista de João Paulo II Agostino
Casaroli – famoso especialmente pela Ostpolitik –, tendo como co-
consagradores os cardeais de JP2 Silvestrini, ultra-progressista, e
Lourdusamy, que não conheço mas dize-me com quem andas…
Foi por causa desse problema, aliás, que traduzi aquele estudo do Rev.
Pe. Scott que provoca tanto escândalo farisaico, por motivos óbvios,
entre os que enviam seus filhos, e os filhos dos outros, para o
Instituto Bom Passatempo, como o chamava com muita propriedade o Rev.
Pe. Joël Danjou: Os padres da Igreja Conciliar devem ser “reordenados”
quando vêm para a Tradição? (2007, http://wp.me/pw2MJ-hh).
2. Semelhantemente, o senhor menciona “a problemática em torno da
falta de ‘mandato’, e, portanto da legitimidade e liceidadade das
consagrações episcopais realizadas por Mgr. Lefebvre e Mgr. Thuc,
conforme o demonstram a revelia os estudos do Revmo. Pe. Belmont”.
Já agora, pôr mandato entre aspas… Mas logo retorno sobre isso.
O fato é que, se o senhor também crê ilegítimas essas consagrações
ditas “selvagens”, então lamento dizer mas, quando conta que o
boníssimo “Mons. Pivarunas veio a nossa fundação beneditina
sedevacantista no Brasil para receber meus votos e me dar a tonsura
clerical”, o fato é que nem o bispo Pivarunas pode ser dito Monsenhor,
embora tenha o caráter episcopal, nem tinha ele autoridade episcopal
alguma para receber votos e dar a tonsura clerical a quem quer que
seja sem cometer sacrilégio.
3. O senhor afirma que esses e outros problemas o “forçam a estudar
alguns meios para conseguir um sacerdócio válido, regular e legitimo,
onde possa terminar meus dias como monge”.
Como assim?
Lembrei-me de uma pessoa a mim muito querida que, certa vez, formulou
o seguinte argumento realmente irrefutável contra o sedevacantismo:
sendo verdade, não haveria seminário para onde ir… Uma nova e inaudita
promessa de Cristo?
Caro Professor, permita-me copiar aqui tradução de um excerto de
resposta do Rev. Pe. Belmont imediatamente anterior àquele que traduzi
em “A destruição do Matrimônio pelo Vaticano II e as más soluções dos
tradicionalistas” (2005, http://wp.me/pw2MJ-Ba ):
“O problema da vocação sacerdotal é angustiante. A ele se aplica a
palavra de Nosso Senhor: ‘Não fostes vós que me escolhestes, mas fui
eu que vos escolhi a vós’ (Jo XV,16). Essa vocação é, pois, um
verdadeiro chamado, mas também aí é preciso não se enganar. O chamado
interior, quero dizer o desejo do sacerdócio, a atração para ele, não
é mais que preparatória ao único chamado que constitui a vocação
sacerdotal: o chamado da Igreja na pessoa do Bispo legítimo. É o que
ensina clarissimamente o Catecismo do Concílio de Trento: “Vocari
autem a Deo dicuntur qui a legitimis Ecclesiæ ministris vocantur – São
ditos chamados por Deus os que são chamados por legítimos ministros da
Igreja” (de Ordine §1). Certamente que o Bispo só chama aqueles que se
apresentam livremente, que têm as qualidades e a ciência exigidas, que
têm reta intenção; mas a vocação propriamente dita é dada pelo Bispo.
ela é o chamado que ele faz em nome da Igreja. Para ser chamado, é
preciso um Bispo: um Bispo que tenha sido, ele próprio, chamado pelo
Soberano Pontífice. Senão, ele não o pode, não mais do que ele pode
chamar à confirmação: nemo dat quod non habet [ninguém dá aquilo que
não tem].
Na situação presente, aqueles que têm o desejo sobrenatural do
sacerdócio e as capacidades requeridas não podem senão preparar-se
pelo estudo, a oração e a regularidade, no aguardo na hora de Deus. É
difícil, humanamente insustentável talvez, mas é o preço da
fidelidade: fidelidade ao chamado da graça de um lado, fidelidade ao
sacerdócio católico de outro. Pois não é possível voltar-se — nem para
os ‘São Pedro’: lamentavelmente, a adesão a Bento XVI (falsa regra da
fé) acarreta a adesão ao Vaticano II, destruidor da inteligência da fé
e portador de graves erros condenados pela Igreja, como a liberdade
religiosa, e uma falsa concepção da Encarnação e da Igreja mesma… de
resto, a aceitação dos novos sacramentos em seu princípio faz duvidar
legitimamente da validade de certas ordenações sacerdotais; — nem para
os “São Pio X”: lamentavelmente, a adesão a Bento XVI e a simultânea
recusa dos erros do Vaticano II levam a inventar doutrinas heterodoxas
que destroem a autoridade do Magistério da Igreja e do Soberano
Pontífice… de resto, é empenhar-se na via episcopal de que passo a
tratar; — nem para os bispos sagrados sem mandato apostólico. As
sagrações sem mandato do Soberano Pontífice são contrárias à própria
constituição da Igreja: “Unicamente o Papa institui os bispos. Esse
direito lhe pertence soberanamente, exclusivamente e necessariamente,
pela constituição mesma da Igreja e pela natureza da hierarquia” (Dom
Gréa). Bispos sem vocação não podem dar aquilo que eles não têm, e
ordenam padres sem vocação; pode-se temer muito pelo futuro… O
problema é grave, pois, mas de maneira nenhuma desesperado. É sempre
possível consagrar-se a Deus, mesmo que isso tenha se tornado mais
difícil; nunca houve tantos motivos para se consagrar a Ele, para
consolar Seu coração, pelo esplendor de Sua Igreja tão desfigurada,
para a imolação de si mesmo em meio a um mundo de gozo, pela
irradiação da doutrina católica no momento em que ela é negada,
diminuída, menosprezada por todas as partes. Quanto ao sacerdócio, é
possível contemplá-lo ou mesmo se preparar para ele de forma remota,
tendo o firme propósito de nada desejar nem fazer que seja contra a
doutrina católica ou a constituição da Santa Igreja. Deus, que não
abandona a Sua Igreja, não abandonará jamais os que querem trabalhar
por ela e a ela se consagrar.”
(Rev. Pe. Hervé BELMONT, Resposta às questões Graves de L.S., 4-V-
2005,

http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=625 )
Sobre essas questões, trata-se mais longamente nos Apêndices III e IV
do livro do Rev. Pe. Hervé BELMONT, As Sagrações Episcopais Sem
Mandato Apostólico em questão, 2000, http://wp.me/pw2MJ-r2
Leitura recomendabilíssima. Com cuja recomendação, porém, não quero
dizer que creia o senhor idôneo para o sacerdócio, antes, se me perdoa
a franqueza, devo dizer que o oposto é bastante manifesto, como me
parece provar-se, a seguir, pelas palavras do senhor mesmo.
4. O senhor prossegue afirmando “apreço pela espiritualidade da Igreja
Russa. Com certeza o mesmo apreço que levou Pio XII a fundar o
Russicum para formar padres para serem enviados à Rússia comunista e
poderem salvar o povo russo do jugo dos soviéticos anticristãos e
anti-católicos.”
Há aí uma maneira bastante peculiar de formular os desejos do Papa! Na
realidade, a missão do idealizador do Russicum Mons. D’Herbigny, por
exemplo, na Rússia, era restabelecer a Hierarquia Católica Romana no
país e não apenas um vago anticomunismo; foi para esse fim que o então
Cardeal Pacelli recebeu ordens do Papa Pio XI de sagrá-lo secretamente
bispo in partibus de Illium, ou seja Tróia…
5. O senhor fala em “apostasia de Roma”, mas, na realidade, a Igreja
de Roma é indefectível, e o que hoje faz as vezes de Roma é uma falsa
igreja, uma anti-igreja, comandada por “Romanos” que não são
verdadeiramente tais, como notou mesmo um bispo da FSSPX, nesse ponto,
lamento dizer, mais ortodoxo que o senhor:
“Não creiam que as discussões que teremos com Roma – se Deus o
permitir – tenham por objetivo depor as armas ou fazer a paz, não se
trata disso. Trata-se de convencer os hereges de suas heresias. Trata-
se de convencer de erro os ‘Romanos’ que não são verdadeiros Romanos.
Não se trata de fazer a paz. Será preciso combater longamente,
longamente continuar a combater, caros fiéis.”

(bispo Bernard TISSIER DE MALLERAIS, Conferência de 5-VI-2009, cit.


em: Lettre des dominicains d’Avrillé [Circular dos dominicanos de
Avrillé], de junho de 2009, p. 5).
O senhor dá toda a mostra de confundir tragicamente – talvez em razão
de suas tantas idas e vindas entre as duas? – a Igreja Católica Romana
com a Igreja Conciliar! Senão vejamos.
6. Voltando às razões profundas do mandato entre aspas acima, as
mesmas sem dúvida do apostatar entre aspas abaixo, o que francamente
beira o insulto à inteligência e boa fé de nós, católicos apostólicos
romanos, é o senhor vir ainda afirmar:
“E hoje, depois de tantos dissabores, de tantas perseguições, de
tantos escândalos, de tantas perplexidades, de fato eu me vejo não
numa situação de ‘apostatar’ para a Igreja Russa, mas de considerar de
forma justa os acontecimentos históricos que envolvem os caminhos
desta Igreja e Roma, e considerar a sucessão apostólica de seus
bispos, a legitimidade de seus sacramentos e costumes. Mas adianto ao
senhor que não tenho a menor pretensão de deixar de pertencer a Igreja
Una, Sancta, Catholica e Apostólica. [...] Essa procura se desenvolva
num clima de estudos de toda a situação da Igreja Russa, de sua
doutrina, seus costumes, sua liturgia e sua noção de catolicidade. Mas
a coisa se mantém apenas neste nível. E para isso tenho mantido
conversar com o Bispo Gregorio e com o Monge Clemente Fernandes. [...]
O que eu posso lhe garantir, diante de Deus, é que eu jamais vou
deixar de pertencer a Igreja Católica, e bem entendida, em toda sua
extensão católica, verdadeiramente universal, amparando, abrigando e
defendendo todo o passado que nos liga a espiritualidade e a teologia
dos Patriarcados de Jerusalém, Antioquia, Alexandria e Constantinopla,
bem como sua Liturgia, formas de piedade e costumes santos. Mas
permaneço a sua disposição para aclarar qualquer ponto sobre esta
minha conduta em relação a Igreja Russa, garantindo também ao senhor
que rechaço todo erro, toda heresia e todo cisma que os Orientais, por
questões diversas, de múltiplos aspectos, acabaram caindo ao longo do
tempo [...].”
Prezado Prof. Viana, como não se espantar e indignar por o senhor
tentar usar aí comigo de linguagem ecumênica, ambígua, inclusiva,
anfibológica, ao mesmo tempo que condena o ecumenismo do conciliábulo
vaticano II como herético?!
Não existe Igreja Católica que não a Católica Romana.
É sempre a contradição, assim como quando o senhor fazia as mais
violentas invectivas contra a FSSPX, ao mesmo tempo que mantinha laços
de confidente e difusor das fofocas pérfidas da Sra. Gríma, esposa do
finado e saudoso Prof. Théoden, cujo ódio por mim, aliás, é ao senhor
que agradeço por me fazê-lo ver com tantos anos de atraso, a mim que a
considerava quase uma mãe, eu que sou tão estúpido com esse gênero de
juízos…
Pois do diálogo seguinte, entre o senhor e dois católicos, depreende-
se insofismavelmente que Bento XVI não é o único Bento que
manifestamente perdeu a fé:
CELINA VIEIRA – Irmão Bento, o senhor é frade? (08 de setembro às
20:04)
IRMÃO BENTO – Cara Celina, eu sou monge beneditino, e estou em vias de
passar para a Igreja Russa, com a graça de Deus Nosso Senhor e de Sua
Santa Mae, a Bendita e gloriosa Sempre Virgem Maria. (08 de setembro
às 20:05)
CELINA VIEIRA – Vixe Irmão Bento?! mas e o papa? não gosta dele? e a
infiltração da kgb na igreja russa? não seria o contrario, os russos
reatarem com roma, com pedro, com o papa? (08 de setembro às 20:16)
IRMÃO BENTO – Celina, o papa é o Patriarca e bispo de Roma, mas a
Igreja até o século XI já era composta de 5 grandes patriarcados, a
saber Jerusalem, Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Roma… Qto a
Igreja q eu estou é a do Exilio, q fugiu da Russia por resistir a KGB
e ao imperio comunista. (08 de setembro às 20:18)
CELINA VIEIRA – Irmao, Pedro foi eleito por Cristo, haviam sim
inclusive as sete igrejas da asia menor, destruidas pelo islã, a
unidade da igreja de cristo tem como principe o papa, o trono de
pedro. o cisma da russia com roma deveria ser revertido, mas a
autoridade do papa foi instituida por jesus, estou certa ou errada?
(08 de setembro às 20:25)
IRMÃO BENTO – Celina, é dificil entender a grande crise q culminou
naquelas excomunhoes reciprocas dos tempos de Miguel Celulário. Mas o
fato é q a Igreja de Cristo, naquela epoca, era constituida em 5
grandes patriarcados: Jerusalem, Antioquia, Alexandria, Constantinopla
e Roma… Com a excomunhao deixada sob o altar pelo legado pontificio,
Roma se separou da comunhao dos outros patriarcados, q se mantiveram
em uniao… (08 de setembro às 20:28)
CELINA VIEIRA – Caro irmao, com todo respeito, creio eu que quem se
separou da comunhão não foi Roma, uma vez que havia sim um “Pedro”,
desde sempre, mas enfim. Que a paz esteja convosco. (08 de setembro às
20:39)
IRMÃO BENTO – Celina, q a Paz esteja no seu coraçao! O q eu quis
mostrar, e q pode ser visto em qualquer bom livro de história, e q
houve um problema envolvendo o Patriarca de Constantinopla e Roma. E
várias foram as tentativas de soluçao. Mas todas fracassaram. E nesse
cômputo de 5 patriarcados, quatro permaneceram como estavam, e Roma
seguiu outro caminho… As excomunhoes até já foram levantadas por um
ato histórico de Paulo VI e Atenagoras, Patriarca de Constantinopla…
(08 de setembro às 20:50)
CESAR MORTARI – Caro irmão Bento. Concordando com todas vossas
exposições, apenas esclareço para Celina q não havia hierarquia entre
os Patriarcados. Rogando por Vossas orações. Humildemente. P.D.César.
(08 de setembro às 20:46)
JOEL PINHEIRO DA FONSECA – Irmão Bento Maria, o patriarco histórico de
Constantinopla e Antioquia não permaneceram em união com o restante da
Igreja. Separaram-se na época do cisma monofisita. O que Bizâncio fez
foi estabelecer patriarcados BIZANTINOS nesses lugares, que
supostamente suplantaram os originais (que inclusive tinham, e ainda
preservam, ritos próprios). (08 de setembro às 21:41)
IRMÃO BENTO – Caro Sr. Joel, Constantinopla, enquanto patriarcado,
permaneceu integro na fé ortodoxa, e na união com os demais
patriarcados do Oriente. O monofisismo foi uma heresia defendida
inicialmente por Eutiques, membro do clero de Constantinopla, como uma
reaçao ao Nestorianismo. Mas ele foi justamente condenado pelo
Patriarca Flaviano em 448. Ou seja, sua doutrina foi rejeitada pelo
Patriarca de Constantinopla e ele foi condenado como herege. Ali quem
se separou foram os Armenios, seguidos pelos Sírios e Coptas. Mas o
Patriarcado de Constantinopla rejeitou essa heresia e não houve ai,
como o senhor disse acima, nenhuma ruptura com Roma. (08 de setembro
às 23:02)
JOEL PINHEIRO DA FONSECA – Eu sei, Irmão Bento. O que eu quis dizer é
que os Patriarcados de Alexandria e Antioquia se separaram de Roma e
de Constantinopla. A situação atual não é Roma de um lado e os quatro
outros do outro. É Roma de um lado, Constantinopla e suas filhas de
outro, e Alexandria + Antioquia de outro.

O que você diz: “quatro continuaram como estvaam, Roma seguiu outro
caminho” não é verdade. Parte dessas quatro já havia se separado
antes, formando um outro grupo.

Constantinopla fundou um novo patriarcado em Alexandria, por exemplo.


Mas o original, que inclusive preserva o rito copta, não é ligado a
Constantinopla. E nem a Roma, claro. (09 de setembro às 01:03)
[NESTE PONTO ENTRA UM MONGE RUSSO HEREGE E CISMÁTICO INSULTANDO A
IGREJA CATÓLICA ROMANA E OS PAPAS, COM APROVAÇÃO DO SR. VIANA; POUPO
OS LEITORES DESSAS BLASFÊMIAS JÁ MIL VEZES REFUTADAS, POIS O SUPRA É
MAIS QUE SUFICIENTE COMO PROVA DE APOSTASIA.]
(http://www.facebook.com/arimateia/posts/1941189250252)
Caro Senhor, a minha esperança, pela qual peço as orações de meus
poucos leitores, é que assim como o senhor ainda antes de ontem
voltara a ser apenas “Prof. Viana”, e ontem já passara a “Fra Eliseu”,
para hoje voltar a ser “Irmão Bento”, mas nesta nova encarnação
professando o cisma greco-russo, cujas heresias hediondas atraíram de
Deus o castigo maometano – nota o grande Dom Guéranger, este, sim, um
verdadeiro beneditino digno de sua Ordem [cit. em: http://wp.me/pw2MJ-
MW] – e mais recentemente o flagelo comunista, a minha esperança,
dizia, é que seja apenas passageira também esta sua mais recente
apostasia.
Nossa Senhora das Mercês, rogai por nós!

Em JMJ,

Felipe Coelho
6. Irmão Bento Disse:

22 setembro 2011 às 9:15


Senhor Felipe Coelho,
Esta resposta será breve.
Como poderei lhe agradecer todo o bem que o senhor me fez ao se ocupar
tão exaustivamente em provar que sou um apóstata da verdadeira Fé,
inimigo de Jesus Cristo e Sua Santa Igreja? Digo bem por que o
discípulo jamais poderá desejar ser tratado melhor que seu mestre!
Rogo a Deus, Pai das Misericórdias, que tenha tanta compaixão do
senhor como quero que tenha de mim, miserável pecador, tão cheio de
defeitos e de fraquezas, tão indigno do hábito que trago e da tonsura
que creio ter recebida tão validamente quanto o sacerdócio do ardoroso
Padre Belmont, em quem o senhor se fia, e cujos estudos em hipótese
alguma são definitivos ou esgotam o assunto!
Que Ele, o Justo Juiz, e ao mesmo tempo Deus Compassivo, dê ao senhor,
como a mim, a graça da conversão e da fidelidade a Divina Verdade. E
que pelos rogos da Santíssima Mãe de Deus sejamos todos salvos no dia
da ira!
Curiosamente, como o senhor bem lembrou em seu texto, análoga acusação
de apostasia, de traição a verdadeira Igreja, de também ter passado
para o rol dos inimigos de Cristo e de ter perdido a Fé lhe é
amplamente imputada pelos círculos da ilustre viúva que cita. Também
por lá se horrorizam com sua postura sedevacantista, acusando-o, como
o senhor a mim, de insultar a Santa Igreja de Deus, trair a memória
dos Santos Papas e aderir ao erro e a heresia daqueles que negam o
Sucessor de Pedro!
Veja como são as coisas, senhor Felipe Coelho! E o senhor se mostra
tão ressentido com essa digna senhora, por lhe acusar de tantas outras
coisas mais, e no seu ressentimento o senhor diz que eu era dela um
confidente e difusor de pérfidas fofocas! E com isso transfere, para o
lado inteiramente pessoal e apaixonado, toda a discussão que entabulei
com o senhor!
E num ressentido ato de desabafo o senhor diz que ela tem ódio pelo
senhor… Posso pensar o mesmo do senhor em relação a minha pessoa?
Bem, creio já ter escrito o suficiente, e por aqui encerro todo meu
contato com o senhor! Jamais voltarei a me pronunciar por aqui ou
talvez em qualquer outro lugar sobre esse assunto. Apenas lamento que
seu ressentimento, seu orgulho e suas pretensões comprometam tanto sua
pequena obra no Acies Ordinata, e dêem tanta razão aquela senhora em
tudo que ela disse a seu respeito!
Vale!
Irmão Bento Maria
7. Cassiodoro Disse:

23 setembro 2011 às 8:42


Não me contive.

Devo escrever.

Correto o Felipe por desdizê-lo.

Agora faço outrossim por caridade. Sim, por caridade! Pois é chocante
e escandaloso o seu proceder, sicrano “irmão Bento Maria”. Que as
pessoas não o imitem.
O que escrever de mais coerente e alentador para dissuadir e
transformar esse fulano, que se intitula “irmão Bento Maria”?

A razão já não se presta mais. Talvez a força!

O que merece um beltrano que busca pela vaidade apaziguar a sua


consciência de tantos devaneios inúteis?

Um fulano que não se define, não se vislumbra em nada realmente firme


e invariável.

Um caniço agitado pelo vento!

Quantas idas e vindas! Para quê? Para nada!

Ora é isso, ora é aquilo.

Não me espantará se mais tarde vier a saber que você, “Viana-Bento-


Maria-Etc”, tenha se tornado maometano ou budista ou candomblista ou
demais absurdos.

Seja homem! Seja homem! Seja homem!

A polidez de suas palavras não me engana.

Vale para você outrossim a alcunha de Gríma, divertidamente usada pelo


Felipe.

Igreja Russa?!? É muita audácia. É muita petulância!

Reflita, fulano! Reflita!

Mude o seu proceder definitivamente.

Recomece sendo de fato católico!

Não um católico de mil facetas!

Não é o ódio pela sua pessoa que me leva a escrever assim, porém o
ódio pela sua conduta.

Rezarei por você quando assistir ao Santo Sacrifíco Incruento


Tridentino.

JMJTJ

Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIII

Deveres religiosos do Estado Católico


(1953)

Cardeal Alfredo OTTAVIANI

[NOTA DA REVISTA VOZES: No dia 2 de Março do corrente ano [1953],


festa do Santo Padre, houve uma sessão solene, para homenageá-lo, no
Pontifício Ateneu Lateranense, em Roma. Nessa reunião falou, perante
numeroso e extraordinariamente ilustre auditório, o Eminentíssimo Sr.
Cardeal Alfredo Ottaviani, Pro-Secretário da Sacra Congregação Romana
do Santo Ofício. É esse discurso, cujo valor doutrinário não
precisamos de encarecer, que vai aqui publicado, traduzido do original
italiano impresso pela «Libreria del Pont. Ateneo Lateranense», Roma,
1953, com o Prefácio que lhe antepôs seu Autor.]

Nunca teria pensado em imprimir a conferência que pronunciei a 2 de


Março de 1953 na Aula Magna do Pontifício Ateneu Lateranense se não me
houvesse impelido a isso o grande número de pedidos que recebi de
publicistas e membros do Corpo docente de vários Institutos de Ensino
Superior, os quais salientaram quão oportuna seria a divulgação de
tudo o que eu falei naquela solene ocasião.
“Há já tempo demasiado – escreveu-me um distinto religioso – que o
Direito Público da Igreja é conhecido, apenas, pelos frequentadores
das discretas aulas dos institutos eclesiásticos. Urge divulgá-lo em
todos os ambientes sociais, sobretudo nos mais elevados. Pois que a
imprensa cala, de ordinário, qualquer referência aos seus princípios,
dirigida como é por homens que cultuam muito mais a liberdade do que a
verdade… A desorientação geral a que assistimos, as perplexidades em
que se debatem os estadistas, os erros enormes que cometem os que
promovem essas híbridas uniões entre os Estados e os partidos, exigem
que o problema capital das relações do Estado com a Igreja seja
proposto apertis verbis, e que sobre ele se discorra largamente, com a
maior clareza, e, acima de tudo, sem medo. A coragem cristã é uma
virtude cardeal, que se denomina fortaleza”.
Estas e outras semelhantes e insistentes palavras convenceram-me de
que hoje, mais do que em qualquer outro tempo, é necessário que todo
sacerdote e todo leigo que colabora com o clero no apostolado, imite
na medida do possível o Divino Mestre, que de si mesmo disse: Para
isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade (Jo 18, 37).
Notar-se-á que não mencionei o nome de nenhum Autor, nem sequer quando
reproduzi textualmente as afirmações de algum. Assim fiz por dois
motivos. Primeiro, porque pouco importa saber que tal ou qual escritor
sustentou certas idéias, quando elas já estão de tal modo difundidas,
que não se podem mais considerar como privativas de nenhum indivíduo.
E depois, porque quis pôr em prática o conselho de S. Agostinho, o
qual nos ensina a combater, não os que erram, mas os erros que
cometem. Assim procedendo, ative-me também ao propósito e ao exemplo
do Augusto Pontífice, gloriosamente reinante, que tomou por mote do
seu Pontificado: Veritatem facientes in caritate.
Roma, 25 de Março de 1953.

_____________

Não é de admirar que os inimigos da Igreja tenham em todos os tempos


hostilizado a sua missão, negando-lhe algumas – ou mesmo todas – as
suas divinas prerrogativas e os seus poderes. O ímpeto do assalto, bem
como os seus falazes pretextos, vêm desde quando andava na terra o
Divino Fundador dessa já bimilenária e, no entanto, sempre jovem
instituição; contra Ele gritaram então – como ainda agora há quem
grite – Nolumus hunc regnare super nos! (Lc 19, 14): Não queremos que
este reine sobre nós! Com a paciência, porém, e a serenidade que lhe
advém da segurança dos seus anunciados destinos e da certeza da sua
divina missão, a Igreja canta, através dos séculos: Non eripit
mortalia qui regna dat caelestia! Não tira os reinos mortais quem
confere o celeste!
No entanto, invade-nos a admiração, que cresce até o espanto, e se
tinge de tristeza, quando vemos que são os seus próprios filhos que
procuram arrancar das mãos dessa benéfica Mãe, que é a Igreja, as
armas espirituais de justiça e de verdade que costuma empregar. E
tanto mais o sentimos quanto esses filhos, achando-se em Estados
interconfessionais, vivendo em contínuo contacto com seus irmãos
dissidentes, deveriam, mais do que quaisquer outros, ter consciência
da gratidão que devem a essa Mãe que tem usado incessantemente dos
seus direitos para defender, guardar, salvar os seus próprios fiéis.

Igreja Carismática ou Igreja Jurídica?


Alguns há, hodiernamente, que só admitem na Igreja uma ordem
pneumática, e daí inferem este princípio: que a natureza do direito da
Igreja está em contradição com a natureza da própria Igreja, Segundo
esses, o elemento original, sacramental, iria se enfraquecendo cada
vez mais, até ser substituído pelo elemento jurisdicional que
constitui a força e o poder da Igreja. Neles, como assevera o jurista
protestante Sohm, prevalece a idéia de que a Igreja de Deus é
constituída como um Estado.
Mas o cânone 108 § 3º, que trata da existência na Igreja do poder de
ordem e do poder de jurisdição, invoca o direito divino. E que isto
seja legítimo é o que mostram os textos evangélicos, as alegações dos
Atos dos Apóstolos, as citações de suas Epístolas, a que
frequentemente se referem os cultores do Direito Público Eclesiástico
para provar a origem divina daqueles poderes e direitos da Igreja.
Na encíclica Mystici Corporis, o Augusto Pontífice felizmente reinante
exprimia-se, a esse respeito, nos seguintes termos: “Reprovamos o
funesto erro dos que sonham uma igreja fantástica, uma sociedade
formada e alimentada pela caridade, à qual, não sem desprezo, opõem
outra que chamam jurídica. Enganam-se grandemente os que introduzem
tal distinção; pois não vêem que o divino Redentor, pela mesma razão
por que ordenou que a sociedade humana por Ele fundada fosse perfeita
no seu gênero e dotada de todos os elementos jurídicos e sociais
necessários para perpetuar na terra a obra salutar da Redenção, por
essa mesma razão e para conseguir o mesmo fim, quis que fosse
enriquecida de dons e graças celestes pelo Espírito Santo.” (ver A. A.
S., vol. XXXV, p. 224).
Não quis, por conseguinte, que a Igreja fosse um Estado; mas
constituiu-a, o seu Divino Fundador, como sociedade perfeita, provida
de todos os poderes inerentes a essa condição jurídica, a fim de
exercer a sua missão em todo Estado, sem que haja contenda entre as
duas Sociedades das quais Ele é, de modo diferente, o autor e
sustentáculo.

Adesão ao Magistério Ordinário.


Surge aqui o problema da convivência da Igreja com o Estado laico.
Sobre este ponto há católicos que estão espalhando idéias que não são
inteiramente exatas.
A muitos desses católicos não se pode negar nem o amor à Igreja, nem a
reta intenção de encontrar um meio de possível adaptação às
circunstâncias do tempo. Mas não é menos verdadeiro que a sua atitude
lembra a do delicatus miles, que quer vencer sem combater, ou a do
ingênuo que aceita uma insidiosa mão estendida sem perceber que essa
mão o obrigará depois a passar o Rubicon na direção do erro e da
injustiça.
O principal erro, em que estes incorrem, é exatamente o de não
acolherem em sua inteireza as armas da verdade e os ensinamentos que
os Romanos Pontífices neste último século e em particular o reinante
Pontífice Pio XII têm ministrado deliberadamente aos católicos em suas
Encíclicas, Alocuções e Discursos de todo gênero.
Para se justificarem, alegam eles que, no conjunto dos ensinamentos da
Igreja, é preciso distinguir duas partes, uma permanente e outra
transitória, a última das quais é um reflexo das condições
particulares do tempo. Vezes demais, porém, atribuem essa feição de
reflexos do tempo até aos princípios afirmados nos documentos
pontifícios, princípios sobre os quais tem se mantido constante o
ensinamento dos Papas – que fazem parte do patrimônio da doutrina
católica.
Nesta matéria, não pode ter aplicação a teoria do pêndulo, apresentada
por alguns escritores para avaliar o alcance das Encíclicas nas várias
épocas da história. “L’Église – escreveram – scande l’histoire du
monde à la manière d’un pendule oscilant qui, soucieux de garder la
mesure, maintient son mouvement en le renversant lorsqu’il juge le
maximum d’amplitude atteint… Il y aurait toute une histoire des
Encycliques à faire sous cet angle: ainsi en matière d’études
bibliques: Divino Afflante Spiritu succède à Spiritus Paraclitus,
Providentissimus. En matière de théologie ou politique: Summi
Pontificatus, Non abbiamo bisogno, Ubi arcano Dei succèdent à
Immortale Dei” (cf. Témoignage Chrétien, de 1 de Setembro de 1950,
reproduzido em Doc. Cathol. de 8 de Outubro de 1950).
Ora, se isto se houvesse de entender no sentido de que os princípios
gerais e fundamentais do direito público eclesiástico, solenemente
afirmados na encíclica Immortale Dei, refletem apenas momentos
históricos do passado, enquanto, depois, o pêndulo dos ensinamentos de
Pio XI e de Pio XII, nas suas encíclicas, teria atingido, em seu
movimento de “renversement”, posições diferentes daquela, – a
proposição seria de considerar-se inteiramente errônea, não só por não
corresponder ao conteúdo das próprias Encíclicas, como também por ser
teoricamente inadmissível.
O reinante Pontífice ensina-nos, na Humani generis, como devemos
acolher o magistério ordinário da Igreja, expresso nas encíclicas:
“Não se deve acreditar que os ensinamentos das Encíclicas não exijam,
per se, o assentimento, sob o pretexto de que os Pontífices não
exercem nelas o poder de seu Supremo Magistério. Tais ensinamentos
fazem parte do Magistério ordinário, para o qual também valem as
palavras: Quem vos ouve, a mim ouve (Lc 10, 16); além do que, quanto
vem proposto e inculcado nas Encíclicas pertence já, as mais das
vezes, por outros títulos, ao patrimônio da doutrina católica” (cf. A.
A. S., vol. XLIII, p. 568).
Temendo serem acusados de querer voltar à Idade Média, alguns de
nossos escritores não ousam considerar como pertencentes à vida e ao
direito da Igreja, em todos os tempos, as posições doutrinárias
assumidas constantemente nas Encíclicas. Visa a estes a advertência de
Leão XIII quando, recomendando aos católicos concórdia e união no
combate aos erros, acrescenta: “Por outro lado cumpre resguardarem-se
todos ou de estar, no que quer que seja, de conivência com as falsas
opiniões, ou de combatê-las mais molemente do que comporta a verdade”
(cf. Acta Leonis XIII, vol. V, p. 148).

Deveres do Estado Católico.


Resolvida esta questão preliminar, relativa ao assentimento devido aos
ensinos da Igreja, inclusive os do seu Magistério ordinário, abordemos
uma questão prática, que, em termos usuais, podemos qualificar de
“sensacional”: isto é, a do Estado católico e dos seus deveres para
com os cultos não-católicos.
É sabido que em alguns países, cuja população é em grande maioria
católica, as suas respectivas Constituições proclamam que o
catolicismo é a religião do Estado. Lembrarei, como exemplo típico, a
Espanha. No Fuero de los Españoles, carta fundamental dos direitos e
deveres dos cidadãos da Espanha, estabelece o seu artigo 6.º: “A
profissão e a prática da religião católica, que é a do Estado
espanhol, gozará da proteção oficial. Ninguém será molestado por
motivo de suas crenças religiosas nem pelo exercício privado de seu
culto. Não serão permitidas outras cerimônias e manifestações externas
que as da religião do Estado”. Isto provocou os protestos de muitos
acatólicos e incrédulos; e, o que é mais desagradável, foi considerado
anacrônico por alguns católicos que pensam que a Igreja pode conviver
pacificamente e com plena posse de seus direitos no Estado laico,
aliás composto de católicos.
Tornou-se notória a controvérsia recentemente travada, em um país de
ultramar, entre dois escritores de tendências opostas. No seu curso, o
patrocinador da tese acima referida afirmou o seguinte: 1) O Estado,
propriamente falando, não pode exercer nenhum ato de religião, pois
que o Estado é um mero símbolo ou um conjunto de instituições; 2) “an
immediate illation from the order of ethical and theological truth to
the order of constitutional law is, in principle, dialectically
inadmissible” (uma relação imediata da ordem da verdade moral e
teológica com a ordem da lei constitucional é, em princípio,
dialeticamente inadmissível). A obrigação do Estado de prestar culto a
Deus não pode entrar jamais na esfera constitucional; 3) mesmo um
Estado composto de católicos não tem obrigação de professar o
catolicismo; quanto à obrigação de protegê-lo, esta só é válida em
circunstâncias determinadas, isto é, quando a liberdade da Igreja não
pode ser assegurada por outros meios. Em consequência ataca-se o
ensinamento exposto nos manuais de direito público eclesiástico, sem
tomar em consideração que esse ensinamento decorre, em sua máxima
parte, da doutrina contida nos documentos pontifícios.
Ora, se entre os princípios gerais do direito público eclesiástico uma
verdade certa e indiscutível existe, é aquela segundo a qual, em um
Estado composto em sua quase totalidade de católicos e, por
conseguinte e coerentemente, regido por católicos, os seus governantes
têm a obrigação de informar a legislação em um sentido católico. Do
que defluem três imediatas consequências:
I. Profissão social, e não apenas privada, da religião do povo;
II. Inspiração cristã da legislação;
III. Defesa do patrimônio religioso do povo contra todos os assaltos
de quem quer que tente despojá-lo do tesouro da sua fé e da paz
religiosa.
Afirmei em primeiro lugar que o Estado tem o dever de professar
socialmente a religião do povo. Os homens, quando se encontram
socialmente unidos não ficam menos sujeitos a Deus do que quando
isolados e individuados e a sociedade civil, não menos do que os
indivíduos, é devedora a Deus “que a criou, que a conserva, que lhe
concede inúmeros bens e a cumula de dádivas” (cf. Immortale Dei, Acta
Leonis XIII, vol. V, p. 122).
Destarte, como a ninguém é lícito descurar de seus deveres para com
Deus e a religião pela qual Ele quer ser honrado, igualmente “não
podem as sociedades civis, em consciência, proceder como se Deus não
existisse ou desprezar a religião como coisa estranha ou inútil” (cf.
Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V, p. 123).
Pio XII reforça este ensinamento condenando “o erro contido naquelas
concepções que não hesitam em dispensar a autoridade civil de toda e
qualquer dependência do Ente supremo, causa primeira e senhor absoluto
tanto do homem como da sociedade, e de todo liame da lei
transcendente, que deriva de Deus como de fonte primária, e lhe
concedem uma ilimitada faculdade de ação, abandonada à onda
inconstante do arbítrio ou tão somente aos ditames de exigências
históricas contingentes e de interesses relativos”. Prosseguindo, põe
o Augusto Pontífice em evidência quais as consequências desastrosas
que, até para a liberdade e os direitos do homem, dimanam daquele
erro: “Renegada assim a autoridade de Deus e o império da sua lei, o
poder civil, por consequência inevitável, tende a atribuir a si aquela
absoluta autonomia que compete ao Autor Supremo, a substituir-se ao
Onipotente, elevando o Estado ou a coletividade a fim último da vida,
a sumo critério da ordem moral e jurídica” (Summi Pontificatus, A. A.
S., vol. XXXI, p. 466).
Em segundo lugar, declarei que é dever dos governantes informar a
própria atividade social e a legislação dos princípios morais da
religião. É esta uma consequência do débito de religiosidade e de
submissão devido a Deus, não só pelos indivíduos mas também pelas
sociedades, e do qual decorrem seguras vantagens para o verdadeiro
bem-estar do povo.
Contra o agnosticismo moral e religioso do Estado e de suas leis, Pio
XII opõe o conceito do Estado Cristão em sua augusta carta de 19 de
Outubro de 1945, a propósito da XIX Semana Social dos católicos
italianos, em cujo decurso se haveria precisamente de estudar o
problema da nova Constituição italiana. “Refletindo sobre as
consequências deletérias que poderia trazer à sociedade e à História
uma Constituição que, abandonando a pedra angular da concepção cristã
da vida, tentasse basear-se no agnosticismo moral e religioso, todo
católico há de compreender facilmente que agora a questão que, antes
de qualquer outra, deve atrair a sua atenção e incentivar a sua
atividade, é a de assegurar à geração presente e às futuras o
benefício de uma lei fundamental do Estado que não se oponha aos sãos
princípios da religião e da moral, mas, ao contrário, lhes dê vigoroso
reforço ao mesmo tempo que proclame e persiga sapientemente a sua alta
finalidade” (A. A. S., vol. XXXVII, p. 274).
Assim pensando, não perdeu ocasião o Sumo Pontífice de tributar “o
louvor devido à sabedoria daqueles governantes que sempre favoreceram
ou quiseram e souberam enaltecer, para bem do povo, os valores da
cidade cristã nas harmoniosas relações entre a Igreja e o Estado, na
tutela da santidade do matrimônio, na educação religiosa da mocidade”
(Radiomensagem no Natal de 1941, A. A. S., vol. XXXIV, p. 13).
Em terceiro lugar, afirmei ser dever dos governantes de um Estado
católico a manutenção e defesa, contra toda tentativa em contrário, da
unidade religiosa de um povo que se sente unânime na segura posse da
verdade religiosa. Sobre este ponto são numerosos os documentos em que
o Santo Padre confirma os princípios enunciados por seus
predecessores, em especial por Leão XIII.
Ao condenar o indiferentismo religioso do Estado, Leão XIII invocou,
na Encíclica Immortale Dei, o direito divino, e, na Encíclica
Libertas, invocou também os princípios da justiça e a razão. Na
Immortale Dei pôs em evidência que os governantes “não podem admitir
qualquer religião, indiferentemente, segundo o seu beneplácito”,
porque – explica Ele – são obrigados, no culto divino, “a seguir
estritamente as regras e o modo segundo os quais o próprio Deus
declarou querer ser honrado – quo coli se Deus ipse demonstravit
velle” (Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V, p. 123). E, na
Encíclica Libertas, reafirma: “Veda a Justiça e também veda a razão
que o Estado seja ateu ou – o que ao ateísmo conduz – que trate de
igual modo as diversas religiões, como dizem, e a cada uma conceda
indistintamente os mesmos direitos” (Acta Leonis XIII, vol. VIII, p.
231).
Invoca o Papa a justiça e a razão porque não é justo atribuir iguais
direitos ao bem e ao mal, à verdade e ao erro. E subleva-se a razão ao
pensar que, para contentar as exigências de uma pequena minoria,
ofendem-se os direitos, a fé e a consciência da quase totalidade do
povo, e trai-se esse povo, permitindo aos pérfidos inimigos de sua fé
que implantem a cisão em seu seio, com todas as consequências da luta
religiosa.

Firmeza de Princípios.
Esses princípios são sólidos e imutáveis; valeram nos tempos de
Inocêncio III ou de Bonifácio VIII, valeram nos tempos de Leão XIII, e
valem nos de Pio XII, que os reafirmou em mais de um Documento. Por
isto, com severa firmeza, o Santo Padre tem conclamado os governantes
ao cumprimento dos seus deveres, lembrando-lhes a advertência do
Espírito Santo, advertência que não conhece limitações no tempo:
“Devemos pedir com insistência a Deus – escreve Pio XII na Encíclica
Mystici Corporis – que todos aqueles que governam os povos amem a
sabedoria de modo que nunca venha a feri-los esta gravíssima sentença
do Espírito Santo: ‘O Altíssimo examinará vossas obras e esquadrinhará
vossos pensamentos; porque, sendo ministros do seu reino, não
governastes retamente, nem observastes a lei da justiça, nem
procedestes de acordo com a vontade de Deus. Terrível e veloz Ele
cairá sobre vós, porque será feito rigorosíssimo juízo daqueles que se
acham em altas situações. Aos míseros se fará misericórdia; os
poderosos, porém, serão poderosamente castigados. Porque o Senhor não
retrocederá diante de ninguém, nem temerá a grandeza de ninguém: do
grande como do pequeno é Ele o criador, e de todos toma igual
cuidado’” (A. A. S., vol. XXXV, p. 244).
Nas encíclicas acima referidas a concordância é completa sobre o
assunto em discussão; e tenho a certeza de que ninguém poderá apontar
nelas qualquer oscilação de princípios, pois são os mesmos que se
afirmam na Summi Pontificatus de Pio XII, como nas de Pio XI Divini
Redemptoris, contra o comunismo ateu, Mit Brennender Sorge, contra o
nazismo, Non abbiamo bisogno, contra o monopólio estatal do fascismo,
como nas precedentes de Leão XIII – Immortale Dei, Libertas, e
Sapientiae Christianae.
“As últimas, profundas e graníticas bases fundamentais da sociedade –
proclamou o Augusto Pontífice, em sua radiomensagem natalícia de 1942
– não podem ser consideradas meras criações do engenho humano; podem
ser ignoradas, negadas, desprezadas, violadas, mas nunca serão ab-
rogadas com eficácia jurídica” (A. A. S., vol. XXXV, pp. 13-14).

Os Direitos da Verdade.
Agora é necessário resolver outra questão, ou melhor uma dificuldade,
mas tão especiosa que à primeira vista parece insolúvel. Objetam-nos
isto: “Sustentais dois critérios ou normas de ação diferentes, a que
recorreis consoante vossas conveniências: nos países católicos
defendeis a idéia do Estado confessional, com o dever de proteção
exclusiva à religião católica; onde estais em minoria, porém, pugnais
pela tolerância ou exatamente pela igualdade de direito a todos os
cultos. Usais, portanto, de dois pesos e duas medidas; verdadeira e
embaraçosa duplicidade, da qual os católicos, que têm noção dos
desenvolvimentos atuais da civilização, desejam livrar-se”.
Pois bem, não há dúvida que dois pesos e duas medidas têm de usar-se:
um para a verdade, outro para o erro. Os homens que estão na posse
tranquila da verdade e da justiça não admitem transações; exigem pleno
respeito aos seus direitos. Aqueles, ao contrário, que não se sentem
seguros de possuir a verdade, não ousam tampouco declarar-se únicos
senhores desse campo nem recusar respeito aos direitos de quem os
reclama baseado em outros princípios.
O conceito de igualdade de cultos e de tolerância é um produto do
livre exame e da multiplicidade religiosa. É uma decorrência lógica
das opiniões daqueles que entendem não haver necessidade de dogmas em
religião, bastando a consciência individual de cada um para
estabelecer o critério e as normas para a profissão da fé e para o
exercício do culto. Por que estranhar-se, pois, que, nos países onde
vigora essa teoria, procure a Igreja estabelecer-se em condições que
lhe assegurem o exercício da sua missão divina e trabalhe para que lhe
sejam reconhecidos aqueles direitos que, por consequência lógica dos
princípios adotados em tais países, ela pode reclamar?… A Igreja
desejaria falar e reclamar em nome de Deus; mas naqueles Estados não
lhe é reconhecida a exclusividade da sua missão. Contenta-se, então,
com reclamar em nome daquela tolerância, daquela igualdade de
direitos, daquelas garantias comuns que admitem as leis dos países
referidos.
Quando, em 1949, efetuou-se em Amsterdão a reunião das várias igrejas
heterodoxas para impulsionar o movimento ecumênico, encontraram-se ali
representantes de 146 igrejas ou confissões diferentes. Os delegados
pertenciam a cinquenta nações. Viam-se ali calvinistas, luteranos,
coptas, velhos-católicos, batistas, valdenses, metodistas,
episcopalianos, presbiterianos, malabares, adventistas, etc…. A Igreja
Católica, naturalmente, não compareceu, pois, sentindo-se já na posse
da verdade e da unidade, não precisava de ir procurá-las naquela
assembléia. O caso é que, no fim de muita discussão, os congressistas
não conseguiram pôr-se de acordo sobre nenhum ponto, nem sequer para
uma celebração final, em comum, da ceia eucarística, na qual se
deveria simbolizar a união de todos eles, se não na fé, ao menos na
caridade. Em resultado, na sessão plenária de 23 de Agosto de 1949, o
Dr. Kraemer, calvinista holandês, nomeado depois diretor do novo
Instituto Ecumênico de Coligny, na Suíça, alvitrou que seria melhor
desistir de qualquer celebração eucarística, do que manifestar a
existência de tantas divergências, fazendo uma multidão de ceias
separadas.
Sendo esses os fatos – pergunto eu – poderia qualquer uma dessas
confissões, que convive com outras em um Estado, ou mesmo que nele
predomine, assumir uma posição intransigente e reclamar para si aquilo
que a Igreja espera de um Estado em sua grande maioria católico?
Não é de estranhar, por conseguinte, que a Igreja invoque em seu favor
os direitos do homem aí onde são desconhecidos os direitos de Deus!
Isto ela fez nos primeiros séculos do cristianismo, em face do império
e do mundo pagão; isto continua a fazer na atualidade, especialmente
nos países onde todo direito religioso é negado, como nos que se acham
sob o domínio soviético.
Diante das perseguições de que são alvo todos os cristãos – e em
primeiro lugar os católicos – como poderia o reinante Pontífice deixar
de apelar para os direitos do homem, para a tolerância, para a
liberdade das consciências, mesmo que estes direitos venham sendo
objeto de detestáveis burlas? Esses direitos do homem, reivindicou-os
Sua Santidade em todos os campos da vida individual e social em sua
Mensagem do Natal de 1942 e, mais recentemente, na do Natal de 1952, a
propósito da sofredora “Igreja do Silêncio”.
É claro, portanto, que andam errados aqueles que assoalham ser
inconciliável com a civilização moderna o reconhecimento dos direitos
de Deus e da Igreja, feito no passado, como se constituísse regresso
admitir o que, em todos os tempos, é justo e verdadeiro. Acena a um
retorno à Idade Média, por exemplo, o trecho seguinte de um conhecido
escritor: “L’Église catholique insiste sur ce principe: que la vérité
doit avoir le pas sur l’erreur, et que la vraie réligion, quand elle
est connue, doit être aidée dans sa mission spirituelle de préférence
aux réligions dont le message est plus ou moins défaillant et où
l’erreur se mêle avec la vérité. C’est là une simple conséquence de ce
que l’homme doit à la vérité. Il serait cependant très faux d’en
conclure que ce principe ne peut s’appliquer qu’en réclamant pour la
vraie réligion les faveurs d’un pouvoir absolutiste, ou l’assistance
des dragonnades, ou que l’Église catholique revendique des sociétés
modernes les privilèges dont elle jouissait dans une civilisation de
type sacral, comme au Moyen Age”.
Para cumprir seu dever, o governante católico de um Estado católico
não tem necessidade de ser um absolutista, nem um esbirro, nem um
sacristão, nem de retornar ao complexo da civilização medieva.
Outro autor objeta: “Quase todos os que até agora procuravam refletir
e examinar o problema do pluralismo religioso esbarravam-se com este
perigoso axioma: que só a verdade tem direitos, não cabendo nenhum ao
erro. No entanto, hoje todos reconhecem que este axioma é falaz. Não
que queiramos reconhecer direitos ao erro, ma simplesmente porque nos
lembramos desta verdade lapalissiana: que nem o erro, nem a verdade –
que são abstrações – são objetos de direitos, são capazes de possuir
direitos, isto é, de criar deveres exigíveis de pessoa a pessoa”.
Parece-me, muito ao contrário, que a verdade lapalissiana seja antes
esta: que os direitos em questão se acham otimamente encarnados nos
indivíduos que estão na posse da verdade, e que iguais direitos não
podem reclamar os indivíduos que encarnam o erro.
Nas Encíclicas que citamos o primeiro sujeito desses direitos é o
próprio Deus, do que se segue que só possuem verdadeiro direito
aqueles que obedecem aos mandatos de Deus e se encontram, assim, na
sua verdade e na sua justiça.
Em conclusão: a síntese das doutrinas da Igreja nesta matéria foi, em
nossos dias, exposta clarissimamente na Carta que a Sacra Congregação
dos Seminários e das Universidades enviou aos Bispo do Brasil aos 7 de
Março de 1950. Esta Carta, que se refere continuamente aos
ensinamentos de Pio XII, entre outras coisas previne contra os erros
do renascente liberalismo católico, o qual “admite e encoraja a
separação entre os dois Poderes. Nega à Igreja qualquer poder indireto
em questões mistas, afirma que o Estado deve mostrar-se indiferente em
matéria religiosa… e reconhecer a mesma liberdade à verdade e ao erro.
À Igreja não cabem privilégios, favores e direitos superiores aos que
se concedem as outras confissões religiosas nos outros países
católicos”, e assim por diante.

Contraste de Legislações.
Tratada a questão pelos seus aspectos doutrinário e jurídico, seja-me
permitido fazer um pequeno excursus sobre o seu aspecto prático.
Pretendo falar da diferença e da desproporção que se observa entre o
clamor levantado contra os princípios acima expostos, entranhados na
Constituição espanhola, e o escasso repúdio manifestado por todo o
mundo laicista contra o sistema legislativo soviético, opressor de
todas as religiões. Abundam, no entanto, como consequência deste
sistema, os mártires que definham nos campos de concentração, nas
estepes siberianas, nos cárceres, sem contar as centenas daqueles que,
com a extirpação da vida de todo o seu sangue, sofreram até o extremo
as violências da iniquidade.
O artigo 124 da Constituição staliniana, promulgada em 1936, em
estreita conexão com as leis de 1929 e 1932 sobre as associações
religiosas, estatui o seguinte: “Com o fim de assegurar aos cidadãos a
liberdade de consciência, a Igreja fica separada do Estado, e a Escola
da Igreja. A liberdade de profissão religiosa e a liberdade de
propaganda anti-religiosa são reconhecidas a todos os cidadãos”.
Posta de parte a ofensa feita a Deus, a toda religião e à consciência
dos fiéis assegurando na Constituição a plena liberdade de propaganda
anti-religiosa – propaganda que se efetua do modo mais abusivo –
convém mostrar com clareza em que consiste a famosa liberdade de fé
garantida pela lei bolchevista. As normas que regulam o exercício dos
cultos se encontram na lei de 18 de Março de 1929, que interpretou o
artigo correspondente da Constituição de 1918 e cujo espírito informou
o artigo 124 da Constituição atual. Toda possibilidade de propaganda
religiosa é negada; assegurada é unicamente a propaganda anti-
religiosa. No que respeita ao culto, este só é permitido no interior
dos templos; toda formação religiosa é vedada, quer se opere por meio
de discursos quer de impressos de todo e qualquer gênero. Todas as
iniciativas sociais e caritativas são reprimidas, e nenhuma
organização que vise prodigar-se pelo bem do próximo tem o direito de
constituir-se.
Para provar que essa é a situação basta ler a exposição sintética que
desse estado de coisas fez um russo soviético, Orleanskij, no seu
opúsculo: A lei das associações religiosas na República Socialista
Federal Soviética Russa (Moscou, 1930, 224 págs.).
“Liberdade de profissão religiosa significa que a ação dos fiéis na
profissão dos seus dogmas religiosos é limitada ao ambiente dos
próprios fiéis e se considera estritamente ligada ao culto religioso
de alguma das religiões toleradas no nosso Estado… Por conseguinte
toda atividade propagandística e agitadora por parte de homens de
igreja ou de religiosos – e ainda mais de missionários – não se pode
considerar como atividade que lhes seja permitida pela lei das
associações religiosas, mas considera-se como exorbitante dos limites
da liberdade religiosa tutelada pela lei e torna-se, em consequência,
objeto das leis penais e civis, em tudo quanto as contradiz”.
A luta contra a religião é, ademais, levada pelo Estado até ao campo
de todas essas atividades que a prática do Evangelho implica, como no
que concerne à moral e às relações sociais entre os homens. Os
soviéticos perceberam perfeitamente que a religião se prende
intimamente à vida dos indivíduos e das coletividades; para combatê-
la, pois, sufocam todas as suas possibilidades de expressão no campo
educativo, moral e social. Eis o testemunho de um soviético: “O
propagandista anti-religioso deve lembrar-se de que a legislação
soviética, mesmo reconhecendo a cada cidadão a liberdade de praticar
atos de culto, limita ao mesmo tempo a atividades das organizações
religiosas, negando-lhes o direito de se imiscuir na vida político-
social da U.R.S.S. As associações religiosas podem ocupar-se única e
exclusivamente daquilo que concerne ao exercício do seu respectivo
culto, de nada mais. Os padres não podem fazer imprimir publicações
obscurantistas, nem fazer propaganda oral nas fábricas e oficinas, no
Kolcoz, nos Sovchoz, nos Clubes, nas Escolas, das suas idéias
reacionárias e anticientíficas. Pela lei de 8 de Abril de 1929 é
proibido às associações religiosas fundar caixas de socorro mútuo,
cooperativas, sociedades de produção, e, em geral, servir-se dos bens
que se acham à sua disposição para quaisquer fins que não se incluam
no âmbito das necessidades religiosas” (artigo Constituição Staliniana
e Liberdade de Consciência, em “Sputnik Antireligioznika”, Moscou,
1939, pp. 131-133).
Antes, pois, de atirar pedras aos governos católicos que cumprem os
seus próprios deveres no que toca à religião dos seus concidadãos, os
tutores dos direitos do homem deverão preocupar-se com sua situação,
que constitui um ultraje à dignidade do homem, qualquer seja a sua
religião, criada por um poder tirânico que pesa sobre um terço da
população do mundo!

Cultos Tolerados.
Também a Igreja reconhece a necessidade em que se podem achar governos
de países católicos de conceder, por motivos gravíssimos, a tolerância
aos outros cultos. “Posto que a Igreja entenda não ser lícito atribuir
aos diversos cultos os mesmos direitos que à verdadeira religião,
todavia não condena os governantes que, para conseguir um bem maior ou
para evitar algum mal, toleram, na prática, a existência de vários
cultos no Estado que regem” (Immortale Dei, Acta Leonis XIII, vol. V,
p. 141).
Mas tolerância não significa liberdade de propaganda, fomentadora de
discórdias religiosas e perturbadora da tranquila e unânime posse da
verdade e do culto religioso em países como a Itália, a Espanha e
semelhantes.
Referindo-se às leis italianas sobre os “cultos admitidos”, Pio XI
escreveu: “Cultos tolerados, permitidos, admitidos, – não seremos Nós
que haveremos de levantar uma questão de palavras. O caso se
soluciona, e não sem elegância, distinguindo entre texto
constitucional e texto meramente legislativo: naquele, por si mesmo
mais teorético e doutrinário, cabe melhor a palavra tolerados; este,
de ordem mais prática, recebe sem dano as palavras permitido ou
admitido, desde que devidamente entendidas. O que deve ficar clara e
lealmente conhecido é que a religião católica, e só ela, é, de acordo
com a Constituição e os Tratados, a Religião do Estado, e só a ela
pertencem as lógicas e jurídicas consequências de tal situação
constitucional, particularmente as que se referem à propaganda… Não se
pode entender a liberdade de discussão de modo tão absoluto que
compreenda todas as formas de discussão, inclusive essas que podem
facilmente enganar a boa fé de auditores pouco esclarecidos ou que
facilmente degeneram em modalidades dissimuladas de propaganda
contrária à Religião do Estado e, por isso mesmo, ao Próprio Estado e
exatamente naquilo que possui de mais precioso e de mais essencial à
tradição do povo italiano – a sua unidade” (Carta de 30 de Maio de
1929 ao Cardeal Gasparri sobre os Pactos Lateranenses).
Entretanto os acatólicos, que desejariam evangelizar os países dos
quais partiu e se difundiu sobre eles a luz do Evangelho, não se
contentam com o que lhes concede a lei, mas contra a lei e sem sequer
respeitar as suas prescrições, querem ter plena licença para romper a
unidade de povos católicos, e se lamentam se os governos fecham as
capelas que abriram sem a devida autorização ou expulsam os que se
dizem missionários mas que entraram nos país declarando, para poderem
entrar, que viajavam com outros objetivos.
É muito significativo, aliás, que os mais zelosos defensores e
auxiliares de todas as formas de propaganda protestante, em países
católicos, são os comunistas, aqueles, justamente, que na Rússia
proíbem qualquer propaganda religiosa, como atrás vimos, comentando o
art. 124 da sua vigente Constituição. E nos Estados Unidos, embora
muitos irmãos dissidentes ignorem várias circunstâncias de fato e de
direito concernentes ao nosso país, não faltam os que, imitando o zelo
dos comunistas, protestam contra a nossa famosa intolerância contra os
missionários enviados para evangelizar-nos!
Mas – por favor – por que se haveria de negar às autoridades italianas
o direito de fazerem em sua própria casa o mesmo que fazem os
americanos em sua terra quando aplicam in virga ferrea leis que lhes
permitem impedir o ingresso no seu país ou dele expulsar a quem quer
que venham a considerar como perigoso a respeito de certas ideologias
ou nocivos às livres tradições e instituições de sua Pátria?
Por outro lado, se os crentes de além-mar, que recolhem fundos para os
seus missionários e para os neófitos por eles conquistados, soubessem
que a maior parte desses “convertidos” se compõe de autênticos
comunistas, que não ligam a mínima importância às coisas religiosas,
senão quando se trata de prejudicar ao catolicismo, e, ao contrário,
importam-se muitíssimo com os auxílios que copiosamente enviam os que
moram do outro lado do oceano, creio que pensariam mais detidamente
antes de continuar a remeter o que, em última análise, reverte
unicamente em proveito do comunismo.

No Templo e Fora do Templo.


Ainda uma questão, muito repetida na atualidade. Trata-se da pretensão
daqueles que intentam determinar, seguindo seu próprio arbítrio e suas
peculiares teorias, a esfera de ação e de competência da Igreja, para,
sempre que ultrapasse essa esfera, poderem acusá-la de politicante.
Essa é a pretensão de todos aqueles que desejariam fechar a Igreja
dentro das quatro paredes de um templo, separando a religião da vida e
a Igreja do mundo. Todavia, mais do que às pretensões dos homens deve
atender a Igreja aos preceitos divinos: “Pregai o Evangelho a todas as
criaturas” (Mc 16, 15). A Boa Nova compreende toda a Revelação, com
todas as consequências que dela defluem para o procedimento moral do
homem em relação a si mesmo, à sua família, e à sua cidade ou país.
“Religião e Moral – ensina o Augusto Pontífice – em sua estreita união
constituem um todo indivisível: e a ordem moral, os mandamentos de
Deus são válidos igualmente em todos os campos da atividade humana,
sem exceção alguma; em toda parte aonde eles chegam, aí também chega a
missão da Igreja e, portanto, a palavra do Sacerdote, o seu
ensinamento, as suas advertências, os seus conselhos aos fiéis que lhe
foram confiados. A Igreja Católica não se deixará encerrar nunca
dentro das quatro paredes do templo. A separação entre a religião e a
vida, entre a Igreja e o mundo é contrária à doutrina cristã e
católica”.
E com apostólica firmeza prossegue o Santo Padre: “O exercício do
direito de voto é um ato de grave responsabilidade moral, pelo menos
quando se trata de eleger aqueles que irão dar ao país a sua
Constituição e as suas leis, especialmente as que se referem aos dias
de guarda, ao matrimônio, à família, à escola, ao regulamento
equitativo das múltiplas condições sociais. Incumbe, por isso, à
Igreja explicar aos fiéis os deveres morais que decorrem do direito
eleitoral” (Pio XII, Discurso aos Párocos, A. A. S., vol. XXXVIII, p.
187).
E isto, não por ambição de vantagens terrenas, não para arrancar dos
chefes civis os poderes a que Ela não pode nem deve aspirar – Non
eripit mortalia qui regna dat caelestia! – mas para manter e estender
o Reino de Cristo, para que se realize a Pax Christi in Regno Christi.
É por isto que a Igreja não desiste de pregar, ensinar, lutar até
obter a vitória.
Pelo mesmo motivo Ela sofre, chora e derrama o seu sangue. É pela via
do sacrifício que a Igreja há de alcançar o triunfo, conforme
recordava Pio XII na sua Mensagem radiofônica do Natal de 1941 (A. A.
S., vol. XXXIV, pp. 19-20).
Disse então o Sumo Pontífice: “Nós contemplamos hoje, amados filhos, o
Homem-Deus nascido em uma gruta para de novo levantar o homem àquela
grandeza, da qual por sua culpa decaíra; e para o repor sobre o trono
de liberdade, de justiça e de honra que os séculos dos falsos deuses
lhe tinham recusado. O fundamento daquele trono será o Calvário; o seu
ornato não será o ouro nem a prata, mas o sangue de Cristo, sangue
divino que há vinte séculos corre sobre o mundo e purpureia as faces
de sua Esposa, a Igreja, e, purificando, santificando, glorificando os
seus filhos, se torna candor de paraíso.
“Ó Roma cristã, aquele sangue é a tua vida!”

_____________

ÍNDICE
Prefácio
Introdução
Igreja Carismática ou Igreja Jurídica?
Adesão ao Magistério Ordinário.
Deveres do Estado Católico.
Firmeza de Princípios.
Os Direitos da Verdade.
Contraste de Legislações.
Cultos Tolerados.
No Templo e Fora do Templo.

_____________
LINK:
Cardeal Alfredo OTTAVIANI, Deveres religiosos do Estado Católico,
1953, transcrito em: http://wp.me/pw2MJ-10O
Transcrição fiel do texto impresso:
IDEM, “Deveres religiosos do Estado Católico”, trad. br. in: Vozes de
Petrópolis. Revista Católica de Cultura, de julho/agosto de 1953, vol.
11, fascículo 4, pp. 350-367.
Cf. tb. ID., “Os deveres religiosos do Estado Católico”, Revista
Eclesiástica Brasileira, Vol. 13, fasc. 3, setembro de 1953, p. 537-
554.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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arquivada em Autores: pré-conciliares, Cardeal Ottaviani, Doutrina,
Formação, Liberdade religiosa, Maritain, Método, Papa LEÃO XIII (1878-
1903), Papa PIO XI (1922-39), Papa PIO XII (1939-58). Você pode
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34 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIII”
1. Sandro de Pontes Disse:

5 de outubro de 2011 às 10:17


Felipe, salve Maria.
Muito obrigado por esta tradução, meu amigo e irmão, que somente
demonstra aquilo que estamos tentando provar aquele nosso amigo e
irmão Aruan, que tanto amamos.
Pois bem, destaco o seguinte trecho do cardeal Ottaviani deste
trabalho que eu desconhecia por completo até você me fazer o favor de
publicá-lo:
“(…) Resolvida esta questão preliminar, relativa ao assentimento
devido aos ensinos da Igreja, inclusive os do seu Magistério ordinário
(Nota: portanto, Felipe, condenando aqui os tradicionalistas),
abordemos uma questão prática, que, em termos usuais, PODEMOS
QUALIFICAR DE “SENSACIONAL”: isto é, a do Estado católico e dos seus
deveres para com os cultos não-católicos.
É sabido que em alguns países, cuja população é em grande maioria
católica, as suas respectivas Constituições proclamam que o
catolicismo é a religião do Estado.
Lembrarei, como exemplo típico, a Espanha. No Fuero de los Españoles,
carta fundamental dos direitos e deveres dos cidadãos da Espanha,
estabelece o seu artigo 6.º:
“A profissão e a prática da religião católica, que é a do Estado
espanhol, gozará da proteção oficial. Ninguém será molestado por
motivo de suas crenças religiosas nem pelo exercício privado de seu
culto. Não serão permitidas outras cerimônias e manifestações externas
que as da religião do Estado”.
Isto provocou os protestos de muitos acatólicos e incrédulos; e, o que
é MAIS DESAGRADÁVEL, foi considerado ANACRÔNICO POR ALGUNS CATÓLICOS
QUE PENSAM QUE A IGREJA PODE CONVIVER PACIFICAMENTE E COM PLENA POSSE
DE SEUS DIREITOS NO ESTADO LAICO, aliás composto de católicos (…).
Ora, se entre os princípios gerais do direito público eclesiástico uma
verdade certa e indiscutível existe, é aquela segundo a qual, em um
Estado composto em sua quase totalidade de católicos e, por
conseguinte e coerentemente, regido por católicos, os seus governantes
têm a obrigação de informar a legislação EM UM SENTIDO CATÓLICO. Do
que defluem três imediatas consequências:
I. Profissão social, e não apenas privada, da religião do povo;
II. Inspiração cristã da legislação;
III. Defesa do patrimônio religioso do povo contra todos os assaltos
de quem quer que tente despojá-lo do tesouro da sua fé e da paz
religiosa (…).
Esses princípios são sólidos e imutáveis; valeram nos tempos de
Inocêncio III ou de Bonifácio VIII, valeram nos tempos de Leão XIII, e
valem nos de Pio XII, que os reafirmou em mais de um Documento”.
Veja: para o Cardeal Ottaviani, o foro dos espanhóis é um exemplo
“sensacional” que prova como deve legislar um Estado Católico.
Felipe, sinto-me com a alma lavada!
Abraços,
Sandro
2. Sandro de Pontes Disse:

5 de outubro de 2011 às 13:48


Felipe, salve Maria.
Faltou também destacar esta passagem:
“(…) Invoca o Papa a justiça e a razão porque não é justo atribuir
iguais direitos ao bem e ao mal, à verdade e ao erro. E subleva-se a
razão ao pensar que, para contentar as exigências de uma pequena
minoria, ofendem-se os direitos, a fé e a consciência da quase
totalidade do povo, e trai-se esse povo, permitindo aos pérfidos
inimigos de sua fé que implantem a cisão em seu seio, com todas as
consequências da luta religiosa”.
Abraços,
Sandro
3. AJBF Disse:

5 de outubro de 2011 às 16:24


Sandro,

Salve Maria Imaculada!


Só lembrando duas coisas:
1-) Ottaviani não é o Magistério da Igreja, mas com o que ele disse,
sem sombra de dúvida, concordo com praticamente tudo.
2-) O “Foro dos Espanhóis” não é Magistério da Igreja e nem foi
louvado diretamente por meio desse texto – só o foi indiretamente. Se
vc quer citações verdadeiramente laudatórias a tais leis (e
concordatas, quando é o caso), deverias procurar o livro “Liberdade
Religiosa e Estado Católico”, do Mons. Dr. Emílio da Silva Castro. Em
tal livro, nas páginas 48-50, o autor fala exatamente disso que você
gostaria de encontrar como subsistindo nas palavras de Ottaviani. Diz-
se ali que a concordata espanhola de 1953 com o Vaticano foi “(…) a
mais conforme à doutrina da Igreja e que pôde ajustar-se a todas as
épocas da história”.. Diz-se também que “(…)essa Concordata é a melhor
que se fez na Espanha, a que melhor corresponde à situação atual e à
Tradição Católica do povo espanhol”.
Taí.
Abraços fraternais,

em JMJ,
Aruan
4. Alexandre Fernandes Disse:

6 de outubro de 2011 às 9:28


Vivam Cristo e Maria!
Por que não colocamos em pauta um debate sobre o evolucionismo?
Podemos começar com a afirmação de Pio XII na Encíclica “Humani
Generis”:
“Por isso, o Magistério da Igreja não proíbe que a doutrina da
evolução, a qual busca a origem do corpo humano em uma matéria já
existente e viva – pois que a fé obriga a manter para as almas
imediata criação por Deus – no estado atual das ciências e da
teologia, seja o objeto de pesquisa e de discussões por parte dos
sábios de ambos os partidos, de tal sorte que as razões que favorecem
ou combatem uma e outra opinião sejam examinadas e julgadas com a
seriedade necessária, moderação e medida, na inteira submissão ao
julgamento da Igreja.”
Rahner:
“Desde Teilhard de Chardin, a teologia católica da criação leva em
conta o fato de que a evolução conjunta da matéria e do espírito, com
seus processos de seleção e suas bruscas mutações surpreendentes,
intervém profundamente na história humana e até, não sem importância,
na relação entre o Cristo e o homem.”
Padre Dubarle:
“É importante realçar, em primeiro lugar, que Pio XII não pretendia de
modo algum interditar aos católicos seriamente informados dos fatos
paleontológicos a opinião de que o organismo humano e sua linhagem
derivem, por gênese evolutiva, de uma ramo da vida animal. De nossa
parte, digamos com muita tranquilidade que partilhamos desta opinião.
O Papa pede contudo que esta posição não seja tomada por uma certeza
irreformável que exclua a opinião contrária. Os católicos podem pender
para um sentido ou para um outro, e a discussão deve ficar aberta
entre pensadores; nem a filosofia nem a teologia podem ainda
prevalecer-se de uma contribuição científica equivalente a uma certeza
nítida. Convém mesmo estar aqui tanto mais circunspecto, já que temos
de levar em conta a matéria do ensinamento bíblico, a partir da qual a
exegese deve longamente trabalhar com aplicação para descobrir nela o
que é o objeto verdadeiro da fé religiosa.”
Santo Tomás de Aquino:
“…estas potências ativas e passivas, princípios das gerações e dos
movimentos naturais, produzidas simultaneamente com as causas
universais (…) infusas nas criaturas (…), de modo que o mundo está
prenhe das causas dos seres que se vão produzir (…) e que da criatura
possa ser feito tudo o que Deus mandar” (I, Q.115, a.3) (“Só falta a
palavra evolução, que ninguém conhecia naquela época.” – Pierre
Secondi, OP)
Cardeal Newman:
“Ou vou até o fim com Darwin, ou fechando os olhos ao tempo e à
história por completo, sustento não só a teoria das espécies
distintas, mas também a da criação de rochas com fósseis.”
5. Alexandre Fernandes Disse:

7 de outubro de 2011 às 8:20


Vivam Cristo e Maria!
Embora não queira de forma alguma provocar uma maior extensão do
debate entre Aruan e Sandro, vale como comento sobre a tolerância ou
liberdade religiosa o texto seguinte de Santo Tomás de Aquino:
“Respondo dizendo: Há certos infiéis, como os pagãos e os judeus, que
nunca receberam a fé, esses de modo algum devem ser compelidos a crer,
pois crer depende da vontade, mas os fiéis podem obrigá-los, se
puderem, a não prejudicar a sua própria fé, seja por blasfêmias, maus
conselhos, ou abertas perseguições… É por causa disto que os fiéis de
Cristo, muitas vezes, fazem a guerra contra os infiéis, não por
obrigá-los a crer, mesmo depois de tê-los vencido e guardado cativos,
deixando-lhes a liberdade de crer se o quiserem; isso é para força-los
a não impedir a fé no Cristo.”(II-II, Q. 10, a. 8).
6. Sandro de Pontes Disse:

8 de outubro de 2011 às 7:27


Alexandre, salve Maria.
Esta passagem que você nos apresenta é fantástica e, claro, como não
poderia deixar de ser, ainda mais vindo de quem vem, ensina a doutrina
da Igreja que determina que o Estado, quando possível, reprima os
falsos cultos.
Claro que o Estado tal como conhecemos hoje não existia nos tempos de
São Tomás, a doutrina sobre o Estado moderno foi mais desenvolvida
pelos papas pós revolução francesa, mas os principios são os mesmos e
como diz Cardeal Ottaviani aquilo que valia na idade média vale ainda
hoje.
Certamente quando São Tomás escreveu isso tinha em mente o ensinamento
de Santo Agostinho, quase idêntico em seu núcleo essencial. Veja:
“(…) Penso que não se deve considerar que se é obrigado, mas a que se
é obrigado: se ao bem ou ao mal. Não é que ninguém seja capaz,
sozinho, de um esforço para se tornar bom, mas é que o temor daquilo
que não se quer sofrer põe fim a obstinação e empurra ao estudo da
verdade que se ignorava; faz afastar o falso que se sustentava e
procurar a verdade que não se conhecia, e assim se chega a querer o
que não se queria”.
Que lhe parece esta citação de Santo Agostinho?
Com relação ao debate sobre o evolucionismo, eu não poderei adentrar
nele neste momento por motivos de trabalho. Talvez outros o façam, mas
não eu.
Para mim, basta saber que Deus criou Adão e Eva do nada, que o homem
não existia e passou a existir por causa de um milagre, o milagre da
criação.
Abraços,
Sandro
7. Alexandre Disse:

8 de outubro de 2011 às 18:01


Vivam Cristo e Maria!
Prezado Sandro:
Muito obrigado pela resposta.
A citação do Doutor da Graça é de muita grande conveniência de se pôr
na memória. Ótima!
Somente propus o debate do evolucionismo, não porque o afirme, mas por
imaginar que vocês teriam boas respostas a dar ou compilar contra o
chamado evolucionismo cientificista “teilhardiano”.
Uma correção: Adão e Eva não foram criados do nada.
8. AJBF Disse:

10 de outubro de 2011 às 13:26


A citação de Santo Tomás de Aquino dá mais luz ao fato de que é
possível coerção contra quem quer impôr limites à necessária e justa
liberdade da Igreja.
Mas isso em nada toca a controvérsia da DH, Alexandre.
Antes, o que a toca seria exatamente outra questão: ensina o Aquinate
serem os direitos naturais da pessoa humana direitos que estão
cirunstancialmente ACIMA dos direitos da verdade religiosa (como a
questão da necessidade do batismo). Isso é sobremaneira interessante
para demonstrar os desenvolvimento da DH sobre a temática da liberdade
religiosa, extamente no ponto em que ela constrói sua argumentação.
Veja: http://hjg.com.ar/sumat/c/c10.html#a12

Só um adendo: ensinar que o Estado, quando possível, reprima os falsos
cultos é uma coisa impensável (porque praticamente impossível) nas
atuais circunstâncias concretas. Mutatis mutandis, é para nós tão
longínquo como um… conclave!
9. Sandro de Pontes Disse:

10 de outubro de 2011 às 16:58


Aruan,
Você diz:
“(…) ensina o Aquinate serem os direitos naturais da pessoa humana
direitos que estão cirunstancialmente ACIMA dos direitos da verdade
religiosa (…). Isso é sobremaneira interessante para demonstrar os
desenvolvimento da DH sobre a temática da liberdade religiosa,
extamente no ponto em que ela constrói sua argumentação”.
Pergunto: qual é o ponto de partida onde a DH constrói a sua
argumentação? No ponto que diz que “os direitos naturais da pessoa
humana estão cirunstancialmente acima dos direitos da verdade
religiosa”?
Pois então me mostre, por favor, pela letra da DH que é este o seu
ponto de partida.
Mesmo que fosse, daria muito pano pra manga tal afirmação que em nada,
mas em nada mesmo, daria imunidade de coação por princípio aos
errantes e nem obrigação dos Estados católicos reconhecerem imunidade
a todos os cultos.
Mas como o que você diz é falso (por que não me surpreendo?) digo,
para que a luz brilhe e as trevas evaporem, que a DH constrói a sua
argumentação na falsa premissa de que todos os homens possuem
imunidade de coerção, mesmo os errantes, e que tal imunidade é
decorrente da natureza.
Peço-lhe um favor: prove, não apenas para mim mas para todos que nos
lêem, com passagens retiradas de papas e de santos, que o homem
errante/herético tem direito a imunidade civil em um Estado Católico,
e que tal direito “natural” deve estar previsto na constituição do
Estado.
Está na hora, Aruan, de você falar menos e deixar os papas e santos
doutores falarem mais. Por favor, apresente os ensinamentos de antes
do Vaticano II que defendem aquilo que a DH defende.
Peço que prove colocando passagens aqui que digam diretamente isso, e
não “interpretando” passagens de São Tomás de Aquino e de Pio XII a
sua maneira, passagens estas que para mim e para todos os
sedevacantistas e tradicionalistas da história, desde Dom Lefebvre até
Padre Guérard des Lauriers, não dizem aquilo que você diz que elas
dizem.
Você se tornou a primeira pessoa da história pós-conciliar que diz
(ainda diz?) negar o Vaticano II ao mesmo tempo em que simultaneamente
afirma que a DH está em concordância com o Syllabus (o que já é um
feito pessoal, concorda?).
E você também diz o seguinte:
“(…) ensinar que o Estado, quando possível, reprima os falsos cultos é
uma coisa impensável (sic) (porque praticamente impossível) nas atuais
circunstâncias concretas. Mutatis mutandis, é para nós tão longínquo
como um… conclave!”.
Aruan, tem certeza que não quer rever e retirar esta tolice?
Seria o mesmo que dizer que não devemos ensinar o cristianismo para os
muçulmanos em um estado muçulmano porque lá é praticamente impossível
que eles abandonem Maomé.
Não se ensina a verdade pelo fato das pessoas a aceitarem, mas porque
é verdade. E se ensina a doutrina da Igreja em QUALQUER circunstância,
ainda que ninguém a aceite.
Ora, se você estivesse certo, bastaria a DH ter dito reafirmar toda a
doutrina católica, inclusive aquela que manda em princípio reprimir os
hereges, mas que por causa das circunstâncias tal doutrina hoje não
poderia ser aplicada, sempre realçando a esperança que tal situação se
revertesse no futuro, onde se trabalharia para que os estados
católicos voltassem a triunfar, para glória de Deus. E quando este
futuro chegasse então novamente a boa doutrina seria aplicada.
É isso o que a DH afirma, Aruan? Que a doutrina nela contida está
disposta por causa das circunstâncias atuais, que impossibilitam o
Estado Católico pleno (no sentido de majoritário, o que é mais do que
óbvio)? É isso que a DH ensina, a saber, que “os direitos naturais da
pessoa humana estão cirunstancialmente acima dos direitos da verdade
religiosa”?
Ora, uma pessoa pode sim receber um direito civil no Estado Católico,
mas não porque a natureza lhe dá este direito, mas porque a prudência
o exige.
Mas então onde a DH diz isso qeu você diz que ela diz? Mostre-me os
trechos onde isso é dito.
Ora, Aruan: a DH afirma o direito dos hereges agirem livremente no
Estado Católico, tendo por principio seus atos e cultos reconhecidos
por lei.
Um Estado Católico que venha a surgir, por exemplo, em 2020 (eu estou
trabalhando para isso, você não?) teria que constar em sua legislação
que todos os cultos são livres para existir naquele Estado católico.
É isso que você crê, Aruan? Que em um Estado católico a constituição
deve prever aquilo que prevê a constituição de todos os países do
ocidente, como o Brasil, por exemplo?
Esta resposta seria bastante desejável de vossa parte, porque se
disser que “sim” rompe com a doutrina católica e se disser que “não”
rompe com a DH, que ordena justamente isso.
Vamos, responda diretamente. O vosso dizer seja “sim, sim, não, não”!
Não enrole!
E sobre um futuro conclave, talvez esta seja a vontade de Cristo para
resolver a crise da Igreja, e se for Ele saberá como conduzir os
católicos para que tal conclave aconteça, porque depois que o milagre
acontece, depois que o mar se abre, constatamos que aquilo que parecia
impossível só o era em aparência, por causa da pouca fé dos “tomés”
que ainda predominam na Santa Igreja.
O que mais me impressiona em sua argumentação é que tudo aquilo que
você diz que a DH ensina não consta na letra da DH.
Foi assim no outro debate também: você afirmando que a DH ensinava tal
coisa sem colocar trechos da DH para provar isso que dizia, e que ela
estaria em continuidade com a doutrina da Igreja sem citar nenhuma
passagem papal e nem de santos doutores.
E dizer que o Syllabus não contraria a DH….algo que nem os defensores
da DH tiveram coragem de dizer, é algo para mim causa repulsa e
indignação, ainda mais vindo de quem vem.
Repulsa e indignação, Aruan, repulsa e indignação….
Sandro
10. Renato Salles Disse:

10 de outubro de 2011 às 19:27


Prezado Aruan,

SM! VCR!
Ao meu ver, você tem razões EM PARTE quando diz que existe um direito
natural a liberdade religiosa, pois, realmente, a partir da própria
natureza humana, podemos chegar ao conhecimento de Deus e dos DEVERES
que temos para com Ele: a lei moral a praticar, verdades a crer e
culto a ser tributado ao Ser Supremo.
Neste sentido, o homem deve ser livre para praticar o culto a Deus. É
o que se chama religião natural.
Entretanto, repare que a liberdade inerente a natureza humana de
praticar a religião natural está intimamente ligada à verdade, pois só
podemos chegar ao conhecimento de certas verdades metafísicas por meio
da pesquisa pela verdade que é uma lei moral natural (É contra a lei
natural a mentira, a fraude, etc). Portanto, assim como a liberdade de
pensar só existe para a verdade, assim também a liberdade para a
prática religiosa também só existe para a verdade. Não é possível
fazer uma dissociação entre as duas, como a DH faz.
Desse modo, caso não houvesse revelação, teríamos a liberdade natural
de praticar o culto a Deus, pois esta deriva da lei natural que temos
de expressar o pensamento veraz. Como Deus, em sua infinita bondade,
revelou verdades sobre Ele para nós, temos a obrigação de aceitar
estas verdades; e é por isso que o Estado também tem a obrigação moral
de aceitar estas verdades, pois aquele deve estar ordenado a Cristo.
O que o Aquinate sustenta em seu posicionamento, não é que o direito
natural da pessoa humana para a prática da religião está acima da
verdade religiosa (até porque não existe nenhuma incompatibilidade
entre as duas ), mas simplesmente que a imposição da Fé sem o
consentimento dos pais vai contra OUTRO direito natural que é o
direito dos pais sobre os filhos que ainda não alcançaram a razão. Não
se pode impor pela força a revelação, mas isso não significa que não
se possa coibir que um pensamento falso se manifeste.
Santo Tomás em nenhum momento defende uma (pseudo )liberdade natural à
religião que viria antes da verdade religiosa. A tolerância que se
deve ao culto dos infiéis é apenas com vistas a um bem maior ou à
própria verdade. Jamais é fundamentada em algum direito natural que
viria antes da própria verdade. Veja o que

Santo Tomás ensina:


Artículo 11: ¿Se deben permitir los ritos de los infieles?
Respondo: El gobierno humano proviene del divino y debe imitarle. Pues
bien, siendo Dios omnipotente y sumamente bueno, permite, sin embargo,
que sucedan males en el universo pudiéndolos impedir, no suceda que,
suprimiendo esos males, queden impedidos bienes mayores o incluso se
sigan peores males. Así, pues, en el gobierno humano, quienes
gobiernan toleran también razonablemente algunos males para no impedir
otros bienes, o incluso para evitar peores males. Así lo afirma San
Agustín en II De Ordine: Quita a las meretrices de entre los humanos y
habrás turbado todas las cosas con sensualidades. Por consiguiente,
aunque pequen en sus ritos, pueden ser tolerados los infieles, sea por
algún bien que puede provenir de ello, sea por evitar algún mal.

Mas del hecho de observar los judíos sus ritos, en los que estaba
prefigurada la verdad de fe que tenemos, proviene la ventaja de que
tengamos en nuestros enemigos un testimonio de nuestra fe y cómo, en
figura, está representado lo que nosotros creemos. Por esa razón se
les toleran sus ritos. No hay, en cambio, razón alguna para tolerar
los ritos de los infieles, que no nos aportan ni verdad ni utilidad, a
no ser para evitar algún mal, como es el escándalo, o la discordia que
ello pudiera originar, o la oposición a la salvación de aquellos que,
poco a poco, tolerados de esa manera, se van convirtiendo a la fe. Por
eso mismo, en alguna ocasión, toleró también la Iglesia los ritos de
los herejes y paganos: cuando era grande la muchedumbre de infieles.
(Suma teológica – Parte II-IIae – q. 10, a. 11)
Conclusão: a liberdade religiosa tal qual exprimida na DH é herética.
pois não aprofunda uma verdade contida na Revelação, mas a modifica.

Espero de alguma forma tê-lo ajudado!


Um grande abraço!
11. Sandro de Pontes Disse:

11 de outubro de 2011 às 15:34


Prezado Renato, salve Maria.
As suas palavras demonstram de forma plena a doutrina da Igreja.
Obrigado por elas e pela passagem de São Tomás de Aquino.
O exemplo dado pelo Aruan relacionado ao batismo dos filhos dos judeus
(se se deve batizá-los contra a vontade dos pais) em nada auxilia a
DH, poís é óbvio que privadamente os acatólicos tem o direito de não
serem molestados.
Privadamente eles tem direito a liberdade religiosa, no sentido de que
seguirão suas consciências errôneas dentro de suas residências,
ensinando estes erros a seus filhos sem serem importunados por isso.
Tal doutrina inclusive consta no Foro dos Espanhóis.
Aliás, apenas uma ressalva: esta é outra grande diferença entre
católicos e muçulmanos. Estes últimos explodem casas de pessoas que
não professam a religião muçulmana pelos simples fato de não serem
muçulmanos, ao passo que a Igreja Católica impede que isso seja feito.
O problema da DH com a doutrina do passado é que o documento conciliar
vai dizer que exteriormente (além de privadamente), os errantes tem
direito a liberdade religiosa (que significa ausência de coação por
parte da sociedade). Ora, se isso é verdade a Igreja negou tal direito
natural aos acatólicos por séculos e mais séculos.
Eu realmente não entendo o que está acontecendo com o Aruan neste
tópico. Ele nega algo que nem os padres do IBP negam.
Se a DH mantêm a doutrina de sempre, tudo o que os tradicionalistas
vem fazendo nas últimas décadas é em vão. Pois a questão da liberdade
religiosa tal como foi ensinada neste documento conciliare é um dos
pilares da resistência a anti-Igreja. E quem nega este pilar, nega
todo o edifício.
Abraços, Renato, e fique com Deus.
Sandro de Pontes
12. AJBF Disse:

11 de outubro de 2011 às 17:34


Sandro,

não empolga.
Eu afirmei duas coisas simples, a primeira num sentido muito pontual e
a segunda foi num sentido diferente daquele que você atribuiu-me.
A primeira foi dizer que a DH parte de um princípio anterior à decisão
moral de um indivíduo, e dos direitos que o indivíduo possui perante o
estado, independentemente de quaisquer circunstâncias nas quais o
indivíduo esteja.
A segunda foi uma afirmação da completa inoportunidade de se ensinar
alegremente por aí afora a idéia de um estado católico cuja ingerência
indevida em assuntos religiosos não se distingue (para a maior parte
das pessoas), na prática, em nada de um regime totalitário. Fazer
alarde de tal doutrina é amarrar corda no próprio pescoço e incentivar
mais ainda uma segregação social que já impera contra os católicos
tradicionalistas. Isso não significa, de modo nenhum, que eu rejeite
esse princípio: só significa que ele é francamente secundário perante
outras doutrinas cujo conhecimento é bem mais importante à salvação
das almas.
Ou você por acaso acha que vai converter algum índio, ateu,
protestante ou qualquer outra pessoa falando desse tipo de tema,
diretamente, sem ensinar-lhe as razões fundantes de uma tal posição
política…?
DISCERNIMENTO, gente.

Temos a obrigação de aceitar essas verdades sim, caro Renato, assim
como o Estado também deve reconhecer, segundo a sua competência, tais
verdades.
Mas eu não disse que Tomás de Aquino defende uma liberdade natural
para a defesa de doutrinas acatólicas (aliás, nem a DH defende isso, o
que ela defende é uma liberdade PARA a verdade, e não uma liberdade DA
verdade).
Eu disse que Tomás de Aquino, ao colocar os deveres para com a verdade
religiosa da necessidade do batismo como SUBMISSOS à verdade natural
do legítimo direito ao pátrio poder, MESMO QUANDO ELE IMPLICA EM
EFEITOS CONTRÁRIOS À VERDADE RELIGIOSA, demonstra que existe um certo
“locus” no qual não há legitimidade nenhuma de intervenção em favor da
verdade religiosa SEM COM ISSO VIOLAR UM DIREITO NATURAL.
E isso é, evidentemente, semelhante à situação das comunidades
religiosas não-católicas perante o estado: ele não pode intervir nelas
sem violar o direito natural à imunidade de coerção/coação senão
quando estas fogem totalmente dos limites aceitáveis, limites estes
que são variáveis (mas não totalmente variáveis, dado que devem
obedecer a norma moral objetiva, a moralidade pública, etc).
Eu duvido que a Igreja não compreenda ser sua própria liberdade de
ação fundada numa potência geral e natural, potência esta que é
verdadeira ela mesma, meu caro. Com base na afirmação positiva dessa
potência anterior à adesão a qualquer proposição (esta sim verdadeira
ou falsa) é que subjaz a possibilidade de erro ou acerto moralmente
imputáveis.
É visando defender essa potência de ingerências indevidas que a DH
afirma o que afirma. Depois disso, concordo plenamente que hajam
outros direitos cumulativos que somente a verdade religiosa dispõe – e
a DH não me parece negar isso em nenhum momento.
A DH justifica sua doutrina na inviolável dignidade da natureza
humana, cujos direitos transcendem a potência de intervenção do estado
até que sejam violados os “justos limites”, isto é, até que tal
potência crie desordenações não apenas doutrinalmente erradas (coisa
que o Estado não têm legitimidade para discernir), mas também coisas
que afetem o âmbito da ordem pública.
Isso não tiraria em nenhum momento a obrigação dos homens e das
comunidades religiosas de buscarem a verdade e encontrando-na,
aderirem a ela. Apenas permitiria que elas fizessem isso sem qualquer
coação (que concordarmos ser sempre condenável, embora muitas vezes
praticada pelos católicos na História e inclusive – lamentavelmente –
justificada por Santo Tomás de Aquino) ou indevida coerção.
E ISSO NÃO ME PARECE SER CONTRADITÓRIO COM NADA A FÉ CATÓLICA NOS
OBRIGUE A ADMITIR, até porque o Estado não têm jurisdição para impedir
todo e qualquer ato mau das comunidades religiosas acatólicas PELO
MERO FATO DE SEREM ACATÓLICAS.
Historicamente falando, não há nenhum documento sequer que ofereça ao
Estado legitimidade para uma potência dessas. Isso que afirmo, aliás,
é o que diz Pio XII na “Ci Riesci”; não me parece ser bom católico
quem nega tal coisa.
Nesse caso, as comunidades possuiriam um direito negativo, isto é,
poderiam exigir a não-intervenção estatal em suas práticas religiosas,
desde que salvaguardem a justa ordem pública (coisa que, segundo já
afirmamos anteriormente, NÃO parece ser a mesma coisa que a “pax
publica” da Quanta Cura, e por isso NÃO incorre naquela censura).
E quel mal há nisso, oras?
Aliás, a idéia de que o Estado possa reprimir a heresia pelo mero fato
dela ser uma heresia é fundamentalmente de origem protestante (Calvino
e Zwinglio), não é católica.

Att.

AJBF
13. AJBF Disse:

11 de outubro de 2011 às 17:55


“O problema da DH com a doutrina do passado é que o documento
conciliar vai dizer que exteriormente (além de privadamente), os
errantes tem direito a liberdade religiosa (que significa ausência de
coação por parte da sociedade). Ora, se isso é verdade a Igreja negou
tal direito natural aos acatólicos por séculos e mais séculos.”
ONDE a DH afirma isso, caríssimo?
Não há uma só passagem da DH que dê direitos ao erro. O que ela afirma
abstratamente pode ser utilizado adequada ou inadequadamente, sem
dúvida, mas não se pode condenar uma coisa pelo abuso que se faz dela.
Seria como condenar o direito à legítima defesa por meio de armas de
fogo em razão do fato de que há pessoas que utilizam esse direito de
modo inadequado, assassinando e roubando.
14. Renato Salles Disse:

11 de outubro de 2011 às 20:16


Meu caro amigo Aruan,
Você escreveu:
“Eu disse que Tomás de Aquino, ao colocar os deveres para com a
verdade religiosa da necessidade do batismo como SUBMISSOS à verdade
natural do legítimo direito ao pátrio poder, MESMO QUANDO ELE IMPLICA
EM EFEITOS CONTRÁRIOS À VERDADE RELIGIOSA, demonstra que existe um
certo “locus” no qual não há legitimidade nenhuma de intervenção em
favor da verdade religiosa SEM COM ISSO VIOLAR UM DIREITO NATURAL.
E isso é, evidentemente, semelhante à situação das comunidades
religiosas não-católicas perante o estado: ele não pode intervir nelas
sem violar o direito natural à imunidade de coerção/coação senão
quando estas fogem totalmente dos limites aceitáveis, limites estes
que são variáveis (mas não totalmente variáveis, dado que devem
obedecer a norma moral objetiva, a moralidade pública, etc).”
Ao meu ver, o segundo parágrafo é falso. Primeiramente, não vejo como
“semelhante”, e muito menos “evidentemente”. Parece-me que aqui você
produz um salto que não poderia ser dado. O direito dos pais sobre os
filhos que não estão na idade da razão decorre do principio moral do
direito natural de propriedade -lembrando que este direito natural,
como ensina Santo Tomás, tem um limite: somente enquanto o filho está
privado da razão – que é o que o Santo doutor ensina:
“Porque, mientras no tiene uso de razón, el niño no difiere del animal
irracional. Por eso, del mismo modo que el buey o el caballo son
propiedad de alguien y puede usar de ellos a voluntad, como de un
instrumento propio, según el derecho natural, es también de derecho
natural que el hijo, antes del uso de razón, esté bajo la protección
de sus padres.”; (Suma teológica – Parte II-IIae – q. 10, a. 12)
já o segundo, decorre do principio que diz que a vida intelectual é um
bem e, lembrando, esta só existe para a verdade. É daqui que decorrem
nossos deveres para com Deus. Portanto, meu caro, novamente sustento
em meu parecer que não se pode dissociar a liberdade religiosa da
verdade, pois ela nasce exatamente da nossa tendência para ela. Não se
pode colocar a liberdade religiosa como um direito natural que
antecederia a verdade seja ela natural ou sobrenatural.
Semelhantemente (agora sim é semelhante!) ocorre com o direito natural
que temos de expressarmos livremente o pensamento veraz (a liberdade
de expressão só existe para verdade).
Não entro aqui numa análise das atuais circunstâncias.
A DH, ao exigir o livre exercício da religião não fundamentado na
verdade, acaba por consequentemente dar direito a erros.
Pergunto-lhe: como você consegue conciliar as seguintes proposições da
DH com a doutrina católica sobre as relações Igreja-Estado?
“Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica
da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito
civil.” (DIGNITATIS HUMANAE, 2)
“Por este motivo, a autoridade civil, que tem como fim próprio olhar
pelo bem comum temporal, deve, sim, reconhecer e favorecer a vida
religiosa dos cidadãos, mas excede os seus limites quando presume
dirigir ou impedir os actos religiosos.” (DIGNITATIS HUMANAE, 3)
“Por conseguinte, desde que não se violem as justas exigências da
ordem pública, deve-se em justiça a tais comunidades a imunidade que
lhes permita regerem-se segundo as suas próprias normas, prestarem
culto público ao Ser supremo, ajudarem os seus membros no exercício da
vida religiosa e sustentarem-nos com o ensino e promoverem, enfim,
instituições em que os membros cooperem na orientação da própria vida
segundo os seus princípios religiosos.” (DIGNITATIS HUMANAE, 4)
[Repare, aqui se fala que é um ato de “justiça” a imunidade e não
tolerância]
15. AJBF Disse:

12 de outubro de 2011 às 0:38


Caro irmão Renato,
SMI! VCR!
É evidente que houve um salto. Analisar se tal salto é, segundo a
analogia proposta, adequado ou não, é outra coisa.
O argumento colocado supõe uma analogia entre os casos.
Nenhuma analogia é perfeita, evidentemente, mas creio que a substância
da argumentação é uma só: não há legitimidade, por parte do Estado, em
impedir um ato que foge à jurisdição própria deste, assim como eu não
posso, por exemplo, apitar um jogo de futebol oficial (está
completamente fora da minha jurisdição).
Mesmo que esse ato infrinja uma verdade religiosa ou um bem moral
defensável pela da fé, se tal ato fugir à jurisdição do Estado, não há
como ele intervir segundo a justiça (ou seja, dando a cada um, segundo
sua missão peculiar, aquilo que lhes é devido). Pois embora seja
devido ao Senhor Deus e à Verdadeira Religião uma correção e uma
mudança de atitude das pessoas/comunidades acatólicas quando elas
erras, isso nem sempre é devido ao Estado.
O Estado e a Igreja respondem a esferas diferentes de coação/coerção,
bem como respondem, em suas penas, a diferentes tipos de justa
infração.
Cabe provar, para se refutar adequadamente a DH, que o Estado possui
jurisdição plena para reprimir, sempre, em toda e qualquer
circunstância, qualquer ato que não corresponda à verdade e ao bem.

Concordo que a liberdade “(…)decorre do principio que diz que a vida
intelectual é um bem e, lembrando, esta só existe para a verdade.”;
porém você não está distinguindo entre a potência volitiva em si mesma
considerada (ou seja, a liberdade enquanto faculdade de escolher entre
os meios que conduzem a um fim específico) e os resultados que tal
potência é capaz quando diante de várias realidades.
Desses resultados possíveis, há sem dúvida como escolher a coisa
excelente e totalmente adequada ao fim pretendido. Mas além desta, há
também uma inumerável quantidade de outras coisas que são passíveis de
serem escolhidas, que vão desde coisas um pouco inadequadas até outras
bastante inadequadas (para se atingir o fim específico que a decisão
visava).
Mesmo que só escolhamos coisas errôneas, a potência ainda existe em
nós e continuamos capazes de escolher. Não significa isso, porém, que
a escolha do mau não cause efeitos deletérios (como os maus hábitos,
os vícios, o embotamento e a confusão da consciência, etc): significa
apenas que tal potência que desfrutamos deve ser respeitada, e violá-
la indevidamente é um ato contra a ordenação divina, contrário à lei
natural.
Penso que a DH não quer mais do que isso, quando se refere à liberdade
religiosa.

“É daqui [da verdade] que decorrem nossos deveres para com Deus.” –
Sim, caríssimo. Mas não há dever conforme a justiça se não há como um
homem assumir devidamente esse dever. E não há como assumir
devidamente o dever se não há autonomia suficiente da potência
volitiva para esta tender ao bem que lhe é conhecido (ou seja, se não
entente a razão que justifica o dever).

“Portanto, meu caro, novamente sustento em meu parecer que não se pode
dissociar a liberdade religiosa da verdade, pois ela nasce exatamente
da nossa tendência para ela.” – E eu concordo contigo naquilo que
afirmas, Renato, mas desfrutar da liberdade religiosa segundo os
moldes da DH não é apenas isso.
Liberdade não é apenas o EFEITO VOLITIVO de alguém aderir ao bem e à
verdade (efeito este que é um acréscimo do poder de decidir os meios
ótimos para se atingir fins determinados), mas bem é também a garantia
de que POSSAMOS tender ao BEM.
E essa garantia existe quando não sermos limitados indevidamente pela
autoridade humana, exatamente como pretende a DH.

Se dizes que “não se pode colocar a liberdade religiosa como um
direito natural que antecederia a verdade seja ela natural ou
sobrenatural.” no sentido de que a imunidade de coação/coerção em
matéria religiosa não é um bem em si mesmo, isso significaria que
Santo Agostinho mente ao afirmar que “o homem não pode crer senão por
espontânea vontade”.
Isso porque, se não há a garantia de que a capacidade humana de
escolher entre diversos meios para atingir seu fim espiritual pode ser
exercida sem sofrer ingerência estatal a cada erro cometido, então não
há senão uma cruel escravidão totalitária envernizada de catolicismo.

“A DH, ao exigir o livre exercício da religião não fundamentado na
verdade, acaba por consequentemente(sic) dar direito a erros.”
Não é correto você acusar a DH por implicação/consequência
silogísticas quando ela explicitamente diz o contrário daquilo que a
implicação/consequência, amigo. Uma adequada hermenêutica visa
entender a unidade do texto em primeiro lugar, antes de presumir
incoerências insolúveis dentro deste.
A DH não fala dos direitos do erro nem lhes dá direitos, muito menos
diz que o livre exercício da religião se dá quando este não está
fundamentado na verdade.
MAS… ela diz que temos o dever de buscar a verdade e aderir a ela
quando fôr conhecida; diz que a Igreja deve gozar de toda liberdade
necessária para a realização de sua missão, ou seja, de liberdade
total e íntegra. E ao mesmo tempo ela coloca circunstâncias limitantes
para quem ABUSAR da imunidade de coação/coerção pretendida pela DH,
visando promover o mal na sociedade.
Donde, embora a DH prescinda da consideração das verdades religiosas
em si mesmas consideradas para justificar a imunidade de
coação/coerção a ser defendida, daí não se implica que a aplicação da
DH desemboque necessariamente num “direito ao erro”.

Isso vai longe, pelo visto…
Att.

AJBF
16. Sandro de Pontes Disse:

12 de outubro de 2011 às 20:59


Aruan,
Suas últimas mensagens me decepcionaram profundamente. Se as
responderei não é mais por qualquer tipo de esperança em convencer-lhe
de seus erros monstruosos.
Porque aquilo que poderia ser dito neste sentido, a força das
passagens colocadas anteriormente por mim e mais recentemente pelo
Renato (passagens estas provenientes dos papas, santos doutores e
teólogos) tem força suficiente para convencer racionalmente uma alma
reta e disposta a abraçar a verdade, depois que esta lhe é
apresentada.
Infelizmente, este não é o seu caso. Você é empedernido, ou para usar
o termo teológicamente correto, pertinaz!
Vou destacar o trecho que você escreveu que demonstra, além da sua
ignorância também a sua enorme prepotência e petulância,
caracteristica dos soberbos que se julgam cultos, quando na verdade
não passam de tolos:
“(…) Isso (a doutrina da DH) não tiraria em nenhum momento a obrigação
dos homens e das comunidades religiosas de buscarem a verdade e
encontrando-na, aderirem a ela. Apenas permitiria que elas fizessem
isso sem qualquer coação (que concordarmos ser sempre condenável
(sic), embora muitas vezes praticada pelos católicos na História e
inclusive – lamentavelmente (sic) – justificada por Santo Tomás de
Aquino) ou indevida coerção”.
Aruan, você não é católico! É liberal. E um liberal não pode ser
católico, porque ninguém pode servir a dois senhores.
Logo, se ainda responderei suas mensagens, não é por sua causa, mas
por causa daqueles que nos lêem.
Para você, não mais palavras: apenas a oração e o combate, atos
reservados aqueles que profanam a verdadeira fé.
Você não tem mais minha amizade.
Não pense que tenho prazer em lhe dizer isso. Não tenho autoridade
nenhuma, mas pelo menos as minhas amizades eu posso escolher.
E certamente você não é meu amigo, porque inimigo da doutrina
católica, que manda reprimir os falsos cultos em princípio quando
possível, pelo simples fato de serem acatólicos.
E viva o foro dos espanhóis, o seu pesadelo, que você rejeita, mas que
serve como modelo da verdadeira doutrina aplicada por um Estado
verdadeiramente católico que você despreza.
Sandro
17. Sandro de Pontes Disse:

12 de outubro de 2011 às 23:21


Aruan,
O Renato lhe mostrou muito bem a questão da liberdade religiosa e a
relação desta no que se refere a posse da verdade. Sem a posse da
verdade, o ser humano não possui direito a imunidade na sociedade
católica.
E por que isso?
Porque a heresia, em um Estado católico, é comparada a um virus letal
e até a algo muito pior. Um virus letal mata o corpo, a heresia mata a
alma.
Segue que em um Estado qualquer, católico ou não, ninguém pode
espalhar virus letais desde que aja nos “justos limites”. A lei proibe
e prevê severas penas àqueles que espalhem tais virus, porque matam
pessoas.
Da mesma forma é o herege no Estado católico: seu virus mata a alma,
daí que a lei deve proibir ele de professar publicamente sua falsa
religião, sempre que isso for possível, como já foi repetido inúmeras
vezes neste debate.
Falta a você, Aruan, o verdadeiro ódio a heresia. Lendo Olavo de
Carvalho você se tornou um falso humanista, ou seja, um “católico”
liberal.
Falemos, agora, das suas últimas mensagens. De novo, muito “blá-blá-
blá” e nenhuma passagem papal, de santos doutores e de teólogos.
Apenas, e novamente, sua pífia interpretação da DH.
Objetivamente, você não me respondeu sobre a pergunta que lhe fiz
sobre o hipotético Estado católico que surgiria no ano de 2020. Ou
seja, não respondeu nem sim e nem não. Logo, suas palavras vieram do
maligno.
Mas vamos refutá-las adequadamente a partir de agora. Realço: não por
sua causa, porque para pessoas como você São Paulo diz para adverti-
las duas ou três vezes, o que já foi feito, mas por causa daqueles que
nos lêem.
Primeiro, você escreveu:
“(…) E isso (a doutrina de São Tomás) é, evidentemente, semelhante à
situação das comunidades religiosas não-católicas perante o estado:
ele não pode intervir nelas sem violar o direito natural à imunidade
de coerção/coação senão quando estas fogem totalmente dos limites
aceitáveis, limites estes que são variáveis (…). A DH justifica sua
doutrina na inviolável dignidade da natureza humana, cujos direitos
transcendem a potência de intervenção do estado até que sejam violados
os “justos limites”, isto é, até que tal potência crie desordenações
não apenas doutrinalmente erradas (coisa que o Estado não têm
legitimidade para discernir), mas também coisas que afetem o âmbito da
ordem pública”.
Mais falso do que isso, impossível. Aliás, é incrivel como alguém que
até hoje se declarou sedevacantista repita os mesmos erros dos
liberais relacionados as atribuições do Estado.
Diz você que o Estado não pode em princípio intervir na situação das
comunidades religiosas acatólicas e que ele não têm legitimidade para
discernir sobre doutrinas religiosas. Fica claro por estas palavras
que você NUNCA estudou os documentos da Igreja que condenam justamente
isso, pois o Estado, ILUMINADO PELA IGREJA E NUNCA POR SI MESMO, tem o
dever de reprimir as falsas religiões e favorecer a verdadeira, que é
a Católica.
Você repete a doutrina maçônica que foi condenada pela Quanta Cura:
“(…) E, contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos
Padres, não duvidam em afirmar que a melhor forma de governo é aquela
em que NÃO SE RECONHEÇA AO PODER CIVIL a obrigação de castigar,
mediante determinadas penas, os violadores da religião católica, senão
quando a paz pública o exija. E com esta idéia do governo social,
ABSOLUTAMENTE FALSA, não hesitam em consagrar aquela opinião errônea,
em extremo perniciosa à Igreja católica e à saúde das almas, chamada
por Gregório XVI, Nosso Predecessor, de feliz memória., loucura [2],
isto é, que ‘a liberdade de consciências e de cultos é um direito
próprio de cada homem, que todo Estado bem constituído deve proclamar
e garantir como lei fundamental’”.
Portanto, Aruan, a melhor forma de governo é aquela em que se
reconhece ao poder civil a obrigação de castigar os violadores da
religião católica, mesmo antes da paz pública ser afetada. E isso se
faz proibindo em princípio os falsos cultos. Eles não precisam quebrar
justos limites para serem proibidos. Vide o Foro dos espanhóis, mas
não apenas ele: toda a história bíblica e eclesiástica remetem a esta
doutrina que você petulantemente nega.
E note aí que está condenada como “loucura” a falsa doutrina que diz
que o Estado deve garantir liberdade de culto baseada em supostos
“direitos” dos homens. A DH ensina tal loucura já condenada pela
Igreja, e você a endossa!
Portanto, isso que você ensina está contra a doutrina da Sagrada
Escritura, da Igreja e dos Santos Padres. E está mesmo!
Vamos falar agora sobre as obrigações do Estado, que para você não tem
legitimidade para discernir sobre doutrinas falsas.
As passagens abaixo abordam a questão das obrigações do Estado para
com a verdadeira religião e também a questão da formulação das leis
deste Estado, que devem favorecer a Igreja Católica e proibir os
falsos cultos.
Leão XIII – Immortale Dei:
“12. Devem, pois, os chefes de Estado ter por santo o nome de Deus e
colocar no número dos seus principais deveres FAVORECER A RELIGIÃO,
protegê-la com a sua benevolência, cobri-la com a AUTORIDADE TUTELAR
DAS LEIS, e nada estatuírem ou decidirem que seja contrário à
integridade dela. E isso devem-no eles aos cidadãos de que são chefes.
Todos nós, com efeito, enquanto existimos, somos nascidos e educados
em vista de um bem supremo e final ao qual é preciso referir tudo,
colocado que está nos céus, além desta frágil e curta existência. Já
que disso é que depende a completa e perfeita felicidade dos homens, é
do interesse supremo de cada um alcançar esse fim. Como, pois, a
sociedade civil foi estabelecida para a utilidade de todos, deve,
favorecendo a prosperidade pública, prover ao bem dos cidadãos de modo
não somente a não opor qualquer obstáculo, mas a assegurar todas as
facilidades possíveis à procura e à aquisição desse BEM SUPREMO E
IMUTÁVEL ao qual eles próprios aspiram. A primeira de todas consiste
em fazer respeitar a santa e inviolável OBSERVÂNCIA DA RELIGIÃO, cujos
deveres unem o homem a Deus”.
“13. Quanto a decidir qual religião é a verdadeira, ISSO NÃO É DIFICIL
a quem quiser julgar disso com prudência e sinceridade (…)”.
“28. Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados.
Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina
PENETRAVAM AS LEIS, as instituições, os costumes dos povos, todas as
categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião
instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de
dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao
favor dos príncipes e à PROTEÇÃO LEGÍTIMA DOS MAGISTRADOS. Então o
sacerdócio e o império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e
pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade
civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória
subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que
artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.
“32. (…) o Estado (de acordo com a doutrina liberal) não se julga a
nenhuma obrigação para com Deus, não professa oficialmente nenhuma
religião, não é obrigado a perquirir QUAL É A ÚNICA VERDADEIRA ENTRE
TODAS, nem a preferir uma às outras, NEM A FAVORECER UMA
PRINCIPALMENTE; mas a todas deve atribuir a igualdade em direito, com
este fim apenas, de impedi-las de perturbarem a ordem pública. Por
conseguinte, cada um será livre de se fazer juiz de qualquer questão
religiosa, cada um será livre de abraçar a religião que prefere ou de
não seguir nenhuma se nenhuma lhe agradar. Daí decorrem
NECESSARIAMENTE a liberdade sem freio de toda consciência, a liberdade
absoluta de adorar ou de não adorar a Deus, a licença sem limites de
pensar e de publicar os próprios pensamentos”.
“42. (…) A respeito da separação da Igreja do Estado, exprime-se
(Gregório XVI na Carta Encíclica “Mirari vos”), nestes termos esse
Pontífice: ‘Não podemos esperar para a Igreja e para o Estado
resultados melhores das tendências dos que pretendem separar a Igreja
do Estado e romper a CONCÓRDIA MÚTUA ENTRE O SACERDÓCIO E O IMPÉRIO. É
que, com efeito, os fautores de uma liberdade desenfreada temem essa
concórdia, que sempre foi tão PROPÍCIA E SALUTAR AOS INTERESSES
RELIGIOSOS E CIVIS. Da mesma maneira, Pio IX, cada vez que se
apresentou ensejo, condenou as FALSAS OPINIÕES mais em voga, e que, em
tal dilúvio de erros, os católicos tivessem uma direção segura”.
“49. Pelo contrário, liberdade verdadeira e desejável é a que, na
ORDEM INDIVIDUAL, NÃO DEIXA O HOMEM ESCRAVO NEM DOS ERROS, NEM DAS
PAIXÕES, que são os seus piores tiranos; E NA ORDEM PÚBLICA traça
regras sábias aos cidadãos, facilita largamente o incremento do bem-
estar e preserva do arbítrio de outrem a coisa pública. Essa liberdade
honesta e digna do homem, a Igreja a aprova ao mais alto ponto, e,
para garantir aos povos o firme e integral gozo dela, nunca cessou de
lutar e de combater”.
Além da Immortale Dei a Libertas de Leão XIII é outro documento que
fala abundantemente sobre este tema. Muitas citações poderiam ser
tiradas de lá, mas vamos nos ater as mais importantes, aquelas que
falam que o Estado deve favorecer a salvação das almas através de leis
católicas que excluem os falsos cultos na sociedade:
“12. Numa sociedade de homens, portanto, a liberdade digna deste nome
não consiste em fazer tudo o que nos apraz: isso seria uma confusão
extrema no Estado, uma perturbação que conduziria à opressão. A
liberdade consiste em que, COM O AUXÍLIO DAS LEIS CIVIS, possamos mais
facilmente viver segundo as PRESCRIÇÕES DA LEI ETERNA. E para aqueles
que governam, a liberdade não é o poder de mandarem ao acaso e segundo
seu bel-prazer: isso seria uma desordem não menos grave e extremamente
perigosa para o Estado; mas a força das leis humanas consiste em que
elas sejam olhadas como uma DERIVAÇÃO DA LEI ETERNA e que não há
nenhuma das suas prescrições que não seja contida nela como no
princípio de todo direito. Santo Agostinho disse com muita sabedoria
(De lib. Arb., lib. I, c. 4, n. 15): “Eu penso, e vós bem vedes
também, que, nesta lei temporal, nada há de justo e de legítimo que os
homens não tenham ido haurir na lei eterna”. Suponhamos, pois, uma
prescrição dum poder qualquer que esteja em desacordo com os
princípios da reta razão e com os interesses do bem público: não teria
força alguma de lei, porque não seria uma regra de justiça e afastaria
os homens do bem, PARA O QUAL A SOCIEDADE FOI FORMADA”.
“24. (…) é mister consideremos separadamente as diversas espécies de
liberdades que se dão como conquistas da nossa época. — E
primeiramente, a propósito dos indivíduos, examinemos esta LIBERDADE
TÃO CONTRÁRIA A VIRTUDE DA RELIGIÃO, A LIBERDADE DE CULTO, COMO LHE
CHAMAM, liberdade que se baseia no princípio de que é lícito a cada
qual professar a religião que mais lhe agrade, ou mesmo não professar
nenhuma”.
“(…) 26. esta mesma liberdade quer que o Estado NÃO RENDA CULTO ALGUM
A DEUS, ou que não autorize nenhum culto público; que nenhuma religião
seja preferida a outra, que todas sejam consideradas como tendo as
mesmos direitos, sem mesmo ter atenção para com o povo, até quando
esse mesmo povo faz profissão de catolicismo. Mas, PARA QUE ASSIM
FOSSE SERIA NECESSÁRIO QUE REALMENTE A COMUNIDADE CIVIL NÃO TIVESSE
NENHUM DEVER PARA COM DEUS, ou que, tendo-o, pudesse impunemente
afastar-se dele: duas coisas manifestamente falsas. Com efeito, não se
pode pôr em dúvida que a reunião dos homens em sociedade seja obra da
vontade de Deus; e isto quer se considere em seus membros, na sua
forma que é autoridade, na sua causa, ou em número e importância das
vantagens que ela procura ao homem. Foi Deus quem fez o homem para a
sociedade e o uniu aos seus semelhantes, a fim de que as necessidades
da sua natureza, às quais os seus esforços isolados não poderiam dar
satisfação, a possam encontrar na comunidade. Eis aí por que a
sociedade civil como sociedade deve NECESSARIAMENTE RECONHECER DEUS
como seu princípio e seu autor, e, por conseguinte, render ao seu
poder e à sua autoridade a homenagem do seu culto. VEDA-O A JUSTIÇA, e
veda-o a razão QUE O ESTADO seja ateu, ou, o que viria a dar no
ateísmo, ESTEJA ANIMADO A RESPEITO DE TODAS AS RELIGIÕES, como se diz,
das mesmas disposições e conceder-lhes indistintamente os MESMOS
DIREITOS”.
27. Visto, pois, que É NECESSÁRIO PROFESSAR UMA RELIGIÃO NA SOCIEDADE,
DEVE-SE professar a única que é verdadeira e que se reconhece, sem
dificuldade, pelo menos nos países católicos, pelos sinais de verdade
que com tão vivo fulgor ostenta em si mesma. Esta religião, os chefes
de Estado A DEVEM POIS CONSERVAR E PROTEGER, se querem, como é
OBRIGAÇÃO SUA, prover prudente e utilmente aos INTERESSES DA
COMUNIDADE. Pois o PODER PÚBLICO FOI ESTABELECIDO PARA UTILIDADE
DAQUELES QUE SÃO GOVERNADOS, e conquanto ele não tenha por fim próximo
senão conduzir os cidadãos à prosperidade desta vida terrestre é,
contudo, para ele UM DEVER não diminuir, mas pelo contrário AUMENTAR,
para o homem, A FACULDADE DE ATINGIR ESSE BEM SUPREMO E SOBERANO, no
qual consiste a eterna felicidade dos homens: o que se torna
impossível sem a religião.
Ainda Leão XIII, em passagem retirada de outro documento, a encíclica
Tametsi Futura:
“14. (…) submetendo a própria inteligência a Cristo senhor, o homem
não age servilmente, (…) e não se prende às opiniões de um mestre
humano, mas à verdade eterna e imutável. Dessa forma ele alcança o bem
natural do intelecto e CONSEGUE AO MESMO TEMPO A LIBERDADE.

19. Em tão grande contraste de paixões e entre tão graves perigos, não
há meio-termo: ou esperar as piores catástrofes, ou procurar sem
demora um remédio válido. Reprimir os delinqüentes, enobrecer o
costume das plebes, e prevenir de toda forma os males por meio de leis
sábias, É COISA BOA E NECESSÁRIA;

20. Muito se falou às multidões sobre aqueles que são definidos “os
direitos do homem”; fale-se-lhes também dos direitos de Deus”.
Agora o Papa Pio IX, que no Syllabus condenou as seguintes
proposições:
“77. Na nossa época não é mais necessário que a religião católica seja
considerada como a única religião do Estado, EXCLUÍDOS OS OUTROS
CULTOS”.
78. Por isso é de louvar que em regiões católicas, se tenha
providenciado por lei, que aos imigrantes naquelas regiões se permita
o culto público próprio deles.”
Ou seja, segundo Pio IX, é necessário que a religião católica seja
considerada como a única do Estado, excluindo-se assim, em princípio,
todos os outros cultos. Este é o Estado católico ideal! Negar isso que
ensinou Pio IX é discordar da Igreja Católica.
O Vaticano II nega isso claramente, pois no número seis da DH ele
ensina que MESMO NOS ESTADOS CATÓLICOS todos os tipos de culto devem
ser reconhecidos o direito a existência.
Você fez sua escolha, Aruan, eu fiz a minha.
(continua)
18. Sandro de Pontes Disse:

13 de outubro de 2011 às 0:23


Aruan,
Continuo a refutação agora a partir do seguinte trecho escrito por
você:
“(…) Isso (a doutrina da DH) permitiria que elas (as seitas) fizessem
isso (buscar a verdade no Estado católico) sem qualquer coação (que
concordarmos ser sempre condenável, embora muitas vezes praticada
pelos católicos na História e inclusive – lamentavelmente –
justificada por Santo Tomás de Aquino) ou indevida coerção (…) Aliás,
a idéia de que o Estado possa reprimir a heresia pelo mero fato dela
ser uma heresia é fundamentalmente de origem protestante (Calvino e
Zwinglio), não é católica”.
Aruan, como disse, a sua soberba é algo que salta aos olhos.
Permitir por princípio que os acatólicos ajam livremente no Estado
significa colocar em risco a salvação dos católicos. Daí a Igreja
pedir aos estados que criem leis impedindo os falsos cultos. Tais leis
refletem a doutrina da Igreja, doutrina esta que você nega. Primeiro,
dizendo que qualquer coação é “sempre condenável”!
Aruan, você não tem o menor senso de catolicismo.
A ausência de coação é que é condenável. A ausência de coação está
condenado na Libertas, na Immortale Dei, na Quanta Cura e no Sylabus,
entre muitos outros documentos. Releia o número 38 da Immortale Dei e
reveja esta sua falsa opinião.
Você inverte totalmente as coisas. Que falta de humildade. E ainda tem
a audácia de criticar São Tomás de Aquino!!!!!! Não se envergonha
disso? Não, não se envergonha e ainda é capaz de querer explicar esta
crítica ao santo que teve sua obra recomendada pela Igreja como porto
seguro de salvação!
E quem é Aruan perto de São Tomás? Cale-se a ignorância diante da
sabedoria!
Meu Deus do céu, será que alguém está se passando por você, Aruan,
escrevendo em seu nome? Ou é você mesmo? Teria você nestes anos
aparência de jóia rara ao passo que não passava de mera bijuteria?
Ao “lamentar” que a coação foi praticada muitas vezes “pelos católicos
na História” você camufla, minimiza o fato de que estes católicos na
verdade apenas seguiam a orientação da Santa Igreja, sendo portanto
tal coação doutrina católica. E ao dizer que a “idéia de que o Estado
possa reprimir a heresia pelo mero fato dela ser uma heresia é
fundamentalmente de origem protestante” você me faz chorar, porque
coisas que as pessoas escrevem para perdição de suas próprias almas
são para chorar.
E o Syllabus, e a Quanta Cura, estes documentos não mandam combater a
heresia no Estado pelo “mero” fato de serem heresias? E a Santa
Inquisição?
Mas você tem razão quando diz que tal doutrina não é católica:
realmente, ela é doutrina retirada das sagradas escrituras, aplicada
pelos judeus muitos séculos antes da existência do catolicismo. Veja:
Gênesis 35, 2 – Jacó disse à sua família e à sua gente: Tirai do meio
de vós os deuses estrangeiros, purificai-vos e mudai vossas vestes.
Interessante, Aruan, que a mesma doutrina bíblica que coagia os
errantes e os impedia de agir em matéria religiosa na socieade
israelita determinava o seguinte:
Êxodo 22, 21 – Não maltratarás o estrangeiro e não o oprimirás, porque
foste estrangeiro no Egito.
Ou seja, é a mesma doutrina do Foro dos Espanhóis: deixar em paz os
acatólicos permitindo que estes, em seus domínios, professem sua
religião, mas impedindo-os simultaneamente de agir publicamente, para
não arrastar terceiros ao erro.
Mas além dos Foro dos Espanhóis, vou lhe dar uma prova de que tal
doutrina biblica foi sempre aplicada pela Igreja Católica.
Veja este trecho de um documento do Santo Oficio, portanto, autorizado
pelo Papa, que regulava a religião no Brasil antes da modernidade.
Lendo este trecho você verá que o tribunal do Santo Ofício tinha a
incumbência de julgar e condenar em quatro situações:
“… no caso de “religiosos, religiosas ou clérigos de ordens sacras,
que se casarem”, (n° 297); (…) No caso de alguém “dizer missa sem ser
sacerdote, e do sacerdote que celebrando não consagra nela”, (363);
(…) NO CASO DE HEREGES E SUSPEITOS DE HERESIA (n° 886): “mandamos a
todos os nossos súditos que tendo notícia de alguma pessoa herege,
após-tata de nossa santa fé ou judeu, ou seguido der doutrina
contrária àquela que ensina e professa a Santa Madre Igreja Romana, a
DENUNCIAREM logo ao tribunal do Santo Ofício no termo de seus editais,
ainda sendo a CULPA SECRETA COMO SENDO INTERIOR”; (…). No caso de
“feitiçarias, sacrilégios, e superstições que envolverem manifesta
heresia e apostada na fé” (n° 903) – HOORNAERT, Eduardo. Formação do
Catolicismo Brasileiro, 1550-1800. Petrópolis: Vozes. 2° Edição, 1978
– p. 19.
Fonte: http://www.abhr.org.br/wp-content/uploads/2008/12/figueiredo-
eduardo.pdf
Portanto, está provado que a doutrina de que o Estado possa reprimir a
heresia pelo mero fato dela ser uma heresia é bíblica e foi largamente
utilizada pela Igreja Católica ao longo dos séculos.
E tal doutrina, que consta no Foro dos Espanhóis, exemplo considerado
“sensacional” pelo Cardeal Ottaviani mas que você despreza é a
doutrina que valeu para a idade média e que continua valendo até os
dias de hoje.
Comento ainda o fato de você ter dito que a coação contra os hereges
foi “lamentavelmente – justificada por Santo Tomás de Aquino”.
Aruan, perdoe-me a franqueza: você está louco? Está delirando? É você
mesmo ou é outro que escreve em seu lugar? Acha mesmo que tem estatura
para pronunciar um “lamentavelmente” contra São Tomás de Aquino, de
quem ensinou a Igreja:
“Nenhum Concílio celebrado posteriormente à santa morte deste Doutor,
deixou de utilizar sua doutrina. A experiência de tantos séculos põe
de manifesto a verdade do que afirmava Nosso Predecessor João XXII:
«(Santo Tomás) deu mais luz à Igreja que todos os demais Doutores: com
seus livros um homem aproveita mais em um ano, que com a doutrina dos
outros em toda sua vida»” – Motu Proprio Doctoris Angelici – São Pio
X.
Deus sabe como eu gostaria de ter palavras bem mais amenas para você,
a quem até hoje considerei amigo e irmão.
(continua)
19. Sandro de Pontes Disse:

13 de outubro de 2011 às 1:00


Aruan,
Você escreveu, tentando explicar a letra da DH:
“(…) as comunidades (ou seja, as seitas heréticas) possuiriam um
direito negativo, isto é, poderiam exigir a não-intervenção estatal em
suas práticas religiosas, desde que salvaguardem a justa ordem pública
(coisa que, segundo já afirmamos anteriormente, NÃO parece ser a mesma
coisa que a “pax publica” da Quanta Cura, e por isso NÃO incorre
naquela censura). E quel mal há nisso, oras?”.
Ora, o mal que há nisso é que justamente os hereges não possuem este
“direito negativo” onde exigiriam a não-intervenção de um Estado
católico em suas práticas religiosas. O Estado católico riria deles
caso eles “exigissem” este suposto direito.
Se isso que você escreve é verdadeiro tanto a bíblia como a Igreja
teriam negado um direito natural por milenios.
Se você tivesse razão, os papas pós revolução francesa, ao escreverem
os documentos sobre a liberdade, teriam feito esta distinção e a
explicado para os católicos aprenderem sobre o assunto. Isso é mais do
que elementar.
Caso você tivesse razão, desde a bíblia até Pio XII as sociedades
regidas por homens tementes a Deus teriam aplicado esta doutrina que
você apregoa. Mas esta doutrina nem foi ensinada e nem foi aplicada,
como você é obrigado a reconhecer.
Ao contrário, a Igreja ensina que mesmo quando se tolera os falsos
cultos não se pode falar em direitos relacionados a eles. Veja:
“(…) Se as circunstâncias o exigem, pode-se tolerar desvios na regra,
quando são introduzidos tendo em vista evitar males maiores, sem
contudo ELEVAR-LHES A DIGNIDADE DE DIREITO, contra as eternas LEIS DA
JUSTIÇA” – Pio IX – Carta Dum Civilis Societas – janeiro de 1875.
E Leão XIII na Libertas:
“42. Todavia, se nestas conjunturas, com a mira no bem comum e só por
este motivo, a lei dos homens pode e mesmo deve tolerar o mal, contudo
nunca ela pode nem deve aprova-lo nem quere-lo em si mesmo, pois que o
mal, sendo de si mesmo a privação do bem, é oposto ao bem comum que o
legislador deve querer e defender do melhor modo que possa. E ainda
nisto a lei humana deve propor-se imitar a Deus que, deixando existir
o mal no mundo, não quer nem que o mal suceda, nem que o mal não
suceda, mas quer permitir que o mal suceda. E isto é bom (S. Th. p. I,
q. 19, ª 9, ad 3). Esta sentença do Doutor Angélico contém, numa
fórmula breve, TODA A DOUTRINA SOBRE A TOLERÂNCIA DO MAL. Mas é
necessário reconhecer, para que o nosso juízo seja exato, que quanto
mais preciso for tolerar o mal em um Estado, mais longe estão da
perfeição as condições desse Estado; e, além disto, que a tolerância
do mal, pertencendo aos princípios da prudência política, deve ser
rigorosamente circunscrita aos limites exigidos pela sua razão de ser,
isto é, pela salvação pública. E por isso, se ela é nociva à salvação
pública ou se é para o Estado causa dum mal maior, a conseqüência é
que DEIXA DE SER LÍCITA, porque nestas condições falta a razão do bem.
Mas se, em vista duma condição particular do Estado, a Igreja
condescende com certas liberdades modernas, não é porque as prefira em
si mesmas,mas porque julga conveniente permiti-las; melhorada a
situação, usará evidentemente da sua liberdade, empregando todos os
meios, persuasões, exortações e rogos, para desempenhar, como é seu
dever, a missão que recebeu de Deus: proporcionar aos homens a
salvação eterna. Em todo o caso fica sempre de pé uma verdade, e é que
essa liberdade concedida indiferentemente a todos e para tudo, NÃO É
DESEJÁVEL POR SI MESMA, como muitas vezes o termo repetido, pois
repugna a razão que o falso e o verdadeiro tenham os mesmos direitos”.
A Igreja sempre falou de tolerância ao mal, e NUNCA em direito natural
negativo daqueles que erram. Falou sim em direito civil, mas não em
direito natural.
(continua, eu acho)
20. Sandro de Pontes Disse:

13 de outubro de 2011 às 8:12


Aruan,
Nestas palavras de Pio XII que você julga amparar a doutrina da DH ele
diz o seguinte:
“(…) o desvio moral e religioso DEVE SER SEMPRE IMPEDIDO, quando é
possível, porque a tolerância é em si mesma IMORAL— não pode ter
direito na sua totalidade incondicional”.
Portanto, a tolerância é imoral e os errantes dever ser sempre
impedidos. Ocorre que isso nem sempre é possível.
Claríssimo! Pio XII não reivindica aí nenhum direito natural dos
errantes a imunidade na sociedade, mas diz que o Estado simplesmente
tem que estar atento a certas normas ligadas a prudência no momento de
aplicar os seus direitos.
Ora, nos estados católicos da idade média, na Espanha e no Brasil
imperial os desvios foram sempre impedidos porque isso era possível.
Concorda?
Logo, gostaria que você comentasse as palavras de Pio XII acima. E
além disso, que respondesse objetivamente sobre aquela pergunta que
fiz, a saber, se fôssemos elaborar uma constituição em 2020 você
quereria que nela constasse expressamente o direito de existência dos
falsos cultos em um Estado católico.
Sandro
21. AJBF Disse:

13 de outubro de 2011 às 12:51


Sandro,

Salve Maria Imaculada.


Eu não vou ficar aqui discutindo contigo sobre esse assunto, porque já
perdi tempo demais nisso. Você já deixou de considerar várias das
intervenções que fiz e nem por isso lhe fiquei aporrinhando ou
rotulando. Disse que gostaria de marcar comigo um dia para
conversarmos sobre o tema, e agora diz que nem mais amigo meu é.
Decida-se, oras.
Se alguém quiser me fazer entender esse assunto, poderá fazê-lo
conversando comigo pessoalmente, ou por meio de e-mail, ou por meio de
qualquer outra coisa. Se não quiser mais falar comigo sobre este tema,
também, nenhum problema: eu vou continuar tentando entender melhor
isso até encontrar intelecção suficiente da controvérsia para saber se
a DH está ou não em contradição fundamental com o Magistério Católico
anterior (porque em matéria de intenção, em matéria de composição, em
matéria de estilo literário e em matéria de objetivos, é mais do óbvio
ser a DH uma espécie de anti-Syllabus, como disse Ratzinger).
Vejo vários erros de raciocínio nas suas considerações, Sandro. Vários
silogismos e conclusões indevidas, também, dado que partem de
princípios ensinados pela fé católica MAS chegam à conclusões que não
necessariamente são decorrentes dos princípios. Enumerá-los seria
demasiado longo, sem dúvida, mas poderia fazê-lo adequadamente noutro
lugar, caso você ainda tivesse a intenção de conversar sobre esse
assunto.
Ademais, não estou convencido ainda de que a DH, no que se refere à
liberdade religiosa, contradiga a fé católica naquilo que a Igreja
sempre ensinou de modo infalível e absolutamente obrigatório a todo e
qualquer fiel.
E isso porque toda a crítica contra a DH, até agora, me é insuficiente
na demonstração da heterodoxia do conceito de “liberdade religiosa”
segundo consta no referido documento.
Isso não é má vontade, é uma coisa totalmente sincera e repleta da
intenção de se entender honestamente a controvérsia. Tanto isso é
verdade que ESSA foi minha motivação inicial para perguntar se
existiam refutações conhecidas à posição do pe. Brian Harrison, pois
pude notar nas considerações dele uma defesa não negligenciável da
ortodoxia da DH no referente à liberdade religiosa. Aliás, as
mensagens que postei estão aí para provar isso: eu gostaria de
conhecer as refutações às posições do sr. Harrison exatamente por
isso!
E que fique claro: TODO Magistério Católico acerca dos deveres do
Estado para com a Igreja e das relações entre Estado e Igreja é aceito
por mim com total submissão e fé real.
Mas eu não vejo como aquilo que você, caro Sandro, diz acerca do
Magistério Católico sobre a questão da liberdade religiosa seja aquilo
que o próprio Magistério Católico diz sobre o tema.
Conseqüentemente, qualquer acusação sua acerca dessa controvérsia ou
acerca de minha adesão à fé católica vale tanto quanto suas conclusões
indevidas. Ou seja (pelo menos até agora): nada.
Estou perfeitamente disposto a entender esse problema realmente, e não
apenas segundo uma perspectiva superficial. Estou disposto a mudar
sim, desde que alguém demonstre-me que o objeto que vejo ser afirmado
pela DH como “liberdade religiosa” é condenado pela Igreja
anteriormente, compreende?
Mas se nem até agora ninguém conseguiu entender a QUAL OBJETO a DH
está se referindo quando diz “liberdade religiosa”, e se esse objeto
referido É OU NÃO condenado pela Igreja, não posso consentir com
quaisquer conclusões que pretendam considerá-la herética, porque não
estão atacando a DH, mas outra coisa que dizem ser a substância da DH.
Enfim, dadas essas explicações meramente instrumentais, sem entrar no
mérito da questão propriamente dita, despeço-me.
Em JMJ,

AJBF
22. AJBF Disse:

13 de outubro de 2011 às 13:58


Caríssimos,
Acabei de tomar ciência de um texto do Pe, Ricardo Félix Olmedo, da
FSSPX, sobre o tema. Ele ataca EXATAMENTE o ponto a que eu estava
procurando me referir e, me parece, com suficiente solidez. Ou seja:
esqueçam tudo que eu disse até agora.
Meu objetivo não é escandalizar ninguém, jamais, mas apenas entender
adequadamente a questão. Se acharem conveniente, podem apagar todos os
meus comentários sobre o tema, a fim de que outros não sejam
confundidos pelas mesmas coisas que eu fui.
Sem mais,

Att.
AJBF
23. AJBF Disse:

15 de outubro de 2011 às 17:52


PS: Isso não significa que a argumentação do Sandro para defender uma
coisa correta esteja CERTA. Ao meu ver, os argumentos apresentados
pelo respeitável sedevacantista mineiro (que não se diz mais meu
amigo, aliás) AINDA ESTÃO ERRADOS, embora a COISA que ele esteja a
defender seja CERTA.
Sem mais.
24. AJBF Disse:

16 de outubro de 2011 às 0:48


PS2: Pesquisando algumas fontes e voltando cá a esta discussão,
encontrei algumas discrepâncias dignas de consideração para os que
pretendem entender essa questão a fundo.
Deixo aqui um dos vários exemplos que acabei coletando enquanto
tentava compreender adequadamente a questão da LR segundo a DH: A
citação da carta Dum Civilis Societas. Não que ela seja essencial para
a questão, mas eu tinha o interesse de lê-la por inteiro, a fim de
captar o significado
Segundo o sr. Sandro, ela foi publicada em “janeiro de 1875". Porém,
segundo o Pe. Ricardo Félix Olmedo e segundo Dom Tissier de Mallerais,
da FSSPX, ela foi publicada em fevereiro de 1875.
Acontece que além disso, Dom Tissier e Pe. Ricardo discordam de MAIS
UMA COISA com relação a essa carta: um diz que ela foi da autoria de
Leão XIII (Ricardo Félix Olmedo), outro – juntamente com Sandro – diz
que ela foi da autoria de Pio IX (Tissier de Mallerais).
Segundo as referências do livro “Dubia Sur la Déclaration Conciliaire
sur la Liberté Religieuse”, tanto na versão francesa quanto na versão
inglesa, a carta realmente é do papa Leão XIII e realmente foi
publicada em Fevereiro de 1875.
A fonte para tal afimação é o livro “Enseignements pontificaux, La
paix intérieure des natións” (Tournai; Descleé et Cie, 1962)
Só tem um “probleminha”:
Leão XIII NÃO EXISTIA EM 1875.
O PONTIFICADO DE LEÃO XIII só começa em 1878. O papa reinante em 1875
era Pio IX. Se procurarem nas duas Acta Sanctae Sedis pertinentes ao
ano de 1875, não se encontra NENHUMA referência a tal carta.
Esquisito, no mínimo. Ou as referências são apenas péssimas mesmo, ou
há algum caroço nesse angu…
25. Sandro de Pontes Disse:

16 de outubro de 2011 às 8:19


Aruan,
Este seu último e-mail demonstra que você continua arrogante. Não se
arrependeu em nada.
Porque se eu erro ao defender aquilo que defendo, então Dom Lefebvre,
Castro Mayer, Cardeal Ottaviani e os padres do Coetus também erram.
Erra também o padre da FSSPX que você diz te-lo feito mudar de opinião
a respeito do assunto, porque eu li o tal trabalho escrito por ele,
que diz essencialmente o mesmo que eu disse sobre o tema, porque tanto
eu como ele dizemos o que disseram Dom Lefebvre e todos aqueles que se
opuseram a DH.
O padre da FSSPX inclusive usa o número 38 da Immortale Dei para
provar que a dignidade decaída pelo pecado não gera direitos aos
errantes e obriga o Estado a preterí-los.
Porque aquilo que ele diz serve e o que eu digo não lhe serve?
Logo, ou todos os tradicionalistas e sedevacantistas da história estão
errados para você estar correto, ou então você está correto para todos
estarem errados. Porque todos nós, até hoje, com exceção feita a você,
dizemos que os errantes não tem direito a imunidade no Estado. Daí Pio
XII ter escrito na “Ci Riesci” que o desvio religioso DEVE SER SEMPRE
IMPEDIDO, quando isso for possível.
E ao explicar que isso nem sempre é possível, Pio XII diz que é pelo
fato da Igreja não poder usar em toda e qualquer situação os seus
direitos, por causa de males a evitar visando bens a se conquistar.
Mas você foi interpretar algo tão simples como que se tais palavras
indicassem que os errantes tem direito a imunidade, por causa de sua
dignidade, um salto que nem os atletas que saltam com varas nas
olimpiadas conseguiriam dar, mas que você deu.
Do fato da Igreja não poder sempre usar os seus direitos para os
errantes terem direitos naturais baseados em suas dignidades achatadas
pelo pecado é algo absolutamente inconcebível de acordo com a fé
católica que você defendeu aqui por dias, tacanhamente, sem colocar
UMA ÚNICA PASSAGEM se quer de um papa, santo doutor ou teólogo
relacionado ao tema. E ainda, lamentavelmente, muito lamentavelmente,
ousou usar contra São Tomás um “lamentavelmente” que o fez se remexer
no caixão, e também usou sua pretensa erudição contra os “católicos da
história”, como se estes ao preterirem os acatólicos não estivessem
orientados pela Igreja e seguindo a sua doutrina, como se os estados
católicos não fossem “um” com a Igreja, corpe e alma, como manda a
doutrina, na medida do possível.
E a passagem relacionada a Dum Civilis Societas eu a retirei da página
116 do livro de Dom Lefebvre “Do liberalismo a Apostasia”, onde ele
escreve que tal carta foi enviada por Pio IX a M. Charles Perrin em
primeiro de janeiro de 1875. Penso que é uma carta pessoal, não
pertencente ao magistério, por isso você não a tenha encontrado.
Logo, se há tal “caroço no angu” ele foi colocado por Dom Lefebvre em
seu livro.
Com relação a sua “boa vontade” em entender a questão, eu até
acreditaria nela, e em sua honestidade intelectual, se você tivesse
respondida objetivamente sobre a questão hipotéticamente colocada por
mim a respeito da criação de um Estado Católico nos dias atuais. Eu
lhe perguntei várias vezes se deveriamos, na constituição do mesmo,
obedecermos a DH, e reconhecermos o direito a existência dos falsos
cultos e a proteção de seus ministros, ou deveriamos seguir o
Syllabus, que ordena a exclusão dos falsos cultos da constituição do
Estado. E dei-lhe ainda como referência todas as constituições dos
países católicos da idade média e em especial o forum dos espanhóis,
que Cardeal Ottaviani considerava, na década de 50, como exemplo
sensacional da doutrina católica aplicada na prática.
Ainda dá tempo, Aruan, para arrumarmos as coisas entre nós, caso tenha
interesse nisso: se responder objetivamente esta questão, posso
reconsiderar a questão de sua boa vontade.
Então, Aruan, estamos com papel e caneta na mão escrevendo uma
constituição, e todos esperam que nós, eu e você, sejamos os mais
fiéis possíveis a doutrina católica. Nosso suposto país, o Uruguai,
possui 97% de católicos e 3% de acatólicos.
Como deve ser a constituição deste país? Deve ter por base a DH ou o
foro dos espanhóis?
Sandro
26. Sandro de Pontes Disse:

16 de outubro de 2011 às 11:43


Aruan,
Gostaria de realçar outra coisa escrita por você, esta de menor
importância. Você escreveu:
“(…) [você, Sandro] Disse que gostaria de marcar comigo um dia para
conversarmos sobre o tema, e agora diz que nem mais amigo meu é.
Decida-se, oras”.
Eu realmente propus pararmos de debater aqui, publicamente,
escandalizando os leitores, para debatermos no Skipe esta questão, e
ainda lhe disse para termos as mãos todos os documentos citados
durante os debates.
Mas você não respondeu minha proposta. Passados mais de dez dias, você
não havia respondido.
Ora, existe um ditado alemão que diz que “a falta de resposta já é uma
resposta”. Logo, como não respondeu, pensei o óbvio: que você não quis
aceitar o debate pelo Skipe, porque se o quisesse teria respondido e
marcado o horário.
Assim, mais uma vez, uma atitude incompreensível de sua parte: não
responde minha proposta e ainda a usa contra mim como seu eu estivesse
sendo incoerente.
Não o estou entendendo, Aruan, eu não o reconheço mais!
Sandro
27. Sandro de Pontes Disse:

16 de outubro de 2011 às 13:15


Aruan,
Esta mensagem é aqui endereçada principalmente a você, mas também a
todos aqueles que nos lêem neste momento!
Como todos perceberam, nosso debate tomou um caminho indesejado pelo
fato de eu ter considerado inaceitáveis e anti-católicos determinados
trechos escritos por você.
Por causa desta sua postura senti-me compelido neste momento a falar
algo relacionado ao “sentire cum ecclesia”, expressão clássica da
teologia que a prostituta conciliar acaba de usar contra a FSSPX, que
mais uma vez se vê acuada por ter abandonado a verdadeira doutrina no
que se refere ao magistério de um papa.
O “sentire cum ecclesia” é a atitude prática que permite aos católicos
de todos os tempos e do mundo inteiro crerem nas mesmas coisas de uma
forma praticamente idêntica. Vou lhe dar um exemplo: imagine a
compreensão que São Tomás teve da transubstanciação e que um camponês
analfabeto tem da transubstanciação. O primeiro, teólogo, compreende
aspectos que o segundo, iletrado, nem sonha em conceber, mas por causa
do “sentire cum ecclesia” a fé do segundo diante do Santissimo
Sacramento pode ser infinitamente maior do que a do primeiro.
Isso porque Deus criou a sociedade católica de tal forma que mesmo a
esmagadora maioria das pessoas que não tem sequer tempo para estudar
tais questões teológicas possam entendê-las plenamente em seus
aspectos essenciais. Assim, um agricultor, um peão de obra, um
operário de uma fábrica que jamais chegaram perto de um manual de
teologia sabem que Cristo está verdadeiramente presente na hóstia
consagrada.
Os aspectos teológicos desta questão sequer lhes interessam: ele dá a
sua vida por esta verdade, a qual adere e orienta sua vida por meio
dela.
Não importa se alguém, como um teólogo protestante que fale 20 idiomas
o tente demover da crença na presença real: ele irá vencer o luterano
no debate dizendo tão somente que Cristo está plenamente da eucaristia
(onde está o corpo, osangue, a alma e a divindade de Cristo). Daí São
Tomás nos ensinar que quem possui a verdade vence qualquer debate,
seja contra quem for.
Este “sentire cum ecclesia” possibilita também que aspectos
relacionados a eclesiologia e que não são tão contundentes como a
questão dos dogmas também possam ser corretamente compreendidos por
todos os católicos de todos os tempos. Por exemplo, Pio XI escreveu a
Mortalium Animus porque entendia perfeitamente as nuances e diferentes
variáveis ecumênicas, a ponto de abordar mais diretamente o irenismo
sincretista.
Porém, um camponês católico da década de 1930, mesmo sem compreender
estas nuances e variáveis compreenderia na prática o essencial desta
mensagem, que é justamente o fato dos católicos não poderem se reunir
com acatólicos para orações conjuntas.
Um encontro de Assis na década de 30 escandalizaria a todos os
verdadeiros católicos, desde teólogos até os analfabetos, porque todos
possuiam o “sentire cum ecclesia”. Aos teólogos, uma compreensão
teórica do erro, mas aos iletrados uma compreensão prática.
Dois exemplos deixarão isso mais claro.
Em doze anos trabalhando em uma emissora de televisão, fiz entrevistas
com centenas, talvez milhares de pessoas, relacionadas aos mais
diferentes assuntos. Vou destacar duas, uma feita com um católico e
outra com um protestante.
Na primeira, um católico de 75 anos me contou uma passagem de sua vida
quando ainda era criança. Disse-me que nos idos da década de 50, na
pequena cidade de Caldas, distanta 30 km de Andradas, chegou ao lugar
um grupo de protestantes em uma perua kombi. Coitados. Desceram do
veículo e se preparavam para iniciar uma “missão” na cidade.
Pretendiam converter os cerca de três mil católicos que lá moravam.
Porém, a notícia chegou ao valente pároco, que organizou uma
resistência feroz, e deu aos inimigos da fé uma ordem de se retirar
imediatamente da cidade. Como tal ordem não foi cumprida, os católicos
de todas as idades, a começar pelo padre (que como você sabe é teólogo
e filósofo), passando pelos agricultores do lugar, bem como os
comerciantes e demais moradores, iniciaram uma saraivada de pedras
sobre o pequeno grupo que obrigou-o a entrar no veículo e se retirar
do lugar.
E por que tal coisa aconteceu, Aruan? Porque todos ali possuiam este
“sentire cum ecclesia”. O padre conhecia a doutrina da Igreja que
impede a manifestação do erro diante de almas retas e os camponeses e
demais moradores, que não entendiam esta questão do ponto de vista
teórico, a entendiam plenamente do ponto de vista prático.
Independente disso, foi consenso entre eles que se deveria expulsar os
protestantes, ainda que por meio da violência. Ao fazer isso, eles se
uniram a todos os católicos de todos os Estados católicos de todos os
tempos, no mesmo “sentire cum ecclesia”.
Talvez alguém diga que naquele tempo, década de 50, a lei no Brasil
previa liberdade religiosa para os protestantes e que portanto aqueles
católicos diante da lei de um país altamente influenciado pela
maçonaria seriam criminosos. Porém, a lei que eles seguiram naquele
momento era a lei divina, encravada em seus corações, oriundas da
bíblia e dos documentos promulgados por inúmeros papas ao longo dos
séculos. Esta é a lei que devemos seguir.
Na segunda, falo-lhe sobre um “pastor” protestante que chegou a uma
pequena cidade chamada Santo Antônio do Jardim, nos idos dos anos 60.
Ele recebeu há poucos anos o título de cidadão jardinense.
Após a cerimônia, ele me concedeu entrevista. Emocionado, disse que
quando chegou aquela cidade não havia protestantes no local. Em
lágrimas, disse que não era considerado “gente” pelos moradores, e que
teve muita dificuldades para permanecer, pensando em ir embora, pois
sua missão não vingava.
Mas aí veio o Vaticano II e chegou um novo padre, que a partir da
década de 70 obrigou por meio de sua autoridade os católicos a mudarem
de postura e a tratarem bem o falso pastor. O resultado? Hoje centenas
ou milhares de pessoas frequentam a igreja dele, e abandonaram o
catolicismo. Foi a DH quem possibilitou esta mudança de comportamento
do povo católico.
E aqui cheguei onde queria: destacar a falta do “sentire cum ecclesia”
em você neste debate. Porque para mim, que não sou teólogo e nem
filósofo, não me importa tanto o debate teórico relacionado as
questões mais acuradas da liberdade humana. Leão XIII, na Libertas, já
determinou o que é e o que não é liberdade.
Para mim o que importa mesmo de forma mais contundente é o aspecto
prático da questão, tratado com maestria na Immortale Dei e no
Syllabus (o que não significa que a teoria não seja importante, tanto
que lhe mostrei duzentas passagens de papas e prelados abordando o
tema, as mesmas, diga-se, usadas pelo padre da FSSPX no trabalho que o
fez mudar de idéia).
Aruan, eu tentei nos últimos 30 ou 40 dias fazê-lo entender que a
prática dos estados católicos nada mais era do que a aplicação da
doutrina, e você negou isso. O que nos importa é sabermos se aqueles
que erram em matéria religiosa mantem direitos oriundos de sua
natureza, como quer a DH. A prática dos estados católicos, e a letra
dos documentos magisteriais nos dizem que não.
O seu erro maior, ao meu ver, foi se deparar com a prática católica ao
longo dos séculos e ao perceber que ela o contrariava não ter se
retratado ou pelo menos suspendido a opinião. Somente uma pessoa
desprovida do “sentire cum ecclesia” poderia adotar a atitude adotada
por você.
E junto com isso veio o “lamentavelmente” contra São Tomás de Aquino.
Ora, por causa de nossas pequenas estaturas, quando encontrarmos algo
em São Tomás que a principio nos contraria, devemos suspender nosso
juizo e passarmos a nos aprofundar sobre a questão, porque é muito
mais provável que ao final nós iremos concluir que ele, São Tomás,
estava com a razão, e não nós, não é mesmo?
Agora você diz após ler o texto do padre Olmedo que eu defendo algo
certo com argumentos errados.
Independente disso que você diz (que eu penso ser absolutamente
falso), tal frase indica que você defendeu algo errado com argumentos
errados e que fazendo isso, defendendo erros se apoiando em erros,
ousou criticar os católicos do passado e o ensinamento de São Tomás
sobre a questão.
Agora, a pergunta: você teria a capacidade de se retratar neste ponto,
já que se convenceu por meio do padre da FSSPX que estava errado? E se
você se retratar neste ponto, teria a hombridade de aceitar novamente
minha amizade de volta, porque foi você quem causou escandalo aqui?
De minha parte, eu continuarei defendendo aquilo que Dom Lefebvre
defendia, e que consta em todos os escritos e discursos operados pelos
padres do Coetus: que o homem errante deve ser impedido em príncipio
pelo Estado católico quando isso for possível, pois que tal homem não
tem direito de agir e nem de não ser impedido de agir.
Aliás, este “não ser impedido de agir” defendido pela DH me faz tecer
ainda outro comentário sobre o maldito documento conciliar.
Imagine você que um papa, condenando pessoas que hipotéticamente pisam
na grama todos os dias, escrevesse ser condenável o ato de “pisar na
grama todos os dias”. Ora, posteriormente progressistas iriam querer
justificar o fato de se pisar na grama e promulgariam documento
dizendo ser possível pisar na grama dia sim e dia não, alternadamente,
pois que o papa condenou pisar na grama diariamente.
Fica claro que o papa condenou pisar na grama diariamente, mas que com
tal condenação não estava permitindo pisar na grama dia sim e dia não,
mas que no fundo estava condenando o pisar na grama.
Não sei se me entende, mas quando os liberais foram fazer o texto da
DH eles pretenderam não cair nas condenações do passado, mas para
conseguir algo que foi condenado no passado: a imunidade de coação
para todos, católicos ou não. Daí eles terem ensinado o direito de não
ser impedido de agir, e não o direito de agir, que são coisas bem
diferentes, mas que levam as mesmas conclusões práticas desejadas pela
maçonaria, como reconheceu João Paulo II.
Uma pessoa que defendesse a DH com os argumentos que você defendeu
logo estaria defendendo o ecumenismo conciliar, porque este, dizem os
conservadores, não é o mesmo ecumenismo irenista que foi condenado por
Pio XI. Claro que a Igreja condenou o irenismo ecumenico , mas não
apenas ele: ela condenou o simples reunir-se em oração com acatólicos.
O que ela não condenou e permitiu foi encontros entre católicos e
acatólicos para conversão dos últimos, o que é bem diferente.
É isso.
Sandro de Pontes
28. AJBF Disse:

16 de outubro de 2011 às 20:21


Sr. Sandro,
Eu poderia discutir o sr. com vagar cada uma das assertivas infundadas
aqui produzidas durante esses dias, tanto as minhas quanto as suas –
que não são poucas.
Sua interpretação dos textos do Magistério é semelhante àquela de
muitos dos que rejeitam o CVII atualmente, sim – mas isso não
significa que o fato de você concordar com elas te dê legitimidade de
sair por aí acusando outras pessoas que discordam dessa interpretação
de heréticas ou heterodoxas, ipso facto.
Não fui eu quem rompi contigo a amizade, foi o sr. quem rompeu comigo.
Meu parecer acerca do sr., pelo menos no referente à amizade, não
mudou em nenhum momento.
O fato de eu ter “mudado” de posição NÃO se deve ao sr. nem apenas ao
Pe. Olmedo, embora algumas das teses dispostas no artigo dele tivessem
sido fundamentais para mudar meu parecer. Além disso, lembre-se que eu
não admiti em nenhum momento ser a LR da DH uma coisa para a qual eu
tivesse dado pleno e irrestrito assentimento. Eu só a achava provável,
e me parecia que a LR da DH estava em concordância com o Magistério
Católico, com base naquelas explicações do pe. Brian Harrison (cuja
refutação até agora NÃO está suficientemente esclarecida para mim).
Enfim, em última instância, o sr. defende exatamente a mesma coisa que
eu; mas vejo que o faz por meio de conclusões indevidas das coisas que
o Magistério Católico afirma, até agora. Mas não vou continuar
discutindo aqui contigo sobre esse assunto – já estou saturado de
outras coisas a fazer.
Se eu as trouxe até esse blog – e não até o seu blog – é porque tinha
a intenção de pedir referências ao Felipe Coelho sobre o assunto – e
não ao sr.
Mão fui prudente em publicá-las nos comentários, sem dúvida, mas ao
menos pude perceber as distâncias que existem entre o sr. e eu, no
referente ao trato subjetivo do Magistério Católico.
Quanto à pergunta que o sr. pede resposta (num curioso tom, aliás,
como se tivesse direito a ela, ou como se eu a devesse ao sr.),
responderei, a fim de encerrar totalmente minhas intervenções nesse
blog sobre esse assunto:
Nem DH, nem Foro dos Espanhóis.
Deveria ter por base os princípios da FÉ CATÓLICA.
Se vão ser aplicados conforme a forma X ou Y, a prudência política
humana que o decida. Mas se é para imitar alguma forma constitucional,
segundo penso, a mim seria suficientemente adequada que imitasse a
formulação confessional católica do governo polonês do século XVI.
Fique com Deus.

PS: É muito significativo o exemplo da grama. Mostra a habilidade de
ir para além do significado objetivo do texto, dando-lhe
interpretações subjetivas que NÃO SÃO o Magistério Católico, mas
querem se fazer passar por ele… cláusulas restritivas não surgem “por
acaso” nos documentos papais, sr. Sandro, lembre-se disso.
29. Sandro de Pontes Disse:

16 de outubro de 2011 às 21:23


Aruan,
Primeiro, o mais importante. Você escreveu:
“(…) Sua interpretação dos textos do Magistério é semelhante àquela de
muitos dos que rejeitam o CVII atualmente, sim – mas isso não
significa que o fato de você concordar com elas te dê legitimidade de
sair por aí acusando outras pessoas que discordam dessa interpretação
de heréticas ou heterodoxas, ipso facto”.
Você se tornou mestre em distorcer textos de terceiros. Eu não rompi
com você pelo fato de você ter discordado de mim, isso é claro que
você poderia fazer, mas eu rompi A PARTIR DO MOMENTO em que você
criticou São Tomás de Aquino e os católicos da história.
Eu não sou Homero Johas para excomungar os discordantes, mas se alguém
que se declara católico critica os católicos da história ele está
criticando REALMENTE a Igreja Católica, que foi quem orientou e guiou
estes católicos nos momentos em que proibiam os falsos cultos e os
excluiam de seus países. E você diz:
“Nem DH, nem foro dos espanhóis”.
Aruan, você não é católico!!!! Aquele que tropeça em um único ponto da
lei é culpado de toda a lei!!!!
O problema não é você não aceitar aquilo que eu digo, porque eu não
sou nada mesmo. O problema é você não aceitar aquilo que a Igreja diz
no Syllabus e na Quanta Cura, entre outros documentos, sendo o Foro
dos Espanhóis apenas a aplicação prática plena desta doutrina DEFINIDA
que você rejeita.
Quando a Igreja ensina por meio do Magistério Ordinário e Universal
tal ensinamento obriga os católicos tanto quanto um dogma ex-cátedra.
E estes documentos ensinam que a melhor forma de governo é aquela onde
os falsos cultos são excluidos das constituições dos estados
católicos.
Pergunto: a Polônia do século 16 excluia em principio os falsos
cultos, como os países católicos da idade média? Se a resposta for
negativa, você está afirmando que uma outra forma de governo é melhor
do que aquela forma que a Igreja afirma ser a melhor, e sendo assim
você é verdadeiramente um herege, além de ser um presunçoso. Aliás,
todo herege é presunçoso.
O problema não é você não me ouvir, mas sim você se recusar a aceitar
aquilo que os padres do Coetus ensinaram sobre a DH. E se pesquisar o
assunto verá que durante as intervençoes feitas nos debates
conciliares eles repetiram “ad infinitum” que a dignidade humana
jamais gera direitos aos errantes. E citaram extenuantemente Immortale
Dei, Syllabus, Libertas e Quanta Cura, entre outros documentos.
Quando eu lhe mostrei tais padres dizendo que aquele trecho que fala
sobre a preservação da ordem objetiva era algo subjetivo, dando-lhe o
exemplo da aplicação deste ensinamento em um estado comunista, eu lhe
apontei de onde retirava esta afirmação. E você disse que “poderia
refutar” cada um dos padres do Coetus. Ali você já demonstrou muita
falta de humildade.
Eu me apoiei em Sandro de Pontes, Aruan, para debater com você? Eu não
me apoiei em mim, mas sim na autoridade dos bispos e cardeais que se
opuseram a DH. Repito: EU NÃO SOU NADA!
Note que um dos objetivos do blog Acies Ordinata é justamente alertar
os católicos brasileiros, mal influenciados por Orlando Fedeli, que
quando se defende uma tese tal ato deve ser feito baseando-se em
pessoas que tem autoridade, porque nós leigos não somos nada.
Assim a sua tese de que a DH estaria de acordo com a doutrina da
Igreja poderia ser defendida desde que você se apoiasse em autoridades
no assunto, coisa que você não fez em momento nenhum, apesar dos meus
insistentes apelos para que o fizesse.
Logo, a sua argumentação baseada naquilo que você imagina não tem
valor nenhum. Mas a minha argumentação tem valor, porque retirada da
interpretação que os padres do Coetus deram aos documentos papais
acima citados.
Espero que isso fique bem claro para você e para todos aqueles que nos
lêem. Você não deu NENHUMA citação de nenhum Papa, santo doutor ou
teólogo que justificasse sua tese, a não ser uma interpretação
enviesada de um ensinamento de Pio XII e a doutrina de um “pe. Brian
Harrison”.
Mas quem é “pe. Brian Harrison” para que eu creia nele?
O problema é você pensar ser mais do que realmente é, a ponto de
criticar São Tomás de Aquino e os “católicos da história”, motivo real
de meu rompimento para contigo. Porque quem faz isso que você fez e
não se retrata não é digno de minha amizade.
Definitivamente, a minha amizade você não tem mais, embora isso para
alguém tão acima dos pobres mortais como eu não deva fazer diferença.
Para alguém que fala da Polônia do século XVI com tanta naturalidade
(como se todos tivessem obrigação de conhecê-la e você não a
precisasse explicar), minha amizade será algo que não fará falta.
Enfim, em última análise nosso rompimento é mais uma prova de que a
sede está vacante.
Sandro
30. Sandro de Pontes Disse:

16 de outubro de 2011 às 22:22


Complemento: eu não sou conhecedor da história da Polônia, e muito
menos da “Polônia do século 16", mas encontrei uma passagem que diz o
seguinte:
“(…) A Polónia dos séculos XV e XVI era também um país ABERTO A NOVAS
CORRENTES RELIGIOSAS. Ao contrário do que ocorreu em outros países
europeus, na Polónia não houve guerras religiosas, e os heterodoxos
encontravam aqui não só abrigo, mas também a PROTEÇÃO DOS GOVERNANTES
e magnatas. Isto resultou num enriquecimento da vida cultural e
científica do país com novas ideias e obras literárias, e na projeção
da Polónia como PAÍS DA TOLERÂNCIA. Este ambiente refletiu-se de
maneira particularmente patente na assinatura em 1573 da assim chamada
confederação de Varsóvia, a qual concedeu aos protestantes os MESMOS
DIREITOS que tinham os católicos. O último rei da dinastia
Jaguelónica, Segismundo Augusto, fez no Sejm a famosa declaração: ‘Não
sou rei das vossas consciências’. Não foi sem razão que os
contemporâneos (mas também as gerações posteriores) chamaram a época
jaguelónica, e em especial o século XVI, ‘Século de Ouro’”.
Fonte: http://pt.poland.gov.pl/Reforma,Protestante,9835.html
Chiiiiiii………….realmente, a coisa tá russa! Ou seria polaca?
Sandro
31. Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIV « Acies Ordinata
Disse:

18 de outubro de 2011 às 17:34


[...] alguns católicos pretendem que haja oposição entre a alocução
proferida pelo Santo Padre à União dos Juristas Católicos Italianos,
em 6 de dezembro de 1953, e o discurso feito por Sua Eminência o
Cardeal Ottaviani na Universidade Lateranense em 2 de março do mesmo
ano, por ocasião do aniversário da elevação do Santo Padre ao
Pontificado.
Tal julgamento merece ser rejeitado de imediato, dado que é não
somente carente de fundamento, mas também [...]
32. Textos essenciais em tradução inédita – CI « Acies Ordinata Disse:

29 de outubro de 2011 às 20:24


[...]Por fim, tanto esta [LAISNEY, Adv. Harrison] quanto a publicação
seguinte [BELMONT, Lib. rel. e conseq.] respondem à indagação de nosso
bom amigo e colega de sedevacantismo Aruan feita na caixa de
comentários daqui [DALY, Lib. rel. e tentat.], último episódio da
longa discussão começada aqui [DALY, Interpr. e docil. ao Magist.] e
continuada aqui [HARRISON, Podres do Vat.2], depois aqui [BELMONT, QC
vs. DH], aqui [OTTAVIANI, Dev. rel. do Est. Cat.], aqui [DI MEGLIO, A
Ci Riesce...] e aqui [Sto.OFÍCIO, Adv. Murray], numa disputa que
contou também com a preciosa colaboração, pela qual agradeço bastante,
dos amigos Sandro, José Carlos, Renato, Alexandre e Gederson; debate
este, enfim, que conviria, num futuro não muito distante, resumir à
moda escolástica de conclusão de questões disputadas, i.e. elencando
sucintamente os principais argumentos pró e contra e trazendo em
seguida a solução, mas isso exigiria um lazer de que, no momento,
infelizmente não disponho, ao mesmo tempo que creio, por ora,
suficiente esta série de traduções, que acabam de ser elencadas, sobre
o problema da “liberdade religiosa”.[...]
33. Lopes Disse:

30 de maio de 2012 às 15:36


O texto está muito inacessível, há partes em língua estrangeira sem
tradução.
34. AJBF Disse:

1 de junho de 2012 às 21:16


Para isso é que existe o Google Translator =P

(Calma, amigo, os trechos são poucos. Com algum esforço você
conseguirá ter acesso ao conteúdo substancial desse texto sem a
necessidade de traduzir literalmente todas as citações estrangeiras)

Textos essenciais em tradução inédita – XCIX

O “SONHO” DAS DUAS COLUNAS


Ensaio de Crítica Textual e Interpretação [1]
(1997)

Michael MENDL, s.d.b.

1. O Ambiente do “Sonho”

2. O Conteúdo do “Sonho”

3. A Interpretação do “Sonho”

4. Epílogo

1. O Ambiente do “Sonho”
Em 26 de maio de 1862, Dom Bosco prometeu aos meninos do Oratório,
como muitas vezes fazia, que teria “algo agradável” para contar a eles
no último ou penúltimo dia do mês,[2] em sua conferência de Boa Noite
à comunidade do Oratório. A Boa Noite é um costume salesiano que
remonta a 1847, quando foi inaugurada pela santa mãe de Dom Bosco.
Pouco tempo depois de alojar-se em suas próprias instalações em Turim,
Dom Bosco percebeu que alguns meninos precisavam de abrigo à noite.
Ele arrumou o estábulo. Mas as primeiras experiências dele não foram
encorajadoras. Ele conta-nos, em suas Memórias, que alguns daqueles
meninos “repetidamente fugiam com os lençóis, outros com os
cobertores, e no fim até mesmo o próprio colchão foi roubado.” [3]
Então, numa noite chuvosa em maio de 1847, um órfão de quinze anos
apareceu na porta, pedindo comida e abrigo. O Padre João e Mamãe
Margarida o acolheram, deram-lhe um prato de sopa e secaram as roupas
dele perto do fogo. Dom Bosco conversou com ele sobre o estado
espiritual, educacional e empregatício dele. Depois de um tempo, o
menino irrompeu em lágrimas e implorou abrigo, levando Margarida
também às lágrimas e comovendo Dom Bosco igualmente. O diálogo, nas
Memórias dele, segue-se deste modo: [4]
“— Se eu pudesse ter certeza de que você não é ladrão, eu tentaria
alojá-lo. Mas outros meninos roubaram alguns dos cobertores, e você
poderia levar os que sobraram.

— Ah, não, senhor. Não precisa se preocupar com isso. Eu sou pobre,
mas nunca roubei nada.

— Se você quiser, respondeu minha mãe, eu o alojarei esta noite, e


para amanhã Deus proverá.

— Onde?, perguntei eu.

— Aqui na cozinha.

— Está arriscando até mesmo suas panelas.

— Vou me certificar de que isso não aconteça.

— Vá em frente, então.

A boa mulher, ajudada pelo pequeno órfão, saiu e juntou alguns


tijolos. Com estes, construiu ela quatro pequenos pilares na cozinha.
Neles, ela deitou algumas tábuas e pôs um grande saco sobre elas,
destarte fazendo a primeira cama no Oratório. Minha mãe deu ao menino
um pequeno sermão sobre a necessidade do trabalho, da confiança e da
religião. Por fim, ela convidou-o a fazer suas orações.”
Esse menino foi fiel à palavra dele e tornou-se o primeiro hóspede
interno no albergue para jovens de Dom Bosco, o primeiro de centenas.
E Margarida Bosco havia iniciado uma prática característica do método
educacional salesiano. Após as orações da noite, isto é, por volta de
21:15, antes de os meninos seguirem para os seus dormitórios, Dom
Bosco ou seu representante ficava de pé diante da comunidade reunida e
dirigia algumas palavras a eles: sobre uma festa litúrgica vindoura,
algum acontecimento na casa, algum incidente público, algum conselho
baseado na Bíblia ou na vida de um santo etc., concluindo desejando-
lhes “boa noite”. Assim, tantos os meninos quanto os salesianos eram
mandados para a cama, e para o silêncio monástico que preenchia então
a casa, com um bom pensamento. Esse costume ainda é observado em
nossos internatos e, com modificações, em muitas de nossas outras
obras, bem como em nossas próprias comunidades.
Era geralmente nas Boas Noites que Dom Bosco narrava os seus sonhos
para os meninos. Ao passo que a Boa Noite era geralmente bastante
breve — Dom Bosco disse que devia durar, via de regra, somente três
minutos [5] — alguns desses sonhos devem ter levado uma hora para
relatar. E, no entanto, eram sempre aguardados com tremenda
empolgação, e se Dom Bosco, por algum motivo, tinha de adiar a
narração prometida de um sonho, os meninos não o deixavam em paz até
ele cumprir a palavra.
Esse contexto é importante. Com apenas um punhado de exceções, os
sonhos de Dom Bosco diziam respeito aos seus meninos e seus
salesianos. Eram “não para consumo externo”. Ele geralmente encorajava
seus ouvintes a debater entre si as palavras dele e seu significado
tanto quanto quisessem, mas muito frequentemente alertava-os
explicitamente que não repetissem a ninguém fora da casa o que ele
estava para dizer; os de fora não conheciam a atmosfera íntima e
paternal que reinava na família salesiana, podiam interpretar mal as
palavras dele, podiam expor o Oratório ao ridículo. Isso era assim,
tanto quando ele previa que algum pupilo morreria antes de uma certa
data, como quando ele contava alguma jornada mística com seus amados
filhos que, de algum modo, revelava os corações deles.
E foi assim que, numa Boa Noite na sexta-feira, 30 de maio de 1862,
ele finalmente cumpriu a promessa feita havia quatro noites a mais de
quinhentos rapazes e algumas dezenas de sacerdotes e seminaristas,
reunidos sob os pórticos onde eles diziam suas orações da noite quando
o clima estava ameno. O Padre Lemoyne, é claro, ainda não havia
encontrado Dom Bosco e não estava presente. Não temos versão alguma da
história na escrita de Dom Bosco. O que temos são duas cartas
independentes para um irmão leigo salesiano, Frederico Oreglia, que
estava fora do Oratório naquela ocasião. Assim, temos um relato sólido
da substância, mas não um relato literal, verbatim, daquilo que Dom
Bosco disse. [6]
Uma carta foi escrita na manhã seguinte, 31 de maio, por um
seminarista de 20 anos de idade, João Boggero. [7] A outra foi escrita
em 5 de junho por um leigo de 25 anos de idade, César Chiala. [8] É
essa segunda narrativa que eu considerarei primeiro.
Chiala vinha frequentando o Oratório havia cerca de doze anos. Ele
trabalhava para o serviço postal real, era atuante na Sociedade São
Vicente de Paulo, ensinava Catecismo no Oratório — o que pode explicar
a presença dele na noite de 20 de maio — e, mais tarde, tornou-se
salesiano. Chiala conta a Oreglia não ter escrito antes, porque
esperava que ele voltasse ao Oratório a qualquer momento; ele confessa
não conseguir mais se conter, e escreve tão apressadamente que se
desculpa por suas rasuras e correções. Isso indica que ele não compôs
nenhum rascunho preliminar e estava escrevendo de memória.
A importância especial dessa carta advém do que ela nos conta sobre o
contexto da narração, por Dom Bosco, de seu “sonho”. Após as orações
da noite, diz ele, o Pe. Vítor Alasonatti, vigário de Dom Bosco,
subira à pequena tribuna da frente para dar a Boa Noite. Se Dom Bosco
prometera quatro noites antes revelar “algo agradável”, ele
provavelmente não estivera presente nas três noites entrementes, e
nesta noite o Pe. Alasonatti não deve ter percebido que ele estava
presente afinal. “Quando o próprio Dom Bosco subitamente tomou a
frente”, diz Chiala, o Pe. Alasonatti cedeu o lugar a ele “e todos os
meninos começaram a gritar e dar vivas.”
Embora Chiala não use aspas para as palavras de Dom Bosco, ele as põe
na primeira pessoa. É óbvio que ele não está dando uma narração
verbatim mas somente um resumo substancial. Dom Bosco começou dizendo:
“É uma pena que, em meio a tão felizes boas-vindas, eu seja obrigado a
abrir a boca para castigar alguns que ontem escalaram o muro e saíram
do Oratório.” Os santos, mesmo os mais cativantes, podem ter problemas
disciplinares com seus filhos. Dom Bosco então leu em voz alta os
nomes dos meninos culpados e anunciou o castigo deles. A moldura é a
direção ordinária do internato do Oratório: o pai e seus quinhentos
meninos, incluindo um pouco de incerteza, de início, sobre se Dom
Bosco estava presente, e um problema que Dom Bosco considerou séria
ruptura da disciplina. Para dizê-lo de outro modo, o ambiente é
inteiramente pedagógico. E é essa a chave para interpretar as palavras
de Dom Bosco.

2. O Conteúdo do “Sonho”
Por fim, Dom Bosco anunciou: “Eu havia prometido narrar algo para
vocês.” “Sim, Sim!”, exclamaram todos. “Mas está um pouco tarde”, Dom
Bosco provocou. Todo o mundo gemeu. Novamente, a interação familiar do
pai no seio de sua família. Assim, Dom Bosco começou.
“Está bem, já que vocês querem que eu conte algo, escutem. Quero ver
se vocês têm a cabeça boa. Vou lhes contar uma fábula, um símile.
Prestem atenção [e vejam] se conseguem entendê-la.” Chiala relata que
“Silêncio absoluto caiu sobre aquele grupo de mais de 500 cabeças que,
pouco antes, ensurdecia as estrelas com o seu barulho.” [9]
Note-se que Dom Bosco não disse, como usualmente fazia, que ele
sonhara o que estava prestes a narrar, muito menos alertou os meninos
que se lembrassem de que sonhos são somente sonhos, como ele
frequentemente fazia. Ele disse explicitamente que era “uma fábula, um
símile”. (A primeira carta, a de João Boggero, omite toda essa matéria
introdutória. Por outro lado, no fim da carta, ele observa a Oreglia:
“O que eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.) O próximo dos
testemunhos mais antigos do que Dom Bosco disse também usa os termos
fábula e símile. Esse testemunho vem da crônica cotidiana mantida pelo
seminarista Domingos Ruffino, a qual é dependente da carta de Chiala.
O rascunho preliminar do Padre Lemoyne, ordenando todos os materiais a
partir dos quais ele mais tarde construiria as Memórias Biográficas,
usa a mesma terminologia: fábula e símile. [10] O primeiro documento
que chama essa narrativa específica de sonho parece ser o texto final
dessas Memórias, no volume 7, [11] sem explicação para a mudança, a
não ser que a explicação seja a observação final – e evidentemente
pessoal – de Boggero: “Eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.
Essa história textual, obviamente, não é testemunho muito convincente
para um sonho. [12] Um dos problemas que encontramos ao estudar a vida
de Dom Bosco está no que o Padre Lemoyne fez com o texto de suas
fontes; [13] este é um exemplo.
Portanto, pelo visto, Dom Bosco está propondo aos seus meninos e
seminaristas uma parábola, o tipo de parábola frequentemente chamado
de apólogo. Esse é um termo tomado de empréstimo dos estudiosos da
Escritura, especialmente os que estudam as parábolas, e significa uma
alegoria que ensina uma moral. É um termo apto para aquilo que Dom
Bosco narrou na noite de 30 de maio de 1862, bem como para alguns de
seus outros sonhos, por exemplo, o da serpente — óbvio símbolo do
demônio — que foi morta por uma corda batida contra ela, após o que, a
corda soletrou “Ave Maria”. [14]
De volta agora às palavras de Dom Bosco tais como relatadas por César
Chiala. “Imaginem – disse-nos ele – que vocês estão numa praia e não
veem outro espaço de terra a não ser o que está sob os seus pés.” [15]
Novamente, temos indicação de uma parábola. Dom Bosco é sempre um dos
protagonistas nos sonhos dele; ele nem mesmo aparece nesta aventura.
Embora os meninos dele muitas vezes tenham papéis atuantes nos sonhos
dele, ele nunca pede a eles que “imaginem” que estão realmente fazendo
ou testemunhando o que ele está prestes a descrever. Aqui ele é muito
semelhante a Nosso Senhor dizendo aos camponeses da Palestina:
“Escutai! Eis que saiu um semeador a semear…” (Marcos 4:1-12); ou
dizendo a Simão fariseu: “Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe
quinhentos denários, o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar,
perdoou a ambos a dívida. Qual deles, pois, mais o amará?” (Lucas
7:40-43). De fato, Dom Bosco, como Jesus, pedirá uma interpretação
depois que terminar a sua parábola.
Darei agora a narrativa de Dom Bosco sem interrupções, tal como Chiala
a relatou:
“Em toda a superfície do mar vocês veem uma infinidade de navios,
todos com um bico de ferro afiado que perfura tudo o que ele atinge.
Alguns desses navios têm armas, canhões, fuzis; outros têm livros e
materiais incendiários. Todos eles se apinham contra um navio que é
consideravelmente maior, tentando abalroá-lo, incendiá-lo e fazer nele
todo o tipo de dano possível. Imaginem que, no meio do mar, vocês veem
duas colunas altíssimas. Sobre uma delas está a estátua da Santíssima
Virgem Imaculada, com embaixo a inscrição: “Auxílio dos Cristãos”.
Sobre a outra, que é ainda mais alta e imponente, há uma Hóstia de
tamanho proporcionalmente grande em relação à coluna, e sob ela as
palavras: “Salvação dos que creem”. Da base da coluna, pendem muitas
correntes com âncoras, às quais é possível prender os navios. O navio
maior é capitaneado pelo Papa, e todos os esforços dele são dirigidos
para manobrá-lo em meio àquelas duas colunas. Mas, como eu disse, as
outras barcas tentam de todo o modo bloqueá-lo ou destruí-lo, algumas
com armas, outras com os bicos em suas proas, com o fogo de livros e
periódicos. Mas todas as suas armas são inúteis. Toda arma e
substância se esfacela e afunda. Vez por outra, os canhões abrem fenda
profunda nalgum ponto dos flancos do navio. Mas uma brisa que sopra
das duas colunas é suficiente para remediar toda a ferida e fechar as
fendas. O navio, novamente, continua em seu curso. No percurso, o Papa
cai uma vez, então se levanta novamente, cai segunda vez e morre.
Assim que ele se encontra morto, outro imediatamente o substitui. Ele
guia o navio para as duas colunas. Ao chegar, ele prende o navio com
uma âncora à coluna com a Hóstia consagrada, com outra âncora à coluna
com a Imaculada Conceição. Então, irrompe uma desordem total ao longo
de toda a superfície do mar. Todos os navios que até aquele momento
vinham combatendo a nau do Papa se dispersam, fogem, colidem uns com
os outros, alguns naufragando e tentando afundar os outros. Os que
estão à distância mantêm-se prudentemente afastados até os destroços
de todos os navios demolidos terem afundado nas profundezas do mar, e
então eles rumam vigorosamente para o lado da nau maior. Tendo se
juntado a ela, eles também se prendem a si mesmos nas âncoras que
pendem das duas colunas e ali permanecem em perfeita calmaria.”
Passo agora à carta de João Boggero ao Irmão Frederico Oreglia,
escrita na manhã seguinte à Boa Noite de Dom Bosco. Esse seminarista
tinha vivido no Oratório por mais de seis anos e foi um dos vinte e
dois salesianos originais. Ele acabou se tornando padre diocesano.
[16] Acerca do que Dom Bosco disse em 30 de maio, ele fez uma coisa
que muitos alunos, mesmo seminaristas, já fizeram, vez por outra: ele
escreveu uma carta durante a aula. Conforme a carta, ele começou a
escrever às 10:30 da manhã e concluiu-a quando a aula estava chegando
ao fim, às 11:00 da manhã; por onde, podemos suspeitar de um pouco de
pressa.
Ele concorda com Chiala que Dom Bosco começou convidando todos os
meninos a se imaginarem numa praia. Ele difere num detalhe: Dom Bosco
incluiu a si mesmo. Mas, como Dom Bosco não desempenha mais nenhum
papel na ação, isso não tem significância. Boggero oferece uma porção
de detalhes secundários que Chiala não apresenta, por exemplo, ele
descreve os bicos dos navios inimigos como “afiados como uma flecha” e
conta-nos que as duas colunas eram “pouco distantes uma da outra”. Por
outro lado, ele omite alguns dos detalhes de Chiala; dissera este que
os bicos eram de ferro e perfuravam tudo o que atingiam. Essas
pequenas variações são interessantes, confirmam que os relatos são
independentes, e não afetam a substância da história de Dom Bosco.
Entre as armas inimigas listadas por Boggero estão não somente
canhões, armas e livros, como também “mãos, punhos, blasfêmias e
maldições”. O Papa cai a primeira vez por ter sido gravemente ferido;
Chiala não dava uma razão. Quando ele cai pela segunda vez, morto, “um
grito de júbilo se ergue entre os inimigos remanescentes”. Chiala era
vago, apenas sugerindo depois do fim da batalha que alguns outros
navios haviam estado aliados ao Papa, senão efetivamente combatendo
por ele; Boggero observa que, depois que o navio papal é ancorado em
segurança às duas colunas, “Então foram vistos muitos dos navios
pequenos, alguns que haviam combatido por ele, outros à distância que
haviam recuado por medo da batalha, correrem para as colunas e se
ligarem àqueles ganchos, permanecendo ali totalmente a salvo e em
segurança.” Embora Boggero ponha a história de Dom Bosco entre aspas
e, numa ocasião, no início, note uma mudança no tom de voz dele, na
realidade ele, como Chiala, está apresentando somente um resumo
substancial.

3. A Interpretação do “Sonho”
Dom Bosco introduzira sua fábula ou símile com um desafio: “Eu quero
ver se vocês têm a cabeça boa. Prestem atenção [e vejam] se conseguem
entendê-lo.” Não era incomum ele apresentar uma interpretação de seus
sonhos, perguntar aos ouvintes o que achavam, ou entrar em algum
diálogo durante um sermão. Tendo concluído seu conto do navio do Papa
no vasto oceano, segundo nossas duas testemunhas, ele chamou o Pe.
Miguel Rua [17] e pediu-lhe que explicasse a fábula. Boggero, sem usar
aspas, resume a resposta do Pe. Rua:
“Ele disse: Parece-me que o navio do Papa é a Igreja, da qual ele é o
cabeça. Os outros navios são seres humanos, e o mar é este mundo, esta
terra. Os que estavam defendendo a Igreja são as pessoas boas, que
aderem à Santa Sé; os outros são os inimigos dela, que tentam destruí-
la com todo tipo de arma. E as duas colunas da segurança são a devoção
a Maria Santíssima a ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia.”
Dom Bosco aprovou a resposta do Pe. Rua e fez uma correção na
interpretação dele. Disse ele: “os navios inimigos são as perseguições
vindouras à Igreja. O que aconteceu até agora é quase nada.” Então ele
deu boa noite aos meninos.
O resumo de Chiala nota que Dom Bosco fez algumas sugestões de
interpretação, mas, diferentemente de Boggero, ele não especifica
quais foram. Ele fornece alguns detalhes ou variações sobressalentes:
os navios que lutam contra a Igreja são “as potências do mundo”; a
Igreja “de quando em quando sofre avarias, simbolizadas pelos buracos
feitos no grande navio pelas armas, mas uma brisa do Onipotente e da
Santíssima Virgem é suficiente para reparar esses danos, essas perdas
de algumas almas.” Em conformidade com essa visão de que se trata de
uma fábula ou apólogo, Chiala apresenta a moral, presumivelmente ainda
parafraseando o Pe. Rua: “A moral, então, é que temos somente dois
meios de ficar firmes nessa confusão, a devoção à Virgem Maria e a
recepção frequente dos sacramentos, esforçando-nos de todas as
maneiras em venerá-los e em difundir essa veneração.”
Nem o Padre Rua nem Dom Bosco comentaram sobre a dupla queda e morte
do Papa. De acordo com Chiala, quando Dom Bosco desceu da tribuna, ele
disse ao seminarista Francisco Provera que, se lhe perguntassem isso
outra noite, ele comentaria. Então, devia significar algo. Chiala
arriscou suas próprias opiniões:
“Parece-me que ele quis indicar que o Pontífice vivo hoje não verá o
fim dessas aflições, cairá uma vez de seu trono mas retornará a ele, e
que a paz será restaurada na Cristandade somente sob outro Papa, que
sucederá a Pio IX imediatamente após a morte deste. Os navios à
distância, penso eu, seriam as nações infiéis que se aproximarão da
fé.”
Com o espaço acabando, Chiala concluiu sugerindo a Oreglia que, se ele
quisesse “uma exposição mais genuína” das palavras de Dom Bosco, ele
devia consultar o Padre Rua e então confirmar aquele relato com o
próprio Dom Bosco.
Essas são as fontes primárias para aquilo que chamamos comumente de o
“Sonho” das Duas Colunas. Coloco “Sonho” entre aspas porque, como
vimos, Dom Bosco não o apresenta como sonho, mas como parábola. Quando
foi registrá-lo nas Memórias Biográficas, o Padre Lemoyne acrescentou
uma porção de passagens, [18] algumas importantes e outras não,
incluindo uma em que Dom Bosco chamou seu conto de sonho, a referência
a uma tempestade, uma esquadra dando apoio ao navio do Papa, duas
reuniões, convocadas pelo Papa, dos capitães das embarcações aliadas,
“regozijo indescritível” nas embarcações inimigas com a avaria que
fizeram no navio do Papa, e um conclave dos capitães aliados para
eleger um novo Papa. A mim, me parece que a esquadra de apoio e
diversas reuniões do Papa e seus capitães são importantes, não somente
detalhes que uma ou outra fonte pudesse ter acidentalmente omitido. O
navio principal não é mais a Igreja, mas a Santa Sé, com esquadras de
apoio que representam, ou as nações católicas, ou as igrejas locais. A
reunião dos capitães na ponte do navio papal pode facilmente ser
considerada o Concílio Vaticano I, ainda mais de sete anos no futuro.
Mas e quanto à segunda reunião, que é realizada sob o mesmo Papa? E
qual a fonte desse novo material?
O Padre Lemoyne afirma que dependeu de quatro documentos: as cartas de
Boggero e Chiala, a crônica de Ruffino, que já mencionamos, e um
manuscrito de Secondo Merlone, um seminarista em 1862 que depois se
tornou padre diocesano. O Padre Lemoyne diz que esse último documento
foi escrito “muito tempo depois” da narração de Dom Bosco, mas isso é
tudo que ele nos conta sobre o documento, e este não sobreviveu.
Talvez seja a fonte de parte do material que aparece exclusivamente
n’As Memórias Biográficas. Como quer que seja, o Padre Lemoyne
insiste: “Todas as quatro narrativas concordam perfeitamente exceto
pela omissão de alguns detalhes.” [19] Ora, como dissemos acima,
alguns dos detalhes que ele introduz não são insignificantes.
O Padre Lemoyne também nos conta de uma visita ao Oratório em 1886 do
Cônego João Bourlot, que fora seminarista em 1862 e escutara a
narrativa original por Dom Bosco. Ele recontou a parábola num jantar,
em presença de Dom Bosco e do Padre Lemoyne, e pôs um terceiro Papa na
narrativa. O Côn. Bourlot apareceu no Oratório novamente em 1907 e
contou o conto inteiro novamente, ainda insistindo que houvera três
Papas. [20] Obviamente o Padre Lemoyne não aceitou esse ponto. Mas é
possível que o relato oral do Côn. Bourlot, fresco na mente do Padre
Lemoyne quando este compunha o volume 7, tenha suscitado alguns dos
detalhes inexplicados no texto final d’As Memórias Biográficas. Por
outro lado, é preciso ser cuidadoso em aceitar testemunho oral vinte e
quatro anos depois de um acontecimento, que é o hiato entre a Boa
Noite de Dom Bosco e o primeiro relato dela pelo Côn. Bourlot na
presença do Padre Lemoyne. Se, por um lado, Dom Bosco estava presente
em 1886 para garantir a precisão do Cônego, ele não estava ali em
1907, quarenta e cinco anos depois do evento original.
É uma infelicidade que não saibamos com base em que autoridade o Padre
Lemoyne acrescentou os detalhes e substância que não temos como
rastrear nas fontes primárias sobreviventes, especialmente dado que
algumas delas não são inteiramente coerentes com as fontes
sobreviventes. Sem descartá-los categoricamente, um pouco de ceticismo
sobre esses detalhes é apropriado.
Agora, o que devemos pensar da parábola de Dom Bosco? Temos de começar
por onde ele começou, isto é, em 1862, num ambiente pedagógico entre
seus meninos e seus salesianos. A imagem da Igreja como barca de Pedro
era uma imagem comum que todos entendiam. O mar agitado pela
tempestade é imagem prontamente reconhecível do mundo com seus
perigos, e aparece com freqüência nos sonhos de Dom Bosco. A coluna
com a Hóstia no topo é auto-explicativa. A outra coluna tinha uma
estátua de Maria Imaculada, foco da devoção mariana de Dom Bosco desde
o início de seu Oratório, em 8 de dezembro de 1841, até este período,
quando seu foco mariano estava começando a passar para a Auxiliadora
dos Cristãos. Essa transição pode ter sido inspirada pelo apelo de
alguns Bispos italianos a Maria como Auxiliadora dos Cristãos para vir
em socorro da Igreja e, talvez, por algumas recentes alegações de
aparições num santuário mariano sob este título, perto da cidade de
Spoleto. [21] “Auxílio dos Cristãos” era a inscrição no pilar; e essa
festa específica acabara de ser observada, em 24 de maio. O título
mariano “Auxílio dos Cristãos” origina-se da vitória naval cristã em
Lepanto, 7 de outubro de 1571; o leque de imagens deste apólogo é
sugestivo de Lepanto. Quando um inimigo anterior da Igreja, Napoleão,
capturou o Papa Pio VII e levou-o ao exílio, o Papa retornou em
triunfo a Roma em 24 de maio. Assim, o leque de imagens de Dom Bosco
da Igreja e do Papa encontrando segurança no pilar da Auxiliadora dos
Cristãos encaixava-se com a história da Igreja e também refletia
acontecimentos contemporâneos.
O que estava acontecendo na Itália em 1862? A Igreja estava sob ataque
pesado em diversas frentes. Ela havia sido atacada política e
militarmente. O rei Vítor Emanuel II, Camillo Cavour, Giuseppe
Garibaldi e outros, em 1860, haviam unificado a maior parte da Itália
em um único reinado. Juntamente com outros territórios, eles haviam
capturado a maior parte dos Estados Papais, que haviam pertencido ao
Papado durante mil anos; e não era segredo que se pretendia que Roma,
que o Papa ainda detinha, acabasse por tornar-se a capital nacional.
Embora hoje percebamos que um Estado minúsculo é suficiente para
garantir a independência moral e espiritual do Papa, e o poder moral
dele seja mais forte sem ser ele uma potência temporal, isso não era
de modo nenhum claro em 1862.
A Igreja também estava sob assalto religiosamente. Além da lei
piemontesa de 1855 suprimindo as ordens monásticas, outras leis haviam
despojado as cortes eclesiásticas de um bocado de sua autoridade,
reduzido o número de feriados religiosos observados publicamente,
eliminado a censura da imprensa e o controle da educação pela Igreja,
e estabelecido tolerância religiosa, embora nominalmente o Catolicismo
permanecesse a religião do Estado. Essas leis foram estendidas para
outras regiões à medida que estas eram incorporadas ao reino da
Itália. Exceto pela supressão dos mosteiros e a captura de suas
propriedades e bens, esses passos redundavam, basicamente, na
separação de Igreja e Estado, conceito este que a Igreja não aceitou
formalmente até 1965. Na Europa do século XIX, isso era ainda
considerado algo revolucionário e maligno. Que decorreram males dessa
separação é inquestionável.
A Igreja estava sob ataque culturalmente. Por diversas razões, a
opinião pública começava a tornar-se anticlerical. O Papa tinha
respaldo estrangeiro na manutenção de sua posse dos Estados da Igreja
até 1860 e de Roma até 1870; a presença austríaca era particularmente
odiosa para os patriotas italianos. No geral, a hierarquia italiana
combateu com unhas e dentes todas as mudanças no status quo social e
político. Sem o freio da censura eclesiástica, escritores de toda a
espécie, de patriotas a protestantes evangélicos, a demagogos, a
mascates de imundícies, eram todos livres para atacar a religião, a
devoção popular, a Igreja, o Papa, os Bispos, a vida religiosa, as
escolas paroquiais e os sacerdotes individuais. O leitor deve ter
notado a presença de livros e periódicos no armamento dos inimigos da
Igreja na alegoria de Dom Bosco.
Padres, Bispos e mesmo Cardeais que se opunham ao novo regime eram
hostilizados, encarcerados, exilados. Os católicos podiam muito bem
sentir que a Igreja sofria uma nova perseguição como aquela infligida
pela Revolução Francesa. [22]
Até Dom Bosco e seu Oratório estavam sob ataque. No começo da década
de 1850 ele foi submetido a diversas tentativas de assassinato. Na
década de 1860 elas cessaram, mas ataques vis na imprensa anticlerical
tomaram o seu lugar. Políticos anticlericais também visaram-no,
convencidos de que, bem na capital nacional, Turim, ele estava
conspirando com o Papa contra a Itália. De tempos em tempos sua
correspondência era interceptada, e onze vezes em 1860 oficiais de
polícia apareceram no Oratório para vasculhá-lo, interrogar e
intimidar mestres e pupilos, e saquear o aposento de Dom Bosco e seus
papéis, em busca de provas que o incriminassem. Naturalmente, eles não
encontraram nada que pudessem usar; graças não somente à prudência e
posição apolítica do Santo, mas também a um de seus sonhos, que o
alertou antes da primeira revista. Dom Bosco utilizou a oportunidade
fornecida pelas buscas, para conversar com os oficiais sobre as almas
deles. Alguns meses depois do “Sonho” das Duas Colunas, oficiais do
departamento de educação tentariam desqualificar os professores de Dom
Bosco e demonstrar que o Oratório ensinava subversão, para poderem
fechá-lo.
Se desejarmos interpretar a primeira queda do Papa na alegoria de Dom
Bosco, e depois sua fatal segunda queda, podemos explicá-las deste
modo: A primeira queda representava a temporária derrubada do poder
temporal do Papa durante a Revolução de 1848, quando Pio IX foi
empurrado ao exílio por cerca de um ano, e Garibaldi, Mazzini e seus
amigos instauraram a efêmera República Romana. A fatal segunda ferida
poderia representar o que muitas pessoas podiam prever em 1862: que o
poder temporal da Igreja lhe seria completamente subtraído no futuro,
como aconteceu em 1870. Dessa “fatalidade”, um novo tipo de liderança
da Igreja emergiu. Isso, é claro, é uma hipótese. Não temos a
explicação do próprio Dom Bosco. Outros poderiam aventar a hipótese de
que os Papas sejam figuras pessoais: Pio IX, que viveria até 1878, e
Leão XIII.
Começar a especular sobre as conferências dos capitães aliados ao
Santo Padre e o conclave que elegeu um novo Papa leva-nos às
interpolações feitas pelo Padre Lemoyne n’As Memórias Biográficas, e
adentramos terreno ainda menos seguro, por não termos certeza de que
Dom Bosco descreveu essas coisas.
Como quer que seja, tomando o que Dom Bosco inquestionavelmente disse,
temos a Igreja e uma casa religiosa sofrendo a tempestade da
perseguição. Dom Bosco poderia facilmente ter falado diretamente aos
meninos e aos salesianos sobre a Divina Providência, a promessa de
Jesus de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, o
poder da Eucaristia, a proteção de nossa Mãe Santíssima. E assim fez
ele constantemente. Mas usar uma história ou parábola pitoresca que ao
menos sugerisse aos seus ouvintes os conhecidos sonhos dele seria uma
ferramenta de ensino mais poderosa, como as inesquecíveis parábolas do
Senhor.
Com efeito, as imagens da Igreja assediada, da pilotagem segura do
Santo Padre, do porto seguro oferecido pela proteção de Maria, da
salvação garantida pelo Santíssimo Sacramento mantêm seu apelo a nós
hoje. À luz do contexto pedagógico e das palavras dele tais como
registradas pelas testemunhas, creio que isso é tudo o que Dom Bosco
pretendia transmitir. A alegoria de São João Bosco é tão intemporal
quanto a Igreja mesma. Sob esse aspecto, pessoas que encontram nesse
sonho ou parábola “uma visão profética para o nosso tempo” acertam em
cheio.
Ora, alguns tentaram fazer desse sonho ou parábola “uma visão da
Igreja Católica no fim dos tempos… uma visão reveladora de como a
Igreja sobreviveria a perseguições terríveis no fim do século XX.”
Espero que a exposição acima já tenha deixado claro que tal
interpretação é uma distorção sem fundamento. Ademais, não há registro
de que Dom Bosco estivesse interessado, ainda que minimamente, pelos
últimos tempos ou dedicasse algum pensamento à especulação sobre eles.
A preocupação dele com os seus meninos, e mesmo com os inspetores de
polícia que perturbavam seu Oratório, era sempre pela salvação
individual deles, de que estivessem pessoalmente prontos para o juízo
inevitável que vem imediatamente após a morte. Esse é um tema
constante em seus sermões, conferências de Boa Noite e sonhos, e é a
moral que ele extrai do episódio que ele relatou da ressuscitação
temporária de um menino morto.[23] Para alcançar a salvação devemos
estar a bordo da arca da segurança, que é a Igreja; Maria oferece-nos
sua certeira proteção materna em todas as circunstâncias; os
sacramentos, particularmente a Penitência e a Santa Eucaristia, são
nossos meios de salvação.

4. Epílogo
Talvez a ideia de que Dom Bosco estivesse prevendo alguma batalha
apocalíptica entre a Igreja e os poderes do mal no fim do século XX
venha de uma certa confusão que, lamentavelmente, parece amplamente
disseminada. Pessoas frequentemente me ligam ou escrevem com perguntas
sobre São João Bosco. De quando em quando, sou questionado sobre as
datas nos dois pilares no mar. Como o leitor percebe, não existem
datas.
Como foi que datas entraram nesse “Sonho” das Duas Colunas, na cabeça
de alguns? Minha teoria é de que algumas pessoas se depararam com dois
parágrafos que estão no volume 9 d’As Memórias Biográficas. É 1869, e
Dom Bosco construiu a Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos no
Oratório, mas os retoques finais ainda estão por ser dados. O Padre
Lemoyne escreve:
“…trabalho adicional na Igreja de Maria Auxiliadora estava em curso.
Cada um dos dois campanários flanqueando a fachada devia ter no topo
um anjo, de quase 2,5 metros de altura, feito de cobre bruto dourado,
de acordo com o plano do próprio Dom Bosco. O anjo da direita segurava
uma bandeira…que continha a palavra “LEPANTO” talhada em letras
grandes através do metal, enquanto o da esquerda oferecia…uma coroa de
louros à Santíssima Virgem localizada sobre o domo.
Num desenho anterior, o segundo anjo também segurava uma bandeira na
qual o número “19” estava talhado através do metal, seguido de dois
pontinhos. Representava outra data, “mil novecentos”, sem os dois
números finais indicando o ano específico. Embora no fim, como
dissemos, uma coroa de louros tenha sido posta na mão do anjo, nunca
nos esquecemos da data misteriosa que, em nossa opinião, apontava para
um novo triunfo de Nossa Senhora. Que venha logo este e reúna todas as
nações sob o manto de Maria.”
Até aqui o Padre Lemoyne, na tradução publicada para o inglês. [24]
Conferi com o original em italiano, [25] e uma frase importante está
faltando no inglês: “Num desenho anterior, que nós mesmos vimos…” O
Padre Lemoyne gosta muito do nós editorial. Ele quer dizer que ele o
viu. Infelizmente, ele não diz especificamente que o desenho original
fosse de Dom Bosco; ele é explícito sobre isso quanto ao desenho
final, os anjos tais como realmente ficam no topo daqueles dois
campanários. É razoável supor que o desenho não utilizado, a data
incompleta do século XX do segundo anjo, também tenham vindo do nosso
Santo; teria ajudado se o Padre Lemoyne o tivesse afirmado. Mas,
apesar das procuras pelos arquivos, o desenho original nunca foi
encontrado, e ninguém além do Padre Lemoyne jamais alegou tê-lo visto.
Dizer algo além disso sobre o desenho ou a data é especulação.
Se o primeiro desenho originou-se de Dom Bosco, teria a data
misteriosa vindo de um sonho? É possível, mas isso também é somente
especulação.
Um pouco de especulação, então. A data 19.. pode ser qualquer data no
século. Não há absolutamente nenhuma razão para dizer que deva ser no
fim do século XX. Não há nem sequer razão alguma constringente para a
data dever ser identificada. Mas, se alguém quiser adivinhá-la, deve
procurar algo que tivesse algum paralelo com o evento de Lepanto,
assinalado pela bandeira do primeiro anjo. Lepanto foi a vitória de
uma aliança católica contra as legiões islâmicas reunindo-se para
invadir a Europa cristã em 1571. A vitória era totalmente inesperada,
resultado de boa fortuna, falando militarmente, e de uma estratégia de
batalha bem executada. Foi atribuída, na ocasião e desde então, ao
poder do Rosário, à assistência de Maria Auxiliadora.
Se a data misteriosa veio de Dom Bosco, ele escolheu não publicá-la.
Mas, se se quiser especular — e não há mal algum nisso —, eis uma
hipótese razoável. O ano misterioso já passou, e não faz muito tempo.
Foi o ano de uma sequência de eventos inesperada, de tirar o fôlego: o
triunfo do Solidariedade nas primeiras eleições livres na Polônia, a
liberação dos satélites soviéticos por toda a Europa, a queda do Muro
de Berlim: eventos que pressagiaram o colapso da União Soviética. Essa
série de acontecimentos tem, por alto, paralelo com a vitória de
Lepanto. Nossa Senhora pediu-nos em Fátima, antes mesmo que houvesse
uma Rússia comunista, que rezássemos pela conversão da Rússia. Em
1989, vimos alguns dos frutos visíveis de nossas orações.
Isso é especulação, e outros podem oferecer outras ideias. De qualquer
modo, aquele desenho angélico não usado é provavelmente de onde surgiu
a ideia incorreta e sem fundamento de que haveria datas nas duas
colunas no oceano. Não há absolutamente nenhuma conexão com as duas
colunas. Logo, a ideia de que o “sonho” ou fábula das duas colunas
preveja uma vitória específica para a Igreja no século XX não tem
respaldo. O “sonho” ou fábula deve ser interpretado em seu próprio
contexto do século XIX, incluindo sua plateia de meninos ginasianos.
Oferece conselho muito bom e perene, como toda boa fábula: nesse caso,
o conselho espiritual de que nossa Mãe Santíssima é nossa auxiliadora
e protetora nesta vida contra os ataques de nossos inimigos
espirituais; que nossa salvação vem de nos alimentarmos de Jesus na
Santa Eucaristia, sacramentalmente e devocionalmente; que a Igreja
Católica, pilotada pelo Sucessor de Pedro, nos guiará para o porto
seguro. [26]

_____________

1. Este ensaio baseia-se num discurso proferido no Congresso


Eucarístico Mariano em Columbus, Ohio, em 11 de outubro de 1997.
2. Giovanni Battista Lemoyne, The Biographical Memoirs of Saint John
Bosco, trad. ingl. de Diego Borgatello, vol. 7 (New Rochelle:
Salesiana, 1972), p. 107. Doravante citado como BM com volume e
página.
3. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales de 1815 e 1855,
trad. ingl. de Daniel Lyons (New Rochelle: Don Bosco Publications,
1989), p. 313.
4. Ibid., pp. 313-14.
5. “Il Sistema preventivo nella educazione della gioventù” [O Sistema
Preventivo na educação da juventude], um apêndice a: Inaugurazione del
Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare (San Pier d’Arena: Salesiana,
1877), pp. 44-65, à p. 58 (esta é uma publicação bilíngue, com os
versos em italiano e as frentes em francês); reproduzido em Giovanni
Bosco, Opere edite 28 (Roma: LAS, 1977), [422-43] na p. [436]; trad.
ingl. “The Preventive System in the Education of the Young”, apêndice
a: Constitutions of the Society of St. Francis de Sales [Constituições
da Sociedade de São Francisco de Sales] (Roma, 1985), pp. 246-53, na
p. 250.
6. Sigo aqui o tratamento das fontes pelo Pe. Stella: Pietro Stella,
Don Bosco’s Dreams: A Historico-documentary Analysis of Selected
Samples [Os Sonhos de Dom Bosco: Uma análise histórico-documentária de
amostras selecionadas], trad. ingl. de John Drury (New Rochelle: Don
Bosco Publications, 1996), pp. 55-60, e os textos das próprias fontes,
pp. 77-84.
7. Manuscrito 275 Boggero nos Arquivos Centrais Salesianos (na Sede
Geral, em Roma); Stella, Don Bosco’s Dreams, pp. 77-78.
8. Manuscrito 110 Chiala nos Arquivos Centrais Salesianos; Stella, Don
Bosco’s Dreams, pp. 78-81.
9. Com tempo bom, as orações da noite eram rezadas sob os pórticos em
torno do pátio do Oratório.
10. Giovanni Battista Lemoyne, Documenti per scrivere la storia di D.
Giovanni Bosco, dell’Oratorio di S. Francesco di Sales e della
Congregazione Salesiana (Arquivos 110 Lemoyne) 8:56-57; Stella, Don
Bosco’s Dreams, pp. 82-84.
11. Memorie biografiche del venerabile Don Giovanni Bosco 7 (Turin:
Salesiana, 1909), 169; BM 7:107.
12. O reitor-mor salesiano, Pe. Egídio Viganò, também referiu-se a
esta narrativa como “o assim chamado ‘sonho’ das duas colunas” numa
carta circular aos salesianos, “Our Fidelity to Peter’s Successor”
[Nossa Fidelidade ao Sucessor de Pedro], 3 de setembro de 1985, Acts
of the General Council [Atas do Concílio Geral] 66 (1985), n.º 315, p.
31.
13. Para mais sobre esse assunto, o leitor pode consultar nosso Ensaio
Introdutório sobre os Sonhos de Dom Bosco.
14. Ver BM 7:143-144, 146-148.
15. Essa linguagem é bastante semelhante àquela que Dom Bosco usou ao
pronunciar para a comunidade do Oratório o Lema de 1864, em que,
também, ele falou de duas colunas representando a Eucaristia e a
Virgem: sem nem sombra de menção a um sonho e sem referência a
narrativa alguma (BM 7:354).
16. Ver BM 8:243-248.
17. Que acabaria sucedendo-o como reitor-mor e sendo beatificado pelo
papa Paulo VI.
18. Memorie biografiche 7:169-71; BM 7:107-09.
19. BM 7:109.
20. Ibid., pp. 109-10.
21. Ver Pietro Stella, Don Bosco: Religious Outlook and Spirituality
[Dom Bosco: Perfil Religioso e Espiritualidade], trad. ingl. de John
Drury (New Rochelle: Salesiana, 1996), pp. 155-69.
22. Em “Our Fidelity to Peter’s Successor” [Nossa Fidelidade ao
Sucessor de Pedro], p. 32, o Pe. Viganò nota esse contexto de ataque,
assim como numa carta posterior: “The Eucharist in the Apostolic
Spirit of Don Bosco” [A Eucaristia no Espírito Apostólico de Dom
Bosco], 8 de dezembro de 1987, Acts of the General Council [Atas do
Concílio Geral] 69 (1988), n.º 324, pp. 49-50.
23. Ver Lemoyne, BM 3 (1966):349-51, e Pietro Stella, “Don Bosco and
the Death of Charles” [Dom Bosco e a Morte de Carlos], apêndice a Don
Bosco: Life and Work, trad. ingl. de John Drury (New Rochelle:
Salesiana, 2005).
24. Lemoyne, BM 9 (1975), 276.
25. Lemoyne, Memorie biografiche del venerabile Don Giovanni Bosco 9
(Turim: SAID, 1917), 583.
26. Em “Our Fidelity to Peter’s Successor” [Nossa Fidelidade ao
Sucessor de Pedro], o Pe. Viganò usou o “sonho” para frisar “o elo
estreito que une a figura do Sucessor de Pedro com a de Maria”, loc.
cit., pp. 31-34. Em “The Eucharist in the Apostolic Spirit of Don
Bosco” [A Eucaristia no Espírito Apostólico de Dom Bosco] ele retorna
ao “sonho”, para enfatizar a importância das devoções gêmeas a Maria e
à Santíssima Eucaristia.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Michael MENDL, S.D.B., O “Sonho” das Duas Colunas. Ensaio de Crítica
Textual e Interpretação, 1997, trad. br. por F. Coelho, São Paulo,
set. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-Ut
de: “The ‘Dream’ of the Two Columns. An Essay in Textual Criticism and
Interpretation”, ensaio baseado num discurso proferido no Congresso
Eucarístico Mariano em Columbus, Ohio, a 11 de outubro de 1997,
http://www.bosconet.aust.com/2columns.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Textos essenciais em tradução inédita – XCVIII

Um velho erro tornado “verdade”,


ou: Chapeuzinho (Vermelho) violeta

(set. 2011)

Rev. Pe. Hervé BELMONT

Há um certo tempo, não mais se ouvia falar dos encontros teológicos


entre o estado-maior de Bento XVI e a fraternidade São Pio X. O
silêncio foi rompido ultimamente, segundo um comunicado do Vaticano:
“A Congregação para a Doutrina da Fé toma como base fundamental da
plena reconciliação com a Sé Apostólica a aceitação do Preâmbulo
doutrinal que foi entregue durante o encontro de 14 de setembro de
2011. Esse preâmbulo enuncia alguns dos princípios doutrinários e dos
critérios de interpretação da doutrina católica necessários para
garantir a fidelidade ao Magistério da Igreja e ao sentire cum
Ecclesia, deixando abertos a uma legítima discussão o estudo e a
explicação teológica de expressões ou de formulações particulares
presentes nos textos do Concílio Vaticano II e do Magistério
subsequente.”
Assim, então, a fraternidade é intimada, se ela quer entrar no seio da
Santa Sé, a aceitar um documento cujo teor não foi tornado público.
Isso parece lógico… e infinitamente perigoso.
A fraternidade, com o seu superior geral na cabeça, me fazem pensar
irresistivelmente no conto da Chapeuzinho Vermelho, no fim do qual a
inocente criança faz-se devorar pelo lobo que se substituiu à Vovó, da
qual ele grosseiramente tomou o lugar e as aparências. Com efeito,
encontramos os quatro mesmos ingredientes que conduziram ao fim
trágico.
Primeira etapa: o lobo dita a regra do jogo.
“Pois bem”, disse o Lobo, “eu também quero ir visitar a Vovó; eu vou
por este caminho aqui, e tu vais por aquele caminho ali, e veremos
quem chega primeiro”. O lobo pôs-se a correr com toda a força pelo
caminho que era o mais curto, e a menininha foi pelo caminho mais
comprido…
Quando a heresia aparece, se dissemina, triunfa e ameaça absorver o
mundo inteiro, a verdadeira regra do jogo, quero dizer o serviço de
Deus, não é entrar em negociações, em palavras que só fazem abalar a
fidelidade e desencorajar a resistência. Cumpre testemunhar a fé,
denunciar o erro e seus fautores, restabelecer a doutrina em sua
integridade.
Segunda etapa: Chapeuzinho Vermelho confunde o lobo com a Vovó.
Chapeuzinho Vermelho puxou o barbante, e a porta se abriu. O Lobo,
vendo-a entrar, lhe disse, escondendo-se na cama debaixo das cobertas:
“Põe a broa e o potinho de manteiga em cima da arca e vem deitar-te
comigo”. Foi o que a criança fez.
Bento XVI não é a autoridade legítima da Santa Igreja Católica; ele
não tem dela mais que o lugar e as aparências: é a fé que nos impõe
pensá-lo, dizê-lo e agir em consequência. Se fosse de outro modo,
aliás, seria impossível “negociar”, pôr condições, agir como “poder
concorrente”. É uma questão de pertença à Igreja e de salvação eterna:
“Nós declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que a submissão ao
Romano Pontífice é, para toda criatura humana, absolutamente
necessária à salvação.” (Unam Sanctam, 18 de novembro de 1302,
Denz. 469).
Terceira etapa: entra-se em “diálogo aproximado”, que, sob aparência
de “boas razões”, no fundo não é mais que uma mentira causada pela
cegueira que o preside.
— Vem deitar-te comigo.
Foi o que a criança fez.

— Vovozinha, como a senhora tem braços grandes!

— É p’ra te abraçar melhor, minha criança.

— Vovozinha, como a senhora tem orelhas grandes!

— É p’ra te escutar melhor, minha criança.

— Vovozinha, como a senhora tem olhos grandes!

— É p’ra te ver melhor, minha criança.

— Vovozinha, como a senhora tem dentes grandes!

— É p’ra te devorar melhor, minha criança.


Não se deve imaginar que, apresentando-se no Vaticano, se vai
confrontar-se com criancinhas. Há ali homens de ciência “com dentes
afiados” que conhecem bem a doutrina católica, que não se deixam
envolver… e que, sobretudo, sabem os pontos fracos da fraternidade.
Esses pontos são aqueles em que a fraternidade se afasta de maneira
impressionante, tanto no conjunto quanto nos detalhes, da teologia
católica, tanto acerca do Magistério e de sua infalibilidade, quanto
acerca da jurisdição universal e imediata do Soberano Pontífice.
Quarta etapa:
E, dizendo isso, o Lobo mau se atirou sobre Chapeuzinho Vermelho e a
devorou.
Mas, ai! Quem não sabe que os Lobos melosos

De todos os Lobos, são os mais perigosos?


Chapeuzinho Vermelho, recheada de boas intenções, temperada de
caridade sincera, vem desarmada lançar-se na goela do lobo. E é aí que
a minha fabulazinha queria chegar.
A fraternidade, para afrontar os teólogos do Vaticano, no intento de
desmascarar os erros do Vaticano II (o que, em si, é muito
louvável), não vem armada da verdade. Ela arrasta consigo todo o tipo
de erros que a tornam vulnerável; pior, que fazem com que o lobo não
tenha necessidade de devorá-la, pois, de certa maneira (por causa dos
erros dela), ela já se encontra reduzida ao mesmo nível dele.
Tomo como prova o fato seguinte.
No dia mesmo do encontro mencionado no início deste texto, Dici (que
é, de certo modo, a agência de imprensa da fraternidade) publica uma
“Entrevista com Mons. Bernard Fellay após seu encontro com o cardeal
William Levada” na qual se salienta esta afirmação de pasmar:
“Hoje eu devo reconhecer objetivamente que não encontramos, neste
preâmbulo doutrinal, uma distinção clara entre o domínio dogmático
intocável e o domínio pastoral sujeito à discussão.”
Isso é afirmado como se se tratasse de uma espécie de escândalo, como
se, por causa dessa ausência, esse preâmbulo doutrinal fosse duvidoso,
insidioso, gravemente insuficiente.
Antes de investigar a compatibilidade dessa distinção, que é também
uma afirmação, “Domínio dogmático intocável – domínio pastoral sujeito
à discussão” com a fé católica, cumpre notar duas coisas:
— a distinção é falsa e inadequada. O “pastoral” é aquilo pelo qual a
Igreja apascenta o rebanho de Jesus Cristo, aquilo pelo qual ela
alimenta-o e condu-lo a bom porto. Ora, a missão de apascentar começa
pela transmissão do dogma, da verdade revelada, que é o fundamento de
tudo o mais. O “dogmático” faz parte do “pastoral”.
Assim ensina o Catecismo de São Pio X (q. 119): “os meios de santidade
e de salvação eterna que se encontram na Igreja são a verdadeira fé, o
sacrifício, os sacramentos e os auxílios espirituais recíprocos, tais
como a oração, o conselho, o exemplo”.
No primeiro escalão do pastoral: a verdadeira fé. Sujeito à discussão?
— Dado que é falsa e inadequada, essa distinção é necessariamente
vaporosa: cada qual porá o cursor onde bem entender. Alicerçar uma
confrontação doutrinal sobre a areia é dirigir-se para um conto-do-
vigário. Um pouco como quando da famosa declaração conjunta do
Vaticano e da Federação Luterana Mundial sobre a justificação (junho
de 1998).
O oitavo teólogo?
Mas, sobretudo, afirmar que o “pastoral” (o não-dogmático) está
sujeito a discussão, é um velho erro que nos apresentam hoje como uma
espécie de critério da verdade católica. Dos conciliabulistas de
Pistoia aos modernistas sob Pio XII, todos aqueles que quiseram se
opor à Igreja sem abandoná-la abertamente, todos aqueles que quiseram
corrompê-la in sinu gremioque [= desde o interior; expressão utilizada
na Pascendi (N. do T.)] proclamaram essa distinção (ou dela se
serviram) para subtrair-se à influência da autoridade legítima.
Quem combateu esse velho erro com mais brilho foi São Roberto
Bellarmino, Doutor da Igreja, o qual proclama-o verdadeiramente
herético. Sim, herético!
Em 1606, sete teólogos de Veneza, para justificar a recusa de
submeter-se a uma censura de interdito pronunciada pelo Papa Paulo V
(o que depende, sem dúvida alguma, do “âmbito pastoral”), haviam
afirmado que antes de obedecer a toda ordem recebida, mesmo vinda do
Soberano Pontífice, o cristão deve examinar primeiro se o mandamento é
conveniente, legítimo e obrigatório. Numa palavra, ele deve considerá-
lo como sujeito à discussão.
É a duodécima proposição examinada por São Roberto na sua Responsio
illustrissimi Cardinalis Bellarmini ad tractatum septem theologorum
ubrbis Venetæ super interdicto sanctissimi Domini nostri Papæ Pauli
V [Resposta do Ilmo. Cardeal Bellarmino ao tratado dos sete teólogos
da cidade de Veneza sobre o interdito de nosso SSmo. Senhor o Papa
Paulo V (N. do T.)] (Colônia, 1607, pp. 45-66).
Propositio duodecima : Christianus non debet obedire præcepto
quocumque sibi imperato (quamvis fuerit Summi Pontificis) nisi prius
illud quatenus materia postulat, examinaverit, num fit conveniens,
legitimum et obligatorium. Qui vero sine prævio præcepti examine, cæca
quadam obedentia præcepto morem gereret, peccati reus efficeretur.

[Proposição XII. O cristão não deve obedecer a preceito algum que lhe
for dado (ainda que pelo Sumo Pontífice) sem antes examinar, até onde
a matéria exige, se o preceito é conveniente, legítimo e obrigatório.
Quem, sem prévio exame do preceito, presta obediência cega realizando
o preceito, torna-se réu de pecado. (N. do T.)]
Esses singulares teólogos chegavam, pois, ao ponto de afirmar que quem
não se entrega a um exame prévio torna-se culpado de pecado: do pecado
de obediência cega.
A qualificação que São Roberto atribui a essa proposição ímpia é
mordaz:
“Seria de esperar encontrar uma tal afirmação na boca de homens
irreligiosos. (…) Essa proposição é diretamente contrária aos Santos
Padres; ela é incapaz de se apoiar na autoridade de qualquer bom
autor; ela é propícia à subversão de toda disciplina bem estabelecida;
ela é conforme à doutrina dos luteranos e dos outros hereges do nosso
tempo”.
E São Roberto chama à barra São Basílio, São João Crisóstomo, São
Jerônimo, São Gregório Magno, Santo Antão e São Macário do Egito, São
Bento, São João Clímaco, São Cesário de Arles, São Bernardo, Santo
Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Agostinho, os eremitas do
Oriente; em seguida vêm os Papas e os Doutores; por fim ele examina
nove argumentos aduzidos por esses teólogos.
A resposta de São Roberto é assim referida na edição Le Bachelet:
“Essa proposição é herética (…) A discussão do preceito, quando ele
não contém manifestamente um pecado, é reprovada pelos Padres, pois
aquele que discute o preceito se faz juiz de seu superior” (Auctarium
Bellarminum, ed. Le Bachelet, n. 872).
Esses teólogos rebeldes servem agora de exemplo àqueles que – com uma
sinceridade que não dá margem a dúvida – fazem profissão de defender a
fé católica. O modernismo marcou profundamente as inteligências e os
corações, para que se tenha chegado a este ponto.
É urgente abandonar esses erros que estragam e esterilizam, há
quarenta ou cinquenta anos, a reação contra as doutrinas heterodoxas e
deletérias do Vaticano II. Pois há aí um escândalo (no sentido próprio
do termo) que corrompe a fé, que a solapa e corrói com tanto mais
profundidade quanto é mascarado por um verdadeiro zelo.
Nunca se é ouvido quando se recorda esse triste aspecto das coisas,
essa horrenda deformação do ensinamento da Igreja. É que se está
lidando, o mais das vezes, com tradicionalistas de segunda ou de
terceira geração.
A geração dos que começaram a recusar as reformas conciliares e a
organizar a resistência aos erros modernistas apressadamente erigiu
diques para opor-se ao rebentamento de novidades que ameaçavam a fé e
a vida cristã, e ela teve muito mérito de o fazer.
Como era praticamente inevitável, dentre os materiais de que foram
compostos esses diques, encontravam-se certos argumentos imprecisos,
parciais, mal construídos, incorretos. Não se tinha essa cautela: o
importante era a eficácia imediata; cumpria não se deixar submergir
nem arrastar.
Onde as coisas começaram a se deteriorar foi quando, depois da
primeira linha de defesa, não se teve um pouco de recuo nem se
examinou ditos argumentos, para escorá-los, para retificá-los, para
retirá-los se necessário; em todo o caso, para julgá-los à luz da
doutrina perene da Igreja – pois só podemos defender a Igreja por meio
da doutrina dela, não podemos combater o erro por meio de outros
erros.
Foi o contrário o que aconteceu; argumentos ad hominem, por vezes
emprestados do inimigo e erigidos em verdades permanentes, em
doutrinas obrigatórias. Uma ou duas gerações depois, nem se faz mais
ideia de que possa haver, em meio a esse corpo doutrinário que foi
herdado, erros graves que põem a fé em causa.
Antes de ir ao Vaticano, é preciso começar fazendo a limpeza na
própria casa.
Senão, o lobo será terrível.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, Um velho erro tornado “verdade”, ou:
Chapéuzinho (Vermelho) violeta, 2011, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-ZC
de: “Une vieille erreur devenue « vérité », ou : Le Petit Chaperon
[Rouge] violet”, blogue Quicumque, 27-IX-2011,

http://www.quicumque.com/article-le-petit-chaperon-rouge-violet-
85284651.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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(1939-58), Papa São PIO X (1903-14), São Bernardo de Claraval, São
Jerônimo, São Roberto Bellarmino, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XCVIII”
1. Sandro de Pontes Disse:

2 de outubro de 2011 às 7:06


Prezado compadre, salve Maria.
Pois é, lembra-se da nossa conversa há uns dez dias sobre o que eu te
falei a respeito de minha mudança de pensamento sobre os
tradicionalistas? Pois é…..
Não havia pertinácia por parte deles antes do Acies Ordinata. Agora
há: o “São João Batista do deserto internético” está aqui, e não é
pecado de orgulho e vaidade reconhecer e dizer isso.
Realmente, não apenas Trento, o Vaticano I, a Quanta Cura e a Humani
Generis condenam os tradicionalistas, mas todos estes santos doutores
e teólogos citados na matéria ora apresentada.
Êtaaaa nóis!
Abraços e parabéns por esta nova tradução.
Sandro
2. Felipe Coelho Disse:

2 de outubro de 2011 às 11:00


[ACRÉSCIMOS ENTRE COLCHETES E RASURAS FEITOS EM 7/dez./2011]
Caríssimo Compadre, Salve Maria!
A grande maioria deles certamente não é pertinaz. Aliás, só as
consequências brutais que se pode enxergar no sedevacantismo, expostas
na primeira das três traduções publicadas ontem [sobre a privação de
sacramentos], já bastam, ao meu ver, para fazer um homem de pouca fé
não pensar direito, excluindo dele assim a pertinácia necessária para
a heresia e o cisma. Penso que inclusive entre os Ecclesia Dei haja
[muita, senão mesmo toda] gente na mesma situação, aliás.
Talvez não os líderes e “teólogos”, salvo espantosa leviandade, mas
muito provavelmente [ao menos] grande parte dos que eles lideram. [E
dos leigos e baixo clero mais “missionário” que estudioso, os quais
geralmente não têm, nem se esforçam em suprir, a formação em filosofia
e teologia para julgar essas questões e limitam-se em confiar nos seus
maiores (mesmo contra aquele que julgam ser o Maior... complicado!).]
Por outro lado, não creio mais que quem pense diferente sobre esse
ponto, concluindo que os tradicionalistas quer “da resistência”, quer
“do acordo”, naufragaram na fé, seja estritamente cismático.

[Mas me parece que é, não só errado, como muitíssimo improdutivo,


inclusive afasta pessoas de boa vontade de considerarem seriamente o
sedevacantismo, ao se esquecer do aspecto feio que ele tem aos olhos
da maioria e no qual aprouve a Deus esconder a verdade sobre a crise
atual, e tratá-los asperamente, pondo em dúvida sua fé etc.
A propósito, você já conhecia a seguinte citação de Santo Agostinho?
Acabo de traduzi-la:
“Que vos tratem asperamente os que não estão familiarizados com a
dificuldade de chegar à verdade e de evitar o erro. Que vos tratem
asperamente os que não sabem como é difícil livrar-se de antigos
preconceitos. Que vos tratem asperamente os que não aprenderam como é
dificílimo purificar o olho interior e torná-lo capaz de contemplar o
sol da alma, a verdade. Mas, quanto a nós: estamos longe dessa
disposição para com as pessoas que estão separadas de nós, não por
erros de sua própria invenção, mas por estarem emaranhadas nos erros
de outros. Estamos tão longe dessa disposição, que rezamos a Deus que,
ao refutarmos as falsas opiniões daqueles que são seguidos não por
malícia, mas por imprudência, Ele nos dê aquele espírito de paz, que
não tem outro sentimento que não o da Caridade; nenhum outro interesse
que não o de Jesus Cristo; nenhum outro desejo que não o da vossa
salvação.”

(Sto. AGOSTINHO, Contra Ep. Fund., livro I, cap. II).]


Assim, ao menos desta vez, concordo com o bispo Williamson, da FSSPX:
“[WILLIAMSON:] O sedevacantismo foi diabolizado. Na pior das
hipóteses, os sedevacantistas são orgulhosos e estéreis, mas também há
alguns católicos bastante sinceros e inteligentes que simplesmente não
conseguem acreditar que os últimos papas [sic] sejam verdadeiros
Vigários de Cristo.

[ENTREVISTADOR:] O senhor concorda que eles consagrem seus próprios


bispos?

[WILLIAMSON:] Não posso dizer que tenha sido uma sábia idéia para a
maioria deles. Mas nós estamos passando por uma crise sem igual. E eu
penso que a magnitude da crise pede muita caridade e compaixão, 355
graus, quase a volta toda da bússola, e mais caridade e compaixão a
cada dia que passa. O Arcebispo [Dom Lefebvre] foi um homem de
profunda caridade e confiança.”
(bispo Richard WILLIAMSON, Entrevista a Stephen HEINER de 2 de outubro
de 2006, publicada na revista da FSSPX The Angelus e também no blogue
do entrevistador:
http://truerestoration.blogspot.com/2006/10/interview-with-bishop-
richard-n.html ).
[Note, por fim, como o próprio Pe. Belmont afirma sobre eles, neste
mesmo artigo que estamos comentando:
“Esses teólogos rebeldes [de Veneza] servem agora de exemplo àqueles
que – com uma sinceridade que não dá margem a dúvida – fazem profissão
de defender a fé católica. O modernismo marcou profundamente as
inteligências e os corações, para que se tenha chegado a este ponto. É
urgente abandonar esses erros que estragam e esterilizam, há quarenta
ou cinquenta anos, a reação contra as doutrinas heterodoxas e
deletérias do Vaticano II. Pois há aí um escândalo (no sentido próprio
do termo) que corrompe a fé, que a solapa e corrói com tanto mais
profundidade quanto é mascarado por um verdadeiro zelo.”
De minha parte, não ouso ir além do que vai gente tão mais douta do
que eu, ao mesmo tempo que tão rigorosa com a exatidão, quanto o Sr.
J.S. Daly e o Rev. Pe. Belmont. Talvez se possa aplicar aqui o que diz
o Livro dos Provérbios: “Não removas as fronteiras postas pelos teus
pais” (XXII,28).]
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho
[ACRÉSCIMOS ENTRE COLCHETES E RASURAS FEITOS EM 7/dez./2011]
3. Felipe Coelho Disse:

7 de dezembro de 2011 às 11:07


Salve Maria!
A quem interessar possa:
Acabo de rasurar uma citação (de Monsieur Williamson) que eu fizera há
mais de um mês, em resposta ao Sandro, aqui na caixa de comentários
desse texto atualíssimo do Rev. Pe. Belmont, citação esta que vinha me
pesando na consciência, pois parecia de algum modo macular esse artigo
tão oportuno sobre a atual embrulhada de Preâmbulos e Contra-
preâmbulos de “Chapeuzinho (vermelho) violeta”.
Rasurada, então! :)
Aproveitei para fazer alguns acréscimos também (especialmente uma
citação de Santo Agostinho), na mesma resposta anterior a esta, os
quais pus entre colchetes.
Trata-se de um debate que venho tendo, aqui e noutras partes, com meu
bom amigo Sandro, sobre a atual condição dos tradicionalistas
sedeplenistas e o modo mais conveniente de tratá-los para ajudar a
remover as escamas de seus olhos.
A esse respeito, parecem-me também interessantes de recordar os textos
contidos na categoria “Controversística” do Roteiro deste blogue.
(Assim que eu o atualizar, pretendo acrescentar lá um que eu havia
esquecido, aliás, intitulado “Margo Varia”; o mais aplicável à nossa
questão, porém, me parece ser “A Heresia na História”, que traça
paralelos entre a situação atual das fsspx e semelhantes com a
situação de vários personagens ao longo da História Sacra, trazendo
ainda o modo como foram tratados por Santos, Doutores e Pontífices.)
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho

Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIV

A Ci Riesce e o Discurso do Cardeal Ottaviani


(Roma, 1954)

Mons. Giuseppe Di Meglio

Algumas pessoas, e mesmo alguns católicos, pretendem que haja oposição


entre a alocução proferida pelo Santo Padre à União dos Juristas
Católicos Italianos, em 6 de dezembro de 1953, e o discurso feito por
Sua Eminência o Cardeal Ottaviani na Universidade Lateranense em 2 de
março do mesmo ano, por ocasião do aniversário da elevação do Santo
Padre ao Pontificado.
Tal julgamento merece ser rejeitado de imediato, dado que é não
somente carente de fundamento, mas também desrespeitoso.
Já para começar, deve-se notar que esses dois discursos tratam de dois
problemas diferentes.
O Cardeal Ottaviani tratou do Estado Católico, e dos deveres deste
para com a religião em sua própria ordem interna. Ele não estava
tratando do caso em que esse Estado Católico entrasse, mediante
vínculos jurídicos, numa Comunidade de Estados, como, por exemplo,
aquela Comunidade de Estados que é os Estados Unidos da América.
O problema religioso abordado pelo Santo Padre refere-se, por sua vez,
a uma comunidade jurídica dentro da qual “os Estados, permanecendo
soberanos, se unem livremente”, e na qual “conforme a confissão da
grande maioria dos cidadãos, ou com base numa declaração explícita de
seus Estatutos, os povos e os Estados-membros da Comunidade se
dividirão em Cristãos, não Cristãos, religiosamente indiferentes ou
conscientemente laicizados, ou ainda abertamente ateus.”
O Cardeal Ottaviani, expondo os princípios que devem guiar o Estado
Católico, afirmou que quando o Estado é “Católico” – ou seja, quando
ele é quase totalmente ou em sua maioria absoluta composto de cidadãos
Católicos –, é dever dos governantes “defender, contra tudo o que
possa solapá-la, a unidade religiosa de um povo que unanimemente sabe
estar na posse segura da verdade religiosa.”
Com referência a outros cultos, o Cardeal asseverou que tolerância
poderia ser usada, mesmo no caso de um Estado Católico, quando
houvesse razões gravíssimas para tanto. Afirma ele que também a Igreja
reconhece o fato de alguns governantes de países católicos poderem
constatar ser necessário, por razões gravíssimas, conceder tolerância
a outros cultos. Mas, passando a aplicações concretas, o Cardeal, sem
embargo, recorda-nos de que “tolerância não é a mesma coisa que
liberdade de propaganda, fomentadora de discórdias religiosas e
perturbadora da segura posse da verdade e da prática religiosa em
países como a Itália, a Espanha e semelhantes.”
O Santo Padre, no discurso supramencionado, tocou, como já disse,
noutro problema: a questão de se outros cultos podem ser tolerados por
todo o território de uma comunidade internacional. Considera ele a
questão: “pode-se, numa comunidade de Estados, ao menos em
determinadas circunstâncias (almeno in determinate circostanze),
estabelecer-se como norma que o livre exercício de uma crença e de uma
prática religiosa ou moral, as quais têm valor em um dos Estados-
membros, não seja impedido (impedito) em todo o território da
Comunidade por meio de leis ou providências coercitivas estatais?” Ou,
seguindo o texto da Ci riesce, “em outros termos, pergunta-se se o
‘não impedir’, ou seja, a tolerância (tollerare), seja permitida
nestas circunstâncias, e, portanto, a positiva repressão não seja
sempre obrigatória.”
O problema da tolerância, tal como foi contemplado no discurso do
Cardeal Ottaviani com referência ao Estado Católico e, a fortiori, tal
como foi contemplado pelo Santo Padre com referência a uma comunidade
de Estados, dentro da qual há muitas religiões, deve ser considerado
com aquela pragmaticidade de vistas que o Papa Leão XIII manifestou há
tempos já, quando, na Immortale Dei, asseverou ele que, “embora a
Igreja julgue ilícito pôr as várias formas de culto divino no mesmo
patamar legal que a verdadeira religião, nem por isso Ela condena
aqueles governantes que, para assegurarem algum bem maior ou impedirem
algum mal maior, pacientemente permitem que o costume ou o uso seja
uma espécie de sanção para diversos cultos terem cada qual seu lugar
no Estado.” (Acta Leonis XIII, V, 141).
Sua Santidade Pio XII, confirmando o princípio explanado por Leão
XIII, afirmou: “O dever de reprimir os erros morais e religiosos não
pode, portanto, ser uma última norma de ação. Ele deve estar
subordinado a normas mais altas e mais gerais, as quais, em algumas
circunstâncias, permitem, e mesmo fazem talvez aparecer como partido
melhor, a tolerância do erro para promover um bem maior.”
O Santo Padre falou em “tolerância” e em “impedir”. O conceito de
“tolerância” efetivamente pressupõe o de “males”, inerentes à coisa
que é tolerada ou não é impedida. Esse é o ensinamento de Santo
Agostinho: “Tolerantia quae dicitur . . . non est nisi in malis”
(Enarrat. in Ps. 31. MPL, 36:271).
A natureza de tal tolerância, o “princípio teórico fundamental”, foi
já, destarte, aplicado pelo Soberano Pontífice à Comunidade dos
Estados. Consiste em, “dentro dos limites do possível e do lícito,
promover tudo o que facilita e torna mais eficaz a união; podar tudo o
que a perturba; tolerar por vezes o que é impossível de corrigir mas
que, por outro lado, não deve ser permitido que faça naufragar a
comunidade, em razão do bem maior que dela se espera.”
Essas considerações, na medida em que se referem a uma comunidade de
Estados de muitas religiões, não são, por seu turno, verificadas no
caso contemplado no discurso do Cardeal Ottaviani. Esse discurso fez
referência a um Estado Católico individual, não vinculado por laços
jurídicos de uma comunidade de Estados dentro da qual diversas
religiões existem.
Com referência a todos os Estados, todavia, quer considerados fora dos
laços jurídicos ou no interior da ordem jurídica internacional, o
Santo Padre confirmou os princípios expostos pelo Cardeal Ottaviani
concernentes aos direitos da verdade religiosa, que é a verdade
católica. Eis as palavras de Sua Santidade, na alocução Ci riesce:
“Nenhuma autoridade humana, nenhum Estado, nenhuma Comunidade de
Estados, seja qual for o seu caráter religioso, pode dar um mandato
positivo ou uma autorização positiva para ensinar ou fazer o que seria
contrário à verdade religiosa ou ao bem moral. Um mandato ou uma
autorização desse gênero não teriam força obrigatória e permaneceriam
sem efeito. Nenhuma autoridade poderia dá-los, pois é contra a
natureza obrigar o espírito e a vontade do homem ao erro e ao mal ou a
considerar um e outro como indiferentes. Nem Deus sequer poderia dar
tal mandado positivo ou tal autorização positiva, porque estariam em
contradição com sua absoluta veracidade e santidade.”
Pio XII resumiu toda a questão nestes termos:
“Assim se esclarecem os dois princípios aos quais é preciso recorrer
nos casos concretos para responder à gravíssima questão referente à
atitude que o jurista, o homem político e o Estado soberano católico
devem adotar em consideração da Comunidade dos Estados quanto a uma
fórmula de tolerância religiosa e moral da maneira acima descrita.
Primeiro: o que não corresponde à verdade ou à norma da moral
objetivamente não tem direito algum, nem à existência, nem à
propaganda, nem à ação. Segundo: o fracasso em impedi-lo por meio de
leis estatais e disposições coercitivas pode, não obstante, ser
justificado no interesse de um bem superior e mais geral.”
Com referência, então, à questão de fato, a questão sobre se em
concreto as condições para a tolerância de outras religiões existem, o
Santo Padre declarou que a decisão pertence principalmente ao político
católico, e que, “no que diz respeito à religião e à moralidade, ele
[o político católico] pedirá também o juízo da Igreja”.
Como vemos, a despeito do fato de que ele estava lidando com um
problema diferente, a alocução do Santo Padre constitui confirmação
magnificentíssima e selo de aprovação soleníssimo do discurso do
Cardeal Ottaviani. E, afinal de contas, tal discurso não fez mais que
recordar os princípios expostos nas Encíclicas e nos demais documentos
pontifícios sobre a questão delicada e grave da relação entre a Igreja
e o Estado.
Giuseppe di Meglio

Roma

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Mons. Giuseppe DI MEGLIO, A Ci Riesce e o Discurso do Cardeal
Ottaviani, Roma, 1954, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2011,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-11Q
de: “Ci Riesce and Cardinal Ottaviani’s Discourse”, in The American
Ecclesiastical Review, n.º 130, de junho de 1954, pp. 384-387.
Escaneado em:

http://sedevacantist.com/forums/viewtopic.php?f=2&t=923
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Essa entrada foi publicada em 18 de outubro de 2011 às 17:34 e está
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Liberdade religiosa, Método, Papa LEÃO XIII (1878-1903), Papa PIO XII
(1939-58), Sto. Agostinho. Você pode acompanhar qualquer resposta para
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3 Respostas para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIV”
1. AJBF Disse:

20 de outubro de 2011 às 15:36


Das “pessoas” citadas no começo do texto, o jesuíta J.C.Murray deve
ser o mais ilustre… certo?
2. Felipe Coelho Disse:

20 de outubro de 2011 às 16:17


Caríssimo Aruan, Salve Maria!
O próprio. Ainda bem que você disse “das pessoas” e não “dos
católicos”! :D
Falando sério agora, fico bem contente pela sua resposta, aqui e nos
outros posts, pois eu já estava me queixando com Deus de que perder
dois amigos na mesma semana parecia pesado demais!
Só espero que você me perdoe por não ter publicado o seu comentário
com o link (aliás, bem fácil de encontrar) para a resposta de Murray
ao Santo Ofício. Publicar o link do Komuntchak já vejo que me vai
criar escrúpulos suficientes para esta semana…
É que, contrariamente ao que creem nossos amigos são-piodecimistas,
ibepistas, montortianos e outros, o fato é que retrucar a uma
condenação nominal do Santo Ofício, ao invés de aquiescer e retratar-
se, é coisa que, simplesmente, não se faz!
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
3. Textos essenciais em tradução inédita – CI « Acies Ordinata Disse:

29 de outubro de 2011 às 20:24


[...]Por fim, tanto esta [LAISNEY, Adv. Harrison] quanto a publicação
seguinte [BELMONT, Lib. rel. e conseq.] respondem à indagação de nosso
bom amigo e colega de sedevacantismo Aruan feita na caixa de
comentários daqui [DALY, Lib. rel. e tentat.], último episódio da
longa discussão começada aqui [DALY, Interpr. e docil. ao Magist.] e
continuada aqui [HARRISON, Podres do Vat.2], depois aqui [BELMONT, QC
vs. DH], aqui [OTTAVIANI, Dev. rel. do Est. Cat.], aqui [DI MEGLIO, A
Ci Riesce...] e aqui [Sto.OFÍCIO, Adv. Murray], numa disputa que
contou também com a preciosa colaboração, pela qual agradeço bastante,
dos amigos Sandro, José Carlos, Renato, Alexandre e Gederson; debate
este, enfim, que conviria, num futuro não muito distante, resumir à
moda escolástica de conclusão de questões disputadas, i.e. elencando
sucintamente os principais argumentos pró e contra e trazendo em
seguida a solução, mas isso exigiria um lazer de que, no momento,
infelizmente não disponho, ao mesmo tempo que creio, por ora,
suficiente esta série de traduções, que acabam de ser elencadas, sobre
o problema da “liberdade religiosa”.[...]

A Voz de Roma – I

Repúdio à calúnia de liberalismo


PAPA PIO IX

(Alocução de 17 dez. 1847)

“É seguro que não ignorais, veneráveis irmãos, que em nossos tempos


muitos dos inimigos da Fé Católica dirigem seus esforços especialmente
em pôr toda opinião monstruosa no mesmo nível que a doutrina de
Cristo, ou em confundir esta com aquelas, e assim tentam eles cada vez
mais propagar aquele ímpio sistema da indiferença de religiões.
Mas muito recentemente, trememos em dizê-lo, homens apareceram que
lançaram tais reprimendas sobre o Nosso nome e a Nossa dignidade
Apostólica, que eles não hesitam em caluniar-Nos, como se Nós
compartilhássemos da loucura deles e favorecêssemos o mencionado
sistema perversíssimo.
A partir das medidas, de modo nenhum incompatíveis com a santidade da
religião católica, que, em certos casos relativos ao governo civil dos
Estados Pontifícios, Nós consideramos apropriado por bondade adotar,
como tendentes à utilidade e prosperidade públicas, e a partir da
anistia graciosamente concedida a alguns dos súditos do mesmo Estado
no início do Nosso Pontificado, parece que esses homens quiseram
inferir que Nós pensamos com tanta benevolência acerca de toda classe
de gente, a ponto de supor que não somente os filhos da Igreja, mas
também o restante, independentemente do quão alienados da unidade
católica permaneçam, igualmente estejam no caminho da salvação, e
possam chegar à vida eterna.
Ficamos paralisados de horror e quase sem palavras para expressar
Nossa detestação dessa nova e atroz injustiça que Nos é feita.
Amamos, de fato, toda a humanidade com o mais íntimo afeto de Nosso
coração, mas não de outro modo senão no amor de Deus e de Nosso Senhor
Jesus Cristo, que veio para buscar e salvar aquilo que havia perecido,
morreu por todos, quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade; por isso, enviou Seus discípulos para o mundo
inteiro, para pregar o Evangelho a toda criatura, proclamando que quem
crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado;
aquele, pois, que quiser ser salvo, venha para a coluna e o firmamento
da Fé, que é a Igreja; venha para a verdadeira Igreja de Cristo, que
em seus Bispos e no Romano Pontífice, o chefe e cabeça de todos, tem a
sucessão da autoridade apostólica, jamais interrompida em momento
algum; a qual nunca considerou nada mais importante do que pregar e,
por todos os meios, guardar e defender a doutrina proclamada pelos
Apóstolos, por mandato de Cristo; a qual, desde o tempo dos Apóstolos
em diante, aumentou em meio a dificuldades de todos os tipos; e, sendo
ilustre através do mundo todo pelo esplendor dos milagres,
multiplicada pelo sangue dos mártires, exaltada pelas virtudes de
confessores e virgens, reforçada pelos sapientíssimos testemunhos dos
Padres, floresceu e floresce em todas as regiões da terra, e brilha
refulgente na perfeita unidade da Fé, dos Sacramentos e da santa
disciplina.”
(PIO IX, na Alocução aos Cardeais no Consistório de 17 de dezembro de
1847.)

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Papa PIO IX, Repúdio à calúnia de liberalismo. Excerto da Alocução aos
Cardeais no Consistório de 17 de dezembro de 1847; trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-120
A partir da trad. ingl. em:
John Gilmary SHEA, LL.D., The Life of Pope Pius IX and the Great
Events in the History of the Church During His Pontificate [A Vida do
Papa Pio IX e os Grandes Eventos na História da Igreja Durante Seu
Pontificado], New York: Thomas Kelly, 1878, pp. 97-103.
Livro disponível em:

http://www.archive.org/details/lifepopepiusixa00sheagoog

http://www.archive.org/details/thelifeofpopepiu00sheauoft

http://www.archive.org/details/a608509300sheauoft

http://www.archive.org/details/a608510000sheauoft
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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3 Respostas para “A Voz de Roma – I”
1. Rogério Alexandre Disse:

20 de outubro de 2011 às 8:45


[OBS. Tentei enviar esse comentário antes não sei se partiu por isso
repito, peço inclusive que se estiverem os dois considere este último
que tentei ser mais prudente. Grato]
Trabalho oportuníssimo! Graças a Deus Pio IX pôde se defender.
Conhecidos que frequentaram [certos ambientes tradicionalistas] falam
do costume de falar mal de alguns papas; vem a mente também a figura
[de um finado professor] que segundo me disseram acusava Pio XII de
[desvios morais]. As pessoas que fazem tais afirmações só causam
desserviços, não sei com que intenção o fazem. Ouvi inclusive a
afirmação que Alexandre VI, de conhecidos desvios morais, também
incorreu em erro grave contra a Fé (não sei se sobre a visão beatífica
ou algo assim). Alguém tem essa informação? Melhor alguém mais sabe
dessa acusação quiça caluniosa?
2. Felipe Coelho Disse:

20 de outubro de 2011 às 11:22


Caríssimo Rogério, Salve Maria!
Você começa seu comentário notando ter sido mais prudente nesta
segunda redação. Realmente, não recebi a primeira mas, mesmo assim,
como pode ver, tomei a liberdade – pela qual espero que me perdoe – de
trocar certas referências bastante específicas por alusões mais
genéricas, nos trechos que pus entre colchetes.
Razão disso é que, como vimos aqui numa discussão recente, podem-se
criar grandes celeumas, desnecessárias e divisivas, por causa de
expressões menos reverentes para com personagens e doutrinas
consagradas, ou então, de outra parte, por condenações excessivas
àquilo que nada impede ter sido mero erro inocente, que todos estamos
propensos a cometer e, aliás, cometemos frequentemente nos mais
diversos assuntos.
Razão adicional desse modo de proceder é que reproduzir o conteúdo de
uma calúnia, mesmo acrescentando ser ele calunioso, ajuda a difundi-
la. Um antigo amigo, que recentemente rompeu comigo, tinha este
costume, não sei se por estupidez ou mau-caratismo: para acusar uma
pessoa renomada de caluniadora, fazia questão de reproduzir muitas
vezes, para as mais diversas audiências, todo o rol de calúnias dessa
pessoa contra muitos outros! Longe de nós esse modo de proceder tão
pouco escrupuloso.
Esperando que você me desculpe, então, pela censura – ou melhor,
atenuação – de certos pontos de detalhe da sua mensagem, passo agora a
responder às suas perguntas.
No caso do Papa João XXII, a doutrina sobre a Visão Beatífica que ele
temporariamente negou: (1) ainda não havia sido definida e negá-la não
era heresia; (2) o próprio João XXII, nos sermões em que busca
demonstrar dito erro (pelo qual os hereges Fraticelli quiseram acusá-
lo de heresia), declara estar falando como doutor privado que defende
uma “opinião” (“hanc opinionem”) aberta ao debate.
No caso do Papa Alexandre VI, Savonarola dizia ter provas de seu
ateísmo (!), mas essas provas nunca foram apresentadas, e não duvido
que fossem fruto de calúnias amplamente disseminadas contra esse Papa
que, com sua habilidade política, tanto bem fez à Igreja. Quanto aos
desvios morais frequentemente atribuídos ao Papa Borgia inclusive por
grandes apologetas, o fato é que, longe de serem “conhecidos”,
parecem-me ser na realidade muito duvidosos: sobre o caso, pretendo
adquirir muito em breve um livro que resume as descobertas do
principal estudioso dessa questão, Mons. Peter de Roo, e que é uma das
obras excelentes e raras vendidas pela editora do John Daly, a
TradiBooks.
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
3. Rogério Alexandre Disse:

20 de outubro de 2011 às 13:42


Caro Felipe,
Sou grato pelos esclarecimentos. Eu muito tenho que ler ainda da
história da Igreja. Somente conheço o “senso comum” sobre o caso do
Papa Borgia, ignorava inclusive que era um estrategista político de
destaque e que tenha servido a Igreja com essas habilidades. E digo
que de modo algum as censuras me ofenderam, pelo contrário agradeço
porque são realmente uteis.
Em JMJ

Rogério

A Voz de Roma – II

Quatro proposições de John Courtney Murray

condenadas como errôneas


(Declaração de Julho de 1954)
Suprema Sagrada Congregação do

SANTO OFÍCIO

“1. O Estado confessional católico, professando-se tal, não é um ideal


ao qual está universalmente obrigada a sociedade política organizada.
2. A plena liberdade religiosa pode ser considerada um ideal político
válido num Estado verdadeiramente democrático.
3. O Estado organizado sobre base genuinamente democrática deve ser
considerado como tendo cumprido o seu dever quando tiver garantido a
liberdade da Igreja através de uma garantia geral de liberdade de
religião.
4. É verdade que Leão XIII disse ‘civitates…debent eum in colendo
numine morem usurpare modumque quo soli se Deus ipse demonstravit
velle’ [‘os Estados...devem prestar culto à Divindade adotando as
regras e a forma com que Deus mesmo demonstrou querer ser adorado’ (N.
do T.)]. Palavras tais podem ser entendidas como referentes ao Estado
considerado como organizado sobre uma base outra que não a do Estado
perfeitamente democrático, mas a este último, em sentido estrito, não
são aplicáveis.”

FONTE: Joseph A. KOMONCHAK, “Religious Freedom and the Confessional


State: The Twentieth-Century Discussion” [A liberdade religiosa e o
Estado Confessional: a discussão no séc. XX], in: Revue d’Histoire
Ecclésiastique [Revista de História Eclesiástica], n.º 95, 2000, pp.
634-50; o A. relata o seguinte sobre a gênese dessa declaração
condenatória:
“Ottaviani instituiu um processo oficial contra Murray e, em julho de
1954, o Santo Ofício declarou errôneas quatro proposições consideradas
representativas das posições de Murray; todavia, talvez numa concessão
às preocupações da Secretaria de Estado do Vaticano, esta condenação
nunca recebeu publicidade.”
“Cópia sua pode ser encontrada no Diário Romano de 1954 de Fenton e
entre os papéis de Francis Connell [Sacerdote Redentorista, Autor do
clássico e recomendadíssimo Freedom of Worship: The Catholic Position
(Liberdade de culto: a posição Católica), New York: The Paulist Press,
s/d (1944) – N. do T.]; ambos os críticos de Murray receberam-nas do
Delegado Apostólico, Dom Amleto Cicognani.”

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Suprema Sagrada Congregação do SANTO OFÍCIO, Declaração de julho de
1954 condenando quatro proposições de John Courtney Murray como
errôneas; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-11V
A partir da trad. ingl. de:
J.A. KOMONCHAK, “Religious Freedom and the Confessional State: The
Twentieth-Century Discussion”, Rev. hist. eccl. 95 (2000) 634-50.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Liberdade religiosa, Maritain, Mons. Fenton, Papa LEÃO XIII (1878-
1903), Papa PIO XII (1939-58). Você pode acompanhar qualquer resposta
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2 Respostas para “A Voz de Roma – II”
1. AJBF Disse:

20 de outubro de 2011 às 13:36


O artigo integral do sr. Komonchak pode ser encontrado em PDF no link
desse artigo:
http://jakomonchak.wordpress.com/2011/08/27/religious-freedom-and-the-
confessional-state/
2. Textos essenciais em tradução inédita – CI « Acies Ordinata Disse:

29 de outubro de 2011 às 20:24


[...]Por fim, tanto esta [LAISNEY, Adv. Harrison] quanto a publicação
seguinte [BELMONT, Lib. rel. e conseq.] respondem à indagação de nosso
bom amigo e colega de sedevacantismo Aruan feita na caixa de
comentários daqui [DALY, Lib. rel. e tentat.], último episódio da
longa discussão começada aqui [DALY, Interpr. e docil. ao Magist.] e
continuada aqui [HARRISON, Podres do Vat.2], depois aqui [BELMONT, QC
vs. DH], aqui [OTTAVIANI, Dev. rel. do Est. Cat.], aqui [DI MEGLIO, A
Ci Riesce...] e aqui [Sto.OFÍCIO, Adv. Murray], numa disputa que
contou também com a preciosa colaboração, pela qual agradeço bastante,
dos amigos Sandro, José Carlos, Renato, Alexandre e Gederson; debate
este, enfim, que conviria, num futuro não muito distante, resumir à
moda escolástica de conclusão de questões disputadas, i.e. elencando
sucintamente os principais argumentos pró e contra e trazendo em
seguida a solução, mas isso exigiria um lazer de que, no momento,
infelizmente não disponho, ao mesmo tempo que creio, por ora,
suficiente esta série de traduções, que acabam de ser elencadas, sobre
o problema da “liberdade religiosa”.[...]
Textos essenciais em tradução inédita – C

Liberdade Religiosa
O Dr. Brian Harrison e a tentativa

de absolver o Vaticano II de erro


(2006)

John S. Daly

Existe contradição entre a declaração do Vaticano II sobre a liberdade


religiosa (Dignitatis Humanae) e a doutrina católica tradicional tal
como exprimida em numerosas encíclicas, e muito especialmente na
Quanta Cura do Papa Pio IX? Em anos recentes, alguns conservadores
intelectuais negaram audaciosamente que haja qualquer contradição
dessas. Antes de comentar as tentativas deles, recordemo-nos dos
textos:

Quanta Cura: “…contra a doutrina da Escritura, da Igreja, e dos Santos


Padres, não hesitam eles em afirmar que: ‘a melhor condição da
sociedade civil é aquela em que não se atribui ao poder civil nenhum
dever de reprimir, mediante a estipulação de penas, os ofensores
contra a religião católica, exceto na medida em que a paz pública o
possa exigir’.
De cuja ideia completamente falsa do governo social, eles não temem
promover aquela opinião errônea, em extremo funesta para a Igreja
Católica e a salvação das almas, chamada por Nosso Predecessor,
Gregório XVI, de insanidade, a saber, de que ‘a liberdade de
consciência e de cultos é direito próprio de cada homem e deve ser
proclamada e garantida pela lei em toda sociedade corretamente
organizada’.”

Dignitatis Humanae (Vaticano II): “Este Concílio Vaticano declara que


a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Essa liberdade
consiste nisto: que todos os homens devem estar imunes à coerção, quer
por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou de qualquer poder
humano, de tal modo que em matérias religiosas ninguém seja
constrangido a agir contra a sua consciência nem impedido de agir
segundo a sua consciência, em privado e em público, sozinho ou
associado com outros, dentro de justos limites [esses justos limites
são definidos no parágrafo 7 como sendo os da paz e da moralidade
públicas].
Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda
realmente na própria dignidade da pessoa humana tal como a dão a
conhecer a palavra revelada de Deus e a razão mesma.
Esse direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica
da sociedade deve ser reconhecido de tal modo que se torne um direito
civil.”

Ora, esses textos têm toda a aparência de estarem em contradição


radical em três pontos. O Papa Pio IX condena as seguintes ideias: 1.
todos os homens têm direito à liberdade de consciência e de culto; 2.
esse direito à liberdade religiosa deve se tornar um direito civil em
toda sociedade bem ordenada; 3. o melhor estado da sociedade é aquele
em que o direito civil à liberdade religiosa é limitado somente pelas
exigências da paz pública.
Esses três pontos condenados por Pio IX são, todos três, aparentemente
ensinados pelo texto do Vaticano II. Além disso, o Papa Pio IX está
exercendo o Magistério Extraordinário e ensina que essas proposições
são opostas à Sagrada Escritura (revelação divina escrita), enquanto o
Vaticano II declara estar fundada a sua doutrina oposta na palavra de
Deus revelada e exige que todos os católicos observem o seu
ensinamento religiosamente.

Reconciliações Intentadas
Diversas tentativas foram feitas para reconciliar essas doutrinas em
oposição. Dom Basil Valuet do mosteiro Le Barroux, por exemplo,
escreveu umas três mil páginas sobre o tópico da liberdade religiosa:
a tese dele é que a doutrina da Igreja mudou, mas no contexto de uma
cambiante lei das nações e sob o impulso de um “magistério vivo” cujas
doutrinas devem evoluir como todas as coisas vivas. Esquecido há muito
tempo, ao que parece, está o Juramento Anti-Modernista de Dom Basil:
“Eu rejeito totalmente a ideia herética de que os dogmas podem
evoluir, mudando de um significado para outro, diferente daquele que a
Igreja anteriormente considerava.” (Denzinger 2145)
O grande filósofo Pe. Julio Meinvielle argumentou que o Vaticano II
não buscou dar nenhum ensinamento absoluto, mas somente estabelecer
diretrizes prudenciais a serem seguidas no triste estado presente da
sociedade. Que pena, esse modo de ver é bem incompatível com as
palavras “declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se
funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, tal como a dão
a conhecer a palavra revelada de Deus e a razão mesma”. Sentimo-nos
seguros de que a idade avançada do Pe. Meinvielle deve ter embotado
sua perspicácia na ocasião em que ele formou esse juízo.
Ao menos a interpretação do Pe. Meinvielle, embora infiel ao texto do
Vaticano II, não acarretava nenhum afastamento da sã doutrina. Pode-se
dizer o mesmo de um artigo do dominicano Pe. Thomas Crean publicado em
Christian Order (outubro de 2004). Crean reconhece que a Dignitatis
Humanae é doutrinal, não meramente prática, mas para ele o direito à
liberdade religiosa dela pertence exclusivamente aos que professam a
verdadeira religião: ele acrescenta que a referência a religiões no
plural explica-se pelo fato de que a doutrina dela teria se aplicado
até mesmo no caso hipotético em que Deus não tivesse feito revelação
alguma e tivesse deixado o homem no estado de natureza. É uma teoria
bonita, contanto que nunca se chegue a tirar da prateleira uma cópia
do texto em discussão. Quando se faz isso, ela desaparece numa nuvem
de fumaça. Seu suposto direito, a Dignitatis Humanae o aplica à
liberdade de abandonar ou aderir a qualquer “comunidade religiosa”
seja qual for (parágrafo 6), noutras palavras ela ordena o Estado a
autorizar a apostasia da religião católica e assegura-nos de que o
Estado não deve punir essa apostasia, pois o homem possui um direito
pessoal de passar de qualquer religião para qualquer outra religião –
direito este que o Estado deve respeitar. De fato, a Dignitatis
Humanae proíbe formalmente toda e qualquer discriminação entre
religiões por parte do Estado, seja para criminalizar a blasfêmia
muçulmana, para proibir a propaganda protestante, para eximir os
sacerdotes do serviço militar ou para excluir do ofício público judeus
cuja oração litúrgica “kol nidre” explicitamente autoriza-os a mentir
inclusive sob juramento.
O Pe. Bernard Lucien (ex-guérardo-sedevacantista) e os Pes. André
Vincent e De Margerie acreditam ter encontrado uma solução viável para
a aparente contradição: o direito à liberdade religiosa ensinado pelo
Vaticano II está condicionado à fidelidade à própria consciência, ao
passo que a doutrina tradicional condena somente a extensão da
liberdade religiosa a tudo quanto é gente, mesmo aqueles cujos erros
são culpáveis. Ou, noutros termos, a Dignitatis Humanae ensina o
direito de seguir a própria consciência, enquanto os Papas pré-
Vaticano II condenaram o direito de seguir o próprio capricho. Além de
exigir que as autoridades civis sondem o coração dos homens, e de
limitar arbitrariamente o escopo da doutrina tradicional, essa
interpretação da Dignitatis Humanae é, novamente, incompatível com o
texto. O Vaticano II afirma claramente que “o direito à liberdade
religiosa não se funda na disposição subjetiva da pessoa, mas na sua
própria natureza, razão pela qual esse direito à imunidade permanece
inclusive naqueles que não satisfazem à obrigação de buscar e aderir à
verdade, e o seu exercício não pode ser impedido, desde que se observe
a justa ordem pública.”

A Teoria do Dr. Brian Harrison


Talvez o que chegue mais perto de ter credibilidade desse grupelho de
reconciliadores é o Rev. Dr. Brian Harrison. Seu livro Religious
Liberty and Contraception [A Liberdade Religiosa e a Contracepção (N.
do T.)] é obra douta, malgrado sua confissão (Fidelity, maio de 1993)
de que ele a havia escrito “em grande medida para agradar aos homens
antes que a Deus” [“largely to please men rather than God” (N. do T.)]
e de que ele havia “omitido coisas que [ele] acreditava deverem ser
ditas” – confissão esta que desapareceu misteriosamente do texto on-
line de seu artigo. O principal argumento de Harrison é que o Vaticano
II permite ao Estado restringir a liberdade religiosa quando ela entra
em conflito com as exigências da “ordem pública”. Pio IX, por outro
lado, condena a alegação de que a liberdade religiosa deva ser
restrita somente para as necessidades da “paz pública”. Mas, segundo
Harrison, a “ordem pública” do Vaticano II inclui muito mais do que a
“paz pública” de Pio IX e, destarte, não existe conflito.
Escritores doutos já refutaram Harrison sobre o sentido preciso do
texto – ver, por exemplo, Le Sel de la Terre, n.º 3, e mesmo The
Second Vatican Council and Religious Liberty [O Concílio Vaticano II e
a Liberdade Religiosa (N. do T.)], de Michael Davies. Não é coisa
difícil de fazer. A análise detalhada da crítica textual oferecida
pelo Dr. Harrison revela que o único jeito de fabricar a aparência de
concordância entre a nova doutrina e a antiga é ignorar o sentido
óbvio dos textos que ensinam uma ou outra e inventar um sentido
distorcido em seu lugar.
Para esmiuçar, Harrison está errado sobre a ordem pública e a paz
pública: na realidade, a Dignitatis Humanae equaciona explicitamente
as duas e é indistinguível neste ponto daquilo que Pio IX condena,
pois a questão essencial é se o Estado pode ou não pode levar em
consideração o bem-estar sobrenatural dos seus cidadãos, à luz da Fé
Católica reconhecida por si mesma como verdadeira, divina e
obrigatória, na repressão daquilo que é prejudicial ao bem comum. Ele
está errado em pensar que a DH advogue apenas um direito de não sofrer
interferência ao errar. O direito civil que ela invoca, ela claramente
funda-o num direito natural de errar – uma noção perfeitamente
abominável. Ele está errado em pensar que a doutrina tradicional se
aplicasse somente em Estados onde todos os cidadãos fossem
praticamente unânimes na crença ortodoxa e na devida prática do
Catolicismo: a 78.ª proposição condenada do Syllabus, extraída da
Acerbissimum referente à França do meio do século dezenove, deveria
ter-lhe dito isso. E ele está errado, de qualquer modo, em que não
tivessem sobrado territórios suficientemente católicos além de Wallis
e Futuna no tempo do Vaticano II: o derradeiro colapso religioso de
muitas nações católicas foi efeito, não causa, da Dignitatis Humanae.

Pondo a Controvérsia em Perspectiva


Todo o louvor àqueles que seguiram Harrison adentrando o pântano
textual e o refutaram no próprio terreno escolhido dele. Sem rejeitar
a discussão detalhada dos textos, o presente autor considera mais
importante assinalar que essas discussões sobre o sentido preciso de
uma declaração prolixa e deliberadamente obscura tendem a errar o alvo
e fazer o jogo do inimigo, ao passarem a impressão de que algum ponto
sutil esteja em questão. Não há, na realidade, absolutamente nada de
sutil acerca da revolução da liberdade religiosa, do Vaticano II, pela
qual Cristo Rei foi destronado e decapitado tão seguramente quanto um
dia o foram Luiz XVI de França ou Carlos I da Inglaterra. E enterrar a
cabeça nas letras miúdas é a melhor maneira de malograr em observar os
fatos mais importantes do caso.
Pois não só os obtusos caem em contos-do-vigário, nem são sempre as
fraudes mais sutis as mais bem-sucedidas. Homens inteligentes podem
ser ludibriados a engolir ideias flagrantemente indefensáveis contanto
que a atenção deles seja direcionada para os detalhes e não para o
quadro geral. Daí que o gênio de um homem como G.K. Chesterton (1874-
1936) tenha consistido principalmente em restaurar a perspectiva e o
equilíbrio, de modo que os erros predominantes, sob o holofote do
senso comum, ficassem expostos em toda a sua absurdidade nua e crua.
Vamos seguir o exemplo de Chesterton e nos proporcionar uma
perspectiva geral, dando um passo para trás do texto e observando o
contexto inteiro. Alguns fatos inegáveis logo colocarão as alegações
do Dr. Harrison sob sua verdadeira luz:
1. A sociedade cristã já tinha existido muito tempo antes do Vaticano
II. O Reinado social de Jesus Cristo existira. César fora batizado.
Não havia, portanto, necessidade alguma de elaborar novas teorias
sobre quais relações Cristo deseja ver entre a Sua Igreja e o Estado:
mil anos de história cristã revelarão tudo, a quem quer que os estude
com a fé de que Cristo permanece sempre com a Sua Igreja. Ora, a
sociedade ideal apresentada pela Dignitatis Humanae e promovida pela
Igreja Conciliar é completamente diferente daquela cujo caráter foi
formado pela Igreja mesma sob a direção do divino Rei da História.
2. Todo católico é obrigado a crer que não é contrário à vontade do
Espírito Santo que o poder civil condene os hereges à morte (Denzinger
773). Esse ensinamento católico não é um convite ao extermínio de
todos os batizados não-católicos: refere-se ele essencialmente àqueles
que abandonaram a Fé que defendiam, e que encorajam os demais a segui-
los em sua apostasia. Seria, contudo, radical deformação da sã
doutrina entendê-la como se a pena de morte fosse devida a algo além
do exemplo, expressão e propagação da heresia. A Santa Inquisição,
vários de cujos ministros foram canonizados, existia e atuava para
salvaguardar a Catolicidade da sociedade civil, e não por força de
algum regulamento natural igualmente aplicável a todas as religiões
tal como nos oferece a Dignitatis Humanae.
3. Sob o Antigo Testamento, quando tanto a lei civil como a lei
religiosa vinham de Deus mesmo, não havia liberdade religiosa salvo
para a única religião verdadeira. Não havia direito moral nem direito
civil algum de apostatar da verdadeira religião nem de levar outros a
fazê-lo. Não havia nenhuma imunidade de interferência na prática de
qualquer religião falsa – pelo contrário, a pena por fazê-lo era a
morte e ela foi muitas vezes infligida: Moisés infligiu a pena de
morte em 23.000 israelitas num só dia por adorarem ao bezerro de ouro.
Isso é dificilmente compatível com qualquer noção de um direito
natural de escolher qualquer religião e expressá-la como julgar
apropriado. Moisés não estava punindo os idólatras por perturbarem a
ordem pública: ele os estava punindo por idolatria.
4. O século dezoito viu o nascimento de um movimento que queria que a
sociedade fosse religiosamente “neutra” – ideia esta contrária não só
à natureza de toda sociedade formada ou transformada pela Igreja, mas
rejeitada até mesmo pelos reformadores protestantes. Esse movimento,
incitado pela Franco-Maçonaria, e a despeito das condenações da Santa
Sé, logrou provocar uma série de revoluções pelas quais muitas nações
antes católicas abandonaram sua profissão nacional da Fé e sua
submissão nacional à Igreja em matérias religiosas. A reação da Igreja
a esses eventos foi condenação veemente do que ela considerou atos de
apostasia nacional, calamitosos para as almas e insultuosos para
Cristo e Sua Igreja. Não é mais esta a linguagem da Dignitatis Humanae
e do Vaticano II. De fato, os leitores sem prevenções não são capazes
de distinguir a voz do Vaticano II nesses tópicos daquela dos
“iluminados” revolucionários do passado recente que enfrentaram os
anátemas do Vigário de Cristo.
5. Desde o Concílio Vaticano II as nações que até então haviam
continuado a professar integralmente ou parcialmente a Fé e a estar
sujeitas à jurisdição espiritual da Igreja, remodelaram suas
constituições na direção da neutralidade religiosa, não raro por
instigação do Vaticano. O que os Papas no passado haviam lamentado é,
em nossos dias, encorajado e imposto por aqueles que alegam ser seus
sucessores. Para uma nação outrora católica, introduzir a liberdade de
culto (público) na sua constituição era, como Dom Guéranger escreveu a
Montalembert (outubro de 1852), “apostasia política… o maior crime que
uma nação pode cometer.” No entanto, esse crime foi cometido na
esteira do Vaticano II e como cumprimento do Vaticano II, em acordo
com os oficialmente encarregados de implementar o Vaticano II, pela
Irlanda, Espanha, Malta, Itália, Colômbia (malgrado a empolgação do
Dr. Harrison ante o fato de a Colômbia apenas ter sido pouco calorosa
em sua adoção da Dignitatis Humanae) e outras nações que outrora
protegeram a Fé Católica de seus cidadãos porque ela é verdadeira,
para a salvação de suas almas e para a glória de Deus. Ademais, o Dr.
Harrison é forçado a admitir que, mesmo na sua própria interpretação
puxadíssima da Dignitatis Humanae, as constituições e concordatas pré-
conciliares de várias nações católicas, notavelmente a Espanha de
Franco, eram simplesmente incompatíveis com o que o Vaticano II
declara ser um direito humano natural dado a conhecer pela revelação
divina – embora aparentemente essa revelação fosse bem desconhecida
dos Papas que aprovaram essas constituições e concordatas.
6. Se não houve mudança doutrinal, é difícil de ver por que é que foi
considerado necessário alterar aqueles textos litúrgicos que se
referem aos deveres religiosos do Estado, mas foi isso o que
aconteceu. A revisão litúrgica lançada pelo Vaticano II suprimiu três
versos altamente significativos do hino Te saeculorum Principem nas
Vésperas da festa de Cristo Rei. Tudo o que diz respeito ao reinado de
Cristo sobre os indivíduos é mantido, mas tudo o que fala de Seu
reinado sobre as nações desapareceu. Os que recusam o governo social
de Cristo não mais são chamados uma “scelesta turba” (multidão
perversa); não se faz mais oração para os chefes de estado prestarem
homenagem pública a Cristo, ou para que a educação, as leis, os
tribunais, as artes e insígnias sejam cristãos. Semelhantemente
suprimidos foram todos os outros textos em que a liturgia mencionava
os direitos e a liberdade da Igreja, por exemplo nas festas de São
Gregório VII e de São Tomás de Cantuária. Os redatores desses novos
textos, ao menos, não viam esperança alguma de reconciliar a nova
doutrina com a antiga.
7. Não bastou ensinar nova doutrina, suprimir constituições católicas
e expurgar textos litúrgicos. A própria tiara papal também teve de
desaparecer, para que o exemplo viesse do alto e para que não restasse
relíquia alguma da sociedade cristã em parte alguma da terra, nem
sequer nos 44 hectares do Estado da Cidade do Vaticano. O sucessor de
César tem de renunciar à cruz, e o (aparente) sucessor de Pedro tem de
renunciar à coroa.
8. Nem, tampouco, bastaram todas essas rupturas violentas com o
passado cristão: o que antes havia sido, devia não somente ser mudado,
como esquecido. Durante o Vaticano II ocorreu a publicação da 32.ª
edição do famoso Enchiridion Symbolorum de Denzinger, uma coletânea de
textos magisteriais. Mas, ao passo que muitos documentos menores
continuaram a ser incluídos, o texto de um célebre ato solene do
Magistério Extraordinário foi totalmente expurgado e nem foi mais
mencionado: a Quanta Cura do Papa Pio IX. Isso foi feito pois se
considerou que ela contém doutrina agora abrogada? Ou para evitar
comparação da nova doutrina com a antiga? Qualquer que seja o motivo,
os editores do Denzinger claramente não estavam convidando ninguém a
intentar a aceitação simultânea da antiga condenação da liberdade
religiosa e de sua nova apoteose.
9. Cada palavra da obra de 3.000 páginas de Dom Basile e cada palavra
do volume mais esguio do Dr. Harrison são, na realidade, tantas
condenações do texto que estão tentando reconciliar com a Fé Católica.
Pois o ensinamento da Igreja sobre a liberdade religiosa já estava em
vigor e era bem conhecido. Uma série de encíclicas papais, um ato ex
cathedra (Quanta Cura), os escritos de teólogos aprovados do calibre
de Billot e Ottaviani, várias concordatas e a lição da história sacra
não deixavam dúvida alguma de que a Igreja rejeita toda e qualquer
concepção de liberdade religiosa que ponha a Igreja de Deus num mesmo
patamar perante o Estado com as religiões falsas. Se é necessário
esperar vinte anos após o Vaticano II para que um novo doctor
subtilissimus explique como o ensinamento daquele não é, afinal de
contas, o contrário do que foi previamente sustentado, isso já é prova
insofismável de que o Vaticano II não salvaguardou a doutrina
tradicional de nenhum modo compreensível. Ao invés de ensinar a fé,
ele a corrompeu. Ao invés de alimentar os fiéis, envenenou-os. E os
corruptores e envenenadores que residem no Vaticano não mostraram
qualquer apreço pelo antídoto tardio de Harrison, extra-oficialmente
apresentado e claramente não aceito pelas autoridades reconhecidas por
ele (Harrison foi “ordenado” por João Paulo II). A Igreja não existe
para treinar-nos em malabarismos intelectuais – ela existe para
ensinar-nos a verdade de Deus e o modo de servir a Ele, e a verdadeira
Igreja não pode extraviar seus fiéis nessas coisas.
10. Nem Harrison nem qualquer outro dos reconciliadores pode negar que
a Dignitatis Humanae levou 99,99% dos Católicos, incluindo a inteira
hierarquia da Igreja Conciliar conduzida por seus “papas”, a virar as
costas para a doutrina de Pio IX e de todos os Papas pré-Vaticano II.
Eles não podem negar, tampouco, que esse foi o resultado inevitável e
deliberadamente arquitetado do texto promulgado. Anunciar vinte anos
mais tarde que um punhado de lógicos refinados, discordantes entre si,
descobriram meios discutíveis de demonstrar que essa reviravolta
talvez não fosse inequivocamente e explicitamente necessária, só
agrava a afronta.
11. A contradição verbal entre Dignitatis Humanae e Quanta Cura é tão
estrondosa e tão direta que foi claramente intencional. No entanto, a
declaração mesma nem sequer pretende, em parte alguma, explicar, ou
dar alguma desculpa para, essa contradição. Os partidários da
liberdade religiosa não tinham desejo algum de arriscar um acidente
com o vinho novo deles, entornando-o nos odres velhos de uma
artificial compatibilidade com o ensinamento tradicional. Se o Dr.
Harrison tentasse aplicar seus métodos exegéticos interesseiros
perante um tribunal de justiça encarregado da interpretação de um
contrato ou testamento litigioso, o juiz certamente se recusaria a
levá-lo a sério – ele insistiria que todo documento deve ser entendido
no sentido da intenção conhecida ou reconhecível de seus redatores e
intérpretes.
12. Antes do Vaticano II, a Igreja Católica nunca havia falado de
liberdade religiosa exceto para afirmar que unicamente ela a possuía
por direito divino e que nenhuma outra religião tinha qualquer direito
semelhante, ainda que circunstâncias lamentáveis tornassem por vezes
prudente tolerar alguns erros por receio de males piores. É no mínimo
bizarro escolher o nome ordinário de um grave erro, com frequência
condenado solenemente, e usá-lo para designar sã doutrina. Nem é menos
bizarro adotar a linguagem e o tom da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), das Nações Unidas, caso se pretenda manter o
ensinamento da Quanta Cura, que cada um dos assinantes da declaração
maçônica teria anatematizado.
13. A Igreja devotou séculos a tornar cristãs tanto as nações quanto
as pessoas individuais. Ela considerou um crime e uma calamidade para
o bem comum se uma nação abandonava seu Cristianismo adotando a
neutralidade. Ela convocou seus filhos a fazer pública reparação por
esses crimes. Ela laborou infatigavelmente para desfazer a obra dos
apóstolos do naturalismo revolucionário pelo restabelecimento, ao
redor do mundo, do Reinado social de Cristo Rei. Desde o Vaticano II,
nenhum representante autorizado da Igreja Conciliar continuou a assim
agir ou falar; ao passo que nenhuma medida foi poupada para alcançar o
oposto.
14. A Quanta Cura não estava sozinha. Dezenas de encíclicas e outros
documentos magisteriais confirmam seu ensinamento. Assim como a Quanta
Cura mesma é reconhecidamente protegida pela infalibilidade do
Magistério Extraordinário, assim também todos esses outros atos
empenham a infalibilidade do Magistério Ordinário e Universal e dão o
contexto e a explicação necessários para elucidar qualquer dúvida
sobre o significado do texto da própria Quanta Cura. Igualmente, a
Dignitatis Humanae não está sozinha. Uma torrente de ensinamento
conciliar subsequente a corrobora e explica, e faz isso
invariavelmente num sentido bem oposto às ideias dos reconciliadores.
Por exemplo, a encíclica Redemptor Hominis de João Paulo II, que
apresentou o programa que ele seguiria ao longo de seu “pontificado”,
identifica explicitamente a liberdade religiosa do Vaticano II com a
das Nações Unidas e condena toda e qualquer tentativa de limitá-la a
qualquer grupo religioso; no Benin (fevereiro de 1993) ele proclamou o
igual direito à liberdade religiosa dos fanáticos do assassino e
satanista culto vodu; a Convenção entre a Santa Sé e o Estado de
Israel de dezembro de 1993 diz: “A Santa Sé, recordando a Declaração
sobre a Liberdade Religiosa do Segundo Concílio Ecumênico do Vaticano,
Dignitatis Humanae, afirma o comprometimento da Igreja Católica em
defender o direito humano à liberdade de religião e de consciência, da
forma exposta na Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
Decididamente nunca nem passou pela cabeça de Karol Wojtyla a mais
tênue ideia de reconciliar a Dignitatis Humanae com a doutrina
tradicional.
15. A declaração do Vaticano II sobre a liberdade religiosa foi
principalmente inspirada pelas doutrinas do Pe. John Courtney Murray
S.J., as quais o Santo Ofício ordenou a ele, em 1955, parar de
ensinar, em razão de sua flagrante heterodoxia. Ademais, a heterodoxia
da própria Declaração dificultou tanto obter votação respeitável em
seu favor no Concílio, que Paulo VI afinal convocou seu mentor Jacques
Maritain para redigir um memorando sobre a liberdade religiosa, para
encorajar uma votação favorável. Courtney Murray e Maritain são,
portanto, intérpretes da Dignitatis Humanae bem melhor qualificados do
que o Dr. Harrison. Ao batizar uma criança nova demais para falar, o
sacerdote confirma a fé do pequeno interrogando os padrinhos dele. Os
padrinhos da Dignitatis Humanae, os Srs. Murray e Maritain, respondem
em termos inequívocos que a sua afilhada compartilha da fé deles, uma
fé que eles admitem estar em total contradição da doutrina tradicional
(doutrina que ambos conheciam plenamente bem, dado que eles próprios
haviam-na sustentado e ensinado ambos, em dias mais felizes). Pois por
trás do conceito deles de liberdade religiosa, e por trás de muitos
dos demais erros do Vaticano II, está a noção de que o Estado como tal
não é competente para reconhecer a verdadeira religião, porque a fé
divina não é, na medida em que o foro externo pode julgar, melhor
embasada do que as falsas opiniões religiosas. O homem moderno não
pode suportar que lhe digam que as provas do Catolicismo devem
convencer qualquer pessoa razoável. Só que essa verdade também é um
dogma, ensinado pelo Concílio de Vaticano, de 1870 (Denzinger 1790).
16. Qualquer homem do povo entenderia o texto do Vaticano II como
evidentemente oposto ao ensinamento dos Papas de Gregório XVI a Pio
XII. Foi assim também que personalidades tão diferentes quanto o
Arcebispo Dom Lefebvre e João Paulo II o entenderam. É também este o
julgamento recebido dos especialistas em direito internacional, sejam
católicos ou não. O Dr. Harrison, contudo, não quer aceitar isso,
porque ele pode ver que isso leva diretamente à conclusão de que a
Igreja do Vaticano II não é a verdadeira Igreja de Cristo. Todavia,
ele malogra em enxergar que a sua interpretação textual alternativa
não escapa dessa conclusão – ela meramente a alcança por um itinerário
diferente. O Vaticano II exige-nos que acreditemos numa Igreja que faz
nova doutrina diferente da antiga. Ao invés dessa heresia, o Dr.
Harrison convida-nos a crer numa Igreja cuja doutrina deve ser
descoberta por especialistas não autorizados, após vinte anos de
estudo, como sendo algo que o episcopado inteiro não percebeu que era,
e algo com que esse episcopado, de fato, discorda. A Igreja dele é uma
em que os católicos que aceitam a verdadeira doutrina fazem-no somente
fundados em ensinamento pré-conciliar, na crença de que o Vaticano II
errou ou prevaricou. Daí que, para o Dr. Harrison, nenhum católico que
queira saber o ensinamento da Igreja sobre a liberdade religiosa pode
com segurança consultar o ensinamento do mais recente concílio geral
sobre o tema. Um católico só pode permanecer ortodoxo sobre os
direitos e deveres religiosos do Estado rejeitando a regra próxima da
Fé como regra utilizável. Mas esta não é uma descrição da Igreja
Católica tampouco, pois o Papa Pio XI ensinou:
“Jesus Cristo enviou Seus Apóstolos pelo mundo todo, para que eles
pudessem permear todas as nações com a fé evangélica, e, para que não
errassem em nada, quis Ele que antes lhes fosse ensinada toda a
verdade pelo Espírito Santo: acaso esta doutrina dos Apóstolos faltou
inteiramente, ou foi alguma vez obscurecida, na Igreja cujo regente e
guardião é o mesmo Deus? Dado que o nosso Redentor afirmou claramente
que Seu Evangelho perduraria não apenas para o tempo dos Apóstolos,
mas também inclusive nas futuras épocas, pode o objeto da fé tornar-se
de tal modo obscuro e incerto, que hoje seja necessário tolerar
opiniões que são até mesmo incompatíveis umas com as outras?… Mas o
Filho unigênito de Deus, quando ordenou a Seus representantes que
ensinassem a todas as nações, obrigou todos os homens a dar fé ao que
lhes fosse anunciado por ‘testemunhas pré-ordenadas por Deus’, e
também confirmou Sua ordem com esta sanção: ‘Quem crer e for batizado
será salvo; mas quem não crer será condenado.’ Esses dois preceitos de
Cristo, o de ensinar e o de crer, não podem ser entendidos a não ser
que a Igreja proponha um ensinamento completo e facilmente entendível,
e seja imune quando ensina, assim, a todo perigo de errar. Nesta
matéria, afastam-se igualmente do reto caminho os que pensam que o
depósito da verdade existe em algum lugar… mas que descobri-lo exige
um trabalho tão difícil, com tão longos estudos e disputas, que a vida
de um homem mal seria suficiente para encontrá-lo e possuí-lo.”
(Mortalium Animos)
Agora, em face de todos esses fatos evidentes, se vê que qualquer
alegação de continuidade doutrinal é absurda. O exame detalhado da
letra miúda dos textos é um louvável exercício polêmico para
especialistas, mas não é de modo algum necessário, nem mesmo
apropriado para a maioria dos católicos. A escolha entre a autêntica
fé católica e a nova religião é absoluta. Unicamente os católicos têm
o direito de professar a sua fé, pois unicamente a sua fé é
verdadeira. Devem exercer esse direito pela firme rejeição da
clamorosamente errônea declaração Dignitatis Humanae e pela conclusão
de que a legítima autoridade católica não poderia ser responsável por
um tal evangelho da apostasia nacional. Ao menos pode-se contar com
Bento XVI para reconhecer que estamos exercendo o nosso direito
natural à liberdade religiosa ao assim fazermos.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, Liberdade Religiosa. O Dr. Brian Harrison e a tentativa
de absolver o Vaticano II de erro, 2006, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-12r
de: “Religious Liberty. Dr. Brian Harrison and the attempt to absolve
Vatican II of error”, in: The Four Marks, vol. 1, n.º 7, agosto de
2006, pp. 6-7,11,14.
Adquirível em:

http://www.thefourmarks.com/downloads.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Relacionado
Essa entrada foi publicada em 23 de outubro de 2011 às 1:44 e está
arquivada em Autores: DALY, “Subito”, Cardeal Billot, Cardeal
Ottaviani, Chesterton, Dom Guéranger, Doutrina, Dr. Brian Harrison,
Latrocínio Vaticano II, Liberdade religiosa, Maritain, Método, Michael
Davies, Papa GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa PIO IX (1846-78), Papa PIO
XI (1922-39). Você pode acompanhar qualquer resposta para esta entrada
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14 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – C”
1. José Carlos Disse:

26 de outubro de 2011 às 17:27


Se conhece a árvore pelos seus frutos e também por quem a plantou,no
caso dos favoráveis a liberdade religiosa, os que plantaram, ou eram
inimigos da igreja(maçons e protestantes) ou simpatizantes destes.Por
isso que já não perco mais meu tempo lendo explicações a respeito de
como misturar água e óleo pois já sei qual é o resultado.

Prezado Felipe de nenhuma forma estou desprezando seu trabalho de


tradução mas sim criticando as pessoas que aínda “não vêem ou não se
lembram “que Deus “colocou inimizade eterna entre a Mulher e sua
descendencia de um lado e o Demônio e os seus asseclas de outro.
Um abraço e fique com Deus!
José Carlos
P.S: “Me diga com quem tu andas e te direi quem tu és”.
2. AJBF Disse:

28 de outubro de 2011 às 13:06


Quando alguém realmente sabe ser uma coisa X, água, e outra Y, óleo, e
sabe verdadeiramente (isto é, após ter ponderado e analisado o
problema tal qual ele é e não tal qual um grupo de pessoas diz ser),
sem dúvida que tais conclusões são exatas e inescapáveis, sr. José
Carlos.
Infelizmente, não creio que isso seja verificável sempre com aquela
cristalina evidência de 2+2=4.
Pelo contrário: os tempos são de confusão e não há fácil compreensão
de tais problemas; já notei que não são problemas para qualquer um. Há
juízos fáceis tanto de um lado quanto de outro, enquanto a
objetividade analítica e a caridade para com os outros, tanto os
meramente discordantes quando os fundamentalmente contrários, é
deixada de lado em nome de uma voz cheia de pretensa autoridade,
totalmente inchada de orgulho, gritando sem parar, como se fosse o
próprio Cristo: “Siga-me ou morra!” (Caso ainda não tenha lido um
oportuníssimo texto sobre esse assunto, te convido a clicar neste
link: http://aciesordinata.wordpress.com/2009/05/09/textos-essenciais-
em-traducao-inedita-iii/)
Devo lembrar ainda q há alguns pensando do mesmo modo que Natanael, no
primeiro capítulo do Evangelho de S.João (v.46); ele certamente era um
homem bem intencionado (v.47-48), mas não suficientemente conhecedor
da realidade. Só mudou quando ela mesma quebrou-lhe a resistência,
refutando factualmente as causas de sua desconfiança com um sinal
(v.49).
Por isso, Natanael disse primeiro para Felipe: “Acaso pode vir algo
bom de Nazaré?”, para de depois dizer: “Rabi, tu és o Filho de Deus,
tu és o Rei de Israel”. Nesse caso, a genérica advertência “diga-me
com quem tu andas e te direi quem és” não deu muito certo.
Lição a ser aprendida.
3. AJBF Disse:

28 de outubro de 2011 às 15:02


Caro Felipe,

Salve Maria Imaculada!


Alguns comentários:
Para esmiuçar, Harrison está errado sobre a ordem pública e a paz
pública: na realidade, a Dignitatis Humanae equaciona explicitamente
as duas e é indistinguível neste ponto daquilo que Pio IX condena,
pois a questão essencial é se o Estado pode ou não pode levar em
consideração o bem-estar sobrenatural dos seus cidadãos, à luz da Fé
Católica reconhecida por si mesma como verdadeira, divina e
obrigatória, na repressão daquilo que é prejudicial ao bem comum.
Mas me parece que nisso a DH deixa o precedente aberto para tal
intervenção, exatamente em razão da natureza distinta dos limites
pensados tanto em um documento como em outro. Para tornar clara tal
argumentação de Harrison, seria necessário explicar com detalhes o que
é entendido por “justa ordem pública” e “paz pública”, tanto na DH
como na Quanta Cura (QC).
Vou ver se encontrarei as refutações que Daly citou contra a tese de
Harrison – a saber, “Le Sel de la Terre n.º 3" e o “The Second Vatican
Council and Religious Liberty”. Isso realmente me intriga, quero
conhecer tais refutações!
Ele está errado em pensar que a DH advoga apenas um direito de não
sofrer interferência ao errar. O direito civil que ela invoca, ela
claramente funda-o num direito natural de errar – uma noção
perfeitamente abominável.
Não parece que seja assim. Segundo o que pude entender dos argumentos
de Brian Harrison, a DH não defende o direito natural de errar, mas
apenas o direito de alguém não ser julgado por uma autoridade
meramente humana em razão de um erro cuja competência da punição não
lhe* seria pertinente.
Seria algo como o direito natural de não ser condenado (juridicamente)
pelos juízes da Zâmbia por um crime cometido no Brasil. O crime
continua sendo crime, mas o criminoso possuiria um direito natural de
ser julgado por esse delito de modo adequado (ou seja, apenas pela
autoridade cujo foro é competente para condenar ou aprovar o conteúdo
da crença e prática religiosa; essa autoridade seria a Igreja
Católica, evidentemente) – e não por uma autoridade qualquer ou de
modo inadequado.
Ele está errado em pensar que a doutrina tradicional se aplicasse
somente em Estados onde todos os cidadãos fossem praticamente unânimes
na crença ortodoxa e na devida prática do Catolicismo: a 78.ª
proposição condenada do Syllabus, extraída da Acerbissimum referente à
França do meio do século dezenove, deveria ter-lhe dito isso.
Me pareceu estranha essa afirmação, pois a tese de Harrison sobre a DH
não defende isso: ele insiste em dizer que não é moralmente lícito
qualquer culto público que não seja o católico – porém não é qualquer
poder que, por si mesmo e em nome próprio, é capaz de reprimir o erro
religioso.
Essa tese deve ser questionada em tais termos – não noutros, porque
senão ataca-se um espantalho e não a própria substância da LR como
consta na DH.
E ele está errado, de qualquer modo, em que não tivessem sobrado
territórios suficientemente católicos além de Wallis e Futuna no tempo
do Vaticano II: o derradeiro colapso religioso de muitas nações
católicas foi o efeito, não a causa, da Dignitatis Humanae.
Mas erra-se também ao considerar que o colapso religioso das nações
católicas está exclusivamente ligado à DH. Acaso o ecumenismo, a
colegialidade, a deforma litúrgica e a deforma dos sacramentos, os
contra-testemunhos coletivos das principais ordens religiosas e tantas
as heresias não tiveram um papel determinante na destruição da cultura
católica?
Não penso ser completamente justo atribuir a destruição das nações
católicas exclusivamente à tese conciliar da LR, por causa disso:
seria simplismo demais perante a onda de destruição histórica
expandida pelo CVII.

Concordo sem dúvida que a DH tal como Harrison defende NÃO É a DH tal
qual os heresiarcas pós-conciliares defendem.
Isso me era bem claro, antes inclusive de ler esse texto.
Mas o que desejo é ver a LR da DH refutada, e não a DH refutada “in
toto”, ou a interpretação de autoridades heréticas sobre esse tema. O
que quero saber é se há incompatibilidade insofismável entre a LR da
DH e o magistério conciliar anterior (no referente à temática da LR,
óbvio), ou seja, se abstratamente – desconsiderando qualquer valor
doutrinal à DH – a hipótese da LR proposta pela DH (sem as passagens
heréticas que já antes noutro comentário me referi) poderia ser aceita
por um católico sem que com isso ele se contraditasse o Magistério
Católico em alguma instância fundamental.
Nisso, ainda penso que faltam algumas pinceladas para terminar essa
refutação. Felizmente, há placas indicando aonde se encontrariam tais
refutações. Vamos até elas!
Fraternalmente,

AJBF

*(Lhe = Autoridade meramente humana)


4. Felipe Coelho Disse:

28 de outubro de 2011 às 15:09


Caro Aruan, Salve Maria!
Confesso que fiquei um pouco decepcionado por você não ter vindo
comentar o conteúdo desta última tradução, obviamente feita em sua
atenção, assim como o da declaração do Santo Ofício de 1954 ou o da
defesa de Mons. di Meglio (editor do Cardeal Ottaviani) a seu venerado
mestre, ambas diretamente relacionadas às dúvidas que você suscitou,
mas sobre as quais nunca voltou atrás, quanto à compatibilidade da Ci
Riesce com a doutrina católica tradicional.
Sua menção agora à conversão de Natanael seria alusão a uma mudança de
opinião sua quanto à tese Harrison? Pois até entendo que a veemência,
talvez excessiva, do Sandro pudesse, talvez, tornar desnecessariamente
repugnante uma retratação sua, mas, nestas questões intimamente
relacionadas com a fé, toda questão pessoal que fira nosso orgulho
deve ser posta de lado, sim?
Ou você permanece aderindo à tese Harrison, a qual, assim como o
Sandro e o José Carlos, também eu não tenho dificuldade alguma em
enxergar ser gravemente errônea, tanto pelo que afirma quanto pelo que
implica? E, nesse caso, como você responde às razões apresentadas por
J.S. Daly?
Pois, falando francamente, como convém entre amigos, o fato é que
algumas afirmações suas soaram praticamente escandalosas, como por
exemplo, além das já citadas pelo Sandro, aquela de que o Cardeal
Ottaviani “não é o Magistério” (o que é óbvio, quanto ao discurso
pronunciado todavia em presença do Papa Pio XII, mas que dificilmente
não soa como diminuição da qualidade dele de intérprete excepcional e
aprovadíssimo do Magistério) ou então a afirmação de que você concorda
com Ottaviani em “praticamente” tudo (mas não disse em que discorda!).
Além, é claro, da já mencionada indicação do link, por mim censurada,
para a malcriada réplica de Murray ao Santo Ofício!

A cuja condenação de quatro teses murray-maritaineanas, aliás,


continuo sem saber se você efetivamente subscreve!
No mais, não concordaria que o “diga-me com quem andas e dir-te-ei
quem és” pode muito bem ser aplicado, por exemplo, a quem dê mostras
de simpatizar com os Murray, Acton et caterva, quando o Papa Pio IX,
em célebre alocução citada pelo Sandro, afirma estarem os chamados
“católico-liberais” entre os piores inimigos da Igreja?
Não digo com toda a certeza que seja este o seu caso, apenas pergunto-
lhe se não seria essa aplicação compreensível, e mesmo louvável, por
parte dos que fazem questão de andar sempre com os grandes
antiliberais e ultramontanos como o Cardeal Ottaviani?
Enfim, eu agradeceria muitíssimo, Aruan, se você pudesse pôr de lado
toda questão de eventual incompreensão por parte de nossos amigos mais
incisivos e dissesse, claramente, qual é exatamente a sua posição
atual sobre estas questões, pois confesso-lhe que este seu último
comentário, à luz de todos os silêncios mencionados, me causa bastante
perplexidade.
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
5. Felipe Coelho Disse:

28 de outubro de 2011 às 15:24


Caríssimo Aruan, Salve Maria!
Eu acabara de publicar o comentário anterior, quando vi que você tinha
respondido, enquanto eu o escrevia, com algo do que eu nele pedi. Quem
sabe assim aprendo, de uma vez por todas, a nunca mais publicar nada
antes de conferir uma última vez se o debate não evoluiu nesse meio
tempo, não importa o quão breve!
Passando ao seu último comentário, só para esclarecer: você nega,
então, que o Estado seja competente para condenar ou aprovar o
conteúdo da prática religiosa, é isso?
Em razão de esse ponto não estar tão claro para mim em sua resposta,
repito aqui a pergunta de meu “precipitado” comentário de poucos
minutos atrás: você aceita que aquelas quatro proposições condenadas
de Murray são errôneas?
Creio que essas duas respostas esclareceriam muito as coisas, ao menos
para mim. Pelas quais, desde já, lhe agradeço de antemão.
Quanto ao restante, deixo para comentar depois disso, adiantando
apenas que vou corrigir imediatamente a tradução do terceiro trecho
por você citado: de “foi o efeito, não a causa” para “foi efeito, não
causa“, pois pequei aí por excessiva literalidade, sendo que em inglês
e em francês o artigo definido é empregado normalmente para designar
este último significado, sem implicar necessariamente aquele primeiro.
(O que não é dizer que a DH não tenha sido decisiva para derrubar a
Espanha, por exemplo, como testemunhado pelo próprio Generalíssimo
Franco; mas você, que leu o livro do Côn. Emílio Silva, certamente
sabe disso.)
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
6. AJBF Disse:

28 de outubro de 2011 às 21:58


Caro Felipe,

SMI!
Às questões:

Passando ao seu último comentário, só para esclarecer: você nega,


então, que o Estado seja competente para condenar ou aprovar o
conteúdo da prática religiosa, é isso?


Não nego que o Estado seja competente para condenar ou aprovar o
conteúdo da prática religiosa (exatamente nos termos que o Pe. Francis
Connell). Só não sei ainda qual é a extensão lícita dessa competência
segundo a doutrina da fé católica. E aí é que entra a hipótese do pe.
Brian Harrison sobre a LR, dizendo que há como que um hiato no qual o
poder público não poderia intervir sem com isso cometer um abuso – não
em razão da natureza da coisa reprimida (que admite-se sempre má), mas
em razão da incompetência estatal de reprimir determinadas coisas que
lhe escapam da competência. Boa parte do problema consiste-se nisso,
compreende? É nisso que ainda não vi argumentos definitivamente
claros, que demonstrem o que é que o Magistério Católico afirma
inequivocamente nessa questão.

Em razão de esse ponto não estar tão claro para mim em sua resposta,
repito aqui a pergunta de meu “precipitado” comentário de poucos
minutos atrás: você aceita que aquelas quatro proposições condenadas
de Murray são errôneas?


Mas sem dúvida que aceito! As 4 proposições de Murray estão erradas –
palavra da Cúria Romana, com a chancela da autoridade papal de Pio
XII. Que católico sério ousará discordar??
Abraços fraternais,

em JMJ,

AJBF
7. AJBF Disse:

29 de outubro de 2011 às 15:49


Caro Felipe, só para deixar mais claro:
(…)pergunto-lhe se não seria essa aplicação compreensível, e mesmo
louvável, por parte dos que fazem questão de andar sempre com os
grandes antiliberais e ultramontanos como o Cardeal Ottaviani?
Eu aceito e aceitaria esse espírito presente nessa ação prudencial,
sem dúvida – desde que fossem guardadas as devidas proporções. O sr.
Carlos me soou exageradamente categórico nisso – daí minha afirmação
em contrário.
Entre alguém que está errando por tentar encontrar a máxima
congruência possível da fé cristã com os valores culturais positivos
que subsistem fora da Igreja (embora a ela pertençam por direito, como
bem disse Sto. Agostinho) e outra que está errando por um certo
arcaísmo moralmente incapaz de agregar qualquer coisa que não tenha
origem senão no seio da Igreja, sou alguém que claramente tende para a
primeira opção – e creio que estou muito bem escudado nessa posição,
pois se não fosse assim jamais Aristóteles (Por meio de S.Tomás de
Aquino) teria sido “batizado” pela Igreja. A tradição católica do
primeiro milênio tratou o Estagirita com considerável desconfiança,
preterindo-o em detrimento de Platão sempre que possível, dando contra
o dito cujo vários testemunhos e opiniões contrárias. Sem a síntese
entre as coisas positivas dos ensinamentos aristotélicos e o legado da
fé cristã, jamais a Suma Teológica teria sido possível.
Daí o exemplo de Natanael: temos de aprender quão importante é
estarmos abertos na escuta da verdade, venha de onde ela vier, . Sem
dúvida que a Igreja é, como diz São Paulo a Timóteo, “Coluna e
Sustentáculo da Verdade”, e que tudo que ela ensina deve ser obedecido
com alegria e fidelidade. Mas não podemos nos esquecer da bondade de
Deus, pois Ele não desampara nem incapacita os pagãos na compreensão
de verdades de diversos gêneros, perfeitamente compatíveis com o
Evangelho – se Ele fizesse tais coisas, não seria possível a eles
possuírem os preâmbulos racionais da fé. E mais: devemos nos lembrar
que tais verdades externas à Igreja podiam favorecer-nos e muitas
vezes de fato o fizeram, aumentando e aprofundando, de modo orgânico,
nossa compreensão das verdades de fé (quem leu o “A Doutrina Cristã”,
de Sto. Agostinho, sabe do que é que estou falando!). Quem pode negar
que o maravilhoso termo “transubstanciação”, por exemplo, nasceu da
síntese entre uma compreensão aristotélica da relação
“substância/acidentes” e das verdades reveladas pela fé cristã?
É a isso que me refiro, compreende? Nenhum desejo de heterodoxia, nem
mentalidade anti-católica ou qualquer coisa do tipo: apenas mais
temperança antes de brandir iracundas condenações contra qualquer voz
distoante.
Abraços fraternais,

em JMJ
AJBF
8. Textos essenciais em tradução inédita – CI « Acies Ordinata Disse:

29 de outubro de 2011 às 20:24


[...] Por fim, tanto esta [LAISNEY, Adv. Harrison] quanto a publicação
seguinte [BELMONT, Lib. rel. e conseq.] respondem à indagação de nosso
bom amigo e colega de sedevacantismo Aruan feita na caixa de
comentários daqui [DALY, Lib. rel. e tentat.], último episódio da
longa discussão começada aqui [DALY, Interpr. e docil. ao Magist.] e
continuada aqui [HARRISON, Podres do Vat.2], depois aqui [BELMONT, QC
vs. DH], aqui [OTTAVIANI, Dev. rel. do Est. Cat.], aqui [DI MEGLIO, A
Ci Riesce...] e aqui [Sto.OFÍCIO, Adv. Murray], numa disputa que
contou também com a preciosa colaboração, pela qual agradeço bastante,
dos amigos Sandro, José Carlos, Renato, Alexandre e Gederson; debate
este, enfim, que conviria, num futuro não muito distante, resumir à
moda escolástica de conclusão de questões disputadas, i.e. elencando
sucintamente os principais argumentos pró e contra e trazendo em
seguida a solução, mas isso exigiria um lazer de que, no momento,
infelizmente não disponho, ao mesmo tempo que creio, por ora,
suficiente esta série de traduções, que acabam de ser elencadas, sobre
o problema da “liberdade religiosa”. [...]
9. Textos essenciais em tradução inédita – CIII « Acies Ordinata
Disse:
4 de novembro de 2011 às 23:11
[...] blogue Quicumque, já havia sido traduzida aqui, exceto pela
ilustração divertida do método dos reconciliadores, no diálogo abaixo
entre o guarda e o escandalizado [...]
10. Textos essenciais em tradução inédita – 130 « Acies Ordinata
Disse:

19 de abril de 2012 às 10:16


[...] É preciso colocar isso no contexto das gravíssimas dificuldades
em conciliar a doutrina da Dignitatis Humanae e do pós-concílio com a
doutrina da Quanta Cura e de antes do concílio. Essa dificuldade é
reconhecida por todos, inclusive por aqueles que, como o Abbé
Harrison, creem possível uma reconciliação. [...]
11. AJBF Disse:

10 de setembro de 2013 às 22:35


Caro Felipe,

Salve Maria Imaculada!


Penso que esse link possa trazer mais luz sobre o tema, pelo menos no
que se refere à crítica da LR da DH, enquanto tal.
O autor dessa tese abaixo postada entende que o CVII não foi um
Concílio Ecumênico e, por isso, não implicou nem o mais mínimo grau de
magistério negativamente infalível da Igreja.
http://www.superflumina.org/dignitatis_humanae_response_Harrison.html
12. Felipe Coelho Disse:

11 de setembro de 2013 às 10:47


Caro Aruan, Salve Maria Imaculada!
Obrigado pela indicação! O texto é longo e não consegui parar para lê-
lo ainda, mas uma rápida passada de olhos já indica que o Autor, que
eu não conhecia (Michael Baker), parece bem forte na refutação da
liberdade religiosa ensinada pelo Vaticano II.
Como, porém, é regra entre sedeplenistas, tão exatos em refutar os
erros do Vaticano II como este da Dignitatis Humanae ao mesmo tempo
que tão derrapantes na questão da infalibilidade da Igreja, também
esse saite não parece constituir exceção, pelo que você me conta da
posição dele; de fato, rapidamente tentando descobrir mais sobre a
posição dele, me deparo com isto:
“The head of this Church is not, as many think, the Pope. Its head is
Jesus Christ [O cabeça da Igreja de Deus não é, como muitos pensam, o
Papa. O cabeça dela é Jesus Cristo]”

(Id., Philosophy behind this website [Filosofia subjacente a este


saite] “superflumina.org/sfb.html”).
A realidade, porém, é que o Papa é o cabeça visível da Igreja.
Nem por isso Nosso Senhor Jesus Cristo deixa de ser seu cabeça no Céu;
nem por isso, tampouco, a Igreja teria “duas cabeças”.
Igualmente, não é por Cristo ser a pedra angular, que S. Pedro deixa
de ser a rocha sobre a qual Ele edificou Sua Igreja; não é por Cristo
ser o único mediador, que a Santíssima Virgem deixa de ser medianeira
de todas as graças; não é por só Deus ser bom, que deixa de haver
bondade participada nos seres; etc. etc.
Esse tipo de oposição não tem sentido, a partir do momento em que não
se ignore a analogia do ser. Ignorância esta que está na origem
filosófica de todos os protestantismos, nota Journet (cito de
memória).
Concluamos, pois, com o ensinamento da Unam Sanctam:
“Por isso, esta Igreja, una e única, tem um só corpo e uma só cabeça,
e não duas como um monstro: é Cristo e Pedro, vigário de Cristo, e o
sucessor de Pedro, conforme o que disse o Senhor ao próprio Pedro:
‘Apascenta as minhas ovelhas’ (Jo 21,17). Disse ‘minhas’ em geral, e
não ‘esta’ ou ‘aquela’ em particular, de forma que se subentende que
todas lhe foram confiadas. Assim, se os gregos ou outros dizem que não
foram confiados a Pedro e aos seus sucessores, é necessário que
reconheçam que não fazem parte das ovelhas de Cristo, pois o Senhor
disse no evangelho de São João: ‘Há um só rebanho e um só Pastor’ (Jo
10,16).

[...]

Esta autoridade, embora tenha sido dada a um homem e por ele seja
exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de
Deus e fundada, para ele e seus sucessores, Naquele que ele, a rocha,
confessou, quando o Senhor disse a Pedro: ‘Tudo o que ligares…’ (Mt
16,19). Assim, quem resiste a este poder determinado por Deus ‘resiste
à ordem de Deus’ (Rm 13,2), a menos que não esteja imaginando dois
princípios, como fez Maniqueu, opinião que julgamos falsa e herética,
já que, conforme Moisés, não é ‘nos princípios’, mas ‘no princípio
Deus criou o céu e a terra’ (Gn 1,1).

Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é


absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar
sujeita ao Romano Pontífice.”

(Papa BONIFÁCIO VIII, Bula Unam Sanctam).


Saudações cordiais,

Em JMJ,

Felipe Coelho
P.S. Sobre a autoridade que o herético conciliábulo Vaticano II teria,
se Paulo VI e sucessores tivessem sido Papas (e, justamente por isso,
não o foram de jeito nenhum!), tratei recentemente aqui (wp.me/pw2MJ-
1Sd#comment-6768). AMDGVM, FC
13. AJBF Disse:

11 de setembro de 2013 às 22:39


Caro Felipe,

Salve Maria Imaculada!


Realmente, esse grande equívoco da parte dos neo-conservadores e
tradicionalistas está bastante disseminado, graças ao desconhecimento
referente à questão das nuances da Infalibilidade da Igreja. Inegável
que muitos dos esclarecimentos disso provenientes poderão mudar
completamente a situação dos católicos que não abandonaram ainda seu
amor pela verdade.
Aliás, eu penso ser essa uma das principais questões a serem
estudadas, difundidas e comentadas hoje, para auxiliar, na medida do
possível, na reunificação dos “7 mil que não dobraram os joelhos
diante de Baal”…
Quanto aos outros deslizes, penso que o autor entenda exatamente isso
que disseste com muito melhores referências, embora se confunda nas
palavras. Todavia, de fato, não é correto aquilo que ele escreveu.
Que Deus nos ajude a sermos fiéis nessa hora tão obscura.
Fraternalmente,

Em JMJ,
AJBF
14. AJBF Disse:

19 de janeiro de 2014 às 10:34


Felipe, esse texto não está na ‘TAG’ “liberdade religiosa”, mas
deveria estar. Se puder adaptar isso, seria ótimo. Assim facilitaria E
MUITO a navegação no seu blog.

extos essenciais em tradução inédita – CI


[APRESENTAÇÃO PELO TRADUTOR – O texto a seguir é uma das duas
refutações mais detalhadas à “Tese Harrison” mencionadas pelo Sr. John
DALY na tradução imediatamente anterior à presente, publicada faz uma
semana aqui no blogue Acies Ordinata. Pretende, assim, servir de
apêndice a ela, mas no espírito da ressalva feita ali pelo Autor, de
que o “exame detalhado da letra miúda dos textos [do Vaticano II] é um
louvável exercício polêmico para especialistas, mas não é de modo
algum necessário, nem mesmo apropriado para a maioria dos católicos”,
sendo também “importante assinalar que essas discussões sobre o
sentido preciso de uma declaração prolixa e deliberadamente obscura
tendem a errar o alvo e fazer o jogo do inimigo, ao passarem a
impressão de que algum ponto sutil esteja em questão”, quando “não há,
na realidade, absolutamente nada de sutil acerca da revolução da
liberdade religiosa do Vaticano II, pela qual Cristo Rei foi
destronado”, razão pela qual, Daly prefere seguir ali “o exemplo de
Chesterton e proporcionar-nos uma perspectiva geral, dando um passo
para trás do texto e observando o contexto inteiro”, listando ele,
para tanto, dezesseis “fatos inegáveis [que] logo coloca[m] as
alegações do Dr. Harrison sob sua verdadeira luz”, em face dos quais
“se vê que qualquer alegação de continuidade doutrinal é absurda”
(J.S. DALY, “Liberdade Religiosa”, The Four Marks, ag. 2006, trad. br.
em: http://wp.me/pw2MJ-12r ).
Por essa razão, recomendo enfaticamente a leitura da tradução que
acaba de ser citada antes de ler a presente, ao mesmo tempo que a esta
farei seguir outra tradução de estudo sobre o tema, na qual o Rev. Pe.
BELMONT, tendo exposto de modo conciso e rigoroso a oposição da
Dignitatis Humanae com a Quanta Cura, passa então a resumir as
inelutáveis consequências teologais bem como teológicas da inovação
heterodoxa declarada pelo Vaticano II.
Por fim, tanto esta [LAISNEY, Adv. Harrison] quanto a publicação
seguinte [BELMONT, Lib. rel. e conseq.] respondem à indagação de nosso
bom amigo e colega de sedevacantismo Aruan feita na caixa de
comentários daqui [DALY, Lib. rel. e tentat.], último episódio da
longa discussão começada aqui [DALY, Interpr. e docil. ao Magist.] e
continuada aqui [HARRISON, Podres do Vat.2], depois aqui [BELMONT, QC
vs. DH], aqui [OTTAVIANI, Dev. rel. do Est. Cat.], aqui [DI MEGLIO, A
Ci Riesce...] e aqui [Sto.OFÍCIO, Adv. Murray], numa disputa que
contou também com a preciosa colaboração, pela qual agradeço bastante,
dos amigos Sandro, José Carlos, Renato, Alexandre e Gederson; debate
este, enfim, que conviria, num futuro não muito distante, resumir à
moda escolástica de conclusão de questões disputadas, i.e. elencando
sucintamente os principais argumentos pró e contra e trazendo em
seguida a solução, mas isso exigiria um lazer de que, no momento,
infelizmente não disponho, ao mesmo tempo que creio, por ora,
suficiente esta série de traduções, que acabam de ser elencadas, sobre
o problema da “liberdade religiosa”. AMDGVM, F. Coelho.]
*

O sofisma do “direito de ser tolerado”


Recensão de: Le développement de la doctrine catholique sur

la liberté religieuse, Bouère: DMM, 1988 (Brian. W. Harrison)


(1993)

Rev. Pe. F. LAISNEY, da fsspx


1. A “distinção” do padre Harrison.
O cerne do problema analisado neste livro é a questão: “Direito ou
tolerância?” Questão já posta pelos próprios títulos dos esquemas
propostos no concílio pelo Cardeal Ottaviani (a tolerância religiosa)
e pelo Cardeal Béa (a liberdade religiosa).
Ora, o padre Harrison resolve o problema por meio de um grande sofisma
oculto sob uma aparência de lógica. Esse sofisma é exposto nas páginas
126-128; eu o resumo honestamente:
A. Cumpre distinguir entre a propagação do erro e a tolerância dessa
propagação.
B. A propagação do erro é em si um mal; a tolerância dessa propagação
em vista do bem comum é em si um bem.
C. O erro não tem direito algum; unicamente o bem pode ter direitos.
D. Logo, dizer: “há um direito de propagar o erro” (proposição a) é
errôneo; mas dizer: “há um ‘direito de ser tolerado’[1] na propagação
pública do erro” (proposição b) é exato.

[1 – Op. cit., p. 130, noutras palavras: um direito à imunidade de


coação.]
Ele exprime claramente essa conclusão D na pág. 128. Diz ele:
“Indubitavelmente, a) é incompatível com a doutrina tradicional da
Igreja… O Concílio cuida muito particularmente em não ensinar nada
além de b)…”

2. Análise: confusão entre objeto e sujeito da tolerância.


Concedo as proposições A, B e C; mas nego a conclusão D e o nexo
lógico com as proposições precedentes. Há, com efeito, passagem
indevida, entre A-B-C e D, do objeto para o sujeito. Separar essas
duas proposições a) e b) é um sofisma.
Realmente, cumpre ver bem o sujeito e o objeto do direito.
Dizer: a propagação do erro é um mal em si; a tolerância dessa
propagação em vista do bem comum é em si um bem, é pôr-se no nível do
objeto do direito.
Dizer: a pessoa humana não tem direito de propagar seus erros
religiosos, mas tem direito à “imunidade de coação no que concerne à
propagação pública de sua religião”, é pôr-se no nível do sujeito do
direito.
Há, pois, manifestamente um deslizamento [que passa] do objeto para o
sujeito. Há, além disso, uma análise malfeita da tolerância: o sujeito
do direito à tolerância é aquele que tolera, não aquele que é
tolerado: aquele que tolera tem o direito de tolerar; aquele que é
tolerado não tem direito algum de ser tolerado! Demonstrarei esta
segunda parte da minha proposição adiante; estudemos a primeira.

3. O sujeito do direito à tolerância é quem tolera.


O objeto de um direito é um bem; o sujeito desse direito é aquele que
está ordenado a esse bem: se ele possui esse bem, ele tem o direito de
preservá-lo e, se ele não o possui, ele tem o direito de recebê-lo
(por exemplo, direito a um salário). Ora, o bem atrelado à tolerância
é a paz pública: o sujeito desse direito à tolerância é, portanto, o
conjunto dos cidadãos, enquanto tais, e não aqueles que propagam esses
erros. Muito pelo contrário, enquanto tais (“reduplicative”), estes
são um perigo para a paz; enquanto tais, portanto, eles perdem o seu
direito à paz. (Assim como o malfeitor, enquanto tal, perde o seu
direito à liberdade e pode ser encarcerado).
Numa palavra, a raiz desse sofisma é a confusão entre o sujeito que
tolera e o sujeito que é tolerado. Parece-me inacreditável que um
homem, de resto, inteligente faça uma tal confusão… e depois ele ainda
acusa “a incapacidade de Mons. de Smedt de apreender (sua) distinção”!
Mas não há pior cego que aquele que cobre os olhos para não ver.
4. Quem é tolerado não tem “direito” algum de ser tolerado.
Mostremos agora que quem é tolerado não tem direito algum de ser
tolerado. Pertence à ordem da justiça que o mal seja punido, e o bem,
recompensado. Logo, que o mal não seja punido é em si uma falta de um
bem devido. Receber uma pena é equivalente a pagar uma dívida de
justiça; é um bem. Isso é tão verdadeiro, que as almas do purgatório
se regozijam de poder pagar uma dívida que elas têm com a justiça
divina: elas amam o bem da ordem da justiça divina. A pena não é o bem
do indivíduo punido, mas ela se insere num bem superior, a saber, a
ordem da justiça. Dizer que há um direito de ser tolerado, um direito
à imunidade malgrado o mal objetivo, é dizer que há um direito a que a
ordem da justiça não seja aplicada, o que é absurdo.
É impossível que duas coisas opostas sejam devidas à mesma pessoa: a
pena e a imunidade; na medida mesma em que, por sua falta (por sua
propagação de erros), a pessoa incorre numa pena, ela perde o seu
direito à imunidade. A expressão “direito de ser tolerado” não é
somente “paradoxal” (p. 130) mas implica numa impossibilidade.
Mesmo que o Estado tenha o dever de tolerar, isso não dá a ninguém um
direito de ser tolerado, salvo um “direito civil” no sentido de que o
indivíduo tem o direito de que o Estado respeite os deveres dele,
Estado (não o dever do Estado para com esse indivíduo, mas para com a
paz pública).

5. Espaço autônomo?
Poder-se-ia fazer uma objeção ao parágrafo precedente mediante a
distinção seguinte: quem é tolerado não tem direito “simpliciter” de
ser tolerado, mas tem um direito “secundum quid”, a saber, “de ser
tolerado pelo poder civil” que não teria o direito de interferir nesse
“espaço autônomo”, domínio protegido pela dignidade da pessoa humana.
A resposta é simples: a adesão interior escapa ao domínio da
autoridade humana, não somente civil como também eclesiástica, pois “o
homem enxerga o exterior, somente Deus julga os corações” (I Reis 16,
7). Mas a prática exterior do erro, e mais ainda a propagação desse
erro, é do domínio público e não pode, portanto, ser excluída do
domínio da autoridade civil. Pretender que haja um domínio onde o
homem teria direito à imunidade de ofender Nosso Senhor Jesus Cristo
(direito à tolerância = direito à imunidade), é uma impiedade. Opõe-se
diretamente a São Paulo: “oportet Illum regnare”.
É, no mais, diretamente contrário à Escritura Santa, que prescreve a
pena de morte para os que propagam o erro religioso (Deut. 13, 1-11 e
Deut. 17, 2-7): é que a prática exterior de uma religião falsa, e mais
ainda a propagação do erro religioso, realmente não é um domínio
“autônomo” onde a autoridade humana não possa intervir. É notável que,
nessa última passagem (Deut. 17, 2-7), Deus não demanda que se recorra
ao juiz religioso, a saber: os sacerdotes da família de Arão, nem
mesmo que se recorra aos simples levitas, mas simplesmente aos juízes
locais (anciãos da vila que se assentavam perto dos portões da
cidade), portanto ao poder civil. Manifestamente, a liberdade
religiosa não é doutrina contida na Sagrada Escritura. Elias,
obedecendo aos mandamentos divinos e matando num só dia 450 profetas
de Baal, certamente não foi “ecumênico” à moda do Vaticano II! (ver
III Reis 18, 19-40). Diz ele muito bem: “Até quando claudicareis vós
para os dois lados? Se o Senhor é Deus, segui-o; se Baal o é, segui-o!
Mas o povo não lhe respondeu” (III Reis 18, 21). É a condenação do
ecumenismo e da “liberdade religiosa” do Vaticano II mais simples,
mais clara e mais impressionante.

6. Admissões significativas.
Ouçamos, porém, a confissão: “Essa expressão (‘direito de ser
tolerado’) não foi utilizada pelo concílio…, a fim de atribuir uma
maior importância ao que havia de novo nessa doutrina (a parte que o
mundo moderno queria ouvir)… mas isso (a saber, o direito de ser
tolerado) é, sem embargo, o resumo do ensinamento da Dignitatis
Humanae” (p. 131). Há aí três admissões: 1. que essa doutrina é nova,
2. que é aquilo que o mundo moderno queria ouvir, 3. que é o resumo da
doutrina de Dignitatis Humanae.

7. Justiça e caridade: direito e tolerância.


Que a autoridade deva considerar não somente a ordem da justiça, mas
também a ordem da caridade (segundo a qual, pode-se e por vezes deve-
se tolerar os pecadores em vista de sua conversão: caritas patiens
est), não dá, tampouco, um direito de ser tolerado. Com efeito, o
próprio da caridade é doar; por caridade, dá-se aquilo que nos
pertence; por justiça, entrega-se aquilo que pertence ao próximo. O
dom de caridade é recebido pelo pobre sem que este tenha direito algum
a ele. Igualmente, o fato de ser tolerado é um favor ao qual não se
tem direito. Dizer que se tenha um direito de receber um favor por
caridade é destruir a natureza mesma da caridade, que é um dom. (Donum
Dei é um dos nomes do Espírito Santo.) Que aquele que doa tenha o
dever de doar é uma coisa, que aquele que recebe tenha um direito de
receber é outra completamente diferente: Cristo tem o direito de
receber de nós na pessoa do pobre; mas o pobre não tem, por si mesmo,
nenhum direito de receber.

8. Comparação esclarecedora.
Que aquele que é lesado possa escolher entre a tolerância ou a justiça
é uma coisa; que aquele que lesa tenha um direito de ser tolerado no
ato mesmo pelo qual ofende é coisa totalmente diversa, é um absurdo.
Que uma mulher tenha o direito de suportar pacientemente seu marido
que bate nela, é uma coisa (ela tem o direito de tolerá-lo); que o
marido tenha um direito a que a sua mulher o tolere quando ele bate
nela, é algo inteiramente diferente, é absurdo (ele não tem nem o
direito de ser tolerado, nem o direito à imunidade!) Mesmo que a
mulher possa ter o dever de tolerá-lo em deferência aos filhos que têm
necessidade de uma família estável, isso não quer dizer que ele tenha
um direito de ser tolerado: o dever da mulher de tolerá-lo corresponde
aos direitos dos filhos, não do marido. (Os membros da família têm
direito à estabilidade do matrimônio, incluso aí o marido; mas, na
medida em que ele agride sua mulher, nessa mesma medida ele é, ele
próprio, a causa da instabilidade e, portanto, perde o seu direito a
essa estabilidade.)
O paralelo é claro: a autoridade civil tem o direito de tolerar
aqueles que propagam uma religião falsa, pode até ter o dever de
tolerá-los em atenção aos outros cidadãos; mas isso não quer dizer que
aqueles que propagam uma religião falsa tenham um direito de ser
tolerados; enquanto cidadãos, eles têm o direito à paz pública; mas,
na medida mesma em que propagam erros, eles põem essa paz em perigo e
perdem, assim, o seu direito a essa paz (para eles); é tão somente por
deferência aos demais que a autoridade civil pode ter o dever de
tolerá-los. Assim, não existe direito de ser tolerado.
Esse último exemplo parece-me insuperavelmente claro para ilustrar o
sofisma do padre Harrison.

9. Outros sofismas do padre Harrison.


Há outros sofismas nesse livro (seria preciso um livro inteiro para os
refutar a todos). Tomemos como exemplo pág. 129: “O fundamento desse
direito à imunidade de coação na propagação mesma de uma falsa
religião, segundo o concílio, é simplesmente que o controle dessa
atividade não é da competência do poder civil.” Basta uma simples
distinção sobre a palavra “competência” para trazer à luz o sofisma
subjacente: o poder civil não tem competência para julgar com
autoridade sobre as matérias religiosas, mas ele tem competência para
receber o julgamento da Igreja e para executá-lo. A autoridade em
matéria religiosa pertence à Igreja; mas, porque “provas certas e
indubitáveis estabelecem (a religião católica) como a única verdadeira
entre todas” (Leão XIII), os Estados têm competência para reconhecer
isso e, portanto, para receber os julgamentos da Igreja. (Negar a
competência do Estado para receber os julgamentos da Igreja é negar a
competência dele para reconhecer a verdadeira religião, é negar que
existem “provas certas e indubitáveis (que) estabelecem (a religião
católica) como a única verdadeira entre todas”.)

10. Sofisma da resposta aos Dubia[2].


[2 – Trata-se de um estudo realizado por Dom Lefebvre no qual ele
expôs a Roma [N. do T. – leia-se: a Ratzinger] suas dificuldades em
admitir a declaração Dignitatis Humanae e ao qual o Vaticano [N. do T.
– leia-se: Ratzinger e sua equipe] respondeu em 1987. [N. do T. – Os
Dubia em francês podem ser baixados via este link.] O texto dos Dubia
pode ser adquirido no seminário de Écône. (Nota da Redação de Le Sel
de la Terre).]
O sofisma de quem respondeu aos Dubia é um pouco diferente. Ele põe-se
no nível do fundamento do direito e distingue entre as ações e a
natureza. Enquanto aderente ao erro, o não-católico não tem direito;
mas, enquanto pessoa humana, ele tem direitos (anteriores à passagem à
ação). Nós o concedemos.
E eis que o nosso “teólogo” vem pretender então que a imunidade “a
coactione”[3] pertence aos direitos fundados na natureza mesma,
considerada anterior à ação! Respondamos: a liberdade “a coactione” só
pode ser do domínio da ação. [3 – Liberdade com relação a coação
externa.]
Ao raciocinar-se sobre os direitos religiosos da pessoa humana
anteriores à ação, é preciso considerar que a inteligência humana
antes de toda e qualquer ação não conhece nada (ela é um quadro no
qual nada foi escrito ainda, “tabula rasa”, diz Santo Tomás, na
esteira de Aristóteles). Por conseguinte, se há um direito em matéria
religiosa que precede à ação, é o direito ao ensino religioso… da
verdade religiosa evidentemente! Assim como há um certo direito ao
ensino das verdades naturais (não de todas, mas daquelas que são
necessárias à vida social), assim também há um direito ao ensino das
verdades sobrenaturais necessárias à salvação. Desse direito de toda
pessoa humana decorre imediatamente o direito da Igreja, mestra da
verdade (e direito da verdadeira Igreja somente), de ensinar a todos
os homens. Esse direito de receber o ensinamento da Igreja é bem
diferente do direito de cada qual propagar a sua religião; o primeiro
é verdadeiro, o segundo é falso.

CONCLUSÃO
Usquequo Domine! Até quando vai-se tentar defender o indefensável
mediante sofismas tais? Enquanto Roma quiser impor essas doutrinas
falsas, haverá sempre “teólogos” para tentar justificá-las.
[N. do T. – Mas não serão também teólogos entre aspas os que pretendem
que Roma, ou seja um Papa verdadeiro e legítimo, possa impor falsas
doutrinas para a Igreja inteira durante meio século?... E todo o
rigor, clareza e ortodoxia admiráveis que o A. demonstra acima, não os
deixa de lado agora inopinadamente ao passar, nesta breve conclusão, a
um assunto em que é ele o verdadeiro sofista (vide os dois incríveis
“portanto” logo abaixo!) e acerca do qual ele se torna réu de tudo
aquilo de que acusa tão certeiramente o Rev. Dr. Harrison, tanto nesta
Conclusão quanto ao final do Cap. 3 supra?]
Esses sofismas provêm da vontade de justificar o injustificável. Roma
querendo impor o Vaticano II em TUDO, isso não tem como dar certo:
será preciso realmente que um dia eles reconheçam que há no Vaticano
II (pastoral, não dogmático, portanto sem vontade de obrigar, portanto
sem infalibilidade “ex sese”[4]) erros (se bem que não se trata de
heresias, pois contrariam-se conclusões teológicas antes que verdades
de fé definidas). [4 – “Por si mesmo”. O próprio Pe. Harrison
reconhece que esses textos são geralmente considerados como “não
infalíveis” (p. 10).]
Pe. François Laisney

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. F. LAISNEY, O sofisma do “direito de ser tolerado”. Recensão
de Le dévelop. de la doct. cath. sur la lib. rel. (B. Harrison, 1988),
1994; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-12B
Fonte do original: Le Sel de la Terre, n.º 3, pp. 119-124.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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9 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CI”
1. AJBF Disse:

29 de outubro de 2011 às 20:43


Caro Felipe,

Salve Maria Imaculada!


Realmente FENOMENAL.

Sem palavras!
Por mim esse texto já bastaria – mas aguardo também o outro para
finalmente ter, diante de mim, o golpe de misericórdia.
Obrigado por tudo, caríssimo!

Abraços
AJBF
2. Felipe Coelho Disse:

1 de novembro de 2011 às 16:18


Caríssimo Aruan, Salve Maria!
Saiba que essa sua resposta foi a maior alegria que tive nos últimos
tempos! Se não respondi imediatamente, com um Deo gratias ou Te Deum
laudamus como tive vontade, foi entre outras coisas porque quis
completar logo a tradução do texto do Padre Belmont sobre o tema.
Trata-se de uma reedição do conteúdo da “Tradução 39" com pequenos
acréscimos e tirando as consequências do exposto.
No mais, eu não tinha dúvidas de que traduzir o texto de um membro da
fsspx seria um sacrifício que simplesmente tinha de render algum
fruto, tamanha a repugnância que cada vez mais sinto pela posição
deles. Tanto assim que, como vê, não só não terminei ainda a tradução
prometida, como ainda passei à frente dela estoutra que acabo de
publicar, que aliás me parece até mais atual hoje do que quando foi
escrita, faz cinco anos.
Mas, para não deixá-lo sem nenhum “golpe de misericórdia” belmontiano
neste ínterim, copio-lhe a seguir uma citação que dele encontrei há
poucos dias, de um comentário forístico sem maiores pretensões, que
vem bem a calhar ao tema que vínhamos debatendo:
“[...] Pio XII está em perfeita continuidade com esse ensinamento [da
Quanta Cura]: ‘O que não corresponde à verdade e à lei moral não tem
objetivamente nenhum direito à existência, nem à propaganda, nem à
ação.’ (Discurso aos juristas italianos [N. do T. Ci riesce], 6 dez.
1953).
É verdade que, em razão da invasão dos totalitarismos, Pio XII põe
fortemente o acento no dever dos Estados de respeitar e promover a
dignidade humana. Mas, se pode acontecer de a degradação da
Cristandade fazer do garantir a liberdade religiosa um dever para o
Estado, esta nunca é um direito natural e exigível.
Com efeito, é tão somente em justiça comutativa que há correlação
estrita entre direito, de um lado, e dever, do outro. Em justiça
legal, em justiça distributiva como em caridade, essa correlação não
existe.
Tenho porventura o dever de dar uma moeda a um mendigo: isso não dá a
ele um direito de recebê-la; ele não pode, pois, exigi-la.

Se dirijo o Estado, tenho o dever de escolher ministros competentes:


isso não dá aos homens competentes o direito de serem ministros.
Receio também que, na sequência da discussão [no fórum], se esqueça um
pouco da doutrina católica sobre a necessária Realeza de Jesus Cristo,
que dá a Ele o direito de reinar. [...]”
(Rev. Pe. Hervé BELMONT, A Quanta Cura refere-se à Revelação, in: Le
Forum Catholique, 30-III-2005,

http://archives.leforumcatholique.org/consulte/message.php?arch=2&num=
101440 )
Como vê, meu caro Aruan, o que pode ser claríssimo ou mesmo elementar
(a distinção entre as várias modalidades da justiça) para quem seja
douto em Teologia e Direito como o A. que acabo de citar, não
necessariamente é fácil de apreender pelo leitor medianamente
instruído ou mesmo cultivado, como nós, que não tenha a mesma formação
e conhecimento das distinções técnicas daquelas disciplinas.
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
3. AJBF Disse:

1 de novembro de 2011 às 23:10


Abraço recebido e retribuído!
É extremamente interessante, caro Felipe, que o direito nem sempre
seja correlativo ao dever – há direitos independentes de deveres, e
vice-versa. Direitos e deveres absolutos, especialmente em matéria
religiosa (dado que esta versa das relações humanas com o Absoluto).
Creio que sem essa distinção fundamental, não há como convencer os
apologetas sérios da DH que a LR é um erro. Eu mesmo, depois de
observar a refutação, notei que havia esse hiato e já preparava uma
consideração sobre esse aparente problema; mas só publicaria essa
coisa após a leitura do último texto, caso ele não considerasse esse
tópico.
Seu comentário aqui veio muito bem a calhar, caríssimo. É
importantíssima essa distinção ressalvada aqui. Aliás, aconselho você
publicá-la num pequeno post (não merece essa pérola um espaço tão
secundário como a área de comentários!! Coloque-a como – no mínimo –
um apêndice num dos seus textos pertinentes ao tema da LR. Darás a
evidência necessária a tal oportuníssima distinção).
Renovo meus sentimentos de estima para contigo e para com todos de sua
família. Deus vos cumule de bênçãos!
Fraternalmente,

Em JMJ,
AJBF
4. Gederson Disse:

2 de novembro de 2011 às 17:18


Caro Felipe,

Salve Maria!
Não sei se pode contribuir com o debate, mas deixo abaixo um texto de
Don Curzio Nitoglia, onde determinado trecho ele faz também uma
distinção entre o direito e a tolerância.
Fique com Deus.
Abraço
Gederson
Liberdade religiosa e tradição apostólica
Dom Curzio Nitoglia
O Decreto sobre Liberdade Religiosa (Dignitatis humanae, 7 de dezembro
de 1965) é uma contradição com a tradição apostólica e o magistério
constante da Igreja resumido no Direito Público Eclesiástico.
· Se veja S. Gregorio Nazianzeno (+ 390), Hom. XVII; S. Joãoi
Crisóstomo (+ 407), Hom. XV super IIam Cor.; S. Ambrósio(+ 397), Sermo
conta Auxentium; S. Agostiho (+ 430), De civitate Dei (V, IX, t. XLI,
col. 151 ss.); S. Gelásio I (+ 496), Epist. ad Imperat. Anastasium I;
S. Leão Magno (+ 461), Epist. CLVI, 3; S. Gregorio Magno (+ 604),
Regesta, n. 1819; S. Isidoro De Sevilha (+ 636), Sent., III, 51; S.
Nicola I, Epistul. Proposueramus quidam (865); S. Gregorio VII (+
1085), Dictatus Papae (1075), I epistola a Ermanno Bispo de Metz (25
agosto 1076), II epistola a Ermanno (15 marzo 1081); Urbano II (+
1099), Epist. ad Alphonsum VI regem; S. Bernardo De Claraval (+ 1173),
Epistola a papa Eugenio III sobre as duas espadas; Inocêncio III (+
1216), Sicut universitatis conditor (1198), Venerabilem fratrem
(1202), Novit ille (1204); Inocêncio IV (+ 1254), Aeger cui levia
(1245); S. Tomás De Aquino (+ 12074), In IVum Sent., dist. XXXVII, ad
4; Quaest. quodlib., XII, a. 19; S. Th., II-II, q. 40, a. 6, ad 3;
Quodlib. XII, q. XII, a. 19, ad 2; Bonifácio VIII (+ 1303), Bula Unam
sanctam (1302); Cajetanus (+ 1534), De comparata auctoritate Papae et
Concilii, tratt. II, pars II, cap. XIII; S. Roberto Bellarmino (+
1621), De controversiis; F. Suarez (+ 1617), Defensio Fidei
catholicae;.Gregorio XVI, Mirari vos (1832); Pio IX, Quanta cura e
Syllabus (1864); Leão XIII, Immortale Dei (1885), Libertas (1888); S.
Pio X, Vehementer (1906); Pio XI, Ubi arcano (1921), Quas primas
(1925), Pio XII, Discurso aos juristas católicos italianos, 6 de
dezembro de 1953.
· A doutrina católica sempre foi aquela da subordinação do Estado a
Igreja, como do corpo a alma. Essa conheceu nuances acidentais: poder
direto in spiritualibus e indireto in temporalibus ou poder direto
também in temporalibus, mas não exercitado e dado pelo Princípe
temporal ao Pontifice Romano (plenitudo potestatis). Nunca nenhum dos
265 Papas, Padres Eclesiásticos, Doutores da Igreja, teólogos ou
canonistas recebeu na Igreja o ensino da separação entre Estado e
Igreja, que é e sempre foi condenado.
· Ora a Dignitatis Humanae (doravante DH) ensina pastoralmente que o
homem tem “direito a liberdade religiosa[...] privadamente [até aqui
nada a objetar, se trata do “foro interno” que resguarda só o homem e
Deus e não o Estado] e em público seja só ou seja associado com outros
[e aqui a casa cai¹, na verdade no “foro externo” não se há o direito
de professar o erro, se pode falar somente de tolerância nunca de
direito]. [...]. É necessário que todos os cidadãos e toda comunidade
religiosa venham reconhecer o direito a liberdade em matéria
religiosa. [...] Liberdade religiosa que deve ser reconhecida como um
direito a todos os homens e a toda comunidade e que deve ser
sancionada no ordenamento jurídico [aqui a ruptura total com o
“direito Público Eclesiástico do Papa São Gelásio até Pio XII]”. (DH,
n. 2, 3, 6 e 13).
· A objeção onde DH queria empregar infalibilidade como declarou: “o
direito a liberdade religiosa se funda realmente sobre a dignidade
mesma da pessoa humana, qual se conhece seja por meio da palavra de
Deus revelada seja através da razão” (n.2). Se responde que o decreto
DH não quer definir que a liberdade religiosa fundada sobre a
dignidade da pessoa humana é verdade revelada e não quer obrigar a
nela crer como condição para salvação, mas só declarou pastoralmente
um “direito a liberdade religiosa” em “foro externo” e publicamente –
também inexistente segundo a Tradição apostpolica, a qual fala só de
“foro interno” e em privado – “fundado sobre uma dignidade pessoal”,
que é uma expressão filosóficamente inexata, enquanto não é sujeito de
mérito ou valor, mas é a natureza onde o sujeito subsiste, que confere
uma maior ou menor dignidade. Por isto DH deveria falar de dignidade
da natureza humana e não da pessoa humana. DH equivoca-se entre “foro
interno” e “foro externo”, entre natureza e pessoa, como sendo
ensinamento pastoral e a-dogmático renunciado ao léxico da filosofia e
teologia escolástica e específicamente tomistíca e se é servida de
expressões inexatas e “poéticas” mais que teológico-filosófica.
· Pio IX na Quanta Cura (8 de dezembro de 1864) definiu explicítamente
que a libedade religiosa em foro externo “é contrária a doutrina das
Sagradas Escrituras, da Igreja e dos Santos Padres Eclesiásticos” e
que “o Estado tem o dever de reprimir os violadores da Religião
Católica com pena específica”.
DOM CURZIO NITOGLIA
27 maio 2011
¹ “e qui casca l’asino”

Original em Italiano: http://www.doncurzionitoglia.com/liberta_


5. Felipe Coelho Disse:

2 de novembro de 2011 às 18:08


Caríssimo Gederson, Salve Maria!
Obrigado pela contribuição.
Lendo a citação do Pe. Nitoglia que você traduziu e trouxe aqui, vejo
que ela, ao mesmo tempo que concorda com o que foi dito neste blogue
sobre a liberdade religiosa do Vaticano II ser doutrina infalivelmente
condenada pela Igreja, contém também uma objeção ao que vem sendo
defendido aqui no Acies Ordinata:
“[...] o decreto DH não quer definir que a liberdade religiosa fundada
sobre a dignidade da pessoa humana é verdade revelada e não quer
obrigar a nela crer como condição para salvação, mas só declarou
pastoralmente um “direito a liberdade religiosa” em “foro externo” e
publicamente – também inexistente segundo a Tradição apostólica [...]”

(Pe. Nitoglia, trad. Gederson)


Isso me parece estar clarissimamente errado, e dou as razões:
Uma primeira é que, quando o Papa ou a inteira Igreja docente concorda
em ensinar doutrina para a universalidade dos fiéis, ainda que essa
doutrina não fosse infalivelmente verdadeira, ela seria certamente
infalivelmente segura!
Logo, não poderia ser algo condenado e contrário à Tradição. A única
possibilidade, então, de a Dignitatis Humanae ter acontecido é estar
faltando algo a essas infalibilidades da Igreja docente, e esse algo
só pode ser a presença de um Papa verdadeiro e legítimo desde sua
promulgação.
Uma segunda razão de essa resposta do Pe. Nitoglia parecer-me
flagrantemente equivocada é a seguinte, exposta pelo Pe. Belmont (peço
sua atenção especialmente à citação do Papa Leão XIII, no final, que a
meu ver já basta para impugnar a tese do Pe. Nitoglia):
“Sendo a Dignitatis Humanae ato do Magistério ordinário universal, [N.
do T. – Ordinário porque Paulo VI afirmou-o tal, Universal porque
magistério da universalidade dos Bispos reunidos com o Papa, caso
Paulo VI fosse Papa], e dado que nela [na DH] é afirmada como revelada
por Deus uma dignidade do homem tal que fundaria um direito à
liberdade civil em matéria religiosa, [N. do T. –Dignitatis humanæ, 7
dez. 1965. § 2: “A liberdade religiosa tem seu próprio fundamento na
dignidade da pessoa humana tal como no-la dá a conhecer a Palavra de
Deus...”. § 9: “Essa doutrina da liberdade religiosa tem as suas
raízes na Revelação divina...”.], todo fiel deve cumprir um ato de fé,
ou seja deve crer com fé divina e católica essa doutrina: a dignidade
do homem comporta, exige, implica o direito à liberdade religiosa.
A notificação do Cardeal Felici, secretário-geral do Vaticano II na
123.ª Congregação Geral confirma essa necessidade: ‘Quanto às outras
coisas que são propostas pelo Concílio, dado que representam a
doutrina do Magistério Supremo da Igreja, todos e cada um dos fiéis
devem recebê-las e admiti-las segundo o espírito do Concílio mesmo, o
qual resulta seja da matéria em questão, seja do modo de exprimir-se,
conforme as normas da interpretação teológica’ [N. do A. –Cit. in La
Documentation catholique, n.º 1438, de 16 nov. 1964, pp. 1633-1634].
Ora, a matéria em questão é já ensinada infalivelmente pela Igreja e é
de suma importância para a salvação das almas, e o modo de exprimir-se
apresenta esse ensinamento como revelado por Deus. Logo, todo fiel
deve aceitar essa doutrina na fé.
Contra essa conclusão, se poderia tentar fazer valer que o Vaticano II
não enuncia nenhuma obrigação de crer nessa dignidade da pessoa
humana, e que por isso o ato de fé não seria necessário. Essa objeção
não tem valor nenhum. A Revelação é, com efeito, o motivo formal da
fé: é justamente porque a doutrina é revelada por Deus que o fiel crê,
e a certeza da Revelação é-lhe dada pelo ato do Magistério. Este
último não tem, pois, nenhuma necessidade de mencionar uma obrigação
de crer: é a própria natureza das coisas que comporta essa necessidade
[N. do A. – É impossível que o Magistério subentenda: ‘é a Palavra de
Deus, mas não é necessário crer nisso’.]. TAL É, ADEMAIS, O
ENSINAMENTO DE LEÃO XIII:
‘TODA A VEZ QUE A PALAVRA DESTE MAGISTÉRIO DECLARA QUE ESTA OU AQUELA
VERDADE FAZ PARTE DO CONJUNTO DA DOUTRINA DIVINAMENTE REVELADA, TODOS
DEVEM CRER COM CERTEZA QUE ISSO É VERDADEIRO.’

[N. do A. – Cfr. Leão XIII, Satis cognitum; in Insegnamenti Pontifici,


«La Chiesa», n.º 572.]”
Rev. Pe. Hervé BELMONT, Brimborions – Contribution à la vigilance de
la foi, Bordeaux, 1990, a partir da trad. it. de um excerto desse
livro publicada em:
http://www.cattolicesimo.com/TesiCassiciacum/Belmont/Belmont.htm
Uma terceira razão seria a oposição (feita pelo Pe. Nitoglia) entre
pastoralidade e imposição de doutrina, oposição esta que me parece não
somente sem sentido, como também contrária às declarações de Paulo VI
e sucessores, mas não quero sobrecarregar esta resposta.
Enfim, caro Gederson, parece-me claríssimo que só essa citação de Leão
XIII já basta para infirmar a argumentação do Pe. Nitoglia, que lhe
parece?
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
6. Rogério Alexandre Disse:

4 de novembro de 2011 às 20:44


Olá Felipe, Salve Maria!
Agradeço as traduções, o tema tem estado nos meus estudos ultimamente.
Coloquei na lista do yahoo um vídeo do Padre Paulo Ricardo, e
justamente estou a procura de toda argumentação contrária a ele. Estou
lendo um texto de D. Mayer e aguardo a próxima tradução que você (com
licença) anunciou.
Só para contribuir:
8. Comparação esclarecedora.
[...]
Quem uma mulher tenha o direito de suportar pacientemente seu marido
que bate nela, é uma coisa (ela tem o direito de tolerá-lo);
NA VERDADE SERIA:
QUE UMA MULHER TENHA…
Abraço

Em JMJ

Rogério
7. Felipe Coelho Disse:

4 de novembro de 2011 às 21:52


Caríssimo Rogério, Salve Maria!
Muito obrigado pela correção, que já vou implementar na tradução. Por
mais que se releia, sempre passa alguma coisa, e fico contentíssimo
quando alguém me faz a caridade de apontar o erro. (Ainda ontem,
comentando um texto no Fratres in Unum em que um excelente
historiador, dos que melhor demonstraram a aberração que foi o
Vaticano II, derrapa porém ao adentrar em Teologia da Igreja, citei um
trecho de tradução aqui do blogue que, tão logo o vi publicado,
constatei perplexo ter um erro de digitação gritante (havia um
“encontra” em vez de “encontrada”). E quantas vezes não reli aquele
estudo! São as pequenas amarguras de todo tradutor, os ossos do
ofício…)
Enfim, embora tenha acabado de publicar tradução de um texto dos que
mais me fizeram bem quando, em meados de 2007, saí de um grupo que eu
frequentava havia mais de sete anos, texto este de autoria do meu
autor espiritual favorito, o grande teólogo escotista Padre Faber,
daqui a pouco publico a tradução que você pede e que eu já estava
devendo ao nosso amigo comum Aruan.
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
8. Textos essenciais em tradução inédita – CIII « Acies Ordinata
Disse:

4 de novembro de 2011 às 23:11


[...] N. do T. – Atendendo a pedido, incluo aqui também um trecho
luminoso de comentário do A. sobre o tema, feito, porém, no contexto
mais informal de um debate forístico [...]
9. Gederson Disse:

5 de novembro de 2011 às 15:16


Caro Felipe Coelho,

Salve Maria!
Obrigado pelo comentário. Mas me parece que falta abordar o problema
da pastoralidade (que é o principal do CVII). Embora você tenha
afirmado a doutrina tradicional, permanece a objeção de que, os Papas
conciliares declararam que a finalidade do Concílio era pastoral, não
era declarar nenhum dogma, que comportasse as notas da infalibilidade.
O mesmo ocorreu no seu comentário no Fratres, no post tratando sobre
De Matei. Ali ele se referia ao magistério pastoral, e você achou
estranha a referência que ele fez. Don Curzio Nitoglia, também parece
conceder como legitima, a pastoralidade do Concilio. Mas na sua
resposta você vai diretamente a questão do magistério tradicional, sem
considerar a questão da pastoralidade (que é muito estranha), que
parece sugerir um magistério paralelo.
Me parece, além disso, que a tal pastoralidade, é a doutrina, acima de
qualquer outra, que recebemos através do Concílio. Porque através da
pastoralidade é que temos a medida dos próprios ensinamentos
conciliares. Contudo, eu pelo menos não sei o que vem a ser pastoral,
como o CVII, não é muito clara e segura, daí pergunto:
O que é pastoral? É uma doutrina infalívelmente certa? Infalívelmente
segura?
Embora os Papas conciliares, tenham declarado o Concílio como
pastoral, e o desejo de não declarar dogmas (que comportassem as notas
da infalibilidade), eles trataram de questões que a Igreja tratou
dogmaticamente, dando respostas definitivas, e que preenchiam todas as
notas da infalibilidade. A própria questão da liberdade religiosa foi
respondida definitivamente por Pio IX. Então, um Concílio que se
declara pastoral, não poderia tratar de uma questão, para a qual já se
havia resposta definitiva de forma pastoral. Como ele trata assim tais
questões, não sugere que também considera as respostas definitivas
dadas pela Igreja, como respostas pastorais?
Um exemplo, a Igreja até 1965 acreditava com fé divina e católica, que
a Igreja de Cristo, é a Igreja Católica. Após o Concílio, ela passa a
dar religioso obséquio da inteligência e da vontade, a afirmação de
que “o Corpo de Cristo subsiste plenamente na Igreja Católica.” Embora
os “néo-teólogos” digam que o “subsist” repita a doutrina tradicional,
acredito que eles ficariam em maus lençois se lhes perguntássemos:

Mas então, o que aconteceu com a obrigação de fé divina e católica da


doutrina tradicional?
1) Foi absorvida pelo “subsist in” ?

2) Se sim, então, o religioso obséquio, significa a mesma coisa que a


obrigação de fé divina e católica, correto?

3) Então, qual a diferença entre dogma e pastoral?

4) Tal diferença corresponderia ao uso? Como se por exemplo, se


afirmasse em princípio a pastoralidade do Concílio e em fim se
desejasse conceder aos seus ensinamentos, a mesma autoridade do dogma?

5) Então, pastoral tem origem em Maquiável?


Felipe, eu sou um simples leigo, mas parece que falta a apologética
contrária ao CVII, abordar a questão da relação entre dogma e
pastoral. Falta nos explicações sobre a legitimidade de sobrepor as
formulações dogmáticas, meras formulações pastorais. Eu consegui em
italiano, o livro “Da opinião ao dogma de fé” de 1954 do Padre
Cartechini. Neste livro ele apresenta todas as notas teológicas
existentes, e não vi sequer uma que se assemelhe a uma “nota teológica
pastoral”.
Então, permanece a pergunta:
O que é pastoral? É uma doutrina infalívelmente certa? Infalívelmente
segura?
Fique com Deus.
Abraço
Gederson

Textos essenciais em tradução inédita – CII

A FSSPX deveria aceitar ou recusar as condições

postas por Bento XVI para a reconciliação?


Uma resposta alicerçada

na Tradição
(junho de 2006)

John S. DALY

Pergunta: A FSSPX deveria aceitar ou recusar as condições postas por


Bento XVI para a reconciliação?
Resposta: O peixe mais gordo na lagoa tradicionalista é,
indubitavelmente, a Fraternidade São Pio X. Para alguns é uma selvagem
piranha, para alguns um tubarão faminto por dólares, para outros é um
salmão suculento ou uma água-viva inchada, mas ninguém nega que seja
gordo. É por isso que um pescador bávaro está presentemente
arremessando a linha dele na sua direção. Esse pescador até alega ser
sucessor de um que pescou há muito tempo no mar da Galileia e que Deus
Filho chamou, afastando-o de suas redes para fazer dele pescador de
homens. A reivindicação do bávaro é precária, mas ele certamente sabe
pescar. Mantendo-se discretamente nas sombras para evitar alarmar, ele
pôs a isca no anzol e arremessou a linha dele, e não há dúvida de que
capturou o olhar fixo de sua presa. Como todo peixe que está se
perguntando se deve morder ou não, a FSSPX está avaliando a
probabilidade de a isca atraente conter um anzol despercebido e a
gravidade do cenário subsequente se porventura o contiver. Seus amigos
de barbatanas não se retraem de borbulhar seus conselhos, mas alguns
deles são suspeitos de querer que a FSSPX seja fisgada, na esperança
de sobrar mais espaço na lagoa para os menos crédulos. Não seremos tão
broncos e, lembrando que há outros pescadores tão perigosos quanto o
bávaro, pescadores a cuja astúcia nenhum peixe pode estar seguro de
resistir, esforçaremo-nos em oferecer conselho desinteressado.
Todo peixe sábio deveria aprender com a experiência. Em 1984, o hoje
falecido iscólatra polonês… mas abandonemos a metáfora: em 1984 João
Paulo II tornou disponível um indulto autorizando alguns de seus
seguidores a utilizar a Missa Católica ao invés da pseudo-Missa que
ele próprio usava e recomendava. Contudo, ele atrelou diversas
condições a esse privilégio, sendo a principal delas “que seja deixado
publicamente claro para além de toda a ambiguidade que os padres
[participantes] e seus respectivos fiéis de maneira nenhuma
compartilham das posições daqueles que põem em questão a legitimidade
e retidão doutrinal do Missal Romano promulgado pelo Papa Paulo VI em
1970.”
Recordar-se-á que o Arcebispo Dom Lefebvre julgou impossível em
consciência admitir que a “Missa Nova” fosse legítima e doutrinalmente
correta. Por isso, a FSSPX continuou atuando sem a vantagem de ser
autorizada a fazê-lo pelo homem que ela acredita ser o Papa, o Vigário
de Cristo, a fonte de toda a jurisdição eclesiástica, o docente
cotidiano dos fiéis. Ela professou julgar essa situação aceitável.
Agora Bento XVI parece disposto a revestir com a autoridade dele
aqueles tradicionalistas que quiserem se aproveitar disso, e a
principal condição na qual ele insiste parece ser a aceitação do
ensinamento do Concílio Vaticano Segundo (embora ele possa aceitar
relutantemente a adição de cláusulas vagas quanto à interpretação
desse ensinamento). É isso, ao menos, o que emerge do relato feito
pelo bispo Fellay de seu breve encontro com o novo ocupante do
Vaticano, encontro tão cuidadosamente armado de antemão quanto
qualquer enfrentamento de luta-livre profissional.
Vozes se ergueram, em 1984, proclamando a impossibilidade de aceitar a
condição de Roma nova. Elas se elevam hoje para proclamar uma
impossibilidade semelhante: a Missa Nova não é doutrinalmente sã; o
Vaticano II não é católico; a recusa da condição atual é tão
imperativa quanto foi a recusa da condição de 1984. A mensagem da
presente coluna é que a situação é um bocado mais complicada do que
tal conselho sugere. Ao mesmo tempo que é imperativo para a FSSPX
dizer “Não”, é também inteiramente obrigatório para ela dizer “Sim”, e
não há escapatória desse paradoxo nos termos admitidos pela FSSPX.
Vejamos rapidamente por que isso era assim em 1984 e deixemos que os
leitores apliquem os mesmos princípios à situação presente: para o bom
entendedor, meia palavra basta.
Muito simplesmente, toda e qualquer lei litúrgica da Igreja Católica é
necessariamente conforme à sã doutrina, pois a Igreja mesma ensina que
a liturgia dela e as leis litúrgicas dela são protegidas pela
infalibilidade dela. Por isso, a recusa de reconhecer a ortodoxia de
uma liturgia aprovada para uso amplamente difundido na Igreja Católica
é em si mesma uma traição da Fé Católica. Se a Igreja Católica
autorizou a “Missa Nova”, pode-se ainda preferir a antiga, mas não se
pode negar que a nova seja doutrinalmente sã. Fazê-lo é denunciar a si
próprio como doutrinalmente malsão.
Com efeito, em suas aclamadas Instituições Litúrgicas (tomo 2, p. 10,
ed. 1878), Dom Guéranger escreve que, se fosse admissível contestar
leis litúrgicas, “…seguir-se-ia que a Igreja errou numa disciplina
geral, o que é herético.” Então, não há como exagerar o que está em
jogo. Nem se pode escapar da objeção alegando que a Missa Nova não é
obrigatória: “Pode a Igreja, que é a coluna e o firmamento da verdade
e manifestamente recebe sem interrupção do Espírito Santo o
ensinamento de toda a verdade, ordenar, conceder ou permitir o que
traria dano às almas e menosprezo ou prejuízo a um sacramento
instituído por Cristo?” é a pergunta retórica feita pelo Papa Gregório
XVI na Quo graviora (1833). E Sto. Tomás de Aquino, comentando sobre a
ideia de que possa haver algo de inapropriado na maneira católica de
celebrar a Santa Eucaristia, escreve que “isso [essa ideia] se opõe ao
costume da Igreja, que não pode errar, por ser instruída pelo Espírito
Santo.” (Summa Theologiae IIa q.83 a.5)
Não há como negar que a “Missa Nova” é permitida e costumeira na
Igreja Conciliar. De fato, ela é a liturgia recebida e aprovada
daquele corpo, e o Concílio de Trento ensina expressamente que “[s]e
alguém disser que os ritos recebidos e aprovados da Igreja Católica
que costumam ser usados na administração dos sacramentos podem ser
desprezados ou omitidos sem pecado ao bel-prazer dos ministros… seja
anátema.” Similarmente, todos os teólogos dogmáticos citam a
condenação do pseudo-Sínodo de Pistoia pela Auctorem Fidei do Papa Pio
VI, para demonstrar que a infalibilidade da Igreja se estende às suas
leis litúrgicas. À guisa de um único exemplo oferecemos o seguinte
excerto das Institutiones Theologicae Dogmaticae do Pe. Johann
Herrmann, obra especialmente aprovada por São Pio X.
“A Igreja é infalível na sua disciplina geral.
Por sua disciplina geral, entendem-se suas leis e instituições que
concernem ao governo externo da Igreja inteira, por exemplo o que
concerne ao culto exterior, como a liturgia e as rubricas, ou a
administração dos sacramentos…
A Igreja é dita infalível em sua disciplina, não como se as suas leis
fossem imutáveis, pois uma mudança das circunstâncias frequentemente
torna oportuno abrogar ou alterar as leis; nem tampouco como se as
suas leis disciplinares fossem sempre as melhores e as mais úteis… A
Igreja é chamada de infalível em sua disciplina no sentido de que
essas leis disciplinares nada podem conter de oposto à fé ou aos bons
costumes, nada que possa ser prejudicial à Igreja ou nocivo para os
fiéis.
Isso decorre de sua própria missão. A missão da Igreja é conservar
íntegra a fé e conduzir as pessoas à salvação ensinando-as a observar
o que Cristo ordenou. Se em matéria disciplinar ela pudesse estipular,
impor ou tolerar algo contrário à fé ou à moral, ou prejudicial à
Igreja ou às gentes, então a Igreja poderia desviar-se de sua missão
divina, o que é impossível.
Isso é indicado pelo Concílio de Trento… e por Pio VI, na sua
constituição Auctorem Fidei, ao comentar a 78.ª proposição de Pistoia:
‘como se a Igreja, que é governada pelo Espírito de Deus, pudesse
estabelecer uma disciplina não somente inútil ou mais onerosa do que a
liberdade cristã pode tolerar, mas também perigosa, nociva, suscetível
de induzir à superstição ou ao materialismo’ – proposição esta
condenada como ‘falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva
aos ouvidos pios etc.’” (Vol. I, n.° 258).
Textos como esse poderiam ser multiplicados indefinidamente: mostram
eles claramente que, se a religião que autoriza e habitualmente usa o
“Novus Ordo” for a Igreja Católica, o “Novus Ordo” tem a garantia
divina de ser são em doutrina e benéfico para os fiéis.
Assinalar que o “Novus Ordo” patentemente não é doutrinalmente são nem
benéfico para os fiéis e que ele foi o instrumento contundente
utilizado para o assassínio espiritual de muitos milhões de outrora
católicos não é resposta para essa dificuldade. Eu repito: não é
resposta para a dificuldade.
Sim, o “Novus Ordo” corrompe a Fé Católica. Mas também a corrompe quem
alega que uma liturgia aprovada da Igreja Católica pode corromper a
fé. Qualquer um que rejeite como prejudicial ou heterodoxo o “Novus
Ordo”, ao mesmo tempo que reconheça como Católica e legítima a
autoridade que o impõe e a denominação religiosa que o utiliza
costumeiramente, também é réu daquilo de que acusa o “Novus Ordo”. Sua
posição, como um todo, deve ser rejeitada por todo aquele que almeja
manter a fé plena e inteira, assim como o “Novus Ordo” deve ser
rejeitado.
O que se segue para a FSSPX é que, enquanto eles reconhecerem os
reivindicadores vaticanossegundos do Papado como legítimos, eles estão
numa sinuca de bico. Aceitar a ortodoxia do “Novus Ordo” trai a fé.
Negar a sua ortodoxia trai a fé também. Sendo evidentemente impossível
aceitar a retidão doutrinal do “Novus Ordo”, nossa fé mesma exige de
nós rejeitar a autoridade que o impõe.
E é claro que razões comparáveis aplicam-se à exigência de Bento XVI
de 2006 de aceitar a ortodoxia do Concílio Vaticano II.
É por isso que não existe resposta certa para a pergunta com que esta
coluna se inicia. Não há resposta certa, porque não há pergunta a ser
feita. É o pescador bávaro quem precisa ser reconciliado com a Igreja,
não os Católicos fiéis à tradição. Ele não tem poder algum de
reconciliar a quem quer que seja com o que quer que seja. Apenas o
menos judicioso dos esgana-gatas de vistas curtas faria a si próprio a
desonra de parecer brincar com as larvas mofadas que ele está
chacoalhando como isca. A FSSPX tem de encarar as consequências
integrais da fidelidade integral à doutrina imutável da Igreja.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, A FSSPX deveria aceitar ou recusar as condições postas
por Bento XVI para a reconciliação? Uma resposta alicerçada na
Tradição, jun. 2006, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, nov. 2011,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-13b
de: “Should the SSPX accept or refuse Benedict XVI’s terms for
reconciliation?” – coluna “Answers Built on Tradition” [Respostas
alicerçadas na Tradição], in: The Four Marks, vol. 1, n.º 6, junho de
2006, p. 7.
Adquirível em:

http://www.thefourmarks.com/downloads.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Relacionado
Essa entrada foi publicada em 1 de novembro de 2011 às 15:56 e está
arquivada em Autores: DALY, “Subito”, Bento XVI, Concílio de Trento
(1545-63), Dom Guéranger, Doutrina, Ecclesia Adflicta, FSPX, FSPX-
Vaticano, Liturgia, Método, Papa GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa PIO VI
(1775-99), Sedevacantismo, Sto. Tomás de Aquino. Você pode acompanhar
qualquer resposta para esta entrada através do feed RSS 2.0. Você pode
deixar uma resposta, ou trackback do seu próprio site.
2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CII”
1. Gederson Disse:

2 de novembro de 2011 às 17:49


Caro Felipe Coelho,

Salve Maria!
Curiosamente, a Dei Verbum (sobre a revelação), é o documento que
melhor revela, o espírito da liturgia reformada por Paulo VI. Veja do
que estou falando:
21. A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o
próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada
Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa
da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e
continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra
suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por Deus, e
exaradas por escrito duma vez para sempre, continuam a dar-nos
imutàvelmente a palavra do próprio Deus, e fazem ouvir a voz do
Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos Apóstolos. É
preciso, pois, que toda a pregação eclesiástica, assim como a própria
religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura”. Dei
verbum –
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documen
ts/vat-ii_const_19651118_dei-verbum_po.html
Mas a Igreja venera ou adora, o corpo de Cristo? Não é um certo
espírito de “veneração”, o que permite a comunhão na mão?
Como eu disse, é bastante curioso que, um documento sobre a revelação,
revele o espírito do documento sobre a liturgia, ou seja, que não é um
espírito de adoração. Curiosamente este trecho da Dei Verbum, ainda
afirma que a Tradição tal como as sagradas escrituras, foram exaradas
por escrito duma vez para sempre. Mas e a tradição oral que garante o:
“Transmiti o que recebi”, o que aconteceu com ela?
Aparentemente a questão da tradição, não tem muito haver com a questão
litúrgica. Mas se também a tradição se restringe aos escritos e não
existe uma tradição oral, então, transforma-se o lema “Transmiti o que
recebi”, para o “Transmiti o que interprei”. Daí já não estamos mais,
falando de catolicismo, mas sim de protestantismo. Isto salta aos
olhos no Rito de Paulo VI, que foi uma litúrgia fabricada. Não é atoa
que Mons. Gherardini disse que, a Dei Verbum introduziu na Igreja, a
Sola Scriptura protestante!
Fique com Deus.
Abraço
2. AJBF Disse:

12 de setembro de 2013 às 0:48


Gederson, acho que você interpretou mal o texto. O “elas” ali refere-
se às “Sagradas Escrituras”, e não ao conjunto delas compostas com a
Sagrada Tradição.

Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XV

Sobre Escandalizar-se
Cap. VIII das

Conferências Espirituais

(Londres, 1859)
Padre Frederick William FABER (1814-1863),

do Oratório

Causar escândalo é falta grave, mas receber escândalo é falta mais


grave ainda. Implica maior maldade em nós e faz maior dano aos outros.
Nada escandaliza mais rápido do que a rapidez em se escandalizar. Vale
a pena considerarmos isso. Pois encontro numerosíssimas pessoas
moderadamente boas que pensam que não tem problema escandalizar-se.
Consideram isso uma espécie de prova de sua própria bondade e de
delicadeza de consciência, quando na realidade é somente prova de sua
presunção desordenada ou então de estupidez extrema. É um infortúnio
para elas quando é este último o seu caso, pois então ninguém tem
culpa além da natureza inculpável. Se, como disseram alguns, o homem
estúpido não pode ser Santo, ao menos sua estupidez nunca poderá fazer
dele um pecador. Ademais, as pessoas em questão parecem muitas vezes
sentir e agir como se a sua profissão de piedade envolvesse alguma
espécie de designação oficial para escandalizar-se. É o negócio delas
receber escândalo. É seu modo de testemunhar a Deus. Demonstraria
culpável inércia na vida espiritual se não se escandalizassem. Pensam
que sofrem muitíssimo enquanto estão se escandalizando, ao passo que,
na verdade, gostam disso impressionantemente. É uma agitação
prazerosa, que diversifica deliciosamente a monotonia da devoção.
Elas, na realidade, não caem por causa do pecado de seu próximo, nem o
pecado dele por si só as detém no caminho da santidade, nem tampouco
amam menos a Deus por causa daquele pecado: todas coisas que deveriam
estar implicadas no receber escândalo. Mas elas tropeçam de propósito
e cuidam que seja diante de alguma falta de seu próximo, para que
possam chamar a atenção para a diferença entre ele e elas próprias.
Há certamente muitas causas legítimas para escandalizar-se, mas
nenhuma mais legítima do que a facilidade quase jactanciosa de se
escandalizar que caracteriza tantas pessoas supostamente religiosas. O
fato é que proporção imensa de nós é fariseu. Para cada homem piedoso
que torna a piedade atraente, há nove que a tornam repugnante. Ou,
noutras palavras, somente uma em cada dez pessoas reputadas
espirituais é realmente espiritual. Aquele que, durante vida longa,
mais se escandalizou, fez mais injúria à glória de Deus e foi, ele
próprio, pedra de tropeço real e substancial no caminho de muitos. Foi
ele fonte inesgotável de odiosa desedificação para os pequenos de
Cristo. Se um desses tais ler isto, escandalizar-se-á de mim. Tudo
aquilo de que ele não gosta, tudo aquilo que o desvia de sua maneira
estreita de ver as coisas, é para ele um escândalo. É o modo farisaico
de expressar diferença de opinião.
Os homens gostam maravilhosamente de ser papas, e o mais enfadonho dos
homens, se ao menos tiver, como costuma ter, obstinação proporcionada
à sua enfadonhice, pode na maioria das vizinhanças esculpir para si um
pequeno papado; e se à sua enfadonhice ele conseguir acrescentar
pomposidade, poderá reinar gloriosamente, pequeno concílio ecumênico
local em sessão intermitente durante todas as quatro estações do ano.
Quem tem tempo suficiente, ou ânimo suficiente, ou esperança
suficiente, para tentar persuadir a esses homens? Eles não nos são
suficientemente interessantes para serem dignos de os persuadirmos.
Deixemo-los a sós com a sua glória e a sua felicidade. Tentemos
persuadir a nós mesmos. Nós mesmos não nos escandalizamos com
demasiada frequência? Examinemos a questão e vejamos.
Agora, eis aqui algo em que muitas vezes meditei. Certamente ninguém é
capaz de se lembrar de tudo nas volumosas vidas dos Santos, pois
levaria uma vida inteira para lê-las todas. Mas não me lembro de ter
lido de nenhum Santo que tenha alguma vez se escandalizado. Se isso é
ainda que aproximadamente verdadeiro, a questão está decidida de
imediato. Homens inchados, inflados de auto-importância, que veem
faltas nos outros com olhos de lince, criticam-nos com hábeis
sarcasmos e se deleitam no pedantismo de um estado de espírito
judicial, somente de modo humorístico podem aplicar a si mesmos o nome
de pequenos de Cristo. Todavia os livros nos contam que há dois tipos
de escândalo: o escândalo dos pequenos de Cristo e o escândalo dos
fariseus. Segue-se, então, que esses homens devem ser fariseus. Mas eu
digo que, se essa observação sobre os Santos for ainda que
aproximadamente verdadeira, ela deve frear-nos, e fazer-nos pensar
muito, caso sejamos homens sérios, embora não Santos; e o que pertence
aos Santos de modo algum se aplica a nós com segurança sob todos os
aspectos. Suponhamos que não seja estritamente verdadeira. Suponhamos
que seja somente coisa rara para os Santos escandalizar-se. Podemos
tirar disso conclusão suficientemente ampla, para nos ser muito
prática. Pois podemos inferir que é questão sobre a qual pessoas que
almejam ser espirituais não têm como precaver-se o bastante. Toda a
vez que nos escandalizamos, corremos grande risco de pecar, e risco
múltiplo assim como grande. Corremos o risco de prejudicar a glória de
Deus, de desonrar ao nosso Santo Senhor, de dar escândalo substancial
a outros, de quebrar nós mesmos o preceito da caridade, de indiscrição
altamente culpável e, no mínimo dos mínimos, de entristecer o Espírito
Santo em nossas próprias almas. Há aqui o bastante para fazer valer a
pena investigar.
Vejamos, primeiro que tudo, a quantidade de maldade que o hábito de se
escandalizar implica. Implica orgulho silencioso, que é totalmente
inconsciente de quão orgulhoso é. O orgulho é a negação da vida
espiritual. Orgulho espiritual significa que não temos vida
espiritual, mas, em lugar dela, a posse desse mau espírito. O orgulho
já é difícil o bastante de administrar mesmo quando dele estamos
cientes, mas um orgulho que não tem consciência de si próprio é coisa
muito desesperada. Frequentemente, parece como se a graça só o pudesse
atingir através da queda em pecado grave, que despertará sua
consciência e, no mesmo instante, transformá-lo-á em vergonha. Ora, o
hábito de escandalizar-se indica aquele pior tipo de orgulho, um
orgulho que acredita ser a humildade. Qualquer coisa próxima a um
hábito de receber escândalo implica também a existência de uma fonte
de falta de caridade nas profundezas do nosso íntimo, que a graça e a
mortificação interior ainda não alcançaram ou não conseguiram
influenciar. Se prestarmos atenção em nós mesmos, descobriremos que,
contemporaneamente com o nosso escandalizar-se, houve uma ou outra
mágoa em estado de agitação dentro de nós. Quando estamos bem
dispostos, não nos escandalizamos. É um ato que não é
preponderantemente acompanhado de benevolência. Uma tristeza
genuinamente mansa pela pessoa ofensora não é nem o primeiro
pensamento nem o pensamento predominante em nossa mente quando nos
melindramos. É fruto geralmente de um humor maligno. Às vezes, de
fato, brota da morosidade, ocasionada por adotarmos uma gravidade que
não fica bem em nós, porque vai contra a simplicidade. Precipitamo-nos
em reminiscências e descobrimos que nos entregamos de cabeça à
rabugice. Nem, tampouco, pode o ato de escandalizar-se ser muito
frequente em nós, sem que implique também um hábito formado de julgar
os outros. Numa pessoa realmente humilde ou naturalmente empática, o
instinto de julgar os outros é coberto, e como esmagado, por outras e
melhores qualidades. Tem de se empenhar e de fazer grande esforço
antes de conseguir chegar à superfície e se fazer valer, ao passo que
já está na superfície, óbvio, preparado, disponível e predominante no
homem que é dado a escandalizar-se. Será com frequência permitido
julgar ao nosso próximo? Certamente sabemos que deve ser a coisa mais
rara possível. Ora, não temos como nos escandalizar sem primeiro
formar um juízo; segundo, formar um juízo desfavorável; terceiro,
entretê-lo deliberadamente como motivação propulsora que nos inclina a
fazer ou omitir alguma coisa; e quarto, fazer tudo isso
predominantemente em temas de piedade, que, em nove entre dez casos,
nossa óbvia ignorância subtrai de nossa jurisdição.
Também indica carência generalizada de espírito interior. A graça
sobrenatural de um espírito de interioridade, dentre outros de seus
efeitos, produz os mesmos resultados do dom natural da profundidade de
caráter; e, a este, junta a engenhosa doçura da caridade. Um homem
irrefletido ou superficial tem maior probabilidade de se escandalizar
do que qualquer outro. Não consegue conceber nada além do que ele vê
na superfície. Ele tem apenas pouco auto-conhecimento e dificilmente
suspeita da variedade ou complicação de suas próprias motivações.
Muito menos, então, tem ele probabilidade de adivinhar com
discernimento as causas ocultas, as desculpas ocultas, as tentações
ocultas, que podem estar, e frequentemente estão, por trás das ações
dos outros. Assim também é, em questões espirituais, com um homem que
não tenha espírito de interioridade. Há não somente uma temeridade,
mas também uma grosseria e vulgaridade em seus julgamentos dos outros.
Algumas vezes ele só enxerga superficialmente. Isso se ele for um
homem estúpido. Se for homem sagaz, ele enxerga mais fundo do que a
verdade. A vulgaridade dele é do tipo sutil. Ele conecta coisas que
não tinham conexão real na conduta do próximo. Sendo ele próprio
baixo, suspeita de baixeza nos outros. Se ele visse um Santo, ele o
julgaria, ou ambicioso, teimoso, ou hipócrita. Ele enxerga complôs e
conspirações até mesmo na mais impulsiva das naturezas. É
absolutamente incapaz de julgar do caráter. Consegue apenas projetar
suas próprias possibilidades de pecado nos outros e imaginar que o
caráter deles seja aquilo que ele sente que, fosse-lhe a graça
retirada, seria o seu próprio. Ele julga como julga o homem cuja razão
está ligeiramente instável. É astuto em vez de perspicaz. Para homens
sagazes a caridade é quase impossível, se não tiverem espírito de
interioridade.
Descobriremos também que, quando caímos para o caminho do
escandalizar-se, há algo de errado com nossas meditações. Há ocasiões
em que nossas meditações são ineficazes. Com alguns homens isso é
assim quase durante a vida toda. O fato é que o hábito da meditação,
por si mesmo, não basta para tornar-nos interiores. Quando a vida
espiritual de um homem reduz-se à prática da meditação cotidiana,
vemos que ele logo perde o controle de sua língua, seu humor e suas
mágoas. Sua meditação matutina é inadequada para preencher de doçura o
seu dia inteiro. É demasiado fraca para deter a presença de Deus na
alma até à noite. Como as intenções gerais, tem ela possibilidades
teológicas que quase nunca são realidades práticas. É como um arbusto
plantado na argila: se não cavamos em volta dele e deixamos entrar o
ar e a umidade, ele não crescerá. Seu crescimento é retardado e
impedido. É um estado de coisas perigoso quando nossa meditação não
passa de uma ilha, num dia, de resto, inundado de mundanidade e
conforto. Pois devemos recordar que o conforto é dos piores tipos de
mundanidade e encontra asilo facilmente em nossos próprios aposentos,
a certa distância do mundo frívolo, barulhento e dissipado. Não
estamos longe de algum sério infortúnio quando a mortificação e o
exame de consciência desertaram de nossa meditação e deixaram-na à sua
própria sorte. O hábito de receber escândalo revela-nos muitas vezes
que estamos nesse estado ou tendendo rapidamente a ele.
Também envenena muitas outras coisas boas e profana coisas santas,
quase tornando-as positivamente sacrílegas. Infunde algo de chicaneiro
em nossa própria oração de intercessão. Transforma nossas leituras
espirituais em silenciosa pregação aos outros. Encanta as flechas do
pregador para longe de nós e, com habilidade satisfeita, mira-as nos
outros que temos perante o olhar de nossa mente. É joguete do que quer
que haja de mesquinho e detestável em nossas disposições naturais; e
torna a nossa própria espiritualidade a-espiritual, ao torná-la sem
caridade. Toda essa maldade complicada, ele implica já existir em nós;
e a fomenta e intensifica toda para o futuro, ao mesmo tempo que a
implica no presente. É, portanto, patente que nos faria bem
escandalizarmo-nos com o nosso escandalizar-se, ao vermos que
revelação degradante é ele, para nós, de nossa própria miséria e
mesquinhez. Estamos visando a uma vida devota. Mal acabamos de nos
livrar dos pântanos do pecado mortal. Conhecemos alguma coisa dos
caminhos da graça. Temos o modelo dos Santos. Estamos mais ou menos
familiarizados com o ensinamento dos autores espirituais. Não estamos
obrigados, seja por causa da nossa ignorância ou por causa da nossa
fraqueza, a olhar para a conduta dos outros como regra da nossa. Daí
que, em nosso caso, escandalizar-se é nem mais nem menos que julgar, e
devemos tratar a tentação a isso como trataríamos qualquer outra
tentação contra a caridade; a saber: devemos contê-la, puni-la,
detestá-la, tomar resolução contra ela e dela nos acusarmos na
confissão. Devemos nos precaver também contra os seus artifícios. Pois
ela tem muitas trapaças, e estas são com frequência bem-sucedidas.
Mestres, pais e diretores conhecem bem um estratagema dos que estão
sob o seu cuidado e controle, e que criticam, ao menos com
insinuações, o seu governo ou direção: esse truque consiste em se
acusarem a si mesmos de se terem escandalizado com a conduta de seus
superiores e diretores. É engenhoso, mas rapidamente se esgota. Os
diretores aprendem cedo a sufocar a sua própria curiosidade e não
permitir que seus críticos auto-iludidos lhes digam o que os
escandalizou, já que não podem nem sequer prestar ouvidos a isso sem
comprometer a sua dignidade e abrir mão da sua influência. Numa
palavra, descobriremos como conclusão mais segura e verdadeira a
tirar, a de que devemos considerar a tentação de escandalizar-se como
absolutamente maligna, sem atenuantes, tentação esta a que nenhuma
trégua deve ser dada e a cujas eloquentes súplicas por delicadeza de
consciência nenhuma audiência deve ser concedida além daquela do
desprezo tranquilo.
Agora que consideramos a maldade existente que a prontidão em
escandalizar-se implica em nós, podemos considerar o modo como ela nos
estorva na conquista da perfeição. Estorva-nos na aquisição do auto-
conhecimento. A vigilância sobre nós mesmos não é nada menos que uma
verdadeira mortificação. Avidamente agarramos a menor desculpa para
direcionar nossa atenção para longe de nós próprios, e a conduta
alheia é o objeto mais prontamente disponível ao qual nos voltamos.
Ninguém é tão cego para suas próprias faltas como o homem que tem o
hábito de detectar as faltas alheias. Isso também nos faz sabotar-nos
a nós mesmos. Acabamos interceptando a luz do sol que recairia em
nossa própria alma. Um homem que é sujeito a escandalizar-se nunca é
homem alegre e jovial. Nunca tem uma luz clara ao seu redor. Ele não é
feito para a felicidade, e já houve algum homem melancólico tornado
Santo? Um homem abatido é matéria-prima que só pode ser transformada
num cristão muito ordinário. Ademais, se tivermos um mínimo de
seriedade em nós, o nosso escandalizar-se deve, por fim, tornar-se
para nós fonte de escrúpulos. Se não é exatamente a mesma coisa que a
chicanice, quem traçará a linha divisória entre os dois? Sabemos muito
bem que não é em nossos melhores momentos que nos escandalizamos, e
deve ocorrer-nos gradativamente que é, tantas vezes, contemporâneo com
um estado espiritual enfermiço, que a coincidência é praticamente
impossível de ser acidental. Ao mesmo tempo, o ato é tão
intrinsecamente mesquinho em si mesmo, que tende a destruir todos os
impulsos generosos em nós mesmos. Ninguém pode ser generoso com Deus
que não tenha amor largo e abrangente por seu próximo.
Ademais, destrói nossa influência nos demais. Irritamos quando
devíamos animar. Ser suspeito de falta de simpatia é ficar
incapacitado como apóstolo. Quem é crítico será necessariamente não
persuasivo. Até na literatura, que departamento seu é menos
persuasivo, e portanto menos influente, que o da crítica? Os homens
entretêm-se com ela, mas não formam os seus juízos com base nela. Há
pouca coisa no universo literário mais impressionante do que o peso
ínfimo da crítica comparado à sua quantidade e habilidade. Gostamos de
encontrar defeitos; nunca, porém, somos atraídos por outros que
encontram defeitos. É o último refúgio de nossa boa disposição o
gostarmos de ter o monopólio da censura. Além do mais, esse hábito nos
enreda numa centena de dificuldades auto-suscitadas acerca da correção
fraterna, essa rocha das almas estreitas; pois a presunção de um homem
é, em geral, proporcional à estreiteza dele. Os homens despertam às
vezes, e descobrem que se puseram quase inconscientemente numa posição
falsa. É este um negócio terrível na espiritualidade. É mais difícil
de nos endireitarmos, do que recuperar o nosso equilíbrio depois de um
pecado. No entanto, a suposta obrigação da correção fraterna está
sempre nos seduzindo a posições falsas. Ela também atrai a nossa
atenção para longe de Deus, e fixa-os, com um tipo de seriedade
doentia, nas pusilanimidades e misérias terrenas. É ruim o bastante
desviar os olhos de Deus ao olhar demais para nós mesmos, mas tirar os
olhos de Deus para olhar os nossos próximos é mal maior ainda.
Transtorna por inteiro o mundo interior do pensamento, do qual o
exercício da caridade tanto depende. Impede-nos de alcançar o governo
da língua. Impede que tenhamos sucesso em boas obras nas quais a
cooperação livre e zelosa com outros é necessária. É o disfarce que a
inveja está eternamente a tomar e chamar pelo nome de cautela. No fim,
pensamos que todas essas coisas sejam virtudes, quando são, na
realidade, vícios da mais desagradável descrição.
Não penso que eu tenha exagerado o mal dessa rapidez em receber
escândalo. Confesso que é falta que me vexa mais do que muitas outras,
e por muitas razões. Suas vítimas são homens bons, homens muito
promissores, e cujas almas foram palco de operações da graça não
desconsideráveis. Apodera-se deles, em sua maioria, no exato momento
em que dons mais altos parecem estar se abrindo para eles. Sua
peculiaridade consiste nisto, que é incompatível com as graças mais
altas da vida espiritual, conspurca aquilo que já estava agora quase
limpo e torna vulgar aquilo que estava a ponto de consolidar seu
título à nobreza. Quando consideramos como são muitos os chamados à
perfeição e poucos os perfeitos, não podemos quase dizer que fazemos
bem em nos zangar com aquele mal, que tão certeira e eficazmente
estraga o trabalho da graça?
Em que consiste a perfeição? Numa caridade infantil, de vistas curtas,
caridade que acredita em todas as coisas; numa grande convicção
sobrenatural de que todo o mundo é melhor do que nós; em estimar muito
reduzida a quantidade de mal no mundo; em olhar demasiado
exclusivamente para o que é bom; na engenhosidade de interpretações
benévolas; numa desatenção, quase ininteligível, para as faltas dos
outros; numa graciosa perversidade de incredulidade sobre escândalos,
que por vezes, nos Santos, chega perto de constituir um escândalo por
si só. Essa é a perfeição; esse é o temperamento e o gênio dos Santos
e dos homens que os imitam. É uma vida de desejo, esquecida das coisas
terrenas. É uma fé radiante e enérgica de que a lentidão e frieza do
homem não interferirão no sucesso da glória de Deus. Ao mesmo tempo,
porém, lutando instintivamente, pela prece e reparação, contra os
males nos quais não se permite a si próprio crer conscientemente.
Nenhuma sombra de morosidade cai jamais sobre a mente brilhante de um
Santo. Não é possível que venha a fazê-lo. Finalmente, a perfeição tem
o dom de penetrar no universal Espírito de Deus, adorado de tantos
jeitos diferentes, e está contente. Ora, tudo isso não é,
simplesmente, o exato oposto do temperamento e do espírito de um homem
que está sujeito a escandalizar-se? A diferença é tão manifesta, que é
desnecessário comentá-la. Feliz de quem, em seu leito de morte, pode
dizer: “Ninguém jamais me escandalizou na minha vida!” Ele ou não viu
as faltas do próximo ou, quando as viu, a visão delas para alcançá-lo
tinha de atravessar tanta luz solar dele próprio, que as faltas
alheias não o atingiram tanto como faltas a culpar, mas antes como
razões para um mais profundo e terno amor.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Padre FABER, Sobre Escandalizar-se, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, fev. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-fY
de: “On Taking Scandal“, cap. VIII das Spiritual Conferences, Londres,
1859, pp. 305-315.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Textos essenciais em tradução inédita – XLIV


Em atenção aos que, como eu, creem que mesmo durante a crise mais
grave que ela já conheceu, a Igreja continua a preservar uma
constituição divina inviolável:

Florilégio de textos referentes aos bispos sem Missão Apostólica e aos


padres que eles ordenam
(2007)

John Daly

1. “Consecrator dicit: Habetis mandatum Apostolicum? Respondet


Episcopus senior Assistentium: Habemus. Consecrator dicit: Legatur.
(…) Mandato per notarium perlecto, Consecrator dicit: Deo gratias.”

(Pontificale Romanum, De Consecratione Electi in Episcopum.)


2. “Em verdade, em verdade vos digo que quem não entra pela Porta no
aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador.
Mas o que entra pela porta, é pastor das ovelhas. A este o porteiro
abre e as ovelhas ouvem a sua voz, ele as chama pelo seu nome, e as
tira para fora. Quando as tirou todas para fora, vai adiante delas, e
as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Mas não seguem o
estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.”

(Evangelho segundo São João, X, 1-5).


3. “Mas…Oza estendeu a mão para a arca de Deus e susteve-a, porque os
bois escoicinhavam e tinham-na feito pender. O Senhor indignou-se
muito contra Oza e feriu-o pela sua temeridade; e caiu morto ali mesmo
junto da arca de Deus.”

(II Reis, VI, 6,7).


4. “Esses são falsos apóstolos, operários fingidos, que se
transfiguram em apóstolos de Cristo.”

(II Cor. XI, 13)


5. “Eu não enviava estes profetas, e eles corriam; não lhes dizia
nada, e eles profetizavam.”

(Jeremias XXIII, 21)


6. “Se alguém disser que os Bispos não são Superiores aos Padres; ou
que eles não detêm o poder de conferir a Confirmação e as Ordens; (…)
ou que aqueles que não são nem ordenados, nem enviados [missi]
verdadeira e legitimamente pelo Poder Eclesiástico e Canônico, mas que
vêm doutra parte, são todavia legítimos Ministros da Palavra de Deus e
dos Sacramentos: seja anátema.”

(Santo Concílio de Trento, Sessão XXIII, Cânon VII).


7. “…[N]a Igreja Católica não pode haver sagração legítima sem ser
conferida por mandato apostólico.”

(Papa Pio VI, Carta Apostólica Caritas, 13 de abril de 1791).


8. “Com efeito, os cânones sagrados, clara e explicitamente,
estabelecem que pertence unicamente à Sé Apostólica julgar da
idoneidade de um eclesiástico para a dignidade e a missão episcopal e
que pertence ao Romano Pontífice nomear livremente os bispos. E mesmo
quando, como em determinados casos, na escolha de um candidato ao
episcopado, é admitido o concurso de outras pessoas ou entes, isto
acontece legitimamente somente em virtude de uma concessão – expressa
e particular – feita pela Sé Apostólica a pessoas ou a corpos morais
bem determinados, com condições e em circunstâncias bem definidas.
Isso posto, deriva que os bispos não nomeados nem confirmados pela
Santa Sé, e até escolhidos e consagrados contra suas disposições
explícitas, não podem gozar de nenhum poder de magistério nem de
jurisdição; pois a jurisdição vem aos bispos unicamente através do
Romano Pontífice, como já tivemos ocasião de lembrar na carta
encíclica Mystici corporis…”

(Papa Pio XII, Ad Apostolorum principis, 29 de junho de 1958).


9. “O poder de jurisdição, que é conferido diretamente ao Sumo
Pontífice por direito divino, deriva aos Bispos pelo mesmo direito,
mas somente mediante o Sucessor de S. Pedro, ao qual estão
constantemente submetidos e ligados pelo obséquio da obediência e pelo
vínculo da unidade, não somente os simples fiéis, mas também todos os
Bispos.”

(Papa Pio XII, Ad Sinarum gentem, 7 de outubro de 1954).


10. “Por onde, cremos e confessamos firmemente que seja qual for a
retidão, a piedade, a santidade e a prudência de um homem, ele não
pode e não deve consagrar a Eucaristia nem confeccionar o sacrifício
do altar se não for padre regularmente ordenado por um bispo visível e
tangível…corretamente constituído nesse ofício.”

(Papa Inocêncio III, Ejus exemplo, Denz. 424).


11. Aos bispos validamente sagrados mas sem mandato apostólico, tanto
o Papa Pio VI quanto o Papa São Pio X dão o título não de Monsenhor
[nem de Dom], mas de pseudo-episcopus.

(Ver Caritas, de 13 de abril de 1791, e a bula de excomunhão de Arnold


Harris Matthew, de 15 de fevereiro de 1911).
12. “Nem tampouco deve alguém tomar para si esta dignidade, ‘senão
aquele que por Deus é chamado, como o foi Aarão’ (Heb. IV, 12).
Consideram-se, porém, chamados por Deus os que são chamados pelos
legítimos ministros da Igreja; pois, daqueles que por arrogância se
intrometem como intrusos neste ministério, dizia evidentemente o
Senhor: ‘Eu não os enviava como profetas, e eles corriam’ (Ier. XXIII,
21). Não pode haver raça de homens mais infelizes e desgraçados do que
eles, nem mais perniciosos para a Igreja de Deus.”

(Catecismo do Concílio de Trento, Do Sacramento da Ordem).


13. “Essas ordenações não são reconhecidas pela Igreja; eis por que é
preciso considerar os sujeitos como leigos no que se refere aos
efeitos canônicos, incluindo aí o direito de casar-se.”

(Monitum do Santo Ofício de 8 de maio de 1959 referente ao estatuto


dos padres ordenados por um certo Giovanni Tadei, tendo este recebido
regularmente o sacerdócio mas irregularmente, numa seita, o
episcopado, cuja validade porém não era posta em dúvida.)
14. “O medo grave e a necessidade, mesmo relativos, bem como grave
perturbação [grave incommodum], como regra geral removem todo o delito
se se trata de leis puramente eclesiásticas.”

(Cânon 2205§2)
15. “Todo o poder espiritual é dado com uma certa consagração. É por
essa razão que o poder das chaves é dado com o sacramento da Ordem.
Mas o exercício desse poder requer matéria apropriada, que é o povo
cristão submetido por meio da jurisdição. Assim, antes da jurisdição o
padre possui o poder das chaves, mas não a faculdade de exercer esse
poder.”

(Santo Tomás, Suma Teológica, Suplemento, q. 17, a. 2, sol. 2).


16. “Quem de vós ousaria ocupar o ministério mesmo de um principezinho
deste mundo sem o mandato deste?”

(São Bernardo, Tract. de Convers. ad Clericos, cap. XIX.)


17. “Como é divina e sagrada, essa autoridade das Chaves, que,
descendo do céu no Romano Pontífice, dele deriva, por intermédio dos
Prelados das Igrejas, sobre toda a sociedade cristã que ela deve reger
e santificar! Seu modo de transmissão pôde variar conforme os séculos;
mas nem por isso todo o poder deixava de emanar, por pouco que fosse,
da Cátedra de Pedro. (…) Cabe então a nós, sacerdotes e fiéis,
interrogar qual a fonte donde nossos pastores hauriram o poder deles,
qual a mão que a eles transmitiu as Chaves. A missão deles emana da Sé
Apostólica? Sendo assim, eles vêm da parte de Jesus Cristo, que
confiou a eles, por intermédio de Pedro, Sua autoridade; honremo-los,
sejamos-lhes submissos. Caso eles se apresentem sem serem enviados
pelo Romano Pontífice, não nos unamos em absoluto a eles; pois Cristo
não os conhece. Ainda que estivessem revestidos do caráter sagrado
conferido pela unção episcopal, eles não são nada na Ordem Pastoral;
as ovelhas fiéis devem afastar-se deles.”

(Dom Guéranger, Ano Litúrgico, Cátedra de São Pedro em Antioquia.)


18. “Ao propor esta passagem do Evangelho aos neófitos de Pentecostes,
a Igreja queria premuni-los contra um perigo com que poderiam deparar-
se durante o curso de sua vida. No presente momento, eles são as
ovelhas afortunadas de Jesus, o Bom Pastor, e esse divino Pastor é
representado perante eles por homens que Ele próprio investiu do
encargo de apascentar os Seus cordeiros. Esses homens receberam de
Pedro a missão deles, e quem está com Pedro está com Jesus. Sucedeu,
porém, com frequência que falsos pastores introduziram-se no redil, e
o Salvador qualifica-os de assaltantes e de ladrões, pois, em lugar de
entrarem pela porta, escalaram as cercas do redil. Ele nos diz que Ele
próprio é a Porta pela qual devem passar os que detêm o direito de
apascentar as Suas ovelhas. Todo o pastor, para não ser ladrão, deve
ter recebido a missão de Jesus, e essa missão não pode vir senão
daquele que Ele estabeleceu para ficar em Seu lugar, até que Ele
próprio venha.

O Espírito Santo difundiu Seus dons divinos nas almas desses novos
cristãos; mas as virtudes que estão neles só se podem exercer de
maneira a merecer a vida eterna no seio da Igreja verdadeira. Se, em
lugar de seguirem o pastor legítimo, tiverem a infelicidade de
entregar-se a falsos pastores, todas essas virtudes tornar-se-ão
estéreis. Devem eles, então, evitar como estrangeiro aquele que não
recebeu sua missão do Mestre que, somente ele, pode conduzi-los aos
pastos da vida. Muita vez, ao longo dos séculos, houve pastores
cismáticos; o dever dos fiéis é fugir deles, e todos os filhos da
Igreja devem estar atentos à advertência que Nosso Senhor lhes dá
aqui. A Igreja que Ele fundou e que Ele conduz por Seu divino Espírito
tem por característica ser Apostólica. A legitimidade da missão dos
pastores manifesta-se pela sucessão; e, dado que Pedro vive em seus
sucessores, o sucessor de Pedro é a fonte do poder pastoral. Quem está
com Pedro está com Jesus Cristo.”

(Dom Guéranger, Ano Litúrgico, terça-feira de Pentecostes).


19. “A aproximação da consumação das núpcias do Filho de Deus
coincidirá, aqui embaixo, com um redobramento dos furores do inferno
para perder a Esposa. O dragão do Apocalipse, a antiga serpente
sedutora de Eva, vomitando como um rio sua baba imunda, desencadeará
todas as paixões para arrastar a verdadeira mãe dos viventes nessa
correnteza. Contudo, ele será impotente para contaminar o pacto da
eterna aliança; e, sem forças contra a Igreja, voltará sua fúria
contra os últimos filhos da nova Eva, reservados para a honra perigosa
das lutas supremas que descreveu o profeta de Patmos. É sobretudo
então que os cristãos fiéis deverão recordar-se das advertências do
Apóstolo e portar-se com a circunspecção que ele recomenda, dedicando
todos os seus esforços a conservar pura a inteligência não menos que a
vontade, nesses dias maus. Pois a luz não terá então de sofrer somente
as investidas dos filhos das trevas alardeando suas perversas
doutrinas; ela será talvez ainda mais diminuída e falseada pelas
falhas dos próprios filhos da luz no terreno dos princípios, pelas
procrastinações, as transações, a prudência humana dos pretensamente
sábios. Muitos parecerão ignorar na prática que a Esposa do Homem-Deus
não pode sucumbir sob o choque de força criada alguma. Se se
lembrassem de que Cristo comprometeu-se a guardar Ele próprio a Sua
Igreja até ao fim dos séculos, não creriam fazer prodígios trazendo ao
auxílio da boa causa uma política cujas concessões nem sempre serão
pesadas suficientemente na balança do santuário: sem imaginar que o
Senhor não tem necessidade, para ajudá-lo a cumprir Sua promessa, de
astúcias tortuosas; sem refletir, sobretudo, que a cooperação que Ele
condescende em aceitar dos Seus, para a defesa dos direitos da Igreja,
não pode consistir na diminuição ou na dissimulação das verdades que
constituem a força e a beleza da Esposa.”

(Dom Guéranger, O Ano Litúrgico, XX domingo depois de Pentecostes.)


20. “A Encarnação é missão do Filho de Deus ao mundo, e essa missão se
perpetua e difunde através da multiplicidade dos ministérios
eclesiásticos em todos os tempos. Como o meu Pai me enviou… Assim
como, no Antigo Testamento, os profetas e até mesmo os anjos não
intervinham jamais sem terem sido enviados, assim, no Novo, não existe
nenhum ministro da Redenção, não digo apenas sem um chamado ou vocação
que o torne apto, mas sem missão formal que o aplique à obra. E Deus
não é então menos cioso de Seu direito exclusivo de enviar. Ora, essa
missão dos ministros hierárquicos, bem como o chamado mesmo, só vêm de
Deus passando pela Igreja. (…) A distinção entre o poder de ordem e o
poder de jurisdição é fundada sobre esta necessidade permanente de
missão… Sem a missão, ao menos sob a forma elementar de uma permissão,
o poder sacerdotal, embora permanecendo válido, deixa de honrar a
Deus, deixa de oferecer sacrifício de agradável odor… (…) Nos tempos
de heresia e de cisma, é a necessidade mesma de missão que é
repudiada.”

(Rev. Pe. Humbert Clérissac, O.P., Le Mystère de l’Église [O Mistério


da Igreja].)
21. “…[T]oda a pessoa que não tem a missão por parte da Igreja
Católica, por esse mesmo fato ministra ilicitamente, e toda a pessoa
que recebe um sacramento comungando assim com o pecado do ministro,
recebe-o de modo sacrílego.”

(Cardeal Billot, De Sacramentis, tese XVI).


22. “Fora de uma comissão recebida da Igreja Católica, a administração
dos sacramentos é ilícita e sacrílega. (…) A autoridade para ministrar
os sacramentos vem toda ela da missão dada aos Apóstolos. (…) Mas a
missão apostólica encontra-se tão somente na Igreja Católica… Ainda
que seja possível, de fato, dispor dos bens de outrem sem ter recebido
dele missão para tanto, nada é mais certo do que o fato de que ninguém
dispõe legitimamente daquilo que pertence a outrem sem ser por mandato
deste. Ora, os sacramentos são bem de Cristo. Logo, não são
legitimamente ministrados senão por aqueles que têm missão da parte de
Cristo, ou seja, por aqueles aos quais provém a missão apostólica.”

(Cardeal Billot, De Sacramentis, tese XVI).


23. “Vê-se, destarte, a gravidade do erro dos polemistas que reduzem
toda a questão da sucessão apostólica à da validade das ordens.”

(Cardeal Billot, De Ecclesia, de Ordine, q. IX, p. 345)


24. “O poder de ordem separado dos princípios que tornam legítimo o
seu exercício está no mesmo estado que nas seitas de hereges e de
cismáticos.”

(Cardeal Billot, De Ecclesia, de Ordine, q. IX, p. 344)


25. “O poder de ordem depende do poder de jurisdição no que se refere
à legitimidade de seu exercício, de modo que em absolutamente nenhum
caso pode ser devidamente e licitamente exercido sem ser em
conformidade com os cânones e as estipulações da autoridade donde
emana essa jurisdição.”

(Cardeal Billot, De Ecclesia, de Ordine, q. IX, p. 339)


26. “Ainda que um homem seja divinamente separado dos outros homens, e
mesmo de seus confrades do presbiterato, pelo caráter episcopal, e
ainda que ele seja repleto de poder espiritual pela extensão
sacramental na ordenação episcopal, esse poder permanecerá para sempre
preso dentro de seu íntimo para ele; ele será incapaz de atuação
lícita e de dar seu fruto segundo a vontade de Deus sem a jurisdição e
a autoridade que lhe atribuem uma diocese e lhe dão um rebanho. E essa
jurisdição não pertence ao Bispo pelo expediente de sua sagração
episcopal, mas pela autoridade apostólica da Santa Sé.”

(Mons. Ullathorne, Ecclesiastical Discourses [Discursos


Eclesiásticos], 1876, p. 100).
27. “Nós definimos a vocação sacerdotal: a eleição e o chamado de um
sujeito ao estado eclesiástico; eleição e chamado inteiramente
gratuitos, que Deus faz desde toda a eternidade e que Ele manifesta e
intima no tempo pelo órgão dos ministros legítimos da Igreja. (…)
esses legítimos ministros da Igreja são os que têm em mãos a
jurisdição no foro externo; pois, evidentemente, o recrutamento do
clero é função do foro externo.”

(Côn. Joseph Lahitton, La Vocation Sacerdotale [A Vocação Sacerdotal],


obra cuja recomendação pela Santa Sé foi publicada – privilégio bem
excepcional – nos Acta Apostolicae Sedis, sob a data de 5 de outubro
de 1909.)
28. “Unicamente o Papa institui os bispos. Esse direito pertence a ele
soberanamente, exclusivamente e necessariamente, pela constituição
mesma da Igreja e pela natureza da hierarquia”

(Dom Adrien Gréa, L’Église et sa Divine Constitution [A Igreja e sua


Constituição Divina].)
29. “…[A] heresia da jurisdição universal de que cada bispo é
investido por sua ordenação…erro condenado pelo Concílio de Trento…”

(Tradition de l’Église sur l’Institution des Évêques [Tradição da


Igreja sobre a Instituição dos Bispos], t. III, p. 400, obra anônima
editada em Paris em 1814 e, segundo o Cardeal Wiseman, muito bem vista
pela Santa Sé sob o Papa Leão XII.)
30. “Uma sociedade cristã cujos bispos remontam aos Apóstolos somente
pelo poder de ordem, e não também pelo poder de jurisdição, não pode
pretender-se apostólica e, portanto, não pode ser a Igreja de Cristo.”

(W. Devivier, Curso de Apologética Cristã).


31. “É o Papa que dá aos Bispos a jurisdição deles, e nenhum Bispo
pode exercer seu ofício antes de ser reconhecido e confirmado pelo
Papa.”

(F. Spirago, Catecismo).


32. “Para alguém ser estabelecido Sucessor dos Apóstolos e Pastor da
Igreja, o poder de Ordem não é suficiente, sendo este sempre
validamente conferido pela ordenação. É preciso também o poder de
jurisdição, a qual é comunicada não pela Ordem mas pela missão
recebida da parte daquele a quem Cristo concedeu o supremo poder sobre
a Igreja universal. A Sucessão Apostólica pode ser definida como
segue: a pública, legítima, solene e jamais interrompida reposição dos
Apóstolos por pessoas para governar e apascentar a Igreja no lugar
deles. Essa sucessão pode ser material ou formal. A sucessão material
consiste no fato de que nunca faltaram pessoas e de que a substituição
dos Apóstolos por elas continuou sem interrupção. A sucessão formal
consiste no fato de que essas pessoas que os substituem desfrutam
realmente da autoridade derivada dos Apóstolos e recebida da parte
daquele que a pode comunicar. Estas últimas palavras…indicam que, para
a sucessão formal, é exigida missão, a qual pode ser definida como: a
legítima assunção e deputação a assumir os encargos apostólicos em
virtude das quais sucede-se ao lugar dos Apóstolos.”

(Herrmann, Institutiones Theologiae Dogmaticae, n. 282)


33. “Podemos muito bem aceitar o parecer de Toso de que a
interpretação laxista da lei do Cânon 209 [referente à jurisdição
suprida] deve-se a um desprezo das leis jurisdicionais por parte de
certos moralistas. (…) Cumpre recordar-se de que as leis
jurisdicionais são, ao menos por equivalência, leis irritantes e
incapacitantes. Por essa razão, assim como há necessidade de dispensa
para que possa casar-se uma pessoa detida por impedimento eclesiástico
dirimente, assim também a faculdade ou poder exigido que chamamos de
jurisdição é necessário para efetuar validamente um ato jurisdicional.
Os que não têm esse poder, sejam quais forem suas outras
qualificações, simplesmente não podem agir validamente. Ora, essa
jurisdição não pode ser concedida senão pela Igreja. [Na suplência de
jurisdição...] a Igreja delimita cuidadosamente a extensão da
concessão e as condições de sua eficácia. Fora desses limites, não
existe nenhum título de jurisdição. Seria vão raciocinar que, num tal
caso, o legislador não tem a intenção de que a lei jurisdicional
obrigue, em razão das circunstâncias duras e probantes do caso, se a
lei diz claramente o contrário… Não existe paridade entre as leis que
interdizem, sem mais, e aquelas das quais depende a validade…”

(F.-X. Miaskiewicz, Supplied Jurisdiction According to Canon 209 [A


Jurisdição Suprida Conforme o Cânon 209].) ”

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, Florilégio de textos referentes aos bispos sem Missão
Apostólica e aos padres que eles ordenam, 2007, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2010, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-uL
de: “FLORILÈGE DE TEXTES CONCERNANT LES ÉVÊQUES SANS MISSION
APOSTOLIQUE ET LES PRÊTRES QU’ILS ORDONNENT”,

Le Forum Catholique, 14 nov. 2007,

Relacionado
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Cardeal Billot, Concílio de Trento (1545-63), Dom Gréa, Dom Guéranger,
Doutrina, Liturgia, Método, Papa PIO XII (1939-58), Papa São PIO X
(1903-14), São Bernardo de Claraval, Sto. Tomás de Aquino. Você pode
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XLIV”
1. Sandro de Pontes Disse:

28 de dezembro de 2010 às 13:08


Prezado Felipe, salve Maria.
O texto do CMRI citado pelo Aruan no outro post está em espanhol no
seguinte endereço:
http://www.cmri.org/span-96prog9.html
Neste endereço Dom Pivarunas diz o seguinte:
“(…) Durante este largo período de vacancia de la Sede Apostólica,
también ocurrieron vacancias en varias diócesis alrededor del mundo. A
fin de que los sacerdotes y fieles no qudasen sin pastores, se
eligieron y consagraron obispos para llenar las sedes vacantes. En
este tiempo hubo veintiún elecciones y consagraciones en varios
países. Lo más importante de este precedente histórico es que TODAS
ESTAS CONSAGRACIONES episcopales fueron ratificadas por el papa
Gregorio X, y, por consiguiente, afirmó su licitud”.
Ora, Felipe, se isso for verdade, então existiria sim, a menos que eu
me equivoque, o que não seria nenhuma novidade : ), o tal estado de
necessidade que justificam sagrações episcopais sem mandados papais.
Se puder, favor refutar este trecho de Monsenhor Pivarunas, já que ele
é essencial ao debate, em meu modode ver as coisas.
Abraços sempre fraternos e se eu não falar com você nos próximos dias
já lhe desejo um feliz ano novo e que estejamos juntos em 2011: juntos
na fé e na luta pela manutenção da graça santificante, que é o que
realmente importa!!!! Já o resto…pode esperar!
Sandro de Pontes
2. Textos essenciais em tradução inédita – L « Acies Ordinata Disse:
18 de fevereiro de 2011 às 18:24
[...] tradução responde, ao menos em parte, às perguntas dos amigos
Rosano, Roberto e Aruan (a este devo ainda, como se vê, mais objeções
às inovações do Padre Calderón, espero que para breve), assim como —
aproveito para mencionar agora — tanto o já mencionado Florilégio
quanto a tradução citando Journet e Lenoir, que se lhe seguiu, visavam
responder às perguntas (em ordem cronológica:) dos amigos Sérgio,
Eduardo, Aruan e Sandro [...]
3. Textos essenciais em tradução inédita – CCXXXVI | Acies Ordinata
Disse:

29 de janeiro de 2014 às 21:13


[…] avaliação de um ato. É perfeitamente absurdo comparar a avaliação
moral de um ato, à luz de 32 citações teológicas, com a avaliação de
uma pessoa – um Sucessor dos Apóstolos, que professa a Fé Católica e
[…]

Textos essenciais em tradução inédita – LV

As Principais Heresias e Outros Erros

do Vaticano II

(1990)

John Daly

Introdução
Este documento contém uma lista das mais importantes contradições à
doutrina católica de que estamos cientes nos pronunciamentos do
Vaticano II, juntamente com um sumário, em cada caso, de provas que
evidenciam que o ensinamento falso é herético ou, nalguns poucos
casos, digno de alguma nota menos grave de censura. Suspeitamos que
leitura meticulosa dos documentos do Vaticano II traria à luz muitas
heresias mais, mas pensamos que estas, abaixo listadas, são as mais
conhecidas e as mais flagrantes.

As Notas ou Qualificações Teológicas da Igreja


Antes de dar início à lista, talvez seja útil repassar as diferentes
qualificações ou notas teológicas que a Igreja atribui àqueles
ensinamentos que ela, de um modo ou de outro, fez seus e as
respectivas notas de censura teológica ou condenação com que as
proposições contraditórias são estigmatizadas.
[Nota do Editor: Clique aqui para visualizar uma apresentação em forma
de tabela.]
[Nota do Tradutor: A tabela acima referida, do Padre Cartechini,
encontra-se ali em inglês; há, em espanhol, do Padre Salaverri, tabela
semelhante, no par. 905 de seu Tractatus de Ecclesia Christi, Lib. 2,
ao final do: Epílogo: Sobre el valor y la censura de las proposiciones
en Teología, nn. 884-905, em: Sacræ Theologiæ Summa, vol. I, Tratado
III; trad. esp. online (presumivelmente da 5.ª ed. deste 1.º vol.,
Madrid: B.A.C, 1962).]
Frisamos que a tabela mencionada é utilizável, mas aproximada. As
censuras teológicas menores foram empregadas diferentemente por
diferentes teólogos; [1] e algumas questões de aplicação, e até mesmo
de distinções teológicas, permanecem indeterminadas em seu uso.
[1. Ver Padre John Cahill O.P., The Development of the Theological
Censures after the Council of Trent (1563-1709) [O desenvolvimento das
censuras teológicas depois do Concílio de Trento (1563-1709)],
Friburgo, Suíça, 1955.]

As Principais Heresias e Outros Erros do Vaticano II

(a) O direito civil à liberdade religiosa.


“O Concílio declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa
se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana… Este direito
da pessoa humana à liberdade religiosa deve ser reconhecido no
ordenamento jurídico da sociedade, de modo que se torne um direito
civil.” (Declaração sobre a Liberdade Religiosa Dignitatis Humanae,
parágrafo 2) [2]

[2. Destaque adicionado por nós, como também em todas as demais


passagens citadas neste Apêndice.]
E, o que é mais, os “papas” do Vaticano II tomaram providências para
garantir que, nos países onde essa liberdade não fosse ainda um
“direito civil”, ela se tornasse um. Destarte, as constituições
católicas da Espanha e da Colômbia foram suprimidas, por orientação
expressa do Vaticano, e as leis desses países, alteradas para permitir
a prática pública de religiões acatólicas.[3] [3. Antes da década de
1960, em uma porção de nações católicas sobreviventes, permitia-se aos
acatólicos reunir-se para seus rituais, mas não podiam “cultuar” em
público nem possuir igrejas, pregar em público ou fazer proselitismo.
Nem, tampouco, podiam seus ministros vestir-se como clérigos: em
Malta, por exemplo, os capelães do Exército britânico tinham de usar
gravata em vez do colarinho clerical.] E, como para refutar o mais
claramente possível os esforços de certos desorientados membros
“conservadores” da Seita Conciliar em contornar o texto supracitado,
interpretando-o de algum modo bem incrível, Karol Wojtyla nunca perde
uma oportunidade de inculcar a sua própria – certamente exata –
interpretação da intenção do Concílio. Por exemplo, em fevereiro de
1993 declarou ele, na predominantemente pagã República Africana do
Benim, que “a Igreja considera a liberdade religiosa um direito
inalienável…”
A doutrina correta, que os Papas reiteraram com frequência, é afirmada
da maneira mais autoritativa na seguinte passagem da Quanta Cura do
Papa Pio IX (1864):
“E partindo desta ideia absolutamente falsa da organização social, não
têm receio em promover aquela opinião errônea, especialmente letal à
Igreja Católica e à salvação das almas, chamada por Nosso Predecessor,
Gregório XVI, loucura, a saber: que a liberdade de consciência e de
culto é direito próprio de cada homem, e deve ser proclamada pela lei
em toda sociedade corretamente constituída… Todas e cada uma das
doutrinas individualmente mencionadas nesta Carta, por Nossa
autoridade Apostólica as reprovamos, proscrevemos e condenamos; e
queremos e mandamos que todas elas sejam tidas como absolutamente
reprovadas por todos os filhos da Igreja.”
Quase o único rótulo que o Papa Pio IX não atrelou a esta doutrina é,
de fato, o de “heresia”, mas ele claramente considerava herética a
“loucura” de que falou, pois ele diz que contradiz a Revelação Divina.
Além disso, essa noção de liberdade religiosa já havia sido
expressamente qualificada como herética pelo Papa Pio VII no Breve
Post Tam Diuturnas, de modo que não há dúvida sobre a questão.
Censura Teológica: HERÉTICO.

(b) A Revelação foi completada na Crucifixão.


“Finalmente, Ele completou a Sua Revelação quando realizou na Cruz a
obra da Redenção, pela qual alcançou a salvação e verdadeira liberdade
para os homens.” (Declaração sobre a Liberdade Religiosa Dignitatis
Humanae, parágrafo 11)
Isso contradiz o ensinamento católico tradicional e estabelecido de
que muitas verdades propostas pela Igreja como divinamente reveladas
foram reveladas por Nosso Senhor somente depois de Sua Ressurreição.
Por exemplo, o Concílio de Trento (Sessão 6, capítulo 14) ensinou que
“Jesus Cristo instituiu o Sacramento da Penitência quando Ele disse:
‘Recebei o Espírito Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-
lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão
retidos’.” Essas palavras foram pronunciadas por Nosso Senhor (João
20,23) no fim da tarde do Domingo da Páscoa, mais de dois dias
inteiros depois de Sua Crucifixão. E, é claro, a tradição católica não
contém a mais mínima razão para crer que Nosso Senhor tenha revelado
antes da Crucifixão o Seu plano de instituir o sacramento; e alegar
que Ele assim fez seria, portanto, inventar um novo dogma de que nunca
se ouviu falar na Igreja. E, mesmo então, permanece a objeção de que
as respostas a questões tais como exatamente quem eram os ministros do
sacramento não poderiam ter sido reveladas antes da Paixão, já que a
apostasia de Judas foi mantida em segredo por Nosso Senhor até
acontecer.
A lista de dogmas revelados por Nosso Senhor depois de Sua Crucifixão
inclui a forma do sacramento do Batismo, a extensão do mandato dos
Apóstolos de pregar para o mundo inteiro, a abolição das religiões
patriarcais como meios de salvação, a entrada em vigor do prometido
primado e infalibilidade de São Pedro, a elevação de São Paulo à
dignidade Apostólica e, é claro, a própria Ressurreição de Nosso
Senhor. Esta última, Ele já profetizara havia muito, claro; mas é nela
como evento histórico que devemos crer hoje, e seu cumprimento
histórico só foi revelado na manhã do Domingo da Páscoa, quando
aconteceu e foi anunciado pelos anjos às santas mulheres.
Assim, a doutrina do Vaticano II neste tópico nega a revelação divina
de grande parte da Fé Católica e do sistema sacramental católico,
relegando ao estatuto de superfluidade não revelada o próprio
fundamento do Cristianismo sobre o qual São Paulo escreveu: “Se Cristo
não ressuscitou, a vossa fé é vã” (1 Coríntios 15,17). Mas claro que,
se Nosso Senhor não revelou a Sua escolha de São Paulo como Apóstolo
(evento este que provavelmente aconteceu mais de um ano inteiro depois
da Crucifixão), não surpreende que a Seita Conciliar não atente para a
doutrina dele!
Finalmente, notamos que, ao condenar a doutrina dos que sustentam que
novas revelações foram adicionadas ao Depósito da Fé desde a Era
Apostólica, a Igreja acostumou-se a ensinar que o ponto de corte após
o qual nenhuma revelação ulterior foi feita foi a morte do último
Apóstolo (cf. Denzinger 2021). Evidentemente, a Igreja não teria
escolhido data tão tardia como ponto de encerramento da Revelação se
esta já se tivesse encerrado muito antes, ou seja, na hora da
Crucifixão.
Incidentalmente, vimos argumentar-se que a palavra latina
“perficere”, que ocorre no original do texto acima da Dignitatis
Humanae, significa “tornar perfeita” ao invés de “levar a termo”.
Ainda que significasse, não vemos como isso ajudaria o argumento
contrário, pois a Revelação Divina dificilmente poderia ser
considerada perfeita sem a Ressurreição e todo o restante; os
Apóstolos certamente pensaram que a Ressurreição era digna de ser
conhecida e, recordando seu estado mental na Quinta-Feira Santa e
Sábado Santo, indubitavelmente teriam rechaçado como ridícula a ideia
de que a Revelação estava perfeita sem a Ressurreição. Como quer que
seja, porém, “perficere” não significa normalmente “tornar perfeita”.
Seu sentido natural é “completar” ou “levar a termo”; e, mesmo quando
o significado secundário, “tornar perfeita”, seja possível, é sempre
no sentido de tornar perfeito dando acabamento.
Censura teológica: HERÉTICO.
(c) Seitas heréticas e cismáticas são meios de salvação.
“As igrejas e comunidades separadas, enquanto tais, embora creiamos
que padeçam dos defeitos já mencionados, não estão de forma alguma
despojadas de sentido e de importância no mistério da salvação. Pois o
Espírito de Cristo não se recusou a usá-las como meios de salvação, os
quais derivam sua eficácia da própria plenitude de graça e verdade
confiada à Igreja Católica.” (Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis
Redintegratio, parágrafo 3).
Isso contradiz uma doutrina que foi repetida talvez mais vezes que
qualquer outra pela Igreja e é inquestionavelmente revelada por Deus.
Somente um único exemplo do ensinamento magisterial da verdadeira
doutrina é necessário, e selecionamos o seguinte, do Concílio de
Florença realizado sob a égide do Papa Eugênio IV (1441):
“A Santíssima Igreja Romana firmemente crê, professa e prega que
nenhum daqueles que estão fora da Igreja Católica, não só pagãos, mas
também judeus e hereges e cismáticos, podem ter parte na vida eterna;
mas que irão para o fogo eterno que foi preparado para o Diabo e seus
anjos, a não ser que, antes de morrer, entrem nela…”
Ouvimos argumentar-se que a palavra “meios”, que ocorre na passagem
aberrante neste decreto, pretendia talvez significar algo como um
“trampolim”; mas é claro que a palavra não é capaz desse significado,
nem em si mesma nem na palavra em latim da qual é tradução. Um axioma
filosófico afirma que “um meio que é incapaz de alcançar seu fim não é
meio.” Voar de avião é um meio de ir da Inglaterra à França, mas andar
de bicicleta não é, ainda que, ao chegar ao Canal, se pusesse de lado
a bicicleta e se usasse alguma outra forma de transporte em vez dela.
Censura teológica: HERÉTICO.

(d) Oração pública em comum com hereges e cismáticos é útil e


louvável.
“Em algumas circunstâncias peculiares, como por ocasião das orações
prescritas ‘pela unidade’ e em reuniões ecumênicas, é lícito e até
desejável que os católicos se associem aos irmãos separados na oração.
Tais preces comuns são certamente um meio muito eficaz para impetrar a
graça da unidade. São uma genuína manifestação dos vínculos pelos
quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados”
(Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 8).
Nesta breve passagem. os Padres do Vaticano II lograram comprimir duas
falsidades doutrinais distintas:
1. Que seja desejável que os católicos se associem em “preces comuns”
com seus irmãos separados. Longe de serem desejáveis, atividades
religiosas em conjunto com acatólicos (exceto no caso de indivíduos
conhecidos que já estejam no caminho da conversão) são proibidas.
2. Que tais orações em comum sejam “um meio muito eficaz para impetrar
a graça da unidade”.
A doutrina correta é formulada claramente no Cânon 1258 do Código de
Direito Canônico de 1917, que nem mesmo o mais entusiasmado promotor
do Vaticano II pode negar estava em vigor quando ocorria o Vaticano
II. Este cânon afirma que é ilícito assistir ativamente de qualquer
modo, ou tomar parte, nas funções sagradas de acatólicos; e isso é
simplesmente repetição e afirmação do que sempre foi a regra da
Igreja. Consultaram-se os casuístas sobre quais exceções poderiam ser
permitidas na Inglaterra no século XVI, lugar e momento em que isso
realmente importava, e as únicas concessões que encontraram foram
atividades menores como dar graças… e mesmo isso apenas era permitido
para evitar grave perigo.
Agora, reconhecidamente, se o Cânon 1258 fosse lei puramente
eclesiástica – noutras palavras, um tipo de lei humana –, o Vaticano
II (se foi um verdadeiro concílio) poderia tê-la indeferido e imposto
uma nova lei. Só que o Cânon 1258 não era uma lei puramente
eclesiástica. Representa em parte uma aplicação da Lei Divina; e nem
mesmo um Papa é capaz de abolir uma Lei Divina (nem de dispensar
dela). Prova plenamente suficiente de que uma Lei Divina está em
questão pode ser encontrada na seguinte instrução sobre o tema da
“communicatio in sacris cum acatholicis” dirigida aos católicos pelo
Cardeal Allen em sua carta de 12 de dezembro de 1592: [4]
[4. Letters and Memorials of Cardinal Allen [Cartas e Monumentos do
Cardeal Allen] (ed. T.F. Knox) vol. 2, p. 344. O vernáculo foi
modernizado e deixado mais claro em um ou dois lugares, e os destaques
são nossos.]
“…Vós [padres] e todos os meus irmãos devem ter grande cuidado para
que não ensinem, nem defendam, que seja lícito comunicar com os
protestantes nas orações ou cerimônias deles ou nos conventículos onde
eles se reunem para ministrar seus sacramentos falsos; pois isto é
contrário à prática da Igreja e dos Santos Doutores em todos os
tempos, que jamais comunicaram ou permitiram que pessoa católica
alguma rezasse junto com arianos, donatistas ou quejandos. Nem
tampouco é esta uma lei positiva da Igreja, pois nesse caso poder-se-
ia obter dispensa dela em certas ocasiões; mas é proibido pela própria
Lei Eterna de Deus, como por muitos argumentos evidentes pude
demonstrar… Para me certificar mais ainda de tudo isso, pedi o
julgamento do Papa presentemente reinante [Papa Clemente VIII], e ele
me disse expressamente que participar com os protestantes, seja
rezando com eles ou indo às igrejas ou cerimônias deles ou coisa do
tipo, não tinha como ser lícito nem passível de dispensa.”
Em resposta a um correspondente escrevemos o que segue:
“(I) A carta do Cardeal Allen foi escrita em circunstâncias que não
teriam como ser mais prementes, e que devem ter feito o Cardeal Allen
e o Papa procurarem por toda e qualquer oportunidade de ceder na
questão, se fosse possível encontrar meio de ceder. Naquele momento,
na Inglaterra elizabetana, os católicos terem permissão de rezar com
os acatólicos poderia literalmente ter salvo a vida dos católicos, e
poderia também ter evitado a redução de famílias inteiras à ruína
total (e, é claro, salvado muitos da tentação de apostatar, por vezes
desditosamente consentida).
(II) Não há possibilidade alguma de a proibição ter se referido
somente à assistência a cerimônias religiosas, pois não menos que duas
vezes o documento deixa claro que não é assim, e que a proibição
engloba tudo. ‘…que não ensinem, nem defendam, que seja lícito
comunicar com os protestantes nas orações ou cerimônias deles ou nos
conventículos onde eles se reunem para ministrar seus sacramentos
falsos…’ E: ‘…o Papa…me disse expressamente que participar com os
protestantes, seja rezando com eles ou indo às igrejas ou cerimônias
deles ou coisa do tipo, não tinha como ser lícito nem passível de
dispensa.’
(III) O documento deixa claro que essa proibição sempre existiu.
‘…contrário à prática da Igreja e dos Santos Doutores em todos os
tempos, que jamais comunicaram ou permitiram que pessoa católica
alguma rezasse junto com arianos, donatistas ou quejandos…’
(IV) Reiteradas vezes o documento deixa claro que o que está em
questão não é meramente lei eclesiástica feita pelo homem, mas Lei
Divina. Assim: ‘Nem tampouco é esta uma lei positiva da Igreja, pois
nesse caso poder-se-ia obter dispensa dela em certas ocasiões’; é
somente a Lei Divina que não é passível de obter dispensa. Assim
também: ‘…é proibido pela própria Lei Eterna de Deus.’ O que poderia
ser mais claro do que isso? Ou afirmais que haveria distinção entre a
Lei Divina e ‘a própria Lei Eterna de Deus’? E assim, ainda outra vez:
‘…o Papa presentemente reinante…me disse expressamente que participar
com os protestantes…rezando com eles…não tinha como ser lícito nem
passível de dispensa.’
(V) E como o pronunciamento do Cardeal Allen poderia ter sido mais
definitivo? Em primeiro lugar, ele, um príncipe da Igreja e
possivelmente um dos cardeais mais venerandos do século XVI, deixou
perfeitamente claro que havia investigado a matéria com grande
cuidado, que ele estava meramente repetindo o que sempre fora a
prática inviolável da Igreja, e também que ele possuía total certeza
de que era questão de Lei Divina e não passível de dispensa. E, em
segundo lugar, em razão da importância da questão ele julgou seu
dever, não obstante sua própria certeza completa, verificar a questão
com a autoridade suprema, o homem com as chaves do reino dos Céus e o
poder de ligar e desligar como se o ligar e desligar fosse feito por
Deus Mesmo; e o Papa, a despeito do fato de que, como…já foi sugerido,
todo o instinto humano deve ter gritado para ele encontrar um meio de
contornar a proibição caso um meio de contorná-la pudesse ser
encontrado, simplesmente afirmou inequivocamente que oração com
protestantes – não somente a assistência a cerimônias litúrgicas – era
ilícita e não passível de dispensa, ou seja, era questão de Lei
Divina.”
Temos de deixar claro que não negamos, de modo algum, que haja margem
para dúvida com relação a alguns casos excepcionais; nem tampouco
negamos que a Lei Divina, que torna per se ilícito associar-se até
mesmo às preces particulares ortodoxas de acatólicos, parece não
obrigar – com relação às preces particulares genuinamente ortodoxas de
acatólicos – em casos de grave inconveniência onde não haja perigo de
escândalo. Naturalmente, o Cardeal Allen e o Papa Clemente VIII sabiam
que sempre haveria escândalo se os católicos rezassem com protestantes
na Inglaterra pós-“Reforma”, e eles, portanto, não tinham necessidade
de mencionar isso. O que a resposta do Cardeal Allen deixa claro, sem
sombra de dúvida, é que a ideia de rezar com acatólicos é “per se”
proibida por Lei Divina; Lei Divina esta que o Vaticano II
simplesmente atropelou como se ela não existisse.
Censura teológica: ao menos ERRÔNEO NA FÉ para a primeira proposição e
HERÉTICO [5] para a segunda proposição.
[5. Herético, porque é patentemente herético sugerir que cometer
pecado mortal seja uma boa forma de impetrar qualquer graça que seja:
muito especialmente “a graça da unidade”, sugestão esta que parece
insinuar que a Igreja presentemente carece de uma de suas notas
essenciais.]

(e) A geração e educação da prole não é a finalidade primeira do


matrimônio.
“O matrimônio e o amor conjugal ordenam-se, por sua própria natureza,
à procriação e educação da prole. Os filhos são, aliás, o maior dom do
matrimônio e contribuem muito para o bem dos próprios pais. O mesmo
Deus que disse: ‘não é bom que o homem esteja sozinho’ (Gên. 2,18) e
que ‘criou o homem, no princípio, como varão e mulher’ (Mt. 19,4),
querendo comunicar-lhes uma participação especial na Sua obra
criadora, abençoou o varão e a mulher dizendo: ‘Sede fecundos e
multiplicai-vos’ (Gên. 1,28). Por isso, o cultivo do verdadeiro amor
conjugal e toda a estrutura da vida familiar que daí promana, sem
menosprezar os outros fins do matrimônio, tendem a dispor os cônjuges
a cooperar corajosamente com o amor do Criador e Salvador, que por
meio deles aumenta e enriquece a Sua família cada dia mais.
Os esposos sabem que, no ofício de transmitir a vida humana e de
educá-la – o qual deve ser considerado como a missão deles própria –,
eles são cooperadores do amor de Deus Criador e como que seus
intérpretes. Por isso, desempenharão este seu encargo com
responsabilidade humana e cristã; formarão um juízo reto, com um
respeito cheio de docilidade para com Deus e de comum acordo e
empenho, tendo em conta o seu próprio bem e o dos filhos já nascidos
ou que estão previstos para nascer, sabendo ver as condições do tempo
e da própria situação, tanto materiais quanto espirituais, e
finalmente levando em consideração o bem da comunidade familiar, da
sociedade temporal e da própria Igreja. São os próprios esposos que
devem, em última instância, formar esse juízo, diante de Deus. Mas
tenham os esposos consciência de que, no seu modo de proceder, não
podem agir arbitrariamente, mas de que se devem guiar pela
consciência, a qual se deve conformar à lei divina, e ser dóceis ao
Magistério da Igreja, que interpreta autenticamente essa lei, à luz do
Evangelho. Essa lei divina põe em evidência a plena significação do
amor conjugal, protege-o e leva-o à sua perfeição verdadeiramente
humana. Assim, quando os esposos cristãos, em espírito de sacrifício e
confiança na divina Providência, exercem a função de procriar com
generosa responsabilidade humana e cristã, glorificam o Criador e
caminham para a perfeição em Cristo.
Entre os esposos que deste modo satisfazem à missão que Deus lhes
confiou, devem ser especialmente lembrados aqueles que, após reflexão
prudente e decisão conjunta, aceitam corajosamente uma prole mais
numerosa, para educar convenientemente.
Porém, o matrimônio não foi instituído só para a procriação da prole;
mas a própria natureza da aliança indissolúvel entre pessoas e o bem
da prole exigem que o amor mútuo dos esposos se exprima
convenientemente, cresça e amadureça. Por isso, mesmo que os filhos,
tantas vezes ardentemente desejados, faltem, o matrimônio continua
sendo toda uma forma e comunhão de vida, conservando o seu valor e
indissolubilidade.” (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo
Moderno Gaudium et Spes, parágrafo 50).
Não só em parte alguma é dito ou insinuado nesta passagem que a
procriação da prole é a finalidade primeira do matrimônio,
transcendendo todas as demais finalidades, mas é, sim, sugerido que
essa finalidade primeira é igualada em importância àquelas que são, na
realidade, finalidades secundárias. A doutrina correta é sucintamente
formulada no Cânon 1013 do Código de 1917: “O fim primário do
matrimônio é a procriação e educação da prole.”
A natureza errônea dessa doutrina é destacada pela assombrosa sugestão
de que somente os que tiverem “refletido prudentemente” e tomado uma
subsequente “decisão” deveriam criar famílias “numerosas”. A verdade é
que cônjuges católicos devem deixar o tamanho de suas famílias
inteiramente à divina Providência, a não ser que haja razões
proporcionalmente graves para limitá-las por meio de abstinência
parcial ou total.
A perversão dessa doutrina pelo Vaticano II é digna de nota, não
somente como ruptura com a doutrina católica, mas também como
incitamento ao vício e à depravação. É precisamente porque Deus
instituiu o matrimônio, e o ato reprodutivo próprio ao matrimônio,
primordialmente como meio para a procriação de nova vida, e apenas
secundariamente para outros fins lícitos como a promoção do amor mútuo
entre marido e mulher e a mitigação da concupiscência, que é ilícito
procurar os prazeres próprios ao matrimônio ao mesmo tempo em que se
frustra deliberadamente a fecundidade natural deles. Noutras palavras,
a falsa doutrina propagada nesta passagem abre caminho para a
justificação do onanismo marital e de toda outra espécie de perversão
antinatural.
Talvez não surpreenda que essa passagem atraiu críticas muito severas
dos dois teólogos de maior peso presentes ao Concílio, o Cardeal
Ottaviani, prefeito do Santo Ofício, e o Cardeal Browne,[6] Superior-
Geral dos Dominicanos. [6. Ilegitimamente elevado ao cardinalato por
Roncalli em 1962. (Ottaviani foi nomeado pelo Papa Pio XII em 1953.)]
O primeiro, falando como o décimo-primeiro de doze filhos de um
operário, recordou a doutrina da Escritura e a tradição católica de
confiar na Providência ao invés de considerar necessário limitar o
tamanho das famílias, e ironicamente salientou que, se o texto deste
decreto fosse de considerar correto e católico, isso enquadrava bem
com outra noção ouvida pela primeira vez no Vaticano II: a saber, a
ideia de que a Igreja estivera em erro (ver item (q) abaixo). O
último, em duas intervenções, mostrou como o desejo de ensinar uma
doutrina da moda (concedendo algum papel especial ao amor romântico
entre as finalidades do matrimônio) estava ameaçando solapar a
doutrina tradicional da Igreja. E, embora algumas alterações no texto
do decreto tenham sido feitas à luz dessas intervenções, nada é mais
claro que o fato de que os ajustes foram cosméticos e que os erros
subjacentes permanecem no texto.
Censura teológica: ERRÔNEO.

(f) Os judeus não são apresentados na Escritura como rejeitados ou


amaldiçoados.
“E embora a Igreja seja o novo Povo de Deus, nem por isso os judeus
devem ser apresentados como reprovados por Deus e malditos, como se
tal coisa se concluísse da Sagrada Escritura.” (Declaração sobre a
Relação da Igreja com as Religiões Não-Cristãs Nostra Aetate,
parágrafo 4).
Para provas da verdadeira doutrina com relação a essa espantosa
afirmação, podemos começar pela parábola de Nosso Senhor relatada em
Mateus 21,33-45 [Parábola do Mau Vinhateiro, seguida da explicação
dada pelo próprio Senhor (n.d.t.)] e sua interpretação tradicional
pela Igreja. “A reprovação dos judeus e a conversão dos gentios são
aqui preditas, como ensina Cristo no versículo 43”, diz Cornélio a
Lapide em seu comentário a essa passagem.
Então, é claro, há Mateus 27,25: “Todo o povo, respondendo, disse: O
seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.” Presumivelmente,
alguma coisa se conclui dessa passagem na Sagrada Escritura, e a gente
se pergunta o que os Padres do Vaticano II tinham em mente. Para o
ensinamento tradicional da Igreja em relação a essa passagem,
voltamos, outra vez, a Cornélio a Lapide, onde ele a comenta:
“E destarte eles [os judeus] sujeitaram, não apenas a si próprios, mas
até a seus mais recentes descendentes, ao desagrado por parte de Deus.
Eles o sentem até hoje, em seu pleno vigor, estando espalhados pelo
mundo inteiro, sem cidade,[7] nem templo, nem sacrifício, nem
sacerdote ou príncipe… ‘Essa maldição’, diz São Jerônimo, ‘permanece
neles até este dia, e o sangue do Senhor não se aparta deles’, como
Daniel profetizou (Daniel 9,27).”
[7. Isto, é claro, ficou ultrapassado há cerca de cinquenta anos com a
formação de facto do Estado de Israel. (Qualificamos o estabelecimento
de Israel com a expressão “de facto”, para refletir o fato de que
certamente não se deu em conformidade com quaisquer princípios legais
válidos, como inclusive judeus, por exemplo Arthur Koestler em The
Thirteenth Tribe [Na trad. port., Os Khazares: A 13ª Tribo e as
origens do judaísmo moderno (n.d.t.)], reconheceram.)]
E, por curiosidade, caso se nos perguntasse qual, de todas as
passagens do Vaticano II que estamos apresentando, cremos ser a mais
difícil de contornar até mesmo com os artifícios retóricos mais sutis,
provavelmente escolheríamos esta. Não mantemos que seja ainda mais
definitivamente herética que as outras, mas realmente parece
apresentar o menor número de rotas de fuga, especialmente na medida em
que os Padres do Vaticano II elegeram expressamente ter a doutrina
deles julgada contra a Sagrada Escritura, a qual é explícita em deixar
absolutamente claro que os judeus foram coletivamente reprovados pela
parte que desempenharam na Crucifixão. (Muitos outros textos do Novo
Testamento poderiam ser citados para esse fim, mas pensamos já ter
dado prova suficiente.)
Censura teológica: HERÉTICO.

(g) Cristãos e judeus têm um patrimônio espiritual comum.


“Sendo assim tão grande o patrimônio espiritual comum aos cristãos e
aos judeus, este sagrado Concílio quer fomentar e recomendar entre
eles o mútuo conhecimento e estima” (Declaração sobre a Relação da
Igreja com as Religiões Não-Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 4).
A Igreja ensina que, longe de cristãos e judeus terem um patrimônio
espiritual comum, o traço mais significativo daquilo que os judeus da
Era Cristã herdaram de seus ancestrais espirituais – aqueles que
arquitetaram a Crucifixão – consiste na rejeição total do Deus
Encarnado e também da Aliança do Antigo Testamento. A Igreja sempre
instruiu os seus filhos a rezar pela conversão dos “pérfidos judeus”
(como na liturgia da Sexta-Feira Santa).
É interessante notar que, por deplorável que seja este texto,
representa uma mitigação do erro originalmente proposto para o acordo
dos Padres Conciliares. Originalmente, era afirmado que os cristãos
haviam derivado um grande patrimônio dos judeus, o que levou o Bispo
Dom Antônio de Castro Mayer a ressaltar que:
“Os cristãos, porém, receberam o patrimônio que herdaram do antigo
povo judeu, e não do povo judeu do presente. O povo judeu do presente
não pode ser descrito como sob todos os aspectos fiel à revelação do
Antigo Testamento, dado que recusam aceitar o Messias que foi a causa
de toda a Lei Antiga. Os israelitas do presente são antes os
sucessores daqueles que São Pedro declara terem entregue Jesus à morte
e os quais São Paulo declara que a justiça de Deus abandonou a terem
um coração endurecido (Atos 3,13; 5,20; Romanos 10,3; 11,7). Portanto,
não parece correto falar de maneira igual referindo-se aos judeus de
antanho, que foram fiéis a Deus e ao Messias por vir, e referindo-se
aos judeus do tempo presente. Dos primeiros, a Igreja recebeu e
guardou fielmente o patrimônio dela, ao passo que os judeus de hoje,
pelo contrário, empobrecem aquele patrimônio por sua infidelidade.
Pela mesma razão, segue-se que diálogos com judeus devem ser
introduzidos apenas com grande precaução, como é o costume – ou ao
menos sempre foi – na Igreja. Ademais, o Concílio não deve abandonar
esse costume a não ser por influência de razão grave, a qual deve ser
explicada aos fiéis.” (Atas do Segundo Concílio do Vaticano, III:III,
p. 161)
Dado que “patrimônio” é palavra vaga o bastante para permitir que uma
porção de significados diferentes sejam extraídos dessa passagem, não
ousamos estigmatizá-la com censura eclesiástica mais severa que a
atribuída abaixo: uma censura que, embora não apareça na tabela dada
pelo Padre Cartechini, é discutida noutra parte da obra dele e é com
frequência reconhecida e empregada pelos teólogos católicos e pelas
Congregações Romanas. Consideramos merecedora de destaque esta
passagem, não obstante sua censura relativamente branda, porque mostra
tão claramente a disposição herética do Concílio, sempre ávido em
dizer o que agradaria aos jornalistas e políticos liberais e
esquerdistas, especialmente bajulando os judeus, e bem desdenhoso da
necessidade de preservar sem mancha o Depósito da Fé, de proteger os
fiéis de seus inimigos e de admoestar e recordar seus deveres àquela
raça pérfida, outrora o povo escolhido, mas hoje sob maldição, até
que, perto do tempo do Anticristo, o retorno do profeta Elias assegure
a conversão deles.
Censura teológica: OFENSIVO A OUVIDOS PIOS.

(h) Dissensões passadas com os muçulmanos devem ser esquecidas.


“No decurso dos séculos, surgiram entre cristãos e muçulmanos não
poucas discórdias e inimizades. Este sagrado Concílio exorta todos a
que, esquecendo o passado, sinceramente se exercitem na compreensão
mútua…” (Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-
Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 3)
(I) Isso recomenda que evitemos estudar aquela parte da história da
Igreja Católica que lida com os esforços heróicos de nossos ancestrais
católicos contra as hordas muçulmanas que, repetidas vezes, chegaram
perto de infestar a Europa. Presumimos que tudo o que precisamos
dizer, sobre o apelo a esquecer o passado, é que o passado deve ser
estudado com grande assiduidade e deve-se aprender com ele, para
conhecer melhor tanto a Igreja Católica, quanto seus inimigos
inspirados pelo demônio. Não surpreende que, durante os poucos e
breves anos que se passaram desde a promulgação dessa monstruosa
recomendação pelo Latrocínio, os muçulmanos rapidamente ascenderam ao
ponto de estarem agora, mais uma vez, muito perto de assumir o comando
da Europa, e mesmo – o que não tem precedentes – do Reino Unido, em
que fizeram a afronta de estabelecer seu próprio “governo”
independente da rainha e do parlamento, ofensa esta pela qual nem um
único julgamento, expulsão ou execução foi ainda instaurada. É o
destino dos que “esquecem o passado” ter de reaprender suas lições
pela dolorosa experiência.
(II) Até a mais breve reflexão revela que a passagem é prenhe de erros
ainda mais graves também, pois implica inescapavelmente que as
“discórdias e inimizades” no passado foram, ao menos parcialmente,
culpa da Igreja Católica. Como é que implica isso? Pela colocação das
duas partes das disputas em pé de igualdade, como se a Imaculada
Esposa do Divino Cordeiro fosse só mais um culto beligerante como o
maometismo. E implica isso, também, pelo conselho que dá visando à
resolução das discórdias e inimizades do passado. Esse conselho
implica erro em ambos os lados; pois, não fosse este o caso, o
conselho correto seria (a) que os que mantiveram inimizade e
discordaram da Igreja reconhecessem seu erro, e (b) que eles fossem
exortados a emendar seus caminhos e fazer reparação pelo passado.
E, de fato, isso não surpreenderá a quem tiver reparado que, em seu
Decreto sobre o Ecumenismo (parágrafo 3), o Vaticano II tenta culpar a
Igreja Católica pela defecção de hereges de suas fileiras:
“…Originaram-se discórdias mais amplas. Comunidades não pequenas
separaram-se da plena comunhão da Igreja Católica, algumas vezes não
sem culpa dos homens dum e doutro lado.”
Pode-se refutar essa asserção repugnante de duas maneiras.
Em primeiro lugar, como a Igreja Católica tem o direito e a obrigação,
instituídos por Deus, de (a) dizer às pessoas o que elas devem crer e
(b) governá-las – em suma, o direito e o dever de ter a palavra final
–, é naturalmente impossível que quaisquer “discórdias e inimizades”
que tenham permanecido não resolvidas possam ser culpa dela. Noutras
palavras, qualquer pessoa ou instituição que tenha dissentido da
Igreja Católica está inescapavelmente em erro por ter recusado
submeter-se ao julgamento dela. [8]
[8. Ver Lucas 10,16 (“Quem vos ouve, a Mim ouve”) e Mateus 18,17 (“Se
não ouvir a Igreja, considera-o como um pagão e um publicano”).]
Em segundo lugar, a ideia de que a Igreja, o Corpo Místico de Cristo,
a imaculada Esposa de Cristo, cuja alma é o Espírito Santo, o Espírito
da Unidade, pudesse ser causa de discórdias e inimizades pode talvez
ser descrita da melhor maneira como fantástica. É tão ridículo quanto
sugerir que a Igreja tenha sido responsável pelas discórdias e
inimizades que surgiram entre cristãos e muçulmanos ou sugerir que
Nosso Senhor foi responsável pelas “discórdias e inimizades” de que os
Evangelhos estão repletos e que culminaram em Seu assassinato
judicial. Não estamos aqui negando que Nosso Senhor foi “um alvo de
contradição” (Lucas 2,34), é claro, nem que Ele “não veio trazer a paz
mas a espada” (Mateus 10,34), nem tampouco que essas duas observações
aplicam-se à Igreja de Nosso Senhor não menos que a Ele próprio. Mas
as ideias de que Nosso Senhor e Sua Igreja sejam de qualquer modo
culpáveis pela contradição e “a espada” e que os conflitos do passado
tenham aflorado por falta de “compreensão mútua” têm apenas de ser
declaradas, para as suas implicações blasfemas ficarem expostas. Longe
de haver falta de “compreensão mútua”, mal precisa ser dito que Nosso
Senhor e Sua Igreja sempre entenderam os seus inimigos perfeitamente.
E discórdias e inimizades entre a Igreja e o resto do mundo são
causadas simplesmente pela recusa dos homens e nações de submeter-se à
sábia, amantíssima e tenra direção e domínio maternais da Igreja.
(III) Nega a verdade de que a Igreja Católica é igualmente perfeita em
sua prática (onde isso consista de diretriz ponderada e não das ações
ocasionais de católicos individuais) quanto o é em seu ensinamento.
[9]
[9. Cf. (a) Dictionnaire de Théologie Catholique, volume 4, col. 2194
(em tradução): “O Magistério Ordinário e Universal é exercido também
através do ensinamento implícito manifestamente contido...na
disciplina e prática geral da Igreja, ao menos na medida em que estas
são verdadeiramente ordenadas, aprovadas ou autorizadas pela Igreja
universal.” (b) O Ano Litúrgico, de Dom Guéranger, Quinta-feira da
Semana de Pentecostes: “Quer a Igreja nos intime o que devemos crer
no-lo mostrando pela própria prática dela, ou simplesmente expressando
os sentimentos dela, ou pronunciando solenemente definição sobre o
tema, devemos receber a palavra dela com submissão de coração. A
prática dela está sempre em harmonia com a verdade, já que é o
Espírito Santo, seu princípio gerador de vida, que mantém isso assim;
a elocução de seus sentimentos não é outra coisa que uma inspiração do
mesmo Espírito, que nunca a abandona; e, quanto às definições que ela
decreta, não é só ela que as decreta, mas o Espírito Santo que as
decreta nela e por ela.” (Grifo nosso.)]
Censura teológica: em (I) é no mínimo TEMERÁRIO; em (II) é BLASFEMO;
em (III) é ERRÔNEO.

(i) As ações litúrgicas dos protestantes engendram a vida da graça e


aptamente dão acesso à comunhão da salvação.
“Também não poucas ações sagradas da religião cristã são celebradas
entre os irmãos separados de nós. De maneiras que variam conforme a
condição de cada Igreja ou Comunidade, estas ações podem, sem dúvida,
produzir realmente a vida da graça. Devem mesmo ser tidas como aptas
para abrir a porta à comunhão da salvação.” (Decreto sobre o
Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 3).
Comentário é quase desnecessário. Com relação às palavras “estas ações
sagradas podem sem dúvida alguma produzir realmente a vida da graça”,
simplesmente perguntamos o seguinte:
I. Dado que a liturgia nos serviços protestantes – e, é claro, o corpo
de crenças protestante em geral – ensina que tudo o que se exige para
o perdão dos pecados é a “confissão geral”, como se pode imaginar que
isso seja capaz de engendrar a vida da graça? A maioria dos
protestantes, afinal de contas, não vai à confissão e nem mesmo alega
que seus ministros sejam capazes de dar absolvição. E, visto que os
ministros protestantes não são capazes de dar absolvição, o único meio
possível de entrar em estado de graça seria por um ato de contrição
perfeita. E o Catecismo do Concílio de Trento ensina que um ato de
contrição perfeita (o qual os protestantes não sabem nem que devem
fazer nem como fazer) é muito difícil mesmo para os católicos fazerem.
[10]
[10. Catecismo do Concílio de Trento, capítulo “Do Sacramento da
Penitência”, seção “A Segunda Parte Integrante da Penitência”, segundo
parágrafo (“Necessidade da Confissão”): “Reconhecemos, sim, que a
contrição apaga os pecados, mas quem ignora que ela deve ser tão
forte, tão intensa, e tão ardente, que a veemência da dor esteja em
justa proporção com a graveza dos pecados? Ora, como são muito poucos
os que chegam a esse grau de arrependimento, segue-se que muito poucos
poderiam, por esse meio, esperar o perdão de seus pecados.” (Grifo
nosso.)]

[Fonte do texto em português: Frei Leopoldo Pires Martins, O. F. M.


(ed.), Catecismo Romano, (V. Da Penitência. § 36.) Petrópolis: Vozes,
1951, p. 331. (n.d.t.)]
Sendo extremamente difícil para católicos instruídos, não obstante o
fato de saberem do que é preciso, que chance podem ter os protestantes
(mesmo nos casos raros em que sejam invencivelmente ignorantes em seus
erros teológicos e suficientemente respeitosos da tradição para
possuírem fé sobrenatural), quando estão sob a ilusão de que
absolutamente nenhum esforço é necessário?
II. Dado que a maioria esmagadora dos “irmãos separados de nós”
pertencem a seitas que não têm sacerdócio, missa ou absolvição, e cujo
culto principal é objetivamente sacrílego, como se pode alegar que as
ações litúrgicas deles possam ser de algum benefício, por menor que
seja, aos que nelas participam? (Dever-se-ia notar que as graças
atuais recebidas por um acatólico que ainda esteja de boa fé em seus
erros, quando ele vai à igreja e reza, não são engendradas pela farsa
litúrgica ali encenada, mas resultam inteiramente da aceitação, por
Deus, das disposições interiores dele.)
Já quanto à alegação de que as várias ações litúrgicas dos corpos
separados que São Pedro chama de “seitas de perdição” (II Pedro 2,1)
possam, de modo apto, dar acesso à comunhão da salvação: sua não
ortodoxia é demasiado flagrante para exigir análise. Apenas para uma
ínfima minoria de casos pode haver alguma aparência de verdade nela: a
saber, crianças validamente batizadas e alguns poucos dissidentes
orientais que podem receber válida Sagrada Comunhão de boa fé. Ao
exceder gritantemente os limites estreitos e transformar a exceção em
regra geral, aplicável em alguma medida até mesmo aos protestantes, o
Concílio abandonou toda e qualquer pretensão de ser católico! E, acima
de tudo, a palavra “aptas” deve ser notada; pois, se alguns poucos
camponeses gregos, ignorantes mas devotos, são capazes de receber os
efeitos salutares da Santa Comunhão – por conta de serem inocentemente
desconhecedores de que a recepção dela, por eles, é gritantemente
ilícita e objetivamente desagradável a Deus, já que eles recebem-na
das mãos, não de Seus servos, mas de Seus inimigos –, é certíssimo que
isso é qualquer coisa menos um modo apto de proceder no trabalho pela
própria salvação.
Censura teológica: não temos certeza de qual censura é aplicável, mas
evidentemente a passagem é no mínimo ERRÔNEA e, na medida em que o
texto implica que rituais inválidos sacrílegos podem conferir
diretamente a graça santificante, consideramo-la
inescapavelmente HERÉTICA.

(j) A Igreja tem sincero respeito por doutrinas que diferem das dela.
“A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões [não cristãs]
existe de verdadeiro e santo. Olha com sincero respeito esses modos de
agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em
muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, entretanto
refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os
homens.” (Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-
Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 2)
Pondo de lado a escandalosa referência a modos de agir e de viver e
preceitos, concentremo-nos na afirmação de que a Igreja tem “sincero
respeito” pelas “doutrinas” das falsas religiões, não somente por
aquelas doutrinas que, fortuitamente, possam ser verdadeiras, mas
mesmo aquelas que “se afastem…do que ela própria segue e propõe”.
Agora, dado que o ensinamento seguido e proposto pela Igreja Católica
é verdadeiro, é uma necessidade lógica que qualquer doutrina que se
afaste dele deve ser falsa. Os Padres do Vaticano II, portanto,
declararam firmemente que a Igreja tem “sincero respeito” por falsas
doutrinas. Claro que isso é perfeitamente verdadeiro da Seita
Conciliar; mas a atitude da Igreja Católica para com falsas doutrinas
sempre foi a mesma que a de seu Divino Fundador: execração irrestrita.
Censura teológica: HERÉTICO.
(k) Reuniões e discussões teológicas de igual para igual entre
católicos e acatólicos são louváveis.
“Católicos devidamente preparados devem adquirir um melhor
conhecimento da doutrina e história, da vida espiritual e litúrgica,
da psicologia religiosa e da cultura própria dos irmãos separados.
Muito ajudam para isso as reuniões de ambas as partes para tratar
principalmente de questões teológicas, onde cada parte deve agir de
igual para igual, contanto que aqueles que, sob a vigilância dos
superiores, nelas tomam parte, sejam verdadeiramente peritos.”
(Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 9).
O que quer que alguém possa dizer tentando defender a ortodoxia dessa
doutrina herética, é um fato inescapável que, ao entrar em discussão
com quem quer que seja de igual para igual, renuncia-se a qualquer
reivindicação de autoridade superior à autoridade da outra parte. Do
contrário, simplesmente não se estaria em pé de igualdade. Considere:
como pode a Igreja recomendar aos católicos, mesmo os mais
competentes, que entrem em discussão teológica com protestantes, a não
ser que os protestantes estejam abertos e dispostos a reconhecer que
as opiniões religiosas deles são no mínimo duvidosas e a mudá-las se
descobrirem prova clara do contrário? E, no entanto, para um católico
entrar em diálogo com um tal protestante de igual para igual, seria
necessário ao católico ter a mesma atitude para com as suas próprias
convicções religiosas: noutras palavras, considerá-las opiniões
provisórias, ao invés de garantidas por Deus e inabalavelmente certas,
e algo que ele morreria contente mil mortes antes que pôr em dúvida no
mais mínimo detalhe de qualquer uma delas por um único segundo.
Destarte, o Concílio encoraja os católicos a ocultar a obrigação
divina que todas as pessoas têm de aceitar a Fé Católica, a ocultar a
impossibilidade para todo e qualquer católico – sem horrendo pecado
mortal – de questionar o mais ínfimo detalhe de sua Fé, e a ocultar a
necessidade para todos os hereges de submeter-se à Igreja. Encoraja os
católicos a manifestar a postura de que as questões teológicas
disputadas entre católicos e acatólicos são matéria de livre debate:
opinião contra opinião. Não existe outro jeito de ler essas palavras
do Concílio. E a conduta louvada pelo Vaticano II foi expressamente
condenada na Mortalium Animos do Papa Pio XI:
“E se é possível encontrar muitos acatólicos pregando à boca cheia a
união fraterna em Jesus Cristo, entretanto não encontrareis a nenhum
deles em cujos pensamentos esteja a submissão e a obediência ao
Vigário de Cristo enquanto docente ou enquanto governante da Igreja.
Afirmam eles que tratariam de bom grado com a Igreja Romana, mas com
igualdade de direitos, isto é, iguais com um igual. Mas, se pudessem
fazê-lo, não há dúvida de que agiriam com a intenção de que, por um
acordo que talvez se ajustasse, não fossem coagidos a afastarem-se
daquelas opiniões que são a causa pela qual ainda vagueiam e erram
fora do único aprisco de Cristo.
Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa Sé não pode, de modo
algum, participar de suas reuniões e que, aos católicos, de nenhum
modo é lícito aprovar ou contribuir para estas iniciativas…”
O Santo Padre ensinou também que: “…quem concorda com os que pensam e
empreendem tais coisas afasta-se inteiramente da religião divinamente
revelada.”
O Vaticano II afirma que reuniões entre os dois lados – especialmente
para discussão de problemas teológicos e em que cada qual pode tratar
com o outro em pé de igualdade – são de “muita ajuda”. O Papa Pio XI
diz que elas não podem ser aprovadas e que as teorias, que pretendem
defender tais encontros como bons, equivalem a apostasia.
Censura teológica: HERÉTICO CONTRA A FÉ ECLESIÁSTICA.

(l) Cristãos e não cristãos buscam juntos a verdade e respostas sobre


a moral.
“Pela fidelidade à consciência, os cristãos estão unidos aos outros
homens na busca da verdade e na solução justa de inúmeros problemas
morais que se apresentam, tanto na vida individual quanto nas relações
sociais.” (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno
Gaudium et Spes, parágrafo 16).
A primeira questão posta por esta passagem é qual significado deve-se
atribuir aí à palavra “cristãos”. Simplesmente significa os católicos?
Isso não se há de pressupor, pois o Vaticano II noutra parte
(erroneamente) atribuiu aos cismáticos e hereges batizados direito
estrito ao nome “cristão”. Significa os católicos e os acatólicos
batizados, considerados como um agrupamento promíscuo? Nesse caso, é
com certeza bastante herético em si mesmo sugerir que é possível
generalizar como se católicos e hereges estivessem, ao menos
aproximadamente, na mesma posição “na busca da verdade”. Talvez a
interpretação menos deplorável seja supor que os Padres desejaram
referir-se predominantemente aos católicos e secundariamente aos
“cristãos” acatólicos. Mas, mesmo em seu melhor, essa afirmação
continua sendo uma ultrajante paródia da realidade. Com respeito a
todas aquelas verdades que é necessário aos homens conhecer, os
católicos não estão envolvidos em nenhuma “busca”, seja em comum com
hereges ou pagãos ou quem quer que seja, mas estão, pelo contrário,
completamente à margem de todos os demais por sua posse confiante da
verdade infalível.
Nem é possível “salvar” a ortodoxia dessa passagem argumentando que
permanecem algumas verdades que os católicos continuam a buscar (por
exemplo, acerca de miudezas teológicas abstrusas) enquanto há outras
que os acatólicos buscam (referentes a coisas essenciais, resposta às
quais pode somente ser encontrada na Igreja Católica). Pois isso é
simplesmente afirmar que os católicos estão empenhados em uma busca
pela verdade, enquanto os acatólicos estão (ou deveriam estar)
empenhados numa busca diferente e separada. Absolutamente não se trata
de os católicos estarem “unidos aos outros homens” na busca da
verdade, pela mesma razão que um corredor olímpico dificilmente se
algemaria a um aleijado ou paralítico em seu esforço de quebrar um
recorde de velocidade e que um fazendeiro previdente normalmente não
emparelha um par de tartarugas na frente do trator para ajudar a arar
a terra de modo mais rápido e eficiente!
O pior escândalo dessa falsa doutrina consiste na desastrosa impressão
que tende a dar aos leitores não cristãos, implicando novamente que a
Fé Católica é questão de opinião e que os católicos ainda estão à
caça, de mente aberta, da verdade religiosa exatamente como estão os
pagãos, que vivem na noite da ignorância.
Censura teológica: aqui consideramos necessário recorrer a uma
qualificação usada para estigmatizar uma proposição que, em seu
sentido natural e óbvio, é herética, mesmo se é vaga e confusa o
bastante para permitir aos que estão determinados a fechar os olhos
para a realidade, como o Sr. Michael Davies, convencer-se de que é
passível de interpretação ortodoxa – COM SABOR DE HERESIA.

(m) A Igreja deve dialogar com ateus para estabelecer a ordem no


mundo.
“Ainda que rejeite inteiramente o ateísmo, a Igreja contudo declara
com sinceridade que todos os homens, crentes e não crentes, devem
prestar seu auxílio à reta construção deste mundo, no qual vivem
comunitariamente. Isto certamente não é possível sem sincero e
prudente diálogo.” (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo
Moderno Gaudium et Spes, parágrafo 21).
A única chance de haver reta construção do mundo é, claro, o mundo
tornar-se católico. Como Nosso Senhor disse que aconteceria (e.g. em
João 15,18), o mundo sempre odiou a Igreja Católica; e sempre odiará a
verdadeira Igreja Católica enquanto não entrar para ela. Nosso Senhor
deixou claro que Ele nem mesmo rogou “pelo mundo” (João 17,9), e São
Paulo disse, em II Timóteo 3,12: “Todos os que querem viver piamente
em Jesus Cristo, padecerão perseguição.” Além disso, Nosso Senhor
instruiu os Seus Apóstolos e os dependentes destes a pregar para os
não crentes, não a entrar em diálogo com eles. A Igreja Católica
ensina que a reta ordenação do mundo é absolutamente impossível
enquanto o mundo inteiro não se submeter à Igreja e que propor-se a
auxiliar a reta construção, paz etc., ao mesmo tempo em que se
permanece em aberta rebelião contra o reinado de Cristo, é
simplesmente uma contradição em termos. Como respaldo disso, citamos,
da primeira encíclica do Papa Pio XI, Ubi Arcano Dei:
“Por estarem separados miseravelmente de Deus e de Jesus Cristo é que
os homens caíram, da felicidade de outros tempos, nos abismos dos
males atuais; é também por isto que são feridos de esterilidade mais
ou menos completa todos os programas por eles tentados para reparar as
perdas e salvar o que resta das ruínas.”

(PIO XI, Carta Encíclica Ubi Arcano, Sobre a Paz de Cristo no Reino de
Cristo, Documentos Pontifícios – 19, 3.ª ed., Petrópolis: Vozes, 1957,
32 pp., p. 13).
E aqui está o Papa Pio XII na primeira encíclica dele, Summi
Pontificatus:
“Muitos talvez, ao se afastarem da doutrina de Cristo, …não percebiam
a vanidade de todo o esforço humano em substituir a lei de Cristo por
alguma outra coisa que a igualasse; ‘tornaram-se fátuos nos seus
arrazoados’ (Rm 1,21). Enfraquecida a fé em Deus e em Jesus Cristo, o
Divino Redentor, ofuscada nos ânimos a luz dos princípios morais, fica
a descoberto o único e insubstituível alicerce daquela estabilidade e
tranquilidade, daquela ordem externa e interna, privada e pública,
única que pode gerar e salvaguardar a prosperidade dos Estados.”

(PIO XII, Carta Encíclica Summi Pontificatus, Sobre as Necessidades da


Hora Presente, Documentos Pontifícios – 23, 4.ª ed., Petrópolis:
Vozes, 1956, 40 pp., p. 13).
E aqui está o mesmo ensinamento apresentado com palavras diferentes
n’O Ano Litúrgico de Dom Guéranger (volume 14, último domingo de
outubro, festa de Cristo Rei [11]):
[11. A festa de Cristo Rei foi instituída, pelo Papa Pio XI, muito
tempo depois da morte de Dom Guéranger e da publicação da primeira
edição de O Ano Litúrgico. O tratamento da festa foi evidentemente
acrescentado pelo editor de uma edição posterior.]
“Hoje tristemente contemplamos ‘um mundo destroçado’, largamente
paganizado em princípios e perspectiva, e, em anos recentes, num país
até mesmo gloriando-se do nome ‘pagão’. Na melhor das hipóteses, os
governos em geral ignoram a Deus; e, na pior, lutam abertamente contra
Ele, como hoje estamos testemunhando no Velho e no Novo Mundo. Até
mesmo os esforços bem intencionados dos homens de estado em encontrar
remédio para os males presentes e, acima de tudo, para assegurar a paz
mundial provam-se fúteis, pois, enquanto que a paz vem de Cristo, e é
possível somente no reino de Cristo, o Nome d’Ele nunca é mencionado
ao longo das deliberações e documentos deles.”
Esse é o ensinamento autêntico da Igreja Católica, sintetizado no
axioma “pax Christi in regno Christi”: a paz de Cristo no reino de
Cristo. É reflexo direto dos inequívocos pronunciamentos e
advertências de Cristo, de que “o mundo”, que O odiou, iria odiar a
Sua Igreja. A Igreja sempre manteve que há dois reinos no mundo, o
reino de Deus, que é a Igreja Católica, e o reino que consiste de todo
o resto, que é governado por Satanás; e não só os dois existem em
inimizade irreconciliável um com o outro, mas o último não é capaz nem
de viver em paz consigo mesmo, muito menos em paz com a Igreja
Católica. (É difícil o bastante paras as nações católicas viverem em
paz umas com as outras, como o demonstra a história da Idade Média.)
Por fim sobre este assunto, para não sermos acusados de ler mais
nestas palavras da Gaudium et Spes do que é legítimo, talvez valha a
pena notar que Paulo VI não deixou a menor dúvida sobre a
interpretação que ele próprio dava a elas – interpretação esta
inteiramente irreconciliável com o ensinamento católico – em seu
famoso discurso à ateia ONU em 1965, quando ele, de modo blasfemo,
descreveu aquela organização maçônica como “a última esperança da
concórdia e da paz para os povos de toda a Terra”.
Censura teológica: novamente, em nossa opinião, COM SABOR DE HERESIA.

(n) A Igreja precisa da ajuda dos não crentes.


“Para aumentar este intercâmbio [‘intercâmbio entre a Igreja e as
diversas culturas’], sobretudo em nossos tempos, em que as coisas
mudam tão rapidamente e os modos de pensar variam tanto, a Igreja
precisa especialmente do auxílio daqueles que, crentes ou não-crentes,
vivem no mundo, conhecem bem os vários sistemas e disciplinas [do
mundo] e entendem a sua mentalidade profunda.” (Constituição Pastoral
sobre a Igreja no Mundo Moderno Gaudium et Spes, parágrafo 44).
O que foi dito acima, referente a (m), é suficiente para refutar essa
doutrina também. É bastante claro que, ao passo que os não crentes
estão na mais urgente e extrema necessidade de tudo o que a Igreja tem
a lhes oferecer, a Igreja mesma não necessita de absolutamente nada
deles. A missão dela é pregar a verdade e oferecer os meios de
santificação para todos os homens, não agir como um bazar
intercultural; e seu Divino Fundador, mediante a constituição
essencialmente imutável com que Ele dotou-a e a incessante inspiração
e proteção do Espírito Santo que Ele enviou para ela em Pentecostes,
proveu-a de tudo o que ela pode precisar para cumprir sua missão. A
sugestão de que, para qualquer propósito que seja, a Igreja possa ter
necessidade da assistência de um grupo de pessoas qualificadas, não
por erudição teológica ou santidade, mas somente por familiaridade com
os modos e o espírito do mundo – do qual está escrito que “o mundo
todo está sob o maligno” (1 João 5,19) –, e incluindo não crentes em
seu número, só pode merecer uma única qualificação possível…
Censura teológica: HERÉTICO.

(o) Os missionários católicos devem colaborar com “missionários”


heréticos.
“Em colaboração com o Secretariado para Promoção da União dos
Cristãos, [a Sagrada Congregação para Propagação da Fé] busque os
caminhos e meios de estabelecer e ordenar a colaboração fraterna e a
convivência com as iniciativas missionárias doutras comunidades
cristãs, para que se remova na medida do possível o escândalo da
divisão.” (Decreto sobre a Atividade Missionária da Igreja Ad Gentes
Divinitus, parágrafo 29).
Os missionários católicos são homens enviados por Deus através de Sua
Santa Igreja para pregar a verdade aos que dela são ignorantes, para
que, se estiverem de boa vontade, possam aderir ao Evangelho por um
ato de fé sobrenatural, que é o fundamento necessário do processo de
justificação. Os “missionários” protestantes, em contrapartida, são
arrivistas inspirados pelo diabo, não enviados de Deus mas inimigos
d’Ele, alegando insolentemente tornar conhecida a verdade d’Ele,
quando na realidade a distorcem de acordo com seus preconceitos, e
trazendo àqueles bastante tolos para aceitar suas doutrinas, não luz,
mas um grau ainda mais profundo de trevas, de modo que podemos
apropriadamente aplicar a um pagão “convertido” por “missionários”
protestantes as palavras de Nosso Senhor de que “o último estado
daquele homem torna-se pior que o primeiro” (Mateus 12,45). Daí que o
grande comentador jesuíta da Escritura, Padre Cornélio a Lapide,
escreva:
“…nunca é lícito ficar contente de ver a heresia pregada e propagada,
mesmo entre os pagãos; pois, embora anunciem a Cristo, todavia eles ao
mesmo tempo anunciam também muitas heresias… e essas heresias são mais
perniciosas que o paganismo mesmo; de modo que é muito melhor para os
pagãos não receber de hereges nenhuma verdade ou doutrina, que recebê-
la misturada a tantos erros perversos…” (Comentário à Epístola aos
Filipenses 1,18; grifo nosso)
E, a esta luz, pode-se acreditar que um concílio que chama a si mesmo
de católico venha a recomendar “colaboração fraterna” entre
missionários católicos e seus mais mortíferos adversários e oponentes?
Pode alguém, em cuja alma reste ainda um grão de fé católica, imaginar
seriamente que seja lícito realizar a obra de Deus agindo em parceria
com os que estão determinados a frustrá-la? Pode alguém aconselhar
seriamente, para o avanço de qualquer projeto que seja, que deva este
ser realizado, não por aqueles que entendem a natureza da obra e seu
valor, mas por uma aliança promíscua entre os favoráveis ao projeto e
aqueles que lhe fazem oposição, entre os que o compreendem e aqueles
que estão bem cegos para a sua natureza?
Consideramos que resposta suficiente é dada a essas questões pelas
palavras de São Paulo:
“Não vos sujeiteis ao mesmo jugo que os infiéis. Pois que união pode
haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que sociedade entre a luz e
as trevas? E que concórdia entre Cristo e Belial? Ou que de comum
entre o fiel e o infiel? E que relação entre o templo de Deus e os
ídolos?” (II Coríntios 6,14-16)
Censura teológica: dado que é formulada como declaração de intenção em
vez de afirmação doutrinal, talvez não seja possível atribuir uma
censura diretamente às palavras citadas. A posição, todavia, de quem
quer que creia tal diretriz louvável é, obviamente, HERÉTICA.

(p) Deficiências na formulação do ensinamento da Igreja devem ser


retificadas.
“Assim, se, em vista das circunstâncias das coisas e dos tempos, houve
deficiências na moral ou na disciplina da Igreja, ou mesmo no modo
como a doutrina da Igreja foi enunciada – modo que deve ser
cuidadosamente distinguido do próprio depósito da fé –, tudo seja
retamente restaurado no momento oportuno e do modo devido.” (Decreto
sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 6).
Esta passagem é um bom exemplo de como o herético concílio Vaticano II
segue o exemplo de outros hereges, acobertando sutilmente o seu veneno
e aparentando defender a própria verdade que simultaneamente nega. A
ideia de que deficiências possam existir na formulação do ensinamento
da Igreja representa um vil ataque à santidade e proteção divina
garantidas à Igreja por Seu Divino Fundador. Nem se consegue nada pela
evasiva hipócrita de que a formulação doutrinal “deve ser
cuidadosamente distinguida do próprio depósito da fé”; pois o depósito
da fé foi comunicado por Deus aos homens na forma de palavras, faladas
ou escritas, e foi sempre, desde então, comunicado pela Santa Igreja a
seus filhos da mesma maneira, através das vozes e penas de seus
missionários, pastores e Doutores. Seria, portanto, bem impossível
haver deficiências na formulação do ensinamento católico sem haver uma
deficiência na própria custódia e proclamação do depósito da fé pela
Igreja. Por onde, o Espírito Santo preserva do erro os pronunciamentos
da Igreja; não necessariamente por inspiração direta das palavras mais
perfeitas possíveis para comunicar o que Ele quer dizer, como
aconteceu na Sagrada Escritura, mas ao menos garantindo que nenhuma
palavra jamais seja usada em tal formulação oficial que possa ser
considerada falha. E, assim, o Papa Santo Agatão (678-681) escreveu
que: “Nada se deve diminuir daquelas coisas que foram definidas, nada
mudar, nada acrescentar, mas se devem conservar puras, quanto à
expressão e quanto ao sentido.” [“Nihil de iis, quae sunt regulariter
definita minui debere, nihil mutari, nihil adiici, sed ea et verbis,
et sensibus rum illibata esse custodienda.” (n.d.t.)]
E claro que nenhuma escapatória da heterodoxia do ensinamento
contrário pelo Vaticano II pode ser baseada na técnica sutil de usar o
condicional: “Se… houve deficiências… no modo como a doutrina da
Igreja foi enunciada…”; pela simples razão de que até mesmo considerar
a hipótese mostra que se crê possível possa haver tais deficiências, e
dar instruções sobre como responder a uma tal eventualidade demonstra
ser isso, inclusive, provável.
Censura teológica: na implicação mais natural das palavras… HERÉTICO.

(q) Outras heresias do Vaticano II e uma heresia no Próprio da Quinta-


Feira Santa do Novus Ordo Missae.
A lista precedente não é exaustiva, em parte porque nunca quisemos
realizar a tarefa morosa, laboriosa e moralmente perigosa de ler
meticulosamente todos os documentos do Concílio com vistas a localizar
cada afronta à Fé Católica ali contida. Consideramos digno de
mencionar aqui, porém, que o decreto Unitatis Redintegratio sobre o
ecumenismo e a declaração Nostra Aetate sobre as religiões não
cristãs, juntamente com a mais célebre declaração Dignitatis Humanae
sobre a liberdade religiosa, formam uma categoria especial, pois as
heresias que contêm não são incidentais, mas constituem sua própria
raison d’être. Noutras palavras, cada um desses documentos não somente
contém ofensas isoladas à verdade católica, mas foi concebido como um
ataque contra alguma doutrina católica. Nostra Aetate destina-se a
solapar a pedra angular da doutrina católica de que “nenhum outro nome
sob o Céu foi dado aos homens pelo qual nós devamos ser salvos [senão]
pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo Nazareno” (Atos IV, 10,12).
Unitatis Redintegratio procura rasgar a túnica inconsútil de Cristo e
fazer de Sua fiel esposa, a Igreja, uma meretriz pela negação de que
“o homem que é herege…está pervertido e peca, sendo condenado pelo seu
próprio juízo” (Tito III, 10,11). E Dignitatis Humanae, é claro,
dirige-se contra o reinado social de Cristo, o dever do Estado de
adotar a única religião verdadeira e fomentá-la, ao mesmo tempo que
cerceia as expressões públicas de todas as religiões falsas, ao ecoar
o grito blasfemo dos judeus: “Não temos rei senão César” (João XIX,
15); “Não queremos que este Homem reine sobre nós” (Lucas XIX, 14).
É também notório que a constituição dogmática sobre a Igreja conhecida
por suas palavras de abertura como Lumen Gentium foi concebida
principalmente para introduzir uma doutrina herética de
“colegialidade” episcopal nunca ouvida na história da Igreja. Nesse
caso, todavia, os protestos dos Padres “conservadores” levaram a
revisões tão radicais, que a doutrina tal como promulgada talvez não
seja pior que tendenciosa. Até Dom Castro Mayer detectar o ardil, era
intenção dos redatores do texto original ampliar a tal ponto a
autoridade dos bispos agindo em uníssono, que essa suposta autoridade
seria incompatível com o dogma de que a autoridade do Papa sobre a
Igreja inteira é não somente imediata e absoluta, mas também plena.
Por fim, para encerrar esta lista, consideramos digna de menção uma
heresia que não foi incluída nos documentos do Vaticano II, mas
apareceu no texto do Novus Ordo promulgado por Paulo VI na esteira do
Concílio. Ocorre no Próprio da liturgia de Quinta-Feira Santa, dia
este em que os celebrantes e participantes do Novus Ordo pedem a Deus
conceder que os judeus “possam crescer/continuar na fidelidade à Sua
Aliança” (“in sui foederis fidelitate proficere”). A implicação
inconfundível é que o judeus já são, ao menos em certa medida, fiéis à
aliança de Deus. Na realidade, porém, isso não é assim, pois a Antiga
Aliança exigia dos judeus reconhecerem o Messias, Jesus Cristo, e,
quando eles O rejeitaram, ela foi irrevogavelmente rompida e abrogada
perpetuamente. Destarte, até mesmo a observância exterior das
cerimônias mosaicas por parte deles não pode ser considerada “fiel”,
dado que é de fide que a lei mosaica foi abrogada. E, desnecessário
dizer, os judeus certamente não são mais fiéis à Nova Aliança do que
foram à Antiga!
Censura teológica: HERÉTICO.

_____________
ÍNDICE
(a) O direito civil à liberdade religiosa.

(b) A Revelação foi completada na Crucifixão.

(c) Seitas heréticas e cismáticas são meios de salvação.

(d) Oração pública em comum com hereges e cismáticos é útil e


louvável.

(e) A geração e educação da prole não é a finalidade primeira do


matrimônio.

(f) Os judeus não são apresentados na Escritura como rejeitados ou


amaldiçoados.

(g) Cristãos e judeus têm um patrimônio espiritual comum.

(h) Dissensões passadas com os muçulmanos devem ser esquecidas.

(i) As ações litúrgicas dos protestantes engendram a vida da graça e


aptamente dão acesso à comunhão da salvação.

(j) A Igreja tem sincero respeito por doutrinas que diferem das dela.

(k) Reuniões e discussões teológicas de igual para igual entre


católicos e acatólicos são louváveis.

(l) Cristãos e não cristãos buscam juntos a verdade e respostas sobre


a moral.

(m) A Igreja deve dialogar com ateus para estabelecer a ordem no


mundo.

(n) A Igreja precisa da ajuda dos não crentes.

(o) Os missionários católicos devem colaborar com “missionários”


heréticos.

(p) Deficiências na formulação do ensinamento da Igreja devem ser


retificadas.

(q) Outras heresias do Vaticano II e uma heresia no próprio da Quinta-


Feira Santa do Novus Ordo Missae.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John DALY, As Principais Heresias e Outros Erros do Vaticano II, 1990,
trad. br. por F. Coelho, São Paulo, abril de 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-EJ
de: “The Principal Heresies and Other Errors of Vatican II”, edited by
John Lane: http://sedevacantist.com/heresies.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
Relacionado
Essa entrada foi publicada em 13 de abril de 2011 às 18:56 e está
arquivada em Autores: DALY, Cardeal Ottaviani, Concílio de Florença
(1438-45), Concílio de Trento (1545-63), Cornélio a Lapide, Dom
Guéranger, Dom Mayer, Doutrina, História da Igreja, Latrocínio
Vaticano II, Liturgia, Matrimônio, Método, Michael Davies, Padre
Cartechini, Papa PIO IX (1846-78), Papa PIO VII (1800-23), Papa PIO XI
(1922-39), Papa PIO XII (1939-58), São Jerônimo. Você pode acompanhar
qualquer resposta para esta entrada através do feed RSS 2.0. Você pode
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6 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – LV”
1. Aruan Freitas Disse:

20 de abril de 2011 às 23:19


Não seria adequado acrescentarmos a esta lista o seguinte absurdo:
“Com efeito, aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo, e
a Sua Igreja, procuram, contudo, a Deus com coração sincero, e se
esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a Sua vontade,
manifestada pelo ditame da consciência, também eles podem alcançar a
salvação eterna. Nem a divina Providência nega os auxílios necessários
à salvação àqueles que, sem culpa, não chegaram ainda ao conhecimento
explícito de Deus e se esforçam, não sem o auxílio da graça, por levar
uma vida recta.” – ( Lumen Gentium 16 )
Se a primeira parte da citação é teologicamente aceitável dentro dos
critérios do batismo de desejo, infelizmente o mesmo não se dá com a
segunda parte. Esta última afirma a não-necessidade da admissão da
existência de Deus para se atingir a salvação. Em suma: é como dizer
que ateus “com reta intenção”(sic) podem ser salvos.
Convenhamos, há como ser benévolo na interpretação dessa segunda
parte, mas não dentro deste contexto específico no qual o texto está
inserido, pois este é francamente relativo à salvação eterna das
almas.
Mais: o Concílio Vaticano I determina que quem afirma que Deus não
pode ser conhecido por meio da razão humana, através das coisas
visíveis, este deve ser anatematizado.
E, dado que a fé em Deus é necessidade de meio para a salvação (vide
qualquer manual razoável de Teologia Moral!), não vejo como não
condenar essa monstruosidade senão como heresia.
2. AJBF Disse:

27 de maio de 2011 às 11:41


Importante considerar também o erro encontrado pelo irmão franciscano,
o sr. Alexis Bugnolo, no qual denuncia um erro da Gaudium et Spes
digno de Allan Kardec e do espiritismo: o amor ao próximo como
primeiro mandamento!
http://www.franciscan-archive.org/apologetica/ges-n24b.html
E olha que ele não é sedevacantista…!
3. AJBF Disse:

2 de outubro de 2011 às 19:34


Caríssimos,
Tendo em vista o que já comentei noutros post, creio ser importante
voltar a este aqui novamente, para discutir um dos pontos que agora
não me parece mais estar correto.
O texto da POST TAM DIUTURNAS citado por Daly (e traduzida para o
inglês por ele mesmo nesse link:
http://www.sedevacantist.org/encyclicals/Pius07/post_tam_diuturnas.htm
l) não me parece condenar como heresia a liberdade religiosa tal qual
concebida pela <i.Dignitatis Humanae.
Segundo consta no texto, o que está sendo condenado como heresia é “a
liberdade religiosa e de consciência” que equipara a fé católica com
qualquer outra fé – e essa pelo visto não é aquela defendida pela
Dignitatis Humanae (DH).
Se assim não fosse o sumo-pontífice não citaria Santo Agostinho,
quando refere-se a uma heresia indiferentista:
“Dice también que un tal Retorio fundó una herejía de inaudita
vanidad, porque afirma que todos los herejes caminan rectamente y
dicen la verdad. Lo cual es tan absurdo que me resisto a creerlo” (De
Haeresibus, 72 – tradução espanhola online disponível em
http://www.sant-agostino.it/spagnolo/eresie/index2.htm).
Donde, se a condenação a essa idéia expressa na malfadada declaração
conciliar não está confirmada pelo magistério católico anterior, e se
a expressão “liberdade de consciência e de culto” possui significado
distinto daquele condenado na Quanta Cura (QC) e Post Tam Diuturnas
(PTD), não vejo como pode-se dizer com propriedade que a QC e a PTD
contradizem frontalmente o conteúdo da DH sobre “a liberdade
religiosa”, entendida como sendo um direito inalienável – porém
limitado a critérios como as 1)normas jurídicas conformes à ordem
objetiva, a 2)honesta paz pública e a 3)moralidade pública – à
imunidade de coação e coerção em matéria religiosa.
Se alguém enxerga erro nisso, que me corrija por favor.
Att.
AJBF
4. AJBF Disse:

5 de setembro de 2013 às 16:49


Em tempo: eu NÃO MAIS estou nessa dúvida do post anterior.
5. Felipe Coelho Disse:

5 de setembro de 2013 às 19:02


Caríssimo Aruan, Salve Maria!
Eu sei!
Mas claro que esta sua nova retificação é muitíssimo oportuna, pois
quem visita esta caixa de comentários atualmente pode não ter lido
isso que acabo de “linkar”.
Aliás, que pena que me esqueci de mencionar esta tradução, que estamos
comentando, no elenco das várias árvores de comentários onde debatemos
o problema da liberdade religiosa aqui, em fins de 2011!
Aproveito para notar que também eu deixei uma porção de comentários
mais ou menos pendentes, desde o início do blogue, sem nenhuma
resposta (ou então que pretendi responder mediante traduções
subsequentes, mas nem sempre mencionando isso ao comentador…), de modo
que ainda pretendo revisitar esses fios de comentários antigos sem
resolução, para não deixar nenhum fio solto, como se diz, que possa
deixar perplexo a quem neles “caia de paraquedas”.
Aliás, a antepenúltima tradução publicada aqui foi justamente um
esforço nesse sentido. Antes tarde do que nunca, suponho?
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
6. AJBF Disse:

12 de setembro de 2013 às 1:01


Felipe, SMI!
Penso que podes fazer isso quando quiserdes, digo, acrescentar essa
tradução lá; será oportuníssimo.
Fique com Deus, caríssimo!
AJBF
A Voz de Roma – VII
24 de outubro de 2013

Um Esclarecimento de Pio IX
(1984)

Rev. Pe. Bernard Lucien

Anexo III de seu estudo:

L’Infaillibilité du magistére ordinaire et universel de l’Église

[A Infalibilidade do Magistério Ordinário e Universal da Igreja]

(Nice: Éditions Association Saint-Herménégilde,

Documents de Catholicité, 1984, vi+158p.,

pp. 147-150:

_____________

“Deve-se crer com fé divina e católica tudo o que está contido na


palavra de Deus escrita ou transmitida por tradição, e que a Igreja,
seja num juízo solene, seja por seu magistério ordinário universal,
propõe a crer como divinamente revelado.”

Não nos detivemos, no decorrer do nosso estudo, num ponto bastante


evidente por si mesmo, mas sobre o qual talvez seja melhor dizer uma
palavra.
O texto do Vaticano I que acabamos de recordar caracteriza o objeto da
fé divina e católica de duas maneiras: “aquilo que é proposto pela
Igreja”, “aquilo que está contido na palavra de Deus”.
É claro, pela natureza mesma das coisas, que não se tratam aí de DOIS
CRITÉRIOS que deveriam ser observados para concluir que se está na
presença de um objeto de fé. Isso é claro porque já de maneira geral
deve-se crer tudo o que está contido na palavra de Deus. Se, pois,
fosse necessário que o crente verificasse por si mesmo esse fato, a
intervenção da Igreja seria sem objeto.
Na realidade, o texto do Vaticano I considera o objeto da fé sob dois
pontos de vista diferentes. O primeiro, que pode ser chamado de
ONTOLÓGICO, pois descreve a essência das coisas: objeto da fé é aquilo
que está contido na palavra de Deus. O segundo, que é – e somente ele
o é, com exclusão do primeiro – CRITERIOLÓGICO: a proposição pela
Igreja.
Fica, pois, absolutamente excluído, pela própria natureza das coisas,
que se considere a primeira afirmação de nosso texto (“aquilo que está
contido na palavra de Deus”) como um primeiro critério, que deveria se
assomar à proposição pela Igreja, para que esta seja infalível.
Noutros termos, está evidentemente excluído que o próprio fato de
estar contido na Palavra possa ser um critério da infalibilidade do
ato do magistério: está EVIDENTEMENTE excluído, porque uma tal posição
equivale a negar a infalibilidade do ato em si mesmo (se for preciso
verificar o fato da pertença da doutrina à Revelação, é que esse fato
não é objeto de certeza, e portanto que o ato não é infalível) e em
sua finalidade essencial (a infalibilidade tem como razão de ser
garantir-nos que determinada doutrina pertence ao depósito; logo, ela
perde sua razão de ser se não se puder afirmá-la sem verificar antes
essa pertença).

Consideramos útil, a esse respeito, recordar um texto tópico de Pio


IX. Esse texto refere-se diretamente a um juízo solene; mas dado que,
no ensinamento do Vaticano I, o magistério ordinário é posto no mesmo
patamar que os juízos solenes no que se refere à primeira afirmação
(“aquilo que está contido na Palavra”), o alcance geral das
explicações de Pio IX é manifesto (os sublinhados são nossos):
“Como todos os fautores de heresia e de cisma, gabam-se eles
falsamente de ter conservado a antiga fé católica, enquanto que
subvertem o próprio fundamento principal da fé e da doutrina católica.
Eles bem reconhecem na ESCRITURA e na TRADIÇÃO a fonte da Revelação
divina; mas recusam-se a escutar o MAGISTÉRIO SEMPRE VIVO DA IGREJA,
embora este salte aos olhos, claramente, da Escritura e da Tradição, e
tenha sido instituído por Deus como guardião perpétuo da exposição e
da explicação infalíveis dos dogmas transmitidos por essas duas
fontes. Por conseguinte, com sua ciência falsa e tacanha,
independentemente e mesmo indo contra a autoridade deste magistério
divinamente instituído, eles se erigem a si próprios em juízes dos
dogmas contidos nessas fontes da Revelação.
“Pois porventura fazem eles coisa diferente quando, sobre um dogma de
fé DEFINIDO POR NÓS, com a aprovação do santo Concílio, ELES NEGAM QUE
SE TRATE DE UMA VERDADE REVELADA POR DEUS e que exige assentimento de
fé católica, muito simplesmente porque, NO PARECER DELES, ESSE DOGMA
NÃO SE ENCONTRA NA ESCRITURA E NA TRADIÇÃO? Como se não houvesse uma
ordem na fé, instituída por nosso Redentor na Sua Igreja e sempre
conservada, segundo a qual A DEFINIÇÃO MESMA de um dogma DEVE SER TIDA
POR SI SÓ como demonstração suficiente, seguríssima e adaptada a todos
os fiéis, de que a doutrina definida ESTÁ CONTIDA no duplo depósito da
Revelação, escrita e oral. É, aliás, por isso que tais definições
dogmáticas sempre foram e são, necessariamente, regra imutável para a
fé, assim como para a teologia católica, à qual incumbe a nobilíssima
missão de mostrar como a doutrina, no mesmo sentido da definição, está
contida no depósito revelado.”
(Papa PIO IX, Carta Inter Gravissimas, 28 de outubro de 1870, à
assembleia episcopal de Fulda; E.P.S. E. 374-375).
[N. do T. – “E.P.S. = Enseignements Pontificaux (Ensinamentos
Pontifícios), reunidos e traduzidos por Monges de Solesmes. E.P.S. E.
designa os dois volumes consagrados à Igreja.” (p. iii)]

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Bernard LUCIEN, Um Esclarecimento de Pio IX, 1984, trad. br.
por F. Coelho, São Paulo, out. 2013, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-27D
Fonte: Anexo II, pp. 147-150 de: B. LUCIEN, L’Infaillibilité du
magistére ordinaire et universel de l’Église, Nice: Éditions
Association Saint-Herménégilde, Documents de Catholicité, 1984,
vi+158p.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: outros, Concílio do Vaticano (1870), Doutrina,


Método, Padre Lucien, Papa PIO IX (1846-78) | Deixar um comentário »
Textos essenciais em tradução inédita – CXCVII
23 de junho de 2013

Infalibilidade e Obrigação
(1984)
Rev. Pe. Bernard Lucien

Anexo II de seu estudo:

L’Infaillibilité du magistére ordinaire et universel de l’Église

[A Infalibilidade do Magistério Ordinário e Universal da Igreja]

(Nice: Éditions Association Saint-Herménégilde,

Documents de Catholicité, 1984, vi+158p.,

pp. 129-146:

_____________
ANEXO II: Infalibilidade e obrigação (p. 129)
– Exposição geral (p. 131)

– Uma dificuldade (p. 136)

– O texto de Pio IX sobre o magistério ordinário (p. 139)

– Um texto de Leão XIII, e um de Pio XII (p. 139)

– Definição ex cathedra e obrigação (p. 141)

– Ilustração (p. 145)


_____________

Vários autores, quando explicam quais são as condições de


infalibilidade do Papa definidas no Vaticano I (Pastor Æternus, D.
1839), contam entre elas, com maior ou menor precisão, a vontade ou
intenção de obrigar. Alguns até mesmo, principalmente dentre autores
recentes, têm a tendência de estender esse “critério” à infalibilidade
em geral (e não mais só a este modo particular de exercício que lhes
serviu de ponto de partida: a definição ex cathedra decretada pelo
Papa sozinho).
Que se passa, então, com essa “intenção de obrigar”?
Vamos examiná-la sucintamente neste anexo. Estudaremos primeiro as
relações entre infalibilidade e obrigação em geral (o que nos
permitirá concluir quanto ao exercício ordinário do magistério
infalível). Em seguida, nos voltaremos para o caso particular da
definição ex cathedra.

Exposição geral
“Porro fide divina et catholica ea omnia credenda sunt, quæ in verbo
Dei scripto vel tradito continentur et ab Ecclesia sive solemni
judicio sive ordinario et universali magisterio tamquam divinitus
revelata credenda proponuntur.”

(Dei Filius, cap. III; D. 1792)


Já conhecemos bem esse texto promulgado no Vaticano I. Mas o
estudamos, até aqui, principalmente no que se refere à sua afirmação
da existência do modo ordinário de exercício do magistério infalível.
Vamos agora extrair o que ele nos ensina sobre a obrigação ligada à
infalibilidade.
Eis, para começar, algumas traduções fornecidas pelos autores. Damos
aqui esta amostra, porque veremos, no próximo subtítulo, que um
teólogo deu, uma vez, uma outra tradução que apresenta uma divergência
notável acerca da questão que nos ocupa.
a) JOURNET, Le Message Révélé, p. 113:
“É para ser crido com fé divina e católica tudo o que está contido na
Palavra de Deus escrita ou transmitida, e que a Igreja, seja por um
juízo solene, seja por seu magistério ordinário e universal, propõe a
ser crido como divinamente revelado.”

[« Est à croire de foi divine et catholique tout ce qui est contenu


dans la Parole de Dieu écrite ou transmise, et que l’Église, soit par
un jugement solennel, soit par son magistère ordinaire et universel,
propose à croire comme divinement révélé. »]
b) GOUPIL, La Règle de la Foi, tomo I, 3.ª ed., p. 55:
“É preciso crer com fé divina (…) aquilo que a Igreja, por um juízo
solene ou pelo magistério ordinário universal, propõe a ser crido como
divinamente revelado.”

[Fomos nós que indicamos a supressão com o sinal: (...) ; o autor não
a assinala!]

[« Il faut croire de foi divine (...) ce que l’Église, par un jugement


solennel ou par le magistère ordinaire universel, propose à croire
comme divinement révélé. »]
c) LIÉGÉ, Initiation Théologique, tomo I, p. 34:
“Deve-se crer com fé divina e católica em todas as verdades que se
encontram contidas na Palavra de Deus, escrita ou tradicional, e que a
Igreja propõe a que nelas se creia como divinamente reveladas, quer
ela faça essa proposição por meio de um juízo solene ou de seu
magistério ordinário e universal.”

[« On doit croire de foi divine et catholique toutes les vérités qui


se trouvent contenues dans la Parole de Dieu, écrite ou
traditionnelle, et que l’Église propose pour qu’on les croie comme
divinemente révélées, qu’elle fasse cette proposition par un jugement
solennel ou par son magistère ordinaire et universel. »]
d) THILS, L’Infaillibilité Pontificale, p. 23:
“Cumpre crer com fé divina e católica todas as verdades que estão
contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida e que são propostas
a serem cridas, como divinamente reveladas, pela Igreja, quer seja em
juízo solene, quer seja com o magistério ordinário e universal.”

[« Sont à croire de foi divine et catholique toutes les vérités qui


sont contenues dans la Parole de Dieu écrite ou transmise et qui sont
proposées à croire, comme divinemente révélées, par l’Église, soit
dans un jugement solennel, soit par le magistère ordinaire et
universel. »]
e) DUMEIGE, La Foi Catholique, ed. de 1975, p. 49 (n.º 93):
“Ademais, deve-se crer com fé divina e católica tudo o que está
contido na Palavra de Deus, escrita ou transmitida, e que a Igreja
propõe a ser crido como divinamente revelado, quer por juízo solene,
quer pelo magistério ordinário e universal.”

[« De plus, on doit croire de foi divine et catholique tout ce qui est


contenu dans la Parole de Dieu, écrite ou transmise, et que l’Église
propose à croire comme divinemente révélé, soit par un jugement
solennel, soit par le magistère ordinaire et universel. »]
f) MONGES DE SOLESMES, “Enseignements Pontificaux”, L’Église, n.º 341:
“Deve-se crer com fé divina e católica tudo o que está contido na
palavra de Deus escrita ou transmitida por tradição, e que a Igreja,
quer num juízo solene, quer por seu magistério ordinário e universal,
propõe a ser crido como verdade revelada.”

[« On doit croire de foi divine et catholique tout ce qui est contenu


dans la parole de Dieu écrite ou transmise par tradition, et que
l’Église, soit dans un jugement solennel, soit par son magistère
ordinaire et universel, propose à croire comme vérité révélé. »]
g) MONGES DE SOLESMES, “Enseignements Pontificaux”, Notre-Dame, n.º
493:
“Deve-se crer com fé divina e católica todas as coisas contidas na
Palavra de Deus escrita ou transmitida, e que a Igreja, quer por um
juízo solene, quer por seu magistério ordinário e universal, propõe à
nossa fé como verdades reveladas por Deus.”

[« On doit croire de foi divine et catholique toutes les choses


contenues dans la Parole de Dieu écrite ou transmise, et que l’Église,
soit par un jugement solennel, soit par son magistère ordinaire et
universel, propose à notre foi comme des vérité révélées par Dieu. »]
Essas diversas traduções são concordes sobre os dois pontos que formam
o essencial de nossa questão. Como dissemos, citaremos e examinaremos
logo mais um teólogo que faz, em parte, exceção a essa unanimidade: o
Padre Vacant. Por ora, apresentamos o que se depreende do texto tal
como ele é mui geralmente compreendido e traduzido: veremos, aliás,
que essa interpretação comum se impõe absolutamente.

O concílio, pois, afirma primeiro a existência de uma obrigação de


fazer atos de fé: fide divina et catholica ea omnia credenda sunt:
“são para ser cridos”, “é preciso crer”, “deve-se crer”… e o
fundamento dessa obrigação é indicado: deve-se crer “o que está
contido na Palavra de Deus”. É o caráter revelado (por Deus) que é a
fonte da obrigação de fazer um ato de fé. Reencontra-se, portanto,
muito exatamente, no início desse parágrafo Porro fide divina, o
ensinamento dado pelo concílio no começo do capítulo III que o contém:
“Porque o homem depende totalmente de Deus como seu Criador e Senhor e
porque a razão criada está completamente sujeita à Verdade incriada,
nós somos obrigados, quando Deus se revela, a prestar-lhe, com a fé, a
plena submissão de nossa inteligência e de nossa vontade.” (D. 1789)
Tal é a substância das coisas, a “metafísica” da obrigação ligada à
Revelação e à Fé. A fonte, o motivo formal, a causa própria e adequada
dessa obrigação, é a Verdade incriada que se revelou, é a Veracidade
divina, ou ainda, como diz a sequência do texto que acabamos de citar
(D. 1789), “a autoridade de Deus mesmo que se revela, o qual não pode
enganar-se nem nos enganar”.
Como se vê, toda a questão da “obrigação” se decide, substancialmente,
antes e fora da intervenção da Igreja. Qual é, pois, aqui, o papel
dela? Como vimos (p. 39), a intervenção infalível da Igreja tem por
função determinar com precisão o objeto material da fé: isto é, fazer
saber com certeza quais são em detalhe as verdades reveladas. [N. do
T. – O trecho da pág. 39 a que fez referência aí o A., inseri-o em
nota do tradutor no capítulo “O texto de Pio IX sobre o magistério
ordinário”, mais adiante.]
O papel próprio da Igreja não é, pois, de modo nenhum, o de obrigar a
crer; é o de certificar infalivelmente que determinada proposição
pertence ao dado revelado (ou está ligada a este, para as “verdades
conexas”). Em suma, o magistério como tal não obriga a crer, mas
propõe o que deve ser crido como divinamente revelado (ou o que deve
ser aceito como ligado ao depósito; não continuaremos fazendo sempre a
precisão dessa segunda possibilidade, pois a estudamos detalhadamente
em nosso Anexo I [“O Objeto Secundário da Infalibilidade do
Magistério”, op. cit., pp. 113-127 (N. do T.)]. Falaremos aqui em
função do objeto primário da infalibilidade; a aplicação ao objeto
secundário é imediata).

É justamente assim que as coisas são apresentadas pelo texto do


Vaticano I. O exercício do magistério infalível, como tal, não
comporta o afirmar uma obrigação, mas o fazer conhecer o caráter
revelado de uma proposição: “quæ (…) tamquam divinitus revelata
credenda proponuntur”; o que (a Igreja) “propõe a ser crido como
divinamente revelado” ou “propõe à nossa fé como verdades reveladas
por Deus”.
Em virtude desse texto de base do Vaticano I, o ato próprio do
magistério infalível comporta somente a afirmação do caráter revelado
de uma proposição; aí então, ipso facto, a obrigação liga o fiel:
deve-se crer. Não porque a Igreja criaria uma obrigação, mas porque o
fiel conhece, em consequência da afirmação infalível da Igreja, que
determinada proposição é revelada e que, assim, ele se encontra ligado
pela obrigação geral de crer aquilo que é revelado aplicada a esse
caso particular.

É verdade que a autoridade da Igreja exerce frequentemente seu poder


de jurisdição conjuntamente com o poder magisterial, castigando com
penas eclesiásticas (“anátemas” ou outras) aqueles que recusam
exteriormente o ensinamento dela. Mas o ato do poder de jurisdição é
formalmente e realmente distinto do ato do poder magisterial. Isso é
manifesto, segundo o texto do Vaticano I que acabamos de analisar, e
que não menciona a intervenção do poder de jurisdição. E isso foi
claramente exposto pelo Padre Kleutgen, nas justificações teológicas
anexas ao esquema reformado sobre a Igreja (cf. pp. 15-16):
“Nestes decretos, é necessário distinguir entre a interdição (ou o
mandamento) e a definição (ou o juízo sobre a doutrina). Antes de
tudo, com efeito, a Igreja define que determinadas opiniões são ruins;
em seguida, ela as proíbe como tais, e ela estabelece penas contra os
contumazes. Ora, devemos submissão do espírito à Igreja que define,
mesmo que ela não ajunte nenhum preceito. Porque, com efeito, Deus nos
deu a Igreja como mãe e mestra para tudo o que diz respeito à religião
e à piedade, nós somos obrigados a escutá-la quando ela ensina. É por
isso que, se o pensamento e doutrina de toda a Igreja se mostra, nós
somos obrigados a aderir a ele, mesmo que não haja definição: quanto
mais, pois, se esse pensamento e essa doutrina se mostrarem a nós
mediante uma definição pública?” (M. 53, 330 B).
Essa exposição doutrinal de um dos teólogos da Deputação da Fé no
Vaticano I está em plena concordância com o texto da Dei Filius que
explicamos. A interdição ou o mandamento (e, portanto, a explicitação
da obrigação) não são de maneira nenhuma constitutivos do ato
infalível: nem para o magistério ordinário (fora de uma definição em
sentido estrito), nem para o magistério extraordinário (“definição”).
Em todos os casos, o ato do magistério garantido pela infalibilidade é
o “juízo sobre a doutrina” (conformidade ou desconformidade com a
Revelação). E então os fiéis devem aderir, no mesmo ato, tanto à
doutrina ensinada quanto ao juízo da Igreja, sempre em razão da
autoridade de Deus que revela: que revela, tanto determinada doutrina
em particular, como que Ele assiste infalivelmente a Igreja em seu
ensinamento.

Bem entendido, se a interdição, ou o mandamento, ou as penas


canônicas, não são constitutivos do ato infalível, eles podem ser
sinal dele. Tal é o caso bem conhecido dos “cânones com anátema” dos
concílios ecumênicos, especialmente de Trento e do Vaticano I. No
cânon, somente a pena de excomunhão contra os que digam determinada
doutrina é explicitada. Mas todos os católicos reconhecem que é um
sinal certo do juízo infalivelmente decretado pela Igreja sobre a
doutrina mesma.

Uma dificuldade
Como assinalamos mais acima, Vacant rompe a unanimidade na tradução de
D. 1792, suscitando destarte uma dificuldade quanto à doutrina que
acabamos de expor. Eis, com efeito, sua tradução do texto:
“Deve-se crer com fé divina e católica todas as verdades que se
encontram contidas na palavra de Deus escrita ou tradicional e que a
Igreja propõe como devendo ser cridas, enquanto divinamente reveladas,
quer ela faça essa proposição por um juízo solene ou por seu
magistério ordinário e universal.”

(Études Théologiques…, tomo II, 1895, p.82).

[« On doit croire de foi divine et catholique toutes les vérités qui


se trouvent contenues dans la parole de Dieu écrite ou traditionnelle
et que l’Église propose comme devant être crues, en tant que
divinement révélées, qu’elle fasse cette proposition par un jugement
solennel ou par son magistère ordinaire et universel. »]
“Propõe como devendo ser cridas”: aí está a inovação de Vacant e, ao
que parece, a exigência da afirmação de uma obrigação como
constitutiva do ato infalível. É, pois, necessário examinar se a
tradução de Vacant está correta, embora ela vá de encontro àquela
admitida pela maioria dos autores; será preciso igualmente verificar,
caso a conclusão seja afirmativa, ou mesmo caso subsista dúvida em
favor da tradução de Vacant, quais são as consequências para a
doutrina mesma.

Observemos, antes de mais nada, que Vacant não é muito apegado à sua
tradução, e que o ponto litigioso não desempenha papel algum nas
explicações que ele fornece sobre a infalibilidade. Com efeito, na
exposição de 1887 publicada em La Science Catholique, exposição esta
retomada substancialmente e por vezes literalmente na obra de 1895,
Vacant dava uma tradução conforme àquela que encontramos nos demais
autores:
“Deve-se crer, com fé divina e católica, todas as verdades que se
encontram contidas na palavra de Deus escrita ou tradicional e que a
Igreja propõe à nossa fé como divinamente reveladas, quer ela faça
essa proposição por um juízo solene ou por seu magistério ordinário e
universal.”

(La Science Catholique, 1887, p. 301.)

[« On doit croire, de foi divine et catholique, toutes les vérités qui


se trouvent contenues dans la parole de Dieu écrite ou traditionnelle
et que l’Église propose à notre foi comme divinement révélées, qu’elle
fasse cette proposition par un jugement solennel ou par son magistère
ordinaire et universel. »]
As explicações dadas por Vacant concordam justamente com essa
tradução:
“Ao estudar a fé, o Santo Concílio quis declarar quais são as verdades
que é preciso crer com fé divina e católica, ou seja, sob pena de ser
herege aos olhos da Igreja e de ser excluído do interior dela. Ora,
como se sabe, essas verdades são aquelas que a Igreja propõe à nossa
fé como reveladas. Elas devem, consequentemente, preencher duas
condições: 1.º ser reveladas ou contidas na palavra de Deus; 2º ser
propostas como tais à nossa fé pela Igreja, que afirma explicitamente
que elas estão na revelação divina e que, portanto, manifesta
claramente a todos os seus filhos a obrigação de crê-las.”

(ibid. p. 302)
Encontra-se justamente aqui a doutrina que precedentemente
evidenciamos: a Igreja propõe determinada verdade como divinamente
revelada: daí se segue que a obrigação de crer está claramente
manifestada. Esse segundo ponto é uma consequência, não um
constitutivo, do ato infalível.
Esse ensinamento se mantém, de resto, na obra de 1895. Vacant ali
escreve:
“(O Concílio) ensina, com efeito, que essa fé deve ter como objeto
todas as verdades que se encontram contidas na palavra de Deus… e que
a Igreja propõe como impondo-se à fé, enquanto divinamente reveladas,
(…). Ora, se bem que, consideradas em bloco, todas as verdades
reveladas sem exceção se imponham à fé de todos; tomadas isoladamente,
somente podem ser consideradas como obrigatórias para todos aquelas
que a Igreja propõe como certamente reveladas.”

(Études Théologiques…, 1895, pp. 84-85)


Vê-se que, no próprio comentário à sua nova tradução, Vacant conserva
a doutrina decorrente da tradução comum: a Igreja “propõe como
certamente revelado” e, como consequência disso, existe “obrigação
para todos”.
Vacant escreve ainda, na mesma obra de 1895 (p. 85):
“Assim, Jesus Cristo estabeleceu sua Igreja para propor essas verdades
tanto aos sábios quanto aos ignorantes, e assiste-a para que ela o
faça infalivelmente. As verdades que ela declara reveladas o são,
pois, certamente; elas se impõem, sem dúvida alguma, à fé de todos os
cristãos.”
Podemos concluir, do ponto de vista doutrinal, que Vacant está de
pleno acordo com a exposição que fizemos, conformemente à “tradução
comum” e às explicações de Kleutgen. E ele não manifestou, de maneira
nenhuma, a intenção de introduzir uma mudança de doutrina com sua nova
tradução (a qual ele não justifica, e nem mesmo frisa).
Logo, é provável que Vacant não tenha se dado conta da dificuldade que
ele introduzia. Isso não é impossível, pois sua tradução não exclui a
interpretação que se impõe segundo a tradução comum. Quando Vacant
traduz: “que a Igreja propõe como devendo ser cridas como divinamente
reveladas”, pode-se muito bem entender que a afirmação feita pela
Igreja do caráter revelado é suficiente para indicar a obrigação. Essa
interpretação não é excluída pelo texto. Mas ela tampouco se impõe.
Qual é, portanto, o valor dessa tradução de Vacant?

Salvo meliore judicio, parece-nos que ela é absolutamente inexata. Com


efeito, a ideia de obrigação está associada no latim ao adjetivo
verbal empregado como atributo junto do verbo ser: é o caso, por
exemplo, do início do parágrafo “Porro”: “deve-se crer”, “credenda
sunt”.
Mas o mesmo não se dá com a passagem que nos ocupa. Temos aqui um
adjetivo verbal unido ao sujeito (nominativo) de um verbo passivo,
forma similar àquela encontrada quando o adjetivo verbal está unido ao
complemento de objeto no acusativo, após verbos que signifiquem ideias
como “dar o que fazer”, “encarregar-se de fazer” etc. Uma tal
construção não marca a obrigação, mas a destinação. Consulte-se, por
exemplo, a gramática latina Debeauvais, edição 1965, n.º 831. O autor
dá como exemplo: “dedit mihi libros legendos”, “ele me deu livros para
ler”; e, na passiva: “libri mihi dati sunt legendi”: “foram-me dados
livros para ler”.
Consideramos, pois, consolidado que a única tradução correta é a que é
comumente recebida, e que a “nova” tradução de Vacant é falsa.

Resta-nos apresentar alguns argumentos suplementares em favor da


doutrina que extraímos do texto do Vaticano I.

O texto de Pio IX sobre o magistério ordinário


A questão doutrinal pode facilmente ser decidida, conformemente à
tradução correta e às explicações de Kleutgen, referindo-nos ao texto
de Pio IX já conhecido do leitor (cf. p. 39).
[N. do T. – O A. faz referência aí ao seguinte discurso – por ele
citado à p. 39 – de Dom Conrado Martin, Bispo de Paderborn, proferido
em 31 de março de 1870 perante o Concílio, falando ele em nome da
Deputação da Fé:
“Declaro aos Reverendíssimos Padres que a intenção da Deputação no que
concerne a este parágrafo ‘ademais devem ser cridas’ que vos é
apresentado, essa intenção, dizia, da Deputação da Fé não foi de
maneira alguma a de tocar na questão da infalibilidade do Soberano
Pontífice, quer seja diretamente ou indiretamente; mas ela quis
explicar qual é o objeto material da fé, após ter dito no primeiro
parágrafo o que lhe pareceu bom acerca do objeto formal da fé. Ela só
quis, portanto, explicar o que devia ser crido com relação ao objeto
material da fé; e ela quis dirigir esse parágrafo contra aqueles
teólogos que dizem que devem ser cridas com fé divina somente as
coisas definidas claramente pelos concílios ecumênicos.

A Deputação da Fé extraiu seu pensamento da Carta Apostólica do


Soberano Pontífice Pio IX ao Arcebispo de Munique (...) de 1863, na
qual isto está escrito (ao fim da carta): ‘Pois, mesmo que se tratasse
daquela submissão que deve ser prestada com ato de fé divina, não se
poderia limitá-la porém às verdades definidas por decretos expressos
dos concílios ecumênicos ou dos Romanos Pontífices desta Sé
Apostólica, mas seria necessário estendê-la também àquilo que é
transmitido como divinamente revelado pelo magistério ordinário de
toda a Igreja espalhada pela terra.’ Foram essas palavras que a
Deputação teve diante dos olhos quando ela definiu qual é o objeto
material da fé.”

(M. 51, 224 C12 – 225 A5).


No original: “Reverendissimis patribus equidem declaro, quod intentio
Deputationis quoad hanc tertiam paragraphum "porro fide divina" vobis
exhibitam, intentio, inquam, Deputationis pro fide nullatenus ea fuit,
ut vel directe vel indirecte attingeret quæstionem de infallibilitate
Summi Pontificis; sed voluit explicare, quodnam sit objectum materiale
fidei, postquam in paragrapho prima de objecto formali fidei ea, quæ
ipsi videbantur, explicuit. Igitur ea tantummodo voluit explicare, quæ
credenda essent respectu objecti materialis fidei; et voluit dirigere
hanc paragraphum contra eos theologos qui dicerent tantummodo ea fide
divina credenda esse, quæ ab oecumenicis consiliis aperte definita
essent. Rationem vero, quam habuit, Deputatio fidei desumpsit ex
litteris apostolicis Summi Pontificis Pii IX datis ad archiepiscoporum
Monacensem et Frisingensem anno 1863, ubi scripta hæc sunt: "Namque
(in fine litterarum apostolicarum) etiamsi ageretur de illa
subiectione, quæ fidei divinæ actu est præstanda, limitanda tamen non
esset ad ea, quæ expressis oecumenicorum conciliorum, aut Romanorum
pontificum hujusque apostolicæ sedis decretis definita sunt, sed ad ea
quoque extendenda quæ ordinario totius ecclesiæ per orbem dispersar
magisterio tamquam divinitus revelata traduntur". Ad hæc igitur verba
respexit Deputatio pro fide, cum definiverit quodnam sit objectum
materiale fidei.”]
Recordamo-nos (cf. p. 39) de que a Deputação da Fé, no parágrafo
“Porro fide divina”, quis repetir a doutrina já exprimida por Pio IX
na Tuas Libenter. Ora, sobre o ponto que nos ocupa, o texto do Papa é
determinante:
“Etiamsi ageretur de illa subjectione quæ fidei divinæ actu est
præstanda, (…) ad ea quoque extendenda (esset), quæ ordinario totius
Ecclesiæ per orbem dispersæ magisterio tamquam divinitus revelata
traduntur (…).”

(D. 1683)
“Mesmo em se tratando daquela submissão que se deve prestar com um ato
de fé divina, (…) seria preciso estendê-la também às verdades que são
transmitidas como divinamente reveladas pelo magistério ordinário da
Igreja inteira espalhada pela terra (…).”
Aqui, nenhuma dúvida é possível: o ato do magistério ordinário
infalível não comporta, de jeito nenhum, como tal, a afirmação de uma
obrigação, mas somente a afirmação do caráter revelado. E, em
consequência, o ato de fé impõe-se a todos.
O sentido do texto do Vaticano I se esclarece, assim, de maneira
incontestável, pela fonte à qual está ligado.
Portanto, a doutrina que expusemos é realmente o próprio ensinamento
da Igreja.

Um texto de Leão XIII, e um de Pio XII


Bem entendido, a doutrina que expusemos deve encontrar-se, nesse caso,
em outros textos do magistério, sendo ela verdadeiramente, como
mostramos, a própria doutrina da Igreja. Apresentamos, pois, a título
de confirmação, dois textos luminosos, dos Soberanos Pontífices.
Eis, para começar, um ensinamento de Leão XIII, em sua grande
Encíclica sobre a unidade da Igreja, Satis Cognitum, de 29 de junho de
1896:
“É, portanto, evidente, conforme tudo o que se acaba de dizer, que
Jesus Cristo instituiu em Sua Igreja um magistério vivo, autêntico e,
além disso, perpétuo, que Ele investiu de Sua própria autoridade,
revestiu do espírito de verdade, confirmou com milagres, e quis e
muito severamente ordenou que os ensinamentos doutrinais desse
magistério fossem recebidos como Seus próprios.

Todas as vezes, pois, que a palavra desse magistério declara que esta
ou aquela verdade faz parte do conjunto da doutrina divinamente
revelada, cada um deve crer com certeza que isso é verdadeiro; pois,
se isso pudesse de algum modo ser falso, seguir-se-ia, o que é
evidentemente absurdo, que Deus mesmo seria o autor do erro dos
homens.”

(E.P.S. E., 571-572)


[Quoties igitur hujus verbo magisterii edicitur, traditæ divinæ
doctrinæ complexu hoc contineri vel illud, id quisque debet certo
credere verum esse: si falsum esse ullo modo posset, illud
consequatur, quod aperte repugnat, errores in homine ipsum esse
auctorem Deum]

(Ibid. 572.ª)
Também aí, Leão XIII indica claramente que o ato infalível do
magistério consiste em declarar a pertença de determinada doutrina ao
depósito, e não em afirmar ou em impor uma obrigação. A obrigação que
liga o fiel é apresentada como uma consequência, que tem sua fonte
própria na Veracidade divina.
Além disso, esse texto de Leão XIII permite comentar de maneira
“autêntica” [= autoritativa (N. do T.)] o texto do Vaticano I. Com
efeito, o Pontífice mesmo, após prosseguir com um desenvolvimento
sobre a necessidade de crer tudo o que a Igreja ensina, recapitula sua
exposição fazendo referência ao texto do Vaticano I:
“Os Padres do Concílio do Vaticano nada decretaram de novo, portanto,
mas só fizeram conformar-se à instituição divina, à antiga e constante
doutrina da Igreja e à natureza mesma da fé, quando formularam este
decreto: ‘Deve-se crer com fé divina e católica todas as verdades que
estão contidas na palavra de Deus escrita ou transmitida pela tradição
e que a Igreja, quer por um juízo solene, quer por seu magistério
ordinário e universal, propõe como divinamente reveladas’.”
(E.P.S. E., 574)
Pio XII contribui, também ele, com um resplandecente testemunho sobre
esse ponto, num texto que já citamos (cf. pp. 53-54).
[N. do T. – O A. faz aqui referência ao seguinte trecho da
Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, que ele citara nas
páginas 53-54 de seu livro:
“Por essa razão, do consenso universal do magistério ordinário da
Igreja, extrai-se um argumento certo e sólido, para demonstrar que a
Assunção corpórea da Bem-aventurada Virgem Maria ao Céu – a qual, pelo
que respeita à ‘glorificação’ celestial do corpo virginal da augusta
Mãe de Deus, não podia ser conhecida pelas forças naturais de nenhuma
faculdade da alma humana – é uma verdade revelada por Deus e, em
consequência disso, deve ser crida firmemente e fielmente por todos os
filhos da Igreja. Pois, como afirma o mesmo Concílio Vaticano, ‘deve-
se crer com fé divina e católica todas as coisas contidas na palavra
de Deus escrita ou transmitida, e que a Igreja, seja com um juízo
solene, seja com seu magistério ordinário e universal, propõe à nossa
fé como verdades reveladas por Deus’.” (E.P.S. N.D. n.º 493.)
No original: “Itaque ex ordinarii Ecclesiae Magisterii universali
consensu certum ac firmum sumitur argumentum, quo comprobatur
corpoream Beatae Mariae Virginis in Caelum Assumptionem — quam quidem,
quoad caelestem ipsam « glorificationem » virginalis corporis almae
Dei Matris, nulla humanae mentis facultas naturalibus suis viribus
cognoscere poterat — veritatem esse a Deo revelatam, ideoque ab
omnibus Ecclesiae filiis firmiter fideliterque credendam. Nam, ut idem
Concilium Vaticanum asseverat: « Fide divina et catholica ea omnia
credenda sunt, quae in verbo Dei scripto vel tradito continentur, et
ab Ecclesia sive sollemni iudicio, sive ordinario et universali
Magisterio tamquam divinitus revelata credenda proponuntur » (De fide
catholica, cap. 3).” (cf. E.P.S. N.D. n.º 493, nota a).]
Na Munificentissimus Deus, Pio XII recorda que quase todos os bispos
responderam sim à questão: “pensais vós (…) que a Assunção corpórea da
Santíssima Virgem possa ser proposta e definida como dogma de fé?”
(E.P.S. N.D., 491-492). O Papa observa que se conhece assim “o
consenso universal do magistério ordinário da Igreja”; e ele afirma
que essa concordância fornece um “argumento certo” para demonstrar que
a Assunção é “uma verdade revelada por Deus”. E o Papa logo ajunta:
“e, como consequência disso, ela deve ser crida firmemente e fielmente
por todos os filhos da Igreja” (E.P.S. N.D., 493; cf. supra pp. 53-54
e p. 97).

Observa-se sempre a mesma doutrina: o ato infalível do magistério


ordinário consiste em dizer que a verdade é revelada. Aí então, todos
os fiéis têm a certeza; e, portanto, eles devem crer.

Os diferentes elementos reunidos até aqui nos permitem concluir com


certeza: o ato infalível do magistério não comporta, como tal, a
afirmação explícita do caráter obrigatório da doutrina ensinada
(embora uma tal afirmação possa constituir, quando ela existe, sinal
tópico da infalibilidade do ato magisterial).
Especificamente, o exercício do magistério ordinário infalível, que se
faz pelo ensinamento e pregação cotidiana dos bispos unidos ao Papa,
não comporta, como condição necessária, uma tal afirmação de
obrigação.

Resta-nos examinar, por causa das posições no mínimo confusas de


alguns autores, se a explicitação do caráter “obrigatório” de
determinada doutrina não seria uma condição necessária da “definição
ex cathedra”, tal como esta foi definida pelo Papa no Vaticano I (D.
1839).
Definição ex cathedra e obrigação
Também aqui, a origem da dificuldade pode ligar-se a uma dificuldade
de tradução. Eis, para começar, aquela dada por Journet para o famoso
decreto da Pastor Æternus (D. 1839):
“O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando,
desempenhando seu ofício de pastor e de doutor de todos os cristãos,
define, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, a doutrina da
fé e da moral que deve ser aceita pela Igreja universal, desfruta,
graças à assistência divina que lhe foi prometida no Bem-Aventurado
Pedro, daquela infalibilidade com a qual o divino Redentor quis munir
a sua Igreja quando ela define a doutrina da fé e da moral.”

[« Le pontife romain, lorsqu’il parle ex cathedra, c’est-à-dire


lorsque, s’acquittant de sa charge de pasteur et de docteur de tous
les chrétiens, il définit, en vertu de sa suprême autorité
apostolique, la doctrine de la foi et des mœurs qui doit être tenue
par l’Église universelle, jouit grâce à l’assistance divine qui lui a
été promise dans le bienheureux Pierre, de cette infaillibilité dont
le divin Rédempteur a voulu pourvoir son Église quand elle définit la
doctrine de la foi et des mœurs. »]
Mas, sobre o ponto que nos ocupa, Dumeige dá um texto diferente:
“O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando,
exercendo seu ofício de pastor e de doutor de todos os cristãos,
define, em virtude de sua suprema autoridade apostólica, que uma
doutrina referente à fé ou a moral deve ser aceita por toda a Igreja,
goza, pela assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro,
daquela infalibilidade com a qual o divino Redentor quis que estivesse
munida a sua Igreja, quando ela define uma doutrina referente à fé ou
à moral.”

[« Le pontife romain, lorsqu’il parle ex cathedra, c’est-à-dire


lorsque, remplissant sa charge de pasteur et de docteur de tous les
chrétiens, il définit, en vertu de sa suprême autorité apostolique,
qu’une doctrine sur la foi ou les mœurs doit être tenue par toute
l’Église, jouit, par l’assistance divine à lui promise en la personne
de saint Pierre, de cette infaillibilité dont le divin Rédempteur a
voulu que fût pourvue son Église, lorsqu’elle définit la doctrine sur
la foi et les mœurs. »]
Assim, para a passagem que descreve o próprio ato exercido
infalivelmente pelo Papa:
“Romanum Pontificem, cum (…) doctrinam de fide vel moribus ab universa
Ecclesia tenendam definit” (D. 1839),
temos duas versões divergentes:
“quando ele define a doutrina (…) que deve ser aceita pela Igreja
universal”
ou
“quando ele define que uma doutrina (…) deve ser aceita por toda a
Igreja.”
No primeiro caso, é a doutrina que é o objeto da definição. O caráter
“obrigatório” está sem dúvida anexo à doutrina, mas como uma
propriedade objetiva. Reencontramos a estrutura que observamos no que
se refere à infalibilidade em geral: declarar que determinada doutrina
bem precisada é revelada, ou ligada à revelação, é definir uma
doutrina que “deve ser aceita por toda a Igreja”, pois tudo o que é
certamente revelado (ou conexo) é coisa que “deve ser aceita”.
No segundo caso, tudo muda: o objeto da definição é o caráter
“obrigatório para todos”. Se essa segunda tradução for a boa, cumpre
reconhecer que a afirmação explícita do caráter obrigatório da
doutrina é uma condição necessária de uma definição ex cathedra no
sentido do Vaticano I.
Ora, a segunda tradução é relativamente disseminada; nós a
encontramos, por exemplo, nos “Ensinamentos Pontifícios” traduzidos
por Solesmes (E.P.S. E. 371), em Liégé (Initiation Théologique, tomo
I, p. 35), em Choupin (Valeur des Décisions…, 3.ª ed., p. 7).
A tradução Journet tem igualmente seus adeptos; encontramos uma sua
semelhante, por exemplo, em Mons. Perriot (L’Ami du Clergé, 27 de
fevereiro de 1908, pp. 194 sq.), ou em Dupuy (Dicionário Catholicisme,
art. “Infaillibilité”, col. 1556). Este último fornece, inclusive, uma
variação interessante:
“Quando ele define uma doutrina referente à fé ou à moral, para que
ela seja aceita pela Igreja universal.”

[« Losqu’il définit une doctrine concernant la foi ou les mœurs pour


qu’elle soit tenue par l’Église universelle. »]
Malgrado a diversidade entre as posições, cremos poder concluir,
também aqui, pela rejeição absoluta das traduções de tipo “Dumeige”. A
razão gramatical é a mesma que aquela que expusemos acima quanto ao
texto do Vaticano I sobre o magistério ordinário.
“Doctrinam ab universa Ecclesia tenendam definit” não é, de jeito
nenhum, a mesma coisa que “doctrinam ab universa Ecclesia tenendam
ESSE definit”.
É a segunda frase a que se deveria traduzir como: “ele define que uma
doutrina deve ser aceita…”. Mas é a primeira a que está no texto
conciliar: “ele define uma doutrina que deve ser aceita por toda a
Igreja”. É a destinação que é marcada pela construção, tal como a
marca Dupuy.

Assim, parece demonstrado que o texto de Pastor Æternus, em seu


sentido exato, não exige, como condição de uma definição ex cathedra,
a explicitação do caráter obrigatório.

Essa conclusão gramatical é corroborada pelo paralelo estabelecido no


texto entre a infalibilidade do Papa que define e a infalibilidade da
Igreja que define. Ora, no que se refere à Igreja, que serve de ponto
de referência, está afirmado claramente que o objeto da definição é a
doutrina (e não uma “obrigação”): “aquela infalibilidade que o divino
Redentor quis dar à sua Igreja quando ela define a doutrina referente
à fé ou à moral” (qua Divinus Redemptor Ecclesiam suam in definienda
doctrina de fide vel moribus instructam esse voluit).
O paralelo seria no mínimo claudicante se não se adotar para o caso do
Papa a tradução de que pensamos ter mostrado a necessidade gramatical.
Ademais, segundo o ensinamento oficial da Igreja, não há diferenças,
quanto ao ato, entre os juízos solenes da Igreja docente e os do Papa
falando ex cathedra. O Código de 1917, com efeito, após haver
recordado no cânon 1323 § 1 o texto de Dei Filius: “Deve-se crer etc.
(D. 1792)”, acrescenta, no § 2 do mesmo cânon:
“Pronunciar esses juízos solenes pertence propriamente seja ao
concílio ecumênico, seja ao Romano Pontífice falando ex cathedra.”
Logo, são exatamente os mesmos juízos solenes (ou definições solenes)
que são emitidos pela Igreja ou pelo Papa. Essa observação traz
certeza à conclusão tirada de maneira provável a partir do paralelo
estabelecido pelo Vaticano I entre a Igreja e o Papa.

Resta a mostrar que, nessa interpretação, a menção “ab universa


Ecclesia tenendam” não é sem objeto.
Com efeito, em suas explicações sobre essa passagem, Mons. Gasser
afirma explicitamente (M. 52, 1226) que o fato de que se trata de uma
doutrina que “deve ser aceita por toda a Igreja” deve ser manifestado
“ao menos até certo ponto” (aliquatenus saltem). Há, pois, dois
elementos que devem ser de algum modo explicitados. Primeiro, o fato
de que a doutrina definida pertence à classe das doutrinas “que devem
ser aceitas”; o Papa deve, portanto, explicitar de algum modo que a
doutrina de que ele trata é revelada, ou ligada ao depósito, ou
teologicamente certa etc. Além disso, o Papa deve indicar que seu
ensinamento se dirige a toda a Igreja. Isso fica evidente quando esse
ensinamento é dado num documento dirigido a toda a Igreja ou a todos
os bispos. Mas, quando se trata de um texto dirigido a uma pessoa
particular, por exemplo a um bispo, a questão pode se pôr, e não ser
fácil de resolver.
Seja como for quanto a este último ponto, vê-se que, na tradução que
demonstramos ser a verdadeira, a menção “que deve ser aceita por toda
a Igreja” conserva uma significação precisa e indispensável. E, assim,
a coerência do conjunto está bem assegurada.

Ilustração
É fácil de esclarecer e, ao mesmo tempo, de confirmar o que precede
com um exemplo manifesto. Absolutamente todos os católicos reconhecem
que a definição da Assunção por Pio XII (1.º de novembro de 1950) é
uma definição ex cathedra.
Ora, nesse caso, é igualmente claro que Pio XII define uma doutrina, e
não alguma obrigação:
“…com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados
Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, e com a Nossa própria autoridade, Nós
afirmamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que:
a Imaculada Mãe de Deus, Maria sempre virgem, terminado o curso de sua
vida terrestre, foi assunta de corpo e alma à glória celestial.”

(Munificentissimus Deus; D. 2333)


O Papa acrescenta, mas noutro parágrafo, e como consequência da
definição infalível que acaba de ser dada por ele:
“Pelo que, se alguém, o que Deus não permita, ousar voluntariamente
negar ou pôr em dúvida o que Nós definimos, saiba que abandonou
totalmente a fé divina e católica.”
Nota-se que, mesmo nesse parágrafo, que não está integrado à definição
mas vem após ela, o Papa não emite censura; ele limita-se a enunciar
um fato, que decorre (Pelo que, Quamobrem) da definição infalível:
quem a nega ou põe em dúvida não pode conservar a fé.

Observamos, pois, que, mesmo no caso mais solene de “definição ex


cathedra” desde a definição do Vaticano I, a relação que evidenciamos
entre a obrigação e a infalibilidade em geral encontra-se de fato
respeitada.
O que tem de ser explicitado é o caráter revelado (ou “conexo”) da
doutrina proposta pelo magistério. Cumpre, igualmente, que fique claro
que esse ensinamento se dirige a toda a Igreja. Isso é manifesto
quando se trata de um ensinamento dado por todo o corpo episcopal; uma
explicitação pode mostrar-se necessária no caso de um documento papal
que se dirige materialmente somente a uma ou algumas pessoas.
Feito isso, todos os fiéis se encontram efetivamente vinculados pela
obrigação de assentir, obrigação esta que decorre inteiramente de Deus
que revela. O enunciado dessa obrigação pode ser um sinal do ato
infalível, mas não é um constitutivo necessário deste.
Havíamo-lo já demonstrado para o magistério como tal, e para o
magistério ordinário infalível. Podemos acrescentar agora: inclusive
para os juízos solenes.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Bernard LUCIEN, Infalibilidade e Obrigação, 1984, trad. br.
por F. Coelho, São Paulo, jun. 2013, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1Ua
de: “Annexe II : Infaillibilité et Obligation”, pp. 129-146 de: B.
LUCIEN, L’Infaillibilité du magistére ordinaire et universel de
l’Église, Nice: Éditions Association Saint-Herménégilde, Documents de
Catholicité, 1984, vi+158p.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: outros, Concílio do Vaticano (1870), Doutrina,


História da Igreja, Método, Mons. Journet, Padre Lucien, Papa LEÃO
XIII (1878-1903), Papa PIO IX (1846-78), Papa PIO XII (1939-58) | 1
Comentário »
Textos essenciais em tradução inédita – CXCII
28 de abril de 2013

Erro de Alvo
(março de 2013)

Rev. Pe. Hervé BELMONT

Extraído do boletim Nossa Senhora da Santa Esperança de n.º 279 (abril


de 2013).
Segue a transcrição (corrigida) de uma carta enviada a uma pessoa que
se espanta com a recusa das sagrações episcopais sem mandato
apostólico, sendo que (diz ela) o problema não é que Mons. Lefebvre
tenha ido longe demais (ao sagrar), mas antes não tenha ido longe o
bastante (não recusando Paulo VI nem João Paulo II). Na realidade, a
causa dos extravios e equívocos que gangrenam o mundo “tradi” é um
erro de alvo. Esforcemo-nos por nos precaver dos erros que circulam
entre nós e de suas consequências.

Vós me dizeis estimar que Mons. Lefebvre não foi “longe o bastante”, e
que a consequência disso é um imenso equívoco.
Assim como vós, e ainda mais, deploro que Mons. Lefebvre não tenha
enunciado claramente a impossibilidade de Paulo VI e João Paulo II, em
razão de seus atos destruidores, terem sido verdadeiros Papas da
Igreja Católica, revestidos da autoridade de Jesus Cristo, fazendo as
vezes d’Ele na cabeça da Igreja militante.
Mas creio que o vício dessa posição é mais profundo do que o simples
fato de ela ser incompleta. Não é para criticar Mons. Lefebvre nem a
quem quer que seja, que digo isso. Nós sabemos o quanto o modernismo
ressurgente do Vaticano II foi hábil; o quanto foi difícil a homens da
Igreja formados no tempo da ordem reagir de encontro a tudo o que
haviam aprendido acerca da submissão e da obediência devidas ao Papa.
Nós devemos todos – e particularmente eu – muitíssimo a Mons.
Lefebvre, para dele nos queixarmos por carências que teriam sido muito
mais graves se estivéramos no lugar dele.
O vício que evoco consiste nisto: atacou-se o Papa, quando se devia
atacar Paulo VI e os sucessores dele; “espoliou-se” o Papa ao invés de
“espoliar” Paulo VI.
Para explicar (coisa que era salutar) os erros na fé e as reformas
protestantes que superabundaram no Vaticano II e na sequela deste,
para justificar o combatê-los e o recusá-los (coisa que era
necessária), ao invés de recusar a Paulo VI (e consortes) e de dizer
que ele não era um verdadeiro Papa, recusou-se o Soberano Pontificado.
Diminuiu-se assim – ou negou-se sem rodeios – as prerrogativas que
Jesus Cristo comunica a Seu Vigário, e através dele à Sua Igreja.
Assim, começou-se a pretender que o Papa não é infalível (fora de
locução ex cathedra, a qual era além disso travestida de magistério
extraordinário – apelação desconhecida pela Igreja –, para não ter de
reconhecê-la senão mais raramente ainda). Destarte, pretendeu-se em
seguida que a obrigação da obediência está ligada à infalibilidade, o
que “justifica” desobediência generalizada a uma autoridade
reconhecida todavia como verdadeira e sobrenatural.
Assim também, durante décadas, passou-se em silêncio a infalibilidade
do magistério ordinário e universal (do qual o Papa é o princípio), e
acabou-se por fim reconhecendo-a a contragosto, modificando o sentido
da palavra universal (a qual, segundo o ensinamento da Igreja, não
designa aqui a universalidade no tempo, mas a universalidade do corpo
episcopal num dado momento).
Assim, negou-se a infalibilidade da Igreja e do Papa na promulgação
das leis gerais, e na constituição dos ritos litúrgicos, ao arrepio do
ensinamento do Concílio de Trento e do Papa Pio VI (entre outros). Na
mesma linha, negou-se a infalibilidade das canonizações.
Assim, negou-se que o Papa é a fonte de toda a jurisdição
eclesiástica, inventando uma jurisdição de suplência [1] da qual “nós
e nossos amigos” estariam revestidos de forma permanente, universal, e
bem mais abrangente do que aquela que se teria em situação normal (no
fim das contas, é bem confortável a crise da Igreja…). Pior ainda,
inventou-se a noção de jurisdição goteira (o apelativo é meu) que o
considerado verdadeiro Papa daria sem saber, e contra a vontade, à
fraternidade São Pio X.
[1. Não viso de maneira alguma a possibilidade (real) de suplência
pela Igreja, gota a gota, de uma jurisdição sacramental inexistente.
Quero falar da afirmação (explícita ou implícita) de que, “por
suplência”, os padres da fraternidade São Pio X gozariam de jurisdição
permanente, estendendo-se até mesmo à ordem não-sacramental.]
Assim também, negou-se que o Papa é o princípio da ordem judiciária na
Igreja, organizando tribunais que dispensam e dissolvem, pelo simples
fato de que se decidiu que assim deveria ser, sendo que não têm título
nenhum a fazê-lo.
Negou-se assim que o Papa tem a exclusividade da constituição da
hierarquia eclesiástica, pretendendo que se possa sagrar bispos sem
mandato apostólico, mediante a jogada de dizer que estão desprovidos
de jurisdição (sendo que, na realidade, eles agem como se tivessem uma
jurisdição quase-papal) e o estratagema de contar que eles não fazem
parte da hierarquia (sem se dar conta de que isso é consagrá-los ou ao
nada ou ao cisma).
Cumpre dizer, para ser justo, que muitos daqueles que são chamados de
sedevacantistas deram uma boa ajuda a essa malvadeza da espoliação do
Papa e do Papado pelo recurso às sagrações sem mandato apostólico, e
pela aceitação das sentenças dos tribunais sejam conciliares ou
fraternitários.
No fim das contas, nada mais resta do Papa, senão uma referência
histórica e mundana. Mas reconhecer no Papa a regra viva da fé e a
fonte da hierarquia (tanto segundo a ordem como segundo a jurisdição),
ninguém mais nem sonha fazer. Os “tradis” se juntaram e quiçá
superaram aos modernistas nessa empresa de demolição; e é a demolição
de uma realidade propriamente fundamental da Igreja: Tu es Petrus et
super hanc petram…
Vós compreendeis que não quero nem participar desse empreendimento,
nem o encorajar nem dele tirar benefício algum. De nenhum modo, em
nenhum dos domínios que evoquei acima, não quero sapar a doutrina
católica, nem diminuir a verdade, nem favorecer um espírito de
anarquia que me inquieta tanto quanto as inovações conciliares (e Deus
sabe como estas me parecem execráveis).
Nem por isso desconheço o bem que a fraternidade São Pio X pôde fazer
e faz ainda: seria injusto; nem por isso desconheço o estado de
necessidade em que nos debatemos; nem por isso desconheço a imensa
necessidade das almas. Mas afirmo que a solução dos nossos males não
está na deformação da doutrina católica, não está na usurpação de
poderes que a Igreja não nos atribui, nem na oposição à constituição
da Santa Igreja Católica.
Anexo a esta carta alguns documentos para explicitar e escorar isto
(quero dizer: a recusa das sagrações episcopais sem mandato
apostólico). No aguardo, eis duas pequenas ilustrações.
Antes de tudo, Pio IX afirma que a constituição do episcopado é a
tarefa principal do Papa; sua primeira responsabilidade diante do Bom
Deus é a nomeação dos bispos. Nenhum outro pode substituí-lo neste
encargo, que ele recebeu diretamente de Jesus Cristo. É a constituição
mesma da Igreja Católica que Jesus Cristo faça o Papa, que o Papa
legítimo faça os bispos, e que o bispo legítimo faça os sacerdotes e
os soldados da Igreja.
Durante a revolução francesa, a 12 de julho de 1797, o Arcebispo de
Lyon em exílio, Mons. De Marbeuf, suplica ao Papa Pio VI que lhe dê um
auxiliar, pois os bispos intrusos “se espalharam na sua diocese e
atraíram numerosos fiéis, especialmente ‘pela isca do sacramento da
Confirmação, que eles se apressavam em oferecer-lhes e em conferir-
lhes na ausência de seu legítimo bispo’” (Charles Ledré, Le culte
caché sous la révolution, Bonne-Presse, Paris 1949, p. 125). Nada
mudou, pois; os pretextos de ontem ressurgem hoje e parecem
inutilizáveis.
É com grande circunspecção, referindo-se sem cessar ao ensinamento que
a Igreja dispensa sobre si mesma, sobre sua autoridade, sua
apostolicidade, sua infalibilidade, sua constituição e seu episcopado,
que cumpre falar e agir. A justeza do combate tem esse preço.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, Erro de Alvo, 2013, trad. br. por F. Coelho,
São Paulo, abr. 2013, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1KM
de: “Erreur de cible”, blogue Quicumque, 27-III-2013,

http://www.quicumque.com/article-erreur-de-cible-116568475.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: BELMONT, C.E.S.M.A., Doutrina, FSPX, História da


Igreja, Método, Papa PIO IX (1846-78), Sedevacantismo | Deixar um
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Textos essenciais em tradução inédita – CLIII
27 de junho de 2012

APRESENTAÇÃO PELO AUTOR


Diversas mensagens evocaram o Sr. Pe. Bernard Lucien, e o fato de que
ele mudou de parecer sobre a liberdade religiosa e a situação da
Igreja.

O Pe. Lucien foi para mim um amigo (ele continua sendo in corde meo) e
um mestre tanto para a inteligência (que o Bom Deus lhe deu bela e
profunda) quanto para o combate. Sua mudança foi para mim um episódio
doloroso – Deus sabe quanto – assim como foram a sagração episcopal
do Padre Guérard des Lauriers (que Deus tenha piedade de sua alma), e
o reviramento do Padre de Blignières e da comunidade dele.

Esta evocação me deu a ideia de reproduzir a seguir o artigo que


apresentei na valente revista Didasco para tentar explicar por que eu
não podia seguir o Sr. Pe. Lucien. É um pouco longo (perdão, Sr.
Moderador!), mas isto nos mantém no coração do problema sobre o qual
debatemos neste fórum.

Abbé Hervé Belmont


Uma distinção ilusória,

uma conclusão indevida


Sobre a liberdade religiosa
(1992)

Rev. Pe. Hervé BELMONT

Depois de redigir muitas obras de doutrina clara e vigorosa,


consagradas à defesa e aplicação da fé católica em nossos tempos de
crise e apostasia, o Sr. Pe. Bernard Lucien acaba de operar uma
radical mudança de orientação.
Ele torna público, com efeito, que ele agora está convicto de que não
há contradição entre a doutrina católica condenatória da liberdade
religiosa – condenatória da afirmação segundo a qual todo homem tem
direito à liberdade civil em matéria religiosa – e o ensinamento do
Vaticano II que afirma a existência de um tal direito. Ele declara,
por conseguinte, não aderir mais à “Tese de Cassicíaco”, tese segundo
a qual a Igreja Católica está atualmente carente da autoridade do
Soberano Pontífice e de tudo aquilo que dela decorre, ficando salva a
permanência material da hierarquia. Ele reconhece, portanto,
autoridade pontifícia a João Paulo II e autoridade doutrinal ao
Vaticano II.
Esse segundo ponto é simplesmente evocado sem maiores precisões, ao
passo que o primeiro é um pouco desenvolvido. O Pe. Lucien apela aí à
distinção entre agir segundo a própria consciência e agir como quiser:
segundo ele, enquanto Gregório XVI e Pio IX condenam os que afirmam a
existência de um direito à liberdade de agir (em matéria religiosa)
como se queira, o Vaticano II nada mais faz que ensinar o direito à
liberdade de agir segundo a própria consciência; não haveria, pois,
contradição.
Querendo-se examinar essa nova posição, há então duas perguntas a
fazer:
– é verdade que a distinção proposta pelo Pe. Lucien permite resolver
a contradição?

– segue-se daí que a “Tese de Cassicíaco” não pode mais ser


considerada verdadeira, como a adequada explicação da situação da
Igreja Católica desde o Vaticano II?
Se a resposta de ao menos uma dessas duas questões for negativa, é
preciso recusar seguir o Pe. Lucien na nova via em que ele se engaja.

1. A crise da Igreja não se reduz unicamente

à questão da liberdade religiosa


A segunda questão não é nova. Quando o Padre de Blignières e o
priorado Santo Tomás de Aquino operaram, em 1987-1988, a mesma virada
de casaca que o Pe. Lucien hoje, este último redigira uma primeira
refutação, para a qual ele me havia pedido uma introdução. Recordava
esta que a crise da Igreja não pode ser reduzida unicamente à questão
da liberdade religiosa, e que a “Tese de Cassicíaco”, que procura
analisar essa crise à luz da fé, não se fundamenta somente, nem sequer
principalmente, na contradição da liberdade religiosa. O Pe. Lucien,
em epílogo a essa obra, retomava por sua conta essa maneira de ver. É
tanto mais surpreendente vê-lo opinar hoje em sentido inverso, quanto,
do ponto de vista da fé, nada mudou fundamentalmente nos últimos
quarenta anos. Apresentamos a referida introdução, seguida do epílogo
do Pe. Lucien:
« Introdução
Em carta intitulada “Nouvelles de la société Saint-Thomas-d’Aquin”
[Novidades da Sociedade Santo Tomás de Aquino] (inverno de 1988), o
Pe. Louis-Marie de Blignières dá a conhecer a mudança de orientação
que o priorado Santo Tomás de Aquino acaba de operar.
Eis como pode ser resumido este anúncio:
“Nossas investigações convenceram-nos de que não há contradição entre
o ensinamento do Vaticano II sobre a liberdade religiosa, por um lado,
e as condenações emanadas pelos papas do século passado contra a
liberdade de consciência e de cultos, de outro lado.
Como consequência disso, nós não aderimos mais à ‘Tese de Cassicíaco’
– que afirma que a Igreja está atualmente carente da Autoridade do
Soberano Pontífice e daquilo que dela decorre, ficando salva a
permanência material da hierarquia – e nós reconhecemos, portanto, a
autoridade pontifical de João Paulo II e a autoridade doutrinal do
Concílio Vaticano II.”
O Pe. Bernard Lucien analisará logo adiante a argumentação que tenta
mostrar a ausência de contradição; essa argumentação – que, na
realidade, não traz nenhum elemento verdadeiramente novo – é apenas
esboçada na carta de que se trata aqui: ela se vê desenvolvida numa
brochura do frade Dominique-Marie de Saint-Laumer incluída na mesma
remessa.
O propósito desta introdução é recordar que a questão da crise da
Igreja e da situação da autoridade não tem como ser reduzida
unicamente o ponto da liberdade religiosa, que não é mais do que um
elemento – importantíssimo, certamente – de um conjunto muito mais
vasto.
Ficamos estarrecidos que a nova convicção dos religiosos de Chémeré
sobre a liberdade religiosa ponha em causa a sua análise da situação
da autoridade na Igreja; tamanha fragilidade intelectual poderia fazer
suspeitar de que eles nunca aderiram verdadeiramente à “Tese de
Cassicíaco”, ou ao menos que eles não tenham retido dela mais do que
um esquema intelectual que se esfacelou quando a sua convicção mudou.
Já a realidade, ah!, ela não muda tão depressa quanto o espírito de um
dominicano. Dado que é nesta realidade, por ela observada e analisada
teologicamente, que se funda dita “Tese de Cassicíaco”, não há razão
objetiva de pô-la em questão.
A realidade é que o povo cristão como um todo perdeu a fé. Claro que
só Deus sonda os rins e os corações, mas é observável e certo que a
maioria dos cristãos não professa mais a fé da Igreja, nem no seu modo
de viver, nem nas suas palavras quando interrogados sobre sua adesão a
esta ou aquela verdade pertencente ao depósito revelado.
A realidade é que esta “apostasia imanente”, segundo a expressão de
Maritain, foi querida por aqueles que deveriam tê-la impedido e que,
pelo contrário, introduziram e em seguida – quando os efeitos ficaram
visíveis – mantiveram suas causas. Certamente que o estado presente do
mundo e as técnicas de escravidão às ideologias reinantes e
corruptoras da fé não facilitam a vida cristã. Mas, precisamente, é
para este mundo que os cristãos foram empurrados pela hierarquia e
segundo o espírito do Vaticano II. Eles ficaram desarmados,
abandonados, privados do ensinamento da doutrina católica, desfigurada
por numerosos catecismos e pregações, face ao desencadeamento da
heresia que encontrou muita cumplicidade aberta e oficial no seio da
Igreja.
A realidade é uma reforma litúrgica infestada do espírito do
protestantismo; reforma que não é nem fruto nem expressão da fé da
Igreja; reforma que faz o povo cristão perder o sentido da infinita
santidade de Deus ao esvaziar os testemunhos exteriores de adoração e
desviar a liturgia para o “culto do homem”.
A realidade é que a doutrina da liberdade religiosa não é um acidente
isolado em meio a uma exposição irrepreensível da doutrina católica,
nem uma imperícia sem consequências surgida por acaso em céu sereno, e
bem depressa esquecida. A liberdade religiosa está na origem da
renegação dos últimos Estados católicos, ela está no coração do
alinhamento da Igreja com o mundo, ela é uma doutrina em perfeita
ressonância com o ecumenismo escandaloso, e negador da santa fé
católica, praticado por João Paulo II, e do qual é oportuno recordar
alguns exemplos:
– “É com grande alegria que vos dirijo minha saudação, a vós,
muçulmanos, nossos irmãos na fé no Deus único” [Paris, 30 de maio de
1981]; declaração a Hassan II, “comendador dos crentes”: “Nós temos o
mesmo Deus” [Casablanca, 19 de agosto de 1985];

– “Hoje, eu venho a vós pelo patrimônio espiritual de Martinho Lutero,


eu venho como peregrino” [Mayence, 17 de novembro de 1980];

– assistência ativa e pregação a um ofício luterano [Roma, 11 de


dezembro de 1983];

– recepção de uma delegação do B’nai B’rith (ramo da anticatólica


franco-maçonaria, reservado unicamente aos judeus) falando de um
“reencontro entre irmãos” [Roma, 17 de abril de 1984];

– representação na colocação da pedra fundamental de uma mesquita


[Roma, 11 de dezembro de 1984];

– assistência a ritos animistas na “floresta santa” [Lomé, Togo, 8 de


agosto de 1985];

– Recepção do “sinal do tilak” de uma sacerdotisa hindu [Índia, 2 de


fevereiro de 1986];

– visita à sinagoga de Roma, e participação ativa no ofício [14 de


abril de 1986];

– organização da reunião de Assis [27 de outubro de 1986].


A realidade é que, de fato, os que querem conservar a fé católica,
confessá-la integralmente e produzir as obras dela não podem fazê-lo
senão contra a autoridade, ou ao menos à margem dela.
A realidade é que os autores ou fautores de heresia e de imoralidade
vivem tranquilamente nas estruturas conciliares, e que o franzir as
sobrancelhas a que alguns espalhafatosos foram sujeitos não constitui
em nada uma defesa e promoção da fé católica.
A realidade é que a inteligência da fé é destruída pela invasão do
personalismo, que é a filosofia subjacente, empregada pelos textos do
Vaticano II. O personalismo, que desde há muito envenenou o pensamento
católico, é a filosofia dos direitos do homem, da abertura para o
mundo, da liberdade religiosa e do ecumenismo, a filosofia que
arrastou o povo cristão a pensar e argumentar à margem da luz da fé
católica e que, em retorno, solapa esta.
Essa situação é incompatível com a existência da Autoridade Pontifícia
em Paulo VI e João Paulo II, em razão da promessa de assistência que
Jesus Cristo fez aos Apóstolos e a seus sucessores: aí está o que
enuncia e demonstra a Tese de Cassicíaco, que, como se vê, tem um
fundamento muitíssimo mais amplo que só o caso da liberdade religiosa.
Certamente que esta constitui um caso extremo no qual é fácil de
mostrar a incompatibilidade radical entre o comportamento de Paulo VI
e João Paulo II e a posse da Autoridade Pontifícia. Mas a Tese de
Cassicíaco foi elaborada e afinada pelo Rev. Pe. Guérard des Lauriers
sem explorar o caso da liberdade religiosa, e aqueles que a expuseram,
explicaram, defenderam ou ilustraram nunca a reduziram assim – ainda
que tenham posto a ênfase – a este ponto particular que permite
observar como que “in vitro” a situação do fiel na crise da Igreja.
Estas são as primeiras reflexões que acorrem ao espírito por ocasião
da leitura dessa carta em que o Padre de Blignières expõe as razões de
uma reviravolta; era bom recordar a realidade eclesial, e assim
mostrar que a inferência entre, por um lado, a ausência de contradição
sobre a liberdade religiosa (seja como for quanto a esta, que o Pe.
Lucien examinará) e, por outro lado, a presença atual da Autoridade na
cabeça da Igreja, é ilegítima. »
E agora o epílogo do Sr. Pe. Lucien:
« Epílogo
Não podíamos, num estudo destinado a esclarecer os fiéis conturbados e
escandalizados pela reviravolta de “Chémeré”, analisar em detalhe
todos os erros e falsas perspectivas contidas na brochura do frade
Dominique-Marie de Saint-Laumer.
Cremos haver demonstrado suficientemente, sobre os dois pontos
essenciais, que a argumentação dele é sem alcance. O leitor julgará.
Mas, acima de tudo, que o fiel católico não se esqueça da realidade
que se esparrama diante de seus olhos.
A defecção dos que ocupam a Sé Pontifícia, desde o Vaticano II, é
antes de tudo um fato incessantemente manifestado pela multiplicação
dos atos e das omissões contrários ao bem sobrenatural da Igreja, e
pela inércia cúmplice e generalizada perante a evidente destruição que
se realiza no seio da Igreja.
Devemos todos pedir a graça de resistir ao Inimigo, “fortes na fé”, e
de ”perseverar até o fim”, sem omitir de rogar ao Senhor pelo retorno
daqueles que ainda ontem combatiam o “bom combate da fé” mas que
acabam de se entregar, para que eles “se arrependam e retornem às suas
primeiras obras”. Ut in omnibus honorificetur Deus. »

2. A nova distinção do Pe. Lucien


Cumpre agora responder à primeira questão, reproduzindo a distinção
que constitui o essencial da argumentação do Pe. Lucien [A],
examinando o ensinamento real do Vaticano II [B], recordando o sentido
e o alcance das condenações de Gregório XVI e Pio IX [C] e trazendo
algumas confirmações daquilo que afirmamos [D].

[A] A distinção
Eis como o Pe. Lucien propõe resolver a contradição entre a declaração
Dignitatis Humanæ do Vaticano II e as condenações dos Papas Gregório
XVI e Pio IX:
« O que não se viu
Uma diferença essencial entre o direito afirmado por Dignitatis Humanæ
e aquele condenado por Gregório XVI e Pio IX foi negligenciada.
Dignitatis Humanæ afirma o direito à liberdade de agir (em matéria
religiosa) segundo a sua consciência.
Os dois papas citados negam a existência de um direito à liberdade de
agir (em matéria religiosa) como se quer.
(Verificar-se-á facilmente esses dois pontos referindo-se à frase
central de Dignitatis Humanæ para o primeiro, e aos dois primeiros
capítulos de meu livro sobre a liberdade religiosa para o segundo. Ver
também abaixo, partes 5 e 6.)
Ora, é inteiramente possível, e mesmo frequente, que um homem aja como
ele quer, sem agir conforme a sua consciência. Muitas vezes, com
efeito, o pecador age contra a sua consciência (noutros casos, o
pecador age segundo a sua consciência culpavelmente errônea). Além
disso, em cada homem, o juízo de consciência é exercido pela razão
prática, que apreende antes de tudo os princípios gerais da ordem
moral. Esse conhecimento dos princípios gerais varia com as pessoas,
sobretudo segundo as condições do entorno social e da educação, ou
ainda outros dados mais individuais, sendo tudo isso observável do
exterior. E assim, ao menos quanto a uma parte e em certos casos, é
possível julgar prudentemente do exterior (supondo que se tenha uma
razão legítima para fazê-lo) se uma pessoa age ou não segundo a sua
própria consciência.
Logo, o direito de agir como se quiser é formalmente diferente do
direito de agir conforme a própria consciência, e concretamente
concede muito mais, em termos de isenção de coação.
Logo, não há contradição entre a condenação do primeiro e a afirmação
do segundo. »

[B] O ensinamento do Vaticano II


Retomemos o segundo parágrafo da Dignitatis Humanæ, no qual vem
definida a liberdade religiosa tal como a entende o Vaticano II:
“O Concílio do Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à
liberdade religiosa. Essa liberdade consiste nisto: todos os homens
devem estar subtraídos à coação por parte tanto dos indivíduos quanto
dos grupos sociais e de qualquer poder humano que seja, de tal maneira
que em matéria religiosa ninguém seja forçado a agir contra a sua
consciência nem impedido de agir segundo a sua consciência, tanto em
privado quanto em público, sozinho ou associado a outros, dentro de
justos limites.”
O Pe. Lucien sublinha que unicamente o direito tal como é definido
nesta passagem está presente como objeto direto do ensinamento
conciliar e como fundado na Revelação, e que portanto só ele é
decisivo. É verdade, com a condição de fazer a precisão de que um
documento de tal importância deve ser lido como um todo coerente
(coisa que ele é), e que, em particular, os desenvolvimentos e as
consequências que são tiradas dessa primeira afirmação vão permitir-
nos precisar o sentido dela, e determinar o significado da expressão
“segundo a sua consciência” que está em causa aqui. Isso é tanto mais
necessário quanto, no parágrafo 9.º da declaração, após essas
consequências terem sido enunciadas, é reafirmado que essa doutrina
está enraizada na Revelação.
Ora, o documento inteiro mostra que o Vaticano II realmente entende
não fazer o direito à liberdade religiosa depender de uma disposição
subjetiva, do fato de que a própria consciência seja seguida ou não
seja seguida, do fato de que a consciência seja errônea ou não o seja,
do fato de que o erro da consciência seja moralmente imputável ou não.
É o que afirma o final do mesmo segundo parágrafo da declaração
conciliar:
“Logo, não é numa disposição subjetiva da pessoa, mas na sua própria
natureza, que se funda o direito à liberdade religiosa. Por isso, o
direito a essa imunidade persiste inclusive naqueles que não
satisfazem à obrigação de procurar a verdade e de aderir a ela…”
Eis um comentário autorizado dessa precisão, pois emanado do Cardeal
Béa, então presidente do Secretariado para a União dos Cristãos, que
estava encarregado da redação da Dignitatis Humanæ (Rivista del clero
italiano, maio de 1966, La Documentation Catholique de 3 de julho de
1966, col. 1186):
“Noutros termos, igualmente o direito daquele que erra de má-fé
permanece completamente a salvo, com a condição de respeitar a ordem
pública, condição que vale para o exercício de todo e qualquer
direito, como se verá mais adiante. E o documento conciliar lhe dá
esta razão peremptória: este direito ‘não se funda [...] numa
disposição subjetiva da pessoa, mas na natureza dela’; logo, não pode
ser perdido em razão desta ou daquela condição subjetiva, pois estas
não mudam nem podem mudar a natureza do homem.”
Mais autorizada ainda é a interpretação que lhe dá João Paulo II, em
discurso ao quinto colóquio internacional de estudos jurídicos:
“Este direito é um direito humano e, portanto, universal, pois não
decorre da ação honesta das pessoas ou de sua consciência reta, mas
das pessoas mesmas, isto é, de seu íntimo ser, o qual, nos seus
componentes constitutivos, é essencialmente idêntico em todas as
pessoas. Trata-se de um direito que existe em cada pessoa e que existe
sempre, mesmo na hipótese de ele não ser exercido ou de ser violado
pelos sujeitos mesmos nos quais ele é inerente.” (10 de março de 1989.
La documentation catholique n.º 1974, página 511)
Portanto, cumpre manter que a expressão “segundo a sua consciência”
que figura na afirmação do direito à liberdade religiosa tem o sentido
que lhe é dado geralmente no mundo contemporâneo: “segundo a sua
decisão íntima e pessoal, da qual não tem de prestar contas aos
homens”, independentemente de qual seja a qualificação moral dessa
decisão. É nesse sentido que se exprime o primeiro parágrafo da
declaração:
“A dignidade da pessoa humana é, em nossos tempos, objeto de uma
consciência cada vez mais viva; cada vez mais numerosos são aqueles
que reivindicam para o homem a possibilidade de agir em virtude de
suas próprias opções (proprio suo consilio) e com responsabilidade
inteiramente livre; não sob pressão de coação, mas guiado pela
consciência de seu dever.”
Essa equivalência entre “segundo a sua consciência” e “segundo a sua
própria vontade” se reencontra ao longo do documento inteiro, que
aliás é incompreensível caso não se a admita. Com efeito, Dignitatis
Humanæ declara o direito à liberdade religiosa para os grupos e
comunidades – que, enquanto tais, não têm consciência – assim como
para os indivíduos. Isso é precisado no título e desenvolvido nos
parágrafos 4.º e 5.º do documento conciliar.
Mas é, sobretudo, o sexto parágrafo que torna impossível de
compreender “segundo a sua consciência” em sentido clássico e
restritivo. Esse parágrafo enuncia, com efeito, a liberdade (civil) de
apostatar:
“Segue-se que não é permitido ao poder público, por força, intimidação
ou outros meios, impor aos cidadãos a profissão ou a rejeição da
religião que for, nem impedir alguém de ingressar numa comunidade
religiosa ou de a abandonar.”
Ora, segundo a teologia católica mais certa, é impossível para um
católico abandonar “segundo a sua consciência” a Santa Igreja; assim
ensina o Concílio Vaticano I:
“A condição daqueles que aderiram à verdade católica graças ao dom
celeste da fé é completamente diferente da condição dos que,
conduzidos por opiniões humanas, seguem uma falsa religião; aqueles
que receberam a fé sob o Magistério da Igreja nunca podem ter motivo
justo de mudar ou de pôr em dúvida esta fé.” (20 de abril de 1870.
Denzinger n.º 1794)
Esse mesmo parágrafo 6.º da declaração opõe-se à prática secular da
Igreja que exige que uma discriminação social seja feita por motivo
puramente religioso, a saber: a isenção do serviço militar e dos
tribunais civis para os clérigos:
“O poder civil deve velar que a igualdade jurídica dos cidadãos, a
qual por sua vez pertence ao bem comum da sociedade, jamais seja
lesada, de maneira aberta ou larvada, por motivos religiosos, e que,
entre eles, nenhuma discriminação seja feita.”
O próprio Pe. Lucien mostra que faz uma leitura errônea da definição
conciliar da liberdade religiosa, quando ele afirma:
“Corretamente entendida, a afirmação de Dignitatis Humanæ não põe em
causa de forma essencial a prática da Igreja na Cristandade.”
Essa prática, que consistia em opor-se à liberdade religiosa dos
acatólicos, é porém explicitamente recusada pelo parágrafo 6.º da
declaração conciliar:
“Se, em razão de circunstâncias particulares nas quais se encontrem os
povos, um reconhecimento civil especial é concedido na ordem jurídica
de uma cidade a uma dada comunidade religiosa, é necessário que
simultaneamente o direito à liberdade em matéria religiosa seja
reconhecido e respeitado por todos os cidadãos e todas as comunidades
religiosas.”
Podemos, portanto, concluir disso que a afirmação do Vaticano II não é
“corretamente entendida” pelo Pe. Lucien. A expressão “segundo a sua
consciência” não é uma restrição da liberdade religiosa – a qual é
“para todos os cidadãos e todas as comunidades religiosas” (§ 6. 2). A
integralidade do desenvolvimento da doutrina sobre a liberdade
religiosa faz abstração da cláusula “segundo a sua consciência” e
contradiz mesmo o sentido tradicional dessa expressão. Após o quê, o
Vaticano II declara (§ 9):
“Esta doutrina da liberdade tem suas raízes na Revelação divina, o
que, para os cristãos, é um título a mais para serem santamente fiéis
a ela.”

[C] As condenações de Gregório XVI e Pio IX


O Pe. Lucien afirma que os Papas do século XIX condenaram o direito à
liberdade de agir como se quer. A expressão não se encontra neles, por
isso o Pe. Lucien recorre à investigação lexicográfica de sua obra
sobre a liberdade religiosa (páginas 27 a 32) para afirmar que a
locução “liberdade de consciência” tem de fato esse sentido na época
deles; ele vê aí no mínimo uma “forte presunção”. Se, no entanto, nós
a retomamos ponto por ponto, podemos nos dar conta de que, dentre 14
referências, 5 fazem a precisão “segundo aquilo que se crê verdadeiro”
ou algo de equivalente, 2 fazem a precisão “como se queira” e 7 não
fazem precisão alguma. Isso mostra que a expressão passa facilmente de
uma coisa à outra (assim como o Vaticano II quanto à liberdade
religiosa) e na realidade faz abstração do fato de que se siga ou não
à própria consciência.
Parece-nos isto, aliás, inteiramente normal, pois a ordem legislativa
e jurídica da sociedade não pode estar fundada num estado de
consciência, nem condicionada por ele; o direito público não se refere
senão ao bem comum e objetivo.
Logo, há realmente identidade entre a liberdade de consciência das
condenações da Igreja e a liberdade religiosa do Vaticano II. Em parte
nenhuma, com efeito, Gregório XVI ou Pio IX excluem, das condenações
que eles fulminam, o direito de quem segue a própria consciência ou
algo de similar; suas condenações têm alcance geral, assim como a
afirmação da Dignitatis Humanæ. Trata-se em ambos os casos da
liberdade religiosa, pura e simplesmente.

[D] Confirmações
Passagens numerosas do livro do Pe. Lucien sobre a liberdade religiosa
conservam toda a sua força para mostrar a perversidade da liberdade
religiosa, mesmo que se admita a distinção que ele propõe agora:
“Segundo a doutrina tradicional, a verdade religiosa, e concretamente
a posse em comum dessa verdade, assim como a prática comum da
verdadeira religião, são um elemento primordial do bem comum. E é por
isso que, de si, a propaganda do erro religioso é contrária ao bem
comum: donde a impossibilidade de um direito natural, de um direito da
pessoa, à liberdade em matéria religiosa” (página 283).
“Gregório XVI não se contenta de rejeitar uma liberdade ilimitada das
opiniões, sem maiores precisões. Ele indica, da forma mais explícita
possível, o modo de determinar o justo limite: o que é funesto é a
liberdade do erro; faz-se necessário um freio, a autoridade com o
poder coercitivo dela, para manter os homens no caminho da verdade”
(página 38).
Dado que se trata do bem comum e da ordem legislativa, as disposições
subjetivas não entram em consideração. Se o erro religioso for
pregado, a boa fé do pregador não diminuirá as devastações nas almas e
na sociedade (pode ser que muito pelo contrário). O bem comum nem por
isso será menos lesado, e é todavia ele que a lei deve promover.

Conclusão
A distinção proposta pelo Pe. Lucien é, por um lado, ausente das
condenações proferidas pela Igreja e, por outro lado, puramente
verbal. Ela é real por si, claro está, mas ela não teria como o ser,
nem nas afirmações do Vaticano II, nem com relação à ordem jurídica e
legislativa – pois é bem disso que se trata –, a qual não pode ser
fundada num estado de consciência ou condicionada por ele, nem com
respeito ao bem comum que a lei deve promover.
A contradição entre o Vaticano II e a doutrina católica permanece,
portanto, inteira.
Havendo respondido com um “não” às duas questões exigidas pelo exame
da carta do Pe. Lucien, nós nos recusamos a segui-lo duplamente. Não é
sem particular tristeza com sua defecção, e, como no epílogo que
reproduzimos acima ele exortava a “rogar ao Senhor pelo retorno
daqueles que ainda ontem combatiam o ‘bom combate da fé’ mas que
acabam de se entregar, para que eles ‘se arrependam e retornem às suas
primeiras obras’”, nós lhe aplicaremos a lei do talião rezando por ele
com fervor e perseverança.
Padre Hervé Belmont

P.S. Encontra-se confirmação da refutação ao Pe. Lucien no artigo de


um partidário convicto da liberdade religiosa, mas que conserva uma
certa moderação, o Pe. John Courtney Murray s.j. (Nouvelle revue
théologique, 1966, n.º 1, pp. 41-67).
Página 47: “Na fórmula da declaração ‘juxta conscientiam’, ou ‘contra
conscientiam’, o sentido do termo consciência combina com o sentido da
fórmula inicial segundo o seu próprio juízo e livremente. O sentido,
portanto, não é técnico; ele está suficientemente abonado pelo uso
popular.”
Ibid. “A questão da verdade ou do erro da consciência não tem relação
nenhuma com o problema jurídico-social da liberdade religiosa. Essa
liberdade se exerce na sociedade civil. Ora, não há autoridade nenhuma
na sociedade civil, nem sequer o poder do Estado, que esteja em
condições de emitir juízo sobre a verdade ou o erro da consciência dos
homens.”

_____________

Quinze leituras afins

no blogue Acies Ordinata

Do Rev. Pe. Hervé BELMONT:


» A liberdade religiosa
» Corrupção das “Missões”
» Dignitatis Humanae e Magistério Ordinário Universal: uma questão
cristalina
» O exercício cotidiano da Fé na crise da Igreja
» A “Tese de Cassicíaco”

Do Sr. John S. DALY:


» Liberdade Religiosa. O Dr. Brian Harrison e a tentativa de absolver
o Vaticano II de erro
» A Crise Impossível
» O Vaticano II Ensinou Infalivelmente? O Magistério Ordinário e
Universal
» Comentários esparsos sobre interpretação e docilidade ao Magistério
» A Alta Igreja da Igreja Conciliar

Cinco textos “CLÁSSICOS”:


» Cardeal Alfredo OTTAVIANI, Deveres religiosos do Estado Católico
(Roma, 1953)
» Mons. Giuseppe DI MEGLIO, A Ci Riesce e o Discurso do Cardeal
Ottaviani (Roma, 1954)
» Suprema Sagrada Congregação do SANTO OFÍCIO, Declaração de julho de
1954 condenando quatro proposições de John Courtney Murray como
errôneas
» Cardeal Louis BILLOT, S.J., A Quanta Cura é do Magistério
Extraordinário (De Ecclesia, q. XIV, O critério de uma declaração ex
cathedra – Excerto)
» Rev. Pe. Bernard LUCIEN, A demonstração do fato: o ocupante da Sé
Apostólica não é mais Papa formalmente (Cap. I de: La situation
actuelle de l’Autorité dans l’Église. La thèse de Cassiciacum, 1985)

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, Uma distinção ilusória, uma conclusão indevida
– Sobre a liberdade religiosa, 1992, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, jun. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1t1
de: “La liberté religieuse – Une distinction illusoire, une conclusion
indue”, in: Rev Didasco, ~1992; reproduzido pelo A. em:
“A propos de M. l’Abbé Bernard Lucien”, 13-V-2005,

http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=943
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: BELMONT, “Subito”, Doutrina, Ecclesia Adflicta,


Latrocínio Vaticano II, Liberdade religiosa, Maritain, Método, Padre
Lucien, Papa GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa PIO IX (1846-78),
Sedevacantismo | 5 Comentários »
Textos essenciais em tradução inédita – CLI

16 de junho de 2012

O exercício cotidiano da fé

na crise da Igreja
(2011)

Rev. Pe. Hervé BELMONT

à Nossa Senhora da Santa Esperança

por amor à Igreja Romana

Una, Santa, Católica e Apostólica

“É a verdade que vos tornará livres”

Jo. VIII, 32

A 22 de dezembro de 1980, em sua resposta aos votos do Sacro Colégio,


João Paulo II afirmou:
“O Concílio Vaticano II lançou as bases de uma relação
substancialmente nova entre a Igreja e o mundo”.

[1. Osservatore Romano, edição em língua francesa, 6 de janeiro de


1981, página 1.]
Se a relação entre a Igreja e o mundo é nova, não é que este tenha
mudado, que ele tenha regressado a Jesus Cristo e tenha cessado de
negá-Lo e combatê-Lo; a novidade está, portanto, do lado da Igreja, ou
antes – pois a Igreja é a Esposa imaculada, sem mancha nem ruga –, do
lado daqueles que detêm o seu leme.
O objeto das presentes notas é trazer à luz essa novidade, para
permitir-nos exercer a fé católica, cuja regra próxima é constituída
pela Autoridade da Igreja; nós nos ateremos principalmente a uma das
grandes novidades do Vaticano II: a declaração sobre a liberdade
religiosa Dignitatis humanæ personæ, à qual “convém referir-se
constantemente”, diz João Paulo II no mesmo discurso. [2. Ibid.,
página 6.]
“Quando o Filho do Homem retornar, julgais que Ele encontra a fé sobre
a terra?” [3. Lc. XVIII, 6.]

A Fé
Ao falarmos da fé, trata-se da fé teologal, virtude divinamente infusa
na alma de certos homens que, por essa razão, são chamados de fiéis.
[O parentesco entre as duas palavras fica mais patente em latim: fé =
fides; fiéis = fideles (N. do T.).] Trata-se da fé católica, cujo
objeto é apresentado infalivelmente pela Santa Igreja Católica Romana.
A fé é um dom sobrenatural e gratuito de Deus, que sobreleva a
inteligência e determina a vontade para que o fiel adira firmemente e
sem temor de errar à verdade divinamente revelada, ao mistério de Deus
que se revela e se exprime em fórmulas inteligíveis e verdadeiras.
A virtude da fé está na inteligência humana;[4] seu ato é um ato da
inteligência: um ato que tem um objeto definido, um conteúdo
inteligível.
Noutros termos, dois elementos necessários integram a fé:
– um exterior, o objeto da fé. É a Revelação divina exprimida por Deus
em palavras humanas e transmitida pela Igreja;
– outro interior, a virtude da fé. Essa virtude é a tomada de posse da
inteligência por uma luz divina gratuitamente comunicada, que dá à
inteligência a faculdade de ter acesso ao conhecimento sobrenatural do
objeto da fé, e que dá a ela uma certeza dele propriamente divina.
Esses dois elementos formam um só, pois procedem da Verdade única: o
Verbo de Deus.
Não há, pois, senão uma só fé: a fé católica. Fora dela, aquilo que é
chamado impropriamente de fé não passa de crença humana. Essa fé tem
um conteúdo objetivo: as verdades reveladas, e uma regra próxima: o
ensinamento do Magistério da Igreja.
A fé não é, portanto, um sentimento religioso, nem um roborativo
moral, nem a confiança em Jesus Cristo, nem sequer a adesão à Sua
pessoa à margem da adesão à verdade que Ele revela.
Embora a fé possa ser, conforme as pessoas, em maior ou menor medida
intensa e forte, o objeto dela não é divisível: negar ou duvidar
cientemente da mais mínima verdade de fé é deixar de crer na palavra
de Deus, é perder a fé. Assim ensina Leão XIII:
“Pois tal é a natureza da fé que nada é mais impossível do que crer
isto e rejeitar aquilo. A Igreja professa, com efeito, que a fé é uma
‘virtude sobrenatural pela qual, sob a inspiração e com o auxílio da
graça de Deus, nós cremos que aquilo que foi revelado por Ele é
verdadeiro; não o cremos pela verdade intrínseca das coisas vista na
luz natural da razão, mas por autoridade de Deus mesmo, que revela e
que não pode enganar-se nem enganar-nos’ [5. Concílio do Vaticano,
sessão III. Denz. 1789.]. Se, pois, está claro que um ponto foi
revelado por Deus e, apesar disso, não se crê nele, não se crê em
absolutamente nada com fé divina: Si quid igitur traditum a Deo
liqueat fuisse, nec tamen creditur, nihil omnino fide divina
creditur.”

[6. Satis Cognitum, 29 de junho de 1896. Les Enseignements


Pontificaux, L’Église, n. 573.]
[4. Na primeira publicação deste trabalho, havíamos escrito: “Não
sendo a fé uma virtude intelectual (proveniente da inteligência
humana), ela está porém na inteligência”. Eis a correção fornecida
pelo Rev. Pe. M. L. Guérard des Lauriers (carta ao autor, 2 de junho
de 1984):

“Vós deixais entender que a Fé seria uma virtude intelectual caso ela
viesse da inteligência humana; e vós co-significais que a Fé ‘não vem
da inteligência humana’, embora ela esteja na inteligência humana. Vós
fazeis, portanto, uma distinção entre ‘vir de’, ‘estar em’... Qual o
fundamento dessa distinção? Se consideramos os dois membros dela na
ordem natural, a distinção se evapora. Não se vê como um ato
intelectual poderia estar na inteligência sem vir da inteligência;
como um habitus intelectual poderia estar na inteligência sem receber
o ser que lhe é próprio da inteligência. A distinção: ‘vir de / estar
em’ deve, portanto, ser entendida com referência à origem da Fé. A Fé
teologal é gratuitamente infundida na inteligência; ela não vem da
inteligência, pois ela é infusa e teologal. De sorte que vós sugeris
isto: ‘A Fé não é uma virtude intelectual (A); pois (B) ela é
teologal’. Eu digo SIM ao A, não ao B. A Fé teologal não é uma virtude
intelectual: não por ela ser teologal, mas por ela ser do gênero ‘fé’;
e porque, POR NATUREZA, a inteligência é feita para VER, e não somente
para crer. Em contrapartida, a Fé é uma virtude da inteligência: pois,
estando na inteligência, inelutavelmente ela procede desta. Isso é
verdadeiro quanto ao ato; isso é verdadeiro quanto ao habitus: ele é
infuso, mas não subsiste entitativamente senão como qualidade do
intelecto. Esse accidentis est inesse. Fides non est virtus
intellectualis, quia fides est. Fides est virtus intellectus, quia
inest intellectui.”]

Quanta Cura
A encíclica Quanta cura do Papa Pio IX, datada de 8 de dezembro de
1864 e consagrada à condenação dos erros modernos, desfruta de uma
autoridade particular. Com efeito, o Soberano Pontífice manifestou
nela a vontade de fazer dela um ato ex Cathedra.
Recordemos, para começar, o que o primeiro Concílio do Vaticano
definiu sobre a infalibilidade do Pontífice romano:
“Nós ensinamos e definimos que é dogma divinamente revelado que o
Romano Pontífice, quando ele fala ex Cathedra, isto é, quando, no
desempenho do ofício de Pastor e Doutor de todos os cristãos, em
virtude de sua suprema autoridade Apostólica, ele define uma doutrina
sobre a fé ou a moral a ser aceita pela Igreja universal, ele desfruta
plenamente, graças à assistência divina prometida a ele na pessoa de
São Pedro, daquela infalibilidade com a qual o divino Redentor quis
munir a sua Igreja quando ela define uma doutrina referente à fé ou à
moral; e que, por conseguinte, tais definições do Romano Pontífice
são, por si mesmas e não em virtude do consentimento da Igreja,
irreformáveis.”

[7. Constituição Pastor Æternus, Denz. 1839. Vê-se que o caráter ex


Cathedra de um ato pontifício não resulta da solenidade exterior do
ato, mas da natureza deste.]
Se nos reportamos ao parágrafo 14 da encíclica Quanta Cura, ressalta
claramente que nela Pio IX fala ex Cathedra:
“Recordando-Nos de Nosso encargo Apostólico (…) Nós reprovamos,
proscrevemos e condenamos com Nossa autoridade Apostólica todas e cada
uma das doutrinas e das opiniões pervertidas recordadas e individuadas
nesta Nossa carta; e Nós queremos e mandamos que todos os filhos da
Igreja Católica tenham-nas absolutamente por reprovadas, proscritas e
condenadas.”
[8. Denz. 1699.]
Mais exatamente, Pio IX falou ex Cathedra toda vez que, na encíclica,
ele condenou erros concernentes à fé ou à moral; é, então,
infalivelmente que esses erros foram e permanecem condenados.
É o caso da liberdade religiosa. Eis o que ensina o parágrafo 5 da
encíclica:
“Contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos
Padres, afirmam eles sem hesitação que: ‘a melhor condição da
sociedade é aquela em que não se reconhece ao poder político o dever
de reprimir, mediante penas legais, os violadores da lei católica,
senão na medida em que a tranquilidade pública o exija’. Em
decorrência dessa ideia absolutamente falsa do governo social, não
hesitam eles em favorecer aquela opinião errônea, em extremo letal
para a Igreja Católica e a salvação das almas, e que o Nosso
Predecessor Gregório XVI qualificou de ‘delírio’, a saber que: ‘a
liberdade de consciência e de cultos é um direito próprio de cada
homem, o qual deve ser garantido e proclamado em toda sociedade bem
constituída’.”
O Papa Pio IX ensina, portanto, que afirmar o direito à liberdade
civil em matéria religiosa – o que é chamado de liberdade de
consciência ou liberdade religiosa – é contrário à Revelação divina. O
Papa ensina isso infalivelmente, e é por conseguinte pela virtude da
fé – na luz da fé – que o fiel sabe e crê que a afirmação do direito à
liberdade religiosa é falsa porque contrária à Revelação.
Ademais, Quanta Cura está longe de ser o único ato do Magistério em
que a Igreja ensina isso, embora seja o mais solene. Assim Pio XII:
“O que não corresponde à verdade e à lei moral não tem objetivamente
nenhum direito à existência, nem à propaganda, nem à ação.”

[9. Discurso aos juristas italianos, 6 de dezembro de 1953.]

Vaticano II
A 7 de dezembro de 1965, véspera do encerramento do concílio Vaticano
II, Paulo VI, associando a si mais de 2.300 bispos, assinou e
promulgou solenemente o decreto Dignitatis Humanæ Personæ sobre a
liberdade religiosa:
“Todo o conjunto e cada um dos pontos que foram estabelecidos nesta
declaração foram aprovados pelos Padres conciliares. E Nós, em virtude
do poder Apostólico que recebemos de Cristo, em união com os
veneráveis Padres, Nós os aprovamos, decidimos e decretamos no
Espírito Santo, e Nós ordenamos que aquilo que foi assim estabelecido
em concílio seja promulgado para a glória de Deus. Roma, em São Pedro,
a 7 de dezembro de 1965, Eu, Paulo, Bispo da Igreja Católica”.

[10. Constitutiones, Decreta, Declarationes do concílio Vaticano II,


tipografia poliglota vaticana, 1966, p. 532.]
Esse decreto conciliar definiu assim a liberdade religiosa:
“O Concílio do Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à
liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os
homens devem estar livres de toda coação, quer por parte dos
indivíduos, quer dos grupos sociais ou de qualquer poder humano seja
qual for, de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado
a agir contra a sua consciência, nem impedido de agir, dentro dos
justos limites, segundo a sua consciência, em privado e em público,
sozinho ou associado a outros. Ele declara, além disso, que o direito
à liberdade religiosa tem seu fundamento na dignidade da pessoa
humana, tal como a dão a conhecer a Palavra de Deus e a razão mesma.
Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica
da sociedade deve ser reconhecido de tal modo que constitua um direito
civil.”
O concílio ensina, portanto, que a liberdade civil é um direito
natural ao homem, de tal sorte que o poder político não tem o direito
de impedir de agir em público a quem age segundo sua própria
consciência, em matéria religiosa. Ao exercício desse direito, o
Vaticano II assinala limites que são enunciados mais adiante; trata-se
da salvaguarda da paz e da tranquilidade pública. Dito de outro modo,
o Vaticano II ensina que a dignidade do homem exige que o Estado
reconheça em suas leis que todos os homens têm o direito de professar
e de exercer cada qual sua própria religião, ainda que falsa e
contrária à religião católica, contanto que a paz pública seja
conservada. [11. Dignitatis Humanæ, § 7.]
Essa dignidade humana, continua o concílio, é aquela que a Palavra de
Deus nos revela. Assim, pois, pela Dignitatis Humanæ Personæ, Paulo VI
e o conjunto dos bispos declaram revelada por Deus uma doutrina da
dignidade humana que é fundamento do direito à liberdade religiosa no
foro externo e público. A continuação do decreto o confirma, ademais:
“Esta doutrina da liberdade tem suas raízes na Revelação divina, o
que, para os cristãos, é uma razão a mais para serem santamente fiéis
a ela.”
“A Igreja, pois, fiel à verdade do Evangelho, segue o caminho seguido
por Cristo e os Apóstolos quando ela reconhece o princípio da
liberdade religiosa como conforme à dignidade do homem e à Revelação
divina, e quando ela encoraja uma tal liberdade.”

O magistério ordinário e universal


Qual a natureza do assentimento devido a esse ensinamento do concílio
Vaticano II? É um ato de fé? Um simples assentimento interior? Uma
consideração respeitosa? Isso vai depender da natureza mesma do ato,
que no caso é confirmada e precisada por seus autores.
Dignitatis humanæ é por natureza um ato do Magistério ordinário e
universal. [12. Sobre a natureza e a autoridade do Magistério
ordinário e universal, referir-se a: L’infaillibilité du Magistère
ordinaire et universel de l’Église [A infalibilidade do Magistério
ordinário e universal da Igreja], do Pe. Bernard Lucien (Documents de
Catholicité, 1984); a: Cahiers de Cassiciacum, suplemento ao n.º 5,
pp. 7-8 e 13-19; a: L’objet du Magistère ordinaire et universel [O
objeto do Magistério ordinário e universal] (suplemento a Sedes
Sapientiae) pelo Pe. de Blignières.] Precisaremos esta noção, para
empregá-la no sentido em que a Igreja a entende, de modo a seguir a
prescrição do Concílio do Vaticano:
“Também se deve manter sempre nos dogmas sagrados o sentido que a
Santa Madre Igreja uma vez declarou, e nunca é permitido, sob pretexto
ou sob aparência de inteligência mais profunda, afastar-se desse
sentido.”
A expressão Magistério ordinário e universal é empregada pelo primeiro
Concílio do Vaticano, e encontramos o seu significado nas intervenções
e relatos oficiais da Deputação da Fé, encarregada de explicar aos
Padres antes do escrutínio o sentido exato daquilo que eles iam
definir. A Deputação remete à Carta Apostólica de Pio IX Tuas Libenter
[13] de 21 de dezembro de 1863. Universal indica nessa expressão a
universalidade da Igreja docente: o Papa e os bispos subordinados. O
Magistério universal é, pois, o poder de ensinar da Igreja exercido
pelo Papa e o conjunto dos bispos. Pode ser exercido de forma
extraordinária mediante juízo solene, ou de forma ordinária no
ensinamento cotidiano da fé – no qual os bispos normalmente estão
dispersos.
[13. “Ainda que se tratasse unicamente da submissão que se deve
prestar mediante ato de fé divina, não se poderia restringi-la somente
aos pontos definidos pelos decretos dos Concílios Ecumênicos ou dos
Romanos Pontífices e desta Sé Apostólica; mas haveria ainda que
estendê-la a tudo aquilo que é transmitido, como divinamente revelado,
pelo corpo docente ordinário da Igreja inteira espalhada pelo
universo” Denz. 1683.]
No concílio Vaticano II, a reunião dos bispos do mundo inteiro dava
antes caráter extraordinário ao exercício do Magistério; sem embargo,
a ausência de definição solene e a declaração de Paulo VI [14] fazem
classificar os atos do Vaticano II, e portanto o decreto sobre a
liberdade religiosa, entre os do Magistério ordinário e universal.
[14. “Dado o caráter pastoral do concílio, evitou este pronunciar de
maneira extraordinária dogmas dotados da nota de infalibilidade, mas
ele muniu os seus ensinamentos com a autoridade do Magistério supremo
ordinário”. 12 de janeiro de 1966, La Documentation catholique n. 466,
p. 420.]
O Magistério ordinário e universal apresenta infalivelmente o objeto
da fé, e todo fiel deve em consequência crer com fé divina tudo aquilo
que for apresentado nele como revelado. É o ensinamento de Pio IX na
Tuas Libenter e do primeiro Concílio do Vaticano:
“Deve-se crer com fé divina e católica tudo o que está contido na
Palavra de Deus escrita ou transmitida por tradição, e que a Igreja,
seja por um juízo solene, seja por seu magistério ordinário e
universal, propõe a crer como divinamente revelado.”
Esse ensinamento é retomado pelo Papa Leão XIII, que afirma que esta é
efetivamente a doutrina constante da Igreja. [15. Satis Cognitum, 29
de junho de 1896. Les Enseignements pontificaux, L’Église, n. 574.]
Não há, portanto, nenhuma dúvida possível. Dado que Dignitatis Humanæ
é um ato do Magistério ordinário e universal, e dado que nela se
encontra afirmada como revelada por Deus uma dignidade do homem tal
que fundamenta o direito à liberdade civil em matéria religiosa, todo
fiel deve realizar um ato de fé, ou seja, deve crer com fé divina e
católica nesta doutrina: a dignidade do homem comporta, exige, implica
o direito à liberdade religiosa.
Encontra-se confirmação dessa necessidade na notificação do cardeal
Felici, secretário geral do Vaticano II, na 123.ª congregação geral:
“Quanto às outras coisas que são propostas pelo concílio, dado que
representam a doutrina do Magistério supremo da Igreja, todos e cada
um dos fiéis devem recebê-las e admiti-las segundo o espírito do
concílio mesmo, tal como resulta seja da matéria em questão, seja do
modo de exprimir-se, conforme as normas de interpretação teológicas.”
Ora, a matéria em questão é já ensinada infalivelmente pela Igreja e
importa maximamente à salvação das almas, e a maneira de exprimir-se
apresenta esse ensinamento como revelado por Deus. Todo fiel deve,
pois, receber essa doutrina com a fé.
Poder-se-ia tentar fazer valer, contra essa conclusão, que o Vaticano
II não enuncia nenhuma obrigação de crer nessa dignidade da pessoa
humana, e portanto que o ato de fé não é necessário.
Essa objeção não tem força nenhuma. A Revelação é, com efeito, o
motivo formal da fé: é porque a doutrina é revelada por Deus que o
fiel crê, e a certeza da Revelação é dada pelo ato do Magistério. Este
não tem, pois, de modo nenhum necessidade de mencionar uma obrigação
de crer: é a própria natureza das coisas que comporta essa
necessidade. É este, aliás, o ensinamento de Leão XIII:
“Toda vez que a palavra deste Magistério declara que esta ou aquela
verdade faz parte do conjunto da doutrina divinamente revelada, todos
devem crer com certeza que isso é verdadeiro.”

[16. Satis Cognitum, Ens. Pont. L’Église, n. 572.]

O impossível ato de fé
O fiel deve, pois, crer com fé divina que a dignidade do homem é tal
que fundamenta o direito à liberdade religiosa: essa conclusão se
depreende inelutavelmente do ensinamento que recordamos.
Mas esse ato de fé é metafisicamente impossível.
Com efeito, o fiel já crê com fé divina que a afirmação do direito à
liberdade religiosa é contrária à Revelação. Ninguém é capaz de crer
simultaneamente em duas proposições contrárias; ninguém é capaz de
crer ao mesmo tempo que o direito à liberdade religiosa é contrário à
Revelação, e que ele está fundado nessa Revelação. É impossível com a
maior boa vontade do mundo: está na natureza das coisas.
Assim, portanto, é a fé, é o exercício da fé católica que torna
impossível o assentimento ao ensinamento do Vaticano II. Não somente
essa adesão é interdita moralmente, como também ela é impedida por
quem quer que exerça retamente a fé.
Detido na adesão que ele deveria dar à Dignitatis Humanæ, o fiel tem o
dever imediato de verificar se existe realmente contradição real e não
só aparente, e se Quanta Cura e Dignitatis Humanæ imperam efetivamente
um ato de fé. Ele constatará novamente que Pio IX nega aquilo que
afirma o Vaticano II: [17] que a liberdade religiosa no foro externo e
público é um direito natural a todo homem, de tal modo que a
autoridade pública não tem o direito de impedir a propaganda e o
exercício público das falsas religiões, a menos que a tranquilidade
pública o exija. Ele poderá verificar também que tanto Quanta Cura
quanto Dignitatis Humanæ recorrem à Revelação e exigem adesão de fé.
[17. Essa contradição é evidente à simples leitura dos textos. Contra
os que a negam, ela foi provada e defendida pelo Pe. Bernard Lucien:
Lettre à quelques évêques [Carta a alguns bispos], pp. 71-118; La
liberté religieuse [A liberdade religiosa], exame de uma tentativa de
justificação – resposta ao Priorado Santo Tomás de Aquino, fevereiro
de 1988, pp. 9-35; Lecture critique des « Remarques sur la brochure
des Abbés Lucien et Belmont » [Leitura crítica das “Observações sobre
a brochura dos padres Lucien e Belmont”], julho-agosto de 1988.]
Então, já crendo, anteriormente e com uma certeza divina que é
impossível e interdito recolocar em questão, no ensinamento de Pio IX,
o fiel rejeitará o do Vaticano II, ou seja, o de Paulo VI do qual o
Vaticano II tira toda a sua autoridade.
Contudo, sendo impossível de aderir ao ensinamento da Dignitatis
humanæ em razão de seu conteúdo, a necessidade de crer nesse mesmo
ensinamento permanece, imperativa, em razão do ato do Magistério que o
apresenta como revelado.
E assim, sendo pela fé teologal detido de aderir à doutrina de Paulo
VI, o fiel é ao mesmo tempo e necessariamente detido e impedido –
sempre pela fé – de aderir à autoridade de Paulo VI e de reconhecê-la.
Isso requer algumas explicações.

Explicações
A Igreja Católica se distingue essencialmente de todas as outras
sociedades por seu caráter sobrenatural: ela é o Corpo Místico de
Jesus Cristo. Nela a Autoridade, e no princípio desta a Autoridade do
Soberano Pontífice, é essencialmente sobrenatural (mesmo exercendo-se
por meios naturais). É a aplicação do princípio geral recordado por
Leão XIII:
“A Igreja não é uma espécie de cadáver: ela é o Corpo de Cristo,
animado de Sua vida sobrenatural (…). De igual maneira, Seu Corpo
Místico só é a Sua verdadeira Igreja com a condição de suas partes
visíveis tirarem a sua força e a sua vida dos dons sobrenaturais e dos
outros elementos invisíveis; e é dessa união que resulta a razão
própria e a natureza das partes visíveis mesmas.”

[18. Satis Cognitum, Ens. Pont. L’Église n. 543.]


A Autoridade do Soberano Pontífice é essencialmente sobrenatural: ela
é constituída pela assistência habitual e especial prometida por Jesus
Cristo a São Pedro e a seus sucessores. Logo, é na luz da fé que nós
conhecemos a Autoridade pontifícia e que aderimos a ela.
Tomemos um exemplo. Estou em 1950. É com a luz da fé que eu sei que
Pio XII é Papa: é por um conhecimento que não é adequado senão na
ordem sobrenatural, e que supõe o conhecimento natural do fato que
cada qual pode constatar. Sem esse conhecimento sobrenatural da
Autoridade que ele possui de Cristo, eu não poderia crer com fé divina
no dogma da Assunção que ele definiu infalivelmente. Que Pio XII seja
Papa, é o que se chama um fato dogmático que, como tal, cai sob a luz
da fé. Com efeito, se bem que esse fato seja contingente, ele é
necessário para a conservação do depósito revelado, pois constitui a
regra próxima da fé: o Magistério, do qual o Papa é o princípio na
ordem do exercício.
Isso significa que é com o mesmo ato de fé simples que adiro ao dogma
e à Autoridade que o apresenta. Por onde, é na mesma luz sobrenatural
e com o mesmo ato que eu deveria aderir à doutrina do Vaticano II
sobre a liberdade religiosa e à autoridade de Paulo VI que a garante.
Ora, como vimos, essa adesão é impossível em razão da fé mesma. E,
portanto, pelo simples exercício da fé e sem emitir juízo, o fiel é
detido e impedido de aderir à autoridade de Paulo VI, que ele não tem
como reconhecer; é com a fé que ele enxerga que este não é a
Autoridade, que este não é regra da fé.

Confirmações
Assim esclarecido pela fé, e diante da gravidade dessa conclusão, o
fiel buscará confirmar esta verdade certa: Paulo VI não era a
Autoridade da Igreja Católica, ele estava desprovido da Autoridade
pontifícia que o Papa possui de Cristo.
Ele verá então que a universal reforma litúrgica inaugurada pelo
Vaticano II, particularmente a do rito da Missa, é infestada do
espírito da heresia: ela não é fruto nem expressão da fé da Igreja.
Dado que é impossível que uma lei geral da Igreja seja má – admiti-lo
seria cair na condenação de Pio VI e contradizer o ensinamento do
Magistério [19. Pio VI, Auctorem Fidei, 28 de agosto de 1794, Denz.
1578; Gregório XVI, Quo Graviora, 4 de outubro de 1833, Ens. Pont.
L’Église n. 169; Leão XIII, Testem Benevolentiæ, Ens. Pont. L’Église
n. 631.] –, é com mais forte razão impossível que um rito da liturgia
católica seja digno de ser rejeitado. [20. Concílio de Trento, sessão
VII, Denz. 856.] Logo, essa reforma não tem como ser da Igreja: sua
promulgação por Paulo VI é incompatível com a assistência do Espírito
Santo, e portanto com a posse da Autoridade pontifical.
Continuando a exercer a fé católica, o fiel constatará que os atos de
Paulo VI – por sua natureza mesma e considerados em conjunto – não
procuram o bem da Igreja. A intenção habitual – não a intenção íntima
dele, mas aquela que é imanente aos atos por ele realizados – que ele
manifestou e empregou não está ordenada para o bem da Igreja. Essa
ausência da intenção de procurar o bem da Igreja não é compatível com
o gozo da Autoridade pontifícia: em razão dela, efetivamente, o
governo habitual de Paulo VI não é o de Jesus Cristo. Ora, segundo o
ensinamento de Pio XII:
“O Divino Redentor governa Seu Corpo Místico visivelmente e
ordinariamente por seu Vigário na terra.”

[21. Mystici Corporis, 29 de junho de 1943, Ens. Pont. L’Église n.


1040.]
O fiel verá também a necessidade, para conservar a fé católica,
confessá-la integralmente e produzir as obras dela, de não obedecer
aos atos de Paulo VI, nem aos atos daqueles que Paulo VI lhe dá e
mantém como superiores. [22. Não dizemos que todos aqueles que fazem
profissão de ser submissos a Paulo VI ou João Paulo II desertaram da
fé católica. Mas fazemos notar que – como mostra a experiência –
aqueles que conservam a fé o fazem malgrado essa submissão, e não
mediante ela, como deveria ser. Cientemente ou não, eles resistem a
uma parte do ensinamento conciliar ou dele fazem abstração, e é graças
a isso que perseveram na fé.] Coisa que seria impossível de fazer
habitualmente em presença da verdadeira Autoridade, que não é outra
que não a de Jesus Cristo que está com Seu Vigário na terra. É
efetivamente um dogma da fé católica que foi definido pelo Papa
Bonifácio VIII:
“Nós declaramos, afirmamos, definimos e pronunciamos que a submissão
ao Romano Pontífice é, para toda criatura humana, absolutamente
necessária à salvação.”

[23. Unam Sanctam, 18 de novembro de 1302, Denz. 469.]


O Papa Pio XI ensina também que ninguém é católico sem obediência
habitual à Autoridade legítima:
“Nesta única Igreja de Cristo, ninguém se encontra, ninguém permanece
se, por sua obediência, não reconhece e não aceita a Autoridade e o
poder de Pedro e de seus legítimos sucessores.”

[24. Mortalium Animos, 6 de janeiro de 1928, Ens. Pont. L’Église, n.


873.]
As constatações que o fiel terá feito, examinando os fatos públicos e
certos à luz da fé, – não nos expandimos além porque sua análise foi
feita alhures – resultarão nisto: não é somente no ensinamento da
liberdade religiosa, mas também na reforma litúrgica e no conjunto de
seus atos, que Paulo VI sobressai com certeza, certeza esta que é da
ordem da fé, como não sendo a Autoridade suprema da Igreja Católica.
Mas sobretudo, e é o que importa hoje, o fiel formará o mesmo juízo
sobre João Paulo II que sobre Paulo VI. As razões disso são
constringentes:
– João Paulo II [e Bento XVI igualmente] não rompeu com o estado de
cisma introduzido por Paulo VI; ele declarou reiteradamente querer
continuar a obra do Vaticano II e de Paulo VI, obra que ele codificou
e à qual deu natureza jurídica ao promulgar o código de direito
canônico de 1983 [25].
[25. A constituição apostólica Sacræ disciplinæ leges de 25 de janeiro
de 1983, que promulga esse código, repete isso muitas vezes, e
apresenta o código como o resultado do espírito do Vaticano II e da
novidade (o termo é empregado) do concílio, sobretudo no que tange à
eclesiologia.]
– Sucedendo a Paulo VI, João Paulo II dele retoma, por sua conta, os
atos permanentes,[26] na medida em que não os denunciou: é ele que,
hoje, impera com autoridade o ensinamento do Vaticano II e a reforma
litúrgica. Logo, é à autoridade de João Paulo II que a fé impede hoje
de aderir, é essa mesma autoridade que a fé obriga a rejeitar.
[26. São os atos doutrinais, ou os atos legislativos cujo efeito não
se limitava à origem, que ainda perduram.]
– Por fim, por certos pontos de seu ensinamento e mais ainda por sua
maneira de agir, João Paulo II ainda alargou o fosso entre a doutrina
católica e as teorias conciliares.
Enquanto João Paulo II não houver rompido com os ensinamentos e as
leis que são incompatíveis com a Autoridade pontifícia – especialmente
a reforma litúrgica e a liberdade religiosa –, a fé, em razão dessa
incompatibilidade mesma, não terá como reconhecer sua autoridade e
obrigará a negá-la.
Não mudam nada, a esse respeito, outros atos que sejam – ou pareçam –
conformes à tradição e à doutrina católica, e que pareçam soltar o nó
que sufoca a fé do povo cristão. Não sendo ruptura formal com o cisma
capital, esses atos são sem valor jurídico e só podem ser
considerados, com máximo otimismo, como preparações materiais para
essa ruptura futura, preparações das quais, de resto, o Bom Deus Se
serve para dar a Sua graça a algumas almas extraviadas.
Alcance da prova
A prova que acabamos de desenvolver conclui, com uma certeza que entra
no domínio da fé católica, que Paulo VI e João Paulo II são
desprovidos da Autoridade pontifícia. Mas essa prova, que se atém à
análise de seus atos públicos e se fundamenta na incompatibilidade
desses atos com a Autoridade de Jesus Cristo, não diz nada sobre a
pessoa deles e não logra trazer certeza alguma sobre a pertença
pessoal deles à Igreja e sobre a fé interior deles.
Como já recordamos, o Papado é um fato dogmático, que portanto se
relaciona com a fé. Ora, ao mesmo tempo em que é possível demonstrar
na luz da fé que João Paulo II é desprovido da autoridade pontifical,
é impossível ter certeza conveniente sobre um eventual pecado de cisma
ou de heresia, pecado que o faria abandonar a Igreja. [27. A ausência
do exercício atual do Magistério da Igreja torna dificilmente
discernível a heresia. Esta, com efeito, é a negação de uma verdade
revelada por Deus conhecida como tal. Esse conhecimento ocorre
mediante a proposição por parte da Igreja. Na ausência de proposição
atual, ninguém é capaz de determinar com certeza que determinada
pessoa nega a verdade revelada cientemente, com pertinácia – salvo se
ela o reconhece implicitamente ou explicitamente.] Para haver uma
certeza dessas, seria preciso uma confissão pública de João Paulo II –
coisa que nunca aconteceu; ou um ato da Autoridade – coisa que é bem
impossível atualmente; ou talvez uma intimação a confessar a fé que
emanasse de membros da Igreja docente.
Em razão de haver uma certeza eclesial [28] da ausência de autoridade
em João Paulo II, e em razão de não haver – e de, no atual estado de
coisas, não poder haver – certeza eclesial de sua exclusão da Igreja,
é necessário introduzir a distinção que vamos recordar [29].
[28. Chamamos de certeza eclesial uma certeza que tem valor dentro da
Igreja, a qual pode-se ter em conta em face da Igreja, que é da mesma
ordem de nossa pertença à Igreja – e que pode, por isso, ser levada em
conta na análise do estado da Igreja e da situação de sua autoridade:

– seja porque ela é dada por um ato da autoridade eclesiástica (quer


seja ele magisterial, legislativo ou jurisdicional);

– seja porque ela tem seu princípio na fé, exercida por ocasião de
fatos públicos e notórios.]
[29. Essa distinção foi posta em relevo e empregada pelo Rev. Pe. M.
L. Guérard des Lauriers: Cahiers de Cassiciacum n.º 1 pp. 7-99. Seu
fundamento é enunciado por São Roberto Bellarmino: De Romano Pontifice
II, 30 (in Cahiers de Cassiciacum n.º 2 p. 83), e pelo Cardeal
Caetano: “O encargo pontifício e Pedro estão em relação de forma para
matéria” (De Comparatione Auctoritatis Papæ et Concilii, n. 290).]

Situação de João Paulo II


João Paulo II é papa materialiter (materialmente), ele não é Papa
formaliter (formalmente).
Ele é papa materialmente, ou seja ele é o sujeito designado, possuidor
de uma aptidão que ninguém compartilha com ele a receber a comunicação
da Autoridade pontifícia, caso ele não ponha nenhum obstáculo a isso.
Ele possui uma realidade jurídica que faz com que ele se inscreva
materialmente na continuidade romana. Ele não é um antipapa.
João Paulo II não é Papa formalmente; ele não desfruta daquilo que faz
com que o papa seja Papa: a autoridade sobrenatural comunicada por
Jesus Cristo, essa assistência especial que lhe confere os poderes
supremos de Magistério, de Santificação e de Governo.
Se houver que responder com sim ou não à pergunta: ele é Papa?, cumpre
dizer que João Paulo II não é Papa, mas que ele é o sujeito designado.
Ele não é Papa simpliciter, mas ele está a postos e aceito por aqueles
que têm poder sobre a eleição. Não havendo rompido com o estado de
cisma capital – não cisma pessoal (coisa que só Deus sabe), mas cisma
enquanto cabeça –, ele permanece, sem embargo, privado da autoridade
pontifícia.
Em consequência, o testemunho da fé exige que se evite todo ato que
seja um reconhecimento qualquer da autoridade dele: nomeá-lo no Cânon
da Missa ou nas orações litúrgicas pelo Soberano Pontífice,[30]
beneficiar-se de suas leis ou reconhecer a elas um valor jurídico,
recorrer aos tribunais de cúria etc.
[30. Coisa que é inteiramente diferente de “recusar rezar pelo Papa”.
Não se trata de excluir alguém de sua oração – a caridade teologal
opõe-se a isso em absoluto –, trata-se de dar testemunho da fé
católica: é de longe o mais útil para a Igreja e para cada um de seus
membros.]
Eis como, no exercício cotidiano da fé católica, e anteriormente a
qualquer juízo ou raciocínio, todo fiel pode e deve discernir o estado
da Igreja e a situação da autoridade dela. Pela glória de Deus e por
sua salvação, ele regrará a sua conduta em consequência.
É uma situação violenta e precária, que não poderá ser resolvida a não
ser por via de conversão ou de sucessão; mais precisamente:

– pela morte ou renúncia do sujeito eleito;

– pela conversão do sujeito eleito, no sentido de que ele se aplicará,


de forma estável e constatável, a procurar o verdadeiro bem da Igreja
– no mínimo denunciando aquilo que é incompatível com a Autoridade
pontifícia;

– quiçá pela ação daqueles que têm poder sobre a eleição, ou de parte
notável da Igreja docente, que poderia intimá-lo a confessar a fé
católica e, em caso de recusa, poderia constatar sua queda de ofício.
Esta última hipótese é, além disso, bastante delicada.
Poder-se-ia comparar a situação presente à de um matrimônio aparente,
juridicamente concluído e celebrado, mas realmente inexistente por
defeito de consentimento (por exemplo, se um dos cônjuges exclui de
seu consentimento uma das propriedades essenciais do matrimônio). Não
há matrimônio formaliter: não existem nem o vínculo matrimonial, nem o
sacramento, nem direito algum conferido por eles. Mas há matrimônio
materialiter: esse matrimônio inexistente possui, mesmo assim,
consequências jurídicas, ele desfruta do favor do direito, etc.
E, sobretudo, ele não tem necessidade de ser exteriormente reiterado
para tornar-se real: basta que o cônjuge faltoso emita interiormente
um verdadeiro consentimento (e que o consentimento do outro cônjuge
perdure nesse momento), para que o matrimônio real exista
imediatamente.

*
* *

“O enfraquecimento da autoridade da Sé Romana é o maior dos males,


pois deixa sem defesa como ovelhas sem pastor, à falsa sabedoria cruel
e tirânica dos ‘vãos doutores’, o inumerável povo órfão dos pobres de
Jesus Cristo”, escrevia o Padre Berto. [31. Itinéraires n.º 112 p. 98;
n.º 132 p. 112.]
Que dizer quando essa autoridade não mais se exerce?

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, O exercício cotidiano da fé na crise da
Igreja, 2011, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, jun. 2012, blogue
Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1ss
de: “L’exercice quotidien de la foi dans la crise de l’Église”, blogue
Quicumque, documento D-1 do dossiê “Sedevacantismo” (jul. 2011).
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: BELMONT, “Subito”, Concílio de Trento (1545-63),


Concílio do Vaticano (1870), Doutrina, Latrocínio Vaticano II,
Liberdade religiosa, Método, Padre Berto, Padre Guérard des Lauriers,
Papa GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa LEÃO XIII (1878-1903), Papa PIO IX
(1846-78), Papa PIO VI (1775-99), Papa PIO XI (1922-39), Papa PIO XII
(1939-58), Sedevacantismo | 23 Comentários »
Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XIX
23 de março de 2012

Viva o Papa!
Contra a separação revolucionária entre

a pessoa e o ofício do Sumo Pontífice


(1847)

São João Bosco


(Padre LEMOYNE, Memorie Biografiche di Don Bosco, vol. III,

Turim: Salesiana, 1903, Cap. XXI [excerto: pp. 239-242].)

[CAP. XXI. ...Pio IX concede a seu povo várias reformas políticas, e


as artimanhas dos sectários para alcançá-las – Os aplausos a Pio IX
julgados pelo Arcebispo Dom Fransoni e por Dom Bosco – Gritai “Viva o
Papa!” e não “Viva Pio IX!” – Cartazes no Oratório recordando a
dignidade do Vigário de Jesus Cristo...]
Também em Roma, os cabeças das conjurações seguiam fielmente as
instruções de Mazzini sobre o modo de fraudar os Papas e os outros
soberanos.
“O Papa – escrevera ele – promoverá as reformas por princípio e por
necessidade… Aproveitai a mínima concessão para reunir as massas,
ainda que só para atestar o reconhecimento: festas, cantos,
assembleias… dar ao povo o sentimento de sua força e torná-lo
exigente… um degrau por vez… Obtida uma lei liberal, aplaudi e exigi a
seguinte”.
O Papa, de fato, animado por santos pensamentos, disposto a fazer tudo
pelo bem de seu povo, concedia-lhe certas liberdades que mais pareciam
desejáveis; e, de súbito, organizaram-se imponentes demonstrações
populares para agradecer-lhe e para pedir em alta voz novas reformas.
E Pio IX, em 15 de março, concedia a lei sobre a imprensa com uma
liberdade dentro de justos limites, a qual, porém, não impediu que, em
agosto, só em Roma se publicassem cinquenta jornais, em sua maioria
detestáveis, corruptores do espírito dos cidadãos. A 14 de junho, ele
nomeava um conselho de ministros, mas composto de eclesiásticos, e os
sectários, esperando o momento oportuno para impor ao Papa um
Ministério de leigos, fizeram ouvir, unidos aos gritos de Viva Pio IX,
os de Viva Gioberti, Viva a Itália, e mesclados a hinos quase
republicanos. Em 5 de julho, tendo poucas tropas às suas ordens,
permitiu que fosse instituída a guarda cívica para a tutela da ordem
pública, e, assim, os revolucionários obtiveram armas. Pouco tempo
depois, decretado e nomeado o Conselho Municipal de Roma, inaugurava o
Conselho de Estado, mas, entre os conselheiros que representavam as
cidades individuais do reino, haviam sido eleitos não poucos
conspiradores dos mais perigosos. E, entrementes, não havia louvor e
glória que não fosse tributada a Pio IX.
Em Turim, chegavam as notícias de Roma e, também aqui, continuavam em
todas as ocasiões os gritos frenéticos, obstinados, de Viva Pio IX.
Dom Fransoni [o Arcebispo do Pe. São João Bosco (n. do t.)], porém,
compreendera desde o início que, por trás daquelas exageradas
expressões de entusiasmo, escondia-se o artifício das seitas, e,
requisitado pelo Papa a mobilizar os fiéis em auxílio dos irlandeses
que lutavam contra a fome, a 7 de junho de 1847 escrevia numa Carta
Pastoral sua:
“Que aquele era um meio muito propício de mostrar obséquio ao
Pontífice e, assim, de aplaudi-lo. Não como aqueles tais que aplaudem
Pio IX, não pelo que ele é, mas pelo que quereriam que ele fosse.
Deve-se ainda refletir que não é a batida fragorosa de palmas, nem a
descomposta aclamação tumultuosa, que são os aplausos que podem ser-
Lhe gratos, mas, sim, a escuta dócil dos Seus avisos e a prontidão em
cumprir, não somente as Suas ordens, como também as Suas sugestões”.
Dom Bosco não pensava diferentemente de seu Arcebispo. Naturalmente,
também no Oratório era uma gritaria a plenos pulmões de vivas e
hosanas ao grande Pontífice; tanto mais que Dom Bosco falava sempre do
Papa com a máxima estima; repetia frequentemente ser necessário estar
unidos ao Papa, pois ele é o elo de união dos fiéis com Deus; e
preconizava quedas e castigos fatais aos que presumissem contrariar ou
censurar, ainda que minimamente, a Santa Sé; e tanto era o amor que
sabia infundir nesse sentido em seus jovens, que eles se sentiam
dispostos a ser sempre obedientes e fiéis a ela, e a defendê-la mesmo
pagando com a vida.
Os jovens, pois, repetiam: E viva Pio IX; mas ficaram pasmos de ouvir
de Dom Bosco, que buscava mudar as palavras da boca deles:
– Não gritem Viva Pio IX, mas Viva o Papa!

– Mas por que, perguntaram a ele, quer [Ella vuole] que gritemos Viva
o Papa? Pio IX por acaso não é o Papa?

– Vocês têm razão, replicava Dom Bosco, mas vocês não veem aí nada
além do sentido natural das palavras; há certas pessoas que querem
separar o Soberano de Roma do Pontífice, o homem de sua dignidade
divina. Louva-se à pessoa, mas não vejo que se queira prestar
reverência à dignidade com que está revestida. Por isso, se queremos
estar seguros neste momento, gritemos: Viva o Papa!

– E todos os jovens repetiam: Viva o Papa!…

– E agora, continuava Dom Bosco, se quiserem cantar um hino em louvor


ao glorioso Pontífice, entoe-se então aquele que foi composto faz
pouco tempo pelo Maestro Verdi: Saudemos a santa bandeira que o
Vigário de Cristo alçou.
E todos prorrompiam num coro fragoroso cantando aquele hino que,
segundo a interpretação de Dom Bosco, era uma homenagem ao estandarte
da Santa Cruz.
Mais de uma vez vieram no domingo, nos dias de maior efervescência,
alguns senhores com palavras de bons cristãos, mas liberais.
Entusiasmados de ver tantas centenas de moços intrépidos, após breves
palavras de encorajamento convidaram-nos a gritar Viva Pio IX; mas
sucedeu-lhes a ingrata surpresa de ouvir um trovejar de mais de
quinhentas vozes respondendo: Viva o Papa! Não havia sido esquecida a
lição de Dom Bosco; e, para que esta ficasse cada vez mais inculcada,
ele colocou em toda a parte do pequeno Oratório cartazes impressos,
convidando os jovens a obedecer ao Papa, a acatar-lhe as ordens com
reverência, a respeitar-lhe a autoridade. Num destes se lia: Tu és
Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja – Noutro: Onde
está Pedro, ali está Deus – Num terceiro: Estou convosco até à
consumação dos séculos – Onde está Pedro, aí está a Igreja – Apascenta
as minhas ovelhas.
Dom Bosco narrava ao Cardeal Bernabò em 1873:
“Em 1847, li alguns panfletos de exaltados revolucionários; neles
estava escrito: ‘Comece-se a gritar Viva Pio IX mas nunca Viva o Papa;
procure-se desacreditar os jesuítas, mas não toqueis no Pontífice. Os
padres bons, louvai-os, encorajai-os e tentai insuflar neles o amor
próprio com a lisonja; os padres maus, se logrardes atraí-los para o
vosso lado, fareis um grande negócio’. E esse programa foi posto em
prática à letra, e desde então, quem não estivesse cego podia ver como
toda a manobra dos liberais se dirigia a tribular e destronar o Papa,
tolhendo-lhe todos os meios e apoios humanos. Esses tais não cessam de
repetir: ‘Quando ele não tiver mais nenhuma esperança de reconquistar
o que lhe foi tolhido, terá simplesmente de ceder e dobrar-se às
nossas vontades’.”

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Dom LEMOYNE, Os aplausos a Pio IX julgados pelo Arcebispo Dom Fransoni
e por Dom Bosco – Excerto das Memórias Biográficas, vol. 3 (1903),
cap. 21; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, mar. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1ig
Fonte:

Pe. Giovanni Battista LEMOYNE, Memorie Biografiche del Venerabile Don


Giovanni Bosco, vol. III, Turim: Salesiana, 1903, 652 pp., cap. XXI:
pp. 239-242.
O vol. III inteiro encontra-se transcrito em:

http://www.salesio.org/ITA/Documenti/2005/_1_10_6_8_3_.htm

O cap. 21 do vol. III pode ser encontrado também em:

http://www.donboscoland.it/articoli/articolo.php?id=2888
Há uma tradução espanhola, com a qual cotejamos nossa tradução após
terminá-la, em:

http://www.dbosco.net/mb/mbvol3/mbdb_vol3_191.html

(N.B. Por um erro de formatação, há que “exibir o código fonte da


página” para ler as citações do corpo do texto.)
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: pré-conciliares, Catolicismo no Brasil,


Doutrina, História da Igreja, Método, Papa PIO IX (1846-78), São João
Bosco | 1 Comentário »
Textos essenciais em tradução inédita – CXI
29 de dezembro de 2011

Mons. Williamson contra o Concílio Vaticano… I !


(1998)

Rev. Pe. Giuseppe MURRO

“Maior: o Papa é infalível.

Menor: ora, esses últimos papas são liberais.

Conclusão:

• (liberal) logo, é preciso fazer-se liberal


• (sedevacantista) logo, esses últimos ‘papas’ não são verdadeiros
papas”.

[1. Le sel de la terre (Couvent de la Haye-aux-Bonshommes, F – 49240,


Avrillé), n.° 23, inverno de 1997-8, págs. 20-22; cit. à pág. 21.]
Se perguntássemos a um católico o que ele pensa desse silogismo, os
pareceres seriam diversos. Após breve reflexão, as discussões se
voltarão certamente para a estranha premissa menor que é o “motor” do
silogismo: haverá quem a aceite, quem a recuse, quem faça distinções.
Mas a nenhum católico normal poderia passar pela cabeça deslocar a
discussão para a Maior e pôr em dúvida a infalibilidade do Papa,
exumando o galicanismo sepultado pelo Concílio Vaticano I.
Eis, no entanto, o que diz, a propósito desse silogismo por ele
inventado, Mons. Williamson (doravante W) num escrito de 9 de agosto
de 1997, intitulado “Considerações libertadoras sobre a
infalibilidade”, traduzido em francês pela revista Le sel de la terre
(para quem não saiba, W é um dos quatro bispos da Fraternidade São Pio
X e Diretor do Seminário dos Estados Unidos): “Aqui, a lógica é boa e
a ‘menor’ também é; então, se as conclusões deixam a desejar, devemos
buscar o problema na premissa maior, raiz comum das duas conclusões
opostas”. [1. Ibidem, pág. 21.]
W quer demonstrar que os que seguiram o Concílio Vaticano II
(indicados pelo termo “liberais”) e os que recusam a autoridade de
João Paulo II (indicados pelo termo “sedevacantistas”) estão em erro:
e a “raiz comum” desse erro seria nada menos que crer na
infalibilidade do Papa! “Os liberais – diz W – compartilham com os
sedevacantistas de uma noção da infalibilidade muito difundida a
partir de 1870 (Concílio Vaticano I), noção, no entanto, falsa.” [2.
Ibidem, pág. 20.]
Exposição da tese de W
Segundo W, o problema seria, então, constituído pela definição da
infalibilidade do Papa de 1870: essa definição seria mal interpretada
(“noção falsa”) e, mesmo se bem interpretada, “contribuiu muito [per
accidens] para uma desvalorização da Tradição…”. Os “liberais”,
opositores da definição, teriam mudado de estratégia: não mais negar a
infalibilidade das definições solenes, mas afirmar que tudo o que não
for solenemente definido pode ser posto em dúvida.
Contra esse novo erro, os teólogos católicos, ao invés de recordarem
que “não é a definição que faz a verdade”, teriam acabado inventando,
pouco a pouco, uma falsa infalibilidade do magistério ordinário: “Os
manuais de teologia escritos entre 1870 em 1950, (…) para estabelecer
uma verdade não definida solenemente, se sentem – visivelmente – na
necessidade de construir um magistério ordinário infalível a priori,
calcado no magistério extraordinário infalível a priori (…). Esses
‘bons’ autores de manuais fizeram de certo modo o jogo dos liberais,
sem dúvida inconscientemente, eclipsando a verdade objetiva atrás da
certeza subjetiva, e dessa forma eles contribuíram para preparar a
catástrofe do Vaticano II e desse ‘magistério ordinário supremo’ de
Paulo VI, graças ao qual ele, de fato, agrediu gravemente a Igreja!”
(págs. 22-23).
W estende sua crítica inclusive aos que atualmente creem na
infalibilidade [negativa] de um rito litúrgico promulgado pelo Papa,
como Michael Davies. [3. Em nota, os dominicanos de Avrillé explicam:
“Michael Davies é um autor inglês que escreveu diversos livros para
defender a Tradição e especialmente Dom Lefebvre. No entanto, ele não
segue completamente as posições de Dom Lefebvre, particularmente sobre
a missa nova. É presidente da Una Voce”. Le sel de la terre, pág. 22.]
Pelo contrário, sempre segundo W, para responder aos liberais, teria
sido suficiente na ocasião, e também hoje, apelar à verdade objetiva
contida na Tradição, como fez Dom Lefebvre.
Elenco dos erros de W
Para facilitar a leitura deste artigo, assinalemos desde já os erros
presentes no texto de W.:
a) Negação da infalibilidade do Magistério ordinário do Papa mediante
o acréscimo, alegado como pretexto, de condições. O mesmo vale para o
Magistério Ordinário Universal.
[4. Quanto ao Magistério Ordinário Universal, cfr. Sodalitium n.º 41,
pág. 57 e ss.; n.º 45, pág. 30 e ss. (N. do T. – Respectivamente, “A
infalibilidade da Igreja”, a traduzir, e “O Magistério segundo o Abbé
Marcille”, trad. br. em: “http://wp.me/pw2MJ-19i”.).]
b) Negação da regra próxima da nossa fé (o Papa), confundida com a
regra remota (a Revelação).
c) Afirmação de que um rito litúrgico promulgado pelo Papa pode ser
“intrinsecamente mau”.
d) Afirmação de que uma definição dogmática pode ser boa em si mesma
mas má per accidens, isto é, em razão das circunstâncias.
e) Afirmação de que as definições da Igreja são devidas unicamente à
diminuição da caridade nos fiéis.
Examinarei, uma a uma, essas teses de W. Antes, porém, já que estamos
discutindo sobre a definição de 1870, dou os termos dela.
A definição dogmática do Concílio Vaticano
Na sessão de 18 de julho 1870, depois de muitas discussões devidas às
objeções dos anti-infalibilistas tendentes a evitar a definição, os
Padres do Concílio (quando dizemos Concílio neste artigo, referimo-nos
ao Vaticano I) proclamaram solenemente:
“Nós, aderindo fielmente à Tradição recebida desde o início da fé
cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para a exaltação da
religião católica e a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do
Sagrado Concílio, ensinamos e definimos ser dogma divinamente
revelado:
O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no
desempenho do ofício de Pastor e de Doutor de todos os cristãos,
define, em virtude de sua suprema autoridade Apostólica, que uma
doutrina em matéria de fé ou moral deve ser aceita por toda a Igreja,
goza, pela assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro,
daquela infalibilidade com a qual o Redentor quis munir a sua Igreja
quando define uma doutrina referente à fé ou à moral; e, por isso,
tais definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas, e
não em virtude do consenso da Igreja.
Portanto, se alguém – o que Deus não permita – ousar contradizer esta
Nossa definição: seja anátema.” (DS 3074-5).

[5. CONC. VAT. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, cap. IV, 18-7-1870.]
Segundo o que afirma o texto dogmático, o Papa no exercício da sua
função de Papa (e não como pessoa privada) é infalível. Noutros
termos, quando, como pastor e doutor universal, o Papa dá uma sentença
definitiva sobre uma doutrina (relativa à fé ou à moral), ele tem o
privilégio da infalibilidade, isto é, ele goza de uma assistência
especial do Espírito Santo para ensinar a verdade revelada sem o
mínimo erro. Nisso o Papa se distingue de todos os outros homens,
católicos ou não, os quais não têm essa assistência prometida por
Nosso Senhor a São Pedro e aos seus sucessores (Mt XVI, 19) [6.
Sodalitium n.º 41, pág. 58.].
Estrutura do artigo
Dado que W contesta a autoridade na matéria de todos os teólogos dos
últimos 128 anos, citarei, sobretudo, os próprios textos do Concílio
Vaticano I, tais como se encontram na coleção editada por Mansi. Lendo
os atos e a história do Concílio, percebe-se como W (e muitos
tradicionalistas) retomam os argumentos que foram o “cavalo de
batalha” da minoria liberal e anti-infalibilista no Vaticano I,
buscando, antes da definição, aumentar desmesuradamente as condições
para a infalibilidade do Papa e, depois da definição, diminuir-lhe o
alcance de tal maneira que o Papa seria infalível apenas muito
raramente.
Após a crise advinda com o Concílio Vaticano II e a introdução do novo
missal, os “tradicionalistas” começaram justamente a resistir ao
“aggiornamento” (que contradiz muitas verdades da doutrina católica),
recusando as reformas. Mas, quando se fez observar a eles que os novos
ensinamentos e as reformas eram promulgados por Paulo VI (e depois por
João Paulo II), e que, portanto, – como todos os decretos do Soberano
Pontífice – deviam ser aceitos porque garantidos pela infalibilidade,
muitos “tradicionalistas” não encontraram nada melhor do que retomar
os argumentos dos liberais. O Papa é infalível somente em certas
condições totalmente extraordinárias – sustentaram eles – as quais não
se encontram todas presentes nessas reformas; assim, por não serem
elas garantidas pela infalibilidade, não somos obrigados a obedecer.
Muitos não entenderam, ou temeram entender, que a recusa das reformas
punha em discussão a autoridade que as havia promulgado. W segue essa
corrente de pensamento que, ao nosso ver, é contrária à definição do
Vaticano I, tanto nos termos quanto no sentido.
Neste artigo analisamos os pontos negados por W, atendo-nos
particularmente ao primeiro.

a) Primeiro erro de W: sobre o Magistério ordinário

e sobre as condições para a infalibilidade.


Os teólogos distinguem in genere um magistério ordinário do Papa
(sozinho) e um magistério ordinário da Igreja (“ordinário e
universal”). O segundo foi definido como infalível pelo Vaticano I (DS
3011): falarei dele no final deste ponto “a)”. Quanto ao magistério
ordinário do Papa, in genere se afirma que é teologicamente certo que
ele é infalível. De fato, o Papa goza da mesma infalibilidade da
Igreja (DS 3074). Ora, a Igreja é infalível em seu magistério
ordinário (DS 3011). Logo, também o Papa é infalível em seu magistério
ordinário. [7. Sodalitium n.º 45, pág. 39 (N. do T. – Cf. “O
Magistério segundo o Abbé Marcille”, trad. br. em:
“http://wp.me/pw2MJ-19i”).] Essa argumentação seria suficiente para
provar quão gravemente erra W. Lendo, porém, os textos do Magistério e
os Atos do Vaticano I, dei-me conta de que, na realidade, a própria
definição da infalibilidade do Papa ao falar ex cathedra (DS 3074) não
faz distinção alguma entre Magistério ordinário ou Magistério solene
do Papa.
Toda a vez que o Papa fala não como pessoa privada, mas como Papa,
ensina autenticamente (com autoridade) [8. Sodalitium n.º 41, pág. 58]
e, portanto, pode ensinar ex cathedra. Esse ensinamento não é raro e
extraordinário, como nas solenes definições dogmáticas (por exemplo: a
Imaculada Conceição, em 1854; a Assunção, em 1950), mas todos os dias
o Papa pode ensinar de maneira definitiva à Igreja universal, sobre
assuntos que se referem à fé ou à moral; obviamente toda a Igreja é
obrigada a adotar, no foro externo e interno, o ensinamento da
autoridade suprema. O Papa, nesse caso, não está obrigado a usar um
modo determinado, ou a forma solene: se ele fala como Papa, basta que
se saiba, da maneira que for, que ele quer dar uma sentença definitiva
sobre um assunto ligado, ainda que só indiretamente, à fé ou moral.
Em conclusão: nós afirmamos que o termo ex cathedra indica somente a
infalibilidade do Papa tanto no magistério ordinário quanto no solene.
W afirma que o termo ex cathedra indica o Magistério solene,
enfatizando suas quatro condições e negando toda infalibilidade ao
magistério ordinário. Passo agora a provar a minha tese, com os textos
do Magistério e os atos do Vaticano I.
[8 bis. (N. do T. – Fonte: Pe. G. Murro, A propósito da
infalibilidade, in: Sodalitium, n.º 49, abr. 1999, pp. 67-68.)
No n.° 47 de Sodalitium, a propósito do artigo “Mons. Williamson
contra o Concílio Vaticano... I”, um sacerdote enviou-nos a seguinte
objeção:
«Segundo vós, os Magistério e o Santo Concílio Vaticano não distinguem
entre magistério ordinário e solene do Papa. Certamente não distinguem
quando falam de um em particular e não do outro, mas é um erro pensar
que “ex cathedra” equivale ao magistério ordinário e ao solene ao
mesmo tempo. Basta ver o cânon do Código de Direito Canônico de n.º
1323 § 2: “Pronunciar esses juízos solenes pertence propriamente quer
ao Concílio, quer ao Pontífice Romano quando fala ex cathedra”. De
resto, isso me parece estar claro nas atas do Vaticano I.
Pareceria que vós introduzis essa afirmação para recordar uma verdade
importante, a saber, que o Papa sozinho – sem o Episcopado – pode
falar infalivelmente com frequência, e não de maneira tão
extraordinária a ponto de acontecer uma vez por século, como creem os
minimalistas contradizendo o Santo Concílio. Contudo, sobre esse ponto
Mons. Williamson tem razão (apenas sobre esse ponto), ou seja, ao
sustentar que ex cathedra é sinônimo de “solene”; não tem razão,
porém, em pensar que isso ocorra raramente ou quase nunca. O Papa é
infalível todos os dias como parte primeira e principal do M.O.U. e
não definindo ex cathedra; por isso, este tipo de magistério papal é
chamado de extraordinário.
Na prática o Papa define ex cathedra toda vez que: define um dogma de
fé, mas também quando define uma doutrina como certa, ou a condena
como herética, favorável a ou com sabor de heresia, cismática,
contrária aos ouvidos pios. Define ex cathedra também toda vez que
canoniza um santo ou (como é mais provável) o beatifica, quando aprova
definitivamente um Instituto de perfeição, quando promulga leis
universais disciplinares ou litúrgicas, etc. etc. Em todas essas
ocasiões o Papa reinante é infalível porque define ou determina do
alto da Cátedra suprema. Por essa razão, as definições ex cathedra de
um Papa, mesmo que ele reine poucos anos, são numerosíssimas. Mas tudo
isso não tem nada a ver com o Magistério ordinário do Papa, que, por
sua natureza, tal como o M.O.U., não define, mas antes transmite. Se
há nele uma definição papal, há nele um juízo solene, ou seja ex
cathedra.»
Antes de tudo, façamos notar que a divergência de opinião entre
Sodalitium e o nosso crítico, por importante que seja, não toca no
fundo da questão: ambos estamos convictos da grande extensão da
infalibilidade do Magistério papal, e isso contra a Tese de Mons.
Williamson e da Fraternidade.
Quanto à tese com que nos critica, embora respeitável, está bem longe
de ter toda a certeza, como é apresentada por nosso contraditor. A
esse propósito, parece-nos suficiente citar Bernard Lucien:
“Precisemos ainda que, dentre os fautores de uma “visão larga” da
infalibilidade pontifícia, podem-se encontrar (no mínimo) três
categorias:

– alguns sustentam que a definição do Vaticano I seja efetivamente


muito restrita (isto é, que os casos de infalibilidade que ela
descreve sejam raros), mas que ela não é de modo algum restritiva
(isto é, não exclui de modo algum que haja infalibilidade noutros
casos);

– outros admitem que a definição do Vaticano I seja restritiva, mas


reconhecem que, em si mesma, ela é larga;

– outros, enfim, – e entre estes nós nos inserimos – sustentam que a


definição do Vaticano I é larga e, ao mesmo tempo, que ela não é
restritiva”.
(Pe. Bernard LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère Pontificale
Ordinaire [A infalibilidade do Magistério Pontifício Ordinário], in
Sedes Sapientiae, n.º 63, pág. 42.)
Ao que nos parece, o nosso contraditor pode ser classificado na
segunda categoria, ao passo que nós nos situamos, com o Pe. Lucien, na
terceira. Quanto à objeção calcada no cân. 1323 § 2 do Código de
Direito Canônico, é fácil de responder, que o Código não estabelece
uma identidade entre juízo solene e locução ex cathedra: todo juízo
solene, para o Código, pertence ao Papa que fala ex cathedra ou ao
Concílio Ecumênico, de acordo; mas o Código não diz que o Papa que
fala ex cathedra o faz exprimindo-se somente de maneira solene. Por
isso Lucien pôde, apesar do cân. 1323 § 2, que ele cita na pág. 38,
estabelecer como característica da corrente minimalista sobre a
infalibilidade do Papa a posição que identifica juízos solenes e
locuções ex cathedra (pág. 45).]
Ensinamento da Igreja sobre

o Magistério Ordinário do Papa


Clemente VI em 1351 pede ao patriarca dos armênios que assine uma
fórmula de fé, na qual se dizia ainda:
“Se tu crestes e ainda crês que unicamente o Romano Pontífice pode pôr
fim às dúvidas que surgem acerca da fé católica, mediante uma
deliberação autêntica à qual cumpre aderir de modo irrevogável, e que
tudo o que ele próprio declara ser verdadeiro, por força da autoridade
das chaves a ele consignadas por Cristo, deve ser aceito como
verdadeiro e católico, e aquilo que ele declara ser falso e herético,
assim deve ser considerado.”

[9. CLEMENTE VI, “Carta Super quibusdam a Mekhithar, katholicos dos


armênios”, 29-9-1351, DS 1064.]
Pio XI ensina:
“O Magistério da Igreja – estabelecido pela vontade divina na terra,
com a finalidade de custodiar perenemente intactas as verdades
reveladas, e de levá-las com segurança e facilidade ao conhecimento
dos homens – todos os dias, é verdade, é exercido por meio do Romano
Pontífice e dos Bispos que estão em comunhão com ele; mas tem também o
encargo de proceder à definição de algum ponto de doutrina, com ritos
ou decretos solenes, quando fosse necessário resistir com mais força
aos erros e às contestações dos hereges, ou quando fosse preciso
imprimir com mais precisão e clareza certos pontos de doutrina nas
mentes dos fiéis”.

[10. PIO XI, Mortalium animos, 6-1-1928. DS 3683. O texto está


publicado em I.P. n. 871.]
Ainda Pio XI:
“Seria indigno de um cristão… sustentar que a Igreja, por Deus
destinada a Mestra e Rainha dos povos, não esteja iluminada o bastante
acerca das coisas e circunstâncias modernas; ou então, não prestar a
ela assentimento e obediência a não ser naquilo que ela impõe por via
de definições mais solenes, como se as outras suas decisões se
pudessem presumir falsas, ou não providas de suficientes motivos de
verdade e de honestidade.”

[11. PIO XI Casti Connubi, 31/1/1930, I.P. n. 904-5.]


Pio XII:
“Nem se deve considerar que os ensinamentos das Encíclicas não exijam,
por si mesmos, o nosso assentimento, com o pretexto de que os
Pontífices não exercem aí o poder de seu Magistério Supremo. Na
realidade, esses ensinamentos são do Magistério ordinário, para o qual
valem também as palavras: ‘Quem vos ouve, ouve a Mim’ (Lc X, 16);
ademais, a maior parte daquilo que é proposto e inculcado nas
Encíclicas já é, por outras razões, patrimônio da doutrina católica.
Portanto, se os Sumos Pontífices em seus atos emanam de caso pensado
uma sentença em matéria até então controversa, é evidente para todos
que essas questões, segundo a intenção e a vontade dos mesmos
Pontífices, não podem mais ser objeto de livre discussão entre os
teólogos”.

[12. PIO XII, Humani Generis, 12-8-1950, I.P. n. 1280.]


Ainda Pio XII:
“Não é, porventura, o Magistério… o primeiro ofício da Nossa Sé
Apostólica? (…) Na Cátedra de Pedro Nós nos sentamos unicamente porque
Vigário de Cristo. Nós somos o Seu Representante na terra; somos o
órgão por meio do qual faz ouvir a Sua voz Aquele que é o único Mestre
de todos (Ecce dedi verba mea in ore tuo [N. do T. – ‘Eis que ponho as
Minhas palavras na tua boca’], Jer. 1, 9)”.

[13. PIO XII, Commossi, 4-11-1950, I.P. n. 1295.]


Desses textos resulta que a Igreja ensinou que o Magistério infalível
pode ser tanto ordinário (exercido todos os dias) quanto solene.
Ensinamento do Concílio Vaticano

sobre o Magistério do Papa


A matéria tratada pelo Concílio foi preparada por comissões, que se
reuniram antes do Concílio, e foi apresentada aos Padres em forma de
esquemas. Estes últimos eram discutidos pelos Padres, que, se o
julgassem necessário, propunham emendas, examinadas em seguida pelos
membros da Deputação da Fé. [14. Os membros da Deputação da Fé eram
vinte e quatro, eleitos pelos Padres; e o presidente, o Cardeal Bilio,
fora nomeado por Pio IX.] A Deputação, portanto, desempenhou um papel
central, respondendo ainda às objeções dos que se opunham aos esquemas
propostos. Para a nossa questão, pois, são de grande importância as
intervenções dos membros da Deputação da Fé, bem como suas respostas
às objeções: foram de fato esses Prelados que explicaram o sentido
exato da definição conciliar, corrigindo as falsas interpretações.
Para a reta interpretação do Concílio, são de ajuda também os esquemas
propostos, inclusive aqueles que não chegaram a ser debatidos, em
razão da interrupção do Concílio: normalmente os esquemas que foram
tratados receberam poucas modificações, ao menos não na substância.
Por fim, são úteis ainda algumas intervenções dos Padres favoráveis à
definição, nas quais podem-se encontrar provas incontrovertíveis sobre
a infalibilidade do Papa: o Concílio deu razão a eles definindo o
dogma.
Apoiando-me nestes testemunhos, examinarei sucessivamente as famosas
“quatro condições”, que, na realidade, são somente a explicação do
termo ex cathedra, expressão que comentarei no final. Seguirá um
apêndice sobre o magistério ordinário do Papa e sobre o magistério
ordinário e universal. Concluirei assim a análise do primeiro erro de
W [ponto “a)”].
As quatro condições
Segundo a tese de W, o Papa é infalível “com quatro condições”, e não
“com três e meia”. Dado que essas condições não foram inventadas por
W, mas são tiradas da definição conciliar, vejamos o significado que o
Concílio deu a elas. Recordemos quais sejam. O Papa: 1.° em virtude de
sua suprema autoridade; 2.° define; 3.° uma doutrina sobre a fé e a
moral; 4.° afirmando que essa doutrina deve ser aceita por toda a
Igreja.
1.ª: O Papa utiliza a suprema autoridade
Diversas objeções haviam sido feitas contra a definição da
infalibilidade do Papa, dentre as quais algumas referentes à doutrina;
outras à oportunidade da definição; outras ao objeto, que teria ficado
difícil de delimitar; outras ao termo mesmo, que poderia ser mal
interpretado. Respondeu às objeções e deu a explicação do texto, que
em seguida foi definido, a Deputação da Fé mediante Dom Gasser, Bispo
de Bressanone: [15. 84.ª Congregação Geral, 11-7-1870, in MANSI,
Collectio Conciliorum, vol. 52, col. 1204-18.]
“O sujeito da infalibilidade é o Romano Pontífice, enquanto Pontífice,
ou seja, enquanto pessoa pública em relação com a Igreja universal”.

[16. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1225.]


“Mas muitos dentre os Revmos. Padres – disse Gasser – não contentes
com estas condições, vão além e quereriam introduzir ainda nesta
Constituição Dogmática condições que, de modo variado, se encontram em
diversos tratados de teologia e que dizem respeito à boa fé e à
diligência do Pontífice em indagar e em enunciar a verdade.”

[17. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1214.]


Gasser respondeu que pouco importavam as motivações e as intenções do
Pontífice, que diziam respeito à sua consciência; mas que só contava o
fato de que ele falava à Igreja:
“Nosso Senhor Jesus Cristo (…) quis que o carisma da verdade
dependesse da relação pública do Pontífice com a Igreja universal;
senão, esse dom da infalibilidade não seria um meio eficaz para
conservar e proteger a unidade da Igreja. Por isso, não é preciso
temer que por má fé e por negligência do Pontífice a Igreja universal
possa ser induzida em erro sobre a fé. Com efeito, a tutela de Cristo
e a assistência divina prometida aos Sucessores de Pedro é uma causa
tão eficaz, que o juízo do Sumo Pontífice, se fosse errôneo e nocivo
para a Igreja, seria impedido; ou então, se o Pontífice efetivamente
faz uma definição, esta será infalivelmente verdadeira”.

[17. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1214.]


A primeira condição indica, pois, que o Papa fala como Papa e não como
pessoa privada: isso será ainda melhor demonstrado no parágrafo que
trata da expressão ex cathedra.
2ª: Define.

3ª: Uma doutrina sobre a fé e a moral.


Dom Gasser explica este ponto:
“Exige-se a intenção manifestada de definir uma doutrina, isto é, de
pôr fim à flutuação sobre uma doutrina ou sobre uma coisa a definir,
dando uma sentença definitiva, e propondo essa doutrina como a ser
aceita pela Igreja universal”.

[18. Ibidem, Mansi 52, 1225.]


Noutros termos, o Papa dá a conhecer, de qualquer modo que seja, que
uma doutrina não pode ser livremente discutida na Igreja. Se, porém,
ele não quer dirimir a questão, então esta permanece aberta, não há aí
definição, mas uma orientação prática que pode ser revista.
Por exemplo, Gregório XVI pronunciou-se de maneira definitiva sobre a
liberdade religiosa numa simples Encíclica [19. GREGÓRIO XVI, Mirari
vos, 15-8-1832, DS 2730], e – porque alguns acreditavam que ele não
houvesse emitido sentença definitiva – reafirmou-o noutra Encíclica.
[20. GREGÓRIO XVI, Singulari quadam, 25-6-1834, I.P. “La pace interna
delle nazioni” (“A paz interior das nações”), n. 29.]
Leão XIII deu uma sentença definitiva sobre a validade das ordenações
anglicanas; Pio XII sobre a licitude dos “métodos naturais” ou sobre a
matéria e forma do Sacramento da Ordem.
Ainda Pio XII reafirmou na encíclica Humani generis que a doutrina
exposta na Mystici Corporis era definitiva [21. Humani Generis, 12-8-
1950: “Alguns não se consideram obrigados a adotar a doutrina que Nós
expusemos em uma Nossa Encíclica e que está enraizada nas fontes da
Revelação, segundo a qual o Corpo Místico de Cristo e a Igreja
Católica Romana são uma só idêntica coisa.” I.P., La Chiesa, n.
1282.]; na mesma encíclica, esclarece que sobre alguns pontos da
teoria evolucionista ainda há liberdade de investigação e discussão
(portanto, ele não define), ao passo que sobre outros pontos (como a
direta criação da alma humana por parte de Deus, ou a condenação do
poligenismo) não existe essa liberdade (DS 3896-7).
No que se refere à terceira condição (o objeto da definição), ninguém
põe em dúvida que o Papa é infalível quando define um dogma
concernente diretamente à fé ou à moral, e/ou a condenação da heresia
oposta (objeto primário do Magistério). Essa infalibilidade do Papa é
de fé, quem nega-a é herege. O Papa, todavia, é infalível também
quando trata de tudo o que tenha relação embora indireta com a fé e a
moral (objeto secundário do Magistério): essa infalibilidade do Papa
é, no mínimo, teologicamente certa. [22. O objeto da infalibilidade da
Igreja e do Papa é duplo: aquilo que está contido formalmente na
Revelação é chamado de objeto primário; aquilo que é conexo (ligado)
necessariamente com a Revelação é chamado de objeto secundário. O
assunto foi tratado em Sodalitium n.º 41, págs. 61-67.] Quem nega-a
comete pecado gravíssimo contra a fé.
[23. Dom Gasser, ibidem, Mansi 52, 1226: “As outras verdades (...)
embora não sejam em si reveladas, são, porém, necessárias para
custodiar integralmente, explicar corretamente e definir eficazmente o
Depósito da Revelação. As verdades desse gênero, às quais pertencem
por si também os fatos dogmáticos, as verdades desse gênero, dizia,
não fazem parte por si do Depósito da Fé, mas (fazem parte) da
custódia do Depósito da Fé. Todos os teólogos católicos estão de
acordo sobre o fato de que a Igreja é infalível na autêntica
proposição e definição dessas verdades, de modo que seria um erro
gravíssimo negar essa infalibilidade. Mas a diversidade das opiniões
diz respeito unicamente ao grau de certeza, isto é, se a
infalibilidade em propor essas verdades – e, consequentemente, em
condenar os erros com censuras inferiores à nota de heresia – deve ser
considerada dogma de fé, de tal maneira que quem nega essa
infalibilidade seja herege; ou então, se se trata de uma verdade não
revelada em si, mas deduzida do dogma revelado, e por isso somente
teologicamente certa. Pois, quando se trata da infalibilidade do Sumo
Pontífice em definir verdades, é preciso afirmar absolutamente a mesma
coisa dita acerca da infalibilidade da Igreja ao definir: também nesse
caso, nasce a questão da extensão da infalibilidade pontifícia a esse
gênero de verdades não reveladas em si, mas que dizem respeito à
custódia do Depósito. A questão, digo, é a seguinte: se a
infalibilidade pontifícia em definir essas verdades é, não somente
teologicamente certa, mas dogma de fé, exatamente como foi dito quanto
à infalibilidade da Igreja. Dado que aos Padres da Deputação, por
consenso unânime, pareceu que essa questão, ao menos por ora, não deve
ser definida, mas deve ser deixada no estado em que se encontra,
segue-se daí (...) que o decreto de fé sobre a infalibilidade do
Romano Pontífice deve ser concebido de tal modo que, acerca do objeto
da infalibilidade nas definições do Romano Pontífice, seja definido
que é preciso crer exatamente a mesma coisa que já se crê acerca do
objeto da infalibilidade nas definições da Igreja”.]
Para tornar explícita a infalibilidade do Papa também sobre o objeto
secundário, alguns Padres conciliares haviam proposto acrescentar, à
palavra “define”, o verbo “decreta” (decernit). Dom Gasser assim
respondeu:
“A Deputação da Fé não tem a intenção de dar a esse verbo [define] o
sentido jurídico, pelo qual signifique somente que se põe termo
àquelas controvérsias que surgiram em matéria de heresia ou de uma
doutrina, que pertence propriamente à fé. Mas a palavra “define”
significa que o Papa, diretamente e de maneira a encerrar a questão,
profere uma sentença sua sobre uma doutrina que se refira às coisas da
fé e da moral, de modo que, daí em diante, qualquer fiel possa ter
certeza sobre qual é o pensamento da Sé Apostólica, o pensamento do
Pontífice Romano; de modo que qualquer um saiba com certeza que esta
ou aquela doutrina é considerada pelo Romano Pontífice como herética,
próxima da heresia, certa ou errônea, etc. Esse é o sentido do termo
“definit” (…) Ao aplicar essa infalibilidade a cada decreto do Romano
Pontífice, cumpre fazer uma distinção: de tal modo que alguns (e a
mesma coisa vale para as definições dogmáticas dos concílios) são
certos de fé: por isso quem negar que o Pontífice é infalível nesses
decretos, já pelo fato mesmo (…) será herege; outros decretos do
Romano Pontífice são, também eles, certos quanto à infalibilidade, mas
essa certeza não é idêntica (…), de tal modo que essa certeza será
somente uma certeza teológica, neste sentido que quem negar que a
Igreja ou, do mesmo modo, o Pontífice num tal decreto é infalível, não
será abertamente herético enquanto tal, mas cometerá um erro
gravíssimo e, errando de tal modo, um pecado gravíssimo”.

[24. Dom Gasser, 86.ª Congr. Geral, 16-7-1870, Mansi 52, 1316.]
Recapitulando: a 2.ª condição, definir, significa ensinar de maneira
definitiva; a 3.ª, sobre a fé e sobre os costumes, inclui não somente
as verdades reveladas, como também – embora diversamente – as coisas
conexas com a Revelação.
4ª: Afirma que essa doutrina deve ser aceita por toda a Igreja
A expressão “deve ser aceita” está relacionada com o que se acaba de
dizer, ou seja, indica o assentimento que é preciso dar também às
verdades não contidas formalmente no Depósito da Revelação, que não
são estritamente “de fé” (estas últimas devem ser “cridas” e não
somente “aceitas”). O Concílio fez essa distinção para pôr em
evidência que é duplo o objeto da infalibilidade, contra os liberais
que queriam restringi-lo somente às verdades de fé. Salaverri expõe
amplamente essa distinção feita pelo Concílio. [25. SALAVERRI S.J.,
Sacræ Theologiæ Summa, Tomo I, Tratado III: De Ecclesia Christi,
B.A.C., Madrid 1962. Livro 2, Epílogo, n. 909-910.] Além disso, se o
Papa fala como Papa, e define uma doutrina referente à fé e à moral, é
óbvio que todos os fiéis são obrigados a abraçá-la, mesmo se isso não
for dito explicitamente.
W, pelo contrário, parece querer dizer que o Papa, para ser infalível,
deveria especificar explicitamente que toda a Igreja é obrigada a
aderir a essa doutrina, como se um cristão pudesse não aderir à
Revelação! Essa interpretação é equivocada. Durante o Concílio, o
Bispo de Burgos, Dom Anastasio Yusto, pensou que fosse necessário
acrescentar, precisamente neste ponto da definição, a frase seguinte,
para tornar mais explícito o dever dos fiéis de adotar a doutrina
proposta: “Permanece firme o dever pelo qual todos os católicos são
obrigados a submeter-se ao magistério supremo do Romano Pontífice
quanto às outras doutrinas que não são propostas como de fé…” [26.
Emendas propostas ao cap. IV da Constituição De Ecclesia, 7-7-1870,
Mansi, 52, 1135.]. Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, julgou essa
frase inoportuna, acrescentando que se havia provido a isso na
Constituição já aprovada pelo Concílio. [27. Dom GASSER, 84.ª Congr.
Geral, 11-7-1870, Mansi 52, 1229.] O Concílio de fato havia definido:
“A Igreja, que, com o ofício apostólico de ensinar, recebeu o mandato
de custodiar o depósito da fé, tem também, de Deus, o direito e o
dever de proscrever a falsa ciência, para que ninguém seja enganado
pela filosofia e por fraudes vãs. Por isso os fiéis cristãos não
somente não têm o direito de defender como conclusões legítimas da
ciência as opiniões reconhecidas como contrárias à doutrina da fé,
especialmente se condenadas pela Igreja, mas são estritamente
obrigados a considerá-las, pelo contrário, como erros que têm apenas
uma enganadora aparência de verdade”.
[28. Constituição Dogmática Dei Filius, definida em 24-4-1870, DS
3018.]
Daí resulta evidente que os fiéis são sempre obrigados a aderir aos
juízos da Igreja: não é necessário que a Igreja especifique essa
obrigação.
Essa questão não é nova e já foi resolvida faz tempo. [29. Pe. Bernard
LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère ordinaire et universel de
l’Eglise (A infalibilidade do Magistério ordinário e universal da
Igreja), Bruxelas: Documents de Catholicité, 1984. Anexo, pp. 131-146.
Sodalitium n.º 41, págs. 69-70.] Trazemos um texto do Pe. Kleutgen, ao
Concílio:
“É devida a submissão da vontade à Igreja que define, ainda que não
acrescente nenhum preceito. Porque Deus nos deu a Igreja como Mãe e
Mestra para tudo o que se refere à religião e à piedade, somos
obrigados a ouvi-la quando ela ensina. Por isso, se o pensamento e a
doutrina de toda a Igreja é mostrado, somos obrigados a aderir a ele,
mesmo que não houver aí definição: quanto mais se esse pensamento ou
essa doutrina foram-nos mostrados com uma definição pública?”

[30. Pe. KLEUTGEN, na Explicação teológica do esquema sobre a Igreja,


durante o Concílio, Mansi 53, 330 B, Citado por B. LUCIEN, op. cit.,
pág. 135.]
Alguns, porém, creem que quando o Papa se dirige a uma ou algumas
pessoas, ainda que defina uma doutrina que vale para toda a Igreja,
ele não seria infalível. Trata-se de um erro. [31. “Non videtur
requiri, ut documentum quod definitionem continet, ad universam
Ecclesiam immediate dirigatur; sufficit ut toti Ecclesiæ destinetur,
licet proxime forsan dirigatur ad episcopos alicuius regionis in qua
damnandus error grassatur” (Zapelena, De Ecclesia Christi, pars
altera, Tese 18, p. 195). (N. do T. – Tradução livre: “Não é
necessário, para que um documento contenha uma definição, que se
dirija à Igreja universal; basta que ele se destine à Igreja inteira,
ainda que se dirija somente a bispos de uma região onde grassa o erro
condenado.”)]
O Papa pode endereçar-se a quem quer que seja, mesmo a uma única
pessoa, mas, se ele fala como Papa, como pessoa pública, como Chefe de
toda a Igreja (e aquilo que ele diz tem relação com o Depósito
revelado, com a vontade de encerrar uma questão) todas as “condições”
são realizadas. Assim Pio XII, num discurso voltado às parteiras
italianas (29-10-1951) – portanto, um grupo particular de pessoas –
dirimiu a discussão sobre o uso dos “métodos naturais”. Os erros de
Marsílio de Pádua foram condenados num documento endereçado ao Bispo
de Worcester (DS 941); Bento XIV resolveu o problema da incorporação
dos hereges na Igreja por força do Batismo, numa carta ao Bispo de
York (DS 2566 e ss.). Por isso Gregório XVI, dirigindo-se ao Bispo de
Friburgo, ensinou:
“[Quanto Nós dizemos] está conforme aos ensinamentos e pareceres que
já conheceis, ó venerável Irmão, por tê-los aprendido pelas Nossas
Cartas ou Instruções escritas a diversos Arcebispos e Bispos, ou nas
Cartas do Nosso predecessor Pio VIII, publicadas por ordem sua ou
Nossa. Pouco importa se essas Instruções foram endereçadas somente a
algum Bispo que havia requisitado informações à Sé Apostólica: como se
aos outros Bispos fosse concedida a liberdade de não se ater a essas
decisões!”

[32. GREGÓRIO XVI, Non sine gravi, ao Bispo de Friburgo, 23/5/1846,


I.P., n. 190.].
Conclusão: toda a vez que o Papa fala como Papa, e define uma doutrina
que se refere à fé ou à moral, ele é infalível e todos os católicos
são obrigados a aceitar ou crer a doutrina definida.
Ex cathedra
Essa expressão, que contém em si o significado das assim chamadas
“quatro condições”, foi explicada explicitamente pelo Concílio.
Dom Gasser:
“O Pontífice é dito infalível quando fala “ex cathedra”. Essa é uma
fórmula aceita na teologia escolástica, e o sentido dessa fórmula, tal
como é considerado no próprio corpo da definição, é o seguinte. O Sumo
Pontífice fala ex cathedra: primeiro, não decreta algo como doutor
privado, nem somente como Bispo ou Ordinário de uma diocese ou
província, mas ensina com o encargo de Supremo Pastor e Doutor de
todos os cristãos. Segundo, não basta um modo qualquer de propor a
doutrina, (…) mas requer-se a intenção manifestada de definir uma
doutrina, ou seja de pôr fim à flutuação sobre uma doutrina ou sobre
uma coisa a definir, dando uma sentença definitiva, e propondo essa
doutrina como a ser aceita pela Igreja universal. Esta última coisa é
algo de intrínseco a toda definição dogmática sobre a fé ou a moral,
que é ensinada pelo Supremo Pastor e Doutor da Igreja universal e que
deve ser aceita por toda a Igreja universal: [o Papa] deve também
exprimir essa mesma propriedade e essa nota de definição propriamente
dita de algum modo, seja qual for, quando define que a doutrina deve
ser aceita pela Igreja universal”.

[33. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1225.]


Explicava o Pe. Kleutgen, na exposição sobre o esquema reformado:
“Da mesma função da Igreja, conhece-se [a infalibilidade] também pelas
palavras com que Jesus Cristo prometeu a assistência do Espírito
Santo: ‘Ele vos ensinará todas as coisas’ (Jo XVI,26); ‘Vos ensinará
todas as verdades’ (Jo XVI, 13). Ao nosso parecer, não se devem
interpretar essas palavras no sentido de que a Igreja seja instruída
pelo Espírito Santo naquelas coisas que não dizem respeito de maneira
nenhuma à salvação eterna; mas tampouco devem ser tomadas de modo tão
restrito que pensemos que a Igreja seja assistida somente nas verdades
reveladas. Porventura uma promessa tão ampla não engloba todas as
coisas necessárias para entender frutuosamente a doutrina de Cristo e,
uma vez conhecida, pô-la em prática em toda a nossa vida? Nem se
exige, para que os juízos da Igreja aqui considerados sejam
certíssimos, que o Espírito Santo revele coisas novas; mas somente que
a assista, tanto na inteligência da palavra divina, quanto no uso da
razão. Porventura inclusive sobre tantas coisas que não são reveladas,
não julgamos nós mesmos – e devemos julgar – todos os dias? O que cada
um de nós faz todos os dias com o perigo de enganar-se, isso faz a
Igreja nos seus juízos públicos, imune a esse perigo, pela assistência
do Espírito Santo (…).
Em alguns livros publicados lê-se que, segundo uma sentença comum dos
teólogos, o Romano Pontífice, então, somente fala ‘e cathedra’ quando
propõe a crer dogmas de fé divina. É verdade que, se se atenta somente
para as palavras, lê-se isso em não poucos teólogos mais recentes; mas
é muito distante da verdade que essa sentença seja comum entre os
teólogos. Todos os antigos e muitos dos recentes vertem essas
palavras, ‘falar e cathedra’, com estas ou similares: ‘iudicialiter’,
ou ‘in iudicio determinare’, ‘pro potestate decernere’, ‘cum
auctoritate apostolica’, ‘ut papam loqui’ [34. “Com julgamento”,
“determinar com um juízo”, “discernir com autoridade”, “com autoridade
apostólica”, “falar enquanto Papa”.] etc., de modo que a locução e
cathedra se distingue, ademais, pelo modo como ensina o Pontífice, não
por aquilo que ele transmite, nem pela censura que ele emite. Parece
que até mesmo aqueles mais recentes (…) não dão um significado
diverso. De fato, porque, como acontece muitas vezes, explicam a coisa
por meio de contrários, não dizem: não há locução e cathedra se o
Romano Pontífice condena uma opinião com uma censura menor; mas se
aquilo que lhe parece, ele o exprime ou o aconselha, sem porém
decretar nada com autoridade. Portanto, esses teólogos falam de dogma
de fé no sentido de que distinguem entre a sentença definida com
autoridade apostólica e a sentença do doutor privado, e não no sentido
de que distinguem entre a sentença definida com a nota de heresia e
aquela [definida] com uma censura menor.”

[35. Atos da Deputação da Fé: Relatio do Pe. Joseph Kleutgen sobre o


esquema reformado, Mansi, 53, 326-9.]
Dessas explicações resulta evidente que o termo ex cathedra se
contrapõe ao termo “doutor privado”, e indica o Papa enquanto, como
pessoa pública, define algo que faz parte do objeto primário ou
secundário do Magistério.
De maneira clara e popular Monseigneur de Ségur, numa obra aprovada
por Pio IX, confirma essa conclusão:
“Importa distinguir: no Cabeça da Igreja, há o Papa e o homem. O homem
é falível, como todos os outros homens. Quando o Papa fala como homem,
como pessoa particular, pode certamente enganar-se, até mesmo quando
fala de coisas santas. Como homem, o Papa não é mais infalível do que
eu ou do que vós. Mas, quando fala como Papa, como Cabeça da Igreja e
como Vigário de Jesus Cristo, é coisa completamente diferente. Aí
então é infalível: não é mais o homem que fala, é Jesus Cristo que
fala, que ensina, que julga através da boca de seu Vigário”.

[36. Mons. DE SÉGUR, Le Pape est infaillible, Paris 1872, págs. 191-2,
obra aprovada por Pio IX em 8-8-1870.]
Magistério ordinário e condições
Em alguns textos do Concílio resulta evidente que os Padres, quando
falam de infalibilidade, não fazem distinção entre magistério
ordinário, que se exerce continuamente, e magistério solene. Nem
tampouco a infalibilidade existe somente em cânones, formas solenes ou
condições particulares.
Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, na intervenção supracitada,
assim se exprimiu:
“Na Igreja de Jesus Cristo (…) o centro da unidade deve agir
continuamente e permanentemente com uma autoridade inabalável”.

[37. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1206.]


“Os Romanos Pontífices como testemunhas, doutores e juízes da Igreja
universal desceram incessantemente à arena para combater pela fé, pois
podiam não errar, por força da promessa divina. Que ninguém diga que
os Romanos Pontífices, recomendando o obséquio devido à dignidade de
sua Sé, falaram em causa própria e por isso não se pode crer neles. Se
os testemunhos dos Romanos Pontífices forem infirmados, aí então o
mesmo valeria para toda a hierarquia eclesiástica: com efeito, a
autoridade da Igreja docente não pode ser provada senão por meio da
Igreja docente”.

[38. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1207.]


O mesmo relator da Deputação via outra prova da infalibilidade do Papa
na necessidade para os católicos da comunhão com a cátedra de Pedro:
[39. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1207.]
“Essa fé dos Papas na sua infalibilidade pessoal, a Igreja afirmou-a
(…) quando considerava a união com a Santa Sé como inteiramente e
absolutamente necessária. De fato, a união com a Cátedra de Pedro era
e é considerada união com a Igreja e com Pedro mesmo, e
consequentemente era equiparada com a verdade revelada por Jesus
Cristo. São Jerônimo escrevia assim: ‘Não conheço Vidal, rejeito
Melécio, Paulino me é desconhecido. Quem não recolhe contigo (isto é,
com o Papa Damásio), dispersa; noutros termos, quem não está com Jesus
Cristo está com o Anticristo’ [40. S. JERÔNIMO, Ad Damasum Papam,
Migne, P. L. XXII, 356.] (…) A Igreja deu a conhecer o seu
assentimento à fé dos Papas, quando todos os cristãos, que tinham
verdadeiramente a fé, rejeitavam toda doutrina como errônea tão logo
fosse ela condenada e rejeitada por um Papa. ‘Como a Itália poderia
admitir – diz São Jerônimo – aquilo que Roma rejeitou? Como os Bispos
admitiriam aquilo que Roma condenou?’ [41. S. JERÔNIMO, Enarrationes
in Psalmos, XL, 30; Migne, P. L. XIV, 1082.] Por fim, podemos ainda
provar esse assentimento pelo fato de que, em todas as questões de fé,
se recorria à Sé Apostólica como a Pedro e à autoridade de Pedro, e
que jamais foi permitido fazer apelo aos de fora da Sé Romana e das
suas decisões dogmáticas”.
Ainda Dom Gasser assim respondia a quem afirmava que o Pontífice, ao
dar definições, devia observar uma certa forma:
“Isso não pode ser feito, de fato não se trata de uma coisa nova. Já
milhares e milhares de juízos dogmáticos foram emanados pela Sé
Apostólica; mas onde algum dia existiu o cânone que prescreve a forma
a ser observada em tais juízos?”

[42. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1215.]


A mesma coisa dizia Monseigneur de Ségur:
“[O Papa] é infalível quando fala como Papa (…) quando ensina
publicamente e oficialmente verdades que interessam a toda a Igreja,
por meio de uma ‘Bula’, ou ‘Encíclica’, ou ato desse gênero”.

[43. Mons. DE SÉGUR, op. cit., pág. 192.]


Uma confirmação de quanto expusemos encontra-se em diversas
intervenções dos Padres do Concílio Vaticano, tais como Dom de la Tour
d’Auvergne, Bispo de Bourges [44], Dom Maupas, Bispo de Zara [45], Dom
Freppel, Bispo de Angers [46]. Para eles o Papa é infalível com o seu
Magistério ordinário, que se exerce continuamente, sem necessidade de
enfatizar condições para isso.
[44. Dom DE LA TOUR D’AUVERGNE, pedindo a condenação do galicanismo,
citou uma Carta de CLEMENTE XI (Litt. apost. archiepiscopis et
episcopis aliisque ecclesiasticis viris Parisiis congregatis, 15-1-
1706) na qual, porque alguns Bispos mantinham que os decretos da Santa
Sé deviam ser submetidos ao exame dos Bispos, o Papa assim redarguia a
eles: “Quem vos constituiu juízes sobre nós? Porventura pertence aos
inferiores discernir sobre a autoridade do superior? Seja dito para a
vossa paz, veneráveis irmãos, que tal coisa não pode de jeito nenhum
ser tolerada... Interrogai aos vossos maiores, e vos dirão que não
cabe aos bispos particulares discutir sobre decretos da Sé Apostólica,
mas, sim, cumpri-los”. 75ª Congr. Geral, 20-6-1870, Mansi, 52, 820-1.]
[45. Dom MAUPAS, Bispo de Zara, ao afirmar a necessidade da definição
disse:

“O caráter da nossa época e, sobretudo, o perigo de corrupção que não


cessa de ameaçar os fiéis de hoje exigem [a definição]: o infalível
magistério da Igreja deve sem pausa vigiar para condenar os erros que,
debaixo do falso nome de ciência, multiplicam-se por toda a parte e
erguem sua cabeça. Sim, a definição é necessária, pois sem ela o
magistério infalível da Igreja existiria só em abstrato; de fato não
existiria, haja vista a impossibilidade de reunir continuamente todos
os pastores da Igreja, ou ainda de interrogá-los a todos”. Intervenção
na 76.ª Congr. Geral, 23-6-1870, Mansi 52, 837. Ver também: Th.
GRANDERATH, S. J., Histoire du Concile du Vatican, depuis sa première
annonce jusqu’à sa prorogation d’après les documents authentiques
(História do Concílio do Vaticano, a partir de seu primeiro anúncio
até à sua prorrogação, conforme os

documentos autênticos), tomo 3.°, 2.ª p., pág. 38.]


[46. É de particular relevo a intervenção de Dom FREPPEL. Chamado a
Roma como consultor nas Comissões Preparatórias, durante o Concílio
foi consagrado Bispo. Os anti-infalibilistas queriam introduzir, no
texto da definição, algumas condições para a infalibilidade do Papa
(quais sejam: a consulta dos Bispos, a investigação diligente, a
consulta das fontes, etc.). Se bem que as condições de que fala W
sejam bem diversas daquelas reivindicadas na época, a resposta de Dom
Freppel é iluminadora, pois demonstra como não se devem introduzir
outras condições, senão “se abriria a porta às cavilações dos
hereges”, que poriam sempre em dúvida se o Sumo Pontífice observou
justamente e suficientemente as condições exigidas para a
infalibilidade. 81.ª Congr. Geral 2-7-1870, Mansi 52, 1038-41.]
Magistério ordinário universal e condições
Até agora falou-se somente do Magistério do Papa. Os dominicanos de
Avrillé, que publicaram o texto de W, afirmam, em nota de rodapé, que
também no Magistério Ordinário e Universal dos Bispos (unidos com o
Papa) exigem-se condições. E, dulcis in fundo, quais sejam essas
condições, não se sabe! O Concílio Vaticano não as teria dito. Teria
definido que esse Magistério é infalível, mas, sem ter precisado suas
condições, permaneceria completamente obscuro, nós ignoraríamos quando
existe. Na prática o Concílio teria definido um… belo de um nada! É
preciso ler para crer: “O Concílio Vaticano I também expôs que os
católicos devem crer, além dos juízos solenes, o ensinamento do
magistério ordinário universal (DS 3011). Mas não precisou sob quais
condições esse magistério ordinário é infalível”. [47. Le sel de la
terre, op. cit., pág. 21, nota 1.] Ora, a afirmação, tal como está
dita, contradiz a definição do Concílio Vaticano, que expõe claramente
quando tal Magistério é infalível, definindo que todo ensinamento do
M.O.U. é de fé:
“Devem ser cridas com fé divina e católica todas as coisas que estão
contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida e que são propostas
a crer pela Igreja como reveladas por Deus seja com um juízo solene,
seja com o magistério ordinário e universal.” (Conc. Vat. DS 3011).
A definição foi repetida pelo Código piano-beneditino (cân. 1323, §1).
Pio IX, já na Tuas libenter, havia ensinado que o ato de fé não se
deve limitar às verdades definidas, mas deve estender-se àquilo “que é
transmitido como divinamente revelado pelo magistério ordinário de
toda a Igreja espalhada pela terra”. [48. PIO IX, Tuas libenter,
21/12/1863, ao Arcebispo de Munique, DS 2875-80, in Sodalitium n.º 41,
L’infallibilità della Chiesa (A infalibilidade da Igreja), pág. 68-
69.] Totalmente obscuro?
Para quem não o houvesse ainda entendido (mas não há pior cego…), tudo
isso quer dizer que toda vez que a Igreja, isto é a união moral de
todos os Bispos unidos com o Papa, ensina uma verdade como pertencente
ao Depósito revelado, esta deve ser crida com fé divina. As condições
famosas? Ei-las todas: 1.ª: todos os bispos com o Papa constituem a
Igreja docente, a suprema autoridade; 2.ª: propõe a crer; 3.ª e 4.ª:
uma verdade contida na Revelação, que exige por si mesma o
assentimento em razão da autoridade de Deus revelante. [49. “Porque o
homem depende totalmente de Deus como seu Criador e Senhor e porque a
razão criada está sujeita completamente à Verdade incriada, nós somos
obrigados, quando Deus se revela, a prestar-lhe, com a fé, a plena
submissão da nossa inteligência e da nossa vontade” Conc. Vaticano,
Const. dogm. Dei Filius, cap. 3 De fide, 24-4-1870, DS 3008. Ver
também o que foi dito a propósito da 4.ª condição.] O que se pode
dizer, no máximo, é que o fiel tem maior facilidade de conhecer uma
verdade ensinada pelo magistério solene do que ensinada pelo
magistério ordinário e universal.
De tudo o que diz respeito ao Magistério Ordinário e Universal falamos
já longamente em Sodalitium e convidamos os leitores a referir-se aos
artigos publicados. [50. Sodalitium, n.º 45, págs. 32-38 (N. do T. –
Cf. “O Magistério segundo o Abbé Marcille”, trad. br. em:
“http://wp.me/pw2MJ-19i”); n.º 41, págs. 67-69.]
b) Segundo erro de W: negação da Regra próxima

da nossa fé, confundida com a regra remota


W afirma primeiro uma coisa justa: a definição da Igreja não “cria” as
verdades, estas foram reveladas por Deus, existem antes da definição
da Igreja, a qual leva-as ao conhecimento dos fiéis. Para se convencer
disso, basta reler precisamente o Vaticano I, onde está escrito:
“Verdadeiramente, aos Sucessores de Pedro foi prometido o Espírito
Santo não para que, por revelação Sua, manifestassem uma nova
doutrina, mas para que, com a Sua assistência, custodiassem santamente
e expusessem fielmente a Revelação transmitida pelos Apóstolos, ou
seja, o Depósito da Fé” (Pastor æternus, cap. IV, DS 3070).
O objeto da nossa fé, portanto, é a divina Revelação (contida na
Tradição e na Escritura) e o motivo da fé é a autoridade de Deus que
se revela, como ensinam todos os manuais tão desprezados por W. Mas W
prossegue: “Dizer que (…) onde não existe definição com as quatro
condições, não há verdades certas, seria perder todo o sentido da
verdade, é a doença do subjetivismo que não pode conceber nenhuma
verdade objetiva sem certeza subjetiva.” [51. Le sel de la terre, op.
cit., pág. 22.] Aqui ele demonstra não entender plenamente o
importante papel do Magistério da Igreja. Com efeito, como pode um
fiel por si só conhecer a verdade “objetiva”?
Escrevia Santo Agostinho: “Eu não creria nos Evangelhos, se a
autoridade da Igreja Católica não mo dissesse”. [52. Sto. AGOSTINHO,
Contra epistulam manichei, 5, 6. R.J. 1581.] De igual maneira,
parafraseando Santo Agostinho, pode-se dizer: “Eu não creria na
Tradição, se a autoridade da Igreja Católica não mo dissesse”. Um
fiel, como pode ele saber, por exemplo, que o Evangelho de São João é
íntegro, que as catorze Epístolas de São Paulo ou os livros dos
Macabeus são revelados, que algumas obras de Tertuliano são boas e
outras não, que o Concílio de Nicéia é ecumênico, que é preciso
interpretar corretamente alguns escritos de Santo Agostinho…?
Deveria fiar-se na sua própria perspicácia, entregando-se a um livre
exame da Escritura ou da Tradição, como afirmam os anglicanos e os
ortodoxos? Não seria isso cair em outro subjetivismo? Exatamente isso
afirmam os protestantes quanto à Sagrada Escritura: qualquer um a lê e
é capaz por si só de compreender o sentido dela. Assim os modernistas:
dado que muitos deles haviam realizado estudos aprofundados de
exegese, julgavam poder interpretar as Sagradas Escrituras sozinhos,
sem dever sujeitar-se ao Magistério da Igreja, e São Pio X condenou
essa teoria deles (DS 3401-8).
E eis que W afirma a mesma coisa a propósito da Tradição: cada qual
pode por sua própria conta procurar na Tradição as verdades que deve
crer, a Tradição seria a Regra próxima da Fé, independentemente do
Magistério da Igreja. [53. Newman, antes de se converter, estudou a
Tradição e converteu-se ao ver que os Padres submetiam-se ao juízo da
Igreja de Roma. A Primeira Sé verdadeiramente não é julgada por
ninguém, nem pela Tradição: pelo contrário, é ela que julga a
Tradição.]
À parte a enorme dificuldade prática (não se vê como um fiel possa
consultar Migne, Mansi, a Patrística…), como se fará para escolher e
interpretar o texto de um ou mais Padres? Como se fará para julgar se
determinada tradição é boa ou má? A disciplina da Igreja mudou através
dos séculos; por exemplo: é mais “tradicional” a comunhão em duas
espécies ou aquela em só uma espécie? Mesmo entre os maiores Padres da
Igreja podem haver discordâncias, ou interpretações duvidosas. Foi
exatamente esse o erro dos jansenistas: tomar Santo Agostinho como
Regra próxima da Fé, pretender saber dar a justa interpretação do que
ele diz, independentemente do Magistério da Igreja.
A Tradição não pode ser regra próxima: se surge uma dúvida entre os
católicos, quem poderá jamais resolvê-la? A Tradição é muda, ao passo
que o Magistério fala, pode resolver as questões. Deus mesmo, ao dar-
nos a Revelação, quis nos dar o instrumento, objetivo e não subjetivo,
a fim de que infalivelmente pudéssemos conhecer quais são as verdades
que devemos crer para a nossa salvação. Esse instrumento é o
Magistério da Igreja, que recolhe da Revelação (contida na Escritura e
Tradição) e, assistido pelo Espírito Santo, propõe a crer aos fiéis as
verdades reveladas ou conexas com o revelado.
A definição infalível sobre o Magistério ordinário e universal,
considerada acima (DS 3011), justamente ilustra isto: todo o fiel deve
crer de fé o revelado que a Igreja lhe propõe a crer. Por isso se diz:
Escritura e Tradição constituem a Regra remota da Fé; o Magistério é a
Regra próxima da nossa fé, ou seja, é aquela que está mais perto do
fiel. Sodalitium já tratou desse argumento. [54. Sodalitium n.º 44,
págs. 48-50. (N. do T. - cf. “A regra da nossa fé”, trad. br. em:
"http://wp.me/pw2MJ-18C").]
Se a Regra próxima da Fé fosse a Tradição, então seria impossível todo
o progresso do dogma: o encargo da Igreja seria somente de conservar
os dogmas, como afirmam os “ortodoxos”. De fato, segundo esse modo de
ver, caso quiséssemos estudar o Depósito revelado para conhecê-lo mais
profundamente e para explicitar as verdades nele contidas de modo
implícito, nos encontraríamos perante um problema insolúvel: as
verdades descobertas graças a esse estudo, sendo “novas” para o nosso
conhecimento, contradiriam a Regra próxima, a Tradição, e a Igreja não
poderia defini-las jamais.
Pelo contrário, segundo a doutrina católica, a Tradição é Regra
remota, ao passo que o Magistério vivo é a Regra próxima da nossa Fé.
É o Magistério que dá a reta interpretação da Escritura e da Tradição,
e não somos nós mesmos que o fazemos. Provaremos a nossa assertiva com
a autoridade do Magistério e do próprio Concílio Vaticano.
Ensinamento da Igreja sobre

a Regra próxima da Fé
Pio XII ensina: [55. PIO XII, Humani Generis, 12-8-1950, DS 3884-5 e
I.P. n. 1278-9.]
“E embora este Sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em
matéria de fé e de moral, a norma próxima e universal da verdade
(visto que foi a ele que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou o Depósito
da Fé – ou seja, as Sagradas Escrituras e a Tradição divina – para ser
guardado, defendido e interpretado), todavia por vezes se ignora, como
se não existisse, o dever que todos os fiéis têm de fugir mesmo
daqueles erros que se aproximam, em maior ou menor medida, da heresia
e, portanto, ‘de observar também as constituições e decretos em que a
Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões’ [56. C.J.C., cân.
1324; Conc. Vat., De Fide cath., DS 3045.]. O que é exposto nas
Encíclicas dos Sumos Pontífices, acerca do caráter e da constituição
da Igreja, é por alguns, de modo proposital e habitual, descurado com
a finalidade de fazer prevalecer um conceito vago que eles dizem ter
extraído dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os Pontífices
– dizem eles – na realidade não pretendiam dar um juízo sobre questões
que são objeto de disputa entre os teólogos; é, portanto, necessário
retornar às fontes primitivas, e com os escritos dos antigos devem ser
explicadas as constituições e os decretos do Magistério. Essas
afirmações são feitas quiçá com elegância de estilo; mas não carecem
de falsidade. De fato, é verdade que geralmente os Pontífices deixam
livres os teólogos nessas questões que, em diversos sentidos, são tema
de discussões entre os doutores de melhor fama; porém, a história
ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre disputa em
seguida já não podiam mais ser discutidas.”
Leão XIII:
“Determinar, portanto, quais sejam as doutrinas reveladas é ofício
próprio da Igreja docente, à qual Deus confiou a custódia e a
interpretação da Sua palavra; e o Sumo Doutor na Igreja é o Romano
Pontífice. (…) [É necessária a obediência ao Magistério da Igreja e do
Papa]. A qual obediência tem de ser perfeita, pois é exigida pela fé
mesma, e tem em comum com esta o fato de não poder ser parcial… O que
foi maravilhosamente explicado por Santo Tomás de Aquino com as
seguintes palavras:
‘(…) É, pois, manifesto que quem adere à doutrina da Igreja, como a
uma regra infalível, consente em tudo aquilo que a Igreja ensina; de
outro modo, se dos ensinamentos dela ele retivesse somente o que lhe
apraz e rejeitasse o que não lhe agrada, ele não seguiria, como norma
infalível, à doutrina da Igreja, mas à própria vontade dele… A unidade
[da Igreja] não se poderia conservar onde toda questão surgida acerca
da fé não fosse decidida por Aquele que preside à Igreja universal, de
modo que a sua sentença seja firmemente aceita por toda a Igreja.
Assim, unicamente à autoridade do Sumo Pontífice pertence aprovar uma
nova edição do Símbolo, como tudo o mais que se refere a toda a
Igreja” [57. Sto. TOMÁS, Suma Teológica, II II, q. 5, art. 3; q. 1,
art. 10.]…
Por esse motivo, o Pontífice deve poder julgar o que as palavras
divinas contêm, quais doutrinas concordam e quais discrepam delas:
pelo mesmo motivo, deve poder mostrar quais coisas são honestas e
quais são torpes, quais coisas é preciso fazer e de quais cumpre
fugir, para obter a salvação eterna; do contrário, não poderia ser
para o homem um intérprete seguro das palavras de Deus, nem um guia
seguro para a vida”.

[58. LEÃO XIII, Sapientiæ Christianæ, 10-1-1890, I.P. nn. 510, 511,
512, 513.]
São Pio X põe na regra da fé também as leis da Igreja e tudo aquilo
que o Papa comanda:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé”. [59. Em itálico no texto.
S. PIO X, Catecismo Maior, Breve História da Religião, ed. Ares,
Milão, 1991, pág. 290.]
Ensinamento do Concílio Vaticano

sobre a Regra próxima da fé


Dom Gasser, na sua memorável intervenção, prova que o Papa é infalível
porque o seu Magistério constitui a regra da fé: [60. Dom GASSER,
ibidem, Mansi 52, 1207.]
“Um testemunho indireto [da infalibilidade] provém da regra da fé que
os antiquíssimos padres transmitiram. Sto. Ireneu, que mostra que a
regra reside no acordo das Igrejas fundadas pelos Apóstolos, mostra ao
mesmo tempo uma regra mais breve e mais segura, isto é, a tradição da
Igreja romana, com a qual todos os fiéis da terra devem estar de
acordo, em razão de sua preeminência, e na qual conservam todos a
tradição apostólica, estando em comunhão com o centro da unidade.
Assim, segundo Sto. Irineu a fé da Igreja de Roma é, ao mesmo tempo:
pela dignidade do primado, regra para todas as outras Igrejas; e, pela
dignidade de ser o centro, o princípio conservador da unidade (…).
A mesma regra propõe Sto. Agostinho (…) [para o qual] para condenar o
erro dos donatistas, basta provar que nenhum dos Bispos romanos foi
donatista; e diz que essa regra, em razão da autoridade de Pedro, é a
mais segura e melhor para a salvação”.
Em conclusão: provamos tanto mediante o Magistério da Igreja como
mediante os documentos explicativos do Concílio Vaticano que, para a
Fé de todo o católico, é necessária a proposição da Igreja. Esta,
embora não fazendo parte do motivo da fé (“objeto formal quo”), é
todavia uma condição sine qua non a fim de que o assentimento do nosso
intelecto seja um ato de fé divina.
[61. ZUBIZARRETA, Theologia dogmatico-scholastica, III, n. 366. A esse
respeito escreve MARIN SOLA O.P., (L’Evolution homogène du dogme
catholique, n. 149 e ss.) comentando Sto. Tomás, II, II, 5, 3, ad 2um:
“Quem quer que procure aderir à Verdade Primeira da Escritura e da
Tradição por outra via, que não a da autoridade da Igreja, não tem uma
verdadeira fé divina, mas uma outra fé, uma fé sua pessoal, uma fé
criada, humana: uma fé científica ou adquirida. (...) O homem pode
chegar ao assentimento de fé divina com um único meio: a autoridade da
Igreja. Sem esse meio, o ato da nossa fé divina é totalmente
impossível”.]
Santo Tomás não esperou o Vaticano I para ensinar:
“O objeto formal da fé é a Primeira Verdade enquanto Se revela na
Sagrada Escritura e no ensinamento da Igreja. Por isso, quem não
adere, como a regra infalível e divina, ao ensinamento da Igreja, que
deriva da Verdade Primeira revelada na Sagrada Escritura, não tem o
hábito da fé, mas aceita-lhe as verdades por motivos diversos da fé.
(…) Se [alguém] aceita aquilo que quer e recusa o que não quer de
quanto a Igreja ensina, ele não adere ao ensinamento da Igreja como a
uma regra infalível, mas à própria vontade [tornando-se herege]”. (II-
II, q. 5, a. 3).
Por isso, eu creio no Evangelho e na Tradição porque a Igreja mo diz e
do jeito que ela mo diz; desse modo a Fé comporta a submissão da
inteligência. Se, pelo contrário, eu creio por qualquer outro motivo,
então anteponho à Igreja um outro critério: as minhas convicções, um
santo, um Padre da Igreja, um bispo, um príncipe…, mas tudo isso não é
a Regra próxima da Fé, é a ruína da Fé.

c) Terceiro erro de W: um rito litúrgico promulgado

pelo Papa pode ser “intrinsecamente mau”


W ataca Michael Davies porque este “nega toda nocividade intrínseca ao
missal da missa nova, pelo fato de que teria sido promulgado
‘solenemente’ pelo supremo legislador” (p. 22).
W sustenta, com razão, que o novo missal é mau. Mas sustenta também,
sem razão, que quem o promulgou era a legítima autoridade da Igreja e,
portanto, que a legítima autoridade pode promulgar um rito mau. W não
consegue, pois, responder a M. Davies sem negar o ensinamento da
Igreja segundo o qual as suas leis, a sua disciplina, o seu culto, não
podem ser nocivos. Escreve Pio XII:
“A Igreja, em todos os séculos da sua vida, não somente ao ensinar e
ao definir a fé, mas também no seu culto e nos exercícios de piedade e
de devoção dos fiéis, é regida e custodiada pelo Espírito Santo, e
pelo mesmo Espírito ela ‘é infalivelmente dirigida ao conhecimento das
verdades reveladas’ (Const. Ap. Munificentissimus Deus, 1/11/1950,
definição dogmática da Assunção).”

[62. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La Chiesa, II, 1389.]
Não faltam diversos outros argumentos de autoridade, recordados já
pelo Pe. Ricossa: [63. F. RICOSSA, Prefácio a A. V. XAVIER DA
SILVEIRA, La nuova messa di Paolo VI, Ferrara, ed. pro manuscripto,
pp. 4-6. (N. do T. – Trad. br. deste Prefácio inteiro em:
“http://wp.me/pw2MJ-rU”).]:
“Aos que negavam que as crianças tivessem o pecado original, Santo
Agostinho respondia que a Igreja as batizava, e: ‘quem ousará aduzir
algum argumento, seja qual for, contra tão sublime Mãe?’ (Serm. 293,
n. 10). Santo Tomás, indagando se o rito da Crisma é conveniente,
depois de aduzir todas as objeções possíveis, responde simplesmente:
‘Ao contrário, basta o uso da Igreja, que é governada pelo Espírito
Santo’; aliás, acrescenta ele: ‘O Senhor fez esta promessa aos Seus
fiéis: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estou eu
estou no meio deles” (Mt XVIII,20). Devemos, pois, sustentar
firmemente que as disposições da Igreja são dirigidas pela sabedoria
de Cristo. E, por isso, devemos ter certeza de que os ritos observados
pela Igreja na crisma e nos outros sacramentos são convenientes’ (III,
q. 72 a. 12.) Eis aí, em substância, a resposta que a Igreja sempre
deu a todos aqueles hereges que criticavam um ou outro dos ritos dela,
ou seu conjunto.
Assim, foram condenados pelo Concílio de Constança e pelo Papa
Martinho V os hussitas, que recusavam o uso da comunhão sob uma única
espécie (D. 626 e 668) e depreciavam os ritos da Igreja (D. 665);
assim o Concílio de Trento condenou os luteranos, que desprezavam o
rito católico do batismo (D. 856), o costume de conservar o Santíssimo
Sacramento no tabernáculo (D. 879 e 889), o Cânon da Missa (D. 942 e
953) e todas as cerimônias do missal, os paramentos, o incenso, as
palavras pronunciadas em voz baixa etc. (D. 943 e 954), a comunhão sob
uma única espécie (D. 935)… Da mesma maneira, os jansenistas reunidos
no sínodo de Pistoia foram condenados por Pio VI por induzirem a
pensar que ‘a Igreja, que é regida pelo Espírito de Deus, pudesse
constituir uma disciplina não só inútil [...] mas também perigosa e
nociva’ (D. 1578, 1533 e 1573). Em suma, para sermos breves, é
impossível que a Igreja dê veneno aos seus filhos (D. 1837, Vaticano
I). Trata-se de uma verdade ‘tão certa teologicamente, que negá-la
seria um erro gravíssimo ou inclusive, segundo a sentença da maioria,
uma heresia’ (Cardeal Franzelin).”
Também sobre este ponto, então, para salvaguardar a legitimidade de
Paulo VI e João Paulo II, W deve contradizer a doutrina da Igreja.

d) Quarto erro de W: uma definição dogmática

pode ser boa em si mas má per accidens,

ou seja por causa das circunstâncias


Eis o que afirma W: “Não é que a definição do magistério solene ou
extraordinário infalível do Papa fosse uma coisa má per se, ao
contrário; mas per accidens [64], pela malícia dos homens, ela
contribuiu muito para uma desvalorização da Tradição”. [65. Le sel de
la terre, op. cit., pág. 20.]
[64. Em nota, os dominicanos de Avrillé explicam: “As expressões per
se e per accidens significam aqui que, no primeiro caso, a
conseqüência deriva da essência da coisa, e no segundo caso, esta
mesma conseqüência se origina por causa de circunstâncias em si
independentes da coisa (aqui, a circunstância determinante é a
‘malícia dos homens’ atuais).”]
Essa afirmação é gravíssima, mas reveladora do embaraço que a
definição da infalibilidade cria nos expoentes da Fraternidade. Se uma
definição infalível (ainda por cima feita solenemente por um Concílio
Ecumênico) pode causar em quem nela creia um mal, ainda que somente
“acidental”, isso significa que o Espírito Santo, causa dessa
definição, é causa do mal nos bons católicos!
Outra coisa seria dizer: em quem não acreditou, a definição foi
ocasião de tropeço. Isso é verdadeiro não somente para o Concílio
Vaticano, mas para todos os outros Concílios; é verdadeiro para a
morte de Jesus na Cruz, pedra de tropeço, escândalo para os judeus,
loucura para os pagãos [66. I Cor. I, 23.]; para a Lei do Antigo
Testamento, como bem o explica São Paulo, a qual foi ocasião de queda
[67. Rom. VII, 7 e ss.]. Mas nem as definições, nem Nosso Senhor, nem
a Lei foram causa per accidens do mal; a causa foi somente a má
vontade de quem age mal, de quem não quer crer.
Mas W poderia responder alegando a frase com a qual ele precisa o seu
pensamento: “A definição de 1870 foi boa per se, porque ela permitiu
ancorar os espíritos católicos naquilo em que os liberais faziam todo
o possível para deixá-los à deriva. Mas, depois que a definição foi
realizada, os maliciosos liberais mudaram imediatamente a sua tática:
‘Sim, de acordo, sem dúvida, nós sempre acreditamos (hipócritas!) que
existe um magistério a priori infalível no cume do ensino da Igreja,
mas, abaixo desse cume quem não vê agora que nada é absolutamente
seguro?’ E assim os liberais deliberadamente começaram a pôr em dúvida
toda verdade abaixo deste cume constituído pelo corpo de verdades
definidas infalivelmente segundo as quatro condições da nova definição
de 1870.” [68. Le sel de la terre, op. cit., pág. 21.] Para W (já
citei alhures o que diz ele) os católicos responderam a essa tática
liberal construindo “um magistério ordinário infalível a priori,
calcado no magistério extraordinário infalível a priori, somente com
três condições, ou três condições e meia, no lugar de quatro. [69.
Segundo W, só o magistério solene é infalível, e para haver magistério
solene são necessárias as quatro condições. Se falta uma só delas (ou
meia, como ele diz), não há mais magistério solene nem
infalibilidade.] Mas precisamente não é assim! São necessárias quatro
condições, e não somente três e meia, para que haja a priori uma
infalibilidade. Mas este magistério com três condições e meia era como
necessário para assentar uma verdade católica nos espíritos falsamente
deslumbrados pelo magistério solene com quatro condições.” (pp. 21-
22).
Com efeito, os “liberais”, que, como W e antes dele, haviam contestado
a oportunidade da definição da infalibilidade do Papa, avançaram um
argumento semelhante ao referido por W… Leiamos Leão XIII, na sua
condenação do americanismo:
“Agora será mais útil, então, refutar uma opinião, ostentada quase
como argumento para fazer os católicos verem com bons olhos as assim
chamadas ‘liberdades’. Dizem, de fato, não se dever mais hoje
preocupar-se tanto com o magistério infalível do Romano Pontífice,
após o juízo solene que o Concílio Vaticano deu sobre ele; posto esse
magistério em segurança, por essa razão, pode-se deixar a todos campo
mais amplo tanto no pensar quanto no agir”. (Evidentemente porque os
americanistas, como W, pensavam que todo o magistério que não fosse
extra-solene, não era infalível.)

[70. LEÃO XIII, Carta ao card. Gibbons, Testem benevolentiæ, de 22 de


janeiro de 1899, I.P., La Chiesa, II, 633.]
Se W e Leão XIII assinalam o mesmo perigo, não dão, porém, o mesmo
remédio! Para W, este se encontra na “Tradição” interpretada sem o
Magistério. Para Leão XIII, pelo contrário, não é assim:
“Para dizer a verdade, é esse um estranho modo de raciocinar: pois,
querendo ser racional e tirar uma conclusão a partir do fato do
magistério infalível da Igreja, essa conclusão deveria ser a de
propor-se jamais se afastar do magistério mesmo, mas de fiar-se
inteiramente nele, para ser moldado e guiado, e assim poder mais
facilmente conservar-se imune de todo e qualquer erro privado”
(ibidem)!
Sem motivo, então, W critica a oportunidade da definição de 1870,
seguindo os passos de Döllinger. Bem diversamente julgou a Igreja
sobre a oportunidade do Concílio Vaticano I. O próprio Pio IX falou
dela explicitamente:
“Certamente as vicissitudes da época presente… demonstram como foi
oportuno o que a Divina Providência dispôs: isto é, a proclamação da
Infalibilidade Pontifícia, quando a reta Regra da fé e dos costumes
estava, em meio a dificuldades sem número, subtraída de todo apoio”.

[71. PIO IX, Carta a um Bispo da Alemanha, 6-11-1876, I. P. n. 437.]


Pio XI deu o mesmo juízo:
“A Igreja não pede senão ser ouvida antes de ser condenada: quanto
mais facilmente chegar a todos, e ao menos aos estudiosos, o
conhecimento dos Atos do último Concílio, tanto mais claro aparecerá
quanta ignorância, temeridade e desfaçatez tiveram os inimigos da
Igreja, quando julgaram como crime a decisão e os efeitos da decisão
de nosso Predecessor, de santa memória, Pio IX. Quem quer que
considere atentamente os documentos escritos, os quais referem-se e
narram a longa preparação do Concílio e os trabalhos dessa importante
e célebre assembleia dos Bispos, vê-se obrigado – a menos que tenha
ódio à religião e esteja cego por preconceitos – a reconhecer e
proclamar que não sem uma inspiração e proteção divina teve lugar a
preparação, convocação e sessão do Concílio ecumênico Vaticano; e que
o Pontífice, que por tantos méritos está consignado à eternidade e à
imortalidade, não prestou atenção tanto à oportunidade de seu tempo –
coisa que negavam os censores pobres de espírito – mas considerou e
pressagiou antes as necessidades do futuro.”

[72. PIO XI, Epist. ad R. P. D. Ludovicum Petit, 5-XI-1924, in A.A.S.,


Polyglottis Vaticanis, 1924, Epístola VIII, pág. 463.]
A definição da infalibilidade, oportuna em 1870, é ainda mais oportuna
e providencial para os nossos tempos, per se e per accidens, ainda que
não para W!

e) Quinto erro de W: as definições da Igreja

seriam devidas somente à diminuição da caridade


Detemo-nos brevemente neste ponto. W diz que “à medida que a caridade
se resfria” aumentaram cada vez mais as verdades definidas: [73. Le
sel de la terre, op. cit., pág. 22] aqui ele quer quase diminuir a
necessidade do magistério, que não resulta mais ser uma regra estável
da nossa fé, sempre necessária, mas um remédio excepcional e
contingente devido à maldade dos homens.
Pelo contrário, a história nos ensina que a ocasião das definições da
Igreja são múltiplas: a caridade que se esfria, erros novos que
surgem, o aprofundamento de problemas teológicos, um maior fervor. Se
Leão XIII decidiu sobre a validade das ordenações anglicanas, Pio XII
sobre a matéria e forma da Ordem, entende-se bem que a caridade não
está em jogo. Se Pio IX definiu o dogma da Imaculada e Pio XII o da
Assunta, não foi certamente por uma menor devoção pela Santíssima
Virgem Maria! Nem se pode dizer que antes da definição havia maior
fervor por esses dogmas, quando até muitos católicos negavam-nos!
A Igreja verdadeiramente tem a assistência do Espírito Santo, não
somente para conservar o Depósito revelado, mas também para explicá-lo
e expô-lo (DS 3070).
Até aqui, em suma, notamos que W tem ideias pré-concebidas e, com base
nelas, julga muitas coisas erroneamente.

Conclusão
Muitos “tradicionalistas” creem que abraçar a verdadeira Fé nas
matérias acima expostas significaria arriscar aceitar todo o Concílio
Vaticano II com suas reformas.
Parece ser esse o obstáculo mais grave, que os impede de levar em
séria consideração a doutrina da Igreja como a examinamos nos
parágrafos precedentes. A solução desse nó foi exposta pela Tese de
Cassiciacum: é impossível de aceitar essas reformas, pois o ato de Fé
dirigido a elas é metafisicamente impossível. Se cremos, por exemplo,
de fé, que a liberdade religiosa é um erro, como poderemos crer que
seja ao mesmo tempo uma verdade revelada? Se cremos que o ecumenismo é
mau, como a minha inteligência pode crer que seja uma boa prática para
a Igreja? Há aí uma impossibilidade real para a minha inteligência de
aderir a duas proposições contraditórias, ambas propostas a crer pelo
Magistério: as primeiras, do Magistério dos Pontífices do passado; as
segundas, do Magistério dos “pontífices” do pós-concílio (Vaticano
II). Ora, o Magistério não pode contradizer-se, e tampouco a Fé. Logo,
um dos dois está em erro. Mas, se um dos dois está em erro, então isso
quer dizer, ipso facto, que a “autoridade” que promulgou esse
“magistério” errôneo não estava assistida pelo Espírito Santo. Não era
formalmente a Autoridade. [74. H. BELMONT, L’esercizio quotidiano
della Fede. Pro manuscripto, pp. 12-13.]
Mostramos com superabundância de documentos que o Papa é infalível com
o Magistério ordinário; que tal Magistério trata tanto das verdades
reveladas quanto das verdades conexas com o revelado; que, com esse
Magistério infalível, o Papa é a Regra próxima da nossa Fé.
Dado que W não aceita a autoridade dos “bons autores dos manuais de
teologia”, pois “fizeram o jogo dos liberais” [75. Le sel de la terre,
op. cit., pág. 22], não quisemos tomá-los em consideração, mas nos
limitamos aos documentos do Magistério, do Concílio Vaticano e da sua
explicação. É possível que W recuse também a autoridade destes: aí
então, não haverá mais nenhuma autoridade intermediária entre o fiel e
a Tradição? Cada um será para si mesmo a regra da própria fé? [76. As
definições do Magistério solene de fato são raras e não abrangem todo
o revelado, nem toda a doutrina católica.]
Num tal caso gostaríamos de fazer a W algumas perguntas. Se tivesse
vivido no tempo em que se discutia sobre a validade do Batismo dado
pelos hereges, ou em qual dia se havia de celebrar a Páscoa, como
teria se comportado? Teria seguido a “tradição” ou as decisões do
Papa? Se tivesse vivido no tempo em que os jansenistas contestavam a
infalibilidade do Papa quanto aos fatos dogmáticos, a quem teria dado
razão? Interpretar por conta própria a Tradição, porque parece
evidente, ou no sentido em que nós a compreendemos, não é isso um
subjetivismo no ato de fé, o ato mais importante para a nossa
salvação? “Não é lícito – disse Pio XII – investigar e explicar os
documentos da ‘Tradição’, descurando ou minimizando o Sagrado
Magistério”. [77. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La
Chiesa, II, 1389.]

_____________

Í N D I C E

[Introdução]
Exposição da tese de W
Elenco dos erros de W
A definição dogmática do Concílio Vaticano
Estrutura do artigo

a) Primeiro erro de W: sobre o Magistério ordinário e sobre as


condições para a infalibilidade.
Ensinamento da Igreja sobre o Magistério Ordinário do Papa
Ensinamento do Concílio Vaticano sobre o Magistério do Papa
As quatro condições
1.ª: O Papa utiliza a suprema autoridade
2ª: Define.

3ª: Uma doutrina sobre a fé e a moral.


4ª: Afirma que essa doutrina deve ser aceita por toda a Igreja
Ex cathedra
Magistério ordinário e condições
Magistério ordinário universal e condições
b) Segundo erro de W: negação da Regra próxima da nossa fé, confundida
com a regra remota
Ensinamento da Igreja sobre a Regra próxima da fé
Ensinamento do Concílio Vaticano sobre a Regra próxima da fé

c) Terceiro erro de W: um rito litúrgico promulgado pelo Papa pode ser


“intrinsecamente mau”

d) Quarto erro de W: uma definição dogmática pode ser boa em si mas má


per accidens, ou seja por causa das circunstâncias

e) Quinto erro de W: as definições da Igreja seriam devidas somente à


diminuição da caridade

Conclusão

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Mons. Williamson contra o Concílio Vaticano…
I !, 1998, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1a3
de: “Mons. Williamson contro il concilio Vaticano… I !”, revista
Sodalitium (órgão oficial do Instituto Mater Boni Consilii), ano
XIV/2, n.º 47, de maio de 1998, pp. 63-78.
[Com o acréscimo da nota 8 bis: fonte indicada no local.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: MURRO, Autores: pré-conciliares, Concílio do


Vaticano (1870), Doutrina, Método, Michael Davies, Newman, Papa BENTO
XIV (1740-58), Papa GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa LEÃO XIII (1878-
1903), Papa PIO IX (1846-78), Papa PIO VI (1775-99), Papa PIO VIII
(1829-30), Papa PIO XI (1922-39), Papa PIO XII (1939-58), Papa São PIO
X (1903-14), São Jerônimo, Sedevacantismo, Sto. Agostinho, Sto.
Irineu, Sto. Tomás de Aquino | 1 Comentário »
Textos essenciais em tradução inédita – C
23 de outubro de 2011

Liberdade Religiosa
O Dr. Brian Harrison e a tentativa

de absolver o Vaticano II de erro


(2006)

John S. Daly

Existe contradição entre a declaração do Vaticano II sobre a liberdade


religiosa (Dignitatis Humanae) e a doutrina católica tradicional tal
como exprimida em numerosas encíclicas, e muito especialmente na
Quanta Cura do Papa Pio IX? Em anos recentes, alguns conservadores
intelectuais negaram audaciosamente que haja qualquer contradição
dessas. Antes de comentar as tentativas deles, recordemo-nos dos
textos:

Quanta Cura: “…contra a doutrina da Escritura, da Igreja, e dos Santos


Padres, não hesitam eles em afirmar que: ‘a melhor condição da
sociedade civil é aquela em que não se atribui ao poder civil nenhum
dever de reprimir, mediante a estipulação de penas, os ofensores
contra a religião católica, exceto na medida em que a paz pública o
possa exigir’.
De cuja ideia completamente falsa do governo social, eles não temem
promover aquela opinião errônea, em extremo funesta para a Igreja
Católica e a salvação das almas, chamada por Nosso Predecessor,
Gregório XVI, de insanidade, a saber, de que ‘a liberdade de
consciência e de cultos é direito próprio de cada homem e deve ser
proclamada e garantida pela lei em toda sociedade corretamente
organizada’.”

Dignitatis Humanae (Vaticano II): “Este Concílio Vaticano declara que


a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Essa liberdade
consiste nisto: que todos os homens devem estar imunes à coerção, quer
por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou de qualquer poder
humano, de tal modo que em matérias religiosas ninguém seja
constrangido a agir contra a sua consciência nem impedido de agir
segundo a sua consciência, em privado e em público, sozinho ou
associado com outros, dentro de justos limites [esses justos limites
são definidos no parágrafo 7 como sendo os da paz e da moralidade
públicas].
Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda
realmente na própria dignidade da pessoa humana tal como a dão a
conhecer a palavra revelada de Deus e a razão mesma.
Esse direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica
da sociedade deve ser reconhecido de tal modo que se torne um direito
civil.”

Ora, esses textos têm toda a aparência de estarem em contradição


radical em três pontos. O Papa Pio IX condena as seguintes ideias: 1.
todos os homens têm direito à liberdade de consciência e de culto; 2.
esse direito à liberdade religiosa deve se tornar um direito civil em
toda sociedade bem ordenada; 3. o melhor estado da sociedade é aquele
em que o direito civil à liberdade religiosa é limitado somente pelas
exigências da paz pública.
Esses três pontos condenados por Pio IX são, todos três, aparentemente
ensinados pelo texto do Vaticano II. Além disso, o Papa Pio IX está
exercendo o Magistério Extraordinário e ensina que essas proposições
são opostas à Sagrada Escritura (revelação divina escrita), enquanto o
Vaticano II declara estar fundada a sua doutrina oposta na palavra de
Deus revelada e exige que todos os católicos observem o seu
ensinamento religiosamente.

Reconciliações Intentadas
Diversas tentativas foram feitas para reconciliar essas doutrinas em
oposição. Dom Basil Valuet do mosteiro Le Barroux, por exemplo,
escreveu umas três mil páginas sobre o tópico da liberdade religiosa:
a tese dele é que a doutrina da Igreja mudou, mas no contexto de uma
cambiante lei das nações e sob o impulso de um “magistério vivo” cujas
doutrinas devem evoluir como todas as coisas vivas. Esquecido há muito
tempo, ao que parece, está o Juramento Anti-Modernista de Dom Basil:
“Eu rejeito totalmente a ideia herética de que os dogmas podem
evoluir, mudando de um significado para outro, diferente daquele que a
Igreja anteriormente considerava.” (Denzinger 2145)
O grande filósofo Pe. Julio Meinvielle argumentou que o Vaticano II
não buscou dar nenhum ensinamento absoluto, mas somente estabelecer
diretrizes prudenciais a serem seguidas no triste estado presente da
sociedade. Que pena, esse modo de ver é bem incompatível com as
palavras “declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se
funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, tal como a dão
a conhecer a palavra revelada de Deus e a razão mesma”. Sentimo-nos
seguros de que a idade avançada do Pe. Meinvielle deve ter embotado
sua perspicácia na ocasião em que ele formou esse juízo.
Ao menos a interpretação do Pe. Meinvielle, embora infiel ao texto do
Vaticano II, não acarretava nenhum afastamento da sã doutrina. Pode-se
dizer o mesmo de um artigo do dominicano Pe. Thomas Crean publicado em
Christian Order (outubro de 2004). Crean reconhece que a Dignitatis
Humanae é doutrinal, não meramente prática, mas para ele o direito à
liberdade religiosa dela pertence exclusivamente aos que professam a
verdadeira religião: ele acrescenta que a referência a religiões no
plural explica-se pelo fato de que a doutrina dela teria se aplicado
até mesmo no caso hipotético em que Deus não tivesse feito revelação
alguma e tivesse deixado o homem no estado de natureza. É uma teoria
bonita, contanto que nunca se chegue a tirar da prateleira uma cópia
do texto em discussão. Quando se faz isso, ela desaparece numa nuvem
de fumaça. Seu suposto direito, a Dignitatis Humanae o aplica à
liberdade de abandonar ou aderir a qualquer “comunidade religiosa”
seja qual for (parágrafo 6), noutras palavras ela ordena o Estado a
autorizar a apostasia da religião católica e assegura-nos de que o
Estado não deve punir essa apostasia, pois o homem possui um direito
pessoal de passar de qualquer religião para qualquer outra religião –
direito este que o Estado deve respeitar. De fato, a Dignitatis
Humanae proíbe formalmente toda e qualquer discriminação entre
religiões por parte do Estado, seja para criminalizar a blasfêmia
muçulmana, para proibir a propaganda protestante, para eximir os
sacerdotes do serviço militar ou para excluir do ofício público judeus
cuja oração litúrgica “kol nidre” explicitamente autoriza-os a mentir
inclusive sob juramento.
O Pe. Bernard Lucien (ex-guérardo-sedevacantista) e os Pes. André
Vincent e De Margerie acreditam ter encontrado uma solução viável para
a aparente contradição: o direito à liberdade religiosa ensinado pelo
Vaticano II está condicionado à fidelidade à própria consciência, ao
passo que a doutrina tradicional condena somente a extensão da
liberdade religiosa a tudo quanto é gente, mesmo aqueles cujos erros
são culpáveis. Ou, noutros termos, a Dignitatis Humanae ensina o
direito de seguir a própria consciência, enquanto os Papas pré-
Vaticano II condenaram o direito de seguir o próprio capricho. Além de
exigir que as autoridades civis sondem o coração dos homens, e de
limitar arbitrariamente o escopo da doutrina tradicional, essa
interpretação da Dignitatis Humanae é, novamente, incompatível com o
texto. O Vaticano II afirma claramente que “o direito à liberdade
religiosa não se funda na disposição subjetiva da pessoa, mas na sua
própria natureza, razão pela qual esse direito à imunidade permanece
inclusive naqueles que não satisfazem à obrigação de buscar e aderir à
verdade, e o seu exercício não pode ser impedido, desde que se observe
a justa ordem pública.”

A Teoria do Dr. Brian Harrison


Talvez o que chegue mais perto de ter credibilidade desse grupelho de
reconciliadores é o Rev. Dr. Brian Harrison. Seu livro Religious
Liberty and Contraception [A Liberdade Religiosa e a Contracepção (N.
do T.)] é obra douta, malgrado sua confissão (Fidelity, maio de 1993)
de que ele a havia escrito “em grande medida para agradar aos homens
antes que a Deus” [“largely to please men rather than God” (N. do T.)]
e de que ele havia “omitido coisas que [ele] acreditava deverem ser
ditas” – confissão esta que desapareceu misteriosamente do texto on-
line de seu artigo. O principal argumento de Harrison é que o Vaticano
II permite ao Estado restringir a liberdade religiosa quando ela entra
em conflito com as exigências da “ordem pública”. Pio IX, por outro
lado, condena a alegação de que a liberdade religiosa deva ser
restrita somente para as necessidades da “paz pública”. Mas, segundo
Harrison, a “ordem pública” do Vaticano II inclui muito mais do que a
“paz pública” de Pio IX e, destarte, não existe conflito.
Escritores doutos já refutaram Harrison sobre o sentido preciso do
texto – ver, por exemplo, Le Sel de la Terre, n.º 3, e mesmo The
Second Vatican Council and Religious Liberty [O Concílio Vaticano II e
a Liberdade Religiosa (N. do T.)], de Michael Davies. Não é coisa
difícil de fazer. A análise detalhada da crítica textual oferecida
pelo Dr. Harrison revela que o único jeito de fabricar a aparência de
concordância entre a nova doutrina e a antiga é ignorar o sentido
óbvio dos textos que ensinam uma ou outra e inventar um sentido
distorcido em seu lugar.
Para esmiuçar, Harrison está errado sobre a ordem pública e a paz
pública: na realidade, a Dignitatis Humanae equaciona explicitamente
as duas e é indistinguível neste ponto daquilo que Pio IX condena,
pois a questão essencial é se o Estado pode ou não pode levar em
consideração o bem-estar sobrenatural dos seus cidadãos, à luz da Fé
Católica reconhecida por si mesma como verdadeira, divina e
obrigatória, na repressão daquilo que é prejudicial ao bem comum. Ele
está errado em pensar que a DH advogue apenas um direito de não sofrer
interferência ao errar. O direito civil que ela invoca, ela claramente
funda-o num direito natural de errar – uma noção perfeitamente
abominável. Ele está errado em pensar que a doutrina tradicional se
aplicasse somente em Estados onde todos os cidadãos fossem
praticamente unânimes na crença ortodoxa e na devida prática do
Catolicismo: a 78.ª proposição condenada do Syllabus, extraída da
Acerbissimum referente à França do meio do século dezenove, deveria
ter-lhe dito isso. E ele está errado, de qualquer modo, em que não
tivessem sobrado territórios suficientemente católicos além de Wallis
e Futuna no tempo do Vaticano II: o derradeiro colapso religioso de
muitas nações católicas foi efeito, não causa, da Dignitatis Humanae.

Pondo a Controvérsia em Perspectiva


Todo o louvor àqueles que seguiram Harrison adentrando o pântano
textual e o refutaram no próprio terreno escolhido dele. Sem rejeitar
a discussão detalhada dos textos, o presente autor considera mais
importante assinalar que essas discussões sobre o sentido preciso de
uma declaração prolixa e deliberadamente obscura tendem a errar o alvo
e fazer o jogo do inimigo, ao passarem a impressão de que algum ponto
sutil esteja em questão. Não há, na realidade, absolutamente nada de
sutil acerca da revolução da liberdade religiosa, do Vaticano II, pela
qual Cristo Rei foi destronado e decapitado tão seguramente quanto um
dia o foram Luiz XVI de França ou Carlos I da Inglaterra. E enterrar a
cabeça nas letras miúdas é a melhor maneira de malograr em observar os
fatos mais importantes do caso.
Pois não só os obtusos caem em contos-do-vigário, nem são sempre as
fraudes mais sutis as mais bem-sucedidas. Homens inteligentes podem
ser ludibriados a engolir ideias flagrantemente indefensáveis contanto
que a atenção deles seja direcionada para os detalhes e não para o
quadro geral. Daí que o gênio de um homem como G.K. Chesterton (1874-
1936) tenha consistido principalmente em restaurar a perspectiva e o
equilíbrio, de modo que os erros predominantes, sob o holofote do
senso comum, ficassem expostos em toda a sua absurdidade nua e crua.
Vamos seguir o exemplo de Chesterton e nos proporcionar uma
perspectiva geral, dando um passo para trás do texto e observando o
contexto inteiro. Alguns fatos inegáveis logo colocarão as alegações
do Dr. Harrison sob sua verdadeira luz:
1. A sociedade cristã já tinha existido muito tempo antes do Vaticano
II. O Reinado social de Jesus Cristo existira. César fora batizado.
Não havia, portanto, necessidade alguma de elaborar novas teorias
sobre quais relações Cristo deseja ver entre a Sua Igreja e o Estado:
mil anos de história cristã revelarão tudo, a quem quer que os estude
com a fé de que Cristo permanece sempre com a Sua Igreja. Ora, a
sociedade ideal apresentada pela Dignitatis Humanae e promovida pela
Igreja Conciliar é completamente diferente daquela cujo caráter foi
formado pela Igreja mesma sob a direção do divino Rei da História.
2. Todo católico é obrigado a crer que não é contrário à vontade do
Espírito Santo que o poder civil condene os hereges à morte (Denzinger
773). Esse ensinamento católico não é um convite ao extermínio de
todos os batizados não-católicos: refere-se ele essencialmente àqueles
que abandonaram a Fé que defendiam, e que encorajam os demais a segui-
los em sua apostasia. Seria, contudo, radical deformação da sã
doutrina entendê-la como se a pena de morte fosse devida a algo além
do exemplo, expressão e propagação da heresia. A Santa Inquisição,
vários de cujos ministros foram canonizados, existia e atuava para
salvaguardar a Catolicidade da sociedade civil, e não por força de
algum regulamento natural igualmente aplicável a todas as religiões
tal como nos oferece a Dignitatis Humanae.
3. Sob o Antigo Testamento, quando tanto a lei civil como a lei
religiosa vinham de Deus mesmo, não havia liberdade religiosa salvo
para a única religião verdadeira. Não havia direito moral nem direito
civil algum de apostatar da verdadeira religião nem de levar outros a
fazê-lo. Não havia nenhuma imunidade de interferência na prática de
qualquer religião falsa – pelo contrário, a pena por fazê-lo era a
morte e ela foi muitas vezes infligida: Moisés infligiu a pena de
morte em 23.000 israelitas num só dia por adorarem ao bezerro de ouro.
Isso é dificilmente compatível com qualquer noção de um direito
natural de escolher qualquer religião e expressá-la como julgar
apropriado. Moisés não estava punindo os idólatras por perturbarem a
ordem pública: ele os estava punindo por idolatria.
4. O século dezoito viu o nascimento de um movimento que queria que a
sociedade fosse religiosamente “neutra” – ideia esta contrária não só
à natureza de toda sociedade formada ou transformada pela Igreja, mas
rejeitada até mesmo pelos reformadores protestantes. Esse movimento,
incitado pela Franco-Maçonaria, e a despeito das condenações da Santa
Sé, logrou provocar uma série de revoluções pelas quais muitas nações
antes católicas abandonaram sua profissão nacional da Fé e sua
submissão nacional à Igreja em matérias religiosas. A reação da Igreja
a esses eventos foi condenação veemente do que ela considerou atos de
apostasia nacional, calamitosos para as almas e insultuosos para
Cristo e Sua Igreja. Não é mais esta a linguagem da Dignitatis Humanae
e do Vaticano II. De fato, os leitores sem prevenções não são capazes
de distinguir a voz do Vaticano II nesses tópicos daquela dos
“iluminados” revolucionários do passado recente que enfrentaram os
anátemas do Vigário de Cristo.
5. Desde o Concílio Vaticano II as nações que até então haviam
continuado a professar integralmente ou parcialmente a Fé e a estar
sujeitas à jurisdição espiritual da Igreja, remodelaram suas
constituições na direção da neutralidade religiosa, não raro por
instigação do Vaticano. O que os Papas no passado haviam lamentado é,
em nossos dias, encorajado e imposto por aqueles que alegam ser seus
sucessores. Para uma nação outrora católica, introduzir a liberdade de
culto (público) na sua constituição era, como Dom Guéranger escreveu a
Montalembert (outubro de 1852), “apostasia política… o maior crime que
uma nação pode cometer.” No entanto, esse crime foi cometido na
esteira do Vaticano II e como cumprimento do Vaticano II, em acordo
com os oficialmente encarregados de implementar o Vaticano II, pela
Irlanda, Espanha, Malta, Itália, Colômbia (malgrado a empolgação do
Dr. Harrison ante o fato de a Colômbia apenas ter sido pouco calorosa
em sua adoção da Dignitatis Humanae) e outras nações que outrora
protegeram a Fé Católica de seus cidadãos porque ela é verdadeira,
para a salvação de suas almas e para a glória de Deus. Ademais, o Dr.
Harrison é forçado a admitir que, mesmo na sua própria interpretação
puxadíssima da Dignitatis Humanae, as constituições e concordatas pré-
conciliares de várias nações católicas, notavelmente a Espanha de
Franco, eram simplesmente incompatíveis com o que o Vaticano II
declara ser um direito humano natural dado a conhecer pela revelação
divina – embora aparentemente essa revelação fosse bem desconhecida
dos Papas que aprovaram essas constituições e concordatas.
6. Se não houve mudança doutrinal, é difícil de ver por que é que foi
considerado necessário alterar aqueles textos litúrgicos que se
referem aos deveres religiosos do Estado, mas foi isso o que
aconteceu. A revisão litúrgica lançada pelo Vaticano II suprimiu três
versos altamente significativos do hino Te saeculorum Principem nas
Vésperas da festa de Cristo Rei. Tudo o que diz respeito ao reinado de
Cristo sobre os indivíduos é mantido, mas tudo o que fala de Seu
reinado sobre as nações desapareceu. Os que recusam o governo social
de Cristo não mais são chamados uma “scelesta turba” (multidão
perversa); não se faz mais oração para os chefes de estado prestarem
homenagem pública a Cristo, ou para que a educação, as leis, os
tribunais, as artes e insígnias sejam cristãos. Semelhantemente
suprimidos foram todos os outros textos em que a liturgia mencionava
os direitos e a liberdade da Igreja, por exemplo nas festas de São
Gregório VII e de São Tomás de Cantuária. Os redatores desses novos
textos, ao menos, não viam esperança alguma de reconciliar a nova
doutrina com a antiga.
7. Não bastou ensinar nova doutrina, suprimir constituições católicas
e expurgar textos litúrgicos. A própria tiara papal também teve de
desaparecer, para que o exemplo viesse do alto e para que não restasse
relíquia alguma da sociedade cristã em parte alguma da terra, nem
sequer nos 44 hectares do Estado da Cidade do Vaticano. O sucessor de
César tem de renunciar à cruz, e o (aparente) sucessor de Pedro tem de
renunciar à coroa.
8. Nem, tampouco, bastaram todas essas rupturas violentas com o
passado cristão: o que antes havia sido, devia não somente ser mudado,
como esquecido. Durante o Vaticano II ocorreu a publicação da 32.ª
edição do famoso Enchiridion Symbolorum de Denzinger, uma coletânea de
textos magisteriais. Mas, ao passo que muitos documentos menores
continuaram a ser incluídos, o texto de um célebre ato solene do
Magistério Extraordinário foi totalmente expurgado e nem foi mais
mencionado: a Quanta Cura do Papa Pio IX. Isso foi feito pois se
considerou que ela contém doutrina agora abrogada? Ou para evitar
comparação da nova doutrina com a antiga? Qualquer que seja o motivo,
os editores do Denzinger claramente não estavam convidando ninguém a
intentar a aceitação simultânea da antiga condenação da liberdade
religiosa e de sua nova apoteose.
9. Cada palavra da obra de 3.000 páginas de Dom Basile e cada palavra
do volume mais esguio do Dr. Harrison são, na realidade, tantas
condenações do texto que estão tentando reconciliar com a Fé Católica.
Pois o ensinamento da Igreja sobre a liberdade religiosa já estava em
vigor e era bem conhecido. Uma série de encíclicas papais, um ato ex
cathedra (Quanta Cura), os escritos de teólogos aprovados do calibre
de Billot e Ottaviani, várias concordatas e a lição da história sacra
não deixavam dúvida alguma de que a Igreja rejeita toda e qualquer
concepção de liberdade religiosa que ponha a Igreja de Deus num mesmo
patamar perante o Estado com as religiões falsas. Se é necessário
esperar vinte anos após o Vaticano II para que um novo doctor
subtilissimus explique como o ensinamento daquele não é, afinal de
contas, o contrário do que foi previamente sustentado, isso já é prova
insofismável de que o Vaticano II não salvaguardou a doutrina
tradicional de nenhum modo compreensível. Ao invés de ensinar a fé,
ele a corrompeu. Ao invés de alimentar os fiéis, envenenou-os. E os
corruptores e envenenadores que residem no Vaticano não mostraram
qualquer apreço pelo antídoto tardio de Harrison, extra-oficialmente
apresentado e claramente não aceito pelas autoridades reconhecidas por
ele (Harrison foi “ordenado” por João Paulo II). A Igreja não existe
para treinar-nos em malabarismos intelectuais – ela existe para
ensinar-nos a verdade de Deus e o modo de servir a Ele, e a verdadeira
Igreja não pode extraviar seus fiéis nessas coisas.
10. Nem Harrison nem qualquer outro dos reconciliadores pode negar que
a Dignitatis Humanae levou 99,99% dos Católicos, incluindo a inteira
hierarquia da Igreja Conciliar conduzida por seus “papas”, a virar as
costas para a doutrina de Pio IX e de todos os Papas pré-Vaticano II.
Eles não podem negar, tampouco, que esse foi o resultado inevitável e
deliberadamente arquitetado do texto promulgado. Anunciar vinte anos
mais tarde que um punhado de lógicos refinados, discordantes entre si,
descobriram meios discutíveis de demonstrar que essa reviravolta
talvez não fosse inequivocamente e explicitamente necessária, só
agrava a afronta.
11. A contradição verbal entre Dignitatis Humanae e Quanta Cura é tão
estrondosa e tão direta que foi claramente intencional. No entanto, a
declaração mesma nem sequer pretende, em parte alguma, explicar, ou
dar alguma desculpa para, essa contradição. Os partidários da
liberdade religiosa não tinham desejo algum de arriscar um acidente
com o vinho novo deles, entornando-o nos odres velhos de uma
artificial compatibilidade com o ensinamento tradicional. Se o Dr.
Harrison tentasse aplicar seus métodos exegéticos interesseiros
perante um tribunal de justiça encarregado da interpretação de um
contrato ou testamento litigioso, o juiz certamente se recusaria a
levá-lo a sério – ele insistiria que todo documento deve ser entendido
no sentido da intenção conhecida ou reconhecível de seus redatores e
intérpretes.
12. Antes do Vaticano II, a Igreja Católica nunca havia falado de
liberdade religiosa exceto para afirmar que unicamente ela a possuía
por direito divino e que nenhuma outra religião tinha qualquer direito
semelhante, ainda que circunstâncias lamentáveis tornassem por vezes
prudente tolerar alguns erros por receio de males piores. É no mínimo
bizarro escolher o nome ordinário de um grave erro, com frequência
condenado solenemente, e usá-lo para designar sã doutrina. Nem é menos
bizarro adotar a linguagem e o tom da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), das Nações Unidas, caso se pretenda manter o
ensinamento da Quanta Cura, que cada um dos assinantes da declaração
maçônica teria anatematizado.
13. A Igreja devotou séculos a tornar cristãs tanto as nações quanto
as pessoas individuais. Ela considerou um crime e uma calamidade para
o bem comum se uma nação abandonava seu Cristianismo adotando a
neutralidade. Ela convocou seus filhos a fazer pública reparação por
esses crimes. Ela laborou infatigavelmente para desfazer a obra dos
apóstolos do naturalismo revolucionário pelo restabelecimento, ao
redor do mundo, do Reinado social de Cristo Rei. Desde o Vaticano II,
nenhum representante autorizado da Igreja Conciliar continuou a assim
agir ou falar; ao passo que nenhuma medida foi poupada para alcançar o
oposto.
14. A Quanta Cura não estava sozinha. Dezenas de encíclicas e outros
documentos magisteriais confirmam seu ensinamento. Assim como a Quanta
Cura mesma é reconhecidamente protegida pela infalibilidade do
Magistério Extraordinário, assim também todos esses outros atos
empenham a infalibilidade do Magistério Ordinário e Universal e dão o
contexto e a explicação necessários para elucidar qualquer dúvida
sobre o significado do texto da própria Quanta Cura. Igualmente, a
Dignitatis Humanae não está sozinha. Uma torrente de ensinamento
conciliar subsequente a corrobora e explica, e faz isso
invariavelmente num sentido bem oposto às ideias dos reconciliadores.
Por exemplo, a encíclica Redemptor Hominis de João Paulo II, que
apresentou o programa que ele seguiria ao longo de seu “pontificado”,
identifica explicitamente a liberdade religiosa do Vaticano II com a
das Nações Unidas e condena toda e qualquer tentativa de limitá-la a
qualquer grupo religioso; no Benin (fevereiro de 1993) ele proclamou o
igual direito à liberdade religiosa dos fanáticos do assassino e
satanista culto vodu; a Convenção entre a Santa Sé e o Estado de
Israel de dezembro de 1993 diz: “A Santa Sé, recordando a Declaração
sobre a Liberdade Religiosa do Segundo Concílio Ecumênico do Vaticano,
Dignitatis Humanae, afirma o comprometimento da Igreja Católica em
defender o direito humano à liberdade de religião e de consciência, da
forma exposta na Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
Decididamente nunca nem passou pela cabeça de Karol Wojtyla a mais
tênue ideia de reconciliar a Dignitatis Humanae com a doutrina
tradicional.
15. A declaração do Vaticano II sobre a liberdade religiosa foi
principalmente inspirada pelas doutrinas do Pe. John Courtney Murray
S.J., as quais o Santo Ofício ordenou a ele, em 1955, parar de
ensinar, em razão de sua flagrante heterodoxia. Ademais, a heterodoxia
da própria Declaração dificultou tanto obter votação respeitável em
seu favor no Concílio, que Paulo VI afinal convocou seu mentor Jacques
Maritain para redigir um memorando sobre a liberdade religiosa, para
encorajar uma votação favorável. Courtney Murray e Maritain são,
portanto, intérpretes da Dignitatis Humanae bem melhor qualificados do
que o Dr. Harrison. Ao batizar uma criança nova demais para falar, o
sacerdote confirma a fé do pequeno interrogando os padrinhos dele. Os
padrinhos da Dignitatis Humanae, os Srs. Murray e Maritain, respondem
em termos inequívocos que a sua afilhada compartilha da fé deles, uma
fé que eles admitem estar em total contradição da doutrina tradicional
(doutrina que ambos conheciam plenamente bem, dado que eles próprios
haviam-na sustentado e ensinado ambos, em dias mais felizes). Pois por
trás do conceito deles de liberdade religiosa, e por trás de muitos
dos demais erros do Vaticano II, está a noção de que o Estado como tal
não é competente para reconhecer a verdadeira religião, porque a fé
divina não é, na medida em que o foro externo pode julgar, melhor
embasada do que as falsas opiniões religiosas. O homem moderno não
pode suportar que lhe digam que as provas do Catolicismo devem
convencer qualquer pessoa razoável. Só que essa verdade também é um
dogma, ensinado pelo Concílio de Vaticano, de 1870 (Denzinger 1790).
16. Qualquer homem do povo entenderia o texto do Vaticano II como
evidentemente oposto ao ensinamento dos Papas de Gregório XVI a Pio
XII. Foi assim também que personalidades tão diferentes quanto o
Arcebispo Dom Lefebvre e João Paulo II o entenderam. É também este o
julgamento recebido dos especialistas em direito internacional, sejam
católicos ou não. O Dr. Harrison, contudo, não quer aceitar isso,
porque ele pode ver que isso leva diretamente à conclusão de que a
Igreja do Vaticano II não é a verdadeira Igreja de Cristo. Todavia,
ele malogra em enxergar que a sua interpretação textual alternativa
não escapa dessa conclusão – ela meramente a alcança por um itinerário
diferente. O Vaticano II exige-nos que acreditemos numa Igreja que faz
nova doutrina diferente da antiga. Ao invés dessa heresia, o Dr.
Harrison convida-nos a crer numa Igreja cuja doutrina deve ser
descoberta por especialistas não autorizados, após vinte anos de
estudo, como sendo algo que o episcopado inteiro não percebeu que era,
e algo com que esse episcopado, de fato, discorda. A Igreja dele é uma
em que os católicos que aceitam a verdadeira doutrina fazem-no somente
fundados em ensinamento pré-conciliar, na crença de que o Vaticano II
errou ou prevaricou. Daí que, para o Dr. Harrison, nenhum católico que
queira saber o ensinamento da Igreja sobre a liberdade religiosa pode
com segurança consultar o ensinamento do mais recente concílio geral
sobre o tema. Um católico só pode permanecer ortodoxo sobre os
direitos e deveres religiosos do Estado rejeitando a regra próxima da
Fé como regra utilizável. Mas esta não é uma descrição da Igreja
Católica tampouco, pois o Papa Pio XI ensinou:
“Jesus Cristo enviou Seus Apóstolos pelo mundo todo, para que eles
pudessem permear todas as nações com a fé evangélica, e, para que não
errassem em nada, quis Ele que antes lhes fosse ensinada toda a
verdade pelo Espírito Santo: acaso esta doutrina dos Apóstolos faltou
inteiramente, ou foi alguma vez obscurecida, na Igreja cujo regente e
guardião é o mesmo Deus? Dado que o nosso Redentor afirmou claramente
que Seu Evangelho perduraria não apenas para o tempo dos Apóstolos,
mas também inclusive nas futuras épocas, pode o objeto da fé tornar-se
de tal modo obscuro e incerto, que hoje seja necessário tolerar
opiniões que são até mesmo incompatíveis umas com as outras?… Mas o
Filho unigênito de Deus, quando ordenou a Seus representantes que
ensinassem a todas as nações, obrigou todos os homens a dar fé ao que
lhes fosse anunciado por ‘testemunhas pré-ordenadas por Deus’, e
também confirmou Sua ordem com esta sanção: ‘Quem crer e for batizado
será salvo; mas quem não crer será condenado.’ Esses dois preceitos de
Cristo, o de ensinar e o de crer, não podem ser entendidos a não ser
que a Igreja proponha um ensinamento completo e facilmente entendível,
e seja imune quando ensina, assim, a todo perigo de errar. Nesta
matéria, afastam-se igualmente do reto caminho os que pensam que o
depósito da verdade existe em algum lugar… mas que descobri-lo exige
um trabalho tão difícil, com tão longos estudos e disputas, que a vida
de um homem mal seria suficiente para encontrá-lo e possuí-lo.”
(Mortalium Animos)
Agora, em face de todos esses fatos evidentes, se vê que qualquer
alegação de continuidade doutrinal é absurda. O exame detalhado da
letra miúda dos textos é um louvável exercício polêmico para
especialistas, mas não é de modo algum necessário, nem mesmo
apropriado para a maioria dos católicos. A escolha entre a autêntica
fé católica e a nova religião é absoluta. Unicamente os católicos têm
o direito de professar a sua fé, pois unicamente a sua fé é
verdadeira. Devem exercer esse direito pela firme rejeição da
clamorosamente errônea declaração Dignitatis Humanae e pela conclusão
de que a legítima autoridade católica não poderia ser responsável por
um tal evangelho da apostasia nacional. Ao menos pode-se contar com
Bento XVI para reconhecer que estamos exercendo o nosso direito
natural à liberdade religiosa ao assim fazermos.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, Liberdade Religiosa. O Dr. Brian Harrison e a tentativa
de absolver o Vaticano II de erro, 2006, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-12r
de: “Religious Liberty. Dr. Brian Harrison and the attempt to absolve
Vatican II of error”, in: The Four Marks, vol. 1, n.º 7, agosto de
2006, pp. 6-7,11,14.
Adquirível em:

http://www.thefourmarks.com/downloads.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Autores: DALY, “Subito”, Cardeal Billot, Cardeal


Ottaviani, Chesterton, Dom Guéranger, Doutrina, Dr. Brian Harrison,
Latrocínio Vaticano II, Maritain, Método, Michael Davies, Papa
GREGÓRIO XVI (1831-46), Papa PIO IX (1846-78), Papa PIO XI (1922-39) |
13 Comentários »
A Voz de Roma – I
19 de outubro de 2011

Repúdio à calúnia de liberalismo


PAPA PIO IX

(Alocução de 17 dez. 1847)

“É seguro que não ignorais, veneráveis irmãos, que em nossos tempos


muitos dos inimigos da Fé Católica dirigem seus esforços especialmente
em pôr toda opinião monstruosa no mesmo nível que a doutrina de
Cristo, ou em confundir esta com aquelas, e assim tentam eles cada vez
mais propagar aquele ímpio sistema da indiferença de religiões.
Mas muito recentemente, trememos em dizê-lo, homens apareceram que
lançaram tais reprimendas sobre o Nosso nome e a Nossa dignidade
Apostólica, que eles não hesitam em caluniar-Nos, como se Nós
compartilhássemos da loucura deles e favorecêssemos o mencionado
sistema perversíssimo.
A partir das medidas, de modo nenhum incompatíveis com a santidade da
religião católica, que, em certos casos relativos ao governo civil dos
Estados Pontifícios, Nós consideramos apropriado por bondade adotar,
como tendentes à utilidade e prosperidade públicas, e a partir da
anistia graciosamente concedida a alguns dos súditos do mesmo Estado
no início do Nosso Pontificado, parece que esses homens quiseram
inferir que Nós pensamos com tanta benevolência acerca de toda classe
de gente, a ponto de supor que não somente os filhos da Igreja, mas
também o restante, independentemente do quão alienados da unidade
católica permaneçam, igualmente estejam no caminho da salvação, e
possam chegar à vida eterna.
Ficamos paralisados de horror e quase sem palavras para expressar
Nossa detestação dessa nova e atroz injustiça que Nos é feita.
Amamos, de fato, toda a humanidade com o mais íntimo afeto de Nosso
coração, mas não de outro modo senão no amor de Deus e de Nosso Senhor
Jesus Cristo, que veio para buscar e salvar aquilo que havia perecido,
morreu por todos, quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade; por isso, enviou Seus discípulos para o mundo
inteiro, para pregar o Evangelho a toda criatura, proclamando que quem
crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado;
aquele, pois, que quiser ser salvo, venha para a coluna e o firmamento
da Fé, que é a Igreja; venha para a verdadeira Igreja de Cristo, que
em seus Bispos e no Romano Pontífice, o chefe e cabeça de todos, tem a
sucessão da autoridade apostólica, jamais interrompida em momento
algum; a qual nunca considerou nada mais importante do que pregar e,
por todos os meios, guardar e defender a doutrina proclamada pelos
Apóstolos, por mandato de Cristo; a qual, desde o tempo dos Apóstolos
em diante, aumentou em meio a dificuldades de todos os tipos; e, sendo
ilustre através do mundo todo pelo esplendor dos milagres,
multiplicada pelo sangue dos mártires, exaltada pelas virtudes de
confessores e virgens, reforçada pelos sapientíssimos testemunhos dos
Padres, floresceu e floresce em todas as regiões da terra, e brilha
refulgente na perfeita unidade da Fé, dos Sacramentos e da santa
disciplina.”
(PIO IX, na Alocução aos Cardeais no Consistório de 17 de dezembro de
1847.)

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Papa PIO IX, Repúdio à calúnia de liberalismo. Excerto da Alocução aos
Cardeais no Consistório de 17 de dezembro de 1847; trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, out. 2011, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-120
A partir da trad. ingl. em:
John Gilmary SHEA, LL.D., The Life of Pope Pius IX and the Great
Events in the History of the Church During His Pontificate [A Vida do
Papa Pio IX e os Grandes Eventos na História da Igreja Durante Seu
Pontificado], New York: Thomas Kelly, 1878, pp. 97-103.
Livro disponível em:

http://www.archive.org/details/lifepopepiusixa00sheagoog

http://www.archive.org/details/thelifeofpopepiu00sheauoft

http://www.archive.org/details/a608509300sheauoft

http://www.archive.org/details/a608510000sheauoft
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Publicado em Doutrina, História da Igreja, Método, Oitavo, Papa PIO IX


(1846-78) | 3 Comentários »
Textos essenciais em tradução inédita – XCIX
7 de outubro de 2011

O “SONHO” DAS DUAS COLUNAS


Ensaio de Crítica Textual e Interpretação [1]
(1997)

Michael MENDL, s.d.b.

1. O Ambiente do “Sonho”

2. O Conteúdo do “Sonho”

3. A Interpretação do “Sonho”

4. Epílogo

1. O Ambiente do “Sonho”
Em 26 de maio de 1862, Dom Bosco prometeu aos meninos do Oratório,
como muitas vezes fazia, que teria “algo agradável” para contar a eles
no último ou penúltimo dia do mês,[2] em sua conferência de Boa Noite
à comunidade do Oratório. A Boa Noite é um costume salesiano que
remonta a 1847, quando foi inaugurada pela santa mãe de Dom Bosco.
Pouco tempo depois de alojar-se em suas próprias instalações em Turim,
Dom Bosco percebeu que alguns meninos precisavam de abrigo à noite.
Ele arrumou o estábulo. Mas as primeiras experiências dele não foram
encorajadoras. Ele conta-nos, em suas Memórias, que alguns daqueles
meninos “repetidamente fugiam com os lençóis, outros com os
cobertores, e no fim até mesmo o próprio colchão foi roubado.” [3]
Então, numa noite chuvosa em maio de 1847, um órfão de quinze anos
apareceu na porta, pedindo comida e abrigo. O Padre João e Mamãe
Margarida o acolheram, deram-lhe um prato de sopa e secaram as roupas
dele perto do fogo. Dom Bosco conversou com ele sobre o estado
espiritual, educacional e empregatício dele. Depois de um tempo, o
menino irrompeu em lágrimas e implorou abrigo, levando Margarida
também às lágrimas e comovendo Dom Bosco igualmente. O diálogo, nas
Memórias dele, segue-se deste modo: [4]
“— Se eu pudesse ter certeza de que você não é ladrão, eu tentaria
alojá-lo. Mas outros meninos roubaram alguns dos cobertores, e você
poderia levar os que sobraram.

— Ah, não, senhor. Não precisa se preocupar com isso. Eu sou pobre,
mas nunca roubei nada.
— Se você quiser, respondeu minha mãe, eu o alojarei esta noite, e
para amanhã Deus proverá.

— Onde?, perguntei eu.

— Aqui na cozinha.

— Está arriscando até mesmo suas panelas.

— Vou me certificar de que isso não aconteça.

— Vá em frente, então.

A boa mulher, ajudada pelo pequeno órfão, saiu e juntou alguns


tijolos. Com estes, construiu ela quatro pequenos pilares na cozinha.
Neles, ela deitou algumas tábuas e pôs um grande saco sobre elas,
destarte fazendo a primeira cama no Oratório. Minha mãe deu ao menino
um pequeno sermão sobre a necessidade do trabalho, da confiança e da
religião. Por fim, ela convidou-o a fazer suas orações.”
Esse menino foi fiel à palavra dele e tornou-se o primeiro hóspede
interno no albergue para jovens de Dom Bosco, o primeiro de centenas.
E Margarida Bosco havia iniciado uma prática característica do método
educacional salesiano. Após as orações da noite, isto é, por volta de
21:15, antes de os meninos seguirem para os seus dormitórios, Dom
Bosco ou seu representante ficava de pé diante da comunidade reunida e
dirigia algumas palavras a eles: sobre uma festa litúrgica vindoura,
algum acontecimento na casa, algum incidente público, algum conselho
baseado na Bíblia ou na vida de um santo etc., concluindo desejando-
lhes “boa noite”. Assim, tantos os meninos quanto os salesianos eram
mandados para a cama, e para o silêncio monástico que preenchia então
a casa, com um bom pensamento. Esse costume ainda é observado em
nossos internatos e, com modificações, em muitas de nossas outras
obras, bem como em nossas próprias comunidades.
Era geralmente nas Boas Noites que Dom Bosco narrava os seus sonhos
para os meninos. Ao passo que a Boa Noite era geralmente bastante
breve — Dom Bosco disse que devia durar, via de regra, somente três
minutos [5] — alguns desses sonhos devem ter levado uma hora para
relatar. E, no entanto, eram sempre aguardados com tremenda
empolgação, e se Dom Bosco, por algum motivo, tinha de adiar a
narração prometida de um sonho, os meninos não o deixavam em paz até
ele cumprir a palavra.
Esse contexto é importante. Com apenas um punhado de exceções, os
sonhos de Dom Bosco diziam respeito aos seus meninos e seus
salesianos. Eram “não para consumo externo”. Ele geralmente encorajava
seus ouvintes a debater entre si as palavras dele e seu significado
tanto quanto quisessem, mas muito frequentemente alertava-os
explicitamente que não repetissem a ninguém fora da casa o que ele
estava para dizer; os de fora não conheciam a atmosfera íntima e
paternal que reinava na família salesiana, podiam interpretar mal as
palavras dele, podiam expor o Oratório ao ridículo. Isso era assim,
tanto quando ele previa que algum pupilo morreria antes de uma certa
data, como quando ele contava alguma jornada mística com seus amados
filhos que, de algum modo, revelava os corações deles.
E foi assim que, numa Boa Noite na sexta-feira, 30 de maio de 1862,
ele finalmente cumpriu a promessa feita havia quatro noites a mais de
quinhentos rapazes e algumas dezenas de sacerdotes e seminaristas,
reunidos sob os pórticos onde eles diziam suas orações da noite quando
o clima estava ameno. O Padre Lemoyne, é claro, ainda não havia
encontrado Dom Bosco e não estava presente. Não temos versão alguma da
história na escrita de Dom Bosco. O que temos são duas cartas
independentes para um irmão leigo salesiano, Frederico Oreglia, que
estava fora do Oratório naquela ocasião. Assim, temos um relato sólido
da substância, mas não um relato literal, verbatim, daquilo que Dom
Bosco disse. [6]
Uma carta foi escrita na manhã seguinte, 31 de maio, por um
seminarista de 20 anos de idade, João Boggero. [7] A outra foi escrita
em 5 de junho por um leigo de 25 anos de idade, César Chiala. [8] É
essa segunda narrativa que eu considerarei primeiro.
Chiala vinha frequentando o Oratório havia cerca de doze anos. Ele
trabalhava para o serviço postal real, era atuante na Sociedade São
Vicente de Paulo, ensinava Catecismo no Oratório — o que pode explicar
a presença dele na noite de 20 de maio — e, mais tarde, tornou-se
salesiano. Chiala conta a Oreglia não ter escrito antes, porque
esperava que ele voltasse ao Oratório a qualquer momento; ele confessa
não conseguir mais se conter, e escreve tão apressadamente que se
desculpa por suas rasuras e correções. Isso indica que ele não compôs
nenhum rascunho preliminar e estava escrevendo de memória.
A importância especial dessa carta advém do que ela nos conta sobre o
contexto da narração, por Dom Bosco, de seu “sonho”. Após as orações
da noite, diz ele, o Pe. Vítor Alasonatti, vigário de Dom Bosco,
subira à pequena tribuna da frente para dar a Boa Noite. Se Dom Bosco
prometera quatro noites antes revelar “algo agradável”, ele
provavelmente não estivera presente nas três noites entrementes, e
nesta noite o Pe. Alasonatti não deve ter percebido que ele estava
presente afinal. “Quando o próprio Dom Bosco subitamente tomou a
frente”, diz Chiala, o Pe. Alasonatti cedeu o lugar a ele “e todos os
meninos começaram a gritar e dar vivas.”
Embora Chiala não use aspas para as palavras de Dom Bosco, ele as põe
na primeira pessoa. É óbvio que ele não está dando uma narração
verbatim mas somente um resumo substancial. Dom Bosco começou dizendo:
“É uma pena que, em meio a tão felizes boas-vindas, eu seja obrigado a
abrir a boca para castigar alguns que ontem escalaram o muro e saíram
do Oratório.” Os santos, mesmo os mais cativantes, podem ter problemas
disciplinares com seus filhos. Dom Bosco então leu em voz alta os
nomes dos meninos culpados e anunciou o castigo deles. A moldura é a
direção ordinária do internato do Oratório: o pai e seus quinhentos
meninos, incluindo um pouco de incerteza, de início, sobre se Dom
Bosco estava presente, e um problema que Dom Bosco considerou séria
ruptura da disciplina. Para dizê-lo de outro modo, o ambiente é
inteiramente pedagógico. E é essa a chave para interpretar as palavras
de Dom Bosco.

2. O Conteúdo do “Sonho”
Por fim, Dom Bosco anunciou: “Eu havia prometido narrar algo para
vocês.” “Sim, Sim!”, exclamaram todos. “Mas está um pouco tarde”, Dom
Bosco provocou. Todo o mundo gemeu. Novamente, a interação familiar do
pai no seio de sua família. Assim, Dom Bosco começou.
“Está bem, já que vocês querem que eu conte algo, escutem. Quero ver
se vocês têm a cabeça boa. Vou lhes contar uma fábula, um símile.
Prestem atenção [e vejam] se conseguem entendê-la.” Chiala relata que
“Silêncio absoluto caiu sobre aquele grupo de mais de 500 cabeças que,
pouco antes, ensurdecia as estrelas com o seu barulho.” [9]
Note-se que Dom Bosco não disse, como usualmente fazia, que ele
sonhara o que estava prestes a narrar, muito menos alertou os meninos
que se lembrassem de que sonhos são somente sonhos, como ele
frequentemente fazia. Ele disse explicitamente que era “uma fábula, um
símile”. (A primeira carta, a de João Boggero, omite toda essa matéria
introdutória. Por outro lado, no fim da carta, ele observa a Oreglia:
“O que eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.) O próximo dos
testemunhos mais antigos do que Dom Bosco disse também usa os termos
fábula e símile. Esse testemunho vem da crônica cotidiana mantida pelo
seminarista Domingos Ruffino, a qual é dependente da carta de Chiala.
O rascunho preliminar do Padre Lemoyne, ordenando todos os materiais a
partir dos quais ele mais tarde construiria as Memórias Biográficas,
usa a mesma terminologia: fábula e símile. [10] O primeiro documento
que chama essa narrativa específica de sonho parece ser o texto final
dessas Memórias, no volume 7, [11] sem explicação para a mudança, a
não ser que a explicação seja a observação final – e evidentemente
pessoal – de Boggero: “Eu acho é que é um dos sonhos usuais dele”.
Essa história textual, obviamente, não é testemunho muito convincente
para um sonho. [12] Um dos problemas que encontramos ao estudar a vida
de Dom Bosco está no que o Padre Lemoyne fez com o texto de suas
fontes; [13] este é um exemplo.
Portanto, pelo visto, Dom Bosco está propondo aos seus meninos e
seminaristas uma parábola, o tipo de parábola frequentemente chamado
de apólogo. Esse é um termo tomado de empréstimo dos estudiosos da
Escritura, especialmente os que estudam as parábolas, e significa uma
alegoria que ensina uma moral. É um termo apto para aquilo que Dom
Bosco narrou na noite de 30 de maio de 1862, bem como para alguns de
seus outros sonhos, por exemplo, o da serpente — óbvio símbolo do
demônio — que foi morta por uma corda batida contra ela, após o que, a
corda soletrou “Ave Maria”. [14]
De volta agora às palavras de Dom Bosco tais como relatadas por César
Chiala. “Imaginem – disse-nos ele – que vocês estão numa praia e não
veem outro espaço de terra a não ser o que está sob os seus pés.” [15]
Novamente, temos indicação de uma parábola. Dom Bosco é sempre um dos
protagonistas nos sonhos dele; ele nem mesmo aparece nesta aventura.
Embora os meninos dele muitas vezes tenham papéis atuantes nos sonhos
dele, ele nunca pede a eles que “imaginem” que estão realmente fazendo
ou testemunhando o que ele está prestes a descrever. Aqui ele é muito
semelhante a Nosso Senhor dizendo aos camponeses da Palestina:
“Escutai! Eis que saiu um semeador a semear…” (Marcos 4:1-12); ou
dizendo a Simão fariseu: “Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe
quinhentos denários, o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar,
perdoou a ambos a dívida. Qual deles, pois, mais o amará?” (Lucas
7:40-43). De fato, Dom Bosco, como Jesus, pedirá uma interpretação
depois que terminar a sua parábola.
Darei agora a narrativa de Dom Bosco sem interrupções, tal como Chiala
a relatou:
“Em toda a superfície do mar vocês veem uma infinidade de navios,
todos com um bico de ferro afiado que perfura tudo o que ele atinge.
Alguns desses navios têm armas, canhões, fuzis; outros têm livros e
materiais incendiários. Todos eles se apinham contra um navio que é
consideravelmente maior, tentando abalroá-lo, incendiá-lo e fazer nele
todo o tipo de dano possível. Imaginem que, no meio do mar, vocês veem
duas colunas altíssimas. Sobre uma delas está a estátua da Santíssima
Virgem Imaculada, com embaixo a inscrição: “Auxílio dos Cristãos”.
Sobre a outra, que é ainda mais alta e imponente, há uma Hóstia de
tamanho proporcionalmente grande em relação à coluna, e sob ela as
palavras: “Salvação dos que creem”. Da base da coluna, pendem muitas
correntes com âncoras, às quais é possível prender os navios. O navio
maior é capitaneado pelo Papa, e todos os esforços dele são dirigidos
para manobrá-lo em meio àquelas duas colunas. Mas, como eu disse, as
outras barcas tentam de todo o modo bloqueá-lo ou destruí-lo, algumas
com armas, outras com os bicos em suas proas, com o fogo de livros e
periódicos. Mas todas as suas armas são inúteis. Toda arma e
substância se esfacela e afunda. Vez por outra, os canhões abrem fenda
profunda nalgum ponto dos flancos do navio. Mas uma brisa que sopra
das duas colunas é suficiente para remediar toda a ferida e fechar as
fendas. O navio, novamente, continua em seu curso. No percurso, o Papa
cai uma vez, então se levanta novamente, cai segunda vez e morre.
Assim que ele se encontra morto, outro imediatamente o substitui. Ele
guia o navio para as duas colunas. Ao chegar, ele prende o navio com
uma âncora à coluna com a Hóstia consagrada, com outra âncora à coluna
com a Imaculada Conceição. Então, irrompe uma desordem total ao longo
de toda a superfície do mar. Todos os navios que até aquele momento
vinham combatendo a nau do Papa se dispersam, fogem, colidem uns com
os outros, alguns naufragando e tentando afundar os outros. Os que
estão à distância mantêm-se prudentemente afastados até os destroços
de todos os navios demolidos terem afundado nas profundezas do mar, e
então eles rumam vigorosamente para o lado da nau maior. Tendo se
juntado a ela, eles também se prendem a si mesmos nas âncoras que
pendem das duas colunas e ali permanecem em perfeita calmaria.”
Passo agora à carta de João Boggero ao Irmão Frederico Oreglia,
escrita na manhã seguinte à Boa Noite de Dom Bosco. Esse seminarista
tinha vivido no Oratório por mais de seis anos e foi um dos vinte e
dois salesianos originais. Ele acabou se tornando padre diocesano.
[16] Acerca do que Dom Bosco disse em 30 de maio, ele fez uma coisa
que muitos alunos, mesmo seminaristas, já fizeram, vez por outra: ele
escreveu uma carta durante a aula. Conforme a carta, ele começou a
escrever às 10:30 da manhã e concluiu-a quando a aula estava chegando
ao fim, às 11:00 da manhã; por onde, podemos suspeitar de um pouco de
pressa.
Ele concorda com Chiala que Dom Bosco começou convidando todos os
meninos a se imaginarem numa praia. Ele difere num detalhe: Dom Bosco
incluiu a si mesmo. Mas, como Dom Bosco não desempenha mais nenhum
papel na ação, isso não tem significância. Boggero oferece uma porção
de detalhes secundários que Chiala não apresenta, por exemplo, ele
descreve os bicos dos navios inimigos como “afiados como uma flecha” e
conta-nos que as duas colunas eram “pouco distantes uma da outra”. Por
outro lado, ele omite alguns dos detalhes de Chiala; dissera este que
os bicos eram de ferro e perfuravam tudo o que atingiam. Essas
pequenas variações são interessantes, confirmam que os relatos são
independentes, e não afetam a substância da história de Dom Bosco.
Entre as armas inimigas listadas por Boggero estão não somente
canhões, armas e livros, como também “mãos, punhos, blasfêmias e
maldições”. O Papa cai a primeira vez por ter sido gravemente ferido;
Chiala não dava uma razão. Quando ele cai pela segunda vez, morto, “um
grito de júbilo se ergue entre os inimigos remanescentes”. Chiala era
vago, apenas sugerindo depois do fim da batalha que alguns outros
navios haviam estado aliados ao Papa, senão efetivamente combatendo
por ele; Boggero observa que, depois que o navio papal é ancorado em
segurança às duas colunas, “Então foram vistos muitos dos navios
pequenos, alguns que haviam combatido por ele, outros à distância que
haviam recuado por medo da batalha, correrem para as colunas e se
ligarem àqueles ganchos, permanecendo ali totalmente a salvo e em
segurança.” Embora Boggero ponha a história de Dom Bosco entre aspas
e, numa ocasião, no início, note uma mudança no tom de voz dele, na
realidade ele, como Chiala, está apresentando somente um resumo
substancial.

3. A Interpretação do “Sonho”
Dom Bosco introduzira sua fábula ou símile com um desafio: “Eu quero
ver se vocês têm a cabeça boa. Prestem atenção [e vejam] se conseguem
entendê-lo.” Não era incomum ele apresentar uma interpretação de seus
sonhos, perguntar aos ouvintes o que achavam, ou entrar em algum
diálogo durante um sermão. Tendo concluído seu conto do navio do Papa
no vasto oceano, segundo nossas duas testemunhas, ele chamou o Pe.
Miguel Rua [17] e pediu-lhe que explicasse a fábula. Boggero, sem usar
aspas, resume a resposta do Pe. Rua:
“Ele disse: Parece-me que o navio do Papa é a Igreja, da qual ele é o
cabeça. Os outros navios são seres humanos, e o mar é este mundo, esta
terra. Os que estavam defendendo a Igreja são as pessoas boas, que
aderem à Santa Sé; os outros são os inimigos dela, que tentam destruí-
la com todo tipo de arma. E as duas colunas da segurança são a devoção
a Maria Santíssima a ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia.”
Dom Bosco aprovou a resposta do Pe. Rua e fez uma correção na
interpretação dele. Disse ele: “os navios inimigos são as perseguições
vindouras à Igreja. O que aconteceu até agora é quase nada.” Então ele
deu boa noite aos meninos.
O resumo de Chiala nota que Dom Bosco fez algumas sugestões de
interpretação, mas, diferentemente de Boggero, ele não especifica
quais foram. Ele fornece alguns detalhes ou variações sobressalentes:
os navios que lutam contra a Igreja são “as potências do mundo”; a
Igreja “de quando em quando sofre avarias, simbolizadas pelos buracos
feitos no grande navio pelas armas, mas uma brisa do Onipotente e da
Santíssima Virgem é suficiente para reparar esses danos, essas perdas
de algumas almas.” Em conformidade com essa visão de que se trata de
uma fábula ou apólogo, Chiala apresenta a moral, presumivelmente ainda
parafraseando o Pe. Rua: “A moral, então, é que temos somente dois
meios de ficar firmes nessa confusão, a devoção à Virgem Maria e a
recepção frequente dos sacramentos, esforçando-nos de todas as
maneiras em venerá-los e em difundir essa veneração.”
Nem o Padre Rua nem Dom Bosco comentaram sobre a dupla queda e morte
do Papa. De acordo com Chiala, quando Dom Bosco desceu da tribuna, ele
disse ao seminarista Francisco Provera que, se lhe perguntassem isso
outra noite, ele comentaria. Então, devia significar algo. Chiala
arriscou suas próprias opiniões:
“Parece-me que ele quis indicar que o Pontífice vivo hoje não verá o
fim dessas aflições, cairá uma vez de seu trono mas retornará a ele, e
que a paz será restaurada na Cristandade somente sob outro Papa, que
sucederá a Pio IX imediatamente após a morte deste. Os navios à
distância, penso eu, seriam as nações infiéis que se aproximarão da
fé.”
Com o espaço acabando, Chiala concluiu sugerindo a Oreglia que, se ele
quisesse “uma exposição mais genuína” das palavras de Dom Bosco, ele
devia consultar o Padre Rua e então confirmar aquele relato com o
próprio Dom Bosco.
Essas são as fontes primárias para aquilo que chamamos comumente de o
“Sonho” das Duas Colunas. Coloco “Sonho” entre aspas porque, como
vimos, Dom Bosco não o apresenta como sonho, mas como parábola. Quando
foi registrá-lo nas Memórias Biográficas, o Padre Lemoyne acrescentou
uma porção de passagens, [18] algumas importantes e outras não,
incluindo uma em que Dom Bosco chamou seu conto de sonho, a referência
a uma tempestade, uma esquadra dando apoio ao navio do Papa, duas
reuniões, convocadas pelo Papa, dos capitães das embarcações aliadas,
“regozijo indescritível” nas embarcações inimigas com a avaria que
fizeram no navio do Papa, e um conclave dos capitães aliados para
eleger um novo Papa. A mim, me parece que a esquadra de apoio e
diversas reuniões do Papa e seus capitães são importantes, não somente
detalhes que uma ou outra fonte pudesse ter acidentalmente omitido. O
navio principal não é mais a Igreja, mas a Santa Sé, com esquadras de
apoio que representam, ou as nações católicas, ou as igrejas locais. A
reunião dos capitães na ponte do navio papal pode facilmente ser
considerada o Concílio Vaticano I, ainda mais de sete anos no futuro.
Mas e quanto à segunda reunião, que é realizada sob o mesmo Papa? E
qual a fonte desse novo material?
O Padre Lemoyne afirma que dependeu de quatro documentos: as cartas de
Boggero e Chiala, a crônica de Ruffino, que já mencionamos, e um
manuscrito de Secondo Merlone, um seminarista em 1862 que depois se
tornou padre diocesano. O Padre Lemoyne diz que esse último documento
foi escrito “muito tempo depois” da narração de Dom Bosco, mas isso é
tudo que ele nos conta sobre o documento, e este não sobreviveu.
Talvez seja a fonte de parte do material que aparece exclusivamente
n’As Memórias Biográficas. Como quer que seja, o Padre Lemoyne
insiste: “Todas as quatro narrativas concordam perfeitamente exceto
pela omissão de alguns detalhes.” [19] Ora, como dissemos acima,
alguns dos detalhes que ele introduz não são insignificantes.
O Padre Lemoyne também nos conta de uma visita ao Oratório em 1886 do
Cônego João Bourlot, que fora seminarista em 1862 e escutara a
narrativa original por Dom Bosco. Ele recontou a parábola num jantar,
em presença de Dom Bosco e do Padre Lemoyne, e pôs um terceiro Papa na
narrativa. O Côn. Bourlot apareceu no Oratório novamente em 1907 e
contou o conto inteiro novamente, ainda insistindo que houvera três
Papas. [20] Obviamente o Padre Lemoyne não aceitou esse ponto. Mas é
possível que o relato oral do Côn. Bourlot, fresco na mente do Padre
Lemoyne quando este compunha o volume 7, tenha suscitado alguns dos
detalhes inexplicados no texto final d’As Memórias Biográficas. Por
outro lado, é preciso ser cuidadoso em aceitar testemunho oral vinte e
quatro anos depois de um acontecimento, que é o hiato entre a Boa
Noite de Dom Bosco e o primeiro relato dela pelo Côn. Bourlot na
presença do Padre Lemoyne. Se, por um lado, Dom Bosco estava presente
em 1886 para garantir a precisão do Cônego, ele não estava ali em
1907, quarenta e cinco anos depois do evento original.
É uma infelicidade que não saibamos com base em que autoridade o Padre
Lemoyne acrescentou os detalhes e substância que não temos como
rastrear nas fontes primárias sobreviventes, especialmente dado que
algumas delas não são inteiramente coerentes com as fontes
sobreviventes. Sem descartá-los categoricamente, um pouco de ceticismo
sobre esses detalhes é apropriado.
Agora, o que devemos pensar da parábola de Dom Bosco? Temos de começar
por onde ele começou, isto é, em 1862, num ambiente pedagógico entre
seus meninos e seus salesianos. A imagem da Igreja como barca de Pedro
era uma imagem comum que todos entendiam. O mar agitado pela
tempestade é imagem prontamente reconhecível do mundo com seus
perigos, e aparece com freqüência nos sonhos de Dom Bosco. A coluna
com a Hóstia no topo é auto-explicativa. A outra coluna tinha uma
estátua de Maria Imaculada, foco da devoção mariana de Dom Bosco desde
o início de seu Oratório, em 8 de dezembro de 1841, até este período,
quando seu foco mariano estava começando a passar para a Auxiliadora
dos Cristãos. Essa transição pode ter sido inspirada pelo apelo de
alguns Bispos italianos a Maria como Auxiliadora dos Cristãos para vir
em socorro da Igreja e, talvez, por algumas recentes alegações de
aparições num santuário mariano sob este título, perto da cidade de
Spoleto. [21] “Auxílio dos Cristãos” era a inscrição no pilar; e essa
festa específica acabara de ser observada, em 24 de maio. O título
mariano “Auxílio dos Cristãos” origina-se da vitória naval cristã em
Lepanto, 7 de outubro de 1571; o leque de imagens deste apólogo é
sugestivo de Lepanto. Quando um inimigo anterior da Igreja, Napoleão,
capturou o Papa Pio VII e levou-o ao exílio, o Papa retornou em
triunfo a Roma em 24 de maio. Assim, o leque de imagens de Dom Bosco
da Igreja e do Papa encontrando segurança no pilar da Auxiliadora dos
Cristãos encaixava-se com a história da Igreja e também refletia
acontecimentos contemporâneos.
O que estava acontecendo na Itália em 1862? A Igreja estava sob ataque
pesado em diversas frentes. Ela havia sido atacada política e
militarmente. O rei Vítor Emanuel II, Camillo Cavour, Giuseppe
Garibaldi e outros, em 1860, haviam unificado a maior parte da Itália
em um único reinado. Juntamente com outros territórios, eles haviam
capturado a maior parte dos Estados Papais, que haviam pertencido ao
Papado durante mil anos; e não era segredo que se pretendia que Roma,
que o Papa ainda detinha, acabasse por tornar-se a capital nacional.
Embora hoje percebamos que um Estado minúsculo é suficiente para
garantir a independência moral e espiritual do Papa, e o poder moral
dele seja mais forte sem ser ele uma potência temporal, isso não era
de modo nenhum claro em 1862.
A Igreja também estava sob assalto religiosamente. Além da lei
piemontesa de 1855 suprimindo as ordens monásticas, outras leis haviam
despojado as cortes eclesiásticas de um bocado de sua autoridade,
reduzido o número de feriados religiosos observados publicamente,
eliminado a censura da imprensa e o controle da educação pela Igreja,
e estabelecido tolerância religiosa, embora nominalmente o Catolicismo
permanecesse a religião do Estado. Essas leis foram estendidas para
outras regiões à medida que estas eram incorporadas ao reino da
Itália. Exceto pela supressão dos mosteiros e a captura de suas
propriedades e bens, esses passos redundavam, basicamente, na
separação de Igreja e Estado, conceito este que a Igreja não aceitou
formalmente até 1965. Na Europa do século XIX, isso era ainda
considerado algo revolucionário e maligno. Que decorreram males dessa
separação é inquestionável.
A Igreja estava sob ataque culturalmente. Por diversas razões, a
opinião pública começava a tornar-se anticlerical. O Papa tinha
respaldo estrangeiro na manutenção de sua posse dos Estados da Igreja
até 1860 e de Roma até 1870; a presença austríaca era particularmente
odiosa para os patriotas italianos. No geral, a hierarquia italiana
combateu com unhas e dentes todas as mudanças no status quo social e
político. Sem o freio da censura eclesiástica, escritores de toda a
espécie, de patriotas a protestantes evangélicos, a demagogos, a
mascates de imundícies, eram todos livres para atacar a religião, a
devoção popular, a Igreja, o Papa, os Bispos, a vida religiosa, as
escolas paroquiais e os sacerdotes individuais. O leitor deve ter
notado a presença de livros e periódicos no armamento dos inimigos da
Igreja na alegoria de Dom Bosco.
Padres, Bispos e mesmo Cardeais que se opunham ao novo regime eram
hostilizados, encarcerados, exilados. Os católicos podiam muito bem
sentir que a Igreja sofria uma nova perseguição como aquela infligida
pela Revolução Francesa. [22]
Até Dom Bosco e seu Oratório estavam sob ataque. No começo da década
de 1850 ele foi submetido a diversas tentativas de assassinato. Na
década de 1860 elas cessaram, mas ataques vis na imprensa anticlerical
tomaram o seu lugar. Políticos anticlericais também visaram-no,
convencidos de que, bem na capital nacional, Turim, ele estava
conspirando com o Papa contra a Itália. De tempos em tempos sua
correspondência era interceptada, e onze vezes em 1860 oficiais de
polícia apareceram no Oratório para vasculhá-lo, interrogar e
intimidar mestres e pupilos, e saquear o aposento de Dom Bosco e seus
papéis, em busca de provas que o incriminassem. Naturalmente, eles não
encontraram nada que pudessem usar; graças não somente à prudência e
posição apolítica do Santo, mas também a um de seus sonhos, que o
alertou antes da primeira revista. Dom Bosco utilizou a oportunidade
fornecida pelas buscas, para conversar com os oficiais sobre as almas
deles. Alguns meses depois do “Sonho” das Duas Colunas, oficiais do
departamento de educação tentariam desqualificar os professores de Dom
Bosco e demonstrar que o Oratório ensinava subversão, para poderem
fechá-lo.
Se desejarmos interpretar a primeira queda do Papa na alegoria de Dom
Bosco, e depois sua fatal segunda queda, podemos explicá-las deste
modo: A primeira queda representava a temporária derrubada do poder
temporal do Papa durante a Revolução de 1848, quando Pio IX foi
empurrado ao exílio por cerca de um ano, e Garibaldi, Mazzini e seus
amigos instauraram a efêmera República Romana. A fatal segunda ferida
poderia representar o que muitas pessoas podiam prever em 1862: que o
poder temporal da Igreja lhe seria completamente subtraído no futuro,
como aconteceu em 1870. Dessa “fatalidade”, um novo tipo de liderança
da Igreja emergiu. Isso, é claro, é uma hipótese. Não temos a
explicação do próprio Dom Bosco. Outros poderiam aventar a hipótese de
que os Papas sejam figuras pessoais: Pio IX, que viveria até 1878, e
Leão XIII.
Começar a especular sobre as conferências dos capitães aliados ao
Santo Padre e o conclave que elegeu um novo Papa leva-nos às
interpolações feitas pelo Padre Lemoyne n’As Memórias Biográficas, e
adentramos terreno ainda menos seguro, por não termos certeza de que
Dom Bosco descreveu essas coisas.
Como quer que seja, tomando o que Dom Bosco inquestionavelmente disse,
temos a Igreja e uma casa religiosa sofrendo a tempestade da
perseguição. Dom Bosco poderia facilmente ter falado diretamente aos
meninos e aos salesianos sobre a Divina Providência, a promessa de
Jesus de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, o
poder da Eucaristia, a proteção de nossa Mãe Santíssima. E assim fez
ele constantemente. Mas usar uma história ou parábola pitoresca que ao
menos sugerisse aos seus ouvintes os conhecidos sonhos dele seria uma
ferramenta de ensino mais poderosa, como as inesquecíveis parábolas do
Senhor.
Com efeito, as imagens da Igreja assediada, da pilotagem segura do
Santo Padre, do porto seguro oferecido pela proteção de Maria, da
salvação garantida pelo Santíssimo Sacramento mantêm seu apelo a nós
hoje. À luz do contexto pedagógico e das palavras dele tais como
registradas pelas testemunhas, creio que isso é tudo o que Dom Bosco
pretendia transmitir. A alegoria de São João Bosco é tão intemporal
quanto a Igreja mesma. Sob esse aspecto, pessoas que encontram nesse
sonho ou parábola “uma visão profética para o nosso tempo” acertam em
cheio.
Ora, alguns tentaram fazer desse sonho ou parábola “uma visão da
Igreja Católica no fim dos tempos… uma visão reveladora de como a
Igreja sobreviveria a perseguições terríveis no fim do século XX.”
Espero que a exposição acima já tenha deixado claro que tal
interpretação é uma distorção sem fundamento. Ademais, não há registro
de que Dom Bosco estivesse interessado, ainda que minimamente, pelos
últimos tempos ou dedicasse algum pensamento à especulação sobre eles.
A preocupação dele com os seus meninos, e mesmo com os inspetores de
polícia que perturbavam seu Oratório, era sempre pela salvação
individual deles, de que estivessem pessoalmente prontos para o juízo
inevitável que vem imediatamente após a morte. Esse é um tema
constante em seus sermões, conferências de Boa Noite e sonhos, e é a
moral que ele extrai do episódio que ele relatou da ressuscitação
temporária de um menino morto.[23] Para alcançar a salvação devemos
estar a bordo da arca da segurança, que é a Igreja; Maria oferece-nos
sua certeira proteção materna em todas as circunstâncias; os
sacramentos, particularmente a Penitência e a Santa Eucaristia, são
nossos meios de salvação.

4. Epílogo
Talvez a ideia de que Dom Bosco estivesse prevendo alguma batalha
apocalíptica entre a Igreja e os poderes do mal no fim do século XX
venha de uma certa confusão que, lamentavelmente, parece amplamente
disseminada. Pessoas frequentemente me ligam ou escrevem com perguntas
sobre São João Bosco. De quando em quando, sou questionado sobre as
datas nos dois pilares no mar. Como o leitor percebe, não existem
datas.
Como foi que datas entraram nesse “Sonho” das Duas Colunas, na cabeça
de alguns? Minha teoria é de que algumas pessoas se depararam com dois
parágrafos que estão no volume 9 d’As Memórias Biográficas. É 1869, e
Dom Bosco construiu a Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos no
Oratório, mas os retoques finais ainda estão por ser dados. O Padre
Lemoyne escreve:
“…trabalho adicional na Igreja de Maria Auxiliadora estava em curso.
Cada um dos dois campanários flanqueando a fachada devia ter no topo
um anjo, de quase 2,5 metros de altura, feito de cobre bruto dourado,
de acordo com o plano do próprio Dom Bosco. O anjo da direita segurava
uma bandeira…que continha a palavra “LEPANTO” talhada em letras
grandes através do metal, enquanto o da esquerda oferecia…uma coroa de
louros à Santíssima Virgem localizada sobre o domo.
Num desenho anterior, o segundo anjo também segurava uma bandeira na
qual o número “19” estava talhado através do metal, seguido de dois
pontinhos. Representava outra data, “mil novecentos”, sem os dois
números finais indicando o ano específico. Embora no fim, como
dissemos, uma coroa de louros tenha sido posta na mão do anjo, nunca
nos esquecemos da data misteriosa que, em nossa opinião, apontava para
um novo triunfo de Nossa Senhora. Que venha logo este e reúna todas as
nações sob o manto de Maria.”
Até aqui o Padre Lemoyne, na tradução publicada para o inglês. [24]
Conferi com o original em italiano, [25] e uma frase importante está
faltando no inglês: “Num desenho anterior, que nós mesmos vimos…” O
Padre Lemoyne gosta muito do nós editorial. Ele quer dizer que ele o
viu. Infelizmente, ele não diz especificamente que o desenho original
fosse de Dom Bosco; ele é explícito sobre isso quanto ao desenho
final, os anjos tais como realmente ficam no topo daqueles dois
campanários. É razoável supor que o desenho não utilizado, a data
incompleta do século XX do segundo anjo, também tenham vindo do nosso
Santo; teria ajudado se o Padre Lemoyne o tivesse afirmado. Mas,
apesar das procuras pelos arquivos, o desenho original nunca foi
encontrado, e ninguém além do Padre Lemoyne jamais alegou tê-lo visto.
Dizer algo além disso sobre o desenho ou a data é especulação.
Se o primeiro desenho originou-se de Dom Bosco, teria a data
misteriosa vindo de um sonho? É possível, mas isso também é somente
especulação.
Um pouco de especulação, então. A data 19.. pode ser qualquer data no
século. Não há absolutamente nenhuma razão para dizer que deva ser no
fim do século XX. Não há nem sequer razão alguma constringente para a
data dever ser identificada. Mas, se alguém quiser adivinhá-la, deve
procurar algo que tivesse algum paralelo com o evento de Lepanto,
assinalado pela bandeira do primeiro anjo. Lepanto foi a vitória de
uma aliança católica contra as legiões islâmicas reunindo-se para
invadir a Europa cristã em 1571. A vitória era totalmente inesperada,
resultado de boa fortuna, falando militarmente, e de uma estratégia de
batalha bem executada. Foi atribuída, na ocasião e desde então, ao
poder do Rosário, à assistência de Maria Auxiliadora.
Se a data misteriosa veio de Dom Bosco, ele escolheu não publicá-la.
Mas, se se quiser especular — e não há mal algum nisso —, eis uma
hipótese razoável. O ano misterioso já passou, e não faz muito tempo.
Foi o ano de uma sequência de eventos inesperada, de tirar o fôlego: o
triunfo do Solidariedade nas primeiras eleições livres na Polônia, a
liberação dos satélites soviéticos por toda a Europa, a queda do Muro
de Berlim: eventos que pressagiaram o colapso da União Soviética. Essa
série de acontecimentos tem, por alto, paralelo com a vitória de
Lepanto. Nossa Senhora pediu-nos em Fátima, antes mesmo que houvesse
uma Rússia comunista, que rezássemos pela conversão da Rússia. Em
1989, vimos alguns dos frutos visíveis de nossas orações.
Isso é especulação, e outros podem oferecer outras ideias. De qualquer
modo, aquele desenho angélico não usado é provavelmente de onde surgiu
a ideia incorreta e sem fundamento de que haveria datas nas duas
colunas no oceano. Não há absolutamente nenhuma conexão com as duas
colunas. Logo, a ideia de que o “sonho” ou fábula das duas colunas
preveja uma vitória específica para a Igreja no século XX não tem
respaldo. O “sonho” ou fábula deve ser interpretado em seu próprio
contexto do século XIX, incluindo sua plateia de meninos ginasianos.
Oferece conselho muito bom e perene, como toda boa fábula: nesse caso,
o conselho espiritual de que nossa Mãe Santíssima é nossa auxiliadora
e protetora nesta vida contra os ataques de nossos inimigos
espirituais; que nossa salvação vem de nos alimentarmos de Jesus na
Santa Eucaristia, sacramentalmente e devocionalmente; que a Igreja
Católica, pilotada pelo Sucessor de Pedro, nos guiará para o porto
seguro. [26]

_____________

1. Este ensaio baseia-se num discurso proferido no Congresso


Eucarístico Mariano em Columbus, Ohio, em 11 de outubro de 1997.
2. Giovanni Battista Lemoyne, The Biographical Memoirs of Saint John
Bosco, trad. ingl. de Diego Borgatello, vol. 7 (New Rochelle:
Salesiana, 1972), p. 107. Doravante citado como BM com volume e
página.
3. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales de 1815 e 1855,
trad. ingl. de Daniel Lyons (New Rochelle: Don Bosco Publications,
1989), p. 313.
4. Ibid., pp. 313-14.
5. “Il Sistema preventivo nella educazione della gioventù” [O Sistema
Preventivo na educação da juventude], um apêndice a: Inaugurazione del
Patronato di S. Pietro in Nizza a Mare (San Pier d’Arena: Salesiana,
1877), pp. 44-65, à p. 58 (esta é uma publicação bilíngue, com os
versos em italiano e as frentes em francês); reproduzido em Giovanni
Bosco, Opere edite 28 (Roma: LAS, 1977), [422-43] na p. [436]; trad.
ingl. “The Preventive System in the Education of the Young”, apêndice
a: Constitutions of the Society of St. Francis de Sales [Constituições
da Sociedade de São Francisco de Sales] (Roma, 1985), pp. 246-53, na
p. 250.
6. Sigo aqui o tratamento das fontes pelo Pe. Stella: Pietro Stella,
Don Bosco’s Dreams: A Historico-documentary Analysis of Selected
Samples [Os Sonhos de Dom Bosco: Uma análise histórico-documentária de
amostras selecionadas], trad. ingl. de John Drury (New Rochelle: Don
Bosco Publications, 1996), pp. 55-60, e os textos das próprias fontes,
pp. 77-84.
7. Manuscrito 275 Boggero nos Arquivos Centrais Salesianos (na Sede
Geral, em Roma); Stella, Don Bosco’s Dreams, pp. 77-78.
8. Manuscrito 110 Chiala nos Arquivos Centrais Salesianos; Stella, Don
Bosco’s Dreams, pp. 78-81.
9. Com tempo bom, as orações da noite eram rezadas sob os pórticos em
torno do pátio do Oratório.
10. Giovanni Battista Lemoyne, Documenti per scrivere la storia di D.
Giovanni Bosco, dell’Oratorio di S. Francesco di Sales e della
Congregazione Salesiana (Arquivos 110 Lemoyne) 8:56-57; Stella, Don
Bosco’s Dreams, pp. 82-84.
11. Memorie biografiche del venerabile Don Giovanni Bosco 7 (Turin:
Salesiana, 1909), 169; BM 7:107.
12. O reitor-mor salesiano, Pe. Egídio Viganò, também referiu-se a
esta narrativa como “o assim chamado ‘sonho’ das duas colunas” numa
carta circular aos salesianos, “Our Fidelity to Peter’s Successor”
[Nossa Fidelidade ao Sucessor de Pedro], 3 de setembro de 1985, Acts
of the General Council [Atas do Concílio Geral] 66 (1985), n.º 315, p.
31.
13. Para mais sobre esse assunto, o leitor pode consultar nosso Ensaio
Introdutório sobre os Sonhos de Dom Bosco.
14. Ver BM 7:143-144, 146-148.
15. Essa linguagem é bastante semelhante àquela que Dom Bosco usou ao
pronunciar para a comunidade do Oratório o Lema de 1864, em que,
também, ele falou de duas colunas representando a Eucaristia e a
Virgem: sem nem sombra de menção a um sonho e sem referência a
narrativa alguma (BM 7:354).
16. Ver BM 8:243-248.
17. Que acabaria sucedendo-o como reitor-mor e sendo beatificado pelo
papa Paulo VI.
18. Memorie biografiche 7:169-71; BM 7:107-09.
19. BM 7:109.
20. Ibid., pp. 109-10.
21. Ver Pietro Stella, Don Bosco: Religious Outlook and Spirituality
[Dom Bosco: Perfil Religioso e Espiritualidade], trad. ingl. de John
Drury (New Rochelle: Salesiana, 1996), pp. 155-69.
22. Em “Our Fidelity to Peter’s Successor” [Nossa Fidelidade ao
Sucessor de Pedro], p. 32, o Pe. Viganò nota esse contexto de ataque,
assim como numa carta posterior: “The Eucharist in the Apostolic
Spirit of Don Bosco” [A Eucaristia no Espírito Apostólico de Dom
Bosco], 8 de dezembro de 1987, Acts of the General Council [Atas do
Concílio Geral] 69 (1988), n.º 324, pp. 49-50.
23. Ver Lemoyne, BM 3 (1966):349-51, e Pietro Stella, “Don Bosco and
the Death of Charles” [Dom Bosco e a Morte de Carlos], apêndice a Don
Bosco: Life and Work, trad. ingl. de John Drury (New Rochelle:
Salesiana, 2005).
24. Lemoyne, BM 9 (1975), 276.
25. Lemoyne, Memorie biografiche del venerabile Don Giovanni Bosco 9
(Turim: SAID, 1917), 583.
26. Em “Our Fidelity to Peter’s Successor” [Nossa Fidelidade ao
Sucessor de Pedro], o Pe. Viganò usou o “sonho” para frisar “o elo
estreito que une a figura do Sucessor de Pedro com a de Maria”, loc.
cit., pp. 31-34. Em “The Eucharist in the Apostolic Spirit of Don
Bosco” [A Eucaristia no Espírito Apostólico de Dom Bosco] ele retorna
ao “sonho”, para enfatizar a importância das devoções gêmeas a Maria e
à Santíssima Eucaristia.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Michael MENDL, S.D.B., O “Sonho” das Duas Colunas. Ensaio de Crítica
Textual e Interpretação, 1997, trad. br. por F. Coelho, São Paulo,
set. 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-Ut
de: “The ‘Dream’ of the Two Columns. An Essay in Textual Criticism and
Interpretation”, ensaio baseado num discurso proferido no Congresso
Eucarístico Mariano em Columbus, Ohio, a 11 de outubro de 1997,
http://www.bosconet.aust.com/2columns.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:

Textos essenciais em tradução inédita – 87

Mons. Gherardini, Vaticano II

e hermenêutica da continuidade
(2010)

Rev. Pe. Francesco Ricossa

A tese teológica do Padre M.-L. Guérard des Lauriers, dominicano, ex-


docente na Pontifícia Universidade Lateranense, dita Tese de
Cassicíaco, toma como ponto de partida um dado de fato: o ensinamento
do Concílio Vaticano II, por exemplo a declaração Dignitatis humanae
personæ, está em oposição de contradição com o Magistério infalível e
irreformável da Igreja Católica Romana, e é essa a causa principal da
“crise” que a Igreja mesma vem atravessando a partir daquele momento.
É evidente, então, que nossa revista, que desde 1985 adota e defende a
Tese “guérardiana”, não pode deixar de se interessar por todo fato
novo que se refira às relações existentes entre o ensinamento do
Vaticano II e a Tradição da Igreja, seja na (vã) tentativa de
encontrar conciliação entre eles (cf. comentário ao discurso de Bento
XVI de 22/12/2005, em Sodalitium n.º 59, ou o comentário à declaração
da Congregação da Doutrina da Fé sobre a fórmula subsistit in em
Sodalitium n.º 62), seja quando, pelo contrário, se suscita o problema
da contradição.
O ano findo não foi avaro deste último ponto de vista. Até o
Osservatore Romano resenhou positivamente a reedição (ou melhor, as
reedições, pois foram publicadas duas ao mesmo tempo) do volume de
Romano Amerio Iota unum [1], cujo subtítulo – paráfrase de uma obra de
Bossuet contra os protestantes – é significativo: “estudo das
variações da Igreja Católica no século XX”. Poucas palavras, estas
últimas, que exprimem ao mesmo tempo a força e a fraqueza do ensaio de
Amerio: falando de variações, o filósofo de tendência rosminiana [2]
admite e demonstra que o Vaticano II e o ensinamento pós-conciliar não
estão em continuidade, mas, sim, em ruptura, com o ensinamento da
Igreja Católica [3]; atribuindo, porém, essas variações à Igreja
Católica, ofende sem se dar conta disso a Igreja mesma, pois assim
estaria demonstrando que ela seria falsa, tudo isso para salvaguardar
a legitimidade de Paulo VI e de seus sucessores. Não por acaso, na
apologética de Bossuet, as variações das “igrejas” protestantes
demonstram não serem elas a verdadeira Igreja de Cristo; falar de
variações da Igreja Católica equivale implicitamente (e
involuntariamente, penso eu, no caso de Amerio) a pôr no mesmo plano a
Igreja Católica e as seitas protestantes.
A mesma nota positiva, e a mesma crítica radical, devemos fazer à
última obra de Mons. Brunero Gherardini, que são ao menos três [4],
muito embora só seja objeto desta resenha a primeira: Concilio
Vaticano II. Un discorso da fare [Concílio Vaticano II. Um discurso a
ser feito] (Casa Mariana Editrice, Frigento, março de 2009). Abordo
“com temor e tremor” a figura de Mons. Gherardini, sobretudo nas
críticas que não posso deixar de lhe fazer. Uma consequência
deplorável, de fato, da atual crise de autoridade (na Igreja Católica,
e mesmo fora dela) é a dispersão do rebanho cujo Pastor foi atingido,
razão pela qual toda ovelhinha do rebanho se erige em Mestre na Igreja
de Deus, mesmo sem ter para isso missão, autoridade e, frequentemente,
capacidade. O último ignorante, como nos tempos da reforma luterana,
hoje disserta sobre dogmas que ignora, interpreta a Escritura, crê-se
teólogo, quer ensinar ao Padre a liturgia, não crê na infalibilidade
do Papa mas na sua própria… Não queria, portanto, eu próprio, que não
sou teólogo, cometer o mesmo erro ao criticar Mons. Gherardini, que é
teólogo, e teólogo sério [5], daquela escola romana e tomista da
gloriosa Pontifícia Universidade Lateranense dirigida por Mons.
Piolanti, que contou entre seus docentes Padre Guérard des Lauriers e
Mons. Spadafora. Sem a revolução do Vaticano II, os estudos teológicos
de Mons. Gherardini teriam dado os seus frutos, amadurecendo sob o sol
do Magistério pontifício e da Roma católica; assim não foi, e, depois
de ter procurado justificar o Vaticano II por quarenta anos, “dando
nós em pingo d’água”, segundo a expressão por ele mesmo utilizada (p.
163 [“arrampicandosi sugli specchi” – N. do T.]), Mons. Gherardini
procura explicar aos leitores, e sobretudo a si mesmo, o inexplicável,
ou seja a contradição em ato entre o ensinamento conciliar e pós-
conciliar e o ensinamento da Igreja. Pois esse é o tema, o status
quaestionis de seu livro: é necessário ler os documentos conciliares
segundo a criteriologia clássica. As possíveis soluções são as
seguintes:

“ou a continuidade do Vaticano II com a linha do ensinamento católico


tradicional,

ou sua dissociação dela,

ou a medida da continuidade e da eventual descontinuidade” (p. 45).


Esse o problema. Trata-se de “verificar se e em que medida o Vaticano
II se conecta, efetivamente e não só mediante suas declarações, com a
doutrina exposta pelos Concílios ou por cada um dos Pontífices, ou
pelo ministério episcopal, e transmitida pela Tradição à vida mesma da
Igreja” (p. 57); “o Vaticano II se inscreve ou não na Tradição
ininterrupta da Igreja, desde os seus primórdios até hoje?” (p. 84);
“o problema é e permanece o de demonstrar que o Concílio não se pôs
fora da trilha da Tradição” (p. 87), pois a continuidade não deve ser
“declamada, mas, sim, demonstrada” (p. 255).

A questão posta por Mons. Gherardini

é já em si mesma, in nuce, uma resposta


Vimos a pergunta que Mons. Gherardini se faz. Ele a faz a si próprio.
Ele a faz aos leitores. Ele a faz aos teólogos. Ele a faz, sobretudo,
a Bento XVI.
Mas fazer-se essa pergunta considerando-a aberta a uma das três
soluções, ou seja considerando possível a solução que implica uma
ruptura entre o ensinamento conciliar e o da Igreja, inclui já uma
resposta negativa para o Vaticano II. De fato, Mons. Gherardini se faz
e não ignora a pergunta decisiva: “alguns (…) se perguntaram se um
Concílio Ecumênico pode incorrer em erros contra a Fé e a Moral. (…) O
meu parecer é que isso pode verificar-se, mas, no preciso momento em
que se verifica, o Concílio ecumênico cessa de ser tal” (pp. 22-23) e,
acrescentamos logicamente nós, já cessou de ser tal, se é que jamais o
foi, a autoridade que o promulgou “no Espírito Santo”!
Mas a essa conclusão o autor não quer chegar… Para tanto (isto é, para
salvar a legitimidade dos “papas” conciliares), ele deveria fazer sua
“a hermenêutica da continuidade” do próprio Concílio, o qual se
declara em continuidade com a Tradição (pp. 53-57), de J. Ratzinger
(do Informe sobre a fé, de 1985, ao Discurso à Cúria de 22 de dezembro
de 2005, cf. p. 86) seguido por Marchetto (p. 13), Lamb e Levering (p.
26) etc., em oposição aos mantenedores da ruptura (sejam estes
modernistas, como Alberigo (p. 15), Melloni etc., ou
“tradicionalistas” como Amerio, Dörmann (p. 14), os autores da
Fraternidade São Pio X, sendo totalmente ignorados a Lettre à quelques
évêques ou Lucien).
Um católico que reconhece a autoridade do Concílio Vaticano II e dos
Pontífices que o promulgaram e sustentaram – como Mons. Gherardini –
não poderia nem sequer pôr em dúvida “a hermenêutica da continuidade”,
dando-a por pressuposta a priori e a ser defendida sem mais a
posteriori contra os adversários da Igreja, sejam estes modernistas ou
tradicionalistas. Mas não é essa a solução que Gherardini adota, ao
menos não em seu livro inteiro. Para ele, não basta sustentar a
hermenêutica da continuidade, importa demonstrá-la: demonstração que é
tudo menos evidente, e até o momento absolutamente faltante, exceto
por palavras “ao vento” [“che lasciano il tempo che trovano” – N. do
T.] (cf. pp. 26-27, p. 51, p. 52).
Qual é, então, a resposta de Mons. Gherardini: continuidade ou
ruptura? Nem ele sabe…

As contradições de Mons. Gherardini,

e suas dúvidas
A contradição é o sinal mais evidente do erro. Lendo Mons. Gherardini,
é-se golpeado pelas contínuas contradições do seu pensamento a
propósito do Vaticano II, acusado e defendido, declarado em
continuidade ou em ruptura com a Tradição, às vezes na mesma página do
livro dele, à distância de poucas linhas. Não penso que tais
contradições sejam fruto de falta de rigor especulativo do autor,
tanto quanto de confusão e temor em afrontar uma matéria tão grave em
suas consequências.
Mons. Gherardini não silencia, mas sinceramente confessa, as dúvidas
que o acometem e as transigências intelectuais às quais dedicou-se por
40 anos. Teólogo fiel à doutrina tradicional da Igreja, quis aceitar a
nova doutrina do Vaticano II: teve então de convencer-se, para em
seguida convencer os seus pupilos, ouvintes e leitores, de uma
continuidade com a Tradição que não o convencia por completo: “dava
nós em pingos d’água” (p. 163). “Falei – confessa – de continuidade
evolutiva, para exconjurar uma tal suspeita (de ruptura entre Vaticano
II e Tradição, n.d.a.) e encontrar, mediante essa fórmula, a
possibilidade de ancorar o Vaticano II, com a sua originalidade e
criatividade, na precedente Tradição. Confesso todavia que nunca
cessei de me colocar o problema de se efetivamente a Tradição da
Igreja foi totalmente [“in tutto e per tutto” – N. do T.]
salvaguardada pelo último Concílio e se, por conseguinte, a
hermenêutica da continuidade evolutiva é um seu inegável valor e se
pode dar crédito a ela” (p. 87). Gherardini duvida de si mesmo,
portanto. A autocrítica refere-se por exemplo à declaração sobre a
liberdade religiosa Dignitatis humanae personae: “O Vaticano II
terminara havia pouco quando, na minha qualidade de Professor de
Eclesiologia e Decano da Pontifícia Universidade Lateranense, dirigi a
elaboração de uma tese de láurea sobre ‘A Liberdade religiosa no
Vaticano II’. O candidato era um jovem sacerdote, inteligente e dócil,
hoje Bispo na Áustria. Por intermédio dele (…) foi-me possível pela
primeira vez tentar a ligação da disruptiva declaração DH com o
ensinamento tradicional da Igreja. Sim, era preciso dar nós em pingo
d’água, mas a empresa não me pareceu impossível de tentar. Hoje, sobre
o famoso decreto conciliar, eu teria algumas dúvidas a mais do que já
tinha então” (p. 163). Não sabemos se o autor se dá conta de sua
responsabilidade em ter calado por tantos anos suas dúvidas (e só
agora, depois de 40 anos, “romper as pontes do silêncio” p. 25) e
mesmo endossado essas doutrinas, como fez por exemplo com a Missa
Nova, que hoje critica (p. 154-161) (ainda quando porventura celebra,
malgrado os usuais “problemas” que lhe suscita) enquanto que “em
outubro de 1984 o Pe. Piero Cantoni, que em 1981 deixara a
Fraternidade São Pio X para aceitar o Vaticano II e a Missa Nova,
obteve a licença em Sacra Teologia na Pontifícia Universidade
Lateranense com uma investigação sobre ‘Novus Ordo Missae’ e Fé
Católica, sob a direção do professor Brunero Gherardini” (A.
Morselli).
O estudo do Pe. Cantoni, dirigido por Mons. Gherardini, e publicado
antes na revista do card. Siri, Renovatio, e em seguida, em 1988,
pelas edições Quadrivium, tinha o escopo de demonstrar a perfeita
ortodoxia do novo missal, e serviu e serve ainda a esse escopo. Mons.
Gherardini e seus apologistas na Fraternidade São Pio X talvez se
tenham esquecido disso, mas nós não. Padre Guérard des Lauriers, por
ter escrito o “Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae” em 1969 foi
privado da cátedra na Lateranense, ao passo que em 1984 Mons.
Gherardini patrocinava tese de láurea na Lateranense em defesa da
Missa Nova, malgrado os “problemas” que esta lhe apresentava; mas “a
carreira vale bem um incensamento” (p. 16). Não me queira mal Mons.
Gherardini por esta crítica, voltada a certos seus interessados
aduladores antes que a quem, como ele, manifesta com sinceridade os
percalços de seu espírito.

Sic et non: o Vaticano II

em ruptura com a Tradição


Falamos de contradições; com efeito, Mons. Gherardini afirma que o
Vaticano II está, e não está, em ruptura com a Tradição da Igreja.
Vejamos em primeiro lugar o “não está”. Gherardini critica sem dúvida
“o espírito do Concílio”, o “pós-concílio”, os “teólogos pós-
conciliares”: nisso a sua posição não discreparia da hermenêutica da
continuidade de Ratzinger, da tentativa de jogar a cruz unicamente
sobre Rahner, tentativa levada adiante por De Mattei (amigo de
Gherardini), Padre Cavalcoli (Karl Rahner. Il Concilio tradito. [Karl
Rahner. O Concílio traído.] Ed. Fede e cultura), McInerny (Vaticano II
Che cosa è andato storto? [O que deu errado com o Vaticano II?] Ed.
Fede e cultura) e similares [6]. Na realidade, Mons. Gherardini afirma
muito mais. E não só porque acusa muitos teólogos recompensados após o
Concílio com a Púrpura cardinalícia (de Lubac, Congar, von Balthasar,
Danielou: por ex. p. 90) e recorda como Rahner foi recebido pelo
“magistério” (p. 100). A crítica de Gherardini dirige-se
explicitamente ao Vaticano II, ao “magistério” ou o governo conciliar
e pós-conciliar, a Roncalli (por ex. pp. 31, 74, 149-151, 191),
Montini (por ex. p. 131, 149, 150, 156-157), Wojtyla (p. 56, 73, 107,
156-157) e mesmo Ratzinger (ao qual alude na p. 98). “Como seja
possível uma hermenêutica da continuidade conforme tais premissas
(aquelas postas pelo próprio João XXIII, n.d.a.) não faço a mínima
ideia” (p. 151). São os próprios textos do Vaticano II ou os
documentos “oficiais” a serem criticados. Há um elenco impressionante:
a constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium (p. 98, p. 203
sobre o novo conceito de pertença à Igreja, em conflito aberto com a
encíclica de Pio XII Mystici Corporis, pp. 204-205) inclusive as
atuais tentativas de interpretá-la em conformidade com a Tradição (p.
21-22); a sobre a Revelação, Dei Verbum, acusada de falsear o conceito
de Tradição (pp. 118, 120, 125-126, 128); contra a Reforma litúrgica,
que reduz o Sacrifício da Missa a uma Ceia (p. 159), chegando a falar
de um “erro gravíssimo” (p. 160); contra Gaudium et spes (pp. 36, 69,
190, com a acusação de “antropocentrismo idolátrico”; pp. 200-201 com
as acusações de naturalismo e sincretismo, ao ponto de confundir a
Igreja com a humanidade); contra uma série de textos e decisões
oficiais acusados de relativismo (pp. 93-95), tais como a comunhão na
mão, a permissão da communicatio in sacris, a eficácia salvífica das
confissões acatólicas e do hebraísmo, a deriva judaico-cristã, a
aceitação da anáfora de Addai e Mari que não tem consagração, a
confusão do Deus trinitário com o dos hebreus e muçulmanos, o culto do
homem; contra a declaração Dignitatis humanae sobre a liberdade
religiosa, que falseia a ideia mesma da Fé (o assentimento pessoal
previsto pela DH 3, cf. p. 97, crítica original e interessante), é
causa primeira “do deplorado relativismo” (p. 170); contra o
ecumenismo de Unitatis Redintegratio e de João Paulo II (pp. 106-107);
Unitatis redintegratio, conexa com Lumen Gentium, é declarada
contrária à doutrina de Pio XII: há, entre as duas doutrinas, “um
abismo” e não existe “hermenêutica da continuidade” (p. 205). No
“plano qualitativo” (não melhor definido) “nenhum vínculo existe”
entre a doutrina católica e o ecumenismo de UR: “O diálogo, tal como é
aí teorizado e se o põe em prática, é a negação de toda continuidade.
Constitui um novo começo e é o instrumento de uma nova Igreja, não
mais ‘católico-romana’, mas a do concílio Ecumênico Vaticano II. Uma
unidade não mais ligada à mesma Fé, aos mesmos sacramentos e ao Sumo
Pontífice na realidade de sua sucessão de Pedro, mas aquela alargada
pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. Uma nova regula fidei e um novo
ipse dixit: o Concílio Ecumênico Vaticano II” (pp. 211-212).
Particularmente articulado e contraditório o pensamento de Gherardini
sobre a liberdade religiosa (cap. VII, pp. 163-188), o qual conclui
mesmo falando do fato inescapável de um “magistério bifurcado” (leia-
se: contrário, senão contraditório) embora admitindo que isso não
seria possível (“Dois magistérios então? A pergunta nem sequer deveria
ser feita, pois o Magistério da Igreja é por sua própria natureza uno
e indivisível, aquele que foi criado por Nosso Senhor Jesus Cristo”):
o fato, porém, é que “a diversidade é substancial e, portanto,
irredutível. Resultam diversos, pois, os respectivos conteúdos. Os do
precedente Magistério não encontram nem continuidade nem
desenvolvimento no da DH” (pp. 187-188). Incompatíveis com a doutrina
são as teorias sobre a comunhão “plena e não plena” (pp. 205-214) e
sobre a “hierarquia das verdades” (pp. 214-215). Lendo UR “tem-se a
impressão, ou de que se queira conciliar o inconciliável – fés, ao
menos no essencial, diversas e entre si irredutíveis –, ou de que se
perdeu o contato com a verdade absoluta – a Palavra de Deus revelada,
isto é, Deus mesmo na sua Revelação – e de que tudo seja verdade e
toda verdade possa coexistir com as outras, sobre o pedestal de uma
mesma dignidade e relatividade” (p. 215). O “estupefaciente consenso”
com os luteranos sobre a doutrina da justificação, tão caro a
Ratzinger, para Gherardini, pelo contrário, deu razão a Lutero sobre o
ponto fundamental de sua heresia (p. 218). Pouco fala da relação com
as religiões não cristãs, já que a esse tema, e ao do ecumenismo, foi
inteiramente dedicado o livro Quale accordo fra Cristo e Beliar? [Que
acordo entre Cristo e Belial?] O título já diz tudo…

Sic et non: o Vaticano II

em continuidade com a Tradição


Uma leitura parcial de Un discorso da fare leva assim à conclusão:
logo, o Vaticano II não está em continuidade, mas sim em conflito, com
a Tradição e a doutrina da Igreja. Noutras passagens do mesmo livro,
às vezes na mesma página, o Autor sustenta, porém, o exato oposto: “o
cavalo de Troia não foi propriamente o conjunto dos documentos
conciliares” (p. 19), assim, “sob múltiplos aspectos – reconheço-o
também com firmeza e convicção – o Vaticano II foi realmente um grande
Concílio. Não se está longe da realidade se se reconhecer nele o
sinal, eloquente e paradoxal, do Espírito Criador que passa,
irrigando-os, pelos sulcos da história e da Igreja” (p. 34-35).
Desculpas são continuamente invocadas (por ex. pp. 73,75) e a
continuidade é explicitamente afirmada: “Apelar ao Concilio, pois,
para endossar a radical subversão das posições doutrinais,
disciplinares, litúrgicas e pastorais da Igreja pré-conciliar é
substancialmente infundado” ao menos diretamente (p. 74); isso vale
inclusive para Dignitatis Humanae, a declaração sobre a liberdade
religiosa [7], liberdade religiosa que Mons. Gherardini confunde
erroneamente com a doutrina tradicional sobre a liberdade do ato de Fé
(por ex. pp. 171-173) para lograr assim declarar DH em continuidade
com o magistério precedente: “abstratamente falando, DH não faz nem
uma ruga: repete um ensinamento que, em sua substância, foi sempre o
da Igreja: crer ‘sponte libenterque fiat, cum nemo credat nisi
volens’” [N. do T. – “espontânea e livremente, pois que ninguém crê,
senão por vontade” (PIO XII, Enc. Mystici Corporis)] (p. 182; cf. p.
178). Até mesmo no tão deplorado decreto sobre o ecumenismo, UR, para
Mons. Gherardini “tudo bem ponderado e só formalmente falando, dir-se-
á então que o vínculo com o passado é inegável tanto quanto o seu
caráter evolutivo…” (p. 211).

Mons. Brunero Gherardini em jantar no Lions club de Prato (Itália)

Os motivos do sic et non:

de outro modo, cai-se no sedevacantismo


Como explicar tantas oscilantes contradições? O próprio autor oferece
uma chave interpretativa: “um Vaticano II fora e contra a Igreja teria
sido não somente um absurdo histórico-teológico, mas também um
elemento a favor dos assim chamados sedevacantistas e de quantos – com
argumentos diversos – seguem-lhes o incauto juízo sobre a não
autenticidade eclesial do último Concílio e, portanto, sobre a sua
falta de autoridade eclesial. Alguns não se eximem nem mesmo de falar
de Papas ilegítimos e de usurpação da sé petrina. Com efeito, a
hermenêutica da ruptura não punha somente algumas flechas a mais no
arco do pós-concílio (isto é, dos ultraprogressistas, n.d.a.):
afastava do Concílio mesmo. (…) Nem vale a pena, por isso, desperdiçar
mais alguma palavra numa desnecessária demonstração do Vaticano II
como verdadeiro e autêntico Concílio Ecumênico e, portanto, como um
fato – e que fato! – inequivocamente eclesial, pertencente à vida, à
Fé e à história da Igreja” (p. 80). Não há necessidade de demonstrar…
Mons. Gherardini afirma mas não prova, exatamente como ele próprio
repreende por fazerem os defensores da hermenêutica da continuidade!
(a continuidade deve ser “não declamada, mas sim demonstrada”, p.
255). No entanto, vimos que o próprio Mons. Gherardini demonstrou a
hermenêutica da ruptura (cf. o que foi dito acima) e afirmou que um
Concílio pode falhar mas, nesse caso, “o Concílio ecumênico cessa de
ser tal” (p. 22-23). Pode acontecer, depois assim aconteceu, mas Mons.
Gherardini não pode admiti-lo, nem sequer a si mesmo: cumpre excluir a
hermenêutica da ruptura “dentre as possibilidades interpretativas do
Vaticano II. Assim como de todo e qualquer Concílio. E quem, de boa
fé, insistisse em propô-la, sem se aperceber disso se colocaria ao
menos materialmente fora da Igreja. Pois exatamente esta foi e
continua sendo a posição não só dos ‘sedevacantistas’, mas também de
outros opositores”, ou seja os lefebvrianos [8], para não falar dos
ultramodernistas (p. 85). Como podem os “outros opositores” do
Vaticano II, ou seja os lefebvrianos, colocados aí fora da Igreja,
exultar com o livro que estamos resenhando, é um mistério! De fato, a
recusa de toda a crítica “tradicionalista” (inclusa a da Fraternidade
São Pio X) ao Vaticano II em Mons. Gherardini é clara (p. 22, 26, 33
etc.): os defensores da “tese de Cassicíaco – Papa
formaliter/materialiter” se autojustificariam com suas contorções
mentais, é verdade, mas também nos lefebvrianos Gherardini bate forte:
“na realidade, a reiterada acusação de ilegitimidade a todo pontífice
eleito depois de Pio XII não é outra coisa que puro delírio, carente
de nexo histórico e de base teológica. E delira igualmente quem,
embora reconhecendo legítimos todos os sucessores daquele imortal
Pontífice, negue-lhes incondicional obediência pelos sucessos
negativos para os quais os seus desvios e os do Vaticano II teriam
conduzido e conduziriam a Igreja” (p. 33). Que, assim, escrever mais
livros de crítica aos tão louvados “papas” conciliares e ao
“magistério” do Vaticano II e do pós-concílio, como faz Mons.
Gherardini, seja um ato de “incondicional obediência” e não o exponha
ao delírio de que falou acima, haveria que demonstrar por completo.

O método para chegar ao sic et non:

a falibilidade do magistério conciliar


Sim, lestes muito bem: não está escrito INFALIBILIDADE, como seria
normal, mas FALIBILIDADE. Nisso, Mons. Gherardini é sem dúvida
lefebvriano. Como conciliar, de fato, as críticas feitas ao
“magistério” mesmo, por Mons. Gherardini, e sua tenaz obediência (pena
o delírio) à “autoridade” que assim errou no seu ensinamento, e há
mais de 40 anos erra? Os lefebvrianos responderam desde o princípio
com a tese do magistério “pastoral não dogmático”. Os mais recentes
teólogos da Fraternidade e das comunidades amigas vão além: uma
verdadeira Autoridade (Papa, Bispos, Concílio) não mais ensina há mais
de 40 anos pois, sendo liberal e modernista, não tenciona ensinar [9].
Não é essa a tese de Mons. Gherardini. Para ele, o Vaticano II é não
apenas “magistério supremo ordinário”, tal como foi declarado
oficialmente, mas inclusive – como normalmente para um Concílio –
“magistério solene” (pp. 52, 85, para a DH p. 165), ou seja, a máxima
expressão do magistério. Não obstante isso, o Vaticano II não é
dogmático (pp. 49-51) mas pastoral (pp. 23, 58-65, embora não se
entenda o que isso quer dizer: pp. 47 e 63), mas, sobretudo, não é
infalível, nem irreformável, nem vinculante (p. 51), se bem que se
deva acolhê-lo como magistério solene (p. 52): entenda quem puder! A
mesma coisa Mons. Gherardini disse, a seu tempo, das canonizações dos
santos etc.: o motivo? Poder não aceitar – e mesmo poder criticar – um
ensinamento oficial da “Igreja” e do “Papa”, sem ser constrangido a
pôr em dúvida a legitimidade do “Papa”. Pouco importam as contradições
e o aviltamento do Magistério da Igreja, o qual falível, reformável e
não vinculante seria inútil e extraviante.

Para concluir:

luzes e sombras de um livro


Escusamo-nos com Mons. Gherardini pelas arestas polêmicas deste
artigo, e pelas eventuais incompreensões minhas. O seu livro, e os
subsequentes, pedem uma atenta resposta in medio Ecclesiae. Dirige-se
este, primeiro que tudo, a Bento XVI, e conclui-se de fato com uma
“súplica” ao próprio (pp. 253-257). Não foram dadas ainda respostas, a
não ser, como alguns fizeram notar até mesmo em Si Si No No, pelos
fatos ecumênicos que são substancialmente um embargo [um “fin de non
recevoir”, em francês no original – N. do T.] e uma porta fechada às
observações precisas do teólogo da escola romana.
Entre os “tradicionalistas” (infeliz etiqueta) a acolhida foi mais
positiva. Negativa por parte de alguns sedevacantistas e de alguns
ambientes da Fraternidade São Pio X (Saint-Nicolas de Paris), positiva
da parte da maioria da Fraternidade: Mons. Fellay, o Pe. du Chalard of
course, o Pe. Pagliarani e a Tradizione Cattolica, Sì sì no no (que
qualifica o ensaio de Mons. Gherardini como “magistral”). Os primeiros
apresentam o livro como uma defesa da hermenêutica da continuidade; os
outros como uma admissão da hermenêutuca da ruptura e uma prova do
fato de as coisas estarem mudando se é que já não mudaram.
Parece-me que a nossa resposta deve ser mais articulada e complexa,
como o livro que resenhamos.
Mons. Gherardini admite, com efeito, ainda que com muitas
contradições, a existência de uma oposição entre a doutrina do
Vaticano II e a da Igreja. O ensaio dele foi apresentado e, assim, de
certo modo endossado por dois bispos, ainda que materialiter, o de
Albenga e o de Ceylon; o de San Marino apresentou, por sua vez, a
reedição de Romano Amerio; o primeiro livro de Mons. Gherardini foi
editado por uma congregação religiosa (os Franciscanos da Imaculada).
Certamente, como vimos, a denúncia do Vaticano II é limitada e
contraditória, mas existe. Ela pode ser então usada, ao menos, como
argumento ad hominem, para demonstrar que o problema existe, e que
colocá-lo não é… um delírio! Mais. Mons. Gherardini escreve: Concilio
Ecumenico Vaticano II. Un discorso da fare [Concílio Ecumênico
Vaticano II. Um discurso a ser feito]. Ou seja: o questionamento sobre
a ortodoxia do Vaticano II é um dever (p. 17) urgente e
imprescindível, o mais importante para a Igreja. É verdade. Mons.
Gherardini espera um esclarecimento: também nós, se bem que as
modalidades desse esclarecimento sejam diversas, coisa não
negligenciável! Esperamos que Mons. Gherardini, os teólogos na sua
esteira, os bispos materialiter se ponham esse problema, aprofundem-
no, e possam chegar à clarificação necessária, que incluirá, como já
tivemos ocasião de escrever, uma modalidade semelhante àquela
utilizada para esclarecer mas também para condenar o sínodo de
Pistoia. Esse é o lado positivo do livro (e dos subsequentes), com a
condição de que a análise crítica, então, não pare aqui. Se cremos na
indefectibilidade da Igreja, e a Tese de Cassicíaco crê nela, e todo
católico deve crer nela, não podemos não esperar também uma emenda de
alguns – não necessariamente todos – daqueles que aderiram ao Vaticano
II e aos seus erros, inclusive dentre os que ocupam as sés episcopais.
Se, em contrapartida, o livro de Mons. Gherardini (e outros similares)
for visto como ponto de chegada e não como ponto de partida, ou como
um ensaio “magistral” com o qual devemos nos alinhar, ou como a prova
de que o “pontificado” de J. Ratzinger é restaurador da Tradição, aí
então nossa recusa e nosso repúdio a essa manobra é total e
definitivo. A tentativa de certas casas editoriais, de certas
congregações religiosas, de certos representantes velhos e novos do
assim chamado “Tradicionalismo”, de fazer aceitar de algum modo o
modernismo do Vaticano II sob forma de “reforma da reforma” que deixa
viva a reforma, deve ser decididamente denunciada e combatida.
Numa palavra, está bem que modernistas e liberais se desloquem rumo à
verdade (contanto que não se detenham a meio caminho); não está bem
que os católicos vão ao encontro deles movendo-se rumo ao modernismo e
ao liberalismo ainda que “católico”. O problema das contradições
internas do Vaticano II não é nosso – ou seja, daqueles que recusamos
o neo-modernismo – mas deles, daqueles que o aceitaram; que alguns
desses se façam perguntas, é positivo; que devamos fazer-lhes
companhia e pôr em dúvida aquilo que é certo, é um discurso… a ser
evitado.

Notas
1) A primeira edição de Iota unum remonta a 1985, pela imprenta do
editor Ricciardi (desde 1938 pertencente ao conhecido banqueiro
Mattioli). As edições Lindau, de Turim, cuidaram, em junho de 2009, da
reedição, com um posfácio de Enrico Maria Radaelli. A edição Lindau de
Iota unum foi apresentada em Roma a 30 de outubro de 2009, na
Biblioteca Angelica, pelo prof. Radaelli, por Mons. Livi, pelo Pe.
Nitoglia e por Francesco Colafemmina. Iota unum foi, porém,
republicado (abril de 2009) também pela casa editora de Verona (sobre
a qual, cf. adiante a nota 6) Fede e cultura, com prefácio de Mons.
Luigi Negri, Bispo de San Marino. Fede e cultura é também a editora de
duas obras de Mons. Gherardini. O catálogo das edições Lindau é muito
interessante: abundam os autores do “tradicionalismo” mais ou menos
ratzingeriano e os escritos antimuçulmanos (Del Valle, Bat Ye’or, i
foglianti, C. Panella, G. Meotti e G. Israel etc.) e filo-hebraicos.
Uma etiqueta, porém, das mesmas edições Lindau, de 2000, é L’età
dell’Acquario [A Era de Aquário], especializada na publicação de
textos maçônicos, esotéricos, teosóficos e Nova Era. Seria
interessante saber quem são os responsáveis pelas (ao menos
aparentemente) contraditórias escolhas editoriais da pequena casa
editora de Turim. Uma primeira resposta encontramos ao constatar que
Ezio Quarantelli, diretor editorial da Lindau, é também diretor
responsável de Confini. Temi e voci dal mondo della cremazione
[Confins. Temas e vozes do mundo da cremação], publicação da Fundação
A. Fabretti (notório maçom do Risorgimento) da Socrem (Sociedade pela
cremação). Ucci ucci, sento odor di massonucci! Digo logo que creio
100% na boa fé dos católicos que colaboram com Lindau (não é fácil
encontrar um editor para quem, como nós, carece de meios), penso que
as considerações desta nota possam ser úteis para desconfiar, no
futuro, de quem se serve de nós e para procurar entender qual pode ser
eventualmente a estratégia do inimigo em promover paradoxalmente
autores e livros católicos.
2) Segundo Mons. Livi, Romano Amerio se insere numa corrente de
“pensadores como Pascal, Arnauld, Buffier, Reid, Vico, Jacobi,
Kierkegaard, Balmes, Newman e Rosmini, todos pensadores anti-
cartesianos e anti-hegelianos, mas não anti-modernos”. O rosminianismo
de Amerio é declarado, embora Rosmini tenha sido condenado pela Igreja
e depois reabilitado por Ratzinger (cf. Sodalitium, n. 53 p. 34); um
belo exemplo de “variações da Igreja Católica (sic) no século XX”.
3) Que, por si e especulativamente, Iota unum não se insira na
corrente “ratzingeriana” da “hermenêutica da continuidade” não é uma
opinião nossa, mas é tese defendida pelo próprio Amerio e por seus
discípulos, como o professor Enrico Maria Radaelli: “O questionamento
de fundo posto por Amerio em Iota unum – e na sua continuação Stat
Veritas, publicação póstuma em 1997 aos cuidados de Enrico Maria
Radaelli – é o seguinte: ‘Toda a questão sobre o presente estado da
Igreja se encerra nestes termos: é preservada a essência do
catolicismo? As variações introduzidas fazem-no perdurar na
circunstancial vicissitude ou antes fazem-no transgredir ad aliud?
[...] O nosso livro inteiro é um compêndio de provas desse trânsito”
(p. 626 e, no Posfácio, p. 689). E ainda: “O Posfácio a Iota unum,
sintetizando toda a tese do livro, mostra que as hermenêuticas sobre o
concílio Vaticano II hoje são três: a primeira: é a hermenêutica
sofística extrema da “escola de Bologna” (Dossetti, depois Alberigo,
hoje Melloni) e em geral de toda a “nouvelle théologie” (Congar,
Daniélou, De Lubac, Ranher, Schillebeeckx, von Balthasar etc.); é não
teórica; ela promove e espera a descontinuidade e a ruptura das
essências entre Igreja precedente e Igreja subsequente ao Vaticano II
sob a cobertura das equivocidades textuais; a segunda: é a
hermenêutica sofística moderada dos Papas que promoveram, atuaram e em
seguida seguiram o concílio; é também ela não teórica; mas, ao
contrário da primeira, que ademais a formou e produziu, ela estuda em
tudo os modos de dar continuidade entre a essência pós e pré-
conciliar, buscando torcer no sentido da Tradição as anfibologias e as
equivocidades textuais supramencionadas; a terceira: é a hermenêutica
veritativa de Amerio e, em geral, de todos os empurrados (mas só
depois do concílio) para o assim chamado “tradicionalismo”; é teórica,
portanto irrefutável e, na medida em que se apóia na Tradição,
vinculante; ela constata e denuncia no Vaticano II a tentativa de
ruptura e de descontinuidade com a essência; acrescente-se, no mais,
que a irrealizabilidade dessa tentativa é por todos os resistentes ao
concílio (fora os chamados “sedevacantistas”) pela fé absolutamente
crida e por Amerio, como visto acima (primeiro parágrafo) e como
evidenciado no Posfácio (§ 3 b, p. 698), também solidamente
demonstrada, de modo que o Trono mais alto e toda a Igreja volte o
quanto antes a disso se beneficiar” (E. M. Radaelli). As últimas
palavras dessa longa citação evidenciam as contradições de Amerio: o
Vaticano II rompe – essencialmente – com o ensinamento da Igreja, mas
– recusado o “sedevacantismo” – atribui-se o ensinamento dele à Igreja
mesma, em contradição portanto consigo mesma. E destarte não é o
“sedevacantismo” (ou, pelo menos, a Tese de Cassicíaco) quem nega o
que “pela fé deve ser absolutamente crido” (ou seja, a
indefectibilidade da Igreja: as portas do inferno não prevalecerão
contra ela), mas os “tradicionalistas” que negam a vacância da Sé,
sejam os sequazes de Amerio ou de Mons. Lefebvre, segundo os quais é a
Igreja Católica que, sofrendo uma variação essencial, é e não é ao
mesmo tempo a mesma de antes. Por onde, se especulativamente Amerio se
opõe ao Vaticano II (e não só a abusos ou entendimentos errados do
Concílio), na prática, a vida inteira, ao contrário de Mons. Lefebvre,
ele aceitou as suas reformas (inclusive a litúrgica), a sua
disciplina, a sua hierarquia.
4) B. GHERARDINI, Quale accordo tra Cristo e Beliar? Osservazioni
teologiche sui problemi, gli equivoci ed i compromessi del dialogo
interreligioso [Que acordo entre Cristo e Belial? Observações
teológicas sobre os problemas, os equívocos e as transigências do
diálogo inter-religioso], Fede e cultura, Verona, abril de 2009 e, do
mesmo autor, Ecumene tradita, Il dialogo ecumenico tra equivoci e
passi falsi [Ecumenicidade traída. O diálogo ecumênico entre equívocos
e passos em falso], Fede e cultura, setembro de 2009.
5) Assim um seu editor, Fede e cultura, apresenta Mons. Gherardini:
“Brunero Gherardini (Prato, 1925), sacerdote (1948), laureado em
teologia (1952) com especialização na Alemanha (1954-55), antigo
catedrático da Pontifícia Universidade Lateranense e decano da
Faculdade de Teologia, cônego da Basílica de São Pedro no Vaticano
desde 1994, Diretor responsável da Revista Internacional “Divinitas”
desde 2000, por trinta anos consultor da Congregação para a Causa dos
Santos, escreveu além disso 80 volumes e várias centenas de artigos.
Centro de sua investigação: a Igreja. Colateralmente mas em função
complementar, aprofundou a figura e a obra de Lutero, a Reforma, o
Ecumenismo, a Mariologia e a teologia espiritual. É uma das vozes
italianas mais conhecidas inclusive no exterior”. Podemos acrescentar
que Mons. Gherardini foi postulante da causa de beatificação de Pio
IX. Ao contrário de Amerio, Mons. Gherardini não é rosminiano, mas
tomista, se bem que da escola (que pretende ter redescoberto o
“tomismo original” e conciliá-lo com Kierkegaard) do padre estigmatino
Cornelio Fabro. Padre Guérard des Lauriers não compartilhava da
interpretação que Fabro dava do pensamento de Santo Tomás.
6) Uma palavra sobre a casa editora Fede e Cultura de Verona, a não
confundir com a associação Fede, Cultura e Società do Pe. Guglielmo
Fichera. F&C não é a editora do livro ora resenhado, mas das obras
subsequentes de Mons. Gherardini: vale a pena – assim como com a ed.
Lindau – interessar-se pela outra editora, junto com Lindau e em
concorrência com Lindau, de Romano Amerio. A casa editora nasceu
apenas em 2005, mas em pouquíssimo tempo assumiu posição de primeiro
plano entre as casas editoras próximas ao “tradicionalismo”. A linha
não é, de fato, a da “hermenêutica da ruptura” mas a da “hermenêutica
da continuidade”, em pleno apoio a J. Ratzinger e ao Motu proprio
Summorum Pontificum, desejando explicitamente a Reforma da reforma. A
casa editora se apresenta e se reconhece numa citação de “são”
Josemaria Escrivá de Balaguer, e tem como “Protetor” o “Beato” Antonio
Rosmini (condenado pela Igreja), “campeão da liberdade intelectual e
responsável cultural”. É dedicada a ele uma coleção. Daí deduzo que
F&C são “católicos-liberais”. São também decididamente favoráveis ao
Judaísmo e ao Estado de Israel, malgrado Mons. Gherardini! Dentre os
“links” amigos do diretor da casa editora, Giovanni Zenone (Prêmio
Attilio Mordini, figura também conhecida de nossos leitores), figura
no primeiro plano, com direito a bandeira israelita, o sítio de
“Israele.net”, portal de Israel em italiano. Um dos livros do próprio
Zenone, Il chassisismo. Filosofia ebraica [O chassidismo. Filosofia
hebreia], publicado com prefácio de Massimo Introvigne (bem conhecido
de nossos leitores) descreve a seita judaica como “esplêndido capítulo
da religiosidade e do pensamento humano” e exalta o pensamento de
Martin Buber. No campo filosófico, na esteira de seu mestre Mons. Livi
(já citado a propósito das ed. Lindau) G. Zenone escreveu Maritain,
Gilson e il senso commune, elogiando o humanismo integral maritaineano
e pondo-se na corrente de pensamento pascaliana. Os “amigos”
recomendados são – entre outros – Cristianità, Alleanza Cattolica
(Introvigne colabora com a F&C e a Lindau), Lepanto (que tem direito a
uma coleção), os discípulos de Plinio Correa de Oliveira, os
carismáticos de Mediugorje… todo um mundo que certamente não pode ser
considerado oposto ao Vaticano II, mas que é a “direita” do mesmo.
Quanto a Mordini, não espanta a simpatia por Israel de um “prêmio
Mordini” (que militou, durante a guerra, como voluntário no exército
alemão), já que Mordini considerava o hebraísmo e o islão religiões
irmãs do cristianismo e, como Evola, admirava a Cabala (cf. FRANCO
CARDINI, L’intellettuale disorganico [O intelectual desorgânico],
Aragno ed., Torino, 2001, pp. 9, 57-59; F. CARDINI, prefácio a
“Francesco e Maria” de A. Mordini, Cantagalli Siena 1986, pp. 8-9);
sobre todo o ambiente, cf. o sempre atual Costruiremo ancora
cattedrali: l’esoterismo cristiano da Giovanni Cantoni a Massimo
Introvigne [Construiremos ainda catedrais: o esoterismo cristão de
Giovanni Cantoni a Massimo Introvigne], in: Sodalitium, n. 50, pp. 17-
34)
7) Mons. Gherardini – nas páginas talvez piores de seu livro – chega
ao ponto de fazer sua a crítica que DH e o Vaticano II fazem à prática
da Igreja, considerada “não conforme” assim como “contrária” “ao
espírito do Evangelho” (cf. DH 12; Gherardini p. 170). Assim, Cristo
teria combatido a intolerância pré-cristã (seja a pagã seja a
veterotestamentária), assim teria sido Ele próprio vítima da
intolerância, sendo que “alguns homens da Igreja agiram com a mesma
intolerância que havia condenado à morte Jesus; a estes alude DH 12
frisando a falta de obediência deles ao Evangelho. A paz religiosa de
Constantino (313), ainda que somente pelo ‘espaço de uma manhã’,
havia, sim, privilegiado a Igreja, mas a preço caríssimo: a
intolerância contra hereges e pagãos. Uma tal intolerância não
correspondia nem ao ensinamento do Evangelho, nem àquele espírito
evangélico sobre o qual a tradição patrística já vinha modelando o
padrão da existência cristã…” (p. 171). Após ter condenado as
conversões forçadas operadas por Carlos Magno (transeat, p. 171),
Gherardini faz de Santo Tomás um campeão da tolerância (confundida com
a liberdade do ato de fé, p. 172) para, em seguida, acrescentar
inacreditavelmente: “Diversamente, enfim, pensaram inclusive alguns
Papas”: os culpados de intolerância antievangélica teriam sido Paulo
IV (com a instituição do gueto), Gregório XIII (com a obrigação para
os judeus de ouvir as pregações cristãs), a Inquisição, que foi “tudo
menos equilibrada” (p. 172). Embora postulador da causa de Pio IX,
imperitamente defendido por ele (p. 175-177), Mons. Gherardini se
mostra – nestas páginas – como aquilo que é: um católico-liberal.
8) Preciso que utilizo o termo “lefebvriano” no sentido, não polêmico
ou depreciativo, de sequazes das doutrinas e da espiritualidade de
Mons. Lefebvre; assim como se fala de dominicanos, franciscanos,
inacianos, salesianos, tomistas, escotistas etc. Nesse sentido o termo
não designa somente os membros da Fraternidade São Pio X.
9) Das duas, uma. Ou as “autoridades” conciliares não tencionam
ensinar, e isso de maneira habitual, ou então tencionam ensinar. No
primeiro caso, não tencionam realizar objetivamente e habitualmente o
bem e a finalidade da Igreja, nem assumir as funções essenciais da
Autoridade, pelo que, não são e não podem ser a Autoridade; no segundo
caso, ao ensinarem o erro manifestam não ter a infalibilidade, a
divina assistência, mas acima de tudo e mais claramente ainda “o estar
com” (“Eu estarei convosco…”) prometido por Cristo, e portanto não
podem ser a Autoridade. Em ambos os casos, não são a Autoridade.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Francesco RICOSSA, Mons. Gherardini, Vaticano II e
hermenêutica da continuidade, 2010, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, set. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-UJ
de: “Recensione: Mons. Gherardini, Vaticano II ed ermeneutica della
continuità”, in: Sodalitium, n.° 64, Ano XXVI n. 3, maio de 2010, pp.
23-31,

http://www.sodalitium.biz/index.php?ind=downloads&op=entry_view&iden=6
2
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Essa entrada foi publicada em 8 setembro 2011 às 22:59 e está


arquivada em Autores: RICOSSA, Bento XVI, Gherardini, Latrocínio
Vaticano II, Maritain, Método, Newman, Papa PIO IX (1846-78), Romano
Amerio, Sedevacantismo. Você pode acompanhar qualquer resposta para
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – 87”
1. Ca Disse:

9 setembro 2011 às 16:52


No islam, até allah foi assassinado por maomé.
2. José Carlos Disse:

10 setembro 2011 às 12:27


Viva Cristo Rei! Salve Maria Purissíma!
Pelo visto este monsenhor é um sério candidato ao “cardinalato e ao
papado da igreja vaticano II”.
José Carlos
3. Sérgio Meneses Disse:

13 setembro 2011 às 9:21


A atitude de Monsenhor Gherardini sempre pareceu-me muito justa:
aceita, a priori, a autoridade do Magistério da Igreja e tenta, depois
dessa pacífica aceitação, resolver as dificuldades. Só o tempo e o
Papa resolverão as dificuldades, tudo no tempo da Providência.
O que eu acho realmente engraçado são esses sedevacantistas de
internet (não me refiro a você, caro Felipe), quase todos semi-
analfabetos em teologia (assim como eu), cuja “posição” sobre a crise
da Igreja afetando ser fruto de investigação, não é mais que puro
achismo, modismo, amor pela novidades, imprudência, etc.
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Se mesmo entre os mais doutos há
pouca ou nenhuma unanimidade sobre as causas da crise na Igreja, o que
um bando de adolescentes (na idade e na maturidade) devem fazer senão
manter o silêncio e a atitude de total confiança na palavras de Nosso
Senhor, que prometeu nunca abandonar a Igreja?
Como eu sempre desconfiei desde que vi esse problema em mim mesmo,
tenho uma profunda convicção de que qualquer certeza irreformável
sobre os fatos que se desenrolam em nossos dias de caos é puro orgulho
de quem não tem a humildade de reconhecer que não entende nada do que
enxerga.
Nossa Senhora abrevie esses dias de confusão.
AMDG
Sérgio

Textos essenciais em tradução inédita – CLXXI

O desmantelamento do matrimônio:
aonde levam as falsas doutrinas…
(out. 2012)

Rev. Pe. Hervé Belmont

Eis o texto de uma carta enviada a um amigo caríssimo, contendo coisas


muito graves. Faço a precisão de que esta carta não é uma cômoda
ficção para expor um problema real, é uma carta real da qual somente
alguns elementos acidentais foram modificados para baralhar as pistas.

Caro Alan Pedro,


Tenho o péssimo hábito de não responder aos convites que dão parte de
nascimentos ou de casamentos, contentando-me em celebrar uma Santa
Missa por mês nas intenções que me foram assim confiadas:
objetivamente, é bem melhor, mas subjetivamente não passa de preguiça
camuflada por trás do pretexto da falta de tempo.
Mas não posso deixar sem resposta o convite de casamento da Virgínia,
que você amigavelmente me enviou: o caso é grave demais.
De fato, o Sr. Cláudio Z., que Virgínia projeta desposar, já é casado.
Eu sei que a “comissão canônica” da fraternidade São-Pio-X pretende
ter reconhecido a invalidade do matrimônio dele, mas é esta uma
pretensão insuportável. A existência dessa comissão sem autoridade
nenhuma, sem fundamento nenhum, sem absolutamente nenhuma competência,
que pretende liberar de votos e reconhecer a nulidade de matrimônios é
uma das usurpações mais odiosas da Fraternidade, senão a mais odiosa.
Por um lado, ela nunca recebeu a mais mínima concessão da Igreja
Católica, do Corpo Místico de Jesus Cristo, que lhe permita ações
tais. Ora, unicamente a autoridade de Jesus Cristo pode intervir num
domínio estritamente reservado a Deus, no qual não se pode conhecer
nada de maneira qualificada nem fazer nada sem essa sobrenatural
delegação.
Por outro lado, está-se num domínio em que nenhuma suplência é
possível, por carência total de fundamento real (diferentemente do
sacramento da penitência, em que uma suplência pode fundar-se no
caráter sacramental do sacerdócio), e ao qual a Igreja nunca estendeu
o benefício do erro comum.
A comissão canônica da Fraternidade não tem, portanto, título nenhum,
nem real nem colorido, para pronunciar sentenças que pertencem
exclusivamente ao poder da Igreja, concretamente ao poder pontifício e
a seus instrumentos.
Ademais, supondo (suposição absurda) que a Fraternidade tenha uma
existência canônica e que em seu seio exista uma comissão que goze de
grande poder por concessão legítima, dita comissão seria, contudo,
incompetente, e isso a título tríplice:
— os leigos não são membros da Fraternidade, e dela não são súditos,
então: uma sentença não tem como alcançá-los;
— um tribunal da Igreja, nos casos matrimoniais, ouve três partes: os
dois cônjuges separadamente e o defensor do vínculo – coisa que a
Fraternidade não pode materialmente realizar (sem contar a extrema
debilidade da formação jurídica de seus membros);
— um primeiro reconhecimento de nulidade acarreta uma apelação
automática para que o caso seja reexaminado perante uma outra
jurisdição: duas sentenças judiciais concordes, somente, permitem
considerar a nulidade como legitimamente reconhecida.
O matrimônio de Cláudio não foi, pois, legitimamente reconhecido como
inexistente pela Igreja Católica, e juízo privado nenhum – ainda que
fosse o de Santo Tomás de Aquino em pessoa – é capaz de remediar isso.
A primeira consequência é que todo matrimônio lhe é interdito, e é
interdito a toda e qualquer pessoa casar-se com ele. É o cânon
1069 § 2:
“Ainda que o matrimônio seja inválido ou dissolvido por qualquer causa
que seja, não é lícito contrair outro antes de a nulidade ou
dissolução do primeiro matrimônio ser estabelecida legitimamente e com
certeza.”
A segunda consequência é que, o matrimônio gozando do favor do direito
(cânon 1014), o primeiro matrimônio de Cláudio tem de ser considerado
como válido. Uma segunda união deve, pois, ser considerada como
adulterina.
Cânon 1014: “O matrimônio goza do favor do direito; por isso, em caso
de dúvida, é imperativo defender a validade do matrimônio até que se
prove o contrário, ficando salva a prescrição do Cânon 1127.” (O cânon
1127 diz respeito ao privilégio da fé, caso em que se inverte o favor
do direito.)
É neste ponto que estamos, caro Alan Pedro. Se Virgínia não renunciar
a essa união, a Igreja obriga a considerá-la adúltera. Não é questão
de opinião pessoal, é o direito da Igreja com todas as graves
obrigações morais que daí decorrem.
Queira observar que não se trata aqui do fundo do caso: pode ser que o
primeiro matrimônio de Cláudio seja inválido. Ninguém pode dizê-lo com
certeza qualificada, e, de todos os modos, não cabe a ninguém julgar
de matérias nas quais é incompetente.
Trata-se do direito público da Igreja, que o Bom Deus endossa, ao qual
Ele dá consistência divina e obrigatoriedade: “Tudo o que tiveres
ligado na terra…”
O fato de que ninguém (fora o poder legítimo da Igreja) pode conhecer
o fundo do caso, o fato também de que o cânon 1069 declara
simplesmente interdito, e não inválido, um novo matrimônio, tem ainda
uma consequência.
Se (por desgraça) Virgínia se unir a Cláudio, esse matrimônio deverá
ser tido por inválido e adulterino; mas ninguém poderá dizer o que ele
é na realidade. Se então, no futuro, Virgínia se separar de Cláudio,
será interdito a ela contrair um “novo” matrimônio, pois não se saberá
se ela é casada ou não é.
Esse projeto, além das consequências públicas e morais que ele carrega
consigo, redunda portanto em pôr-se numa situação inextricável.
Desconheço, caro Alan Pedro, qual seja a sua parte de consentimento e
de contentamento nesse projeto. Mas o seu dever é fazer de tudo para
impedi-lo e, se apesar de tudo ele tiver que acontecer, é de não
comparecer a ele de maneira nenhuma.
O Santo Cura d’Ars diz, com bastante gravidade, que para muita gente
que permanece no mundo, a eternidade se decide no dia do casamento.
Receio que para Virgínia isso se verifique num sentido trágico, e
escrevo a você porque não quero nem que ela se perca, nem que ela o
arraste na perdição dela.
Eu lhe digo isso, caro Alan Pedro, in caritate non ficta, e rogo a
você que o receba assim, como penhor de amizade verdadeira pela sua
esposa e por você. Que o Bom Deus vos abençoe a ambos, esclarecendo-
vos e fortalecendo-vos.
Per Virginem Matrem concedat nobis Dominus salutem et pacem.

_____________

A frequentação da fraternidade São-Pio-X (ou de seus satélites) coloca


o cristão em ocasião de grandes males: falsas doutrinas sobre a Igreja
Católica, sua autoridade e seu poder de magistério; participação à
Santa Missa que inclui adesão a uma falsa autoridade e falsa regra da
fé; aceitação in actibus sacramentalibus de uma pseudo-hierarquia
episcopal; nevoeiro que oculta o estado real das leis da Igreja;
ministério de padres ordenados segundo o novo rito (e portanto, no
máximo dos máximos, duvidosamente ordenados); presença de uma
“comissão canônica” [1] execrável.
É preciso não se ludibriar: esses casos são gravíssimos; chega a ser
mesmo de temer que casos análogos se multipliquem, para grande dano da
santidade e da certeza dos matrimônios, com consequências
estarrecedoras para a sociedade cristã e para a salvação eterna das
almas, arrastadas numa espiral quase irreversível (salvo santidade e
heroísmo, que permanecerão raros).
Em comparação com tudo isso que corrói profundamente o sentido da
Igreja e a vida cristã, as tensões e dissensões internas da
Fraternidade, as exclusões, os avanços ou recuos das negociações com
“Roma” não passam de entretenimento de massas.
Para completar a carta transcrita acima, e para responder a eventuais
objeções, seguem algumas precisões.

— Diríeis a mesma coisa se o matrimônio de Cláudio tivesse sido


declarado nulo por um tribunal conciliar?
Sim, eu tiraria exatamente a mesma conclusão. Com efeito, um tribunal
conciliar é, também ele, desprovido da autoridade necessária para
pronunciar um julgamento certo e autêntico estatuindo sobre a
realidade de um matrimônio.
Há, todavia, dois pontos a serem notados.
O primeiro é que um tribunal conciliar está privado de jurisdição por
extinção desta: à medida que os oficiais que haviam recebido
jurisdição regular foram substituídos, ou perderam a delegação de um
bispo que tinha jurisdição, os tribunais tornaram-se caducos [vains].
Essa ausência não é fruto de uma usurpação, e não apresenta, portanto,
o caráter odioso de uma usurpação.
O segundo é que os tribunais eclesiásticos posteriores ao Vaticano II
estão inelutavelmente colocados sob a dependência da ruptura
revolucionária do Concílio, que assolou profundamente a doutrina do
sacramento do matrimônio; ela introduziu aí uma mudança de definição
[2], a confusão das duas finalidades, e uma cláusula de nulidade
inaudita, polimorfa e extensível à vontade: a imaturidade. Tudo isso
torna-lhes impossível um legítimo discernimento: suas sentenças
carecem, pois, simultaneamente de legitimidade e de certeza —
exatamente como as da fraternidade São-Pio-X.

— Ao fim e ao cabo, isso não vos diz respeito: trata-se da vida


privada das pessoas!
Há uma confusão a evitar. A intimidade do matrimônio concerne à vida
privada das pessoas (sob o olhar do Bom Deus), isso é bem verdadeiro.
E, no entanto, são numerosos os sem-cerimônia que se ocupam dos
negócios alheios com uma indiscrição e um despudor revoltantes…
Mas a instituição mesma do matrimônio, o direito do matrimônio, a
validade dos matrimônios, a proibição daquilo que destrói a santidade
do matrimônio e a sua fecundidade, tudo isso pertence ao direito
público: eles são o fundamento da sociedade; eles são, para grande
parte, a garantia de sua paz e de sua perpetuidade; eles são o terreno
vital do Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Cidade.
É o mundo moderno apóstata (e tendo, por esse fato mesmo, abandonado
toda dignidade natural) – onde pululam os falsos casais, os
adultérios, os divórcios (e coisa ainda pior) – que pretende que tudo
isso entre na esfera da vida privada, e portanto que não caiba a
ninguém julgar, nem repreender nem se opor. Mas as perversões da
instituição matrimonial, mais dos que as blasfêmias até, atraem a
maldição de Deus não somente sobre aqueles que a elas se entregam, mas
sobre a sociedade inteira.
O bem comum da sociedade, da Cidade, é primordialmente o bem comum das
famílias – pois a Cidade não é [diretamente] uma sociedade de pessoas,
mas uma sociedade de sociedades: a começar pela sociedade mais
natural, e a única a ser sancionada por um sacramento. O primeiro
elemento desse bem comum é que haja verdadeiras famílias. A santidade
do matrimônio é, conjuntamente com a obediência à autoridade paterna,
o elemento fundamental da doutrina social da Igreja: foi por aí que os
Apóstolos começaram sua pregação “social”.
Objeção descartada, portanto, e que manifesta – em razão da
contaminação da dissociedade em que vivemos – um erro perniciosíssimo
tanto para o matrimônio quanto para a sociedade mesma.

— Mas essa comissão canônica a qual vós incriminais com violência foi
instituída por Mons. Lefebvre!
Eu sei disso, e como sei! Por carta de 15 de janeiro de 1991
endereçada ao Pe. Franz Schmidberger – então superior geral da
Fraternidade – Mons. Lefebvre pré-formou aquilo que se tornaria a
“Comissão Canônica São-Carlos-Borromeu” (pobre São Carlos, tão cioso
da santidade da Igreja, tão zeloso pela implementação do Concílio de
Trento!). Essa instituição havia sido preparada com mais de dez anos
de antecedência (1.º de maio de 1980), pela pretendida concessão que
Mons. Lefebvre fazia aos padres da Fraternidade de poder dispensar de
impedimentos ao matrimônio e de poder confirmar [3].
Mas conceder essas faculdades é de estrita dependência do poder
pontifício, que Mons. Lefebvre não possuía e que seus sucessores na
chefia da Fraternidade não possuem, tampouco [4]. Tudo isso então é
nulo, sem valor jurídico nenhum, sem nenhum alcance real — a não ser o
de enganar os fiéis, e de enganá-los no que toca à vida sacramental e
matrimonial. É difícil de exagerar a gravidade disso.
A lição que eu tiro disso é que, uma vez que aceitem atentar contra a
Constituição da Santa Igreja Católica (por sagrações episcopais sem
mandato apostólico, por exemplo), não se detêm por mais nada (nem pelo
direito, nem pela teologia), e isso engendra uma cegueira e obstinação
terrivelmente perigosas.
Outra lição. O mérito de Mons. Lefebvre é imenso, sua coragem
impressionante, sua ação benfazeja, e o reconhecimento dos católicos
tem de ser bem grande a seu respeito. Mas aqueles que fazem dele uma
apologia incondicional, os que realejam que é preciso tudo referir a
ele, os que saem repetindo que cumpre retornar incessantemente ao
“verdadeiro Mons. Lefebvre” desembaraçado da ganga com que seus
discípulos o ocultam, esses aí dogmatizam também a parte de sombra que
a ação dele comporta (inevitavelmente) e fazem um mau trabalho. É a
Igreja, a Santa Igreja Católica Romana, a única que deve ser nossa
referência constante, não meramente de forma documental, mas também em
seu espírito, sua santidade, sua misericórdia.

— Mas quem é você para julgar assim de todas as coisas?


Ninguém, nada. Um medíocre estudante estendido em teologia. Um nada,
mas um nada escorado em toda a tradição católica, todo o ensinamento
do magistério, e que nisso recebe a graça (nos tempos que correm, isto
é uma graça) de não tomar os seus desejos ou as aparências por
realidade. Um zero que tem o cuidado de pôr-se na sequela de um “1” (o
“1” da unidade da Igreja), a quem essa preocupação dá a ambição de
fazer conhecer e aplicar a sã doutrina, a da Igreja Católica: não a da
ignorância nem a da comodidade.
O conhecimento (verdadeiro) do catecismo dá a competência para
reconhecer o erro, e o sacramento da Confirmação recebido de um bispo
da hierarquia da Igreja Católica [5] dá a missão de dar testemunho de
Jesus Cristo pleno de graça e de verdade.
Mesmo para “…mim, miserável, que nada tenho que ver com o caso mas que
recuso a moeda falsa.” [Isto é uma citação, claro, mas deixo vossa
sagacidade encontrar o autor e o lugar (ou deixo vossa curiosidade
padecer).]
Se se pode me exprobrar alguma coisa na matéria (e pode-se
certamente), é ter-me faltado vigor contra os desvios arrolados acima,
é ter tido demasiada complacência com aqueles que se deixam envolver
por eles, é ter sido aqui e ali um cão mudo.
O que explica que a minha voz esteja agora um pouco roufenha.

_____________

[1] Essa comissão não é, como seria bom e legítimo, a reunião de


alguns membros da Fraternidade, mais qualificados em Direito Canônico,
encarregados de esclarecer os seus confrades ou os fiéis sobre a lei
da Igreja Católica.
Não, essa comissão pretende ser verdadeiro tribunal, tendo autoridade
(em matéria de votos, de censuras e de matrimônio) e tomando o lugar
do Tribunal Pontifício da Rota; ela se arroga, assim, o poder de
dispensar dos impedimentos ao matrimônio, de declarar canonicamente a
nulidade dos matrimônios, de liberar de votos e de censuras. Nada –
nem necessidade nem crise da Igreja – pode justificar uma tal
instituição, pois um tribunal desses só pode ser emanação e
instrumento do poder soberano do Papa.
As consequências são simples de enumerar e são trágicas: os atos dessa
comissão, privada de toda e qualquer existência legítima, não têm como
ser válidos em caso algum e sob título nenhum; eles não têm nenhum
valor, nenhuma realidade aos olhos do Bom Deus. Em consequência disso,
os matrimônios que tivessem necessitado de dispensa para sua validade
não serão válidos (isso quer dizer que eles serão inexistentes aos
olhos de Deus e de Sua Igreja), e é assim também que terão de ser
considerados os matrimônios contraídos após a pseudo-anulação de um
matrimônio precedente. Malgrado as pseudo-dispensas, os votos de
castidade perpétua permanecerão reais aos olhos de Deus e da Igreja.
São, pois, e serão dezenas e até centenas de pessoas jogadas ou
confortadas na fornicação, no adultério e no sacrilégio; sua eventual
boa fé não impede nem a extrema gravidade de seu estado nem a
responsabilidade dos clérigos que as abençoaram e nos quais elas
confiaram. É uma abominação pavorosa; assim, é um dever denunciar esse
abuso dramático, sejam quais forem as consequências.
Quanto ao princípio, ele é mais trágico ainda; trata-se de nada mais,
nada menos que de uma violação do direito divino da Igreja, de
usurpação do poder supremo do Soberano Pontífice.

[2] Um pequeno fato que remonta a um quarto de século. Enquanto eu


aguardava numa tipografia, uma pilha de papéis saídos das impressoras
chamou a minha atenção. Era uma carta-modelo emanada de um tribunal
diocesano, destinada a quem se dirigisse a ele para o exame de sua
situação matrimonial. Eis a passagem tópica: “O concílio Vaticano II
definiu o matrimônio: uma comunidade de vida e de amor. Essa definição
tem valor jurídico. Logo, toda a vez que ela não se realizar, tem-se
fundamento para pedir o exame da validez do matrimônio…” Com tais
princípios, mesmo muitos matrimônios verdadeiros podem ser declarados
nulos!

[3] Essa concessão foi analisada sem concessão por vosso servidor no
número 6 dos Cahiers de Cassiciacum, páginas 1-11. Este caderno
continua disponível (como todos os outros, aliás).
[N. do T. – Esse estudo do A. se encontra traduzido aqui: As
confirmações ministradas por padres da Fraternidade São Pio X são
válidas?, maio de 1981, http://wp.me/pw2MJ-1mU].

[4] Para conservar a cabeça enterrada na areia, julgou-se mais simples


falsificar a reedição do Catecismo da Doutrina Cristã (de São Pio X)
suprimindo a precisão de que, para poder confirmar, um simples
sacerdote precisa ter recebido essa faculdade do Papa [cf. a edição do
Courrier de Rome (2010) aos cuidados de padres da Fraternidade, q. 307
p. 104] enquanto que o original italiano (1912) traz sua menção
explícita.
[N. do T. – Para maiores detalhes sobre essa fraude espantosa dos
editores são-piodecistas da versão francesa do jornal Sì Sì No No, cf.
do Autor: Alguns efeitos perversos dos falsos princípios, 2011, trad.
br. em: http://wp.me/pw2MJ-1jS].

[5] Acrescento a menção da “hierarquia da Igreja Católica” para me


exprimir de forma voluntariamente restrita: não quero afirmar senão
aquilo de que tenho certeza. Essa menção não é restritiva, ela não
nega nada além (mas nada afirma, tampouco). É que não consigo formar
uma ideia precisa – ajustada e respaldada – da relação entre a
recepção da Confirmação por um bispo que não faça parte da hierarquia
católica (hierarquia na qual se é introduzido pelo mandato apostólico)
e a missão de dar testemunho da fé católica. Não quero dizer com isso
que o caráter sacramental pudesse ser dividido (seria absurdo) mas me
interrogo sobre a presença ou sobre a natureza de um obex que
impediria o efeito eclesial do sacramento. Seja como for, não é este o
objeto principal deste texto: nem da carta que o ocasiona, nem do
comentário que a acompanha.

_____________

Continua em: O desmantelamento do Matrimônio (continuação),


http://wp.me/pw2MJ-1Dx

Para saber mais, cf. também:

(além dos dois textos indicados no fim das notas 3 e 4)


» Rev. Pe. Hervé BELMONT, A confusão dos fins do Matrimônio,
http://wp.me/pw2MJ-1jN
» L’AMI DU CLERGÉ (1919), Infalibilidade do Código de Direito
Canônico, http://wp.me/pw2MJ-1jv
» Rev. Pe. Hervé BELMONT, Nota sobre os “rematrimônios”, 2006,
http://wp.me/pw2MJ-Fw
» John S. DALY, O Bispo e o Brocardo. D. Tissier de Mallerais e o
Axioma “A Igreja Supre”, 2006, http://wp.me/pw2MJ-13v
» Rev. Pe. Hervé BELMONT, A destruição do Matrimônio pelo Vaticano II
e as más soluções dos tradicionalistas, 2005, http://wp.me/pw2MJ-Ba

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, O desmantelamento do matrimônio: aonde levam
as falsas doutrinas…, out. 2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo,
nov. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1zn
de: “Le saccage du mariage : où mènent les fausses doctrines…”, blogue
Quicumque, 31 out. 2012, http://www.quicumque.com/article-le-saccage-
du-mariage-ou-menent-les-fausses-doctrines-111957840.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com
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Essa entrada foi publicada em 10 novembro 2012 às 0:17 e está


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Matrimônio, Método. Você pode acompanhar qualquer resposta para esta
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Textos essenciais em tradução inédita – 182

O desmantelamento do Matrimônio
(continuação)
– 4 dez. 2012 –
Rev. Pe. Hervé Belmont

A crônica do mês de novembro último, consagrada ao direito do


matrimônio e às interferências que ele sofre (ou não sofre) com a
situação da Igreja, suscitou algumas interrogações – a cujos autores
agradeço – que é oportuno examinar. Retenho as duas principais, pois
são ocasião de recordar alguns princípios do direito e de trazer à luz
as trevas da destruição do matrimônio que acompanhou o Vaticano II.

A primeira dessas interrogações pode-se resumir assim: dado que a


fraternidade São-Pio-X realiza matrimônios, não seria lógico que ela
pudesse assegurar uma espécie de “serviço de pós-venda” e, por essa
razão, emitir sentenças na matéria?
A isso, cumpre responder duas coisas.
A primeira é que não existe nenhum elo de natureza nem de necessidade
entre a capacidade de “realizar matrimônios” e a de julgar a seu
respeito posteriormente. Um pároco, em razão de seu ofício, é com
pleno direito testemunha qualificada da Igreja para receber o
consentimento dos esposos; há o dever grave de julgar acerca da
validade do matrimônio antes de desempenhar seu ofício. Mas, uma vez
celebrado o matrimônio, ele não tem mais nenhum poder para declarar o
matrimônio inválido ou o que for.
O bispo diocesano, sobre o território que o Papa lhe confiou, goza de
plena jurisdição: episcopal e ordinária. Pois bem, até mesmo ele não
tem senão um “semi-poder” judiciário para pronunciar a nulidade de um
matrimônio: ele tem de fazer com que a sentença do seu tribunal (que
julga em seu nome) seja confirmada por uma segunda instância de outra
jurisdição.
Assim como o cargo de notário não dá poder judiciário, assim também a
capacidade de concluir matrimônios não implica a de julgá-los. Mas, de
resto, a fraternidade São Pio X conclui matrimônios? É a segunda coisa
a examinar.
Quando um casal de jovens se apresenta diante de um sacerdote da
Fraternidade para que ele os case, esse padre não age como testemunha
qualificada da Igreja, pois ninguém (nem Papa nem bispo diocesano) lhe
deu essa faculdade, quer fosse confiando-lhe ofício ou dando-lhe uma
delegação.
Esses dois jovens se casam validamente (se nada se opuser a isto
quanto ao mais) em virtude do cânon 1098, que estabelece uma forma
canônica em caso de necessidade[1]:
“Se não for possível ter ou ir buscar sem grave inconveniente o
pároco, ou o Ordinário, ou o sacerdote delegado, que assistiriam ao
matrimônio conforme a norma dos Cânones 1095-1096:
1°/ Em caso de perigo de morte, é válido e lícito o matrimônio
contraído diante das testemunhas somente; e, mesmo fora desse caso,
contanto que com toda a prudência seja de prever que essa situação
durará um mês.”
A situação presente, com uma religião heterodoxa onipresente nas
estruturas da Santa Igreja Católica, faz com que, sem dúvida alguma, a
gente se encontre geralmente senão universalmente nesse caso.
Em seguida o cânon continua:
“2°/ Em ambos os casos, se um outro sacerdote puder estar presente,
ele deve ser chamado e assistir, com as testemunhas, ao matrimônio,
sendo o matrimônio todavia válido perante as só testemunhas.”
Essa prescrição do n. 2 é de imensa sabedoria, pois não somente a
graça das bênçãos que acompanham o matrimônio é preciosíssima, mas
também porque assim fica manifestado e garantido aos olhos de todos o
caráter público e sagrado do matrimônio.
Mas esse sacerdote, que é chamado, nem por isso daí recebe jurisdição
alguma: ele não é testemunha qualificada da Igreja, e ele desempenha
antes um ofício pessoal que pertence à ordem da caridade.
Logo, não se pode, de maneira alguma, dizer que a Fraternidade realiza
matrimônios (sem contar, evidentemente, que os ministros do sacramento
são os próprios cônjuges e não a testemunha da Igreja).
Em conclusão, é duplamente que cumpre afirmar que o fato de os
matrimônios serem celebrados por padres da fraternidade São-Pio-X não
lhes confere capacidade nenhuma para emitir sentenças; e, se eles
pretendem emiti-las mesmo assim, ditas sentenças são nulas e
escandalosas.

*
A segunda interrogação, mais fundada, foi-me apresentada assim:
“Acerca da última edição do vosso boletim, tudo o que escreveis é bem
triste, e a usurpação ‘fraternitária’ está sobejamente comprovada.
Contudo, não tenho certeza de vos acompanhar em tudo e por tudo no que
se refere aos tribunais ‘conciliares’. As sentenças de nulidade por
causa de ‘imaturidade’ são realmente aberrantes. Mas não se deve
admitir, quanto ao mais (e de resto), que esses tribunais ‘beneficiam’
do erro comum? Ao menos é a objeção que me vem imediatamente ao
espírito (talvez malicioso).”
A menção ao erro comum faz referência ao cânon 209, que estipula isto:
“Em caso de erro comum ou de dúvida positiva e provável sobre um ponto
de direito ou de fato, a Igreja supre a jurisdição para o foro tanto
externo quanto interno.”[2]
Esse cânon destina-se a prover ao bem comum dos fiéis e a evitar que
um grande número deles seja enganado: se uma comunidade (paróquia,
diocese, convento…) crê (erroneamente) que um sacerdote recebeu da
autoridade legítima a jurisdição necessária para ouvir confissões ou
para assistir a um matrimônio (ou para qualquer outro ato que
necessite de jurisdição), a Igreja supre: ela concede a jurisdição,
não de forma permanente, mas como que gota a gota para cada ato que
dela necessite.
A Igreja entende com bastante largueza essa suplência. Não tenho
intenção (e provavelmente nem competência) de fazer dela um estudo
canônico; remeto os que se interessam por ela ao artigo de Bride na
Revue de Droit Canonique (setembro de 1953 pp. 278-296 e março de 1954
pp. 3-49): encontrarão aí um amplo panorama e uma interpretação
igualmente larga do objeto desse cânon.
Contento-me com duas observações.
Essa suplência da jurisdição faltante só se aplica quando há ilusão
comumente partilhada acerca da existência de uma jurisdição recebida
da autoridade legítima: ela não tem como legitimar uma autoridade, nem
como fabricar do nada uma pseudo-autoridade. Senão, todo e qualquer
sacerdote poderia (por exemplo) fundar uma seita, persuadir os seus
adeptos de que ele tem jurisdição em virtude do cânon 2.415 (que não
existe) e, assim, realizar atos válidos em virtude do erro comum. Para
tomar uma imagem da marcenaria, a suplência de jurisdição é como a
cola que se utiliza quando faltam os parafusos: a cola permite juntar
os pedaços que deveriam estar parafusados um ao outro, mas ela é
incapaz de substituir uma peça faltante.
Além disso, como faz notar Bride no artigo anteriormente citado, “a
suplência só pode entrar em cena para preencher lacunas ou
deficiências que se refiram unicamente ao direito eclesiástico”
[p. 36].
Os tribunais conciliares poderiam juridicamente entrar no caso de uma
suplência; juízes legitimamente nomeados continuaram a ter assento por
muito tempo depois do Vaticano II… sim, isso pode ser verdade, não é
impossível. Mas, entrementes, foi a doutrina que mudou, foi o direito
natural que foi abandonado, o que vai muito além do direito
eclesiástico.
Eis, a seguir, uma ilustração das mais esclarecedoras. Tiro-a do In
memoriam do Pe. Jean Bernhard (1914-2006) publicado na Revue de Droit
Canonique 55-2, pp. 225-234.
Esse padre, doutor em teologia, foi o fundador da Revue de Droit
Canonique em 1951; ele foi por muito tempo professor de Direito
Canônico na Faculdade de Teologia Católica e no Instituto de Direito
Canônico de Estrasburgo, ele exerceu as funções de vice-oficial (em
1952) e, em seguida, de oficial (em 1956) para a diocese de
Estrasburgo até 1987. Ele foi diretor do Instituto de Direito Canônico
de 1970 a 1982. Enumero isso para mostrar que não se pode duvidar de
sua competência em matéria canônica, e que não se pode negar a ele o
fato de ter sido nomeado oficial (juiz diocesano) pela autoridade
legítima.
Sua evolução é assombrosa e, mais ainda, típica em razão da imensa
influência que esse Pe. Bernhard tinha na França (e mesmo no
estrangeiro, pois ele foi, na sequela do Vaticano II, consultor da
Comissão de Revisão do Código de Direito Canônico). Eis como Jean
Werckmeister, no In memoriam, descreve essa evolução:
“Jean Bernhard foi vice-oficial e, em seguida, oficial de Estrasburgo
durante trinta e cinco anos, de 1952 a 1987. Mas esses trinta e cinco
anos não foram lineares.
Recém-saído do Studium da Rota Romana, ele começou a carreira
judiciária de forma clássica, preocupado, como era de praxe, em
‘defender’ o matrimônio, aplicando estritamente a regra do favor do
direito. As declarações de nulidade eram raras na Igreja da época, e
as pessoas divorciadas recasadas eram tratadas sem misericórdia, pois
a elas se recusava até mesmo as exéquias cristãs.
Como ele próprio admitiu, sua atitude modificou-se no decurso dos anos
60, sob a influência do concílio, mas especialmente de seus contatos
com os interessados. Antes que ‘defender’ a instituição, ele buscava
compreender as pessoas.
Essa evolução não tinha, sem dúvida, nada de original: os tribunais em
sua maioria fizeram o mesmo, em graus diversos. A própria Rota Romana,
bem antes do novo Código, fez evoluir profundamente sua
jurisprudência, e a amizade que o ligava a muitos de seus decanos
(Mons. Jullien, Mons. [Charles] Lefebvre) não foi alheia [à] sua nova
percepção.
O que constituiu a originalidade de J. Bernhard foi que ele se
esforçou em tirar até as últimas consequências práticas e teóricas
dessa nova concepção, dita ‘personalista’. Ele definitivamente
admitira a ideia de que o matrimônio não é um contrato, mas uma
aliança. Por onde, não se tratava mais de estudar sua validade ou
nulidade, mas seu êxito ou fracasso. O matrimônio, dizia ele, é como
uma curva que tem altos e baixos. O essencial é que a tendência geral
seja rumo ao alto. Um matrimônio que, desde o início, descende
inelutavelmente, que desmorona, não é sacramental.
Na prática, ele imaginava o tribunal como um serviço da Igreja
dedicado a resolver os problemas matrimoniais dos fiéis. Antes que
‘tribunal’, ele falava de comissão. À ‘sentença de nulidade’, ele
preferia as expressões ‘decreto de liberdade’ ou ‘processo verbal
[constat (N. do T.)] de estado livre’, sendo o objetivo permitir um
recasamento na Igreja, sempre que possível. Para tanto, era preciso
fazer com que o tribunal fosse melhor conhecido. Ele organizou grandes
visitas a todos os decanatos da diocese, indo explicar aos párocos em
quais condições eles podiam lhe enviar as pessoas interessadas.
Ele fez assim de Estrasburgo um dos mais importantes tribunais da
França. Embora não sendo interdiocesano, o tribunal de Estrasburgo
teve de conhecer, nas décadas de 1970 e 1980, quase uma centena de
causas por ano em primeira instância, ou seja, um terço ou um quarto
de todas as causas acolhidas na França. Além disso, ele fazia – ele
ainda faz – as vezes de segunda instância para as causas de Metz.
Ao longo dos dez últimos anos de atividade de J. Bernhard como
oficial, de 1977 a 1986, observam-se apenas três decisões negativas
(non constare) contra 851 positivas (declarações de nulidade). Essa
proporção se explica, antes de tudo, pela triagem prévia operada pelos
párocos. Mas também pela atitude pastoral do oficial: de que serviria,
indagava-se ele, ‘encurralar’ canonicamente em um casamento que deixou
de existir e que não tem mais chance alguma de se reconstituir? Se
existe uma possibilidade canônica de resolver o seu problema, por que
não utilizá-la?
Com toda a equipe do tribunal de Estrasburgo e a de Metz, instância de
recurso, aderidas às concepções dele, a atividade prática de
J. Bernhard foi, pois, exuberante.
Ele elaborou, ao mesmo tempo, teorias novas sobre o direito
matrimonial. A mais conhecida dessas teorias é a da ‘consumação
existencial e na fé’. Não é este o lugar de expô-la, nem os debates –
e oposições – que ela suscitou. Recordemos simplesmente que ela
consiste em considerar o matrimônio na sua evolução: o matrimônio,
segundo J. Bernhard, não está consumado depois da noite de núpcias,
ele não é ‘rematado’ por um simples [ato corpóreo]. Ele se remata
pouco a pouco, à medida que se estabelece a ‘profunda comunidade de
vida e de amor’ de que fala a constituição conciliar Gaudium et Spes.
E, para os cônjuges cristãos, essa consumação não deve ter lugar
somente na existência cotidiana, mas também na fé compartilhada.
Acontece que há muito tempo já que o direito da Igreja afirma que a
indissolubilidade não está ligada à troca dos consentimentos, mas à
consumação ou à ‘perfeição’ do matrimônio [3]. Se se admite que é
preciso de tempo para rematar seu matrimônio, deve-se considerar que a
indissolubilidade não advém senão progressivamente, e que ela não se
torna canonicamente ‘absoluta’ senão quando a união está consumada
‘existencialmente’ e ‘na fé’; quando, com efeito, as duas pessoas que
formam o casal nem sequer imaginam mais poderem viver separadas.
Dito de outro modo, Jean Bernhard levava em conta duas dimensões
frequentemente esquecidas: o tempo (o matrimônio não é instantâneo,
mas incoativo) e a realidade (a união vivida concretamente é mais
importante do que o vínculo jurídico abstrato).” [Fim da citação]
Aí está o modo como, com a “boa intenção” de ajudar as pessoas que se
colocam em situações das quais não há como sair senão pela conversão
e, se for preciso, o heroísmo (a graça específica do Matrimônio é
feita para isso), subverte-se o sacramento do Matrimônio; e, além
disso, não se ajuda a ninguém, porque a maior infelicidade é o pecado,
porque o maior dos males sociais é a destruição do matrimônio, da sua
unidade, da sua indissolubilidade e da sua fecundidade.
A conclusão que se pode tirar é que pelos reconhecimentos de nulidade
dos tribunais conciliares é impossível obter a certeza de nulidade que
o cânon 1069 exige para que se possa [re]casar-se. Seja como for
quanto à legitimidade jurídica (plena ou suprida) da sentença, ela se
funda em princípios outros que não os princípios católicos (e mesmo
simplesmente naturais), ela tem como base uma outra religião que não a
religião de Jesus Cristo. É impossível levá-la em conta.

Notas

[1] Si haberi vel adiri nequeat sine gravi incommodo parochus vel
Ordinarius vel sacerdos delegatus qui matrimonio assistant ad normam
canonum 1095, 1096 :
1°/ In mortis periculo validum et licitum est matrimonium contractum
coram solis testibus ; et etiam extra mortis periculum, dummodo
prudenter prævideatur eam rerum conditionem esse per mensem
duraturam ;
2°/ In utroque casu, si præsto sit alius sacerdos qui adesse possit,
vocari et, una cum testibus, matrimonio assistere debet, salva
coniugii validitate coram solis testibus.

[2] In errore communi aut in dubio positivo et probabili sive iuris


sive facti, iurisdictionem supplet Ecclesia pro foro tum externo tum
interno.

[3] A realidade é um pouco diferente. O Matrimônio é por instituição


divina indissolúvel, ele o é a partir da troca mútua de consentimentos
conforme a forma pública prescrita. O Matrimônio entre dois batizados
é um sacramento plenamente sujeito à jurisdição da Igreja Católica.
Esse Matrimônio, na medida em que não seja consumado, embora em si
indissolúvel, pode ser dissolvido por um ato especial do Soberano
Pontífice, ou por profissão religiosa solene de um dos dois esposos.
Uma vez consumado, autoridade nenhuma, nem mesmo pontifícia, é capaz
de dissolvê-lo.
Esses malandros desses conciliares, alterando arbitrariamente e
falaciosamente a definição da consumação do Matrimônio, imaginam que
assim poderão obter do papa um ato de dissolução de um Matrimônio que,
por sua consumação real, está posto fora do poder pontifical. Eis o
adultério abençoado pelo clero conciliar. Não passa de uma camuflagem
diabólica do “matrimônio experimental”.
Cânon 1015: § 1. O matrimônio válido dos batizados é chamado ratum
(ratificado), se ele não foi completado pela consumação; ratum e
consummatum, se o ato conjugal, ao qual o contrato matrimonial se
ordena por natureza e pelo qual os cônjuges formam uma só carne, teve
lugar entre eles. — Matrimonium baptizatorum validum dicitur ratum, si
nondum consummatione completum est ; ratum et consummatum, si inter
coniuges locum habuerit coniugalis actus, ad quem natura sua ordinatur
contractus matrimonialis et quo coniuges fiunt una caro.
Cânon 1110: De um matrimônio válido nasce entre os cônjuges um vínculo
que é por sua própria natureza perpétuo e exclusivo; além disso, o
matrimônio cristão confere graça aos esposos que não põem obstáculo. —
Ex valido matrimonio enascitur inter coniuges vinculum natura sua
perpetuum et exclusivum ; matrimonium præterea christianum coniugibus
non ponentibus obicem gratiam confert.
Cânon 1118: O matrimônio válido ratum et consummatum não pode ser
dissolvido por nenhum poder humano nem por causa alguma, salvo a
morte. – Matrimonium validum ratum et consummatum nulla humana
potestate nullaque causa, præterquam morte, dissolvi potest.
Cânon 1119: O matrimônio não consumado entre batizados, ou entre uma
parte batizada e uma parte não batizada, fica dissolvido, quer com
pleno direito por profissão religiosa solene, quer por dispensa
concedida pela Sé Apostólica por justa causa, a pedido das duas partes
ou de uma delas, mesmo contra a vontade da outra. – Matrimonium non
consummatum inter baptizatos vel inter partem baptizatam et partem non
baptizatam, dissolvitur tum ipso iure per sollemnem professionem
religiosam, tum per dispensationem a Sede Apostolica ex iusta causa
concessam, utraque parte rogante vel alterutra, etsi altera sit
invita.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, O desmantelamento do Matrimônio (continuação),
4 dez. 2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, março de 2012, blogue
Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1Dx
de: “Le saccage du mariage (suite)”, blogue Quicumque, 4-XII-2012,

http://www.quicumque.com/article-le-saccage-du-mariage-suite-
113131900.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

extos essenciais em tradução inédita – LXI


Um Cardeal Excomungado Pode Ser Eleito Papa?
(2007)

Rev. Pe. Anthony Cekada


PERGUNTA: A Constituição do Papa Pio XII que regulamenta o conclave
papal diz o seguinte:
“34. Cardeal nenhum, sob pretexto ou em razão de alguma excomunhão,
suspensão, interdito ou outro impedimento eclesiástico, seja qual for,
pode ser excluído, de qualquer modo que seja, da eleição ativa e
passiva do Sumo Pontífice. Ademais, Nós suspendemos tais censuras,
para efeito somente dessa eleição, ainda que de resto permaneçam em
vigor.” (Constituição “Vacantis Apostolicae Sedis”, 8 de dezembro de
1945)
Tenho muitas perguntas sobre isso:
(1) Qual é a interpretação que a Igreja dá a essa passagem?
(2) Levanta ela todas as excomunhões, impedimentos eclesiásticos e
censuras para todos os participantes num conclave papal? Isso também
inclui o cardeal que foi eleito papa, por ser isso o que o termo
“eleição passiva” parece significar?
(3) Sendo assim, a passagem significa que um cardeal excomungado pode
ser validamente eleito Papa. Isso não derruba o princípio fundamental
subjacente a toda a argumentação sedevacantista?

RESPOSTA: Ao longo dos anos, muitos autores tradicionalistas do lado


da FSSPX, tais como o Pe. Carl Pulvermacher, Michael Davies, o Pe.
Dominque Boulet e os dominicanos de Avrillé — e mesmo autores
conservadores como o Pe. Brian Harrison — citaram essa passagem como
resposta definitiva ao sedevacantismo. [Na América Latina, o Rev. Pe.
Ceriani (trad. br. aqui) e, na esteira deste, o Prof. Carlos Nougué já
começam suas tentativas de refutação do sedevacantismo opondo a
referida Constituição do Papa Pio XII à Bula Cum Ex Apostolatus
Officio, do Papa Paulo IV: confundem alhos com bugalhos, como
demonstra a seguir o Rev. Pe. Cekada. — N. do T.] Pio XII suspendeu
explicitamente todas as excomunhões, impedimentos eclesiásticos e
censuras quaisquer que sejam para quem quer que seja eleito Papa,
então (prossegue o argumento deles) um herege poderia ser eleito
verdadeiro Papa.
Mas será esse um princípio correto a extrair da passagem? Trataremos
da questão mais ampla primeiro, que é a da interpretação.

I. INTERPRETAÇÃO DA LEI

————————————————————————

Falando de modo geral, a “interpretação” em Direito Canônico vem, ou


da autoridade pública, como o Papa, sua Cúria, etc. (chama-se isso
interpretação autêntica), ou de outra fonte reconhecida, tal como o
ensinamento dos canonistas (e chama-se isso interpretação doutrinal).
(Para um tratamento completo, ver Abbo & Hannon, 1:17.)
Não logrei encontrar pronunciamento papal ou curial interpretando ou
explicando a passagem em questão. Aparece esta, com essencialmente a
mesma formulação, na legislação eleitoral papal promulgada por
Clemente V (1317), Pio IV (1562), Gregório XV (1621) e Pio X (1904).
Assim, o seu significado deve ter parecido auto-evidente — ao menos
para tipos curiais.
Onde não haja interpretação da autoridade pública — e tal é o caso com
frequência em Direito Canônico —, olha-se para outras passagens no
Código e para o ensinamento dos canonistas (especialistas acadêmicos
em Direito Canônico) para descobrir o que significam os termos.
Seguindo esse procedimento, o significado da passagem da constituição
de Pio XII fica claro. Então, vamos agora nos embrenhar na
terminologia.
(a) Censuras. A “excomunhão, suspensão e interdito” que o Pontífice
mencionou são censuras — punições que o direito eclesiástico inflige
num malfeitor para fazê-lo arrepender-se. (Para uma visão geral, ver
Bouscaren, Canon Law, 815–6.) Os cardeais estão isentos de incorrer em
censuras, exceto nos casos em que a lei especifique o contrário.
(Cânon 2227.2)
Num conclave papal, um cardeal eleitor ou um eleito Papa que tivesse,
sem embargo, incorrido de algum modo em excomunhão se depararia com
alguns obstáculos quase insuperáveis. Os efeitos dessa censura impedem
o excomungado de administrar ou receber os sacramentos, de exercer
jurisdição, de votar, de designar outros para ofícios e, de fato, até
mesmo de ser eleito para um ofício eclesiástico. (Ver Bouscaren, 831–
4.) Isso não deixaria nada ao eleito Papa além de acenar do terraço e
andar de papamóvel. (Não mencionado por Bouscaren…)
As censuras são, por vezes, chamadas também de penas medicinais, pois
sua finalidade é curar a teimosia do malfeitor. Isso as distinguia das
penas vindicativas, que expiam diretamente um crime, independentemente
de se o malfeitor se arrepender ou não. (Bouscaren, 846.)
(b) Impedimentos eclesiásticos. O termo “outros impedimentos
eclesiásticos” mencionado na Constituição de Pio XII é uma categoria
mais genérica.
Um impedimento desses, por exemplo, é a pena vindicativa de infâmia:
perda de reputação devido a algum crime horrível. Entre outras coisas,
essa pena torna o criminoso inelegível para ofícios eclesiásticos,
dignidades eclesiásticas etc. (Bouscaren, 849.)
Esse impedimento, então, assim como a excomunhão, barraria um cardeal,
seja de votar num conclave, seja de ser eleito Papa.

II. SUSPENSÃO DE CENSURAS E IMPEDIMENTOS

——————————————————————————

Tendo averiguado o significado desses termos no parágrafo 34 da


Constituição de Pio XII, podemos ver com facilidade a razão de ser da
lei: evitar altercações intermináveis acerca da validade das eleições
papais.
Aí então, fica fácil de responder à segunda pergunta: “Levanta ela
todas as excomunhões, impedimentos eclesiásticos e censuras
para todos os participantes num conclave papal?”
A resposta é sim.
O parágrafo 34 cobre também o caso de um cardeal excomungado que tenha
sido eleito Papa?
Novamente, a resposta é sim, pois a Constituição usou os termos
eleição ativa e passiva, que significam, respectivamente, ser capaz de
votar e ser capaz de ser eleito. Então, realmente está correto dizer
que a Constituição de Pio XII permite explicitamente que um cardeal
excomungado seja validamente eleito Papa.

III. UM ARGUMENTO CONTRA O SEDEVACANTISMO?

———————————————————————————————-

Agora então, a pergunta final: “Isso não derruba o princípio


fundamental que subjaz à argumentação sedevacantista?”
Aqui, porém, a resposta é não.
A maioria dos tipos FSSPX, muitos sedevacantistas e mesmo estudiosos
inteligentes como o Pe. Harrison presumem que a excomunhão seja o
ponto de partida do argumento sedevacantista, que eles acreditam ir
mais ou menos assim:
• O Direito Canônico impõe excomunhão automática num herege.
• A excomunhão impede o clérigo de votar para eleger alguém a um
ofício, de ser ele próprio eleito ao ofício, ou de permanecer no
ofício uma vez que tenha se tornado herege público.

• Paulo VI e seus sucessores incorreram nessa excomunhão por heresia


pública.

• Logo, eles não foram papas de verdade.


Retire-se a possibilidade de excomunhão com o ¶34 da Constituição de
Pio XII (prossegue o argumento anti-sede), e o argumento
sedevacantista desaparece.
Mas entenderam errado. A excomunhão é uma criação do direito
eclesiástico, e não é o ponto de partida do argumento sedevacantista.
Na realidade, não tem absolutamente nada a ver com ele.
Pelo contrário, para o sedevacantismo o ponto de partida é um
princípio inteiramente outro: o de que a lei divina impede que um
herege se torne verdadeiro Papa (ou permaneça tal, caso um papa adote
a heresia ao longo de seu pontificado). Esse princípio deriva
diretamente daquelas seções, dos principais comentários pré-Vaticano
II ao Código de Direito Canônico, que tratam da eleição ao ofício
papal e das qualidades exigidas na pessoa eleita.
Eis algumas citações:
“Os hereges e cismáticos estão excluídos do Sumo Pontificado pelo
direito divino mesmo… [E]les devem com certeza ser considerados
impedidos da ocupação do trono da Sé Apostólica, que é o mestre
infalível da verdade da fé e o centro da unidade eclesiástica.”
(Maroto, Institutiones I.C. 2:784)
“Designação ao Ofício do Primado. 1. O que é exigido por direito
divino para essa designação… Também necessário para a validade é que o
eleito seja membro da Igreja; portanto, os hereges e apóstatas (ao
menos os publicamente tais) estão excluídos.” (Coronata, Institutiones
I.C. 1:312)
“Todos os que não estão impedidos por lei divina ou por lei
eclesiástica invalidante são validamente elegíveis [para serem eleitos
Papa]. Por onde, um homem que goze do uso da razão suficiente para
aceitar a eleição e exercer jurisdição, e que seja verdadeiro membro
da Igreja, pode ser validamente eleito, ainda que seja somente um
leigo. Excluídos como incapazes de eleição válida, todavia, estão
todas as mulheres, as crianças que ainda não chegaram à idade da
razão, os afligidos por insanidade habitual, os hereges e cismáticos.”
(Wernz-Vidal, Jus Can. 2:415)
Assim, a heresia não é mero “impedimento eclesiástico” ou censura do
tipo que Pio XII enumerou e suspendeu no parágrafo 34 da Vacantis
Apostolicae Sedis. É, pelo contrário, um impedimento de direito
divino, que Pio XII não suspendeu — e, de fato, era incapaz de
suspender, precisamente por ser de direito divino.

IV. EM SUMA: ALHOS COM BUGALHOS

————————————————————————

O parágrafo 34 da Vacantis Apostolicae Sedis suspende os efeitos de


censuras (excomunhão, suspensão, interdito) e outros impedimentos
eclesiásticos (e.g., infâmia de direito) para os cardeais que estão
elegendo um Papa ou para o cardeal que eles acabarem elegendo. Assim,
um cardeal que tenha incorrido em excomunhão antes de sua eleição a
Papa seria, não obstante, validamente eleito.
Esta lei refere-se somente a impedimentos de direito eclesiástico,
todavia. Como tal, não pode ser invocada como argumento contra o
sedevacantismo, o qual se baseia no ensinamento dos canonistas pré-
Vaticano II de que a heresia é impedimento de direito divino a receber
o Papado.
Os controversistas anti-sedevacantistas deveriam, pois, parar de
reciclar argumentos baseados na passagem em questão. Não tem nada que
ver com a posição a que se opõem.

BIBLIOGRAFIA
ABBO, J & J. Hannon. The Sacred Canons. St. Louis: Herder 1957. 2
vols.

BOUSCAREN, T. & A. Ellis. Canon Law: A Text and Commentary. Milwaukee:


Bruce 1946.

Bullarum, Diplomatum et Privilegiorum Ss. Rom. Pont. Turim: Vecco


1847.

CLEMENTE V. Constitutiones Clementinae. 1317. Cap. 2, Ne Romani ¶4, de


elect. I, 3 in Clem.

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. 1917.

CORONATA, M. Institutiones Juris Canonici. 4.ª ed. Turim: Marietti


1950. 3 vols.

GREGÓRIO XV. Bula Aeterni Patris, 15 de novembro de 1621. In Bullarum


12:619–27. ¶22

MAROTO, P. Institutiones Iuris Canonici. Roma: 1921. 4 vols.

PIO IV. Bula In Eligendis, 9 de outubro de 1562. In Bullarum 7:230-6.


¶29

PIO X. Constituição Vacante Sede Apostolica, 25 de dezembro de 1904.


¶29.

PIO XII. Constituição Vacantis Apostolicae Sedis, 8 de dezembro de


1945. Acta Apostolicae Sedis 36 (1946). 65–99. ¶34.

WERNZ, F. & P. Vidal. Ius Canonicum. Roma: Gregoriana 1934. 8 vols.


_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Um Cardeal Excomungado Pode Ser Eleito Papa?,
2007, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, Maio de 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-Hb
de: “Can an Excommunicated Cardinal Be Elected Pope?”, blogue
Quidlibet, 25-VI-2007,

http://www.traditionalmass.org/blog/2007/06/25/can-an-excommunicated-
cardinal-be-elected-pope/
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Essa entrada foi publicada em 17 maio 2011 às 13:48 e está arquivada


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Textos essenciais em tradução inédita – CIX

Os erros de Sì Sì No No
(primeira parte)
(1996)

Rev. Pe. Giuseppe Murro

Eu conheci o inesquecível Dom Putti (“Padre Francesco”, para os


amigos) e, justamente em sua memória e em honra sua, tomo a pena para
responder aos erros escritos no jornal por ele fundado. Não somente
Dom Putti jamais os haveria publicado, como ele os teria combatido e
fustigado sem mais, como costumava fazer.
Neste número [da revista Sodalitium (N. do T.)] analisarei um primeiro
erro, reservando-me à refutação daquilo que escreveu o Abbé Philippe
Marcille no próximo número.
Por comodidade, utilizarei as seguintes abreviações:
F. = Fraternidade Sacerdotal S. Pio X.

S. = Sì Sì No No.

I.P. = Insegnamenti Pontifici – La Chiesa [Ensinamentos Pontifícios –


A Igreja], Roma: Edizioni Paoline, 1961.

DS = Denzinger-Schönmetzer, Enchridion Symbolorum definitionum et


declarationum, XXXVI edição, Herder, 1976.

Conc. Vat. = Concílio Vaticano: neste artigo designa o Concílio


celebrado no Vaticano entre 8/12/1869 e 20/10/1870, comumente chamado
Conc. Vaticano I.

O consenso dos teólogos é mais importante

do que um Concílio Ecumênico


Será possível que S. diga coisa do gênero? Se não tivesse lido com
meus próprios olhos, não teria acreditado. Leiamos juntos Sì Sì No No,
Ano XXII, n.º 7, de 30/4/1996, págs. 6-7: “Por que o Inferno não pode
estar vazio”. A enormidade consiste nisto: para provar que o Inferno
não está vazio, S. justamente utiliza o argumento do consenso dos
teólogos, o qual dá a doutrina infalível da Igreja. Mas, no mesmo
artigo, S. chega a dizer que o Concílio Ecumênico (que tem a máxima
autoridade na Igreja, muito superior ao consenso dos teólogos) não é
infalível!
A questão gira em torno das notas teológicas (cfr. Sodalitium 41
[estudo “A infalibilidade da Igreja”, do A. (N. do T.)], pág. 67):
quando se estuda uma doutrina, a nota teológica é o juízo dado pelo
Magistério da Igreja que indica qual é o grau de certeza de tal
doutrina com respeito à Fé Católica. Muitos creem erroneamente que se
é obrigado a aderir a uma doutrina somente quando ela é definida de
fide [= de fé], razão pela qual em todos os outros casos se estaria
livre para crer ou não. Vejamos por que isso não é verdade.
A palavra (ou nota) “de fé” indica, de modo genérico, uma verdade
contida ao menos implicitamente no Depósito da Revelação [1. Uma
verdade está contida na Revelação quando se encontra na Sagrada
Escritura ou na Tradição (ensinada pelos Padres da Igreja).]. Essa
nota genérica precisa de uma especificação: é de fé divina aquilo que
está contido explicitamente ou implicitamente na Revelação [2. Na
Revelação, por exemplo, está contido explicitamente que Jesus é Deus;
ora, Deus é onipresente; logo, está implicitamente revelado que Jesus,
enquanto Deus, é onipresente.]; é de fé divina e católica (ou
eclesiástica) aquilo que, além de estar contido explícita ou
implicitamente na Revelação, foi também definido pelo Magistério da
Igreja [3. Como por exemplo a Imaculada Conceição. A definição do
Magistério pode ser feita com um ato do Magistério solene ou com o
Magistério ordinário; em Concílio ou então fora do Concílio.]; é de fé
católica (ou eclesiástica) aquilo que está contido só virtualmente no
depósito (conexo com ele) e foi definido pelo Magistério. Quem nega
una doutrina de fé, seja qual for, peca gravemente contra a fé, e
facilmente pode escorregar para uma posição de cisma ou de heresia.
O que não é de fé pode ter uma das seguintes notas: próximo da fé,
doutrina católica, teologicamente certo, sentença comum, verdadeiro,
seguro. Todos os católicos são obrigados a seguir a doutrina afirmada
com qualquer uma dessas notas, e a recusar as doutrinas que tenham
recebido alguma censura: tudo isso sob pena de pecado grave. [4.
Exemplos de censura: Erro, próxima da heresia ou do erro, suspeita ou
com sabor de heresia, erro em teologia, temerária, falsa, ofensiva ao
sentido cristão, escandalosa, não segura.]
Inversamente, uma doutrina que tem somente o valor (ou nota) de
provável pode ser objeto de opinião, razão pela qual é-se livre para
aceitá-la ou para aderir a uma contrária.
Repito que estamos falando das notas ou censuras dadas pelo Magistério
da Igreja: não estamos tratando aqui das notas ou censuras dadas pelos
teólogos. Mas, quando os teólogos, ou os mais importantes deles, são
unânimes em ensinar uma doutrina, não se é livre de recusá-la. É
evidente que, se uma doutrina ensinada pela unanimidade dos teólogos
deve ser seguida, com razão maior ainda é-se obrigado a aceitar uma
doutrina ensinada pelo Magistério da Igreja.
O que diz, porém, Sì Sì No No? A propósito da doutrina segundo a qual
no Inferno há condenados, um leitor de S. escreve: “É ou não é uma
verdade de fé? Se sim, de qual tipo de verdade de fé (divina, divino-
católica, eclesiástica etc.) se trata?” [5. S. n.º 7, pág. 6, col.
2.].
Já faz anos que nos habituamos a ouvir dizer pela F., que controla S.
desde a morte de Dom Putti: no Magistério da Igreja pode haver erros;
somente as declarações solenes são infalíveis, as outras podem conter
erros. Por isso, pode-se desobedecer tranquilamente ao Concílio
Ecumênico Vaticano II, aos ensinamentos de Paulo VI e João Paulo II, a
toda a legislação das últimas décadas dada pela Santa Sé desde então,
já que nada disso tudo é assegurado pela infalibilidade.
Ora, começando a ler a resposta de S., exultei de alegria em ver
finalmente afirmadas algumas das verdades sacrossantas até hoje
negadas despudoradamente. De fato, lê-se: que a Igreja com o
Magistério Ordinário e Universal é infalível; que a Igreja é a
intérprete autorizada das Escrituras; que a voz do Magistério obriga
inclusive naquilo que está definido implicitamente. Acreditei, esperei
(que ingênuo sou!) que, tomando essa carta como deixa, a F.
silenciosamente retornava ao reto caminho.
Tive de me desenganar, imediatamente.
Continuando a ler o artigo, S. apresenta uma segunda carta sobre o
mesmo assunto, que aqui abrevio por motivos de espaço. O leitor
afirma: é só uma opinião que o Inferno esteja cheio, opinião válida
tanto quanto a oposta (que afirma que o Inferno está vazio); a prova é
dada pelo princípio (ensinado e difundido durante anos pela F.)
segundo o qual somente as doutrinas contidas na Revelação e definidas
solenemente são verdadeiras (como “a experiência do Vaticano II me
ensinou”, confessa o remetente). Desse princípio o leitor conclui: se
o Concílio Ecumênico Vaticano II não é infalível (porque não teria
dado definições solenes) e pode ser recusado, então também a doutrina
pela qual o Inferno é habitado por homens (que não tem, a seu favor,
nem definição solene, nem Concílio Ecumênico) não é infalível e,
portanto, pode ser licitamente recusada. É ler para crer: “Por que eu
seria autorizado a recusar (como recuso) certas doutrinas do Vaticano
II e não autorizado a recusar doutrinas que têm peso teológico igual
ou menor?” Por isso, conclui ele, os teólogos neomodernistas puderam
criar a doutrina do Inferno vazio, dado que a questão não era
definida.
Na prática, o leitor é fervoroso seguidor do velho princípio da F.:
“só as verdades reveladas e definidas solenemente são verdadeiras”.
Mas ele cometeu dois erros. Primeiro, deduziu as consequências
lógicas, e ele não sabe que deduzir as consequências dos princípios da
F. conduz inevitavelmente à heresia. Segundo, não se aggiornou [=
atualizou] sobre os últimos desenvolvimentos doutrinários da F.: pelo
que acabamos de ler no início deste artigo de S., parece que agora a
F. se deu conta (depois de decênios) de que – além das definições
solenes – há muitos outros pronunciamentos do Magistério que são
infalíveis e que obrigam o fiel a crer.
A resposta de S. começa mostrando uma bela cara-de-pau. Pois o leitor
foi doutrinado sabe-se lá há quantos anos com o princípio lefebvrista:
“só o dogma é de fé, o restante não”, e agora deve receber de seus
próprios mestres o tapa na orelha. Escreve S.: “O patrimônio da fé
católica não se limita… aos ‘dogmas definidos claramente e solenemente
por Concílios Ecumênicos e por Papas’ e – coisa que certamente lhe
surpreenderá [mas a surpresa vem de ouvir isto ser dito por S.!] –
nem, tampouco, os dogmas limitam-se aos dogmas definidos” [6. S. pág.
7, col. 3.]. Além do mais, S. admite [hesito em crê-lo, tendo ouvido
isto me ser negado mil vezes] que inclusive uma simples “sentença
comum dos teólogos” tem o seu valor e pode ser definida pela Igreja.
Para não falar então da autoridade dos Padres e dos Doutores da
Igreja, dos quais não podemos nos apartar.
O que me desenganou completamente sobre a boa fé de S. foi a questão
do Concílio Ecumênico Vaticano II. Explico: se o consenso dos teólogos
obriga o fiel, a fortiori [= com maioria de razão] o Concílio
Ecumênico, expressão da Sagrada Hierarquia da Igreja, bem mais
importante que o conjunto dos teólogos: “Cristo… preside e guia os
Concílios da Igreja”, ensina Pio XII [7. PIO XII, Mystici corporis,
29-06-1943, I.P. n. 1049. Cf. S. PIO X, Ex quo, nono labente, 26-12-
1910, I.P. n. 746.]. Um concílio só não obriga os fiéis quando não
recebeu a aprovação da Autoridade da Igreja (como o Concílio de
Basiléia). O Concílio Vaticano II é um concílio ecumênico e foi
aprovado por Paulo VI; recusá-lo significa recusar a autoridade de
Paulo VI.
Para escapar da doutrina católica, S. elabora uma nova tese: à Igreja,
para ser infalível, não basta a assistência do Espírito Santo, mas é
preciso que repita aquilo que foi dito sempre e por toda a parte
(semper et ubique), do contrário pode conter erros. Esse é um
princípio absoluto. O Magistério, segundo S., não é mais infalível por
si mesmo: caberá a todos os fiéis, então, controlar, toda a vez que o
Magistério fala, se o que ele diz foi sempre e por toda a parte
aceito. “É regra absoluta, diz S., que o Católico deve crer somente
aquilo que não está em contradição com o que a Igreja sempre e por
toda a parte ensinou e acreditou” [8. S. pág. 8, col. 2.]. Se essa
regra é absoluta, deve ser sempre aplicada sem exceção, e as suas
conclusões resultarão sempre verdadeiras. Experimentemos, para ver.
Quando Pio XII afirmou, contra o que fora afirmado previamente, que a
Matéria e a Forma do Sacramento da Ordem são a imposição das mãos e a
leitura do Præfatio, o seu pronunciamento – segundo a regra de S. –
não pode ter sido infalível! Sorte idêntica tocará ao dogma da
Imaculada Conceição: nem sempre e nem por toda a parte essa verdade
foi crida, assim os mais altos teólogos como Sto. Tomás de Aquino
chegaram a pensar o contrário. Para não falar da Missa vespertina e do
jejum de três horas para a Comunhão, estabelecidos por Pio XII:
segundo a tese de S., tudo isso constitui uma verdadeira revolução que
solapou a regra absoluta, o semper et ubique!
A Regra da Fé, então, para S. não é mais o Magistério da Igreja (como
vimos nas págs. 48-49), mas, sim, o ensinamento de sempre e toda a
parte. E, para melhor afirmar essa nova teoria, haveria que mudar o
Ato de Fé. É ler para crer: “‘Meu Deus, creio firmemente tudo o que
Vós revelastes e que a Santa Igreja propõe a crer…’”. Para todos, a
Igreja quer dizer o Papa reinante; inversamente, S. muda a
interpretação do Ato de Fé e altera assim o seu significado,
acrescentando: “…(a Santa Igreja – é óbvio, mas hoje é necessário
fazer esta precisão – não se identifica com o Papa do momento, que não
fala ex cathedra” [9. S. pág. 8, col. 1.]. Quiçá S. tenha se esquecido
do axioma: “Ubi Petrus ibi Ecclesia” [A Igreja está onde Pedro está
(N. do T.)]. A nova regra de S. é absoluta; já a Regra da Fé e o Ato
de Fé, pelo contrário, não são absolutos!
Recordo somente as palavras de Pio XII [10. Humani Generis, 12-8-1950,
I. P. n. 1278.]:
“E embora este Sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em
matéria de fé e de moral, a norma próxima e universal da verdade
(visto que foi a ele que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou o Depósito
da Fé – ou seja, as Sagradas Escrituras e a Tradição divina – para ser
guardado, defendido e interpretado), todavia por vezes se ignora, como
se não existisse, o dever que todos os fiéis têm de fugir mesmo
daqueles erros que se aproximam, em maior ou menor medida, da heresia
e, portanto, ‘de observar também as constituições e decretos em que a
Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões’ [11. C.J.C., cân.
1324; Conc. Vat., De Fide cath., DS 3045.].”
Dirá alguém: mas não vês que esses da F. deram um passo à frente?
Cumpre encorajá-los, e eles darão mais um: no fundo estão de boa fé,
em busca – também eles – da verdade.
Não me agrada dizer isto, mas há confirmação de que a boa fé,
propriamente, está ausente. Com efeito, S. cita Pio IX no famoso Breve
ao Bispo de Munique [12. Tuas libenter 21-12-1863, DS 2879, citado por
S. pág. 8, col. 2.], no qual o Papa diz que a obediência não deve ser
limitada às verdades definidas…
“mas deve estender-se também às verdades que, pelo Magistério
Ordinário da Igreja, espalhada pelo mundo inteiro, são transmitidas
como divinamente reveladas e, por isso, são consideradas matéria de fé
pelo comum e universal consenso dos teólogos”.
Está claro pelo texto que, após o pronunciamento do Magistério que
indica aquilo que foi revelado por Deus, os teólogos unanimemente são
obrigados a consentir com tal doutrina, a qual, daí em diante,
constitui matéria de fé. Não tivesse havido o ensinamento da Igreja,
não haveria aí consenso entre os teólogos. Destarte, para os teólogos
a Regra da Fé é o Magistério, ensina Pio IX; para S. a regra absoluta
é o “sempre e por toda a parte” [13. S. repete isso também, para quem
ainda não tivesse entendido, na pág. 8, col. 27.].
O mesmo S. cita Pio XII: a teologia deve estar “sob a vigilância do
Sagrado Magistério” e é boa a teologia elaborada “por pessoas de não
comum engenho e santidade” a quem “o Magistério da Igreja deu, com a
sua autoridade, uma tão notável aprovação” [14. Humani Generis, 12-8-
1950, S. pág. 8, col. 3.]: assim, Pio XII diz, mais uma vez, que é o
Magistério a Regra da Fé. Mas o entendeu o articulista de S.?
Se a doutrina da Igreja não bastasse (e me atenho a Pio IX e Pio XII
para prová-lo), procedamos por absurdo: utilizemos o princípio de S.
junto com a doutrina da Humani Generis, para ver aonde isso leva. Para
S., Paulo VI e João Paulo II são Papas e têm a Autoridade na Igreja:
sob a “Autoridade” deles, o Magistério Ordinário e Universal declarou
que é revelado por Deus que todos os homens, inclusive pecadores, têm
uma dignidade que jamais se perde. Logo, devemos aderir a essa
definição! Como se isso não bastasse, teólogos de não comum engenho
(tais como De Lubac, Congar, Von Balthasar), “sob a vigilância do
Sagrado Magistério” de Paulo VI e João Paulo II, afirmaram que essa é
uma verdade de fé. S. procura objetar que são teólogos modernistas.
Mas (continuo a citar S.), a essa teologia “o Magistério da Igreja
deu, com a sua autoridade [de Paulo VI e João Paulo II (N. da R.)],
uma notável aprovação”, ao ponto de nomeá-los Cardeais de Santa Madre
Igreja! Por que então não deveríamos seguir esse consenso dos
teólogos?
Caros amigos de S., se credes que João Paulo II tem a autoridade sobre
a Igreja, come fazeis para contestar o que ele diz? Com que autoridade
podeis julgá-lo? Pode haver alguém acima do Papa? Ou então recusais a
autoridade de Wojtyla, como faz Sodalitium? Mas não, vós dizeis que
ele tem a autoridade. Como os fariseus gritavam hipocritamente a
Pilatos: “Não temos outro rei além de César”, assim também vós
proclamais: “Reconhecemos a autoridade de João Paulo II”. Quem não
reconhecia César tornava-se seu inimigo; quem não reconhece João Paulo
II fica contra o mundo inteiro. “Julgai vós mesmos se é justo, diante
de Deus, obedecer aos homens antes que a Deus” (Atos IV, 19), dizia
São Pedro ao Sinédrio, que havia perdido a Autoridade.

_____________

APÊNDICE

(acrescentado pelo tradutor)

“Pseudo-Dionísio”, Resposta a Sì Sì No No, edição italiana, de 31 de


janeiro de 1997, in: Sodalitium, n.º 46, dez. 1997, pp. 37-39:

Trata-se de um breve artiguete no qual Sì Sì No No responde ao


primeiro dos artigos de Dom Murro sobre Os erros de Sì Sì No No
(Sodalitium, n.º 44, pp. 51-54, novembro de 1996), que seguia a outro
artigo dele, sobre A regra da nossa fé (ibidem, pp. 48-50). Até hoje,
nenhuma resposta ao estudo bem mais imponente, do mesmo autor,
intitulado Os erros de Sì Sì No No (II.ª parte): O Magistério segundo
o Abbé Marcille (Sodalitium, n.º 45, abril de 1997, pp. 30-50 [N. do
T. - Trad. br. em: "http://wp.me/pw2MJ-19i"]), salvo uma carta em
privado do Abbé Marcille a Dom Murro. Trata-se de uma carta gentil e
interessante, que honra o Abbé Marcille. Fazemos votos de que sejam
sempre mais numerosos os católicos – dentro e fora da Fraternidade S.
Pio X – que fazem com que, em nossas polêmicas doutrinais, a caridade
e a verdade sejam sempre respeitadas, para a glória de Deus e o bem da
Igreja. Diversa é a postura de Sì Sì No No, que até se precavê, na sua
resposta, de citar Sodalitium (que deve permanecer ignorada pela
maioria).
Depois de ter posto em dúvida a nossa sinceridade e boa fé, Sì Sì No
No afronta em duas palavras uma única das questões suscitadas, e pela
resposta se vê que não se entendeu completamente o que quisemos dizer.
“A partir do depósito da fé, realmente – escreve Sì Sì No No – podem
ser deduzidas verdades implícitas, como a Imaculada Conceição, mas
jamais coisas em contradição com a Fé constante da Igreja. Negar ou
ofuscar aos olhos dos fiéis um princípio tão fundamental e precioso em
tempos de crise como os atuais é – seja-nos permitido dizê-lo – fazer,
querendo ou não, a obra do demônio”.
Os redatores de Sodalitium ficam estupefatos, pois nunca, jamais
sustentaram que do Depósito da Fé se pudessem deduzir “verdades” (na
realidade, heresias) em contradição com a fé! Que o Vaticano II
contradiga a doutrina da Igreja, o afirmamos também nós, junto com Sì
Sì No No. Que um fiel possa perceber isso, sustentamo-lo igualmente.
Que esse fiel deva então ater-se à fé da Igreja e não ao Vaticano II
que a contradiz, qualquer leitor de Sodalitium sabe disso
perfeitamente bem. E então?
E então Sì Sì No No desloca o problema (atribuindo-nos o que jamais
dissemos) para ocultar o punctus dolens: como é possível que um Papa
(Paulo VI ou João Paulo II, para Sì Sì No No) e um Concílio Ecumênico
(o Vaticano II) contradigam a fé da Igreja? Os artigos de Dom Murro
demonstraram que isso não é possível, pelo que: ou a contradição é só
aparente (mas não o é) ou então Paulo VI e João Paulo II não eram e
não são Papas e, portanto, o Vaticano II não foi um Concílio legítimo.
“Normalmente fonte próxima da fé é o magistério ordinário – escreve Sì
Sì No No – mas, como essa fonte próxima por sua vez alcança uma fonte
remota, que é a divina Revelação disponível na Tradição constante da
Igreja, ninguém pode impedir que, em caso de crise, até o simples fiel
(como sucedeu nos tempos de Nestório e de Ário) interrogue essa fonte
remota para reconhecer aquilo que não é católico”.
É verdadeiramente difícil, em tão poucas linhas, acumular assim tantos
erros e imprecisões. À custa de nos repetirmos, expliquemos a Sì Sì No
No (que nos convida a “estudar melhor, muito melhor, a teologia
católica”) quanto segue:
1) O Magistério, ordinário ou solene, é sempre (e não só
“normalmente”) a regra próxima (e não a “fonte”) da nossa fé (e não
“da fé”).
2) Que a Revelação (Escritura e Tradição, e não somente a “Tradição
constante”) é a regra remota (e não a “fonte”) da nossa Fé (e não “da
fé”).
3) Que “a fonte próxima” (sic) não “haure por sua vez da fonte remota”
(sic). As coisas são assim: nós devemos crer tudo aquilo que Deus
revelou na Escritura e na Tradição (verbo scripto vel tradito); (e
esta é a regra remota, ou seja, não imediata para nós). Mas, para
saber o que é que está revelado, ou seja o que é que foi ensinado
verdadeiramente pela Escritura e pela Tradição, o católico não
interpreta livremente a Escritura (ou a Tradição) como faz o
protestante, mas dirige-se ao Magistério da Igreja (Papa sozinho, ou
Papa e Bispos em comunhão com ele), que é o único a poder lhe ensinar
o sentido autêntico da Revelação (é justamente por isso que a Igreja,
e não o simples fiel, é assistida pelo Espírito Santo!). Eis a Regra
próxima da nossa fé: devo crer o que Deus revelou (regra remota), mas,
para saber o que foi que Deus efetivamente revelou, devo perguntá-lo à
Igreja (regra próxima, ou seja, imediata: aquela para a qual me dirijo
em primeiro lugar).
Segundo Sì Sì No No, algumas vezes a regra próxima (a Igreja) pode
sair pela culatra, e aí então o simples fiel pode passar por cima dela
e, como um protestante, ir ver o que é que diz a regra remota… É aqui
que não estamos de acordo com Sì Sì No No. Quem segue a regra próxima
(a Igreja) está sempre seguro no mínimo de não se afastar da fé; já
quem interpreta por conta própria a Escritura ou a Tradição pode
errar: “Para em tudo acertar – escreve Santo Inácio nos Exercícios
Espirituais – devemos sempre manter: que o que eu vejo branco, creia
que é negro, se a Igreja hierárquica assim o define; crendo que entre
Cristo Nosso Senhor, o Esposo, e a Igreja, Sua Esposa, é o mesmo
Espírito que nos governa e rege para a salvação de nossas almas; pois
pelo mesmo Espírito e Senhor nosso, que deu os Dez Mandamentos, é
regida e governada nossa Santa Madre Igreja” (Décima-terceira regra
para sentir com a Igreja, Exercícios Espirituais n. 365).
Todavia, o Espírito Santo e a Igreja não podem contradizer um ao
outro.
No caso de contradição aparente, o que se há de fazer? O fiel já está
vinculado pela fé a crer tudo o que Deus revelou e a Igreja ensinou.
Se aparentemente a Igreja lhe requisitasse a crer numa proposição
contraditória àquilo que ela já obriga crer (por exemplo: que as
Pessoas da Trindade não são três) o fiel deveria mas não consegue
realizar o ato de fé: “esse ato de fé é metafisicamente impossível.
(…) Ninguém é capaz de crer simultaneamente duas proposições
contrárias; ninguém pode crer ao mesmo tempo (por exemplo) que o
direito à liberdade religiosa é contrário à Revelação (Pio IX) e que
está fundado nessa Revelação (Vaticano II). É impossível mesmo com
toda a boa vontade: isso depende da natureza das coisas” (Dom H.
Belmont, L’esercizio quotidiano della fede [O exercício cotidiano da
fé], Ferrara, 1996, p. 12). Segue-se daí que aquela autoridade da
Igreja era só aparente: é o que Sodalitium afirma e Sì Sì No No se
obstina em negar.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Os erros de Si Si No No (primeira parte),
1996, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-18w
de: “Gli errori di Sì Sì No No (prima parte)”, in Sodalitium, ano XII,
nov. 1996, n.º 44, pp. 51-54.
[Fonte do Apêndice mencionada no início deste.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CIX”
1. Textos essenciais em tradução inédita – CX « Acies Ordinata Disse:

21 dezembro 2011 às 1:10


[...] Para a explicação das notas teológicas, ver Os erros de Sì Sì No
No (parte I), in Sodalitium, n.º 44, pág. 51 e pág. 54 nota 4. (N. do
T. – Trad. br. em: “http://wp.me/pw2MJ-18w”).] [...]
2. AJBF Disse:

24 dezembro 2011 às 15:14


Como evitar o pensamento de que a Fraternidade NEGA verdades de fé
católicas ao fazer esse tipo de coisa??
Estou cada vez mais tendente a acreditar que a FSSPX não é católica.
Textos essenciais em tradução inédita – CX

Os erros de Sì Sì No No – 2.ª parte:


O Magistério segundo o Abbé Marcille

(1997)

Rev. Pe. Giuseppe MURRO

No número anterior de Sodalitium, anunciamos resposta ao artigo do


Abbé Philippe Marcille publicado no periódico Sì Sì No No com o título
“GRANDEZA e VULNERABILIDADE do Magistério ordinário e universal da
IGREJA” [1. Ano XXII, n.º 8, de 15/5/96, págs. 1-7 e n.º 9, de
30/5/96, págs. 1-5.] e, em seguida, publicado em francês com poucas
variações no livro “Église et Contre-Église au Concile Vatican II”
(Igreja e Anti-Igreja no Concílio Vaticano II) com o título “A crise
do Magistério Ordinário e Universal” [2. Atas do 2.º Congresso
Teológico de Sì Sì No No, Publicações do Courrier de Rome, 1996, págs.
255-286.]. No presente artigo, faremos referência ao texto publicado
no periódico Sì Sì No No, que transcreve “a conferência proferida pelo
Pe. Philippe Marcille por ocasião do II Congresso teológico de Sì Sì
No No” (Albano Laziale, janeiro de 1996).
Escreve Sì Sì No No (cujo diretor é o Pe. du Chalard, sacerdote da
Fraternidade São Pio X): “O autor afronta aí, com competência e
fidelidade à grande teologia católica, um assunto de extrema
gravidade, sobre o qual é necessário ter ideias bem claras na atual
crise da Igreja”. [3. Sì Sì No No, 15 de maio de 1996, n.º 8, pág. 1,
col. 1.] A Fraternidade São Pio X, assim, faz sua a posição do Abbé
Marcille (membro dessa sociedade). Infelizmente, após ter lido os
artigos em questão sobre esse “assunto de extrema gravidade”, o leitor
certamente não sai com as ideias mais claras.
Abreviações
M. = Abbé Philippe Marcille.

FSPX = Fraternidade Sacerdotal São Pio X.

S. = Sì Sì No No.

M.O.U. = Magistério Ordinário e Universal.

I.P. = Insegnamenti Pontifici – La Chiesa, Edizioni Paoline, Roma


1961.

DS = Denzinger-Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum definitionum et


declarationum, XXXVI edição, Herder, 1976.

Conc. Vat. = Concílio Vaticano, indicando o Concílio celebrado no


Vaticano de 8/12/1869 a 20/10/1870, comumente chamado Concílio
Vaticano I.
Escopo do artigo de M.
Escreve M.: “A unanimidade moral do episcopado em comunhão com o Bispo
de Roma ensina formalmente como obrigatórias doutrinas manifestamente
opostas à tradição apostólica. Ora, segundo o Concílio Vaticano I, o
depósito da fé encontra-se no ensinamento do Magistério Ordinário
Universal. O depósito da fé contradiria, então, o depósito da fé? [4.
Essa afirmação é uma das tantas provas da superficialidade de M.. O
Depósito da Fé não consiste no M.O.U., mas na Palavra de Deus escrita
ou transmitida (Escritura e Tradição). O M.O.U., lado a lado com o
Magistério solene, é a regra ou critério infalível para saber quais
verdades estão efetivamente contidas na Revelação (vide D 1792 e DS
3011).] Como o magistério hodierno pode contradizer o magistério
constante e unânime de ontem?… É a essa pergunta que eu hoje me
proponho a responder”. [5. S. n.º 8, pág. 1, col. 1-2.]
Assim fazendo, M. propõe-se a justificar a posição doutrinal e prática
da FSPX, contra os defensores do Concílio Vaticano II e contra os
fautores da vacância da Sé Apostólica, os quais usam o mesmo argumento
da infalibilidade do M.O.U. para chegar a conclusões opostas entre si,
mas concordes em considerar errada a posição da FSPX. Conseguirá M.
demonstrar a sua teoria? Segundo Sodalitium absolutamente não; ele
colocará assim em evidência uma série de teses, em maior ou menor
medida contrastantes com o ensinamento tradicional da Igreja. Antes de
examinar essas teses, devo fazer uma avaliação preliminar sobre o
método utilizado por M..
Imprecisões e falsificações
“A exposição a seguir é uma recapitulação muito simplificada de um
trabalho enorme iniciado faz dez anos”. [6. Essa frase encontra-se
somente na edição francesa citada no início deste artigo, La crise du
Magistère Ordinaire et Universel (A crise do Magistério Ordinário e
Universal), pág. 256.] Malgrado os dez anos de trabalho, o artigo de
M. não parece gozar daquela cientificidade exigida em teologia.
Refiro-me, antes de tudo, às citações: elas são quase sempre
imprecisas e muitas vezes até falsificadas.
Com frequência e de bom grado, M. não cita a página onde se
encontrariam as referências alegadas, forçando o leitor a uma longa e
por vezes vã procura. Frequentemente refere o pensamento de um autor
sem citá-lo entre aspas, razão pela qual, não se sabe se, e em que
medida, aquilo deve ser verdadeiramente atribuído ao autor citado ou a
M.: de Billot, por exemplo, é dado somente o número da tese, sem
outras indicações.
Essas imprecisões são sinal de superficialidade ou então servem para
ocultar verdadeiras e próprias falsificações? A dúvida me veio após
ter averiguado algumas citações. Eis os exemplos mais graves:
1) M. afirma que “Vacant considera que a nota mais elevada que pode
ser dada a um ensinamento do M.O.U. é proxima fidei”; [7. S. n.º 8,
pág. 6, col. 1.] mesmo “o Concílio Vaticano I afirmando que se deve
crer com fé divina e católica no ensinamento do M.O.U., Vacant diz que
a nota mais elevada que pode ser dada a um ensinamento desse mesmo
magistério é proxima fidei”. [8. S. n.º 9, pág. 2, col. 2 e pág. 5,
nota 40. Texto francês, pág. 267 nota 23 a conferir.] Como única
referência, M. dá o livro de Vacant Le Magistère Ordinaire Universel
et ses organes (O Magistério Ordinário Universal e seus órgãos), sem
nenhuma indicação de editor e de página.
Examinarei mais adiante o quanto essa afirmação de M. está errada.
Perguntei-me imediatamente: como é possível que um teólogo sério como
Vacant afirme uma enormidade dessas? Consultei, por isso, Vacant em
Études Théologiques sur les Constitutions du Concile du Vatican
d’après les actes du Concile (Estudos Teológicos sobre as
Constituições do Concílio do Vaticano conforme as Atas do Concílio),
[9. Jean-Michel-Alfred VACANT, Etudes Théologiques sur les
Constitutions du Concile du Vatican d’après les actes du Concile,
Delhomme et Briguet, Paris-Lyon, 1895.] que afirma exatamente o
contrário do que M. faz ele dizer:
“Não se pode esquecer – diz Vacant – que o Concílio do Vaticano põe o
magistério ordinário no mesmo nível dos juízos solenes, sem fazer
nenhuma distinção entre as verdades que são objeto de um ou outro. Os
teólogos fazem o mesmo. Portanto, o magistério ordinário possui
autoridade suficiente para tornar de fé católica uma verdade que era
de fé divina”. [10. VACANT, Ibidem, Tomo 2, cap. III, par. IV, art.
107, n. 662, pág. 120.]
É verdade que, no subsequente n. 663, Vacant afirma que na prática
será difícil discernir quando o M.O.U. se pronunciou com essa
autoridade; mas cumpre acrescentar que, para Vacant, isso seria
possível por meio dos ensinamentos da Santa Sé. [11. VACANT, Ibidem,
Tomo 2, n. 663, pág. 122, nota 3.] M., portanto, não apresentou de
maneira objetiva e completa o pensamento de Vacant.
2) M. sustenta que, no Magistério, a infalibilidade é “um acidente
correlativo à obrigação do fiel de crer com fé divina e católica”.
[12. S. n.º 8, pág. 3, col. 1.] E, para demonstrar isso, ele cita em
nota o Cardeal Billot, no “De Ecclesia”, Tese XVII: “Ora, a ordem de
crer firmemente sem examinar o objeto… pode gerar uma verdadeira
obrigação somente se a autoridade é infalível”. [13. S. n.º 8, nota
7.] O leitor desatento pensará: o que M. diz deve ser verdadeiro, dado
que se apóia na autoridade de Billot.
Porém, nessa frase atribuída a Billot, está dito simplesmente que
apenas a autoridade infalível pode impor o ato de Fé: se existe a
possibilidade de erro, se a autoridade não é infalível, não pode haver
aí ato de Fé; onde não há infalibilidade, não há dever de crer.
Portanto, Billot afirma exatamente o contrário do que diz M.: a
infalibilidade não é um acidente correlativo à obrigação de crer, é
uma conditio sine qua non, uma condição sem a qual não pode haver ato
de fé.
Procuramos, em seguida, a frase atribuída a Billot, na Tese XVII do
Tratado “De Ecclesia”. A Tese consta de aproximadamente trinta
páginas, subdivididas em parágrafos: M. não indica nem a página, nem
muito menos o parágrafo. Depois de reler duas ou três vezes as trinta
páginas, não conseguimos encontrar a famosa frase: se é de Billot,
onde se encontrará? Desta feita, M. não só não apresentou o pensamento
do autor de maneira objetiva, como distorceu-o sem dar suas corretas
referências.
3) Segundo M., um dos casos históricos de erro do Sumo Pontífice seria
o do Papa Honório: São Sofrônio teria desobedecido a uma ordem formal
de Honório, “o que lhe valeu ser, por isso, excomungado”. A fonte
dessa notícia espantosa encontra-se na nota 48: “DTC, verbete
Honorius, col. 123”. [14. S. n.º 9, pág. 3, col. 1; pág. 5 nota 48.]
Procuramos em vão esse episódio no DTC (Dictionnaire de Théologie
Catholique [Dicionário de Teologia Católica], que está longe de ser de
orientação “romana”), bem como nos vários livros de História
Eclesiástica: nunca existiu uma excomunhão de São Sofrônio pelo Papa
Honório!
4) Para justificar as consagrações episcopais contra o veto do Papa
(como fez Dom Lefebvre em 1988, continuando a reconhecer a
legitimidade de João Paulo II), M. cita Dom Gréa, dando como de
costume uma referência insuficiente.
Segundo M., Dom Gréa afirmaria que os Bispos têm um poder de suplência
com relação ao Papa, até ao ponto de poderem consagrar Bispos, quando
se realizam condições precisas: perigo para a existência da religião,
impotência do pastor local, “nenhuma esperança de socorro da Santa
Sé”. [15. S. n.º 9, pág. 4, col. 3.]
Consultamos o texto de Dom Gréa. [16. Dom A. GRÉA, De l’Église et de
sa divine constitution (Sobre a Igreja e sua constituição divina),
Tomo primeiro, livro II, 2.ª parte, cap. IV, § 3, págs. 218-9, Maison
de la Bonne Presse, Paris 1907.] Dom Gréa afirma, como última
condição, “nenhuma esperança de recurso à Santa Sé”, ou seja, quando é
fisicamente impossível de recorrer ao Papa. M., substituindo
furtivamente “recurso” por “socorro”, alterou o pensamento de Dom
Gréa. Para Dom Lefebvre, a possibilidade de recurso existia.
No mais, Dom Gréa afirma, em todo o parágrafo, a necessidade para os
Bispos de serem dependentes e estarem em comunhão com o Pontífice
inclusive em tais circunstâncias.
As teses do Abbé Marcille
As teses expostas por M. estão ligadas entre si, pelo que, se queremos
entender o pensamento dele, devemos olhar para o seu conjunto; nem
todas elas têm a mesma gravidade. Agruparemos, pois, os diversos
assuntos, que no artigo dele se encontram de maneira esparsa.
Trataremos do Magistério Ordinário e Universal, do Magistério
Ordinário do Papa, da infalibilidade, da indefectibilidade da Igreja,
da Regra da Fé, da Teologia Romana e, então, tiraremos daí conclusões.

O Magistério Ordinário e Universal


Parece que M. não entendeu o que seja o M.O.U., nem qual é a razão de
sua infalibilidade: na prática ele anula o M.O.U., reduzindo-o à
Tradição.
a) Sujeito do M.O.U.
Segundo a doutrina católica, o sujeito do M.O.U. – isto é, quem tem o
direito de poder fazer uso desse Magistério – é constituído pelo Corpo
dos Bispos, Sucessores dos Apóstolos, unidos e submissos ao Romano
Pontífice. [17. V. ZUBIZARRETA, O.C.D., Theologia dogmatico-
scholastica ad mentem S. Thomæ Aquinatis (Teologia dogmático-
escolástica conforme a mente de Santo Tomás de Aquino), vol. I,
Theologia Fundamentalis, Trat. II, Q. XIX, a. III, § 3, n. 458 e ss.,
Bilbao 1948, págs. 394-6.]
M. começa dizendo que o sujeito do M.O.U. são todos os Bispos,
inclusive aqueles que não têm poder de jurisdição: “A jurisdição atual
sobre batizados não é necessária”. [18. S. n.º 8, pág. 3, col. 3.] Mas
a doutrina da Igreja ensina o oposto: somente os Bispos com jurisdição
fazem parte da Igreja docente e, portanto, unicamente eles constituem
o sujeito do M.O.U.. [19. Ver: SALAVERRI, Sacræ Theologiæ Summa, Tomo
primeiro, Tratado III: De Ecclesia Christi, L. 2, c. 2, a. 1, n. 541-
2, B.A.C., Madrid 1962, pág. 665-6.] Para M., inversamente, para ser
sujeito do M.O.U., em vez da jurisdição, é necessária a fé: “É sujeito
do Magistério Ordinário e Universal todo Bispo que tem a fé”. [20. S.
n.º 8, pág. 4, col. 2].
A prova de sua afirmação é tirada de Franzelin, que recorda como “São
Cipriano exigia que o neo-eleito ao episcopado expusesse a sua fé”.
[21. S. n.º 8, pág. 6, nota 20. I. B. FRANZELIN, De Divina Traditione
et Scriptura, sectio I, cap. I, Tese IX, ponto I, Roma 1896, pág. 76.]
M. não se dá conta de que essa profissão de fé exterior é necessária
para que o neo-eleito possa estar em comunhão com o Papa e receber,
assim, jurisdição!
Mas o erro de M. não é um deslize: ele substituiu furtivamente o
critério objetivo (a jurisdição) por um subjetivo.
Como se fará para saber se o Bispo tem ou não tem fé? “Por meio das
cartas de comunhão [que dão a jurisdição] com o Pontífice Romano”,
responde o mesmo Franzelin, algumas linhas mais abaixo; essa solução
não agrada a M.. Mas, substituindo o critério objetivo pelo critério
subjetivo, como M. faz, acaba que, de todo e qualquer Bispo,
independentemente de toda jurisdição, se poderá afirmar ou negar que
ele tem a fé e é sujeito do M.O.U.. Enfim, temos de salientar que,
também aqui, a citação de Franzelin (imprecisa, como de hábito) estava
truncada, e o pensamento dele foi deturpado.
Ainda acerca do sujeito do M.O.U., M. faz outra confusão: se um Bispo
sozinho não é infalível, por que deveriam ser infalíveis todos eles
juntos? “Como o magistério do conjunto dos bispos pode ser infalível,
se não é infalível o magistério do bispo sozinho?” [22. S. n.º 8, pág.
6, col. 1.] Mas a resposta é simples: por causa da indefectibilidade
da Igreja.
M. insiste: o Bispo diocesano constitui “um órgão falível”. [23. S.
n.º 9, pág. 2, col. 2.] Respondemos: sim, se considerado
individualmente, enquanto ensina na sua diocese; não, enquanto ele faz
parte do Corpo dos Bispos (unidos entre si e submetidos ao Romano
Pontífice) e ensina algo referente à fé ou à moral: nesse caso, há a
assistência do Espírito Santo que preserva do erro (o que não ocorre
para o Bispo sozinho).
Para M., porém, isso não parece possível: “Uma assistência coletiva do
Espírito Santo [é] absurda – diz ele – porque os acidentes
sobrenaturais podem inerir somente numa natureza pessoal racional e,
por isso, não podem ser enxertados num ente coletivo”. [24. S. n.º 9,
pág. 1, col. 1.] Façamos apenas notar a M.: quando os Bispos estão
reunidos em Concílio Ecumênico, há ou não há “a assistência coletiva
do Espírito Santo”? E, se há, por que não poderia havê-la no M.O.U.?
Repetimos ainda: os Bispos singulares não são assistidos; o Corpo dos
Bispos, sim. Não tendo entendido isso, M. extrai o sofisma: por vezes
a maior parte do Episcopado erra, logo o sujeito do M.O.U. nem sempre
é infalível: “Como conceber que, numa dada época, a maioria… do
Episcopado católico possa indicar uma falsa direção, possa transmitir
um ensinamento contrário à Tradição”. [25. S. n.º 9, pág. 2, col. 3.]
Também aqui a resposta é a mesma: é possível que um, ou muitos, ou
todos, os Bispos sem o Papa possam errar, pois não têm a assistência
divina; porém, não é possível que os Bispos com o Papa errem, pois
nesse caso há a assistência do Espírito Santo. Ensina Leão XIII:
“A ordem episcopal somente deve ser considerada unida, como manda
Cristo, com Pedro, se a Pedro está sujeita e obedece a ele: senão, ela
se dispersa necessariamente numa multiplicidade confusa e
desordenada”. [26. Enc. Satis Cognitum, 29/6/1896, I.P. n. 605.]
O intento de M. era, portanto, o de destruir o sujeito do M.O.U.: os
que têm o poder de exercê-lo, diz ele, por vezes podem errar. Parece-
nos ter explicado de maneira clara que a doutrina católica ensina o
contrário: o sujeito do M.O.U. nunca, jamais pode errar.
b) Pertença à Igreja
Erro análogo de M. refere-se à pertença à Igreja: “É membro da Igreja,
inextirpavelmente membro da Igreja, todo batizado que tem a fé (a
devida submissão é consequência disso)”. [27. S. n.º 8, pág. 4, col.
2.] Ora, se a submissão aos Pastores legítimos é somente uma
consequência, e não algo de essencial, ela pode não estar presente!
Essa tese de M. está de acordo com a doutrina ecumenista do Conc.
Vaticano II (Unitatis Redintegratio, 3) e de João Paulo II (Ut unum
sint, 66, 77; 13, 17), para a qual também os membros das outras
religiões cristãs são membros imperfeitos da Igreja, em razão do
Batismo e da fé. Contra essa doutrina, Pio XII já havia falado na
Mystici Corporis: fazem parte da Igreja “exclusivamente”: 1) os
batizados, 2) que professam a verdadeira fé, 3) que não se separaram
da Igreja (são submissos aos Pastores legítimos, o que exclui os
cismáticos), 4) que não foram separados com penas (a excomunhão) pela
legítima autoridade. [28. PIO XII, Mystici Corporis, DS 3802, in
Sodalitium, n.º 43, págs. 23-24.]
Para pertencer à Igreja, portanto, a submissão ao Pontífice não é
consequência da fé, mas é algo de essencial juntamente com a Fé, tanto
quanto o fato de não ter recebido excomunhão. M. cala os pontos “3)” e
“4)”, com a sua costumeira imprecisão, e falsifica a doutrina
católica.
Isso mostra-nos a mentalidade de M.: ele excluiu a necessidade da
submissão ao Romano Pontífice, tanto para ser sujeito do M.O.U.,
quanto para ser membro da Igreja. Trata-se de dois erros gravíssimos,
que denotam uma tendência cismática.
c) Escopo do M.O.U.
Segundo as palavras do Conc. Vat., [29. Constituição Dei Filius, cap.
3 De Fide, 24/4/1870, DS 3011.] o M.O.U. pode ensinar verdades
reveladas que devem ser cridas com um ato de fé divina e católica.
Ora, tais verdades constituem os dogmas de fé, que são infalíveis,
definitivos, irreformáveis. Mas M. não está de acordo: começa
afirmando que esse magistério não dá juízos irreformáveis, [30. S. n.º
8, pág. 2, col. 1.] nem sequer definitivos, [31. S. n.º 8, pág. 2,
col. 2.] para enfim concluir que não é infalível. [32. S. n.º 8, pág.
3, col. 2.]
No ponto seguinte, sobre a nota do M.O.U., trataremos dessas
afirmações dele; aqui, limitamo-nos a perguntar: para que é que
servirá o M.O.U.? Para “transmitir o depósito”, responde M., [33. S.
n.º 8, pág. 2, col. 2.] o qual quiçá ignore que, por vontade de Deus,
o fim de todo o Magistério da Igreja (e não somente do M.O.U.) é
ordenado a guardar, transmitir, explicar o Depósito da Fé. “É encargo
inquestionável da Igreja custodiar e propagar a doutrina de Cristo
inalterada e incorrupta”, diz Leão XIII. [34. Satis cognitum, I.P. n.
576.]
d) Nota teológica do M.O.U.
É uma questão da máxima importância. Retomemos o que havíamos
prenunciado no parágrafo sobre aproximações e falsificações.
O Conc. Vat. manda crer com fé divina e católica os ensinamentos do
M.O.U. Para M., a definição conciliar não serve, pois destrói toda a
posição da FSPX, e eis o que ele excogita: quando o M.O.U. repete uma
coisa já definida solenemente, só então o seu ensinamento merece a
nota teológica “de fé”; [35. Para a explicação das notas teológicas,
ver Os erros de Sì Sì No No (parte I), in Sodalitium, n.º 44, pág. 51
e pág. 54 nota 4. (N. do T. – Trad. br. em: "http://wp.me/pw2MJ-
18w").] caso contrário, o assentimento exigido será inferior, “muito
mais fraco”, ou seja “próximo da fé”. [36. S. n.º 8, pág. 5, col. 3;
pág. 6, col. 1; S. n.º 9, pág. 2 col. 2 e pág. 5, nota 40.] “A palavra
‘infalível’ não é usada no texto do Vaticano I, e com razão”, diz M..
[37. S. n.º 8, pág. 6, col. 1.] Daí resulta que o dever de aderir a
uma proposição proposta pelo M.O.U. é inferior ao dever de aderir a
uma proposição proposta pelo magistério extraordinário, dado que o
M.O.U. não é infalível.
A afirmação de M. é muito grave, pois nega a definição do Concílio
pela qual todo ensinamento do M.O.U. é de fé: “Devem ser cridas com fé
divina e católica todas as coisas que estão contidas na Palavra de
Deus escrita ou transmitida e que são propostas a crer pela Igreja
como reveladas por Deus seja com um juízo solene, seja com o
magistério ordinário e universal”. [29. Constituição Dei Filius, cap.
3 De Fide, 24/4/1870, DS 3011.] A definição foi repetida também pelo
Código Pio-Beneditino (cân. 1323, §1) e é de uma tal clareza, que não
é possível enganar-se. Pio IX, já na Tuas libenter, havia ensinado que
o ato de fé não deve ser limitado às verdades definidas, mas deve
estender-se àquilo “que é transmitido como divinamente revelado pelo
magistério ordinário de toda a Igreja espalhada pela terra”. [38. PIO
IX, Tuas libenter, 21/12/1863, ao Arcebispo de Munique, DS 2875-80, in
Sodalitium n.º 41, L’infallibilità della Chiesa, pág. 68-9. (N. do T.
– Esse estudo do A., “A Infalibilidade da Igreja”, publicado nas págs.
57-75 da mencionada edição italiana de julho-agosto de 1995 e
frequentemente citado por ele, Deo volente terá em breve tradução
brasileira publicada no blogue Acies Ordinata.)] É evidente que o ato
de fé pode ser feito somente se o ensinamento é infalível.
Lidos esses textos, perguntamo-nos: como pode um padre católico negar
a definição solene de um Concílio Ecumênico? A resposta é evidente: M.
chega a tal ponto, para justificar a posição da FSPX. Dessa maneira,
ele esvazia o M.O.U. de seu valor particular, o de ser um Magistério
por si só infalível, e no qual todos devem crer com ato de fé divina e
católica. A autoridade desse Magistério repousa sobre os Bispos unidos
ao Papa, os quais não podem errar, porque constituem a Hierarquia da
Igreja, que é indefectível.
Se fosse verdadeiro o que diz M., o M.O.U. seria infalível somente
quando repete coisas… já infalíveis! Seria uma infalibilidade de fato
e não de direito: [39. Ver Sodalitium n.º 41, pág. 58.] o Espírito
Santo não teria mais nenhuma função particular, ensinaria verdades que
são apenas “próximas da fé”!
Para compreender melhor a gravidade do que M. afirma, recordemos a
intervenção de Mons. d’Avanzo durante o Concílio Vaticano de
20/6/1870, em nome da Deputação da Fé: [40. Mansi 52, 763 D9-764 C7.
Texto publicado pelo Pe. Bernard LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère
ordinaire et universel de l’Eglise (A infalibilidade do Magistério
ordinário e universal da Igreja), Documents de Catholicité, 1984,
págs. 21-3.]
“…Seja-me permitido recordar-vos como a infalibilidade se exerce na
Igreja. Com efeito, temos dois testemunhos na Escritura sobre a
infalibilidade na Igreja de Cristo, Lc XXII: Eu roguei por vós etc.,
palavras que dizem respeito a Pedro sem os outros; e o final de
Mateus: Ide, ensinai etc., palavras que são ditas aos Apóstolos mas
não sem Pedro… Há, portanto, um duplo modo de infalibilidade na
Igreja; o primeiro é exercido pelo magistério ordinário da Igreja:
Ide, ensinai… Por isso, como o Espírito Santo, espírito de verdade,
reside na Igreja todos os dias; assim também, todos os dias a Igreja
ensina as verdades de fé com a assistência do Espírito Santo. Ensina
todas aquelas coisas que são, ou já definidas, ou contidas
explicitamente no tesouro da Revelação mas não definidas, ou cridas
implicitamente: todas essas verdades a Igreja as ensina
cotidianamente, quer por meio do Papa principalmente, quer por meio de
todos os Bispos que aderem ao Papa. Todos, Papa e Bispos, são
infalíveis nesse magistério ordinário com a própria infalibilidade da
Igreja: diferem somente nisto, que os Bispos não são infalíveis por si
sós, mas precisam da comunhão com o Papa, pelo qual são confirmados; o
Papa precisa somente da assistência do Espírito Santo que lhe foi
prometida (…). Mesmo com a existência desse magistério ordinário,
sucede por vezes que as verdades ensinadas por esse magistério
ordinário e já definidas sejam combatidas por um retorno da heresia,
ou que verdades ainda não definidas, mas aceitas implicitamente ou
explicitamente, devam ser definidas; e aí então se apresenta a ocasião
para uma definição dogmática”.
O outro modo de infalibilidade, dirá em seguida Mons. d’Avanzo, é o
solene, que o Papa pode exercer sozinho ou reunindo em Concílio
Ecumênico.
e) Magistério Ordinário e Magistério solene
Conclusão lógica que M. tira do que ele disse antes: [41. S. n.º 9,
pág. 2, col. 3.] entre Magistério extraordinário e M.O.U. há uma
distinção essencial, e não somente acidental; afirmar que há somente
diferença acidental conduziria, diz ele, à colegialidade!
M. não consegue entender que os Bispos, submissos ao Papa, constituem
um Corpo, a Igreja docente, a Hierarquia da Igreja, como afirmava
também São Pio X; [42. Vehementer nos, I.P. n. 683.] ora, “hierarquia”
não quer dizer “colegialidade”. A teoria de M. é uma inovação
heterogênea. Salaverri, por exemplo, ensina o oposto:
“Os modos de exercer o Magistério…: ordinário, ou seja fora do
Concílio; extraordinário, ou seja no Concílio; têm em comum
essencialmente isto, que ambos constituem um ato da inteira Igreja
docente submissa ao Romano Pontífice; diferem acidentalmente no fato
de que o modo extraordinário comporta, além disso, a reunião local dos
Bispos”. [43. SALAVERRI, op. cit., n. 546, pág. 667.]
Zubizarreta ensina:
“O Corpo dos Bispos em união com o Romano Pontífice, quer reunido em
concílio ou disperso no mundo, é sujeito do magistério infalível, pois
esse Corpo de Pastores em comunhão com o Romano Pontífice é sucessor
do Colégio Apostólico e com direito hereditário recebeu o encargo de
ensinar, governar e santificar os homens juntamente com a prerrogativa
da infalibilidade”. [44. ZUBIZARRETA, op. cit., n. 461, pág. 396.]
Mons. Zinelli, no Concílio Vaticano, afirmava:
“O acordo dos Bispos dispersos tem o mesmo valor que o de quando estão
reunidos: a assistência, de fato, foi prometida à união formal dos
Bispos, e não somente à sua união material”. [45. MONS. ZINELLI, Mansi
51, 676A. In: LUCIEN, op. cit., pág. 31.]
M. está de tal maneira cego pela paixão de querer justificar a FSPX,
que não enxerga a gravidade da sua afirmação: se a diferença entre
Magistério Ordinário e Magistério extraordinário não é somente
acidental, teremos então na Igreja dois Magistérios! Isso levaria a
uma divisão e fragmentação da função docente [= ensinante] da Igreja,
que, ao transmitir o Depósito da Revelação, por vezes seria assistida
pelo Espírito Santo, por vezes não. Só que, na filosofia tomista, a
função é determinada por seu objeto: se o objeto (transmitir a
Revelação) é um só, a ele corresponderá uma função só:
“Cumpre insistir ainda, pois as sãs noções de metafísica realista
parecem esquecidas. Sob pena de cair numa espécie de ‘nominalismo’, a
teologia deve ler a realidade da Revelação, à luz da razão iluminada
pela fé, e não ‘rotular’ sem se ocupar do conteúdo… O modo de um ato é
uma qualificação acidental que não muda a especificação da função, do
poder ou da potência que exerce o ato! Por consequência disso, se uma
categoria de proposições entra no objeto do Magistério, este pode
qualificá-la e julgá-la infalivelmente, seja exercendo um ato solene,
seja com a simples exposição da doutrina… O modo de proposição da
doutrina não pode, em caso nenhum, macular ou mudar a natureza e a
extensão do objeto, pois o objeto é determinado somente pela natureza
e pelo fim do Magistério, como recordam as palavras mesmas de Nosso
Senhor (Mt XXVIII, 20) e de São Paulo (I Tim. VI, 20: ‘A Igreja do
Deus vivo, coluna e firmamento da verdade’): a Igreja é assistida para
qualificar a relação de toda proposição com o Depósito Revelado. O
Magistério é o poder divinamente assistido para operar essa
qualificação”. [46. Pe. L. M. DE BLIGNIÈRES, A infalibilidade do
Magistério Ordinário, Pro manuscripto, pág. 12.]
M. diz [47. S. n.º 8, pág. 6, col. 1; n.º 9, pág. 2, col. 2.] ter
achado a sua teoria no livro de Vacant citado mais acima. Já vimos que
Vacant, pelo contrário, afirma a doutrina tradicional e, em seguida,
distingue: de jure o M.O.U. pode definir uma verdade a ser crida com
fé católica.
“O Concílio do Vaticano põe o magistério ordinário no mesmo nível dos
juízos solenes… Por isso, o magistério ordinário possui uma autoridade
suficiente para tornar de fé católica uma verdade que era de fé
divina”. [10. VACANT, Ibidem, Tomo 2, cap. III, par. IV, art. 107, n.
662, pág. 120.]
Segundo Vacant, de facto a Igreja, ao definir um “novo” dogma, [48.
Novo quanto ao nosso conhecimento explícito, mas que estava contido
implicitamente na Revelação, terminada com a morte do Apóstolo São
João: cf. Sodalitium, n.º 44, págs. 49-50 (cf. “A regra de nossa fé”,
trad. br. em: "http://wp.me/pw2MJ-18C").] ou ao condenar uma heresia,
para maior clareza utiliza o magistério solene, pois na prática é mais
fácil reconhecer o ensinamento infalível num ato do magistério solene
do que num ato do magistério ordinário. Mas Vacant não exclui que a
Igreja possa utilizar inclusive de facto o magistério ordinário: nesse
caso, se poderá reconhecer a sua infalibilidade por meio “dos atos da
Santa Sé”, [11. VACANT, Ibidem, Tomo 2, n. 663, pág. 122, nota 3.] ou
seja, por meio do Magistério do Papa. Para fazer entender bem qual é o
pensamento de Vacant, e o quanto M. falsificou-o, trazemos outra
passagem, sempre a propósito do M.O.U.:
“Esse modo de magistério responde mais plenamente à missão que Jesus
Cristo confiou aos seus Apóstolos; com efeito, ordenou a eles
espalhar-se por todas as nações, para ensinarem, todos os dias, toda a
sua doutrina. As Suas palavras foram formais: ‘Ide a ensinar todos os
povos e ensinai-os a conservar todas as coisas que Eu vos disse, e Eu
estarei convosco todos os dias até ao fim dos tempos’ (Mt 28, 19-20).
É com esse ensinamento que a Igreja se estabeleceu e que a doutrina de
Jesus Cristo foi manifestada ao mundo, antes das definições solenes
dos Concílios e da Santa Sé, e foi a primeira regra da fé da qual os
Santos Pares invocaram a autoridade”. [49. VACANT, Études
théologiques..., n. 625, pág. 93.]
Além disso, após o Concílio Vaticano, a Igreja deu ulteriores
ensinamentos, sobre o valor do M.O.U., que um católico deve seguir.
Pio XI ensina:
“O magistério da Igreja – estabelecido pelo querer divino na terra,
com a finalidade de custodiar perenemente intactas as verdades
reveladas, e de levá-las com segurança e facilidade ao conhecimento
dos homens – todos os dias, é verdade, é exercido por meio do Romano
Pontífice e dos Bispos que estão em comunhão com ele; mas tem também o
encargo de proceder à definição de algum ponto de doutrina, com ritos
ou decretos solenes, quando fosse necessário resistir com mais força
aos erros e às contestações dos hereges, ou quando fosse preciso
imprimir com mais precisão e clareza certos pontos de doutrina nas
mentes dos fiéis”. [50. PIO XI, Mortalium animos, 6-1-1928. DS 3683. O
texto está publicado em I.P. n. 871.]
“Seria indigno de um cristão… sustentar que a Igreja, por Deus
destinada a Mestra e Rainha dos povos, não esteja iluminada o bastante
acerca das coisas e circunstâncias modernas; ou então, não prestar a
ela assentimento e obediência a não ser naquilo que ela impõe por via
de definições mais solenes, como se as outras decisões dela se
pudessem presumir falsas, ou não providas de suficientes motivos de
verdade e de honestidade.” [51. PIO XI, Casti Connubi, 31/1/1930, I.P.
n. 904-5.]
Pio XII, a propósito do dogma da Assunção, declarou que o M.O.U.
ensina “de modo certo e infalível” que a verdade da Assunção de Nossa
Senhora ao Céu “é verdade revelada por Deus e contida naquele Depósito
divino que Cristo confiou à sua Esposa… O Magistério da Igreja, não
certamente por indústria humana, mas pela assistência do Espírito da
verdade, e por isso infalivelmente, cumpre o seu mandato de conservar
perenemente puras e íntegras as verdades reveladas, e transmite-as sem
contaminação, sem acréscimo, sem diminuição”. [52. PIO XII,
Munificentissimus Deus, 1/11/1950, I.P. n. 1291. Cfr. Sodalitium, n.º
41, pág. 69.]
O Rev. Pe. Barbara ilustra bem essa verdade: Papa e Bispos continuam a
ação de ensinar de Nosso Senhor de dois modos, como fazia o próprio
Mestre:
“De modo simples e ordinário, aquele que Jesus utilizava
habitualmente: ‘E falava a eles segundo a Sua maneira de ensinar…
Escutai:saiu o semeador a semear… Porventura traz-se a lucerna para
pô-la debaixo do alqueire ou debaixo do leito? Ou não é antes para ser
posta sobre o candelabro?’ (Mc 4, 2; 21). De modo solene e
extraordinário… Começava então com alguma fórmula solene: ‘Em verdade,
em verdade vos digo’ (…) ‘Bem-aventurados vós’ ou ‘Ai de vós’. O
Magistério não inventou nada… ele adotou, para ensinar, os modos de
fazer de Jesus.” [53. Rev. Pe. BARBARA, Analyse critique des actes du
IIème Congrès théologique de la Fraternité Saint Pie X - janvier 1996
(Análise crítica das Atas do II Congresso teológico da Fraternidade
São Pio X – janeiro de 1996), Crítica ao congresso, Quarta crítica,
ponto "c)".]
Em conclusão: os ensinamentos do M.O.U. são infalíveis e, portanto,
muito mais do que “teologicamente certos” ou “próximos da fé”, como
pretende M..
f) Natureza do M.O.U.
Já demonstramos, nas págs. 32 e 36, que o M.O.U. é o ensinamento da
Hierarquia da Igreja, ou seja dos Bispos concordes entre si, unidos e
submissos ao Romano Pontífice. [17. V. ZUBIZARRETA, O.C.D., Theologia
dogmatico-scholastica ad mentem S. Thomæ Aquinatis, vol. I, Theologia
Fundamentalis, Trat. II, Q. XIX, a. III, § 3, n. 458 e ss., Bilbao
1948, págs. 394-6.] Essa união com o Pontífice faz com que eles sejam
assistidos pelo Espírito Santo e, portanto, sejam infalíveis. Sem a
união e sujeição não há assistência nem infalibilidade.
M. não aceita a doutrina católica e escreve: “O acordo moralmente
unânime do Episcopado sobre um ponto de fé é uma propriedade do
Magistério Ordinário Universal e não o seu constitutivo formal”;
noutras palavras, para ele o acordo não é essencial. Desse modo, diz
ele, se salva a infalibilidade do M.O.U. em caso de crise na Igreja,
[54. S. n.º 9, pág. 2, col. 1; ver também nota 46.] razão pela qual
pode acontecer que a unanimidade dos Bispos erre ao ensinar uma
verdade; nos tempos de crise, o M.O.U. pode não ser perceptível.
Respondemos mais uma vez: os Bispos sem o Papa não são infalíveis;
unidos e submissos ao Papa são infalíveis quando ensinam uma doutrina
contida no Depósito. Essa união, pois, dos Bispos e sua submissão ao
Sumo Pontífice é essencial: daremos outras provas, a propósito da
relação entre Magistério do Papa e Bispos.
Para M., o M.O.U. não pode dar definições definitivas irreformáveis.
[55. S. n.º 9, pág. 2, col. 2.] Disso deveremos concluir logicamente
que não é infalível, ao passo que o Conc. Vaticano ensina que se deve
crer com fé divina e católica tudo aquilo que o M.O.U. ensina (DS
3011), e os teólogos afirmam que o Magistério é infalível quando se
exprime de maneira definitiva. [56. Ludovico BILLOT S.I., De Ecclesia
Christi, Tomus prior, Roma 1927. Por exemplo, ver a Quæstio X, págs.
410-8.]
Por isso dizemos: se o M.O.U. não dá uma definição definitiva e
irreformável, aí então o seu ensinamento não é infalível; mas, se a
dá, aí então o é. Já foi vista a distinção feita por Vacant sobre a
possibilidade de jure e de facto de tais definições (págs. 35-36).
g) Deficiência do M.O.U.
M. negou a natureza do M.O.U.: não é Magistério infalível, não merece
ser crido com fé, nos tempos de crise não é perceptível. M. agora
desfere os seus golpes contra esse Magistério. “O Magistério Ordinário
e Universal pode encontrar-se completamente na obscuridade ou ainda
pender aparentemente para a heresia”; [57. S. n.º 9, pág. 2, col. 2;
ver também pág. 3, col. 2] pode “não somente ser obscuro, mas até
parecer indicar uma falsa direção”. [58. S. n.º 9, pág. 3, col. 3.]
O argumento do “Magistério obscuro” não é novo; já havia sido
propugnado pelos liberais durante e depois do Concílio Vaticano, para
recusar ou para diminuir a infalibilidade do Magistério ex cathedra do
Papa. [59. BILLOT, op. cit., págs. 658-660 (N. do T. – Suponho tratar-
se do mesmo trecho de que um excerto foi traduzido aqui:
"http://wp.me/pw2MJ-xC".).]
Para explicar a obscuridade do M.O.U., M. dá como exemplo o caso da
heresia ariana: o Concílio de Nicéia, diz ele, não dirimiu “todas as
questões conexas”, “não deu resposta a muitos argumentos dos arianos,
e a heresia não cessou”. [60. S. n.º 9, págs. 4-5, nota 39.]
A enormidade desse exemplo salta aos olhos: de fato, quando a Igreja
define uma doutrina explicitamente, implicitamente responde a todas as
questões que lhe são conexas. Como todos os hereges, os arianos se
aferraram às “questões conexas” para não se submeterem à definição do
Concílio. Assim também, o Concílio de Trento não pôde tratar de todas
as objeções do protestantismo, e a heresia não cessou; São Pio X
condenou o modernismo, e sabemos bem que não cessou. O Conc. Vaticano
condenou o galicanismo, e, no entanto, ele não cessou (e como!). Culpa
do Magistério, ou dos hereges que não o aceitaram? Quiçá M. creia,
como João Paulo II, que seja a Igreja a culpada pelas heresias e pelos
cismas? Ou então pensa ele que a heresia se deva somente a um erro da
inteligência e não da vontade?
M. dá outro exemplo de obscuridade do M.O.U.: durante o Grande Cisma
do Ocidente, diz ele, não se sabia quem era o Papa, e o M.O.U. sobre
esse ponto tão importante “permaneceu obscuro por 50 anos”. [61. S.
n.º 9, pág. 5, nota 42.] Respondemos que a questão do Grande Cisma não
era uma questão de Magistério, mas primeiro que tudo de jurisdição:
saber quem era o verdadeiro Papa. Ademais, durante o Grande Cisma os
Bispos estavam divididos entre si, não eram unidos e, portanto,
faltava uma das condições essenciais para a existência do M.O.U., a
união dos Bispos entre eles.
h) Redução do M.O.U. à Tradição
Vamos agora descobrir qual é a ideia de M. sobre o M.O.U.. Ele reduz a
razão da infalibilidade do M.O.U. ao argumento apologético da
Tradição.
Explico com um exemplo: se a Igreja Católica e a Igreja oriental
cismática, sobre uma doutrina, dizem a mesma coisa (por exemplo, que a
Crisma é um Sacramento), a partir do consenso delas se conclui que
essa afirmação deve ser verdadeira e provir da Tradição Apostólica.
Com efeito, o acordo sobre um ponto de doutrina por parte de duas
Igrejas separadas deve-se ao fato de essa doutrina ser crida antes da
separação delas e remontar, assim, aos Apóstolos.
M. cita Sto. Agostinho e Tertuliano, que falam do acordo entre as
Igrejas primitivas: se o mesmo ensinamento se encontra nas diversas
Igrejas, é sinal de que ele provém da Tradição Apostólica.
Paralelamente, em filosofia se demonstra que, se todo o gênero humano
considera como verdadeira uma opinião, esta deve ser realmente
verdadeira: de fato, “uma opinião admitida em todos os tempos e em
todos os lugares tem, necessariamente, uma causa única”, a razão
humana, a qual por sua natureza adere à verdade. [62. S. n.º 9, pág.
1, col. 2 e 3.]
Por esse motivo, M. dá muita importância ao fato de que o M.O.U. deva
ser um ensinamento dos Bispos “dispersos” no mundo: “Precisamente
porque disperso, o seu ensinamento (moralmente) unânime é testemunho
seguro da pregação apostólica”. [63. S. n.º 9, pág. 2, col. 2; pág. 3,
col. 2 e 3. A mesma coisa é afirmada pelo Rev. Pe. PIERRE-MARIE,
“L’autorité du Concile” (A autoridade do Concílio) in: Église et
Contre-Église... págs. 307 e ss.] Se os Bispos dispersos pelo mundo
inteiro ensinam todos a mesma coisa, tal doutrina não pode ter outra
origem que não o ensinamento dos Apóstolos.
Mas a Tradição não tem nada que ver com a infalibilidade de jure do
Corpo Episcopal unido: trata-se de duas coisas especificamente
distintas. Na Tradição, nós descobrimos a origem apostólica de uma
doutrina pelos testemunhos repetidos em muitos lugares; na
infalibilidade, nós aprendemos que uma doutrina é revelada pelo
pronunciamento atual infalível da autoridade da Igreja, assistida pelo
Espírito Santo na sua declaração.
M. admite que o M.O.U. pode ser infalível no instante em que se
pronuncia: mas logo se contradiz afirmando que, para ter certeza dessa
infalibilidade, é preciso que esse Magistério seja “constante por um
certo intervalo de tempo”, [64. S. n.º 9, pág. 5, nota 44.]
“constante, comunicado… a muitas gerações”. [65. S. n.º 9, pág. 2,
col. 3. Rev. Pe. PIERRE-MARIE, op. cit., págs. 304 e ss.] Logo, não é
mais infalível por si mesmo: novamente, M. contradiz a definição do
Conc. Vaticano (DS 3011), acrescentando uma condição que o Concílio
não dá. (Sobre o “longo tempo”, remetemos ao que diremos sobre a
extensão da infalibilidade do Papa).
A posição de M. segue um erro endêmico: o M.O.U. seria infalível
quando ensina verdades que foram cridas sempre e por toda parte,
segundo uma tese falsamente atribuída a São Vicente de Lérins. Diz M.:
“O que é preciso procurar avidamente e seguir como Regra da Fé é o
consenso constante e unânime dos Padres”, ou seja, aquilo que foi
ensinado sempre e por toda a parte na Igreja (“semper et ubique”).
[66. S. n.º 9, pág. 4, col. 1.] Sodalitium já respondeu a esse erro.
[67. Sodalitium, n.º 41, págs. 71-2.] Recordemos que o Cânon de São
Vicente serve para reconhecer a regra remota ou objetiva da fé (a
Tradição) e não a regra próxima ou diretiva (o Magistério infalível).
Retomamos as palavras do Cardeal Franzelin durante o Conc. Vaticano:
“Interpreta-se o cânon contra a mente do autor caso se o refira à
chamada norma diretiva infalível na Igreja Católica. Com efeito, para
o Lirinense, o cânon diz respeito à norma objetiva (ou seja, a divina
tradição), como o mostra o contexto; e, assim, o cânon proposto contém
um critério para reconhecer a “tradição da Igreja Católica” por meio
da qual, “em união com a autoridade da lei divina, a fé divina é
defendida”. É inteiramente outra a questão de saber se o mencionado
cânon contém uma condição necessária para uma doutrina poder ser
infalivelmente definida pelo Magistério da Igreja Católica. Isso,
Vicente nunca ensinou; ele chegou mesmo a dizer exatamente o
contrário… Seria distorcer o cânon lirinense de seu verdadeiro sentido
exigir, em nome dele, o consentimento universal ou a unanimidade de
todos os bispos para uma doutrina poder ser definida como dogma da fé
pelo Magistério da Igreja, no qual se encontra a norma diretiva da fé.
Seria perverter o cânon lirinense buscar nele ao mesmo tempo a norma
objetiva e a norma diretiva, como se a única norma infalível da Fé
Católica se encontrasse no acordo constante e universal da Igreja; aí
então, em matéria de fé, só aquilo que tivesse sido crido por um
acordo constante seria absolutamente certo e infalível, e ninguém
poderia crer o que quer que fosse, com aquela fé divina que é
absolutamente e infalivelmente certa, sem que enxergasse com seus
próprios olhos esse acordo constante e universal da Igreja.” [68.
Mansi 52, 26-27. Citado por B. LUCIEN, Le canon de St Vincent de
Lérins, in: Cahiers de Cassiciacum, n.º 6, págs. 83-95 (cf. a trad.
br. “O Cânon de São Vicente de Lérins”, em: "http://wp.me/pw2MJ-
ok".).]
A conclusão lógica da confusão de M. é a seguinte: se o M.O.U. ensina
somente aquilo que é pregado por toda a parte “durante um longo
período de tempo”, quando há controvérsia esse Magistério será
divergente e obscuro. [69. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.] Referimos os
leitores ao que já foi dito, no ponto “h)” deste parágrafo. M. não se
dá conta de que fala de um caso em que os termos se contradizem: se há
divergência, então não há união e não há, tampouco, M.O.U.. Quando,
porém, há o M.O.U., aí então não há mais divergência.
Conclusão. Concluamos com as palavras de Zapelena: [70. T. ZAPELENA,
De Ecclesia Christi, pars altera, Roma: Gregoriana, 1940, págs. 60 e
ss. In: Pe. B. LUCIEN, L’infaillibilité..., pág. 68.]
“O Colégio Episcopal, que sucede ao Colégio Apostólico, é infalível ao
propor uma doutrina revelada ou conexa com a Revelação… Ora, esse
Colégio não se encontra menos no magistério ordinário ou disperso dos
Bispos, do que em seu magistério extraordinário ou conciliar. Logo, os
Bispos não são menos infalíveis quando ensinam, de maneira concorde,
com seu magistério ordinário, do que ao exercerem seu magistério
extraordinário ou solene. De fato, a assistência e as promessas de
Cristo não são, de modo algum, limitadas ao exercício do magistério
solene e extraordinário; mais ainda, elas referem-se antes ao
magistério ordinário e cotidiano dos Bispos: ‘Eu estou convosco todos
os dias até ao fim dos tempos’ (Mt 28, 20).”

O Papa
A propósito do Sumo Pontífice, parece que M. não creia nem na
infalibilidade do Magistério ordinário do Papa, nem que ele seja a
Regra próxima da Fé; em consequência disso, a relação entre Magistério
do Papa e Magistério dos Bispos é falseada.
a) A infalibilidade do Magistério Ordinário do Papa
M. nega explicitamente a infalibilidade do Magistério Ordinário do
Papa: “Cumpre dizer que o Papa não é infalivelmente assistido no seu
Magistério Ordinário, ainda que dirigido para toda a Igreja”. [71. S.
n.º 8, pág. 6, nota 28.] O raciocínio dele é simples: o Conc.
Vaticano, na famosa definição (citada acima em “Nota do M.O.U.”, DS
3011), afirma que a Igreja é infalível com o Magistério solene ou com
o [Magistério] ordinário e universal, e, portanto, conclui ele: “não
existem outros atos do Magistério infalível na Igreja”. [72. S. n.º 8,
pág. 3, col. 1.] M. engana-se.
Antes de tudo, porque, nesse ponto [da Const. Dei Filius], “a
Deputação da Fé não teve, de maneira alguma, a intenção de tratar, nem
direta nem indiretamente, da questão da infalibilidade do Sumo
Pontífice”, precisava Mons. Martin em 31 de março de 1870 aos Padres
Conciliares. [73. Intervenção de Mons. MARTIN, em nome da Deputação da
Fé, durante o Conc. Vaticano, em 31/3/1870. Citado por B. LUCIEN,
L’infaillibilité..., pág. 17.]
M. conhece esse discurso, dado que cita parte dele, mas cala sobre
essa frase. Como pode?
Ademais, negar a infalibilidade do Papa no seu Magistério ordinário é
grave, dado que se trata de uma conclusão teológica certa, [74. Esse
ponto é explicado muito bem pelo Rev. Pe. Noël BARBARA, in: La
Bergerie du Christ et le loup dans la Bergerie (O Redil de Cristo e o
lobo no Redil), edições Forts dans la Foi, Tours 1995, págs. 177 e
ss.] ensinada, além do mais, pelo Magistério da Igreja.
O Conc. Vaticano definiu que o Sumo Pontífice “goza daquela
infalibilidade da qual o Divino Redentor quis que a Sua Igreja
estivesse dotada” (DS 3074); com essa declaração, foram condenados os
galicanos, para os quais “o Papa é inferior à Igreja nas questões de
fé”; [75. Mansi, 49, 673; 52, 1230. In: SALAVERRI, op. cit., n. 647.]
o Papa não é, pois, de nenhum modo inferior à Igreja. Ora, a Igreja
foi dotada do modo extraordinário e ordinário de infalibilidade (DS
3011). Logo, também o Papa pode exercer a sua infalibilidade de duplo
modo.
O Sumo Pontífice tem na Igreja “toda a plenitude do poder supremo” (DS
3064): por isso, deve ter também todos os modos de exercício desse
poder supremo. Ora, o poder supremo de infalibilidade foi dado à
Igreja de modo duplo, extraordinário e ordinário. Logo, o Sumo
Pontífice tem o poder de infalibilidade também de modo ordinário, do
contrário seria preciso concluir que o supremo poder de
infalibilidade, ao menos no modo como é exercido, seria mais restrito
no Papa do que na Igreja. Isso não pode ser, dado que o Papa tem toda
a plenitude do poder supremo sem nenhuma limitação.
O Sumo Pontífice tem o triplo poder de governar, ensinar, santificar.
Se o ensinamento dele fosse infalível só quando define solenemente,
seria então muito raro; muitos Pontífices não o haveriam jamais
utilizado, nunca haveriam desempenhado o papel de “confirmar os
irmãos”, e os fiéis não teriam recebido do Cabeça da Igreja, do
Vigário de Cristo, nenhum ensinamento certo. Isso repugna à estrutura
da Igreja e às promessas de Nosso Senhor a São Pedro. Durante o Conc.
Vaticano, Mons. Gasser assim respondia a quem afirmava que o
Pontífice, ao dar definições, devesse observar uma determinada forma:
“Isso não pode ser feito, de fato não se trata de uma coisa nova. Já
milhares e milhares de juízos dogmáticos foram emanados pela Sé
Apostólica; mas onde algum dia existiu o cânone que prescreve a forma
a ser observada em tais juízos?” [76. Mons. GASSER, Explicação à 84ª
Congregação Geral, 11-7-1870, Mansi 52, 1215.].
Pio XI:
“O Magistério da Igreja – que por divina Providência foi estabelecido
no mundo a fim de que as verdades reveladas se conservassem sempre
incólumes e com facilidade e segurança chegassem ao conhecimento dos
homens – embora seja exercido todos os dias pelo Romano Pontífice e
pelos Bispos em comunhão com ele, tem também o ofício (munus) de
proceder oportunamente à definição de algum ponto de doutrina com
ritos e decretos solenes, caso surja a necessidade de resistir mais
eficazmente aos erros e aos ataques dos hereges ou então de imprimir
nas mentes dos fiéis pontos de sacra doutrina explicados com maior
clareza e precisão”. [77. PIO XI, Mortalium animos, 6/1/1928, DS 3683,
I.P. 871.]
Desse texto deduz-se que o Magistério é um só, com dois modos de
expressão. Pio XII:
“Nem se deve considerar que os ensinamentos das Encíclicas não exijam,
por si mesmos, o nosso assentimento, com o pretexto de que os
Pontífices não exercem aí o poder de seu Magistério Supremo. Na
realidade, esses ensinamentos são do Magistério ordinário, para o qual
também valem as palavras: ‘Quem vos ouve, ouve a Mim’ (Lc X, 16);
ademais, a maior parte do que é proposto e inculcado nas Encíclicas já
é, por outras razões, patrimônio da doutrina católica. Portanto, se os
Sumos Pontífices em seus atos emanam de caso pensado uma sentença em
matéria até então controversa, é evidente para todos que essas
questões, segundo a intenção e a vontade dos mesmos Pontífices, não
podem mais ser objeto de livre discussão entre os teólogos”. [78. PIO
XII, Humani Generis, 12-8-1950, I.P. n. 1280.]
Ainda Pio XII:
“Não é, porventura, o Magistério… o primeiro ofício da Nossa Sé
Apostólica? (…) Na Cátedra de Pedro Nós nos sentamos unicamente porque
Vigário de Cristo. Nós somos o Seu Representante na terra; somos o
órgão por meio do qual faz ouvir a Sua voz Aquele que é o único Mestre
de todos (Ecce dedi verba mea in ore tuo [N. do T. – ‘Eis que ponho as
minhas palavras na tua boca’], Jer. 1, 9)”. [79. PIO XII, Commossi, 4-
11-1950, I.P. n. 1295.]
Foi justamente usando o Magistério Ordinário que Leão XIII definiu a
questão sobre a validade das ordenações anglicanas; Pio XII, sobre o
uso dos assim chamados “métodos naturais” [80. Pe. N. BARBARA, op.
cit., pág. 158.] e sobre e matéria e forma do Sacramento da Ordem.
b) O Papa é Regra próxima da Fé
É uma verdade ensinada pelo Magistério da Igreja, bem como pela
unanimidade dos teólogos. Referimos os leitores ao artigo que saiu no
número precedente de Sodalitium [81. Sodalitium n.º 44, págs. 48-49
(“A regra de nossa fé”, já citado).].
É também uma conclusão lógica da infalibilidade do Magistério
Ordinário do Papa: se de jure não pode errar, todos – Bispos e fiéis –
devem abraçar a doutrina que ele ensina.
M. afirma que o Papa é a Regra viva da Fé somente com o magistério
solene, [82. S. n.º 8, pág. 6, nota 24: no texto francês é chamado de
“extraordinário”.] não com o Magistério Ordinário, caso contrário,
“isso significaria – diz ele – que o depósito da fé se encontra no
magistério do Papa vivo: o que é próximo da heresia”. [83. S. n.º 8,
pág. 6, nota 24.]
Mas uma coisa é o Depósito da Fé, outra é a Regra que permite
discernir o que é que está contido e o que é que se opõe a esse
Depósito. Vimos que o Magistério da Igreja ensina o contrário, como
por exemplo no Catecismo de São Pio X:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé”. [84. São PIO X, Catecismo
Maior, Breve História da Religião, Milão: ed. Ares, 1991, pág. 290.]
Portanto, se a Regra da Fé se encontra também na disciplina que o Papa
impõe-nos, com maioria de razão se encontra no seu Magistério
Ordinário.
Não tendo entendido isso, M. falseia, além do pensamento de Vacant,
também o de Dom Gréa: “Para ele, diz M., o depósito da fé está sempre
no Magistério Ordinário do Romano Pontífice, que o comunica
incessantemente ao corpo episcopal… Essa tese é rejeitada por Vacant”.
[85. S. n.º 8, pág. 7, nota 31.]. Dom Gréa, pelo contrário, afirma que
o Papa nos ensina quais são as verdades reveladas por Nosso Senhor, e
que os Bispos recebem o ensinamento dele para transmiti-lo aos fiéis:
“Como poderemos dizer que Jesus Cristo falará na Igreja? (…) Ele
proveu-a com a instituição de um Vigário que é o Seu órgão permanente,
o guardião e o pregador infalível da sua palavra, e ‘em redor do qual’
[86. “Santo Inácio de Antioquia chama os Apóstolos de ‘aqueles em
redor de Pedro’ Epist. ad Smyrn., n. 13. Essa expressão significa
entre os gregos a corte do soberano e a dependência do seu séquito”:
nota no texto de Dom Gréa.] todos os Bispos se reúnem, unem-se a ele e
recebem dele o poder de formar, com ele e por meio dele, um só e único
magistério da Igreja universal”. [87. DOM A. GRÉA, op. cit., Tomo
primeiro, l. I, cap. VI, § 2, pág. 82. Ver também l. II, cap. 2, § 3,
pág. 145-146.]
Dom Gréa está falando, pois, de Magistério, e não de Depósito da Fé.
No que se refere a Vacant, demonstramos nas págs. 31 e 35-6 que M. não
apresenta objetivamente o pensamento dele.
c) Relação entre Magistério do Papa e Magistério dos Bispos
M. afirma que o Papa goza somente de uma assistência divina maior que
a dos Bispos. [88. S. n.º 8, pág. 5, col. 1; n.º 9, pág. 1, col. 1.]
Respondemos: entre Papa e Bispos há distinção essencial e não de grau,
o Papa tem verdadeiramente uma assistência única por parte do Espírito
Santo, a qual os Bispos, considerados individualmente, não possuem.
Segundo M., o Magistério Ordinário do Papa e o M.O.U. não estão no
mesmo nível: “É falso equiparar, como faz Dom Nau, o Magistério
Ordinário Pontifício dirigido a toda a Igreja ao Magistério Ordinário
Universal”. [89. S. n.º 8, pág. 5, col. 3; pág. 6, nota 8.]
Respondemos que ambos estes Magistérios são infalíveis. A distinção
consiste somente nisto: a infalibilidade do M.O.U. foi definida
solenemente, a do Papa é conclusão teológica certa.
Para M., a teologia romana cometeu um erro: considerar que o
Magistério dos Bispos é reflexo do Magistério romano. [90. S. n.º 8,
pág. 5, col. 2; pág. 6, nota 5.] “Os Bispos são… o eco da doutrina
apostólica, não da doutrina romana”. [91. S. n.º 8, pág. 5, col. 2.]
Para começar, M. se contradiz, pois ele próprio afirma que o
obscurecimento do M.O.U. (coisa para ele possível) é causado pela
“falha da Sé de Pedro”. [92. S. n.º 9, pág. 5, nota 55.] Além disso,
vimos a propósito da Regra da Fé que também os Bispos são instruídos
pelo Papa, o qual tem a função de confirmá-los na Fé. Como São Pedro
era o Cabeça dos Apóstolos, assim também o Sumo Pontífice é Cabeça dos
Bispos.
M. reconhece que o Papa tem o poder de “jurisdição universal”, mas
inexplicavelmente não lhe reconhece o Primado na “função doutrinal”, a
potestas docendi: uma tal maneira de ver as coisas seria, diz ele,
perigosa, pois “leva a enxergar no Sumo Pontífice antes de tudo uma
função doutrinal”. [93. S. n.º 8, pág. 6, nota 24.] O oposto ensina
Leão XIII:
“É à Santa Sé, em primeiro lugar, e também, sob sua dependência, aos
outros pastores estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a
Igreja de Deus, que pertence de direito o ministério doutrinal. A
parte dos simples fiéis se reduz a um só dever: aceitar os
ensinamentos que lhes são comunicados, conformar a estes sua conduta e
secundar as intenções da Igreja”. [94. LEÃO XIII, In mezzo, 4-11-1884,
I.P. n. 458.]
O Concílio do Vaticano definiu:
“Ensinamos, pois, e declaramos que (…) este poder de jurisdição do
Romano Pontífice, sendo verdadeiramente episcopal, é imediato:
portanto, os pastores e fiéis de todas as dignidades e de todos os
ritos, tanto individualmente como todos em conjunto, têm o dever da
subordinação hierárquica e verdadeira obediência, não só nas coisas
referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à
disciplina e ao governo da Igreja espalhada por toda a terra. De modo
que, conservando a unidade de comunhão e de profissão da mesma fé com
o Romano Pontífice, a Igreja de Cristo seja um só redil sob um único
Sumo Pastor (Jo 10, 16). Esta é a doutrina da verdade católica, da
qual ninguém pode afastar-se sem perigo para a própria fé e a própria
salvação.” [95. Conc. Vat., Const. Pastor Aeternus, 18/7/1870, DS
3060.]
Vimos, a propósito da nota teológica do M.O.U., que Mons. d’Avanzo
ensinava:
“Por isso, como o Espírito Santo, espírito de verdade, reside na
Igreja todos os dias; assim também, todos os dias a Igreja ensina as
verdades de fé com a assistência do Espírito Santo. Ensina todas
aquelas coisas que são, ou já definidas, ou contidas explicitamente no
tesouro da Revelação mas não definidas, ou cridas implicitamente:
todas essas verdades a Igreja as ensina cotidianamente, quer por meio
do Papa principalmente, quer por meio de todos os Bispos que aderem ao
Papa. Todos, Papa e Bispos, são infalíveis nesse magistério ordinário
com a própria infalibilidade da Igreja: diferem somente nisto, que os
Bispos não são infalíveis por si sós, mas precisam da comunhão com o
Papa, pelo qual são confirmados; o Papa precisa somente da assistência
do Espírito Santo que lhe foi prometida (…).” [40. Mansi 52, 763 D9-
764 C7. Texto publicado pelo Padre Bernard LUCIEN, L’infaillibilité du
Magistère ordinaire et universel de l’Eglise (A infalibilidade do
Magistério ordinário e universal da Igreja), Documents de Catholicité,
1984, págs. 21-3.]
d) Extensão da infalibilidade
M. sustenta que a assistência ao Papa varia de acordo com as pessoas a
quem ele se dirige: “É certamente maior quando ele se dirige à Igreja
Universal do que quando se dirige a uma nação; é menor se dirigido aos
batizados da diocese de Roma, menor ainda se voltado para um grupo de
peregrinos”. [96. S. n.º 8, pág. 5, col. 1.]
Isso é falso; pouco importa a quem se dirige o Papa: se a doutrina que
ele ensina vale para toda a Igreja, ela é infalível. De resto, não
existem “graus” na assistência do Espírito Santo: ou ela está presente
e então preserva do erro, ou então não existe.
Ademais, o próprio M. se contradiz sucessivamente: de fato ele afirma,
e isto é verdade, que uma Carta do Sumo Pontífice, embora endereçada a
um Patriarca, concerne de fato à Igreja universal e, portanto,
constitui Magistério Ordinário Pontifício. [97. S. n.º 9, pág. 5, nota
48.] Gregório XVI, dirigindo-se ao Bispo de Friburgo, ensinou:
“[O que Nós dizemos] é conforme aos ensinamentos e pareceres que já
conheceis, ó venerável Irmão, por tê-los aprendido pelas Nossas Cartas
ou Instruções escritas a diversos Arcebispos e Bispos, ou nas Cartas
do Nosso predecessor Pio VIII, publicadas por ordem dele ou Nossa.
Pouco importa se essas Instruções foram endereçadas somente a algum
Bispo que requisitara informações à Sé Apostólica: como se aos outros
Bispos fosse concedida a liberdade de não se ater a essas decisões!”
[98. GREGÓRIO XVI, Non sine gravi, ao Bispo de Friburgo, 23/5/1846,
I.P., vol. I, n. 190.]
Do mesmo modo, Pio XII definiu uma questão de moral em discurso às
parteiras. [80. Pe. N. BARBARA, op. cit., pág. 158.]
Outro erro de M. está em considerar que “um ato magisterial isolado do
Papa” não é infalível: é preciso que tal ensinamento seja constante,
de “longa duração”. [99. S. n.º 8, pág. 5, col. 1.] Já respondemos a
essa teoria: M. reduz a infalibilidade do Magistério a um argumento
apologético, o da Tradição.
O absurdo dessa afirmação é evidente: quando São Pio X condenou os
modernistas, tratando-se de um documento “isolado” (o primeiro), teria
sido lícito duvidar de sua infalibilidade! O mesmo ocorre quando Pio
XII condenou a “nouvelle théologie” na Humani Generis, ou quando Leão
XIII definiu a invalidade das Ordenações anglicanas!
Respondemos com Santo Agostinho: “Roma locuta, causa finita”. [100.
Serm. 131, 10, 10.]
e) “Erros” dos Sumos Pontífices
No ensinamento do Papa pode haver um erro material, que não tem
influência alguma na fé ou na moral. Pode haver, além disso, coisas
mais ou menos oportunas, conforme a prudência do ato: nesse caso, não
cabe a nós julgar; serão, em seguida, os Papas subsequentes que
decidirão eventualmente de maneira diversa; mas não pode haver,
jamais, no ensinamento do Papa algo de nocivo à fé ou à moral.
M., pelo contrário, depois de haver diminuído a infalibilidade do
Magistério Ordinário do Papa, termina negando-a, como fez
anteriormente com o M.O.U. “Papas – diz ele – podem dar um magistério
imprudente, daninho para a fé ou errôneo”, [101. S. n.º 9, pág. 3,
col. 1; pág. 1, col. 1; n.º 8, pág. 5, col. 1.] uma Encíclica pode ser
“gravemente nociva ao bem da Igreja”. [102. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.]
Não nos detemos na palavra “imprudente”, mas M. não tem o direito de
afirmar o restante, se pretende ser católico. Com efeito, a Igreja
condenou as mesmíssimas expressões utilizadas pelo Concílio de
Pistóia, segundo o qual na disciplina da Igreja pode haver algo de
“perigoso ou nocivo”. [103. PIO VI, Auctorem fidei, 28-8-1794, DS
1578.]
Ora, se nem sequer na disciplina pode ocorrer coisa do gênero, a
fortiori no ensinamento do Papa! Assim também, a Igreja reivindicou a
infalibilidade nos decretos litúrgicos, [104. DS: 1198-1200, 1645,
1657, 1727-34, 1745-59, 3315-9.] que são menos importantes que os
decretos doutrinais do Sumo Pontífice.
M. até mesmo afirma que “aconteceu de fato” de a Igreja Romana ter
ensinado “um erro” e prescrito “um mal”, [105. S. n.º 8, pág. 5, col.
2.] contradizendo assim o ensinamento do Conc. Vat.:
“(…) Esta Sé de Pedro permanece sempre imune de todo erro, segundo a
promessa divina de Nosso Senhor… Esse carisma de verdade e de fé
jamais defectível, foi concedido por Deus a Pedro e aos seus
sucessores nesta cátedra, para que exercessem este seu altíssimo
ofício para a salvação de todos, para que o universal rebanho de
Cristo, afastado por obra deles da isca envenenada do erro, fosse
nutrido com o alimento da doutrina celeste, e, eliminada toda ocasião
de cisma, toda a Igreja fosse conservada na unidade e, apoiada no seu
fundamento, se erguesse inexpugnável contra as portas do inferno.”
[106. Pastor Aeternus, DS 3070 e 3071.]
Leão XIII, Satis Cognitum:
“…Jesus Cristo instituiu na Igreja um magistério vivo, autêntico e,
ademais, perpétuo, que Ele investiu da Sua própria autoridade,
revestiu do Espírito de verdade, confirmou por milagres, e quis e
severissimamente ordenou que os ensinamentos doutrinais desse
magistério fossem recebidos como os Seus próprios. Todas as vezes que
a palavra desse magistério declara que esta ou aquela verdade faz
parte do conjunto da doutrina revelada por Deus, todos devem crer com
certeza que isso é verdadeiro; pois, se de algum modo isso pudesse ser
falso, daí se seguiria, coisa evidentemente absurda, que o próprio
Deus seria o autor do erro dos homens… Os Padres do Concílio Vaticano
não publicaram, pois, nada de novo, mas só fizeram conformar-se à
instituição divina, à antiga e constante doutrina da Igreja e à
natureza mesma da fé, quando formularam este decreto: ‘Devem-se crer
com fé divina e católica…’ [segue a citação do Cap. 3 da Dei Filius,
DS 3011, N. do A.]” [107. I.P., vol. I, n. 571-2.].
É evidente que Leão XIII dá aqui uma interpretação autêntica da
definição conciliar.
Passemos agora à lista dos “erros” que, segundo M., teriam cometido os
Papas. [108. S. n.º 9, pág. 2, col. 3; pág. 3, col. 1.]
Notemos desde já que defensores da possibilidade de “error facti” da
parte do Sumo Pontífice, no dizer do DTC, foram os jansenistas, os
galicanos e os anti-infalibilistas no Conc. Vaticano. [109. DTC,
Dictionnaire de Théologie Catholique (Dicionário de Teologia
Católica), verbete “Honorius Ier” (Honório I), col. 125-6. Recordemos
que o DTC está longe de ser de orientação “romana”.] Tais são os
precursores de M.!
Ele afirma ter tirado muitos exemplos de Journet. [110. S. n.º 9, pág.
5, nota 51: JOURNET, L’Eglise du Verbe Incarné (A Igreja do Verbo
Encarnado), t. I, pág. 428, excurso 5. A referência exata é: Tomo I,
cap. IV, págs. 347-51 e cap. VII, págs. 428-33. Desclée de Brouwer,
Paris, 1941. O caso de Clemente XIV não conseguimos encontrar.] Tomar
Journet como guia nessas matérias é tomar um péssimo guia. Journet
efetivamente introduziu na teologia a mentalidade liberal de Maritain
e de Paulo VI, o qual, não por acaso, deu-lhe o chapéu cardinalício.
Quanto ao fato de que Honório teria excomungado São Sofrônio, [108. S.
n.º 9, pág. 2, col. 3; pág. 3, col. 1.] já vimos que é falso (no
parágrafo sobre imprecisões e falsificações).
São Pedro, “impelido por motivos humanos, dá o exemplo oposto àquilo
que ele próprio havia prescrito”, diz M.. [111. S. n.º 9, pág. 4, nota
37.] Mas trata-se de comportamento e não de ensinamento de São Pedro!
João XII concede a Fócio estar em comunhão com ele: [108. S. n.º 9,
pág. 2, col. 3; pág. 3, col. 1.] o próprio M. admite que o Papa foi
enganado. M. aduz esse exemplo para provar que o Papa pode enganar-se
quando concede a um Bispo a comunhão: só que isso não pertence ao
Magistério.
M. se serve desse caso para introduzir a questão de uma excomunhão
cominada injustamente pelo Papa. [112. S. n.º 9, pág. 5, nota 49.]
Tenha-se presente que, inclusive nesses casos, raros, todos os fiéis
devem crer que a excomunhão é justa (DS 1272), e o excomungado deve
submeter-se tanto interiormente quanto exteriormente (CJC cân. 2219
§2).
Atanásio e Papa Libério na crise ariana: M., que cita esse episódio
nada menos que sete vezes, acusa o Papa Libério de ter sido favorável
aos arianos. Isso é completamente falso. Libério foi acusado pelos não
católicos de ter assinado uma profissão de fé ariana ou filo-ariana.
Respondemos a essa acusação:
1.° não há certeza de que o Papa Libério tenha assinado algo;

2.° se assinou, não se sabe qual documento;

3.° o que quer que Libério tenha assinado, se é que o fez, ele o teria
feito durante o exílio, enquanto era prisioneiro do imperador: ora, um
documento extorquido em cativeiro não tem valor nenhum;

4.° Libério, antes e depois do seu exílio, combateu o arianismo (por


isso foi mandado para o exílio), e sempre professou a fé íntegra.
M. diz ainda que “durante 30 anos houve uma quase unanimidade moral no
Episcopado a favor da heresia… confirmada pelo silêncio (senão pela
cumplicidade) de Libério”. [113. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.] Isso é
historicamente falso, pois muitos Bispos se opuseram aos arianos, como
Santo Eusébio, Santo Hilário e o próprio Libério, que Mons. Benigni
define como “o segundo Atanásio”.
A condenação de Galileu: o próprio M. está a par de que essa
condenação foi aprovada somente in forma communi, foi então ato de uma
Congregação e não do Magistério Pontifício. [108. S. n.º 9, pág. 2,
col. 3; pág. 3, col. 1.] Porém, mesmo num caso desses, assim como com
todos os ensinamentos da Igreja, explica Salaverri, fazia-se mister
que os católicos aderissem “corde et ore” [= de coração e de boca].
[114. DS: 2390, 2879, 2895, 2922, 3407, 3884. D 1880, suprimido em
DS.]. Mesmo se houvesse ali um erro material, era preciso submeter-se,
pois era um ensinamento “seguro”. Tal adesão não somente não
comportava erro nenhum contra a fé e a moral, mas era necessária:
“Naqueles momentos havia a necessidade – diz Salaverri – de preservar
os fiéis do grave perigo de duvidar da inerrância da Escritura, com a
qual não se via como pudessem conciliar-se as opiniões de Galileu,
então debatidas asperamente. Ao decreto, considerado nesse sentido,
que é o sentido verdadeiro e próprio, era preciso que os fiéis dessem
o seu assentimento moralmente certo; esse assentimento era relativo e
condicionado, e isso quer dizer que devia durar até que o progresso da
ciência tivesse mostrado que não havia mais ali o perigo de que fosse
negada a doutrina de fé sobre a inerrância da Sagrada Escritura”.
[115. SALAVERRI, op. cit., l. 2, c. 2, a. 3, nn. 682-3, págs. 712-3.]
Até mesmo Journet, que não tem a mesma posição de Salaverri, afirma a
necessidade de aceitar e submeter-se ao decreto da Congregação. [116.
JOURNET, op. cit., pág. 431.]
Não se vê, pois, como M. possa dizer que se tratou de erro do
Magistério Pontifício, e como possa recusar submissão aos decretos das
Congregações.
A supressão dos jesuítas por Clemente XIV: [108. S. n.º 9, pág. 2,
col. 3; pág. 3, col. 1.] a aprovação de uma Ordem religiosa se refere
à finalidade, à regra, às leis, na sua relação com a doutrina
católica; a infalibilidade não diz respeito ao juízo prudencial, ou
seja, se essa aprovação ou eventual supressão (como a dos jesuítas) é
a mais oportuna ou prudente. [117. SALAVERRI, op. cit., a. 2, n. 727-
9. Sodalitium, n.º 41 pág. 66.]
Todos se submeteram à ordem do Papa; também Sto. Afonso afirmou a
necessidade da submissão.
Nicolau I proibiu a tortura, e Inocêncio IV (e não Inocêncio V, como
diz M.) permitiu-a no códice inquisitorial. [108. S. n.º 9, pág. 2,
col. 3; pág. 3, col. 1.] Respondemos que ambos tinham razão: Nicolau I
vetou a tortura feita de maneira indiscriminada, Inocêncio IV
permitiu-a com limites. Não se entende como M. tenha podido seguir um
autor liberal como Journet, o qual ataca vários Papas – inclusive São
Pio V! – para denegri-los. [118. JOURNET, op. cit., pág. 351, nota 1.]
A Encíclica “Au milieu” de Leão XIII: “parece ortodoxa… na realidade
foi gravemente nociva ao bem da Igreja”. [119. S. n.º 9, pág. 3, col.
2.] Já vimos no início deste parágrafo que não é possível a presença
do que quer que seja de perigoso, nocivo, errôneo nos atos
pontifícios. Mas M. afirma coisas bem piores sobre esta Encíclica.
[120. S. n.º 9, pág. 5, nota 52.]
1.° “Podemos nos perguntar – diz M. – se um texto desses não contém
implicitamente a declaração sobre a liberdade religiosa”. Aqui M. está
em pleno absurdo. Tanto pelo contexto: Leão XIII combateu fortemente
contra o liberalismo (basta pensar na Encíclica Libertas). Bem como
porque, com essa acusação, M. dá um tiro no próprio pé: desse modo o
Concílio Vaticano II seria “tradicional” ao repetir o ensinamento de
um Papa pré-conciliar. A prova que o “Cardeal” Seper e os pós-
conciliares procuraram sem sucesso, [121. Mons. Lefebvre e il
Sant’Uffizio (Dom Lefebvre e o Sto. Ofício), Volpe Editore, 1980,
págs. 11-13 e 25-69.] agora é M. quem a fornece!
2.° M. insulta o Papa: “O texto de Leão XIII significa, grosso modo:
salvai a casa-forte e sacrificai o tabernáculo”; o mesmo Papa teria
tido “indolência” em condenar graves heresias. “Sob Leão XIII a
ciência teológica, a piedade, a fidelidade à Santa Sé não tinham valor
nenhum, caso se carregasse a etiqueta de ‘refratário’”. “O inaudito
culto à personalidade… rodeou aquele Papa”. Que tristeza ouvir tudo
isso ser dito por um sacerdote católico!
3.° M. afirma que, durante esse Pontificado, houve “uma ‘opacização’
da Igreja: ela não deixa mais ver Nosso Senhor Jesus Cristo”. Se a
Igreja não deixa mais ver Jesus Cristo, quer dizer que não é mais a
verdadeira Igreja! A mesma expressão foi empregada por Karol Wojtyla
em “Tertio Millennio adveniente”: a oposição à Igreja Católica
encontra-os de acordo.
Por expressões injuriosas contra o Papa Leão XIII, São Pio X mandou,
embora estimando o Padre Barbier, pôr uma obra deste no Índex dos
Livros Proibidos. As expressões de M. mereceriam a mesma pena, e mais
ainda!
Respondamos, enfim, brevemente ao problema.
Leão XIII não afirma na Encíclica “Au milieu” que na França o poder é
legítimo. Afirma somente duas coisas: por um lado, a unidade dos
católicos; por outro, o dever dos católicos de estarem submissos ao
poder constituído, se o requer a exigência do bem comum (uma revolta
teria causado males piores). Retomemos as palavras do Pe. Belmont
escritas a esse respeito:
“A crítica ao ensinamento de Leão XIII, que virou uma espécie de moda,
assemelha-se demais ao livre-exame para que possamos nós aceitá-la, ou
mesmo apenas levá-la em consideração… De resto, ela é injustíssima e
destrói a autoridade do Magistério Pontifício. Aqueles que, há muito
tempo já, minimizam essa autoridade, não fazem senão semear a cizânia
no campo do Pai de família, e alimentam um estado de ânimo destruidor,
que não poupará nada”. [122. Pe. H. BELMONT, Léon XIII et saint Thomas
d’Aquin, in: Notre-Dame de la Sainte-Espérance, janeiro de 1994, n.º
92, pág. 6. (cf. trad. br. “Leão XIII e Santo Tomás de Aquino”,
"http://wp.me/pw2MJ-Nt").]
Outro erro citado por M. é “a excomunhão injusta fulminada por Pio XI
contra os defensores da Action Française”. [108. S. n.º 9, pág. 2,
col. 3; pág. 3, col. 1.] Não podemos fazer um estudo particular sobre
a Action Française (A.F.) ou sobre seu fundador e líder Charles
Maurras, que, infelizmente, era ateu. Notemos somente que, embora
afirmando também muitas coisas justas, a A.F. era animada por
princípios naturalistas.
M., além de não atentar para isso, ignora talvez que o Santo Ofício
havia preparado a condenação em 29/1/1914, e que ela fora aprovada
pelo Papa então reinante, S. Pio X, o qual preferiu não a publicar
naquele momento por motivos de oportunidade. Pode-se discutir, pois,
sobre a maior ou menor oportunidade dessa condenação, mas não sobre o
fato, admitido inclusive por S. Pio X, de que muitas teses de Maurras
eram condenáveis.
Conseguirá M. acreditar que precisamente o Santo patrono da
Fraternidade à qual ele pertence não teria objetado nada à condenação
da A. F.? Deveria meditar sobre esta frase de Pio XI: “Pio X era
demasiado antimodernista para deixar de condenar essa espécie
particular de modernismo político, doutrinal e prático, com que Nós
nos confrontamos”. [123. PIO XI, Quirógrafo a Paulin-Pierre Andrieu,
Arcebispo de Bordéus, 5-1-1927; in Actes de S. S. Pio XI (Atos de S.
S. Pio XI), Tomo IV, Ano 1927 e 1928, Maison de la Bonne Presse, Paris
1932.]
Errônea seria ainda uma Carta de Pio XI aos Bispos de França, na qual
o Papa os teria proibido “de mandar os católicos não votarem num
candidato apoiador do laicismo”. [124. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.]
Procuramos em vão essa carta nos Acta Apostolicæ Sedis de 1924: mais
uma vez, a citação está errada e, por isso, não pudemos ler o texto do
Papa.
Mas podemos dizer que muitas vezes a Igreja afirmou que, em
determinadas circunstâncias, para evitar um mal maior, nem sempre é
moralmente ilícito votar num acatólico, se este garantisse que agiria
sem trazer dano à Igreja Católica. São Pio X, com Patto Gentiloni,
permitiu exatamente isso aos católicos italianos, para opor-se ao
socialismo: votar num deputado liberal, que garantia seriamente que
não legislaria contra a religião católica. Será M. mais católico do
que São Pio X?
f) Insultos
A Hierarquia da Igreja é definida por M. “clã no poder”: [125. S. n.º
8, pág. 4, col. 2.] porquanto possa ser irônica a intenção de M., a
expressão é injuriosa.
M. opõe-se à tese segundo a qual “quem obedece ao Papa tem sempre
razão”; [126. S. n.º 9, pág. 2, col. 1.] o seu modo de exprimir-se é
no mínimo malsonante. Para outras expressões ofensivas, veja-se o
ponto precedente.

Indefectibilidade da Igreja
A Igreja Católica é indefectível, segundo a promessa de Nosso Senhor
feita a São Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha
Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,
18). Porque a Igreja Católica foi instituída por Deus, nunca pode
falhar; ela é, dizia São Pio X, “indefectível em sua essência, unida
com vínculo indissolúvel com seu Esposo”. [127. S. PIO X, Iucunda
sane, 12-3-1904, I.P. 667.]
M. nega praticamente o dogma da indefectibilidade: para ele a Igreja é
apenas “quase” indefectível, frequentemente… mas nem sempre! Sustenta
que a “deficiência da Igreja romana” [128. S. n.º 8, pág. 4, col. 3.]
é possível, pois as promessas feitas por Nosso Senhor valem “fora dos
períodos excepcionais de grave crise”; [129. S. n.º 9, pág. 1, col.
3.] “as promessas de indefectibilidade de Nosso Senhor feitas à sua
Igreja garantem uma coisa só: a relativa raridade e a relativa
brevidade dessas graves crises”; [130. S. n.º 8, pág. 6, nota 22.] a
Igreja em alguns momentos da história pôde “perder a verdade”. [131.
S. n.º 9, pág. 2, col. 3.]
Exemplos históricos: a crise ariana, na qual a Igreja teria falhado
durante bons “30 anos”; [132. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.] o “grande
cisma do Ocidente: 50 anos”; [133. S. n.º 9, pág. 5, nota 56.] sob o
Pontificado de Leão XIII houve “a ‘opacização’ da Igreja: ela não
deixa mais ver Nosso Senhor Jesus Cristo”: [134. S. n.º 9, pág. 3,
col. 2.] já examinamos todos esses exemplos nas págs. 37 e 42-44.
Para M., a defectibilidade invade tanto o M.O.U., quanto o Papa. [135.
S. n.º 9, pág. 2, col. 1 e 2; pág. 3, col. 1 e 2.]
Respondemos que, tendo Deus instituído uma religião e dotado-a de um
Magistério infalível, este último deve permanecer tal, perenemente,
sem interrupção.
“E porque – ensina Leão XIII – a Igreja é tal por beneplácito e
instituição divinos, tal deve permanecer ela perpetuamente; se não
permanecesse sempre, não seria certamente fundada para a
imortalidade”. [136. LEÃO XIII, Satis Cognitum, 29-6-1896, I.P. n.
544.]

A Teologia Romana
Todos sabem que a Igreja de Roma é Mãe e Mestra de todas as Igrejas, e
que a teologia fiel a Roma e ao seu Bispo é a mais próxima da doutrina
da Igreja.
Justamente Dom Lefebvre, grande defensor dos teólogos romanos, como
por exemplo da escola de Solesmes, [137. R. WILTGEN, Le Rhin se jette
dans le Tibre, Ed. du Cèdre, 1976, pág. 243 (cf. trad. br. O Reno se
lança no Tibre: o Concílio desconhecido, Niterói/RJ: Permanência,
2007, p. 249. – N. do T.).] vê-se agora com um descendente que ataca a
teologia romana!
É a contraprova de que, para defender a posição a FSPX, é preciso
andar na contramão da boa teologia.
M. atacou o Papa e a sua indefectibilidade; deve logicamente atacar
também a Teologia Romana. “O alcance da autoridade [do Papa] parece-
nos ser frequentemente exagerado por teólogos desejosos de concentrar
toda a autoridade eclesiástica no Papa”. [138. S. n.º 8, pág. 4, col.
3.] Respondemos, como já se disse sobre a relação entre Papa e Bispos,
que o Conc. Vatic. definiu que na Igreja o Papa tem a autoridade
suprema e monárquica:
“Esta é a doutrina da verdade católica, da qual ninguém pode afastar-
se sem perigo para a própria fé e a própria salvação”. [139. Conc.
Vat., Const. Pastor Aeternus, 18/7/1870, DS 3060.]
M. insiste: “Certos teólogos embora dignos de estima” caíram na
tentação e cometeram erros implícitos “que não são sem consequências”.
“E assim as fulgurantes declarações de romanidade de Solesmes, na
linha de Dom Nau, é [sic] desaguada na infidelidade a Cristo, pois
eles pensaram ser melhor arriscar de estar contra Cristo com o Papa,
do que estar com Cristo contra o Papa”. [140. S. n.º 8, pág. 5, col.
3.] Um protestante não falaria diferentemente: para ser fiel a Cristo
cumpre estar contra o Papa.
Além de Solesmes, M. ataca muitas vezes alguns teólogos romanos como:
Dom Nau, [141. S. n.º 8, pág. 6, notas 5, 6, 24.] Dom Gréa, [142. S.
n.º 8, pág. 6, notas 24 e 31.] Billot. [143. S. n.º 8, pág. 6, nota
28.] Ao contrário, cita sem nenhuma reserva progressistas como Von
Hildebrand, [144. S. n.º 8, pág. 6, nota 21: foi o iniciador da nova
teologia sobre o matrimônio.] Journet, [145. S. n.º 9, pág. 3, col.
1.] Congar [146. S. n.º 9, pág. 5, nota 41.] ou um galicano como
Bossuet. [147. S. n.º 9, pág. 5, nota 47.]
O que dizer? Para convencer M., mais que a autoridade dos Papas, dos
Bispos, dos teólogos católicos, valham as palavras do diretor de Sì Sì
No No, que disse: “O complexo anti-romano é próprio dos modernistas”!
[148. Trata-se do discurso de abertura do Congresso Teológico,
proferido pelo Pe. E. du Chalard de Taveau, Diretor de S., em
homenagem a Mons. Francesco Spadafora. Temos sob os olhos o texto
francês: Église et Contre-Église..., pág. 11.]
Assim Sì Sì No No, fundado por Dom Putti para ser um jornal
“antimodernista”, acolhe, como o testemunha implicitamente seu
Diretor, artigos de evidente tendência modernista!

Disciplina atual
1) O Bispo-farol
Como comportar-se na época atual? M. tem uma resposta: nos períodos de
crise, o Episcopado desempenha “uma ação particular”; [149. S. n.º 9,
pág. 4, col. 2 e 3.] “Em caso de crise, é por vezes… um Bispo-farol
que serve de referência”. [150. S. n.º 9, pág. 5, nota 47.]
Nós sabíamos que há um único farol da verdade, o Papa (Pe. Vallet). M.
nos informa de que este pode errar, ao passo que o outro não:
“Momentaneamente, pode ser farol para a Igreja, mais do que o
magistério do Papa, o magistério de um Bispo venerável”. [151. S. n.º
8, pág. 5, col. 2.] M. inaugura assim uma nova teologia que podemos
chamar de “episcopaliana-marinheira”. Mas, o que é grave, ele inaugura
uma nova Regra da Fé, não mais aquela objetiva dada por Nosso Senhor,
o Magistério infalível de Pedro, mas uma subjetiva e falível: “um
Bispo do qual a experiência terá demonstrado que merece confiança, e,
uma vez concedida essa confiança, [cumpre] aceitar o ensinamento
dele”. [152. S. n.º 9, pág. 4, col. 2.]
Desse modo M. imita os jansenistas, que antepunham a autoridade de um
Padre da Igreja, Santo Agostinho, à do Magistério infalível; M.
antepõe a autoridade do Bispo-farol, escolhido pela própria
experiência. Dentre os Bispos-faróis do passado M. indica-nos Bossuet,
que teve de ser calado, também ele, quando defendeu teses galicanas.
[153. DS 2281 e ss.] Dentre os Bispos-faróis de hoje, M. não diz, mas
fica claro que se trata de Dom Lefebvre e dos bispos por ele sagrados
em 1988.
Portanto, não vale mais o ditado: “ubi Petrus ibi Ecclesia”, mas “ubi
pharus ibi Ecclesia”!
Como já vimos no parágrafo sobre as falsificações, M. baseia a sua
tese “na função extraordinária do Episcopado”, falseando o pensamento
de Dom Gréa. Nos períodos de crise, segundo M., os Bispos podem agir
independentemente do Papa; já para Dom Gréa, pelo contrário:
“os Bispos, sempre dependentes, nisto como em tudo o mais, do Sumo
Pontífice e agindo em virtude da comunhão dele, ou seja recebendo dele
todo o poder deles, fazem uso dessa faculdade para a salvação do
povo”. [154. Dom A. GRÉA, op. cit., págs. 218-219.]
M. dá a entender que os bispos consagrados por Dom Lefebvre, tais como
o Bispo-farol, têm uma “jurisdição suprida”. [155. S. n.º 9, pág. 4,
col. 3.] Respondemos que tais bispos não têm jurisdição nenhuma, pois
nunca foram nem diocesanos nem titulares, logo não possuem a
“solicitude pela Igreja universal”; ademais, tampouco Dom Lefebvre
jamais teve, nem jurisdição fora de sua diocese (da qual esteve
privado a partir de 1962), nem magistério.
A jurisdição na realidade vem do Papa e não dos fiéis.
2) A Fé dos fiéis é mais segura que o ensinamento dos pastores
A doutrina católica ensina que a Igreja docente (Ecclesia docens),
formada pelo Papa e pelos Bispos, é infalível porque assistida pelo
Espírito Santo; os fiéis (Ecclesia discens) têm uma infalibilidade no
ato de crer, devida ao ensinamento infalível que receberam.
M. subverte essa ordem e afirma que os fiéis têm uma fé infalível
independente dos seus Pastores. “Em períodos de crise a fé dos fiéis
pode ser, para conhecer um ponto de fé, critério mais seguro do que o
ensinamento atual dos Pastores”; [156. S. n.º 9, pág. 2, col. 1.] até
mesmo, é mais fácil consultar “a fé da ‘Ecclesia credens’” do que a
Igreja docente. [157. S. n.º 9, pág. 3, col. 2.]
Como prova da sua afirmação, M. faz referência a uma tese de
Franzelin. [158. S. n.º 9, pág. 4, nota 38.] Leiamo-la:
“A esse magistério perpétuo, indefectível e infalível, pela
instituição mesma de Cristo, corresponde uma perpétua ‘obediência da
fé’ por parte dos fiéis. Logo, assim como o Espírito Santo conserva
sempre imune de erro a pregação e a atestação [testificazione (N. do
T.)] na unidade dos Pastores e dos Doutores; assim também por meio
dessa mesma infalível atestação dos docentes [Ecclesia docens], Ele
conserva sempre imune de erro a fé dos que são ensinados [Ecclesia
discens], os quais, mediante a obediência da fé, permanecem no
consenso e na comunhão com a unanimidade dos Pastores: Cristo é o
Verbo do Pai; os Bispos…estão na mente de Cristo; os fiéis, no juízo
dos Bispos”. [159. I. B. FRANZELIN, op. cit., sectio prima, c. II, T.
XII, pág. 97.]
M. afirma, além disso, que Franzelin dá muitos exemplos probantes de
que a fé dos fiéis é mais segura do que o consenso dos Bispos: pelo
contrário, os exemplos ilustrados por Franzelin (pág. 104) referem-se
aos casos de Bispos individuais que erravam, enquanto os fiéis
permaneciam na fé. Somente nesse sentido a fé dos fiéis pode ser mais
segura que a de alguns Bispos (mesmo muitos, mas nunca todos, se estão
unidos a Pedro): e isso somente porque esses fiéis crêem no que
receberam da Igreja docente.
Mais uma vez, M. altera o pensamento dos autores para as necessidades
da causa. Reproduzimos novamente o ensinamento de Leão XIII:
“É à Santa Sé, em primeiro lugar, e também, sob sua dependência, aos
outros Pastores estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a
Igreja de Deus, que pertence de direito o ministério doutrinal. A
parte dos simples fiéis se reduz a um só dever: aceitar os
ensinamentos que lhes são comunicados, conformar a estes sua conduta e
secundar as intenções da Igreja”. [160. LEÃO XIII, In mezzo, 4-11-
1884, I.P. n. 458.]

Conclusão
M. poderia objetar ter de algum modo afirmado a doutrina católica em
algumas frases que lhe contestamos. Contudo, ainda que assim fosse,
ele a esvaziou de seu significado por de fato negá-la. Também os
arianos afirmavam que “Jesus é Deus”, mas na realidade pensavam que
era criatura de Deus.
M. mudou a noção de infalibilidade: é infalível somente aquilo que de
fato (e não também de direito) não erra. Assim, ele substituiu, como
critério da Fé, o Magistério infalível do Papa e dos Bispos, pela
Tradição, interpretada por ele próprio, pelos fiéis, por um Bispo-
farol, em suma: por um critério subjetivo. Nisso ele se avizinha das
teses dos cismáticos “ortodoxos”, para os quais a Tradição é a regra
próxima da fé (e não a regra remota). Avizinha-se também dos
jansenistas, ao recusar o Magistério vivo da Igreja, e se avizinha dos
galicanos, ao negar praticamente sua infalibilidade.
M. quer diminuir a infalibilidade do Papa [legítimo] e dos Bispos, e
provar que se pode desobedecer-lhe, para em seguida pedir-nos um ato
de fé cego no “Bispo-farol”, no líder carismático, que de fato nunca
se engana. Nós preferimos obedecer ao Papa, ao verdadeiro que tem
autoridade: preferimos nos conformar aos seus ensinamentos antes que
aos de algum outro, seja quem for.
“O Papa é o guardião do dogma e da moral; é o depositário dos
princípios que formam honestas as famílias, grandes as nações, santas
as almas; é o conselheiro dos príncipes e dos povos; é o cabeça sob o
qual ninguém deve sentir-se tiranizado, pois representa a Deus mesmo;
é o pai por excelência, que em si reúne tudo o que pode haver de
amável, de tenro, de divino. Parece incrível, e é também doloroso, que
haja sacerdotes aos quais se deva fazer esta recomendação, mas
estamos, porém, em nossos dias, nesta dura e infeliz condição de dever
dizer a sacerdotes: amai o Papa! E como se deve amar o Papa? Non verbo
neque lingua, sed opere et veritate [N. do T. – “Não de palavra e com
a língua, mas por obra e em verdade”.] (I Jo 3, 18). Quando se ama uma
pessoa, procura-se executar as suas vontades, realizar os seus
desejos. E se Nosso Senhor Jesus Cristo dizia de Si: si quis diligit
me, sermonem meum servabit [N. do T. – “Se alguém me ama, guardará a
minha palavra”.] (Jo 14, 23), assim, para demonstrar o nosso amor ao
Papa, é necessário obedecer-lhe. Pois quando se ama o Papa, não se
discute acerca do que Ele dispõe ou exige, ou até onde deve chegar a
obediência, e em quais coisas se deve obedecer; quando se ama o Papa,
não se diz que ele não falou claro o bastante, como se Ele fosse
obrigado a repetir perto do ouvido de cada um aquela vontade
claramente expressada tantas vezes, não só de viva voz como com cartas
e outros documentos públicos; não se põem em dúvida as suas ordens,
aduzindo o fácil pretexto de quem não quer obedecer, de que não é o
Papa quem manda, mas aqueles que o rodeiam; não se limita o campo em
que Ele pode e deve exercer a sua autoridade; não se antepõe à
autoridade do Papa a de outras pessoas, por mais doutas que sejam, que
dissentem do Papa, as quais, se são doutas, não são santas, pois quem
é santo não pode dissentir do Papa.”
São as palavras de São Pio X. [161. S. PIO X, Vi ringrazio, aos
membros da União Apostólica, 18/12/1912, I.P. 750-2.] A Fraternidade
que leva o seu nome deveria especialmente meditar, e fazer meditarem
os cristãos que a seguem, essas palavras.

“Pois bem, nesta única Igreja de Cristo ninguém está, assim como
ninguém persevera, sem reconhecer e acatar com a obediência a Suprema
autoridade de Pedro e de seus legítimos sucessores.” (PIO XI,
Mortalium animos, I.P. 873.).
“O critério primeiro e máximo da fé, a regra suprema e inabalável da
ortodoxia é a obediência ao Magistério sempre vivo e infalível da
Igreja, constituída por Cristo columna et firmamentum veritatis,
coluna e sustento da verdade.” (S. PIO X, Con vera soddisfazione, 10-
5-1909, I.P. 716.)

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Os erros de Sì Sì No No – 2.ª parte: o
Magistério segundo o Abbé Marcille, 1997, trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, dez. 2011, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-19i
de: “Gli errori di Sì Sì No No. Seconda Parte: il Magistero secondo
l’abbé Marcille”, in Sodalitium, ano XIII, n.º 45, abr. 1997, pp. 30-
49.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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Uma resposta para “Textos essenciais em tradução inédita – CX”
1. AJBF Disse:

29 dezembro 2011 às 11:21


Simplesmente magnífico.

Esse texto foi quase que literalmente, um belo MURRO!


Reitero o que eu disse antes, na primeira parte deste estudo: a FSSPX
está em maus, péssimos lençóis. Negam e distorcem o Magistério da
Igreja para justificarem seus próprios princípios ideológicos, não
querendo enxergar os fatos, mas apenas justificativas para sua posição
insustentável. O que antes era uma nuvem etérea de desconfiança, com
algumas refutações genéricas e pontuais, agora está bem explicitado
por meio deste estudo poderoso.
Determinadas perspectivas devem ser extintas, se falamos de fidelidade
à Fé Católica Apostólica Romana. Uma dessas é a da FSSPX acerca do
Magistério Ordinário Universal – coisa que aniquila, também, toda a
pretensão dos “revisionistas” do CVII, ou dos pseudo-tradicionalistas
que acreditam ainda ser possível criar uma “condição” na qual os erros
do CVII sejam colocados de escanteio e todos continuem fingindo que
está tudo bem…
Perdoai-os, Senhor, por Misericórdia!

E que Deus nos ajude…

Textos essenciais em tradução inédita – CVII

A regra da nossa fé
(1996)

Rev. Pe. Giuseppe MURRO

O Depósito da Revelação
Sabemos que Nosso Senhor instituiu a Igreja dotando-a de um Magistério
infalível para conservar fielmente a doutrina revelada e para declará-
la infalivelmente (Conc. Vat., DS 3020). Ora, a Revelação se encerrou
de maneira definitiva com a morte do último Apóstolo, São João. Por
isso, é justo perguntar-se: hoje onde se pode encontrar o Depósito da
Revelação, ou seja, tudo aquilo que Deus revelou desde o início da
criação até à morte de São João? Noutros termos: onde estão as fontes
nas quais a palavra de Deus está guardada?
O depósito da Revelação encontra-se na Sagrada Escritura e na
Tradição. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus posta por escrito,
sob a inspiração de Deus, e está contida nos livros do Antigo e do
Novo Testamento. A Tradição é o depósito das verdades e das coisas
reveladas, com a atestação de Deus, que são conservadas por meio da
pregação oral e da fé da Igreja. O Magistério da Igreja, por fim, é
munido da assistência de Deus para guardar, interpretar e explicar a
palavra de Deus contida no Depósito da Fé. Este é o Magistério
confiado aos Apóstolos como encargo ordinário e transmitido aos seus
sucessores formais.
A Regra da Fé
Um simples fiel, como faz para conhecer o que é que foi revelado por
Deus e o que não foi? Para conhecer quais são as verdades e quais os
erros? Deverá, toda a vez, recorrer a investigações exegéticas,
patrísticas, teológicas, para conhecer a verdade da fé? E como faz
para discernir a interpretação correta do Depósito? Qual é, em suma, a
regra da fé ou da verdade revelada?
Os protestantes afirmam que a regra da fé é somente a Escritura: quem
quer que a leia é iluminado pelo Espírito Santo sobre o sentido da
palavra divina [1. Confissão de Augsburgo, De Regula fidei, 1.]. Isso
dá lugar a uma interpretação subjetiva das Escrituras; por isso os
protestantes dividiram-se em tantas igrejas e, em razão das profundas
diferenças na fé, não conseguem encontrar a unidade. Os orientais
cismáticos afirmam que a regra da fé é dada pela Sagrada Escritura e
pelo que foi definido nos primeiros sete Concílios Ecumênicos [2. O
último para eles foi o II Conc. de Nicéia, celebrado em 787. A partir
do oitavo Concílio Ecumênico, o IV de Constantinopla (869-870), que
condenou os erros de Fócio, os orientais iniciaram o cisma.]. Depois
do sétimo, a doutrina ficou fixada: não pode mais haver progresso
dogmático, nem sequer homogêneo. Além disso, eles não têm uma regra
comum para a interpretação da Revelação: daí deriva a divisão que
existe entre as várias igrejas “ortodoxas”.
Segundo a doutrina católica, [3. SALAVERRI, Sacræ Teologiæ Summa, Vol.
I, Tratado III: De Ecclesia Christi, L. 2, c. 4, a. 2, nn. 768-781,
Madrid: B.A.C., 1962. V. ZUBIZARRETA O. C. D., Theologia dogmatico-
scholastica ad mentem S. Thomæ Aquinatis, vol. I, Theologia
Fundamentalis, Trat. II, Q. XXIII, a. IV, nn. 655-661, Bilbao 1948,
págs. 514-7.] a Regra da Fé é dada por Escritura, Tradição e
Magistério:
“Devem ser cridas com fé divina e católica todas as coisas que estão
contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida e que são propostas
a crer pela Igreja como reveladas por Deus, seja com um juízo solene,
seja com o magistério ordinário e universal.” (Conc. Vat. DS 3011).
Escritura e Tradição são, portanto, a Regra da Fé remota e objetiva:
nesta o Magistério alcança, como numa fonte, aquilo que ele propõe a
crer aos fiéis. O Magistério é a Regra da Fé próxima e ativa: os fiéis
haurem do Magistério da Igreja as verdades que eles são obrigados a
crer, por serem reveladas, ou obrigados a aceitar (isto é, a
considerá-las verdadeiras), por serem conexas logicamente com a
Revelação (DS 3018, 3020).
“A regra próxima não é um juízo privado; não é a Escritura e a
Tradição, como diziam os hereges; ela é visível e exterior para todos
os fiéis; é uma regra viva e humana; exige um juiz atuante; quando se
trata dessa regra, fala-se de toda a religião católica; ela é razão de
si mesma; deve ser posta no chefe supremo, o Bispo de Roma”.

[4. JOÃO DE S. TOMÁS, O.P., Tractatus de auctoritate Summi Pontificis


(Tratado sobre a autoridade do Sumo Pontífice), cit. in: Sodalitium,
n.º 41 (N. do T. – Edição de julho-agosto de 1995, estudo
“L’Infallibilità della Chiesa – A Infalibilidade da Igreja”, do A.,
págs. 57-75), pág. 71.].
Esse é o ensinamento da Igreja. Pio XII, por exemplo, sobre a Regra da
Fé, ensina [5. Humani Generis, 12-8-1950, DS 3884-5 e I.P. (N. do T. –
Insegnamenti Pontifici, La Chiesa – Ensinamentos Pontifícios, A
Igreja, Roma: Edizioni Paoline, 1961) n. 1278-9.]:
“E embora este Sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em
matéria de fé e de moral, a norma próxima e universal da verdade
(visto que foi a ele que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou o Depósito
da Fé – ou seja, as Sagradas Escrituras e a Tradição divina – para ser
guardado, defendido e interpretado), todavia por vezes se ignora, como
se não existisse, o dever que todos os fiéis têm de fugir mesmo
daqueles erros que se aproximam, em maior ou menor medida, da heresia
e, portanto, ‘de observar também as constituições e decretos em que a
Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões’ [6. C.J.C., cân.
1324; Conc. Vat., De Fide cath., DS 3045.]. O que é exposto nas
Encíclicas dos Sumos Pontífices, acerca do caráter e da constituição
da Igreja, é por alguns, de modo proposital e habitual, descurado com
a finalidade de fazer prevalecer um conceito vago que eles dizem ter
tirado dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os Pontífices –
dizem eles – na realidade não pretendiam emitir um juízo sobre
questões que são objeto de disputa entre os teólogos; é, portanto,
necessário retornar às fontes primitivas, e com os escritos dos
antigos devem ser explicadas as constituições e os decretos do
Magistério. Essas afirmações são feitas quiçá com elegância de estilo;
mas não carecem de falsidade. De fato, é verdade que geralmente os
Pontífices deixam livres os teólogos nessas questões que, em diversos
sentidos, são tema de discussões entre os doutores de melhor renome;
porém, a história ensina que muitas questões, que antes eram objeto de
livre disputa, em seguida já não podiam mais ser discutidas.”
Assim, igualmente, dissera Pio IX:
“Certamente as vicissitudes da época presente… demonstram como foi
oportuno o que a Divina Providência dispôs: isto é, a proclamação da
Infalibilidade Pontifícia, quando a reta Regra da fé e dos costumes
via-se, em meio a dificuldades sem número, subtraída de todo o apoio”.

[7. PIO IX, Carta a um Bispo da Alemanha, 6-11-1876, I.P. n. 437.]


Leão XIII:
“Determinar, portanto, quais são as doutrinas reveladas é ofício
próprio da Igreja docente, à qual Deus confiou a custódia e a
interpretação da Sua palavra; e o Sumo Doutor na Igreja é o Romano
Pontífice. (…) [É necessária a obediência ao Magistério da Igreja e do
Papa]. A qual obediência tem de ser perfeita, pois é exigida pela fé
mesma, e tem em comum com esta o fato de não poder ser parcial… O que
foi maravilhosamente explicado por Santo Tomás de Aquino com as
seguintes palavras:
‘(…) É, pois, manifesto que quem adere à doutrina da Igreja, como a
uma regra infalível, consente em tudo aquilo que a Igreja ensina;
senão, se dos ensinamentos dela ele retivesse somente o que lhe apraz
e rejeitasse o que não lhe agrada, ele não seguiria, como norma
infalível, à doutrina da Igreja, mas à própria vontade dele… A unidade
[da Igreja] não se poderia conservar onde toda questão surgida acerca
da fé não fosse decidida por Aquele que preside à Igreja universal, de
modo que a sua sentença seja firmemente aceita por toda a Igreja.
Assim, unicamente à autoridade do Sumo Pontífice pertence aprovar uma
nova edição do Símbolo, como tudo o mais que se refere a toda a
Igreja’ [8. Sto. TOMÁS, Suma Teológica, II II, q. 5, art. 3; q. 1,
art. 10.]…
Por esse motivo, o Pontífice deve poder julgar o que contêm as
palavras divinas, quais doutrinas concordam e quais discrepam delas:
pelo mesmo motivo, deve poder mostrar quais coisas são honestas e
quais são torpes, quais coisas é preciso fazer e de quais cumpre
fugir, para obter a salvação eterna; do contrário, não poderia ser
para o homem um intérprete seguro das palavras de Deus, nem um guia
seguro para viver”.

[9. LEÃO XIII, Sapientiæ Christianæ, 10-1-1890, I.P. nn. 510, 511,
512, 513.]
Em conclusão, a Igreja ensina que a Palavra de Deus encontra-se na
Escritura e na Tradição; mas nós, homens, que não recebemos
diretamente de Deus a Revelação, para conhecê-la com certeza temos
necessidade de alguém que diga com autoridade infalível onde é que se
encontra a Palavra de Deus, como devemos interpretá-la, o que lhe é
contrário e a ser evitado. Esse “alguém” é o Magistério da Igreja, ou,
igualmente, o do Romano Pontífice. Por isso Santo Agostinho afirma que
crê nos Evangelhos porque a Igreja diz que são revelados.
A mesma coisa é ensinada pelo Catecismo da São Pio X, que põe na Regra
da Fé também as leis da Igreja e tudo aquilo que o Papa manda:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé” [10. Em itálico no texto.
S. PIO X, Catecismo Maior, Breve História da Religião, Milão: ed.
Ares, 1991, pág. 290.].
O progresso dogmático
Todos os dias a Igreja com seu Magistério estuda o Depósito da
Revelação, conserva-o, defende-o, dá a correta interpretação dele,
explica-o. Todos os fiéis, ao ouvirem a Igreja, são instruídos sobre
as verdades que se referem à fé ou à moral, ou seja, sobre aquilo que
é necessário para a salvação eterna.
Nós, homens, por causa dos limites da nossa razão, precisamos de tempo
e de estudo para conhecer uma verdade. Os Anjos têm uma inteligência
intuitiva e, tão logo conhecem algo, compreendem imediatamente todos
os seus aspectos e todas as consequências. Os homens, pelo contrário,
têm necessidade de raciocinar inclusive muitas vezes, para chegar a
conclusões certas; vemos isso, por exemplo, na educação: todos
precisam de numerosos anos de estudo para conhecer uma determinada
matéria, e ainda de muitos anos mais para ter dela conhecimento
científico.
Também para o Depósito da Revelação vale o mesmo raciocínio. Embora
este tenha se encerrado e nele se encontrem todas as verdades que Deus
revelou, nós, homens, mesmo lendo-o, não conseguimos intuir todos os
seus aspectos. É preciso o estudo de anos, por vezes de séculos, para
deduzir uma verdade que Deus revelou, mas que se encontra no Depósito
somente de maneira implícita. É por isso que, por exemplo, por tanto
tempo permaneceu objeto de livre discussão a questão da concepção de
Nossa Senhora sem Pecado Original: essa verdade, que estava contida
implicitamente no Depósito, não era enxergada por todos, e assim
alguns consideravam um erro crer nela. Depois de haver estudado o
Depósito da Revelação, a Igreja, assistida pelo Espírito Santo,
definiu em 1854 que Nossa Senhora teve o privilégio da Imaculada
Conceição e que isso está contido na Revelação. A assistência divina
assegura aqui que a definição é verdadeira, e nenhum católico
doravante é livre para discutir sobre esse assunto: “Roma locuta,
causa finita” [Roma pronunciou-se, a causa encerrou-se (N. do T.)].
Deus, de fato, dando a assistência do Espírito Santo à Igreja,
governada por homens (e não por Anjos), assim também o estudo das
verdades reveladas advém à maneira humana. Com a diferença de que,
quando a Igreja define, ela é assistida pelo Espírito Santo e é,
assim, preservada do erro. Depois do pronunciamento da Igreja, não se
é mais livre de discutir, mas é-se obrigado a adotar aquilo que a
Igreja disse.
Destarte, o Depósito da Fé, embora permanecendo objetivamente o mesmo,
progride de maneira homogênea, pois a Igreja elucida e salienta
verdades que até então não haviam ainda sido intuídas. Estas verdades
não são novas no Depósito, pois sempre estiveram nele contidas; mas
são “novas” para nós, quanto ao nosso conhecimento: antes não as
conhecíamos com certeza, mas depois do pronunciamento da Igreja somos
obrigados a crê-las com um ato de fé [11. F. MARIN-SOLA, O.P.,
L’Evolution homogène du Dogme catholique (A evolução homogênea do
dogma católico – original esp. no sítio Obras Raras do Catolicismo –
N. do T.), 2.ª ed., Friburgo (CH) 1924.].
Leiamos ainda o ensinamento de Pio XII [12. Humani generis, op. cit.,
I.P. n. 1281]:
“Também é verdade que os teólogos devem sempre voltar às fontes da
Revelação: é, de fato, a incumbência deles indicar como os
ensinamentos do Magistério vivo ‘se encontram explícita ou
implicitamente’ na Sagrada Escritura e na divina Tradição [13. PIO IX,
Carta Inter gravissimas, 28-10-1870.]. Além disso, ambas as fontes da
Revelação contêm tantos e tão sublimes tesouros de verdade, que nunca
realmente se esgotarão. Por isso, as ciências sacras, com o estudo das
fontes sagradas, rejuvenescem continuamente; ao passo que, pelo
contrário, torna-se estéril, como sabemos pela experiência, a
especulação que deixa de investigar o Depósito. Mas nem por essa razão
a teologia, mesmo positiva, pode ser equiparada a uma ciência somente
histórica. Pois, junto com as sagradas fontes, Deus deu à Sua Igreja o
Magistério vivo, também para ilustrar e explicar aquelas verdades que
estão contidas no Depósito da Fé apenas obscuramente e como que
implicitamente.
E o Divino Redentor não confiou esse Depósito, para a sua autêntica
interpretação, nem a cada um dos fiéis nem aos próprios teólogos, mas
unicamente ao Magistério da Igreja. Portanto, se a Igreja desempenha
esse ofício (como, no decurso dos séculos, deu-se com frequência) com
o exercício tanto ordinário quanto extraordinário desse mesmo ofício,
é evidente que é inteiramente falso o método pelo qual se pretenderia
explicar as coisas claras pelas obscuras; antes, pelo contrário, faz-
se mister que todos sigam a ordem inversa. Por isso que o Nosso
Predecessor… Pio IX, ao mesmo tempo que ensinou que é dever
nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja
está contida nas fontes, não sem grave motivo acrescentou as seguintes
palavras: ‘naquele mesmo sentido, com o qual foi definida pela Igreja’
(ibidem).”
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, A regra da nossa fé, 1996, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-18C
de: “La regola della nostra fede”, in Sodalitium, ano XII, nov. 1996,
n.º 44, pp. 48-50.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

This entry was posted on 17 dezembro 2011 at 22:22 and is filed under
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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CVII”
1. Textos essenciais em tradução inédita – CIX « Acies Ordinata Disse:

19 dezembro 2011 às 15:12


[...] Regra da Fé, então, para S. não é mais o Magistério da Igreja
(como vimos nas págs. 48-49), mas, sim, o ensinamento de sempre e toda
a parte. E, para melhor afirmar essa nova teoria, [...]
2. AJBF Disse:

20 dezembro 2011 às 16:41


Texto muito interessante, Felipe.

É uma ótima introdução ao tema da regra da fé. Conte com minha


divulgação desse texto!
3. Textos essenciais em tradução inédita – CX « Acies Ordinata Disse:

21 dezembro 2011 às 1:10


[...] terminada com a morte do Apóstolo São João: cf. Sodalitium, n.º
44, págs. 49-50 (cf. “A regra de nossa fé”, trad. br. em:
“http://wp.me/pw2MJ-18C”).] ou ao condenar uma heresia, para maior
clareza [...]

Textos essenciais em tradução inédita – CXI

Mons. Williamson contra o Concílio Vaticano… I !


(1998)

Rev. Pe. Giuseppe MURRO

“Maior: o Papa é infalível.

Menor: ora, esses últimos papas são liberais.

Conclusão:

• (liberal) logo, é preciso fazer-se liberal


• (sedevacantista) logo, esses últimos ‘papas’ não são verdadeiros
papas”.

[1. Le sel de la terre (Couvent de la Haye-aux-Bonshommes, F – 49240,


Avrillé), n.° 23, inverno de 1997-8, págs. 20-22; cit. à pág. 21.]
Se perguntássemos a um católico o que ele pensa desse silogismo, os
pareceres seriam diversos. Após breve reflexão, as discussões se
voltarão certamente para a estranha premissa menor que é o “motor” do
silogismo: haverá quem a aceite, quem a recuse, quem faça distinções.
Mas a nenhum católico normal poderia passar pela cabeça deslocar a
discussão para a Maior e pôr em dúvida a infalibilidade do Papa,
exumando o galicanismo sepultado pelo Concílio Vaticano I.
Eis, no entanto, o que diz, a propósito desse silogismo por ele
inventado, Mons. Williamson (doravante W) num escrito de 9 de agosto
de 1997, intitulado “Considerações libertadoras sobre a
infalibilidade”, traduzido em francês pela revista Le sel de la terre
(para quem não saiba, W é um dos quatro bispos da Fraternidade São Pio
X e Diretor do Seminário dos Estados Unidos): “Aqui, a lógica é boa e
a ‘menor’ também é; então, se as conclusões deixam a desejar, devemos
buscar o problema na premissa maior, raiz comum das duas conclusões
opostas”. [1. Ibidem, pág. 21.]
W quer demonstrar que os que seguiram o Concílio Vaticano II
(indicados pelo termo “liberais”) e os que recusam a autoridade de
João Paulo II (indicados pelo termo “sedevacantistas”) estão em erro:
e a “raiz comum” desse erro seria nada menos que crer na
infalibilidade do Papa! “Os liberais – diz W – compartilham com os
sedevacantistas de uma noção da infalibilidade muito difundida a
partir de 1870 (Concílio Vaticano I), noção, no entanto, falsa.” [2.
Ibidem, pág. 20.]
Exposição da tese de W
Segundo W, o problema seria, então, constituído pela definição da
infalibilidade do Papa de 1870: essa definição seria mal interpretada
(“noção falsa”) e, mesmo se bem interpretada, “contribuiu muito [per
accidens] para uma desvalorização da Tradição…”. Os “liberais”,
opositores da definição, teriam mudado de estratégia: não mais negar a
infalibilidade das definições solenes, mas afirmar que tudo o que não
for solenemente definido pode ser posto em dúvida.
Contra esse novo erro, os teólogos católicos, ao invés de recordarem
que “não é a definição que faz a verdade”, teriam acabado inventando,
pouco a pouco, uma falsa infalibilidade do magistério ordinário: “Os
manuais de teologia escritos entre 1870 em 1950, (…) para estabelecer
uma verdade não definida solenemente, se sentem – visivelmente – na
necessidade de construir um magistério ordinário infalível a priori,
calcado no magistério extraordinário infalível a priori (…). Esses
‘bons’ autores de manuais fizeram de certo modo o jogo dos liberais,
sem dúvida inconscientemente, eclipsando a verdade objetiva atrás da
certeza subjetiva, e dessa forma eles contribuíram para preparar a
catástrofe do Vaticano II e desse ‘magistério ordinário supremo’ de
Paulo VI, graças ao qual ele, de fato, agrediu gravemente a Igreja!”
(págs. 22-23).
W estende sua crítica inclusive aos que atualmente creem na
infalibilidade [negativa] de um rito litúrgico promulgado pelo Papa,
como Michael Davies. [3. Em nota, os dominicanos de Avrillé explicam:
“Michael Davies é um autor inglês que escreveu diversos livros para
defender a Tradição e especialmente Dom Lefebvre. No entanto, ele não
segue completamente as posições de Dom Lefebvre, particularmente sobre
a missa nova. É presidente da Una Voce”. Le sel de la terre, pág. 22.]
Pelo contrário, sempre segundo W, para responder aos liberais, teria
sido suficiente na ocasião, e também hoje, apelar à verdade objetiva
contida na Tradição, como fez Dom Lefebvre.
Elenco dos erros de W
Para facilitar a leitura deste artigo, assinalemos desde já os erros
presentes no texto de W.:
a) Negação da infalibilidade do Magistério ordinário do Papa mediante
o acréscimo, alegado como pretexto, de condições. O mesmo vale para o
Magistério Ordinário Universal.
[4. Quanto ao Magistério Ordinário Universal, cfr. Sodalitium n.º 41,
pág. 57 e ss.; n.º 45, pág. 30 e ss. (N. do T. – Respectivamente, “A
infalibilidade da Igreja”, a traduzir, e “O Magistério segundo o Abbé
Marcille”, trad. br. em: “http://wp.me/pw2MJ-19i”.).]
b) Negação da regra próxima da nossa fé (o Papa), confundida com a
regra remota (a Revelação).
c) Afirmação de que um rito litúrgico promulgado pelo Papa pode ser
“intrinsecamente mau”.
d) Afirmação de que uma definição dogmática pode ser boa em si mesma
mas má per accidens, isto é, em razão das circunstâncias.
e) Afirmação de que as definições da Igreja são devidas unicamente à
diminuição da caridade nos fiéis.
Examinarei, uma a uma, essas teses de W. Antes, porém, já que estamos
discutindo sobre a definição de 1870, dou os termos dela.
A definição dogmática do Concílio Vaticano
Na sessão de 18 de julho 1870, depois de muitas discussões devidas às
objeções dos anti-infalibilistas tendentes a evitar a definição, os
Padres do Concílio (quando dizemos Concílio neste artigo, referimo-nos
ao Vaticano I) proclamaram solenemente:
“Nós, aderindo fielmente à Tradição recebida desde o início da fé
cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para a exaltação da
religião católica e a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do
Sagrado Concílio, ensinamos e definimos ser dogma divinamente
revelado:
O Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no
desempenho do ofício de Pastor e de Doutor de todos os cristãos,
define, em virtude de sua suprema autoridade Apostólica, que uma
doutrina em matéria de fé ou moral deve ser aceita por toda a Igreja,
goza, pela assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro,
daquela infalibilidade com a qual o Redentor quis munir a sua Igreja
quando define uma doutrina referente à fé ou à moral; e, por isso,
tais definições do Romano Pontífice são irreformáveis por si mesmas, e
não em virtude do consenso da Igreja.
Portanto, se alguém – o que Deus não permita – ousar contradizer esta
Nossa definição: seja anátema.” (DS 3074-5).

[5. CONC. VAT. I, Const. dogm. Pastor Aeternus, cap. IV, 18-7-1870.]
Segundo o que afirma o texto dogmático, o Papa no exercício da sua
função de Papa (e não como pessoa privada) é infalível. Noutros
termos, quando, como pastor e doutor universal, o Papa dá uma sentença
definitiva sobre uma doutrina (relativa à fé ou à moral), ele tem o
privilégio da infalibilidade, isto é, ele goza de uma assistência
especial do Espírito Santo para ensinar a verdade revelada sem o
mínimo erro. Nisso o Papa se distingue de todos os outros homens,
católicos ou não, os quais não têm essa assistência prometida por
Nosso Senhor a São Pedro e aos seus sucessores (Mt XVI, 19) [6.
Sodalitium n.º 41, pág. 58.].
Estrutura do artigo
Dado que W contesta a autoridade na matéria de todos os teólogos dos
últimos 128 anos, citarei, sobretudo, os próprios textos do Concílio
Vaticano I, tais como se encontram na coleção editada por Mansi. Lendo
os atos e a história do Concílio, percebe-se como W (e muitos
tradicionalistas) retomam os argumentos que foram o “cavalo de
batalha” da minoria liberal e anti-infalibilista no Vaticano I,
buscando, antes da definição, aumentar desmesuradamente as condições
para a infalibilidade do Papa e, depois da definição, diminuir-lhe o
alcance de tal maneira que o Papa seria infalível apenas muito
raramente.
Após a crise advinda com o Concílio Vaticano II e a introdução do novo
missal, os “tradicionalistas” começaram justamente a resistir ao
“aggiornamento” (que contradiz muitas verdades da doutrina católica),
recusando as reformas. Mas, quando se fez observar a eles que os novos
ensinamentos e as reformas eram promulgados por Paulo VI (e depois por
João Paulo II), e que, portanto, – como todos os decretos do Soberano
Pontífice – deviam ser aceitos porque garantidos pela infalibilidade,
muitos “tradicionalistas” não encontraram nada melhor do que retomar
os argumentos dos liberais. O Papa é infalível somente em certas
condições totalmente extraordinárias – sustentaram eles – as quais não
se encontram todas presentes nessas reformas; assim, por não serem
elas garantidas pela infalibilidade, não somos obrigados a obedecer.
Muitos não entenderam, ou temeram entender, que a recusa das reformas
punha em discussão a autoridade que as havia promulgado. W segue essa
corrente de pensamento que, ao nosso ver, é contrária à definição do
Vaticano I, tanto nos termos quanto no sentido.
Neste artigo analisamos os pontos negados por W, atendo-nos
particularmente ao primeiro.

a) Primeiro erro de W: sobre o Magistério ordinário

e sobre as condições para a infalibilidade.


Os teólogos distinguem in genere um magistério ordinário do Papa
(sozinho) e um magistério ordinário da Igreja (“ordinário e
universal”). O segundo foi definido como infalível pelo Vaticano I (DS
3011): falarei dele no final deste ponto “a)”. Quanto ao magistério
ordinário do Papa, in genere se afirma que é teologicamente certo que
ele é infalível. De fato, o Papa goza da mesma infalibilidade da
Igreja (DS 3074). Ora, a Igreja é infalível em seu magistério
ordinário (DS 3011). Logo, também o Papa é infalível em seu magistério
ordinário. [7. Sodalitium n.º 45, pág. 39 (N. do T. – Cf. “O
Magistério segundo o Abbé Marcille”, trad. br. em:
“http://wp.me/pw2MJ-19i”).] Essa argumentação seria suficiente para
provar quão gravemente erra W. Lendo, porém, os textos do Magistério e
os Atos do Vaticano I, dei-me conta de que, na realidade, a própria
definição da infalibilidade do Papa ao falar ex cathedra (DS 3074) não
faz distinção alguma entre Magistério ordinário ou Magistério solene
do Papa.
Toda a vez que o Papa fala não como pessoa privada, mas como Papa,
ensina autenticamente (com autoridade) [8. Sodalitium n.º 41, pág. 58]
e, portanto, pode ensinar ex cathedra. Esse ensinamento não é raro e
extraordinário, como nas solenes definições dogmáticas (por exemplo: a
Imaculada Conceição, em 1854; a Assunção, em 1950), mas todos os dias
o Papa pode ensinar de maneira definitiva à Igreja universal, sobre
assuntos que se referem à fé ou à moral; obviamente toda a Igreja é
obrigada a adotar, no foro externo e interno, o ensinamento da
autoridade suprema. O Papa, nesse caso, não está obrigado a usar um
modo determinado, ou a forma solene: se ele fala como Papa, basta que
se saiba, da maneira que for, que ele quer dar uma sentença definitiva
sobre um assunto ligado, ainda que só indiretamente, à fé ou moral.
Em conclusão: nós afirmamos que o termo ex cathedra indica somente a
infalibilidade do Papa tanto no magistério ordinário quanto no solene.
W afirma que o termo ex cathedra indica o Magistério solene,
enfatizando suas quatro condições e negando toda infalibilidade ao
magistério ordinário. Passo agora a provar a minha tese, com os textos
do Magistério e os atos do Vaticano I.
[8 bis. (N. do T. – Fonte: Pe. G. Murro, A propósito da
infalibilidade, in: Sodalitium, n.º 49, abr. 1999, pp. 67-68.)
No n.° 47 de Sodalitium, a propósito do artigo “Mons. Williamson
contra o Concílio Vaticano... I”, um sacerdote enviou-nos a seguinte
objeção:
«Segundo vós, os Magistério e o Santo Concílio Vaticano não distinguem
entre magistério ordinário e solene do Papa. Certamente não distinguem
quando falam de um em particular e não do outro, mas é um erro pensar
que “ex cathedra” equivale ao magistério ordinário e ao solene ao
mesmo tempo. Basta ver o cânon do Código de Direito Canônico de n.º
1323 § 2: “Pronunciar esses juízos solenes pertence propriamente quer
ao Concílio, quer ao Pontífice Romano quando fala ex cathedra”. De
resto, isso me parece estar claro nas atas do Vaticano I.
Pareceria que vós introduzis essa afirmação para recordar uma verdade
importante, a saber, que o Papa sozinho – sem o Episcopado – pode
falar infalivelmente com frequência, e não de maneira tão
extraordinária a ponto de acontecer uma vez por século, como creem os
minimalistas contradizendo o Santo Concílio. Contudo, sobre esse ponto
Mons. Williamson tem razão (apenas sobre esse ponto), ou seja, ao
sustentar que ex cathedra é sinônimo de “solene”; não tem razão,
porém, em pensar que isso ocorra raramente ou quase nunca. O Papa é
infalível todos os dias como parte primeira e principal do M.O.U. e
não definindo ex cathedra; por isso, este tipo de magistério papal é
chamado de extraordinário.
Na prática o Papa define ex cathedra toda vez que: define um dogma de
fé, mas também quando define uma doutrina como certa, ou a condena
como herética, favorável a ou com sabor de heresia, cismática,
contrária aos ouvidos pios. Define ex cathedra também toda vez que
canoniza um santo ou (como é mais provável) o beatifica, quando aprova
definitivamente um Instituto de perfeição, quando promulga leis
universais disciplinares ou litúrgicas, etc. etc. Em todas essas
ocasiões o Papa reinante é infalível porque define ou determina do
alto da Cátedra suprema. Por essa razão, as definições ex cathedra de
um Papa, mesmo que ele reine poucos anos, são numerosíssimas. Mas tudo
isso não tem nada a ver com o Magistério ordinário do Papa, que, por
sua natureza, tal como o M.O.U., não define, mas antes transmite. Se
há nele uma definição papal, há nele um juízo solene, ou seja ex
cathedra.»
Antes de tudo, façamos notar que a divergência de opinião entre
Sodalitium e o nosso crítico, por importante que seja, não toca no
fundo da questão: ambos estamos convictos da grande extensão da
infalibilidade do Magistério papal, e isso contra a Tese de Mons.
Williamson e da Fraternidade.
Quanto à tese com que nos critica, embora respeitável, está bem longe
de ter toda a certeza, como é apresentada por nosso contraditor. A
esse propósito, parece-nos suficiente citar Bernard Lucien:
“Precisemos ainda que, dentre os fautores de uma “visão larga” da
infalibilidade pontifícia, podem-se encontrar (no mínimo) três
categorias:

– alguns sustentam que a definição do Vaticano I seja efetivamente


muito restrita (isto é, que os casos de infalibilidade que ela
descreve sejam raros), mas que ela não é de modo algum restritiva
(isto é, não exclui de modo algum que haja infalibilidade noutros
casos);

– outros admitem que a definição do Vaticano I seja restritiva, mas


reconhecem que, em si mesma, ela é larga;

– outros, enfim, – e entre estes nós nos inserimos – sustentam que a


definição do Vaticano I é larga e, ao mesmo tempo, que ela não é
restritiva”.
(Pe. Bernard LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère Pontificale
Ordinaire [A infalibilidade do Magistério Pontifício Ordinário], in
Sedes Sapientiae, n.º 63, pág. 42.)
Ao que nos parece, o nosso contraditor pode ser classificado na
segunda categoria, ao passo que nós nos situamos, com o Pe. Lucien, na
terceira. Quanto à objeção calcada no cân. 1323 § 2 do Código de
Direito Canônico, é fácil de responder, que o Código não estabelece
uma identidade entre juízo solene e locução ex cathedra: todo juízo
solene, para o Código, pertence ao Papa que fala ex cathedra ou ao
Concílio Ecumênico, de acordo; mas o Código não diz que o Papa que
fala ex cathedra o faz exprimindo-se somente de maneira solene. Por
isso Lucien pôde, apesar do cân. 1323 § 2, que ele cita na pág. 38,
estabelecer como característica da corrente minimalista sobre a
infalibilidade do Papa a posição que identifica juízos solenes e
locuções ex cathedra (pág. 45).]
Ensinamento da Igreja sobre

o Magistério Ordinário do Papa


Clemente VI em 1351 pede ao patriarca dos armênios que assine uma
fórmula de fé, na qual se dizia ainda:
“Se tu crestes e ainda crês que unicamente o Romano Pontífice pode pôr
fim às dúvidas que surgem acerca da fé católica, mediante uma
deliberação autêntica à qual cumpre aderir de modo irrevogável, e que
tudo o que ele próprio declara ser verdadeiro, por força da autoridade
das chaves a ele consignadas por Cristo, deve ser aceito como
verdadeiro e católico, e aquilo que ele declara ser falso e herético,
assim deve ser considerado.”

[9. CLEMENTE VI, “Carta Super quibusdam a Mekhithar, katholicos dos


armênios”, 29-9-1351, DS 1064.]
Pio XI ensina:
“O Magistério da Igreja – estabelecido pela vontade divina na terra,
com a finalidade de custodiar perenemente intactas as verdades
reveladas, e de levá-las com segurança e facilidade ao conhecimento
dos homens – todos os dias, é verdade, é exercido por meio do Romano
Pontífice e dos Bispos que estão em comunhão com ele; mas tem também o
encargo de proceder à definição de algum ponto de doutrina, com ritos
ou decretos solenes, quando fosse necessário resistir com mais força
aos erros e às contestações dos hereges, ou quando fosse preciso
imprimir com mais precisão e clareza certos pontos de doutrina nas
mentes dos fiéis”.

[10. PIO XI, Mortalium animos, 6-1-1928. DS 3683. O texto está


publicado em I.P. n. 871.]
Ainda Pio XI:
“Seria indigno de um cristão… sustentar que a Igreja, por Deus
destinada a Mestra e Rainha dos povos, não esteja iluminada o bastante
acerca das coisas e circunstâncias modernas; ou então, não prestar a
ela assentimento e obediência a não ser naquilo que ela impõe por via
de definições mais solenes, como se as outras suas decisões se
pudessem presumir falsas, ou não providas de suficientes motivos de
verdade e de honestidade.”

[11. PIO XI Casti Connubi, 31/1/1930, I.P. n. 904-5.]


Pio XII:
“Nem se deve considerar que os ensinamentos das Encíclicas não exijam,
por si mesmos, o nosso assentimento, com o pretexto de que os
Pontífices não exercem aí o poder de seu Magistério Supremo. Na
realidade, esses ensinamentos são do Magistério ordinário, para o qual
valem também as palavras: ‘Quem vos ouve, ouve a Mim’ (Lc X, 16);
ademais, a maior parte daquilo que é proposto e inculcado nas
Encíclicas já é, por outras razões, patrimônio da doutrina católica.
Portanto, se os Sumos Pontífices em seus atos emanam de caso pensado
uma sentença em matéria até então controversa, é evidente para todos
que essas questões, segundo a intenção e a vontade dos mesmos
Pontífices, não podem mais ser objeto de livre discussão entre os
teólogos”.

[12. PIO XII, Humani Generis, 12-8-1950, I.P. n. 1280.]


Ainda Pio XII:
“Não é, porventura, o Magistério… o primeiro ofício da Nossa Sé
Apostólica? (…) Na Cátedra de Pedro Nós nos sentamos unicamente porque
Vigário de Cristo. Nós somos o Seu Representante na terra; somos o
órgão por meio do qual faz ouvir a Sua voz Aquele que é o único Mestre
de todos (Ecce dedi verba mea in ore tuo [N. do T. – ‘Eis que ponho as
Minhas palavras na tua boca’], Jer. 1, 9)”.

[13. PIO XII, Commossi, 4-11-1950, I.P. n. 1295.]


Desses textos resulta que a Igreja ensinou que o Magistério infalível
pode ser tanto ordinário (exercido todos os dias) quanto solene.
Ensinamento do Concílio Vaticano

sobre o Magistério do Papa


A matéria tratada pelo Concílio foi preparada por comissões, que se
reuniram antes do Concílio, e foi apresentada aos Padres em forma de
esquemas. Estes últimos eram discutidos pelos Padres, que, se o
julgassem necessário, propunham emendas, examinadas em seguida pelos
membros da Deputação da Fé. [14. Os membros da Deputação da Fé eram
vinte e quatro, eleitos pelos Padres; e o presidente, o Cardeal Bilio,
fora nomeado por Pio IX.] A Deputação, portanto, desempenhou um papel
central, respondendo ainda às objeções dos que se opunham aos esquemas
propostos. Para a nossa questão, pois, são de grande importância as
intervenções dos membros da Deputação da Fé, bem como suas respostas
às objeções: foram de fato esses Prelados que explicaram o sentido
exato da definição conciliar, corrigindo as falsas interpretações.
Para a reta interpretação do Concílio, são de ajuda também os esquemas
propostos, inclusive aqueles que não chegaram a ser debatidos, em
razão da interrupção do Concílio: normalmente os esquemas que foram
tratados receberam poucas modificações, ao menos não na substância.
Por fim, são úteis ainda algumas intervenções dos Padres favoráveis à
definição, nas quais podem-se encontrar provas incontrovertíveis sobre
a infalibilidade do Papa: o Concílio deu razão a eles definindo o
dogma.
Apoiando-me nestes testemunhos, examinarei sucessivamente as famosas
“quatro condições”, que, na realidade, são somente a explicação do
termo ex cathedra, expressão que comentarei no final. Seguirá um
apêndice sobre o magistério ordinário do Papa e sobre o magistério
ordinário e universal. Concluirei assim a análise do primeiro erro de
W [ponto “a)”].
As quatro condições
Segundo a tese de W, o Papa é infalível “com quatro condições”, e não
“com três e meia”. Dado que essas condições não foram inventadas por
W, mas são tiradas da definição conciliar, vejamos o significado que o
Concílio deu a elas. Recordemos quais sejam. O Papa: 1.° em virtude de
sua suprema autoridade; 2.° define; 3.° uma doutrina sobre a fé e a
moral; 4.° afirmando que essa doutrina deve ser aceita por toda a
Igreja.
1.ª: O Papa utiliza a suprema autoridade
Diversas objeções haviam sido feitas contra a definição da
infalibilidade do Papa, dentre as quais algumas referentes à doutrina;
outras à oportunidade da definição; outras ao objeto, que teria ficado
difícil de delimitar; outras ao termo mesmo, que poderia ser mal
interpretado. Respondeu às objeções e deu a explicação do texto, que
em seguida foi definido, a Deputação da Fé mediante Dom Gasser, Bispo
de Bressanone: [15. 84.ª Congregação Geral, 11-7-1870, in MANSI,
Collectio Conciliorum, vol. 52, col. 1204-18.]
“O sujeito da infalibilidade é o Romano Pontífice, enquanto Pontífice,
ou seja, enquanto pessoa pública em relação com a Igreja universal”.

[16. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1225.]


“Mas muitos dentre os Revmos. Padres – disse Gasser – não contentes
com estas condições, vão além e quereriam introduzir ainda nesta
Constituição Dogmática condições que, de modo variado, se encontram em
diversos tratados de teologia e que dizem respeito à boa fé e à
diligência do Pontífice em indagar e em enunciar a verdade.”

[17. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1214.]


Gasser respondeu que pouco importavam as motivações e as intenções do
Pontífice, que diziam respeito à sua consciência; mas que só contava o
fato de que ele falava à Igreja:
“Nosso Senhor Jesus Cristo (…) quis que o carisma da verdade
dependesse da relação pública do Pontífice com a Igreja universal;
senão, esse dom da infalibilidade não seria um meio eficaz para
conservar e proteger a unidade da Igreja. Por isso, não é preciso
temer que por má fé e por negligência do Pontífice a Igreja universal
possa ser induzida em erro sobre a fé. Com efeito, a tutela de Cristo
e a assistência divina prometida aos Sucessores de Pedro é uma causa
tão eficaz, que o juízo do Sumo Pontífice, se fosse errôneo e nocivo
para a Igreja, seria impedido; ou então, se o Pontífice efetivamente
faz uma definição, esta será infalivelmente verdadeira”.

[17. Dom Gasser, ibidem, Mansi, 52, 1214.]


A primeira condição indica, pois, que o Papa fala como Papa e não como
pessoa privada: isso será ainda melhor demonstrado no parágrafo que
trata da expressão ex cathedra.
2ª: Define.

3ª: Uma doutrina sobre a fé e a moral.


Dom Gasser explica este ponto:
“Exige-se a intenção manifestada de definir uma doutrina, isto é, de
pôr fim à flutuação sobre uma doutrina ou sobre uma coisa a definir,
dando uma sentença definitiva, e propondo essa doutrina como a ser
aceita pela Igreja universal”.

[18. Ibidem, Mansi 52, 1225.]


Noutros termos, o Papa dá a conhecer, de qualquer modo que seja, que
uma doutrina não pode ser livremente discutida na Igreja. Se, porém,
ele não quer dirimir a questão, então esta permanece aberta, não há aí
definição, mas uma orientação prática que pode ser revista.
Por exemplo, Gregório XVI pronunciou-se de maneira definitiva sobre a
liberdade religiosa numa simples Encíclica [19. GREGÓRIO XVI, Mirari
vos, 15-8-1832, DS 2730], e – porque alguns acreditavam que ele não
houvesse emitido sentença definitiva – reafirmou-o noutra Encíclica.
[20. GREGÓRIO XVI, Singulari quadam, 25-6-1834, I.P. “La pace interna
delle nazioni” (“A paz interior das nações”), n. 29.]
Leão XIII deu uma sentença definitiva sobre a validade das ordenações
anglicanas; Pio XII sobre a licitude dos “métodos naturais” ou sobre a
matéria e forma do Sacramento da Ordem.
Ainda Pio XII reafirmou na encíclica Humani generis que a doutrina
exposta na Mystici Corporis era definitiva [21. Humani Generis, 12-8-
1950: “Alguns não se consideram obrigados a adotar a doutrina que Nós
expusemos em uma Nossa Encíclica e que está enraizada nas fontes da
Revelação, segundo a qual o Corpo Místico de Cristo e a Igreja
Católica Romana são uma só idêntica coisa.” I.P., La Chiesa, n.
1282.]; na mesma encíclica, esclarece que sobre alguns pontos da
teoria evolucionista ainda há liberdade de investigação e discussão
(portanto, ele não define), ao passo que sobre outros pontos (como a
direta criação da alma humana por parte de Deus, ou a condenação do
poligenismo) não existe essa liberdade (DS 3896-7).
No que se refere à terceira condição (o objeto da definição), ninguém
põe em dúvida que o Papa é infalível quando define um dogma
concernente diretamente à fé ou à moral, e/ou a condenação da heresia
oposta (objeto primário do Magistério). Essa infalibilidade do Papa é
de fé, quem nega-a é herege. O Papa, todavia, é infalível também
quando trata de tudo o que tenha relação embora indireta com a fé e a
moral (objeto secundário do Magistério): essa infalibilidade do Papa
é, no mínimo, teologicamente certa. [22. O objeto da infalibilidade da
Igreja e do Papa é duplo: aquilo que está contido formalmente na
Revelação é chamado de objeto primário; aquilo que é conexo (ligado)
necessariamente com a Revelação é chamado de objeto secundário. O
assunto foi tratado em Sodalitium n.º 41, págs. 61-67.] Quem nega-a
comete pecado gravíssimo contra a fé.
[23. Dom Gasser, ibidem, Mansi 52, 1226: “As outras verdades (...)
embora não sejam em si reveladas, são, porém, necessárias para
custodiar integralmente, explicar corretamente e definir eficazmente o
Depósito da Revelação. As verdades desse gênero, às quais pertencem
por si também os fatos dogmáticos, as verdades desse gênero, dizia,
não fazem parte por si do Depósito da Fé, mas (fazem parte) da
custódia do Depósito da Fé. Todos os teólogos católicos estão de
acordo sobre o fato de que a Igreja é infalível na autêntica
proposição e definição dessas verdades, de modo que seria um erro
gravíssimo negar essa infalibilidade. Mas a diversidade das opiniões
diz respeito unicamente ao grau de certeza, isto é, se a
infalibilidade em propor essas verdades – e, consequentemente, em
condenar os erros com censuras inferiores à nota de heresia – deve ser
considerada dogma de fé, de tal maneira que quem nega essa
infalibilidade seja herege; ou então, se se trata de uma verdade não
revelada em si, mas deduzida do dogma revelado, e por isso somente
teologicamente certa. Pois, quando se trata da infalibilidade do Sumo
Pontífice em definir verdades, é preciso afirmar absolutamente a mesma
coisa dita acerca da infalibilidade da Igreja ao definir: também nesse
caso, nasce a questão da extensão da infalibilidade pontifícia a esse
gênero de verdades não reveladas em si, mas que dizem respeito à
custódia do Depósito. A questão, digo, é a seguinte: se a
infalibilidade pontifícia em definir essas verdades é, não somente
teologicamente certa, mas dogma de fé, exatamente como foi dito quanto
à infalibilidade da Igreja. Dado que aos Padres da Deputação, por
consenso unânime, pareceu que essa questão, ao menos por ora, não deve
ser definida, mas deve ser deixada no estado em que se encontra,
segue-se daí (...) que o decreto de fé sobre a infalibilidade do
Romano Pontífice deve ser concebido de tal modo que, acerca do objeto
da infalibilidade nas definições do Romano Pontífice, seja definido
que é preciso crer exatamente a mesma coisa que já se crê acerca do
objeto da infalibilidade nas definições da Igreja”.]
Para tornar explícita a infalibilidade do Papa também sobre o objeto
secundário, alguns Padres conciliares haviam proposto acrescentar, à
palavra “define”, o verbo “decreta” (decernit). Dom Gasser assim
respondeu:
“A Deputação da Fé não tem a intenção de dar a esse verbo [define] o
sentido jurídico, pelo qual signifique somente que se põe termo
àquelas controvérsias que surgiram em matéria de heresia ou de uma
doutrina, que pertence propriamente à fé. Mas a palavra “define”
significa que o Papa, diretamente e de maneira a encerrar a questão,
profere uma sentença sua sobre uma doutrina que se refira às coisas da
fé e da moral, de modo que, daí em diante, qualquer fiel possa ter
certeza sobre qual é o pensamento da Sé Apostólica, o pensamento do
Pontífice Romano; de modo que qualquer um saiba com certeza que esta
ou aquela doutrina é considerada pelo Romano Pontífice como herética,
próxima da heresia, certa ou errônea, etc. Esse é o sentido do termo
“definit” (…) Ao aplicar essa infalibilidade a cada decreto do Romano
Pontífice, cumpre fazer uma distinção: de tal modo que alguns (e a
mesma coisa vale para as definições dogmáticas dos concílios) são
certos de fé: por isso quem negar que o Pontífice é infalível nesses
decretos, já pelo fato mesmo (…) será herege; outros decretos do
Romano Pontífice são, também eles, certos quanto à infalibilidade, mas
essa certeza não é idêntica (…), de tal modo que essa certeza será
somente uma certeza teológica, neste sentido que quem negar que a
Igreja ou, do mesmo modo, o Pontífice num tal decreto é infalível, não
será abertamente herético enquanto tal, mas cometerá um erro
gravíssimo e, errando de tal modo, um pecado gravíssimo”.

[24. Dom Gasser, 86.ª Congr. Geral, 16-7-1870, Mansi 52, 1316.]
Recapitulando: a 2.ª condição, definir, significa ensinar de maneira
definitiva; a 3.ª, sobre a fé e sobre os costumes, inclui não somente
as verdades reveladas, como também – embora diversamente – as coisas
conexas com a Revelação.
4ª: Afirma que essa doutrina deve ser aceita por toda a Igreja
A expressão “deve ser aceita” está relacionada com o que se acaba de
dizer, ou seja, indica o assentimento que é preciso dar também às
verdades não contidas formalmente no Depósito da Revelação, que não
são estritamente “de fé” (estas últimas devem ser “cridas” e não
somente “aceitas”). O Concílio fez essa distinção para pôr em
evidência que é duplo o objeto da infalibilidade, contra os liberais
que queriam restringi-lo somente às verdades de fé. Salaverri expõe
amplamente essa distinção feita pelo Concílio. [25. SALAVERRI S.J.,
Sacræ Theologiæ Summa, Tomo I, Tratado III: De Ecclesia Christi,
B.A.C., Madrid 1962. Livro 2, Epílogo, n. 909-910.] Além disso, se o
Papa fala como Papa, e define uma doutrina referente à fé e à moral, é
óbvio que todos os fiéis são obrigados a abraçá-la, mesmo se isso não
for dito explicitamente.
W, pelo contrário, parece querer dizer que o Papa, para ser infalível,
deveria especificar explicitamente que toda a Igreja é obrigada a
aderir a essa doutrina, como se um cristão pudesse não aderir à
Revelação! Essa interpretação é equivocada. Durante o Concílio, o
Bispo de Burgos, Dom Anastasio Yusto, pensou que fosse necessário
acrescentar, precisamente neste ponto da definição, a frase seguinte,
para tornar mais explícito o dever dos fiéis de adotar a doutrina
proposta: “Permanece firme o dever pelo qual todos os católicos são
obrigados a submeter-se ao magistério supremo do Romano Pontífice
quanto às outras doutrinas que não são propostas como de fé…” [26.
Emendas propostas ao cap. IV da Constituição De Ecclesia, 7-7-1870,
Mansi, 52, 1135.]. Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, julgou essa
frase inoportuna, acrescentando que se havia provido a isso na
Constituição já aprovada pelo Concílio. [27. Dom GASSER, 84.ª Congr.
Geral, 11-7-1870, Mansi 52, 1229.] O Concílio de fato havia definido:
“A Igreja, que, com o ofício apostólico de ensinar, recebeu o mandato
de custodiar o depósito da fé, tem também, de Deus, o direito e o
dever de proscrever a falsa ciência, para que ninguém seja enganado
pela filosofia e por fraudes vãs. Por isso os fiéis cristãos não
somente não têm o direito de defender como conclusões legítimas da
ciência as opiniões reconhecidas como contrárias à doutrina da fé,
especialmente se condenadas pela Igreja, mas são estritamente
obrigados a considerá-las, pelo contrário, como erros que têm apenas
uma enganadora aparência de verdade”.
[28. Constituição Dogmática Dei Filius, definida em 24-4-1870, DS
3018.]
Daí resulta evidente que os fiéis são sempre obrigados a aderir aos
juízos da Igreja: não é necessário que a Igreja especifique essa
obrigação.
Essa questão não é nova e já foi resolvida faz tempo. [29. Pe. Bernard
LUCIEN, L’infaillibilité du Magistère ordinaire et universel de
l’Eglise (A infalibilidade do Magistério ordinário e universal da
Igreja), Bruxelas: Documents de Catholicité, 1984. Anexo, pp. 131-146.
Sodalitium n.º 41, págs. 69-70.] Trazemos um texto do Pe. Kleutgen, ao
Concílio:
“É devida a submissão da vontade à Igreja que define, ainda que não
acrescente nenhum preceito. Porque Deus nos deu a Igreja como Mãe e
Mestra para tudo o que se refere à religião e à piedade, somos
obrigados a ouvi-la quando ela ensina. Por isso, se o pensamento e a
doutrina de toda a Igreja é mostrado, somos obrigados a aderir a ele,
mesmo que não houver aí definição: quanto mais se esse pensamento ou
essa doutrina foram-nos mostrados com uma definição pública?”

[30. Pe. KLEUTGEN, na Explicação teológica do esquema sobre a Igreja,


durante o Concílio, Mansi 53, 330 B, Citado por B. LUCIEN, op. cit.,
pág. 135.]
Alguns, porém, creem que quando o Papa se dirige a uma ou algumas
pessoas, ainda que defina uma doutrina que vale para toda a Igreja,
ele não seria infalível. Trata-se de um erro. [31. “Non videtur
requiri, ut documentum quod definitionem continet, ad universam
Ecclesiam immediate dirigatur; sufficit ut toti Ecclesiæ destinetur,
licet proxime forsan dirigatur ad episcopos alicuius regionis in qua
damnandus error grassatur” (Zapelena, De Ecclesia Christi, pars
altera, Tese 18, p. 195). (N. do T. – Tradução livre: “Não é
necessário, para que um documento contenha uma definição, que se
dirija à Igreja universal; basta que ele se destine à Igreja inteira,
ainda que se dirija somente a bispos de uma região onde grassa o erro
condenado.”)]
O Papa pode endereçar-se a quem quer que seja, mesmo a uma única
pessoa, mas, se ele fala como Papa, como pessoa pública, como Chefe de
toda a Igreja (e aquilo que ele diz tem relação com o Depósito
revelado, com a vontade de encerrar uma questão) todas as “condições”
são realizadas. Assim Pio XII, num discurso voltado às parteiras
italianas (29-10-1951) – portanto, um grupo particular de pessoas –
dirimiu a discussão sobre o uso dos “métodos naturais”. Os erros de
Marsílio de Pádua foram condenados num documento endereçado ao Bispo
de Worcester (DS 941); Bento XIV resolveu o problema da incorporação
dos hereges na Igreja por força do Batismo, numa carta ao Bispo de
York (DS 2566 e ss.). Por isso Gregório XVI, dirigindo-se ao Bispo de
Friburgo, ensinou:
“[Quanto Nós dizemos] está conforme aos ensinamentos e pareceres que
já conheceis, ó venerável Irmão, por tê-los aprendido pelas Nossas
Cartas ou Instruções escritas a diversos Arcebispos e Bispos, ou nas
Cartas do Nosso predecessor Pio VIII, publicadas por ordem sua ou
Nossa. Pouco importa se essas Instruções foram endereçadas somente a
algum Bispo que havia requisitado informações à Sé Apostólica: como se
aos outros Bispos fosse concedida a liberdade de não se ater a essas
decisões!”

[32. GREGÓRIO XVI, Non sine gravi, ao Bispo de Friburgo, 23/5/1846,


I.P., n. 190.].
Conclusão: toda a vez que o Papa fala como Papa, e define uma doutrina
que se refere à fé ou à moral, ele é infalível e todos os católicos
são obrigados a aceitar ou crer a doutrina definida.
Ex cathedra
Essa expressão, que contém em si o significado das assim chamadas
“quatro condições”, foi explicada explicitamente pelo Concílio.
Dom Gasser:
“O Pontífice é dito infalível quando fala “ex cathedra”. Essa é uma
fórmula aceita na teologia escolástica, e o sentido dessa fórmula, tal
como é considerado no próprio corpo da definição, é o seguinte. O Sumo
Pontífice fala ex cathedra: primeiro, não decreta algo como doutor
privado, nem somente como Bispo ou Ordinário de uma diocese ou
província, mas ensina com o encargo de Supremo Pastor e Doutor de
todos os cristãos. Segundo, não basta um modo qualquer de propor a
doutrina, (…) mas requer-se a intenção manifestada de definir uma
doutrina, ou seja de pôr fim à flutuação sobre uma doutrina ou sobre
uma coisa a definir, dando uma sentença definitiva, e propondo essa
doutrina como a ser aceita pela Igreja universal. Esta última coisa é
algo de intrínseco a toda definição dogmática sobre a fé ou a moral,
que é ensinada pelo Supremo Pastor e Doutor da Igreja universal e que
deve ser aceita por toda a Igreja universal: [o Papa] deve também
exprimir essa mesma propriedade e essa nota de definição propriamente
dita de algum modo, seja qual for, quando define que a doutrina deve
ser aceita pela Igreja universal”.

[33. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1225.]


Explicava o Pe. Kleutgen, na exposição sobre o esquema reformado:
“Da mesma função da Igreja, conhece-se [a infalibilidade] também pelas
palavras com que Jesus Cristo prometeu a assistência do Espírito
Santo: ‘Ele vos ensinará todas as coisas’ (Jo XVI,26); ‘Vos ensinará
todas as verdades’ (Jo XVI, 13). Ao nosso parecer, não se devem
interpretar essas palavras no sentido de que a Igreja seja instruída
pelo Espírito Santo naquelas coisas que não dizem respeito de maneira
nenhuma à salvação eterna; mas tampouco devem ser tomadas de modo tão
restrito que pensemos que a Igreja seja assistida somente nas verdades
reveladas. Porventura uma promessa tão ampla não engloba todas as
coisas necessárias para entender frutuosamente a doutrina de Cristo e,
uma vez conhecida, pô-la em prática em toda a nossa vida? Nem se
exige, para que os juízos da Igreja aqui considerados sejam
certíssimos, que o Espírito Santo revele coisas novas; mas somente que
a assista, tanto na inteligência da palavra divina, quanto no uso da
razão. Porventura inclusive sobre tantas coisas que não são reveladas,
não julgamos nós mesmos – e devemos julgar – todos os dias? O que cada
um de nós faz todos os dias com o perigo de enganar-se, isso faz a
Igreja nos seus juízos públicos, imune a esse perigo, pela assistência
do Espírito Santo (…).
Em alguns livros publicados lê-se que, segundo uma sentença comum dos
teólogos, o Romano Pontífice, então, somente fala ‘e cathedra’ quando
propõe a crer dogmas de fé divina. É verdade que, se se atenta somente
para as palavras, lê-se isso em não poucos teólogos mais recentes; mas
é muito distante da verdade que essa sentença seja comum entre os
teólogos. Todos os antigos e muitos dos recentes vertem essas
palavras, ‘falar e cathedra’, com estas ou similares: ‘iudicialiter’,
ou ‘in iudicio determinare’, ‘pro potestate decernere’, ‘cum
auctoritate apostolica’, ‘ut papam loqui’ [34. “Com julgamento”,
“determinar com um juízo”, “discernir com autoridade”, “com autoridade
apostólica”, “falar enquanto Papa”.] etc., de modo que a locução e
cathedra se distingue, ademais, pelo modo como ensina o Pontífice, não
por aquilo que ele transmite, nem pela censura que ele emite. Parece
que até mesmo aqueles mais recentes (…) não dão um significado
diverso. De fato, porque, como acontece muitas vezes, explicam a coisa
por meio de contrários, não dizem: não há locução e cathedra se o
Romano Pontífice condena uma opinião com uma censura menor; mas se
aquilo que lhe parece, ele o exprime ou o aconselha, sem porém
decretar nada com autoridade. Portanto, esses teólogos falam de dogma
de fé no sentido de que distinguem entre a sentença definida com
autoridade apostólica e a sentença do doutor privado, e não no sentido
de que distinguem entre a sentença definida com a nota de heresia e
aquela [definida] com uma censura menor.”

[35. Atos da Deputação da Fé: Relatio do Pe. Joseph Kleutgen sobre o


esquema reformado, Mansi, 53, 326-9.]
Dessas explicações resulta evidente que o termo ex cathedra se
contrapõe ao termo “doutor privado”, e indica o Papa enquanto, como
pessoa pública, define algo que faz parte do objeto primário ou
secundário do Magistério.
De maneira clara e popular Monseigneur de Ségur, numa obra aprovada
por Pio IX, confirma essa conclusão:
“Importa distinguir: no Cabeça da Igreja, há o Papa e o homem. O homem
é falível, como todos os outros homens. Quando o Papa fala como homem,
como pessoa particular, pode certamente enganar-se, até mesmo quando
fala de coisas santas. Como homem, o Papa não é mais infalível do que
eu ou do que vós. Mas, quando fala como Papa, como Cabeça da Igreja e
como Vigário de Jesus Cristo, é coisa completamente diferente. Aí
então é infalível: não é mais o homem que fala, é Jesus Cristo que
fala, que ensina, que julga através da boca de seu Vigário”.

[36. Mons. DE SÉGUR, Le Pape est infaillible, Paris 1872, págs. 191-2,
obra aprovada por Pio IX em 8-8-1870.]
Magistério ordinário e condições
Em alguns textos do Concílio resulta evidente que os Padres, quando
falam de infalibilidade, não fazem distinção entre magistério
ordinário, que se exerce continuamente, e magistério solene. Nem
tampouco a infalibilidade existe somente em cânones, formas solenes ou
condições particulares.
Dom Gasser, em nome da Deputação da Fé, na intervenção supracitada,
assim se exprimiu:
“Na Igreja de Jesus Cristo (…) o centro da unidade deve agir
continuamente e permanentemente com uma autoridade inabalável”.

[37. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1206.]


“Os Romanos Pontífices como testemunhas, doutores e juízes da Igreja
universal desceram incessantemente à arena para combater pela fé, pois
podiam não errar, por força da promessa divina. Que ninguém diga que
os Romanos Pontífices, recomendando o obséquio devido à dignidade de
sua Sé, falaram em causa própria e por isso não se pode crer neles. Se
os testemunhos dos Romanos Pontífices forem infirmados, aí então o
mesmo valeria para toda a hierarquia eclesiástica: com efeito, a
autoridade da Igreja docente não pode ser provada senão por meio da
Igreja docente”.

[38. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1207.]


O mesmo relator da Deputação via outra prova da infalibilidade do Papa
na necessidade para os católicos da comunhão com a cátedra de Pedro:
[39. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1207.]
“Essa fé dos Papas na sua infalibilidade pessoal, a Igreja afirmou-a
(…) quando considerava a união com a Santa Sé como inteiramente e
absolutamente necessária. De fato, a união com a Cátedra de Pedro era
e é considerada união com a Igreja e com Pedro mesmo, e
consequentemente era equiparada com a verdade revelada por Jesus
Cristo. São Jerônimo escrevia assim: ‘Não conheço Vidal, rejeito
Melécio, Paulino me é desconhecido. Quem não recolhe contigo (isto é,
com o Papa Damásio), dispersa; noutros termos, quem não está com Jesus
Cristo está com o Anticristo’ [40. S. JERÔNIMO, Ad Damasum Papam,
Migne, P. L. XXII, 356.] (…) A Igreja deu a conhecer o seu
assentimento à fé dos Papas, quando todos os cristãos, que tinham
verdadeiramente a fé, rejeitavam toda doutrina como errônea tão logo
fosse ela condenada e rejeitada por um Papa. ‘Como a Itália poderia
admitir – diz São Jerônimo – aquilo que Roma rejeitou? Como os Bispos
admitiriam aquilo que Roma condenou?’ [41. S. JERÔNIMO, Enarrationes
in Psalmos, XL, 30; Migne, P. L. XIV, 1082.] Por fim, podemos ainda
provar esse assentimento pelo fato de que, em todas as questões de fé,
se recorria à Sé Apostólica como a Pedro e à autoridade de Pedro, e
que jamais foi permitido fazer apelo aos de fora da Sé Romana e das
suas decisões dogmáticas”.
Ainda Dom Gasser assim respondia a quem afirmava que o Pontífice, ao
dar definições, devia observar uma certa forma:
“Isso não pode ser feito, de fato não se trata de uma coisa nova. Já
milhares e milhares de juízos dogmáticos foram emanados pela Sé
Apostólica; mas onde algum dia existiu o cânone que prescreve a forma
a ser observada em tais juízos?”

[42. Dom GASSER, ibidem, Mansi 52, 1215.]


A mesma coisa dizia Monseigneur de Ségur:
“[O Papa] é infalível quando fala como Papa (…) quando ensina
publicamente e oficialmente verdades que interessam a toda a Igreja,
por meio de uma ‘Bula’, ou ‘Encíclica’, ou ato desse gênero”.

[43. Mons. DE SÉGUR, op. cit., pág. 192.]


Uma confirmação de quanto expusemos encontra-se em diversas
intervenções dos Padres do Concílio Vaticano, tais como Dom de la Tour
d’Auvergne, Bispo de Bourges [44], Dom Maupas, Bispo de Zara [45], Dom
Freppel, Bispo de Angers [46]. Para eles o Papa é infalível com o seu
Magistério ordinário, que se exerce continuamente, sem necessidade de
enfatizar condições para isso.
[44. Dom DE LA TOUR D’AUVERGNE, pedindo a condenação do galicanismo,
citou uma Carta de CLEMENTE XI (Litt. apost. archiepiscopis et
episcopis aliisque ecclesiasticis viris Parisiis congregatis, 15-1-
1706) na qual, porque alguns Bispos mantinham que os decretos da Santa
Sé deviam ser submetidos ao exame dos Bispos, o Papa assim redarguia a
eles: “Quem vos constituiu juízes sobre nós? Porventura pertence aos
inferiores discernir sobre a autoridade do superior? Seja dito para a
vossa paz, veneráveis irmãos, que tal coisa não pode de jeito nenhum
ser tolerada... Interrogai aos vossos maiores, e vos dirão que não
cabe aos bispos particulares discutir sobre decretos da Sé Apostólica,
mas, sim, cumpri-los”. 75ª Congr. Geral, 20-6-1870, Mansi, 52, 820-1.]
[45. Dom MAUPAS, Bispo de Zara, ao afirmar a necessidade da definição
disse:

“O caráter da nossa época e, sobretudo, o perigo de corrupção que não


cessa de ameaçar os fiéis de hoje exigem [a definição]: o infalível
magistério da Igreja deve sem pausa vigiar para condenar os erros que,
debaixo do falso nome de ciência, multiplicam-se por toda a parte e
erguem sua cabeça. Sim, a definição é necessária, pois sem ela o
magistério infalível da Igreja existiria só em abstrato; de fato não
existiria, haja vista a impossibilidade de reunir continuamente todos
os pastores da Igreja, ou ainda de interrogá-los a todos”. Intervenção
na 76.ª Congr. Geral, 23-6-1870, Mansi 52, 837. Ver também: Th.
GRANDERATH, S. J., Histoire du Concile du Vatican, depuis sa première
annonce jusqu’à sa prorogation d’après les documents authentiques
(História do Concílio do Vaticano, a partir de seu primeiro anúncio
até à sua prorrogação, conforme os documentos autênticos), tomo 3.°,
2.ª p., pág. 38.]
[46. É de particular relevo a intervenção de Dom FREPPEL. Chamado a
Roma como consultor nas Comissões Preparatórias, durante o Concílio
foi consagrado Bispo. Os anti-infalibilistas queriam introduzir, no
texto da definição, algumas condições para a infalibilidade do Papa
(quais sejam: a consulta dos Bispos, a investigação diligente, a
consulta das fontes, etc.). Se bem que as condições de que fala W
sejam bem diversas daquelas reivindicadas na época, a resposta de Dom
Freppel é iluminadora, pois demonstra como não se devem introduzir
outras condições, senão “se abriria a porta às cavilações dos
hereges”, que poriam sempre em dúvida se o Sumo Pontífice observou
justamente e suficientemente as condições exigidas para a
infalibilidade. 81.ª Congr. Geral 2-7-1870, Mansi 52, 1038-41.]
Magistério ordinário universal e condições
Até agora falou-se somente do Magistério do Papa. Os dominicanos de
Avrillé, que publicaram o texto de W, afirmam, em nota de rodapé, que
também no Magistério Ordinário e Universal dos Bispos (unidos com o
Papa) exigem-se condições. E, dulcis in fundo, quais sejam essas
condições, não se sabe! O Concílio Vaticano não as teria dito. Teria
definido que esse Magistério é infalível, mas, sem ter precisado suas
condições, permaneceria completamente obscuro, nós ignoraríamos quando
existe. Na prática o Concílio teria definido um… belo de um nada! É
preciso ler para crer: “O Concílio Vaticano I também expôs que os
católicos devem crer, além dos juízos solenes, o ensinamento do
magistério ordinário universal (DS 3011). Mas não precisou sob quais
condições esse magistério ordinário é infalível”. [47. Le sel de la
terre, op. cit., pág. 21, nota 1.] Ora, a afirmação, tal como está
dita, contradiz a definição do Concílio Vaticano, que expõe claramente
quando tal Magistério é infalível, definindo que todo ensinamento do
M.O.U. é de fé:
“Devem ser cridas com fé divina e católica todas as coisas que estão
contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida e que são propostas
a crer pela Igreja como reveladas por Deus seja com um juízo solene,
seja com o magistério ordinário e universal.” (Conc. Vat. DS 3011).
A definição foi repetida pelo Código piano-beneditino (cân. 1323, §1).
Pio IX, já na Tuas libenter, havia ensinado que o ato de fé não se
deve limitar às verdades definidas, mas deve estender-se àquilo “que é
transmitido como divinamente revelado pelo magistério ordinário de
toda a Igreja espalhada pela terra”. [48. PIO IX, Tuas libenter,
21/12/1863, ao Arcebispo de Munique, DS 2875-80, in Sodalitium n.º 41,
L’infallibilità della Chiesa (A infalibilidade da Igreja), pág. 68-
69.] Totalmente obscuro?
Para quem não o houvesse ainda entendido (mas não há pior cego…), tudo
isso quer dizer que toda vez que a Igreja, isto é a união moral de
todos os Bispos unidos com o Papa, ensina uma verdade como pertencente
ao Depósito revelado, esta deve ser crida com fé divina. As condições
famosas? Ei-las todas: 1.ª: todos os bispos com o Papa constituem a
Igreja docente, a suprema autoridade; 2.ª: propõe a crer; 3.ª e 4.ª:
uma verdade contida na Revelação, que exige por si mesma o
assentimento em razão da autoridade de Deus revelante. [49. “Porque o
homem depende totalmente de Deus como seu Criador e Senhor e porque a
razão criada está sujeita completamente à Verdade incriada, nós somos
obrigados, quando Deus se revela, a prestar-lhe, com a fé, a plena
submissão da nossa inteligência e da nossa vontade” Conc. Vaticano,
Const. dogm. Dei Filius, cap. 3 De fide, 24-4-1870, DS 3008. Ver
também o que foi dito a propósito da 4.ª condição.] O que se pode
dizer, no máximo, é que o fiel tem maior facilidade de conhecer uma
verdade ensinada pelo magistério solene do que ensinada pelo
magistério ordinário e universal.
De tudo o que diz respeito ao Magistério Ordinário e Universal falamos
já longamente em Sodalitium e convidamos os leitores a referir-se aos
artigos publicados. [50. Sodalitium, n.º 45, págs. 32-38 (N. do T. –
Cf. “O Magistério segundo o Abbé Marcille”, trad. br. em:
“http://wp.me/pw2MJ-19i”); n.º 41, págs. 67-69.]
b) Segundo erro de W: negação da Regra próxima

da nossa fé, confundida com a regra remota


W afirma primeiro uma coisa justa: a definição da Igreja não “cria” as
verdades, estas foram reveladas por Deus, existem antes da definição
da Igreja, a qual leva-as ao conhecimento dos fiéis. Para se convencer
disso, basta reler precisamente o Vaticano I, onde está escrito:
“Verdadeiramente, aos Sucessores de Pedro foi prometido o Espírito
Santo não para que, por revelação Sua, manifestassem uma nova
doutrina, mas para que, com a Sua assistência, custodiassem santamente
e expusessem fielmente a Revelação transmitida pelos Apóstolos, ou
seja, o Depósito da Fé” (Pastor æternus, cap. IV, DS 3070).
O objeto da nossa fé, portanto, é a divina Revelação (contida na
Tradição e na Escritura) e o motivo da fé é a autoridade de Deus que
se revela, como ensinam todos os manuais tão desprezados por W. Mas W
prossegue: “Dizer que (…) onde não existe definição com as quatro
condições, não há verdades certas, seria perder todo o sentido da
verdade, é a doença do subjetivismo que não pode conceber nenhuma
verdade objetiva sem certeza subjetiva.” [51. Le sel de la terre, op.
cit., pág. 22.] Aqui ele demonstra não entender plenamente o
importante papel do Magistério da Igreja. Com efeito, como pode um
fiel por si só conhecer a verdade “objetiva”?
Escrevia Santo Agostinho: “Eu não creria nos Evangelhos, se a
autoridade da Igreja Católica não mo dissesse”. [52. Sto. AGOSTINHO,
Contra epistulam manichei, 5, 6. R.J. 1581.] De igual maneira,
parafraseando Santo Agostinho, pode-se dizer: “Eu não creria na
Tradição, se a autoridade da Igreja Católica não mo dissesse”. Um
fiel, como pode ele saber, por exemplo, que o Evangelho de São João é
íntegro, que as catorze Epístolas de São Paulo ou os livros dos
Macabeus são revelados, que algumas obras de Tertuliano são boas e
outras não, que o Concílio de Nicéia é ecumênico, que é preciso
interpretar corretamente alguns escritos de Santo Agostinho…?
Deveria fiar-se na sua própria perspicácia, entregando-se a um livre
exame da Escritura ou da Tradição, como afirmam os anglicanos e os
ortodoxos? Não seria isso cair em outro subjetivismo? Exatamente isso
afirmam os protestantes quanto à Sagrada Escritura: qualquer um a lê e
é capaz por si só de compreender o sentido dela. Assim os modernistas:
dado que muitos deles haviam realizado estudos aprofundados de
exegese, julgavam poder interpretar as Sagradas Escrituras sozinhos,
sem dever sujeitar-se ao Magistério da Igreja, e São Pio X condenou
essa teoria deles (DS 3401-8).
E eis que W afirma a mesma coisa a propósito da Tradição: cada qual
pode por sua própria conta procurar na Tradição as verdades que deve
crer, a Tradição seria a Regra próxima da Fé, independentemente do
Magistério da Igreja. [53. Newman, antes de se converter, estudou a
Tradição e converteu-se ao ver que os Padres submetiam-se ao juízo da
Igreja de Roma. A Primeira Sé verdadeiramente não é julgada por
ninguém, nem pela Tradição: pelo contrário, é ela que julga a
Tradição.]
À parte a enorme dificuldade prática (não se vê como um fiel possa
consultar Migne, Mansi, a Patrística…), como se fará para escolher e
interpretar o texto de um ou mais Padres? Como se fará para julgar se
determinada tradição é boa ou má? A disciplina da Igreja mudou através
dos séculos; por exemplo: é mais “tradicional” a comunhão em duas
espécies ou aquela em só uma espécie? Mesmo entre os maiores Padres da
Igreja podem haver discordâncias, ou interpretações duvidosas. Foi
exatamente esse o erro dos jansenistas: tomar Santo Agostinho como
Regra próxima da Fé, pretender saber dar a justa interpretação do que
ele diz, independentemente do Magistério da Igreja.
A Tradição não pode ser regra próxima: se surge uma dúvida entre os
católicos, quem poderá jamais resolvê-la? A Tradição é muda, ao passo
que o Magistério fala, pode resolver as questões. Deus mesmo, ao dar-
nos a Revelação, quis nos dar o instrumento, objetivo e não subjetivo,
a fim de que infalivelmente pudéssemos conhecer quais são as verdades
que devemos crer para a nossa salvação. Esse instrumento é o
Magistério da Igreja, que recolhe da Revelação (contida na Escritura e
Tradição) e, assistido pelo Espírito Santo, propõe a crer aos fiéis as
verdades reveladas ou conexas com o revelado.
A definição infalível sobre o Magistério ordinário e universal,
considerada acima (DS 3011), justamente ilustra isto: todo o fiel deve
crer de fé o revelado que a Igreja lhe propõe a crer. Por isso se diz:
Escritura e Tradição constituem a Regra remota da Fé; o Magistério é a
Regra próxima da nossa fé, ou seja, é aquela que está mais perto do
fiel. Sodalitium já tratou desse argumento. [54. Sodalitium n.º 44,
págs. 48-50. (N. do T. - cf. “A regra da nossa fé”, trad. br. em:
"http://wp.me/pw2MJ-18C").]
Se a Regra próxima da Fé fosse a Tradição, então seria impossível todo
o progresso do dogma: o encargo da Igreja seria somente de conservar
os dogmas, como afirmam os “ortodoxos”. De fato, segundo esse modo de
ver, caso quiséssemos estudar o Depósito revelado para conhecê-lo mais
profundamente e para explicitar as verdades nele contidas de modo
implícito, nos encontraríamos perante um problema insolúvel: as
verdades descobertas graças a esse estudo, sendo “novas” para o nosso
conhecimento, contradiriam a Regra próxima, a Tradição, e a Igreja não
poderia defini-las jamais.
Pelo contrário, segundo a doutrina católica, a Tradição é Regra
remota, ao passo que o Magistério vivo é a Regra próxima da nossa Fé.
É o Magistério que dá a reta interpretação da Escritura e da Tradição,
e não somos nós mesmos que o fazemos. Provaremos a nossa assertiva com
a autoridade do Magistério e do próprio Concílio Vaticano.
Ensinamento da Igreja sobre

a Regra próxima da Fé
Pio XII ensina: [55. PIO XII, Humani Generis, 12-8-1950, DS 3884-5 e
I.P. n. 1278-9.]
“E embora este Sagrado Magistério deva ser para todo teólogo, em
matéria de fé e de moral, a norma próxima e universal da verdade
(visto que foi a ele que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou o Depósito
da Fé – ou seja, as Sagradas Escrituras e a Tradição divina – para ser
guardado, defendido e interpretado), todavia por vezes se ignora, como
se não existisse, o dever que todos os fiéis têm de fugir mesmo
daqueles erros que se aproximam, em maior ou menor medida, da heresia
e, portanto, ‘de observar também as constituições e decretos em que a
Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões’ [56. C.J.C., cân.
1324; Conc. Vat., De Fide cath., DS 3045.]. O que é exposto nas
Encíclicas dos Sumos Pontífices, acerca do caráter e da constituição
da Igreja, é por alguns, de modo proposital e habitual, descurado com
a finalidade de fazer prevalecer um conceito vago que eles dizem ter
extraído dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os Pontífices
– dizem eles – na realidade não pretendiam dar um juízo sobre questões
que são objeto de disputa entre os teólogos; é, portanto, necessário
retornar às fontes primitivas, e com os escritos dos antigos devem ser
explicadas as constituições e os decretos do Magistério. Essas
afirmações são feitas quiçá com elegância de estilo; mas não carecem
de falsidade. De fato, é verdade que geralmente os Pontífices deixam
livres os teólogos nessas questões que, em diversos sentidos, são tema
de discussões entre os doutores de melhor fama; porém, a história
ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre disputa em
seguida já não podiam mais ser discutidas.”
Leão XIII:
“Determinar, portanto, quais sejam as doutrinas reveladas é ofício
próprio da Igreja docente, à qual Deus confiou a custódia e a
interpretação da Sua palavra; e o Sumo Doutor na Igreja é o Romano
Pontífice. (…) [É necessária a obediência ao Magistério da Igreja e do
Papa]. A qual obediência tem de ser perfeita, pois é exigida pela fé
mesma, e tem em comum com esta o fato de não poder ser parcial… O que
foi maravilhosamente explicado por Santo Tomás de Aquino com as
seguintes palavras:
‘(…) É, pois, manifesto que quem adere à doutrina da Igreja, como a
uma regra infalível, consente em tudo aquilo que a Igreja ensina; de
outro modo, se dos ensinamentos dela ele retivesse somente o que lhe
apraz e rejeitasse o que não lhe agrada, ele não seguiria, como norma
infalível, à doutrina da Igreja, mas à própria vontade dele… A unidade
[da Igreja] não se poderia conservar onde toda questão surgida acerca
da fé não fosse decidida por Aquele que preside à Igreja universal, de
modo que a sua sentença seja firmemente aceita por toda a Igreja.
Assim, unicamente à autoridade do Sumo Pontífice pertence aprovar uma
nova edição do Símbolo, como tudo o mais que se refere a toda a
Igreja” [57. Sto. TOMÁS, Suma Teológica, II II, q. 5, art. 3; q. 1,
art. 10.]…
Por esse motivo, o Pontífice deve poder julgar o que as palavras
divinas contêm, quais doutrinas concordam e quais discrepam delas:
pelo mesmo motivo, deve poder mostrar quais coisas são honestas e
quais são torpes, quais coisas é preciso fazer e de quais cumpre
fugir, para obter a salvação eterna; do contrário, não poderia ser
para o homem um intérprete seguro das palavras de Deus, nem um guia
seguro para a vida”.

[58. LEÃO XIII, Sapientiæ Christianæ, 10-1-1890, I.P. nn. 510, 511,
512, 513.]
São Pio X põe na regra da fé também as leis da Igreja e tudo aquilo
que o Papa comanda:
“Na obediência a essa suprema autoridade da Igreja e do Sumo
Pontífice, por cuja autoridade são propostas as verdades da fé, são
impostas as leis da Igreja e é preceituado tudo o que é necessário ao
bom governo dela, está a regra da nossa fé”. [59. Em itálico no texto.
S. PIO X, Catecismo Maior, Breve História da Religião, ed. Ares,
Milão, 1991, pág. 290.]
Ensinamento do Concílio Vaticano

sobre a Regra próxima da fé


Dom Gasser, na sua memorável intervenção, prova que o Papa é infalível
porque o seu Magistério constitui a regra da fé: [60. Dom GASSER,
ibidem, Mansi 52, 1207.]
“Um testemunho indireto [da infalibilidade] provém da regra da fé que
os antiquíssimos padres transmitiram. Sto. Ireneu, que mostra que a
regra reside no acordo das Igrejas fundadas pelos Apóstolos, mostra ao
mesmo tempo uma regra mais breve e mais segura, isto é, a tradição da
Igreja romana, com a qual todos os fiéis da terra devem estar de
acordo, em razão de sua preeminência, e na qual conservam todos a
tradição apostólica, estando em comunhão com o centro da unidade.
Assim, segundo Sto. Ireneu a fé da Igreja de Roma é, ao mesmo tempo:
pela dignidade do primado, regra para todas as outras Igrejas; e, pela
dignidade de ser o centro, o princípio conservador da unidade (…).
A mesma regra propõe Sto. Agostinho (…) [para o qual] para condenar o
erro dos donatistas, basta provar que nenhum dos Bispos romanos foi
donatista; e diz que essa regra, em razão da autoridade de Pedro, é a
mais segura e melhor para a salvação”.
Em conclusão: provamos tanto mediante o Magistério da Igreja como
mediante os documentos explicativos do Concílio Vaticano que, para a
Fé de todo o católico, é necessária a proposição da Igreja. Esta,
embora não fazendo parte do motivo da fé (“objeto formal quo”), é
todavia uma condição sine qua non a fim de que o assentimento do nosso
intelecto seja um ato de fé divina.
[61. ZUBIZARRETA, Theologia dogmatico-scholastica, III, n. 366. A esse
respeito escreve MARIN SOLA O.P., (L’Evolution homogène du dogme
catholique, n. 149 e ss.) comentando Sto. Tomás, II, II, 5, 3, ad 2um:
“Quem quer que procure aderir à Verdade Primeira da Escritura e da
Tradição por outra via, que não a da autoridade da Igreja, não tem uma
verdadeira fé divina, mas uma outra fé, uma fé sua pessoal, uma fé
criada, humana: uma fé científica ou adquirida. (...) O homem pode
chegar ao assentimento de fé divina com um único meio: a autoridade da
Igreja. Sem esse meio, o ato da nossa fé divina é totalmente
impossível”.]
Santo Tomás não esperou o Vaticano I para ensinar:
“O objeto formal da fé é a Primeira Verdade enquanto Se revela na
Sagrada Escritura e no ensinamento da Igreja. Por isso, quem não
adere, como a regra infalível e divina, ao ensinamento da Igreja, que
deriva da Verdade Primeira revelada na Sagrada Escritura, não tem o
hábito da fé, mas aceita-lhe as verdades por motivos diversos da fé.
(…) Se [alguém] aceita aquilo que quer e recusa o que não quer de
quanto a Igreja ensina, ele não adere ao ensinamento da Igreja como a
uma regra infalível, mas à própria vontade [tornando-se herege]”. (II-
II, q. 5, a. 3).
Por isso, eu creio no Evangelho e na Tradição porque a Igreja mo diz e
do jeito que ela mo diz; desse modo a Fé comporta a submissão da
inteligência. Se, pelo contrário, eu creio por qualquer outro motivo,
então anteponho à Igreja um outro critério: as minhas convicções, um
santo, um Padre da Igreja, um bispo, um príncipe…, mas tudo isso não é
a Regra próxima da Fé, é a ruína da Fé.

c) Terceiro erro de W: um rito litúrgico promulgado

pelo Papa pode ser “intrinsecamente mau”


W ataca Michael Davies porque este “nega toda nocividade intrínseca ao
missal da missa nova, pelo fato de que teria sido promulgado
‘solenemente’ pelo supremo legislador” (p. 22).
W sustenta, com razão, que o novo missal é mau. Mas sustenta também,
sem razão, que quem o promulgou era a legítima autoridade da Igreja e,
portanto, que a legítima autoridade pode promulgar um rito mau. W não
consegue, pois, responder a M. Davies sem negar o ensinamento da
Igreja segundo o qual as suas leis, a sua disciplina, o seu culto, não
podem ser nocivos. Escreve Pio XII:
“A Igreja, em todos os séculos da sua vida, não somente ao ensinar e
ao definir a fé, mas também no seu culto e nos exercícios de piedade e
de devoção dos fiéis, é regida e custodiada pelo Espírito Santo, e
pelo mesmo Espírito ela ‘é infalivelmente dirigida ao conhecimento das
verdades reveladas’ (Const. Ap. Munificentissimus Deus, 1/11/1950,
definição dogmática da Assunção).”

[62. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La Chiesa, II, 1389.]
Não faltam diversos outros argumentos de autoridade, recordados já
pelo Pe. Ricossa: [63. F. RICOSSA, Prefácio a A. V. XAVIER DA
SILVEIRA, La nuova messa di Paolo VI, Ferrara, ed. pro manuscripto,
pp. 4-6. (N. do T. – Trad. br. deste Prefácio inteiro em:
“http://wp.me/pw2MJ-rU”).]:
“Aos que negavam que as crianças tivessem o pecado original, Santo
Agostinho respondia que a Igreja as batizava, e: ‘quem ousará aduzir
algum argumento, seja qual for, contra tão sublime Mãe?’ (Serm. 293,
n. 10). Santo Tomás, indagando se o rito da Crisma é conveniente,
depois de aduzir todas as objeções possíveis, responde simplesmente:
‘Ao contrário, basta o uso da Igreja, que é governada pelo Espírito
Santo’; aliás, acrescenta ele: ‘O Senhor fez esta promessa aos Seus
fiéis: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estou eu
estou no meio deles” (Mt XVIII,20). Devemos, pois, sustentar
firmemente que as disposições da Igreja são dirigidas pela sabedoria
de Cristo. E, por isso, devemos ter certeza de que os ritos observados
pela Igreja na crisma e nos outros sacramentos são convenientes’ (III,
q. 72 a. 12.) Eis aí, em substância, a resposta que a Igreja sempre
deu a todos aqueles hereges que criticavam um ou outro dos ritos dela,
ou seu conjunto.
Assim, foram condenados pelo Concílio de Constança e pelo Papa
Martinho V os hussitas, que recusavam o uso da comunhão sob uma única
espécie (D. 626 e 668) e depreciavam os ritos da Igreja (D. 665);
assim o Concílio de Trento condenou os luteranos, que desprezavam o
rito católico do batismo (D. 856), o costume de conservar o Santíssimo
Sacramento no tabernáculo (D. 879 e 889), o Cânon da Missa (D. 942 e
953) e todas as cerimônias do missal, os paramentos, o incenso, as
palavras pronunciadas em voz baixa etc. (D. 943 e 954), a comunhão sob
uma única espécie (D. 935)… Da mesma maneira, os jansenistas reunidos
no sínodo de Pistoia foram condenados por Pio VI por induzirem a
pensar que ‘a Igreja, que é regida pelo Espírito de Deus, pudesse
constituir uma disciplina não só inútil [...] mas também perigosa e
nociva’ (D. 1578, 1533 e 1573). Em suma, para sermos breves, é
impossível que a Igreja dê veneno aos seus filhos (D. 1837, Vaticano
I). Trata-se de uma verdade ‘tão certa teologicamente, que negá-la
seria um erro gravíssimo ou inclusive, segundo a sentença da maioria,
uma heresia’ (Cardeal Franzelin).”
Também sobre este ponto, então, para salvaguardar a legitimidade de
Paulo VI e João Paulo II, W deve contradizer a doutrina da Igreja.

d) Quarto erro de W: uma definição dogmática

pode ser boa em si mas má per accidens,

ou seja por causa das circunstâncias


Eis o que afirma W: “Não é que a definição do magistério solene ou
extraordinário infalível do Papa fosse uma coisa má per se, ao
contrário; mas per accidens [64], pela malícia dos homens, ela
contribuiu muito para uma desvalorização da Tradição”. [65. Le sel de
la terre, op. cit., pág. 20.]
[64. Em nota, os dominicanos de Avrillé explicam: “As expressões per
se e per accidens significam aqui que, no primeiro caso, a
conseqüência deriva da essência da coisa, e no segundo caso, esta
mesma conseqüência se origina por causa de circunstâncias em si
independentes da coisa (aqui, a circunstância determinante é a
‘malícia dos homens’ atuais).”]
Essa afirmação é gravíssima, mas reveladora do embaraço que a
definição da infalibilidade cria nos expoentes da Fraternidade. Se uma
definição infalível (ainda por cima feita solenemente por um Concílio
Ecumênico) pode causar em quem nela creia um mal, ainda que somente
“acidental”, isso significa que o Espírito Santo, causa dessa
definição, é causa do mal nos bons católicos!
Outra coisa seria dizer: em quem não acreditou, a definição foi
ocasião de tropeço. Isso é verdadeiro não somente para o Concílio
Vaticano, mas para todos os outros Concílios; é verdadeiro para a
morte de Jesus na Cruz, pedra de tropeço, escândalo para os judeus,
loucura para os pagãos [66. I Cor. I, 23.]; para a Lei do Antigo
Testamento, como bem o explica São Paulo, a qual foi ocasião de queda
[67. Rom. VII, 7 e ss.]. Mas nem as definições, nem Nosso Senhor, nem
a Lei foram causa per accidens do mal; a causa foi somente a má
vontade de quem age mal, de quem não quer crer.
Mas W poderia responder alegando a frase com a qual ele precisa o seu
pensamento: “A definição de 1870 foi boa per se, porque ela permitiu
ancorar os espíritos católicos naquilo em que os liberais faziam todo
o possível para deixá-los à deriva. Mas, depois que a definição foi
realizada, os maliciosos liberais mudaram imediatamente a sua tática:
‘Sim, de acordo, sem dúvida, nós sempre acreditamos (hipócritas!) que
existe um magistério a priori infalível no cume do ensino da Igreja,
mas, abaixo desse cume quem não vê agora que nada é absolutamente
seguro?’ E assim os liberais deliberadamente começaram a pôr em dúvida
toda verdade abaixo deste cume constituído pelo corpo de verdades
definidas infalivelmente segundo as quatro condições da nova definição
de 1870.” [68. Le sel de la terre, op. cit., pág. 21.] Para W (já
citei alhures o que diz ele) os católicos responderam a essa tática
liberal construindo “um magistério ordinário infalível a priori,
calcado no magistério extraordinário infalível a priori, somente com
três condições, ou três condições e meia, no lugar de quatro. [69.
Segundo W, só o magistério solene é infalível, e para haver magistério
solene são necessárias as quatro condições. Se falta uma só delas (ou
meia, como ele diz), não há mais magistério solene nem
infalibilidade.] Mas precisamente não é assim! São necessárias quatro
condições, e não somente três e meia, para que haja a priori uma
infalibilidade. Mas este magistério com três condições e meia era como
necessário para assentar uma verdade católica nos espíritos falsamente
deslumbrados pelo magistério solene com quatro condições.” (pp. 21-
22).
Com efeito, os “liberais”, que, como W e antes dele, haviam contestado
a oportunidade da definição da infalibilidade do Papa, avançaram um
argumento semelhante ao referido por W… Leiamos Leão XIII, na sua
condenação do americanismo:
“Agora será mais útil, então, refutar uma opinião, ostentada quase
como argumento para fazer os católicos verem com bons olhos as assim
chamadas ‘liberdades’. Dizem, de fato, não se dever mais hoje
preocupar-se tanto com o magistério infalível do Romano Pontífice,
após o juízo solene que o Concílio Vaticano deu sobre ele; posto esse
magistério em segurança, por essa razão, pode-se deixar a todos campo
mais amplo tanto no pensar quanto no agir”. (Evidentemente porque os
americanistas, como W, pensavam que todo o magistério que não fosse
extra-solene, não era infalível.)

[70. LEÃO XIII, Carta ao card. Gibbons, Testem benevolentiæ, de 22 de


janeiro de 1899, I.P., La Chiesa, II, 633.]
Se W e Leão XIII assinalam o mesmo perigo, não dão, porém, o mesmo
remédio! Para W, este se encontra na “Tradição” interpretada sem o
Magistério. Para Leão XIII, pelo contrário, não é assim:
“Para dizer a verdade, é esse um estranho modo de raciocinar: pois,
querendo ser racional e tirar uma conclusão a partir do fato do
magistério infalível da Igreja, essa conclusão deveria ser a de
propor-se jamais se afastar do magistério mesmo, mas de fiar-se
inteiramente nele, para ser moldado e guiado, e assim poder mais
facilmente conservar-se imune de todo e qualquer erro privado”
(ibidem)!
Sem motivo, então, W critica a oportunidade da definição de 1870,
seguindo os passos de Döllinger. Bem diversamente julgou a Igreja
sobre a oportunidade do Concílio Vaticano I. O próprio Pio IX falou
dela explicitamente:
“Certamente as vicissitudes da época presente… demonstram como foi
oportuno o que a Divina Providência dispôs: isto é, a proclamação da
Infalibilidade Pontifícia, quando a reta Regra da fé e dos costumes
estava, em meio a dificuldades sem número, subtraída de todo apoio”.

[71. PIO IX, Carta a um Bispo da Alemanha, 6-11-1876, I. P. n. 437.]


Pio XI deu o mesmo juízo:
“A Igreja não pede senão ser ouvida antes de ser condenada: quanto
mais facilmente chegar a todos, e ao menos aos estudiosos, o
conhecimento dos Atos do último Concílio, tanto mais claro aparecerá
quanta ignorância, temeridade e desfaçatez tiveram os inimigos da
Igreja, quando julgaram como crime a decisão e os efeitos da decisão
de nosso Predecessor, de santa memória, Pio IX. Quem quer que
considere atentamente os documentos escritos, os quais referem-se e
narram a longa preparação do Concílio e os trabalhos dessa importante
e célebre assembleia dos Bispos, vê-se obrigado – a menos que tenha
ódio à religião e esteja cego por preconceitos – a reconhecer e
proclamar que não sem uma inspiração e proteção divina teve lugar a
preparação, convocação e sessão do Concílio ecumênico Vaticano; e que
o Pontífice, que por tantos méritos está consignado à eternidade e à
imortalidade, não prestou atenção tanto à oportunidade de seu tempo –
coisa que negavam os censores pobres de espírito – mas considerou e
pressagiou antes as necessidades do futuro.”

[72. PIO XI, Epist. ad R. P. D. Ludovicum Petit, 5-XI-1924, in A.A.S.,


Polyglottis Vaticanis, 1924, Epístola VIII, pág. 463.]
A definição da infalibilidade, oportuna em 1870, é ainda mais oportuna
e providencial para os nossos tempos, per se e per accidens, ainda que
não para W!

e) Quinto erro de W: as definições da Igreja

seriam devidas somente à diminuição da caridade


Detemo-nos brevemente neste ponto. W diz que “à medida que a caridade
se resfria” aumentaram cada vez mais as verdades definidas: [73. Le
sel de la terre, op. cit., pág. 22] aqui ele quer quase diminuir a
necessidade do magistério, que não resulta mais ser uma regra estável
da nossa fé, sempre necessária, mas um remédio excepcional e
contingente devido à maldade dos homens.
Pelo contrário, a história nos ensina que a ocasião das definições da
Igreja são múltiplas: a caridade que se esfria, erros novos que
surgem, o aprofundamento de problemas teológicos, um maior fervor. Se
Leão XIII decidiu sobre a validade das ordenações anglicanas, Pio XII
sobre a matéria e forma da Ordem, entende-se bem que a caridade não
está em jogo. Se Pio IX definiu o dogma da Imaculada e Pio XII o da
Assunta, não foi certamente por uma menor devoção pela Santíssima
Virgem Maria! Nem se pode dizer que antes da definição havia maior
fervor por esses dogmas, quando até muitos católicos negavam-nos!
A Igreja verdadeiramente tem a assistência do Espírito Santo, não
somente para conservar o Depósito revelado, mas também para explicá-lo
e expô-lo (DS 3070).
Até aqui, em suma, notamos que W tem ideias pré-concebidas e, com base
nelas, julga muitas coisas erroneamente.

Conclusão
Muitos “tradicionalistas” creem que abraçar a verdadeira Fé nas
matérias acima expostas significaria arriscar aceitar todo o Concílio
Vaticano II com suas reformas.
Parece ser esse o obstáculo mais grave, que os impede de levar em
séria consideração a doutrina da Igreja como a examinamos nos
parágrafos precedentes. A solução desse nó foi exposta pela Tese de
Cassiciacum: é impossível de aceitar essas reformas, pois o ato de Fé
dirigido a elas é metafisicamente impossível. Se cremos, por exemplo,
de fé, que a liberdade religiosa é um erro, como poderemos crer que
seja ao mesmo tempo uma verdade revelada? Se cremos que o ecumenismo é
mau, como a minha inteligência pode crer que seja uma boa prática para
a Igreja? Há aí uma impossibilidade real para a minha inteligência de
aderir a duas proposições contraditórias, ambas propostas a crer pelo
Magistério: as primeiras, do Magistério dos Pontífices do passado; as
segundas, do Magistério dos “pontífices” do pós-concílio (Vaticano
II). Ora, o Magistério não pode contradizer-se, e tampouco a Fé. Logo,
um dos dois está em erro. Mas, se um dos dois está em erro, então isso
quer dizer, ipso facto, que a “autoridade” que promulgou esse
“magistério” errôneo não estava assistida pelo Espírito Santo. Não era
formalmente a Autoridade. [74. H. BELMONT, L’esercizio quotidiano
della Fede. Pro manuscripto, pp. 12-13.]
Mostramos com superabundância de documentos que o Papa é infalível com
o Magistério ordinário; que tal Magistério trata tanto das verdades
reveladas quanto das verdades conexas com o revelado; que, com esse
Magistério infalível, o Papa é a Regra próxima da nossa Fé.
Dado que W não aceita a autoridade dos “bons autores dos manuais de
teologia”, pois “fizeram o jogo dos liberais” [75. Le sel de la terre,
op. cit., pág. 22], não quisemos tomá-los em consideração, mas nos
limitamos aos documentos do Magistério, do Concílio Vaticano e da sua
explicação. É possível que W recuse também a autoridade destes: aí
então, não haverá mais nenhuma autoridade intermediária entre o fiel e
a Tradição? Cada um será para si mesmo a regra da própria fé? [76. As
definições do Magistério solene de fato são raras e não abrangem todo
o revelado, nem toda a doutrina católica.]
Num tal caso gostaríamos de fazer a W algumas perguntas. Se tivesse
vivido no tempo em que se discutia sobre a validade do Batismo dado
pelos hereges, ou em qual dia se havia de celebrar a Páscoa, como
teria se comportado? Teria seguido a “tradição” ou as decisões do
Papa? Se tivesse vivido no tempo em que os jansenistas contestavam a
infalibilidade do Papa quanto aos fatos dogmáticos, a quem teria dado
razão? Interpretar por conta própria a Tradição, porque parece
evidente, ou no sentido em que nós a compreendemos, não é isso um
subjetivismo no ato de fé, o ato mais importante para a nossa
salvação? “Não é lícito – disse Pio XII – investigar e explicar os
documentos da ‘Tradição’, descurando ou minimizando o Sagrado
Magistério”. [77. PIO XII, Inter complures, 24/10/1954, I.P., La
Chiesa, II, 1389.]

_____________

Í N D I C E

[Introdução]
Exposição da tese de W
Elenco dos erros de W
A definição dogmática do Concílio Vaticano
Estrutura do artigo

a) Primeiro erro de W: sobre o Magistério ordinário e sobre as


condições para a infalibilidade.
Ensinamento da Igreja sobre o Magistério Ordinário do Papa
Ensinamento do Concílio Vaticano sobre o Magistério do Papa
As quatro condições
1.ª: O Papa utiliza a suprema autoridade
2ª: Define.

3ª: Uma doutrina sobre a fé e a moral.


4ª: Afirma que essa doutrina deve ser aceita por toda a Igreja
Ex cathedra
Magistério ordinário e condições
Magistério ordinário universal e condições

b) Segundo erro de W: negação da Regra próxima da nossa fé, confundida


com a regra remota
Ensinamento da Igreja sobre a Regra próxima da fé
Ensinamento do Concílio Vaticano sobre a Regra próxima da fé

c) Terceiro erro de W: um rito litúrgico promulgado pelo Papa pode ser


“intrinsecamente mau”

d) Quarto erro de W: uma definição dogmática pode ser boa em si mas má


per accidens, ou seja por causa das circunstâncias

e) Quinto erro de W: as definições da Igreja seriam devidas somente à


diminuição da caridade

Conclusão

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Giuseppe MURRO, Mons. Williamson contra o Concílio Vaticano…
I !, 1998, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, dez. 2011, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1a3
de: “Mons. Williamson contro il concilio Vaticano… I !”, revista
Sodalitium (órgão oficial do Instituto Mater Boni Consilii), ano
XIV/2, n.º 47, de maio de 1998, pp. 63-78.
[Com o acréscimo da nota 8 bis: fonte indicada no local.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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uma resposta, ou trackback do seu próprio site.
Uma resposta para “Textos essenciais em tradução inédita – CXI”
1. José Carlos Disse:

19 fevereiro 2012 às 12:50


Prezado Felipe,

Viva Cristo rei!Salve maria Purissima!


Várias vezes já escutei”tradicionalistas” fazerem esta solene
declaração mais ou menos assim: “O que vale é o pronunciamento ex
catedra do papa, desde que ele não fale do alto da sua Catedra que
pronunciamos,declaramos,etc não é necessário dar assentimento de
fé”.Isto me dava a sensação de que eu poderia virar para o lado e
dormir toda vêz que o papa não pronunciasse estas palavras
acima.Depois de lêr mais esta sua tradução, eu irei tirar uma solene
soneca toda vêz que estes “tradicionalistas”derem este tipo de
declaração ex catedra do alto de sua ignorância.
Um abraço e fique com Deus!

Textos essenciais em tradução inédita – CLXX

Os Tradicionalistas,
a Infalibilidade e o Papa
(1995, 2006)
Rev. Pe. Anthony Cekada
Os próprios homens que aparentam possuir autoridade

na Igreja ensinam erros e impõem leis nocivas.

Como reconciliar isso com a infalibilidade?


Se hoje você assiste regularmente à Missa tradicional em latim, é por
ter concluído em algum momento que a Missa antiga e as antigas
doutrinas eram católicas e boas, enquanto que a Missa Nova e os
ensinamentos modernos, de algum modo, não eram.
Mas (assim como eu) você provavelmente teve algumas preocupações
iniciais: E se a Missa tradicional à qual estou indo não for aprovada
pela diocese? Estou desafiando a autoridade legítima na Igreja? Estou
desobedecendo ao Papa?
Essa é a “questão da autoridade”, e parece apresentar um verdadeiro
dilema. A Igreja ensina que o Papa é infalível em fé e moral. Os bons
católicos, além disso, obedecem às leis do Papa e da Hierarquia. Os
maus católicos escolhem a quais leis eles querem obedecer. Ao mesmo
tempo, no entanto, os próprios homens que pareceriam possuir
autoridade na Hierarquia mandam-nos aceitar doutrinas e uma missa que
prejudicam a fé ou têm outros efeitos desastrosos. O que um católico
há de fazer?

Por Que Rejeitar as Mudanças?


Para solucionar o dilema, deveríamos começar considerando o que foi
que nos empurrou para fora de nossas paróquias Vaticano II, para
início de conversa. Na maioria dos casos, foi a contradição com o
ensinamento católico pré-estabelecido ou foi a irreverência no culto.
Noutras palavras, reconhecemos de imediato algum elemento da nova
religião como sendo um erro doutrinal ou um mal.
E nem nos passou pela cabeça que nossas objeções se referissem a meras
mudanças de minúcias. As novas doutrinas, pelo contrário, chocaram-nos
como mudanças de substância — compromissões, traições, ou contradições
diretas do ensinamento católico imemorial. Ou então, passamos a
considerar o novo sistema de culto como mau — irreverente, desonroso
ao Santíssimo Sacramento, repugnante à doutrina católica, ou
completamente destrutivo da fé de milhões de almas. Razões ponderosas
como estas — e não meras picuinhas — foram o que nos impeliu a
resistir às mudanças e a rejeitá-las.
Uma vez que tenhamos chegado a esse ponto e reconhecido (como fazemos
e devemos fazer) que algum pronunciamento ou lei oficial emanados da
hierarquia pós-Vaticano II contêm erro ou mal, nós estamos, de fato, a
meio caminho andado rumo à resolução da questão, aparentemente
espinhosa, da autoridade. Examinemos por quê.

Alguns Erros e Males


Começamos listando alguns dos erros e males oficialmente aprovados
seja pelo Vaticano II ou por Paulo VI e sucessores:
• O ensinamento do Vaticano II (e do Código de Direito Canônico de
1983) de que a verdadeira Igreja de Cristo “subsiste na” (n.b., ao
invés de “é”) a Igreja Católica. Isso implica que a verdadeira Igreja
pode também “subsistir” noutros corpos religiosos.
• A abolição, no Vaticano II e no Código de Direito Canônico de 1983,
da distinção tradicional entre a finalidade primeira (procriativa) e a
secundária (unitiva) do matrimônio, a colocação desses fins no mesmo
patamar, e a inversão da sua ordem. A mudança fornece apoio tácito à
contracepção, dado que a proibição do controle de natalidade se
baseava no ensinamento de que a procriação é a finalidade primordial
do matrimônio.
• A supressão sistemática, na versão original em latim do novo Missal
de Paulo VI, dos seguintes conceitos: inferno, juízo divino, ira de
Deus, punição pelo pecado, a perversidade do pecado como o maior dos
males, desapego do mundo, purgatório, as almas dos finados, o reinado
de Cristo na terra, a Igreja Militante, o triunfo da Fé Católica, os
males da heresia, do cisma e do erro, a conversão dos acatólicos, os
méritos dos santos e milagres. Expurgar da liturgia essas doutrinas é
sinalizar que não são mais verdadeiras, ou ao menos suficientemente
importantes, para merecer uma menção na oração oficial da Igreja.
• A aprovação oficial dada por Paulo VI à comunhão na mão. Essa
prática foi imposta pelos protestantes do século XVI para negar a
transubstanciação e a natureza sacramental do sacerdócio.
• A introdução doutrinal oficial do Novo Ordo da Missa, que ensinou
que a Missa é uma ceia comunitária, concelebrada pela congregação e
seu presidente, durante a qual Cristo está presente no povo, nas
leituras da Escritura, e no pão e vinho. Esse é um entendimento
protestante ou modernista da Missa, e proveu o fundamento teórico
sobre o qual tantos “abusos” subsequentes repousariam.

Os Ensinamentos de Bento XVI


Ao sobredito, poderíamos somar muitos ensinamentos de João Paulo II e
Bento XVI, ambos retratados falsamente como “conservadores”
doutrinais.
Seus pronunciamentos e escritos revelam um problema teológico
generalizado que vai muito além da questão da Missa tradicional vs.
Missa Nova.
Bento XVI, como Joseph Ratzinger, foi um dos teólogos modernistas de
proa no Vaticano II, e deixou um longo rastro de papel de seus erros.
Ele foi o principal arquiteto de uma nova teologia da Igreja que
postula um “Povo de Deus” e uma “Igreja de Cristo” não idênticos à
Igreja Católica Romana — uma Super-Igreja ou “Igreja Frankenstein”
criada a partir de “elementos” da verdadeira Igreja que são possuídos
seja plenamente (pelos católicos) ou parcialmente (pelos hereges e
cismáticos).
O elo que junta as partes desse monstro ecumênico é a noção
ratzingeriana de Igreja como “comunhão”. Como cardeal e principal
consultor doutrinal de João Paulo II, ele desenvolveu essa ideia na
Carta sobre a Comunhão da CDF de 1992, na Declaração Dominus Jesus de
2000, no Código de Direito Canônico de 1983 e no Catecismo de 1997.
Eis algumas proposições típicas extraídas do ensinamento de Ratzinger:
• Corpos cismáticos são “Igrejas particulares” unidas à Igreja
Católica por “estreitíssimos vínculos”. (Comunhão 17).
• A igreja universal é o “corpo das igrejas [particulares]”. (ibid. 8)
• As igrejas cismáticas têm uma existência “ferida”. (ibid. 17)
• A “Igreja universal se torna presente nelas [nas igrejas
particulares] com todos os elementos essenciais dela.” (ibid. 7)
• A Igreja de Cristo está “presente e operante” em igrejas que
rejeitam o Papado. (Dominus Jesus 17)
• Vem-se a ser membro do “Povo de Deus” pelo batismo. (Catecismo 782)
• Todo este Povo de Deus participa do ofício de Cristo. (ibid. 783)
• O Corpo de Cristo, a Igreja, está “ferido”. (ibid. 817)
• O Espírito de Cristo serve-Se de corpos cismáticos e heréticos como
“meios de salvação”. (ibid. 819)
• Cada “Igreja particular” é “católica”, mas algumas são “plenamente
católicas”. (ibid. 832, 834)
Esses ensinamentos são contrários a um artigo de fé divina e católica:
“Creio na Igreja una.” “Una” no Credo refere-se àquela propriedade da
Igreja pela qual ela é “indivisa em si mesma e separada de todas as
outras” em fé, disciplina e culto. Os ensinamentos de Ratzinger também
são contrários ao ensinamento dos Padres da Igreja e do magistério
ordinário universal de que os hereges estão “fora da comunhão católica
e são estrangeiros à Igreja.” (Papa Leão XIII)

A Igreja Não Tem Como Dar o Mal


Essas listas poderiam, provavelmente, continuar por páginas a fio.
Onde queremos chegar é que cada item pode ser categorizado ou como
erro (uma contradição ou alteração substancial dos ensinamentos do
magistério pré-Vaticano II) ou como um mal (algo ofensivo a Deus,
prejudicial à salvação das almas). Mas a mesma fé que nos diz que as
mudanças são más nos diz também que a Igreja não tem como defeccionar
no seu ensinamento ou dar o mal.
Uma das propriedades essenciais da Igreja Católica é a sua
indefectibilidade. Isso significa, entre outras coisas, que o
ensinamento dela é “imutável e permanece sempre o mesmo.” (Sto. Inácio
de Antioquia.) É impossível para ela contradizer o seu próprio
ensinamento.
Além disso, outra propriedade essencial da Igreja de Cristo é a sua
infalibilidade. Isso não se aplica (como alguns católicos tradicionais
parecem pensar) apenas a raros pronunciamentos papais ex cathedra como
aqueles que definiram a Imaculada Conceição e a Assunção. A
infalibilidade também se estende às leis disciplinares universais da
Igreja.
O princípio, exposto em textos clássicos de teologia dogmática como
Salaverri (I:722), Zubizarreta (I:486), Herrmann (I:258), Schultes
(314–7) e Abarzuza (I:447) é tipicamente explicado como segue:
“A infalibilidade da Igreja se estende a… leis eclesiásticas emanadas
para a Igreja universal para o direcionamento do culto cristão e da
vida cristã… Mas a Igreja é infalível ao emanar um decreto doutrinal
como foi declarado acima — e isso a tal ponto que ela nunca pode
sancionar uma lei universal que esteja em discrepância com a fé ou a
moralidade, ou que seja por sua própria natureza conducente ao dano
das almas….
Se a Igreja viesse a cometer erro, da maneira exposta, quando
legislasse para a disciplina geral, ela deixaria de ser uma guardiã
fiel da doutrina revelada ou uma mestra confiável do modo de vida
cristão. Não seria guardiã da doutrina revelada, pois a imposição de
uma lei nociva seria, para todos os fins práticos, equivalente a uma
errônea definição de doutrina; todos concluiriam naturalmente que
aquilo que a Igreja havia mandado quadrava com a sã doutrina. Não
seria mestra do modo de vida cristão, pois introduziria por suas leis
a corrupção na prática da vida religiosa.”

[Van Noort, Dogmatic Theology. 2:91. Grifos dele.]


É impossível, então, que a Igreja dê alguma coisa má através das leis
dela — incluindo as leis que regulam o culto.
O reconhecimento, por um lado, de que a hierarquia pós-Vaticano II
sancionou oficialmente erros e males, e a consideração, por outro
lado, das propriedades essenciais da Igreja levam-nos, assim, a uma
conclusão sobre a autoridade da hierarquia pós-Vaticano II: Dadas a
indefectibilidade da Igreja em seu ensinamento (o ensinamento dela não
tem como mudar) e a infalibilidade da Igreja em suas leis
disciplinares universais (as suas leis litúrgicas não têm como
comprometer a doutrina ou prejudicar as almas), é impossível que os
erros e males que elencamos possam ter procedido do que realmente seja
a autoridade da Igreja. Tem de haver outra explicação.

Perda de Ofício por Heresia


A única explicação para esses erros e males que preserva as doutrinas
da indefectibilidade e da infalibilidade da Igreja é a de que os
clérigos que os promulgaram perderam de algum modo como indivíduos a
autoridade de oficiais na Igreja, que eles de resto aparentavam
possuir; ou então, que eles nunca chegaram a possuir tal autoridade
diante de Deus, para início de conversa. Os pronunciamentos deles
tornaram-se juridicamente nulos e incapazes de vincular os católicos —
assim como os decretos dos bispos da Inglaterra que aceitaram a
heresia protestante no século XVI tornaram-se nulos e vazios de
autoridade para os católicos.
Uma tal perda de autoridade deriva de um princípio geral na lei da
Igreja: a defecção pública da Fé Católica despoja automaticamente uma
pessoa de todos os ofícios eclesiásticos que ela pudesse possuir.
Quando se pára para pensar, faz todo o sentido: seria absurdo que
alguém que não professasse verdadeiramente a Fé Católica tivesse
autoridade sobre os católicos que a professam.
O princípio de que quem defecciona da Fé perde automaticamente seu
ofício aplica-se a pastores, bispos diocesanos e outros oficiais da
Igreja semelhantes. Também se aplica ao papa.

Perda de Ofício Papal


Teólogos e canonistas como São Roberto Bellarmino, Caietano, Suarez,
Torquemada, Wernz e Vidal mantêm, sem comprometer a doutrina da
infalibilidade papal, que mesmo um papa (enquanto indivíduo, é claro)
pode tornar-se, ele próprio, um herege e, assim, perder o pontificado.
Alguns desses autores também sustentam que um papa pode tornar-se
cismático.
No seu grande tratado sobre o Romano Pontífice, São Roberto
Bellarmino, por exemplo, faz a pergunta: “Se um papa herege pode ser
deposto”. Note-se antes, aliás, que essa questão presume que um papa
possa realmente tornar-se herege. Após uma longa discussão, Bellarmino
conclui:
“Um papa que é herege manifesto deixa automaticamente (per se) de ser
papa e cabeça, assim como ele deixa automaticamente de ser cristão e
membro da Igreja. Por isso, ele pode ser julgado e punido pela Igreja.
Esse é o ensinamento de todos os antigos Padres, que ensinam que os
hereges manifestos perdem imediatamente toda a jurisdição.” [De Romano
Pontifice. II.30. Grifo meu.]
Bellarmino cita passagens de Cipriano, Driedo e Melquior Cano para
respaldar sua posição. O fundamento desse ensinamento, diz ele
finalmente, é que um herege manifesto não é de maneira alguma membro
da Igreja — nem da alma nem do corpo dela, nem por união interna nem
por união externa.
Outros grandes canonistas e teólogos após Bellarmino respaldaram
igualmente essa posição. O Ius Canonicum de Wernz-Vidal, uma obra em
oito volumes publicada em 1943 que talvez seja o mais acatado
comentário ao Código de Direito Canônico de 1917, afirma:
“Mediante heresia notória e amplamente divulgada, o Romano Pontífice,
se ele cair em heresia, por esse fato mesmo [ipso facto] é considerado
destituído do poder de jurisdição antes mesmo de todo e qualquer
julgamento declaratório por parte da Igreja…. Um papa que caísse em
heresia pública deixaria ipso facto de ser membro da Igreja; logo, ele
deixaria também de ser o cabeça da Igreja.” [II:453. Grifos dele.]

Canonistas Pós-Vaticano II
A possibilidade de que um papa possa tornar-se herege e perder o seu
ofício é reconhecida também por um autorizado comentário ao Código de
Direito Canônico de 1983:
“Os canonistas clássicos debateram a questão de se um papa, em suas
opiniões privadas ou particulares, poderia entrar em heresia,
apostasia ou cisma. Se ele viesse a fazê-lo de maneira notória e
amplamente publicada, ele romperia a comunhão, e conforme uma opinião
aceita, perderia o seu ofício ipso facto. (c. 194 §1, 2º ). Dado que
ninguém pode julgar o papa (c.1404), ninguém poderia depor um papa por
tais crimes, e os autores estão divididos sobre como essa perda de
ofício seria declarada de tal modo que a vacância pudesse então ser
preenchida por uma nova eleição.” [J. Corridan et al., eds., The Code
of Canon Law: A Text and Commentary commissioned by the Canon Law
Society of America (New York: Paulist 1985), c. 333.]
O princípio de que um papa herege perde automaticamente o seu ofício,
portanto, é amplamente admitido por uma grande variedade de canonistas
e teólogos católicos.
Papas Inocêncio III & Paulo IV
Mesmo papas levantaram a possibilidade de que um herege acabasse de
algum modo no trono de Pedro.
O Papa Inocêncio III (1198–1216), um dos mais vigorosos campeões da
autoridade papal na história do Papado, ensina:
“Menos ainda pode gabar-se o Romano Pontífice, pois ele pode ser
julgado pelos homens — ou melhor, ser mostrado como já julgado —, caso
ele manifestamente ‘perca seu sabor’ na heresia. Pois quem não crê já
está julgado.” [Sermo 4: In Consecratione PL 218:670.]
Durante o tempo da revolta protestante, o Papa Paulo IV (1555–1559),
outro pujante defensor das prerrogativas do Papado, suspeitava de que
um dos cardeais com boas chances de ser eleito papa no conclave
seguinte fosse um herege secreto.
Em 16 de fevereiro de 1559, pois, ele emitiu a Bula Cum ex Apostolatus
Officio. O Pontífice decretou que se algum dia porventura sucedesse de
alguém que foi eleito Romano Pontífice ter antes “desviado da Fé
Católica ou caído em qualquer heresia”, sua eleição, mesmo que com o
acordo e consentimento unânime de todos os cardeais, seria “nula,
legalmente inválida e sem efeito.”
Todos os atos, leis e nomeações subsequentes de um tal papa
invalidamente eleito, decretou ainda Paulo IV, “ficariam carentes de
vigor, e não concederiam nenhuma estabilidade e poder legal a ninguém,
de maneira alguma”. Ele ordenou, ademais, que todos aqueles que fossem
nomeados a ofícios eclesiásticos por um tal papa estariam, “por esse
fato mesmo e sem necessidade de fazer qualquer declaração ulterior,
privados de toda dignidade, posição, honra, título, autoridade, ofício
e poder.”
A possibilidade de heresia, então, e a concomitante falta de
autoridade por parte de um indivíduo que aparenta ser papa, não é nada
remota e está, de fato, fundada no ensinamento de pelo menos dois
papas.

As Alternativas
Trocando em miúdos, por um lado sabemos que a Igreja não pode
defeccionar. Por outro, sabemos que teólogos e mesmo papas ensinam que
um papa enquanto indivíduo pode defeccionar da Fé e, destarte, perder
o seu ofício e autoridade.
Uma vez que reconheçamos os erros e males da religião pós-Vaticano II,
duas alternativas então se apresentam:
(1) A Igreja defeccionou.

(2) Homens defeccionaram e perderam seus ofícios e autoridade.


Deparando-se com uma tal escolha, a lógica da fé dita que afirmemos a
indefectibilidade da Igreja, e reconheçamos as defecções dos homens.
Dito de outro modo, nosso reconhecimento de que as mudanças são
falsas, más ou devendo ser rejeitadas é também um reconhecimento
implícito de que os homens que as promulgaram não possuíam realmente a
autoridade da Igreja. Todos os tradicionalistas, alguém poderia dizer
então, são na realidade “sedevacantistas” — apenas nem todos eles
perceberam isso ainda.
Assim a questão da autoridade fica resolvida. Os católicos que estão
lutando para preservar a Fé após a apostasia pós-Vaticano II não têm
absolutamente nenhuma obrigação de obedecer àqueles que perderam sua
autoridade ao adotarem o erro.

Sumário dos Pontos


Um sumário de todo o supra talvez viesse a calhar aqui:
1. Ensinamentos e leis oficialmente sancionados do Vaticano II e pós-
Vaticano II incorporam erros e/ou promovem o mal.
2. Por ser indefectível a Igreja, o ensinamento dela não tem como
mudar, e, por ser ela infalível, as suas leis não têm como dar o mal.
3. Logo, é impossível que os erros e males oficialmente sancionados
nos ensinamentos e leis do Vaticano II e pós-Vaticano II tenham
procedido da autoridade da Igreja.
4. Aqueles que promulgam tais erros e males devem, de algum modo,
carecer de autoridade real na Igreja.
5. Canonistas e teólogos ensinam que a defecção da Fé, assim que se
torna manifesta, traz consigo a automática perda de ofício
eclesiástico (autoridade). Eles aplicam esse princípio até mesmo a um
papa que, a título pessoal, de algum modo se tornasse herege.
6. Mesmo papas reconheceram a possibilidade de que um herege um dia
acabasse no trono de Pedro. Paulo IV decretou que a eleição de um papa
assim seria inválida, e que este careceria de toda a autoridade.
7. Dado que a Igreja não tem como defeccionar, mas um papa enquanto
indivíduo tem como defeccionar (assim como, a fortiori, podem
defeccionar os bispos diocesanos), a melhor explicação para os erros e
males pós-Vaticano II listados acima é a de que estes procederam
(procedem) de indivíduos que, apesar de sua ocupação do Vaticano e das
diversas catedrais diocesanas, não possuíam (possuem) objetivamente
autoridade canônica.

* * * * *

Demonstramos amplamente aqui ser contra a Fé Católica asseverar que a


Igreja pode ensinar erro ou promulgar leis más. Mostramos também que o
Vaticano II e suas reformas deram-nos erros que vão contra a doutrina
católica e leis más que são adversas à salvação das almas.
Logo, a Fé mesma obriga-nos a afirmar que os que ensinaram esses erros
ou promulgaram essas leis más, não importa que aparência de autoridade
possam ter, não possuem realmente a autoridade da Igreja Católica.
Somente assim a indefectibilidade da Igreja Católica é preservada.
Devemos, pois, como católicos que afirmamos que a Igreja é
indefectível e infalível, rejeitar e repudiar as alegações de que
Paulo VI e sucessores tenham sido verdadeiros papas.
Em compensação, deixamos para a autoridade da Igreja, quando ela
voltar a funcionar de maneira normal, declarar com autoridade que
esses supostos papas foram não-papas. Nós, como simples sacerdotes,
não podemos, afinal de contas, fazer julgamentos autoritativos, quer
legais ou doutrinais, que vinculem as consciências dos fiéis.
Nós, católicos tradicionais, por fim, não fundamos uma nova religião,
mas estamos meramente empenhados numa “ação de contenção” para
preservar a Fé e o culto católico até dias melhores. Entrementes, esse
objetivo será servido se abordarmos questões difíceis com solicitude
não somente pelos princípios teológicos, como também pela virtude
teológica da caridade.

_____
Apêndice 1

Heresia e Perda de Ofício Papal


Pode parecer surpreendente para os católicos que aprenderam a doutrina
da infalibilidade papal que um papa, como docente privado, possa no
entanto cair em heresia e automaticamente perder seu ofício.
Para que não se pense que esse princípio é uma fantasia inventada por
“fanáticos” tradicionalistas, ou, quando muito, apenas uma opinião
minoritária exprimida por um ou dois autores católicos obscuros,
reproduzimos alguns textos de Papas, Santos, canonistas e teólogos.
Os leitores leigos podem não estar familiarizados com os nomes de
Coronata, Iragui, Badii, Prümmer, Wernz, Vidal, Beste, Vermeersch,
Creusen e Regatillo. Esses sacerdotes foram autoridades
internacionalmente reconhecidas em seus campos antes do Vaticano II.
Nossas citações são tomadas de seus maciços tratados de Direito
Canônico e Teologia Dogmática.

Matthaeus Conte a Coronata (1950) “III. Designação para o ofício do


Primado [i.e. o Papado].
1.º O que é exigido por lei divina para essa designação: (a) É preciso
que a designação seja de um homem que desfruta do uso da razão; e
isto, no mínimo, devido à ordenação que o Primaz deve receber para
possuir o poder de Ordens Sacras. De fato, isso é necessário para a
validade da designação.
Também necessário para a validade é que a designação seja de um membro
da Igreja. Os hereges e os apóstatas (ao menos os publicamente tais)
ficam, portanto, excluídos.” …
“2.º Perda de ofício do Romano Pontífice. Isso pode acontecer de
várias maneiras: …
c) Heresia notória. Certos autores negam a hipótese de que o Romano
Pontífice possa de fato tornar-se herege.
Não se pode provar, contudo, que o Romano Pontífice, como doutor
privado, não possa tornar-se herege; por exemplo, caso ele negasse
contumazmente um dogma anteriormente definido. Tal impecabilidade
nunca foi prometida por Deus. Com efeito, o Papa Inocêncio III admite
expressamente que um caso desses é possível.
Se de fato uma tal situação acontecesse, ele [o Romano Pontífice]
cairia, por lei divina, do ofício sem sentença alguma, com efeito, sem
nem mesmo uma sentença declaratória. Aquele que professa abertamente a
heresia põe-se a si próprio fora da Igreja, e não é provável que
Cristo fosse preservar o Primado de Sua Igreja em alguém tão indigno.
Por isso, se o Romano Pontífice viesse a professar heresia, antes de
toda e qualquer sentença condenatória (a qual seria impossível mesmo)
ele perderia a autoridade dele.”

Institutiones Iuris Canonici, Roma: Marietti 1950. 1:312, 316. (Grifos


meus.)

Papa Inocêncio III (1198) “Para esse fim, a fé me é tão necessária


que, embora eu tenha pelos demais pecados a Deus somente por meu juiz,
é unicamente por pecado cometido contra a fé que eu posso ser julgado
pela Igreja. Pois ‘aquele que não crê, já está julgado’.” Sermo 2: In
Consecratione PL 218:656.
“Vós sois o sal da terra… Menos ainda pode gabar-se o Romano
Pontífice, pois ele pode ser julgado pelos homens — ou melhor, ser
mostrado como já julgado —, caso ele manifestamente ‘perca seu sabor’
na heresia. Pois quem não crê já está julgado.” Sermo 4: In
Consecratione PL 218:670.

Sto. Antonino (†1459) “No caso em que o papa se tornasse herege, ele
se encontraria, por este único fato e sem qualquer sentença ulterior,
separado da Igreja. Uma cabeça separada de um corpo não tem como,
enquanto permanecer separada, ser cabeça do mesmo corpo do qual foi
cortada.
Um papa que estivesse separado da Igreja por heresia, portanto,
deixaria por esse próprio fato de ser o cabeça da Igreja. Ele não tem
como ser herege e permanecer Papa, porque, estando fora da igreja, ele
não pode possuir as chaves da Igreja.”

Summa Theologica, citada nas Atas do Vaticano I. V. Frond pub.

Papa Paulo IV (1559) “Ademais, se em algum tempo vier a suceder que


algum bispo (mesmo um que atue como arcebispo, patriarca ou primaz),
ou um cardeal da Igreja de Roma, ou um legado (como foi mencionado
acima), ou mesmo um Romano Pontífice (quer seja antes de sua promoção
a cardeal ou antes de sua eleição para ser o Romano
Pontífice) tivesse previamente se desviado da Fé Católica ou caído em
alguma heresia, [Nós estipulamos, decretamos e definimos]:
— Tal promoção ou eleição é, por si mesma, ainda que com o acordo e o
consentimento unânime de todos os cardeais, nula, legalmente inválida
e sem nenhum efeito.
— Não será possível que uma tal promoção ou eleição venha a ser
considerada válida ou a adquirir validez, nem pela recepção do ofício,
consagração, subsequente administração, ou posse, nem sequer mediante
a putativa entronização de um Romano Pontífice, juntamente da
veneração e obediência a ele prestadas por todos.
— Tal promoção ou eleição não será, independentemente do tempo
transcorrido na sobredita situação, considerada nem sequer
parcialmente legítima, de modo algum….
— Todos e cada um dos pronunciamentos, atos, leis, nomeações por parte
daqueles assim promovidos ou eleitos — e, de fato, tudo o que daí
derivar, seja o que for — carecerá de vigor, e não outorgará nenhuma
estabilidade nem poder legal nenhum a quem quer que seja.
— Aqueles assim promovidos ou eleitos, por esse fato mesmo e sem que
haja necessidade de que seja feita qualquer declaração ulterior,
estarão destituídos de toda e qualquer dignidade, posto, honra,
título, autoridade, ofício e poder.”

Bula Cum ex Apostolatus Officio. 16 de fevereiro de 1559.

S. Roberto Bellarmino (1610) “Um papa que é herege manifesto deixa


automaticamente (per se) de ser papa e cabeça, assim como ele deixa
automaticamente de ser cristão e membro da Igreja. Por isso, ele pode
ser julgado e punido pela Igreja. Esse é o ensinamento de todos os
antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem
imediatamente toda a jurisdição.” De Romano Pontifice. II.30.

Sto. Afonso de Ligório (†1787) “Se acontecer de um papa, como pessoa


privada, cair em heresia, ele de imediato cairia do pontificado.”
Oeuvres Complètes. 9:232

Vaticano I (1869), Serapius Iragui (1959) “O que se diria se o Romano


Pontífice se tornasse herege? No Primeiro Concílio do Vaticano, a
seguinte questão foi proposta: o Romano Pontífice enquanto pessoa
particular pode ou não pode cair em heresia manifesta?
A resposta foi então: ‘Firmemente confiantes na Providência
sobrenatural, pensamos que tais coisas muito provavelmente jamais
ocorrerão. Mas Deus não falha nos tempos de necessidade. Por isso, se
Ele próprio permitisse um mal desses, os meios para lidar com ele não
faltariam.’ [Mansi 52:1109]
Os teólogos respondem da mesma forma. Não podemos provar a
improbabilidade absoluta de uma tal eventualidade [absolutam
repugnantiam facti]. Por essa razão, os teólogos comumente concedem
que o Romano Pontífice, se viesse a cair em heresia manifesta,
deixaria de ser membro da Igreja e, por isso, não poderia tampouco ser
chamado de seu cabeça visível.” Manuale Theologiae Dogmaticae. Madrid:
Ediciones Studium 1959, 371.

J. Wilhelm (1913) “O próprio papa, se notoriamente culpado de heresia,


deixaria de ser papa, porque deixaria de ser membro da Igreja.”
Catholic Encyclopedia. New York: Encyclopedia Press 1913. 7:261.

Caesar Badii (1921) “c) A lei atualmente em vigor para a eleição do


Romano Pontífice reduz-se a estes pontos: …
Excluídos como incapazes de ser validamente eleitos são os seguintes:
mulheres, crianças que não chegaram à idade da razão, aqueles que
sofrem de insanidade habitual, os não batizados, os hereges e
cismáticos….”
“Cessação do poder pontifício. Este poder cessa: … (d) Por heresia
notória e amplamente divulgada. Um papa publicamente herege não mais
seria membro da Igreja; por essa razão, ele não poderia mais ser sua
cabeça.” Institutiones Iuris Canonici. Florença: Fiorentina 1921. 160,
165. (Grifos dele.)

Dominic Prümmer (1927) “O poder do Romano Pontífice perde-se: …


(c) Por insanidade perpétua ou por heresia formal. E isso no mínimo
provavelmente…
Os autores, com efeito, ensinam comumente que um papa perde o seu
poder por heresia certa e notória, mas se tem o direito de duvidar
acerca de se este caso é ou não é realmente possível.
Baseando-se na suposição, todavia, de que um papa possa cair em
heresia como pessoa particular (pois, como papa, ele não poderia errar
na fé, pois seria infalível), vários autores elaboraram diferentes
respostas acerca de como ele seria, então, privado de seu poder.
Nenhuma das respostas, sem embargo, ultrapassa os limites da
probabilidade.” Manuale Iuris Canonci. Fribourg in Briesgau: Herder
1927. 95. (Grifos dele.)

F.X. Wernz, P. Vidal (1943) “Por heresia notória e abertamente


divulgada, o Romano Pontífice, se cair em heresia, por esse fato mesmo
[ipso facto] é considerado privado de seu poder de jurisdição mesmo
antes de qualquer sentença declaratória da Igreja…. Um Papa que cai em
heresia pública deixaria ipso facto de ser membro da Igreja; logo, ele
também deixaria de ser o cabeça da Igreja.” Ius Canonicum. Roma:
Gregoriana 1943. 2:453.

Udalricus Beste (1946) “Não poucos canonistas ensinam que, fora da


morte e da abdicação, a dignidade pontifícia pode ser perdida também
caindo numa certa e insana alienação da mente, que é legalmente
equivalente à morte, assim como por heresia manifesta e notória. Neste
último caso, um papa cairia automaticamente de seu poder, e isso, com
efeito, sem a emissão de nenhuma sentença, pois a primeira Sé [i.e., a
Sé de Pedro] não é julgada por ninguém.
A razão disso é que, ao cair em heresia, o papa deixa de ser membro da
Igreja. Aquele que não é membro de uma sociedade, obviamente, não tem
como ser o cabeça dela. Não logramos encontrar exemplo algum disso na
história.” Introductio in Codicem. 3.ª ed. Collegeville: St. John’s
Abbey Press 1946. Cânon 221.

A. Vermeersch, I. Creusen (1949) “O poder do Romano Pontífice cessa


por morte, livre renúncia (que é válida sem necessidade de qualquer
aceitação, c. 221), certa e inquestionável insanidade perpétua, e
heresia notória.
Ao menos conforme o ensinamento mais comum, o Romano Pontífice como
mestre privado pode cair em heresia manifesta. Aí então, sem nenhuma
sentença declaratória (pois a suprema Sé não é julgada por ninguém),
ele automaticamente [ipso facto] cairia de um poder que todo aquele
que deixou de ser membro da Igreja é incapaz de possuir.” Epitome
Iuris Canonici. Roma: Dessain 1949. 340.

Eduardus F. Regatillo (1956) “O Romano Pontífice cessa no ofício:


… (4) Por heresia pública notória? Cinco respostas foram dadas:
“1. ‘O papa não tem como ser herege nem sequer como doutor privado.’
Isso é piedoso, mas existe pouco fundamento em seu favor.
“2. ‘O papa perde o ofício mesmo por heresia secreta.’ Falso, pois um
herege secreto pode ser membro da Igreja.
“3. ‘O papa não perde o ofício por heresia pública.’ Improvável.
“4. ‘O papa perde o ofício por sentença judicial em razão de heresia
pública.’ Mas quem proferiria a sentença? A primeira Sé não é julgada
por ninguém (Cânon 1556).
“5. ‘O papa perde o ofício ipso facto em razão de heresia pública.’
Este é o ensinamento mais comum, pois ele não seria membro da Igreja
e, assim, menos ainda poderia ser cabeça dela.” Institutiones Iuris
Canonici. 5.ª ed. Santander: Sal Terrae, 1956. 1:396. (Grifos dele.)

Apêndice 2

Heresia: O Pecado vs. o Crime


Alguns escritores levantaram a seguinte objeção: Ninguém pode se
tornar um verdadeiro herege a não ser que, antes, a autoridade da
Igreja o advirta ou admoeste de que ele está rejeitando um dogma.
Somente depois disso tem ele a “pertinácia” (teimosia na crença falsa)
que se exige para a heresia. Ninguém emitiu advertências aos papas
pós-conciliares sobre seus erros, logo eles não são pertinazes. Assim,
eles não podem ser verdadeiros hereges.
Esse argumento confunde uma distinção que os canonistas fazem entre
dois aspectos da heresia:
(1) Moral: A heresia como pecado (peccatum) contra a lei divina.

(2) Canônico: A heresia como crime (delictum) contra a lei canônica.


A distinção moral/canônico é fácil de apreender aplicando-a ao aborto.
Há dois aspectos sob os quais podemos considerar o aborto:
(1) Moral: Pecado contra o 5.º Mandamento que resulta na perda da
graça santificante.

(2) Canônico: Crime contra o cânon 2350.1 do Código de Direito


Canônico que resulta em excomunhão automática.
Em caso de heresia, as advertências só entram em cena para o crime
canônico de heresia. Elas não são necessárias como condição para
cometer o pecado de heresia contra a lei divina.
O canonista A. Michel traça a clara distinção para nós: “A pertinácia
não inclui necessariamente obstinação prolongada pelo herege e
advertências pela Igreja. Uma condição para o pecado de heresia é uma
coisa; uma condição para o crime canônico de heresia, punível por leis
canônicas, é outra coisa.” (Michel, “Hérésie”, in DTC 6:2222)
É o pecado público de heresia nesse sentido, por parte de um papa, que
o despoja da autoridade de Cristo. “Se de fato uma tal situação
acontecesse”, disse o canonista Coronata, “ele [o Romano Pontífice]
cairia, por lei divina, do ofício sem sentença alguma.” (Ver acima)

Apêndice 3

A Missa Nova Veio da Igreja?


Notamos acima que a Missa Nova sendo protestante, irreverente,
sacrílega ou, de resto, prejudicial à Fé Católica ou à salvação das
almas, ela não tem como vir da autoridade da Igreja, pois a
infalibilidade da Igreja se estende às leis disciplinares universais,
incluindo as leis litúrgicas. Seguem algumas citações de teólogos
explicando esse ensinamento.
O termo “universal” refere-se ao território onde a lei se aplica (por
toda parte vs. uma área geográfica limitada), não ao rito (latino vs.
oriental). (ver Prümmer, Man. Jus. Can., 4)
A maioria dos teólogos cita o anátema de Trento (também citado aqui)
contra quem diz que as cerimônias da Igreja Católica são “incentivos à
impiedade”.
“Incentivos à impiedade”, a maioria dos católicos provavelmente
concordaria, é provavelmente a melhor descrição em três palavras que
se pode encontrar para os ritos e orações do Novus Ordo de Paulo VI.
Nada mais fez que erodir a fé, promover o erro e progressivamente
esvaziar nossas igrejas. O homem que promulgou um rito desses não
tinha como, portanto, ter possuído a autoridade de Pedro.

Concílio de Trento (1562) “Se alguém disser que cerimônias, ornamentos


e sinais exteriores que a Igreja Católica utiliza na celebração das
Missas são antes incentivos à impiedade que um serviço à piedade: seja
anátema.” Cânones sobre a Missa, 17 de setembro de 1562. Denzinger
954.

J. Herrmann (1908) “A Igreja é infalível na sua disciplina geral. Pelo


termo disciplina geral entendem-se as leis e práticas que pertencem à
ordenação externa da Igreja toda. Tais seriam aquelas coisas que se
referem ou ao culto exterior, como a liturgia e as rubricas, ou à
administração dos sacramentos, como a Comunhão sob uma espécie….
A Igreja na sua disciplina geral, todavia, é dita infalível no
seguinte sentido: que não se pode encontrar nada nas suas leis
disciplinares que vá contra a Fé ou os bons costumes, ou que possa
tender [vergere] seja ao detrimento da Igreja ou ao prejuízo dos
fiéis.
Que a Igreja é infalível na sua disciplina segue-se da própria missão
dela. A missão da Igreja é preservar a fé integral e conduzir as
pessoas à salvação ensinando-as a preservar tudo o que Cristo ordenou.
Mas se ela fosse capaz de prescrever, ordenar ou tolerar na disciplina
dela alguma coisa contrária à fé e moral, ou algo que tendesse ao
detrimento da Igreja ou ao prejuízo dos fiéis, a Igreja se afastaria
de sua missão divina, ou que é impossível.”

Institutiones Theologiae Dogmaticae. 4.ª ed. Roma: Della Pace 1908.


1:258.

A. Dorsch (1928) “A Igreja é também, com direito, considerada


infalível nos seus decretos disciplinares…
Por decretos disciplinares entende-se tudo aquilo que pertence ao
governo da Igreja, na medida em que este se distingue do magistério.
Faz-se referência aqui, então, às leis eclesiásticas que a Igreja
estipulou para a Igreja universal para regrar o culto divino ou para
dirigir a vida cristã.” Insitutiones Theologiae Fundamentalis.
Innsbruck: Rauch 1928. 2:409.

R.M. Schultes (1931) “A Infalibilidade da Igreja ao Estatuir Leis


Disciplinares.
As leis disciplinares são definidas como ‘leis eclesiásticas emanadas
para dirigir a vida e o culto cristãos.’…
A questão de se a Igreja é ou não é infalível ao promulgar uma lei
disciplinar refere-se à substância das leis disciplinares universais;
isto é, se estas leis podem ou não ser contrárias a um ensinamento de
fé ou costumes, e, assim, prejudicar espiritualmente os fiéis…
Tese. A Igreja, ao estabelecer leis universais, é infalível no que se
refere à substância delas.
A Igreja é infalível em questões de fé e moral. Mediante as leis
disciplinares, a Igreja ensina sobre questões de fé e moral, não
doutrinariamente ou de maneira teórica, mas de modo prático e eficaz.
Uma lei disciplinar, portanto, envolve um juízo doutrinal…
A razão, pois, e o fundamento da infalibilidade da Igreja na sua
disciplina geral é a íntima conexão que existe entre as verdades de fé
ou moral e as leis disciplinares.
A matéria principal das leis disciplinares é a seguinte: a) o culto…”

De Ecclesia Catholica. Paris: Lethielleux 1931. 314-7.

Valentino Zubizarreta (1948) “Corolário II. Na promulgação de leis


disciplinares para a Igreja universal, a Igreja é igualmente
infalível, de tal maneira que ela nunca legislará algo que contradiga
à verdadeira fé ou aos bons costumes.
A disciplina da Igreja é definida como ‘aquela legislação ou conjunto
de leis que orientam os homens sobre como cultuar a Deus corretamente
e como viver uma boa vida cristã’…
Prova do Corolário. Ficou demonstrado acima que a Igreja se beneficia
da infalibilidade naquelas coisas que concernem à fé e a moral, ou que
são necessariamente exigidas para a preservação da fé e moral. As leis
disciplinares, prescritas pela Igreja universal para cultuar a Deus e
corretamente promover uma boa vida cristã, estão implicitamente
reveladas em matéria de moral, e são necessárias para preservar a fé e
os bons costumes. Logo, o Corolário está provado.”

Theologia Dogmatico-Scholastica. 4.ª ed. Vitoria: El Carmen 1948.


1:486.

Serapius Iragui (1959) “Além daquelas verdades reveladas em si mesmas,


o objeto da infalibilidade do magistério inclui outras verdades que,
se bem que não reveladas, são todavia necessárias para preservar
integralmente o depósito da Fé, para explicá-lo corretamente e
eficazmente defini-lo…
D) Decretos Disciplinares. Esses decretos são leis eclesiásticas
universais que governam a vida cristã dos homens e o culto divino.
Mesmo que a faculdade de estabelecer leis pertença ao poder de
jurisdição, sem embargo o poder de magistério é considerado nessas
leis sob outro aspecto especial, na medida em que não pode haver nada
nessas leis que seja oposto à lei natural ou positiva. Sob esse
aspecto, podemos dizer que o julgamento da Igreja é infalível…
1°) Isso é exigido pela natureza e finalidade da infalibilidade, pois
a Igreja infalível deve conduzir seus súditos à santificação mediante
uma correta exposição da doutrina. Com efeito, se a Igreja em seus
decretos universalmente vinculantes impusesse falsa doutrina, por esse
fato mesmo os homens seriam desviados da salvação, e ficaria ameaçada
a própria natureza da verdadeira Igreja.
Tudo isso, contudo, repugna à prerrogativa da infalibilidade, com que
Cristo dotou Sua Igreja. Logo, quando a Igreja estabelece leis
disciplinares, ela necessariamente é infalível.”

Manuale Theologiae Dogmaticae. Madrid: Ediciones Studium 1959. 1:436,


447.

Joachim Salaverri (1962) “3) Acerca dos decretos disciplinares em


geral, que são por sua finalidade [finaliter] conexos com as coisas
que Deus revelou.
A. A finalidade do Magistério infalível exige a infalibilidade para os
decretos desse tipo….
Especificamente, que a Igreja reivindique para si própria a
infalibilidade nos decretos litúrgicos se demonstra pela lei que os
Concílios de Constança e de Trento solenemente estatuíram acerca da
comunhão eucarística sob uma espécie.
Também se pode provar isso copiosamente por outros decretos, pelos
quais o Concílio de Trento confirmou solenemente os ritos e cerimônias
empregados na administração dos sacramentos e na celebração da Missa.”

Sacrae Theologiae Summa. 5.ª ed. Madrid: BAC 1962. 1: 722, 723.
Apêndice 4

Uma Vacância Prolongada da Santa Sé


Alguns tradicionalistas apresentaram outra objeção: o Vaticano I
ensinou que São Pedro teria “perpétuos sucessores” no Primado. (DZ
1825) Não significa isso que seria impossível a Igreja ficar sem um
verdadeiro Papa por um tempo tão longo — desde o Vaticano II, na
década de 1960, como você parece dizer?
Não. A definição do Vaticano I se dirigia, na realidade, contra os
hereges que ensinavam que o poder especial recebido de Cristo por São
Pedro morreu com ele e não foi transmitido aos seus sucessores, os
Papas. “Perpétuos sucessores” significa que o ofício do Primado é
perpétuo: não limitado a Pedro, mas, sim, “um poder que perdurará
perpetuamente até ao fim do mundo.” (Salaverri, de Ecclesia 1:385)
Mas esse ofício papal pode ficar vacante por um longo tempo sem se
tornar extinto ou mudar a natureza da Igreja. Eis a explicação:
A. Dorsch (1928) “A Igreja, portanto, é uma sociedade essencialmente
monárquica. Mas isso não impede que a Igreja, por um breve intervalo
após a morte de um Papa, ou mesmo por muitos anos, permaneça
destituída do seu cabeça. A forma monárquica da Igreja permanece
intacta também nesse estado….
Assim a Igreja fica, então, realmente um corpo decapitado…. Sua forma
monárquica de governo permanece, embora então de um modo diferente;
isto é, permanece incompleta e a ser completada. A ordenação do todo à
submissão ao Primaz dela está presente, muito embora a submissão em
ato não esteja…
Por essa razão, é corretamente que se afirma que a Sé de Roma
permanece, depois que morre a pessoa que nela se assenta: pois a Sé de
Roma consiste essencialmente nas prerrogativas do Primaz. Essas
prerrogativas são um elemento essencial e necessário da Igreja. Com
elas, ademais, o Primado continua nesse ínterim, ao menos moralmente.
Já a perene presença física da pessoa do cabeça, porém, não é da mesma
estrita necessidade.” (de Ecclesia 2:196-7).

Apêndice 5

Onde Vamos Conseguir um Verdadeiro Papa?


Se os papas pós-Vaticano II não são verdadeiros papas, como poderia a
Igreja um dia obter um papa verdadeiro novamente? Eis algumas teorias:
1. Direta Intervenção Divina. Esse cenário encontra-se nos escritos de
alguns místicos aprovados.
2. A Tese Material/Formal. Sustenta esta que, se um papa pós-Vaticano
II renunciasse publicamente às heresias da Igreja Pós-Conciliar, ele
automaticamente se tornaria um verdadeiro papa.
3. Um Concílio Geral Imperfeito. O teólogo Caetano (1469–1534) e
outros ensinam que, se o Colégio dos Cardeais ficasse extinto, o
direito de eleger um Papa passaria para o clero de Roma, e depois para
a Igreja universal. (de Comparatione 13, 742, 745)
Cada uma dessas teorias parece apresentar algumas dificuldades. Mas
isso não deve surpreender, pois a solução exata de um problema incomum
na Igreja nem sempre pode ser prevista de antemão.
Pode-se ver isto pelo seguinte comentário na Catholic Encyclopedia de
1913: “Não existe nenhuma provisão canônica que regule a autoridade do
Colégio dos Cardeais sede Romana impedita, i.e. em caso de o papa
ficar insano, ou pessoalmente herege; em casos tais, seria necessário
consultar os ditames da reta razão e os ensinamentos da história.”
(“Cardinal”, CE 3:339)
Além disso, uma incapacidade no presente de determinar exatamente como
outro verdadeiro papa seria escolhido no futuro não transforma, de
algum modo, Paulo VI e sucessores em verdadeiros papas “por tabela”.
Nem altera aquilo que que nós já sabemos: que os papas pós-conciliares
promulgaram erros, heresias e leis más; que um herege não tem como ser
papa; e que promulgar leis más é incompatível com possuir a autoridade
de Jesus Cristo.
Insistir, apesar disso, que os papas pós-conciliares têm que ser
verdadeiros papas cria um problema insolúvel para a indefectibilidade
da Igreja — os representantes de Cristo ensinam o erro e dão o mal.
Enquanto que uma longa vacância da Santa Sé, como se observou no
Apêndice 4, não é contrária à indefectibilidade ou à natureza da
Igreja.

Bibliografia
Badii, C. Institutiones Iuris Canonici. Florença: Fiorentina 1921.
Bellarmino, Roberto. De Romano Pontifice. De Controversiis, Opera
Omnia, t.1. Nápoles: Giuliano 1836.
Beste, U. Introductio in Codicem. 3.ª ed. Collegeville: St. John’s
Abbey Press 1946.
Cajetano, T. de Vio. De Comparatione Auctoritatis Papae et Concilii.
Roma: Angelicum 1936.
Coronata, M. Conte a. Institutiones Iuris Canonici. Roma: Marietti
1950.
Corridan, James A. et al. editores. The Code of Canon Law: A Text and
Commentary commissioned by the Canon Law Society of America. New York:
Paulist 1985.
Dorsch, A. Insitutiones Theologiae Fundamentalis. Innsbruck: Rauch
1928.
Herrmann, J. Institutiones Theologiae Dogmaticae. 4.ª ed. Roma: Della
Pace 1908.
Iragui, S. Manuale Theologiae Dogmaticae. Madrid: Ediciones Studium
1959.
Inocêncio III, Papa. In Consecratione: Sermo 2 (PL 216:654–60) e Sermo
4 (PL 218:665–72)
Michel, A. “Hérésie, Hérétique”, in Dictionnaire de Théologie
Catholique. Paris: Letouzey 1913–50.
Paulo IV, Papa. Bula Cum ex Apostolatus Officio. 16 de fevereiro de
1559.
Prümmer, D. Manuale Iuris Canonci. Fribourg in Briesgau: Herder 1927.
Regatillo, E. Institutiones Iuris Canonici. 5.ª ed. Santander: Sal
Terrae, 1956.
Sägmüller, J.B.. “Cardinal”, Catholic Encyclopedia. New York: Appleton
1913. 3:333-41.
Salaverri, J. Sacrae Theologiae Summa. 5.ª ed. Madrid: BAC 1962.
Schultes, R.M. De Ecclesia Catholica. Paris: Lethielleux 1931.
Van Noort, G. Dogmatic Theology. Westminster MD: Newman 1959.
Vermeersch, A., I. Creusen. Epitome Iuris Canonici. Roma: Dessain
1949.
Wernz, F.X., P. Vidal. Ius Canonicum. Roma: Gregoriana 1943.
Wilhelm, J. “Heresy”, Catholic Encyclopedia. New York: Encyclopedia
Press 1913.
Zubizarreta, V. Theologia Dogmatico-Scholastica. 4.ª ed. Vitoria: El
Carmen 1948.
(Internet, Janeiro de 2006)

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Os Tradicionalistas, a Infalibilidade e o
Papa, 1995/2006, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue
Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1z2
de: “Traditionalists, Infallibility and the Pope”, 2006, em:
www.traditionalmass.org/images/articles/TradInfallPope.pdf
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Bento XVI, Doutrina, Latrocínio Vaticano II, Método, Sedevacantismo.
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12 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CLXX”
1. N. B. Guarinelo Disse:

31 outubro 2012 às 6:50


Um dos melhores resumos que já li acerca da questão moderna do
Sedevacantismo, jamais refutado pelos trad’s sedeplenistas.
Efetivamente, essa tradução vem abrilhantar ainda mais esse blog.
Parabéns!
2. Alexandre Disse:

1 novembro 2012 às 6:00


Um interessante artigo, de muito proveito, como outrossim os que
explicitam a validade dos sacramentos.
Vale para vocês, muito mais para o impertinente Sandro de Pontes, o
que bem escreve o Padre Cekada, e o que outrora semelhantemente
escreveu o Padre Belmont: “Em compensação, deixamos para a autoridade
da Igreja, quando ela voltar a funcionar de maneira normal, declarar
com autoridade que esses supostos papas foram não-papas. Nós, como
simples sacerdotes, não podemos, afinal de contas, fazer julgamentos
autoritativos, quer legais ou doutrinais, que vinculem as consciências
dos fiéis.”
Logo, o sedevacantismo é opinião pessoal, não podendo se impor nem
injuriar como indignos ou não católicos os que não se apoiam nisto.
Portanto, que alguns mudem de postura. Seria de muito maior força, se
assim fosse, para apoiar o que escrevem.
Saudações marianas.
Alexandre Fernandes jmjtj+
3. Alexandre Disse:

5 novembro 2012 às 19:56


Vivam Cristo e Maria!
Prezado Felipe,
Relendo o texto, questiono: não seria temerário afirmar-se
sedevancatista? Por que?
Porque a interpretação correta sobre a questão do papado não depende
das teorias de especialistas, por mais doutos e piedosos que sejam. A
interpretação correta sobre a questão do papado depende inteiramente
da autoridade de Deus e de Sua Santa Madre Igreja. Portanto, isto se
fará pelo Magistério da Igreja, e não pela opinião de teólogos, por
mais abalizados que sejam os seus argumentos.
Ademais, chega-se a seguinte conclusão: o texto acerta quando
reconhece que há uma crise na Igreja, mas os princípios com os quais
considera esses fatos estão equivocados e, por consequência, erra
quando tira conclusões disso.
Um primeiro ponto é que o autor tem uma noção equivocada do
Magistério. Todo autor sério sempre mostrou que a autoridade de um
teólogo, ou de muitos teólogos, não se equipara com a autoridade da
própria Igreja quando ensina. As “notas teológicas” (os graus de
autoridade) são muito distintos.
O texto é principalmente de teologia positiva, não se baseando tanto
em silogismos teológicos (premissa de razão + premissa revelada =
conclusão teológica), senão em citações de muitos autores.
O autor cita a opinião de muitos autores e, com isso, conclui que “A
única explicação para esses erros e males que preserva as doutrinas da
indefectibilidade e da infalibilidade da Igreja é a de que os clérigos
que os promulgaram perderam de algum modo como indivíduos a
autoridade…”. (Há um erro aqui: não é a “única” explicação, mas
gostaria de chamar atenção a outro fato: a autoridade do Magistério.)
O autor equipara a autoridade de muitas citações de autores
importantes à autoridade do Magistério, e isso é inaceitável.
Quando um teólogo fala, é a voz de um teólogo. Quando a Igreja docente
fala, é a voz de Cristo: “Quem vos escuta, a Mim escuta”.
Concordamos que é escandaloso o que os Papas conciliares fazem e
ensinam. Mas a afirmação de que por isso perderam a autoridade é algo
que não temos como solucionar: os teólogos dão sua opinião, mas não há
definição do Magistério que dê certeza sobre o tema.
Um católico não é homem de opinião, é homem da verdade.
Não podemos agir positivamente baseados em opiniões: precisamos pelo
menos de certeza moral. Não há nenhuma declaração do Magistério
definindo o assunto, que não é simples.
A opinião dos teólogos ajudar a formar uma opinião em nós, mas a
opinião deles não é causa proporcionada de certeza em nós. A opinião
de teólogos, ainda que sejam 1000, ainda que sejam doutores, não se
equipara à autoridade do Magistério. Isso é fundamental para um
católico, e o autor se equivoca quando equipara ambos (teólogos e
Magistério).
Basta, para dar um exemplo, ver a opinião de um teólogo
importantíssimo, Santo Tomás: ele duvidava da Imaculada Conceição. Sua
opinião é fundamental, é um doutor da Igreja. Mas no dia em que o
Magistério definiu o dogma da Imaculada Conceição, a opinião de um
grande teólogo não podia mais ser seguida: temos a certeza da Igreja.
Não se compara a autoridade de um teólogo com a autoridade da Igreja.
Nesse ponto, o autor do texto erra grosseiramente, pois ele extrai uma
certeza de onde não há mais que opinião teológica.
Nossa certeza vem de Cristo e da sua Igreja, os quais nunca resolveram
terminantemente as questões que pendem sobre o tema.
Em resumo, há um erro sobre a noção de Magistério (o que é o
Magistério e qual sua autoridade) e sobre a autoridade dos teólogos
(equiparada à do Magistério).
Outro erro grave, porém mais visível, é sobre a infalibilidade.
O autor afirma que alguns tradicionalistas dizem que os atos do
Magistério são dogmáticos (e portanto, infalíveis) ou, se não forem
dogmáticos, então são falíveis. Ele diz que isso está errado: em parte
ele tem razão, isso é errado mesmo. Mas ele afirma o extremo oposto:
todo ato do Magistério é absolutamente infalível. De um excesso,
passou a outro. E ele exagera de modo notável: se o Concílio Vaticano
I deu condições ao falar da infalibilidade (4 condições), então, é
absurdo querer afirmar categoricamente infalibilidade onde o Concílio
explicitamente não afirmou, ou seja, infalibilidade absoluta em tudo
(decretos disciplinares e leis).
Os membros que trabalharam no Concílio Vaticano I, ao explicarem sobre
a infalibilidade, afirmam algo mais preciso: o grau de infalibilidade
está de acordo com a autoridade empregada. Se o Papa afirma com sua
autoridade querendo impor, não pode se equivocar. Se ele afirma com
certa autoridade sem cumprir com aquelas condições, realmente há certa
infalibilidade e assistência do Espírito Santo para que não possa
errar quanto ao essencial, ainda que possa haver imprecisões quanto
aos detalhes.
Saudações marianas.
Alexandre jmjtj+
4. Felipe Coelho Disse:

5 novembro 2012 às 23:52


Caro Alexandre, Salve Maria.
Antes de tudo, saiba que, entre seu primeiro e segundo comentários,
meus bons amigos Sandro e Aruan responderam com veemência tanto à sua
acusação injustíssima, como também à sua extrema confusão doutrinal
acerca da infalibilidade da Igreja e das obrigações dos católicos.
Não publiquei as respostas deles, porque queria lhe responder
pessoalmente.
Sem querer desculpar minha extensa demora, vejo agora por este seu
segundo comentário que o Bom Deus, em Sua infinita misericórdia, tirou
um grande bem do mal de minha negligência em responder logo a tamanha
insensatez, de modo que esse silêncio talvez culpavelmente prolongado
acabe se mostrando, quem sabe, até mesmo providencial, pois foi
ocasião de você expor tão explicitamente e pormenorizadamente a falta
de doutrina e de espírito católico que você carrega por influência,
sobretudo, da fraternidade São Pio X.
Serei bem direto: a infalibilidade das leis eclesiásticas universais
não é “opinião” de teólogos. Nenhum católico é livre de negar essa
infalibilidade, nem sequer de pô-la em dúvida. A negação dessa
infalibilidade é matéria de pecado mortal. (vide o Manual do Pe.
Cartechini para uso do Santo Ofício sob o Papa Pio XII.)
Sendo assim, professar o sedevacantismo como fazemos aqui, longe de
ser

“temeridade”, é uma conclusão sobre a qual se pode ter certeza, tanto mais que, sem ela,
o tradicionalismo sedeplenista como o seu se constitui em escândalo ininterrupto e,
objetivamente, equivale a esbofetear nossa Santa Mãe Igreja com a contínua acusação
de que Ela seria (Deus os perdoe pela terrível blasfêmia!) adúltera.
E me limito aqui a apontar a ofensa à castidade da doutrina, sem
entrar na questão das múltiplas usurpações da Autoridade do Vigário de
Cristo e de Seu Corpo Místico.
Deixo-lhe agora quatro citações do Magistério que condenam as posições
que você acaba de expor, mas que não são suas e, sim, do ambiente
doutrinariamente corrompido e de espírito protestantizante que você
frequenta. Que a Santíssima Virgem, Mãe do Bom Conselho, possa se
utilizar destas quatro verdades para tirar-lhe, de uma vez, as escamas
dos olhos:
(1) Infalível não é somente o que é definido solenemente pelos
Concílios ou pelos Papas falando ex cathedra; igualmente infalível é
tudo aquilo que é ensinado (como contido ou conexo com a Revelação)
pelo magistério ordinário da Igreja docente, composta pelo Papa e
pelos bispos a ele unidos:
Concílio do Vaticano, Dei Filius, 1870, Denzinger 1792:

“Deve-se crer com fé divina e católica tudo o que está contido na


Palavra de Deus escrita ou transmitida e que a Igreja propõe a crer,
por um juízo solene ou por seu magistério ordinário e universal, como
divinamente revelado.”
(2) O que os teólogos concordam em ensinar que é de fé, ainda que
nunca tenha sido definido, é infalível (e não “opinião”):
Papa Pio IX, Tuas Libenter, 1863, Denzinger 1683:

“Pois, ainda que se tratasse daquela submissão que se deve prestar


mediante ato de fé divina, não haveria, porém, que limitá-la às
matérias que foram definidas por decretos expressos dos Concílios
ecumênicos ou dos Romanos Pontífices e desta Sé, mas haveria também
que estender-se às matérias que se ensinam como divinamente reveladas
pelo magistério ordinário da Igreja inteira espalhada pelo mundo e
que, por isso, com universal e comum consentimento são consideradas
pelos teólogos católicos como pertencentes à fé.”
(3) O que os teólogos concordam em ensinar como verdades e conclusões
teológicas, ainda que não infalivelmente ensinadas nem definidas, é de
adesão obrigatória tanto exterior quanto interior (de mente e
vontade):
Papa Pio IX, Tuas Libenter, 1863, Denzinger 1684:

“Mas, como se trata daquela sujeição à qual estão obrigados em


consciência todos os católicos que se dedicam às ciências
especulativas, para que possam trazer com seus escritos novos
proveitos para a Igreja, por essa razão, os homens desse mesmo
congresso devem reconhecer que não basta aos sábios católicos aceitar
e reverenciar os supracitados dogmas da Igreja, mas é também
necessário a eles submeter-se às decisões que, pertencentes à
doutrina, são emanadas das Congregações Pontifícias, bem como àqueles
capítulos de doutrina que, pelo comum e constante sentir dos
católicos, são considerados como verdades e conclusões teológicas, tão
certas que as opiniões contrárias a esses capítulos de doutrina, ainda
que não possam ser chamadas de heréticas, merecem, sem embargo, alguma
censura teológica.”
(Para entender corretamente qual a autoridade dos teólogos e qual o
método teológico católico, ler atentamente: Rev. Pe. Anthony CEKADA, O
Batismo de Desejo e os Princípios Teológicos, 2000,
http://wp.me/pw2MJ-B ).
(4) Golpe de misericórdia. Condenação solene da tese jansenista de que
a Igreja pode promulgar ou permitir uma lei universal (rito litúrgico,
Código de Direito Canônico, etc.) que seja nociva:
Papa Pio VI, Auctorem Fidei (condenação do concílio de Pistoia),
Denzinger 1578:

Uma proposição desse concílio “na medida em que, em razão dos termos
gerais utilizados, ela inclui e submete ao exame prescrito mesmo a
disciplina estabelecida e aprovada pela Igreja, como se a Igreja, que
é regida pelo Espírito de Deus, pudesse constituir uma disciplina não
somente inútil e mais onerosa do que a liberdade cristã pode tolerar,
mas ainda por cima perigosa, nociva, conducente à superstição e ao
materialismo” é condenada como “falsa, temerária, escandalosa,
perniciosa, ofensiva a ouvidos pios, injuriosa à Igreja e ao Espírito
de Deus que a conduz, no mínimo errônea”.
(Para mais citações do Magistério e explicações dos teólogos sobre
essa matéria, cf. Rev. Pe. Hervé BELMONT, Infalibilidade das leis
disciplinares gerais, 2011, http://wp.me/pw2MJ-1jt ).
A.M.D.G.V.M.,

Felipe Coelho.
5. Alexandre Disse:

6 novembro 2012 às 5:42


Vivam Cristo e Maria!
Prezado Felipe,
Em primeiro lugar, peço-lhe, mui gentilmente, que publique as lisonjas
em meu favor de Aruan e Sandro.
Em segundo lugar, se os próprios padres Belmont e Cekada colocam a
aceitação do sedevacantismo no foro privado (não ver isso nas suas
próprias palavras é temerário!), como então você pode afirmar o
contrário: “certeza”, que deve se impor a todos?
Ademais, há uma demasiada não natural força de adequação do item 2 com
o que você propugna, porquanto os teólogos citados pelos sacerdotes
supraindicados não são a maioria dos teólogos.
Proposta: por que você não pesquisa e acrescenta a posição dos que são
contrários? Assim, poderemos fazer uma análise mais coerente e não
enviesada.
Agradecimentos de antemão.
Alexandre jmjtj+
6. Alexandre Disse:

6 novembro 2012 às 6:51


Em tempo: Aliás, não vi nesse blogue quaisquer contestações das
críticas do sedevacantismo publicadas pelo SPES.
http://spessantotomas.blogspot.com.br/search/label/Sobre%20o%20sedevac
antismo
Alexandre jmjtj+
7. Felipe Coelho Disse:

6 novembro 2012 às 12:08


Caro Alexandre, Salve Maria.
Respondo aos seus três itens e por fim ao seu pós-escrito:
1. Ao primeiro, Sandro e Aruan não lhe dirigiram “lisonjas”, eles
apenas responderam de modo veemente aos seus erros e injustiças como
os que expus em meu comentário anterior.
2. Ao segundo ponto que você levanta, para deslindar a confusão
subjacente a ele, começo observando uma coisa muito estranha a
respeito da citação que você fez em seu primeiro comentário aqui;
reproduzo-a agora precedida dos dois parágrafos que a contextualizavam
e que você curiosamente omitiu (destaques meus):
“Demonstramos amplamente aqui ser contra a Fé Católica asseverar que a
Igreja pode ensinar erro ou promulgar leis más. Mostramos também que o
Vaticano II e suas reformas deram-nos erros que vão contra a doutrina
católica e leis más que são adversas à salvação das almas.
Logo, a Fé mesma obriga-nos a afirmar que os que ensinaram esses erros
ou promulgaram essas leis más, não importa que aparência de autoridade
possam ter, não possuem realmente a autoridade da Igreja Católica.
Somente assim a indefectibilidade da Igreja Católica é preservada.
Devemos, pois, como católicos que afirmamos que a Igreja é
indefectível e infalível, rejeitar e repudiar as alegações de que
Paulo VI e sucessores tenham sido verdadeiros papas.
Em compensação, deixamos para a autoridade da Igreja, quando ela
voltar a funcionar de maneira normal, declarar com autoridade que
esses supostos papas foram não-papas. Nós, como simples sacerdotes,
não podemos, afinal de contas, fazer julgamentos autoritativos, quer
legais ou doutrinais, que vinculem as consciências dos fiéis.”
(Pe. CEKADA, no estudo acima, sobre o qual estamos debatendo).
Você parece imaginar que o Rev. Pe. se contradiga aí? Nesse caso, isso
só pode ser por você não ter entendido que, quando ele nota que
somente a Igreja pode “declarar com autoridade…vincul[ando] as
consciências” sobre esse assunto, o A. está apenas prevenindo o abuso
que seria considerar que os não-sedevacantistas incorram em penas
canônicas ou em cisma, única e exclusivamente, por não terem
compreendido ainda que o sedevacantismo é a única solução plenamente
compatível com o catolicismo para dar conta da crise atual.
Somos católicos, nota o Pe. Belmont, que
“não consideram sua própria convicção como critério de pertença à
Igreja Católica: essa convicção está ancorada na luz da fé, é regra
para eles próprios e para tudo o que entra na responsabilidade deles;
mas ela não tem como, por si só, obrigar ao próximo. Noutras palavras,
estes católicos não querem atribuir a si próprios uma autoridade outra
que a de seus argumentos.”
(Rev. Pe. Hervé BELMONT, Carta de Navegação do blogue Quicumque, 2005,
http://wp.me/pw2MJ-1u8 ).
Isso não significa em momento algum que esses argumentos não concluam
– ou antes até: que a luz da fé exercida não desemboque
irremediavelmente na constatação da atual vacância da Sé Apostólica –,
ou que a conclusão careça de certeza, ou que as premissas das quais
ela decorre não sejam igualmente obrigatórias (mais sobre isto na
resposta à 3º obj., infra), mas tão-somente significa que essa certeza
não pode ser imposta sem mais a quem não enxergue (ou não queira
enxergar) sua necessidade, podendo ser apenas demonstrada a quem tenha
ouvidos.
É diferente de quando a Igreja julga diretamente uma questão (por
exemplo: o milenarismo mitigado), aí então os católicos não têm mais
essa desculpa de não enxergar (ou não querer enxergar) os argumentos
(certíssimos e não “opiniões” de teólogos) que demonstram ser essa uma
doutrina errônea que (assim como o tradicionalismo sedeplenista) nega
implicitamente a infalibilidade do Magistério Ordinário Universal.
Roma locuta, causa finita: a mera difusão do lacunzismo incorre na
violação da lei da Igreja (o decreto do Santo Ofício que impede sua
difusão e que obriga as consciências).
Assim, a alguém que parecia tentar pintar o sedevacantismo atual como
algo semelhante a um fato dogmático como que “às avessas”, o Sr. Daly
escreveu o seguinte, a esse respeito:
“Tenho reservas principalmente acerca da imediatez da(s) dedução(ões)
envolvida(s). Ao mesmo tempo que eu próprio, é claro, não tenho dúvida
alguma de que a conclusão [i.e. o sedevacantismo] é certa e
demonstrável, entendo que a Igreja sempre reconheceu que muitos dos
fiéis não são bem instruídos e são bastante confusos [foggy-minded]
quando se trata de argumentações, razão pela qual Ela não considera
que seja uma rejeição da autoridade dela o fracasso em aceitar
conclusões que não sejam imediatamente evidentes a partir de seus
ensinamentos ou julgamentos.”
(John S. DALY, Carta de 6 de julho de 2004 ao bispo Sanborn, sobre o
artigo deste “Opinionism”, reproduzida por J. F. LANE em:
http://sedevacantist.com/forums/viewtopic.php?p=2915#p2915 ;
cf. também, deste último, um resumo da correspondência DALY-SANBORN,
se bem que aparentemente com contribuições próprias a serem medidas
cum grano salis, em:
http://sedevacantist.com/forums/viewtopic.php?p=2452#p2452 ).
Ainda esses dias, aliás, eu relia um renomado teólogo tomista e
adversário do neomodernismo, o Padre LABOURDETTE, O.P., que, pouco
depois de observar que “é assombroso que se tenha tão facilmente
tendência a julgar incerto aquilo que não seja estritamente definido”,
e depois de recordar que “Não basta que uma asserção não tenha sido
definida como ‘de fé divina e católica’ para que seja lícito negá-la”,
deplora ainda o seguinte:
“Pode-se lamentar as flutuações de vocabulário que fazem com que as
palavras ‘opinião’ e ‘certeza’ não tenham exatamente o mesmo alcance
quando são consideradas do ponto de vista da autoridade, que é o
[ponto de vista] da teologia positiva, ou do ponto de vista da adesão
em maior ou menor medida obrigatória a argumentos de teologia
especulativa” (In: Revue Thomiste, 1954, p. 668).
Posso lhe indicar uma brevíssima leitura sobre como tudo isso se
aplica à situação atual? Isto aqui não tem nem uma página (o Rev. Pe.
Daniel parece-me ter notado à minha esposa, há muito tempo, ter
objeções a este artiguinho, mas não imagino quais possam ser elas e,
como não cumpriram a promessa de me enviar resposta do Pe. Calderón,
entre outras razões, nem me interesso realmente em conhecê-las): J.S.
DALY, Questão de Fé ou Questão de Opinião? – Apontamentos… 2001,
http://wp.me/pw2MJ-su
3. Chegamos, enfim, ao terceiro ponto, que mostra uma segunda confusão
sua: você não entendeu até agora o argumento sedevacantista. Aliás,
diga-se de passagem, ilustração perfeita da “foggy-mindedness” acima
referida, pela qual na ausência de juízo direto da Igreja não se pode
concluir que os recalcitrantes sejam hereges ou cismáticos por não
aderir a uma demonstração cerrada de que a posição deles implica em
teses heréticas e cismáticas.
O silogismo que demonstra o sedevacantismo (demonstração “a
posteriori” ou “quia”) pode ser formulado assim:
MAIOR: “a Igreja é infalível em seu ensinamento e em tudo aquilo que
manifesta a sua fé, incluindo aí sua lei, sua liturgia, sua pregação,
sua tolerância…”

MENOR: “a Igreja do Vaticano II apresenta-nos, por intermédio de cada


uma dessas maneiras de se exprimir, todo um corpo doutrinário que é
impossível de reconciliar com o que a Igreja Católica sempre ensinou
até então, pelas mesmas maneiras.”

ERGO: “essa nov’Igreja, dizia, não é a Igreja Católica, e seus chefes


não desfrutam da proteção própria aos Papas, porque eles não são
Papas.”
(Cits. tiradas de: John S. Daly, O sentido de herege “manifesto” em
Bellamino, 2005, http://wp.me/pw2MJ-MW#bellarmino-2-sv1066 ).
Tanto a premissa Maior quanto a premissa Menor se fundam em
ensinamentos obrigatórios do Sagrado Magistério e da Sacra Teologia, e
a conclusão decorre delas por necessidade lógica.
É somente num segundo momento que entra a questão disputada dita “do
papa herege como doutor privado” (note bem: “como doutor privado”,
pois a questão “do papa herege como docente autêntico na Igreja” é uma
aberração “tradicionalista” que nenhum teólogo aprovado jamais
aventou).
Aqui, sim, talvez houvesse que citar a opinião minoritária de alguns
da O.P. de que os hereges ocultos se excluem da Igreja (opinião que
parece especialmente absurda após a Enc. Mystici Corporis de Pio XII,
cujo redator principal, aliás, sabe-se que foi o doutíssimo
eclesiólogo “bellarminiano” Pe. Sebastien Tromp, S.J.) e a opinião
igualmente improvável e minoritária de que, em contrapartida, o “papa
herege como doutor privado”, embora excluído da Igreja, não perderia o
Pontificado (opinião bem pouco fiel a Sto. Tomás, aliás, e que alguns
não hesitam em atribuir à negligência no estudo do Direito Canônico
que caracteriza tanta teologia dos últimos séculos, mesmo entre
autores renomados, e que está tão distante da reverência do Doutor
Angélico pelos “Santos Cânones”, como ele os chamava; e lembro aqui,
para contrastar, que o principal embasador teológico do Código de São
Pio X promulgado pelo Papa Bento XV, o então Pe. Billot S.J.,
afirmava-se disposto a morrer pela mais mínima vírgula do Código de
Direito Canônico: não por acaso foi ele proposto pelo Papa Pio XII
como modelo para todos os teólogos!).
É somente num segundo momento, então, que entra essa questão “do papa
herege”, assim como no estudo acima do Pe. Cekada ela só entrou para
mostrar a não-impossibilidade da solução sedevacantista, em
contraposição à impossibilidade da solução sedeplenista, que viola
doutrinas não disputáveis. (No mais, acrescenta John Daly após o
silogismo acima, é esta [o não-papado de P6 e sucessão, por heresia]
“a solução da qual Dom Lefebvre não fazia senão aproximar-se para dela
se afastar, e afastar-se para dela se aproximar.” loc. cit.)
O Sr. Daly distingue bem os dois argumentos e assinala a suficiência
do primeiro com um exemplo luminoso:
“Certamente que, não sendo Ratzinger Papa, conforme o argumento número
1, pode-se razoavelmente perguntar o que falta a ele dentre as
condições essenciais ao Papado, mas, mesmo sem saber disso, sabemos
com certeza que ele não é o chefe da verdadeira Igreja.
O N.O.M. é um efeito que depende de causa adequada: essa causa só pode
ser que os ‘papas’ que no-lo dão não são legítimos. A ilegitimidade
desses papas é, por sua vez, um efeito que depende de causa adequada.
Creio que essa causa é o fato de não professarem a fé católica, mas é
questão secundária.
Conheci um homem que montou uma queijaria seguramente impermeável às
moscas, onde ele fazia queijos. Um dia, havia larvas nos queijos.
Conclusão rigorosa: uma mosca havia entrado, apesar de tudo. Mas ele
estava tão seguro da impermeabilidade de sua queijaria, que chegou ao
ponto de acreditar na geração espontânea das moscas. Não estou
exagerando. Ele queria que lhe mostrassem por onde a mosca teria
podido entrar. Eu tinha as minhas ideias, mas o absurdo era supor
necessário encontrar o furo para dever crer no que já estava provado
pela presença das larvas.
Aquilo que já está provado a posteriori é certo. Encontrar sua causa é
muitas vezes desejável, mas nunca é condição para poder aceitar a
consequência.”
(John DALY, Uma mosca na queijaria, 2005, http://wp.me/pw2MJ-MK ).
Concluo, enfim, com o Rev. Pe. Belmont:
“Dito de outro modo, cumpre afirmar tudo aquilo que a fé católica nos
compele a afirmar [ex: a infalibilidade das leis da Igreja (F.C.)],
negar tudo aquilo que ela nos compele a negar [ex: o Papado a Paulo VI
e sucessores, promulgadores e mantenedores de leis e doutrinas nocivas
(F.C.)]… e deter-se aí. Recorrer a elementos que sejam de uma certeza
de ordem inferior — fatos não certificados, raciocínios que não
alcançam essa luz teologal, teorias teológicas (como as do Papa
herege) que a Igreja não integrou à sua própria doutrina etc. — pode
ajudar a compreender, pode confortar na certeza da legitimidade da
conclusão, mas não permite concluir categoricamente. Se essa intenção
teologal exclui os juízos sobre pessoas e as conclusões arriscadas,
ela permite alcançar uma certeza que se remete à fé católica. O que
‘perdemos’ em extensão, ganhamos em compreensão.”
(Rev. Pe. Hervé BELMONT, Sou sedevacantista?, 2010,
http://wp.me/pw2MJ-pA ).
Ficou claro, Alexandre?
Porque estou pressupondo benevolamente que tenha sido a essa questão
do “papa herege” que você se referia, ao falar em “os teólogos citados
pelos sacerdotes supraindicados não são a maioria dos teólogos.
Proposta: por que você não pesquisa e acrescenta a posição dos que são
contrários? Assim, poderemos fazer uma análise mais coerente e não
enviesada.”
Alexandre, meu caro, não existem esses teólogos escolásticos pré-
conciliares “contrários” à infalibilidade das leis eclesiásticas
universais: essa posição tradicionalista é condenada pela Igreja (não
leu a citação da Auctorem Fidei que lhe fiz ontem?)
Em tempo: aquele texto-lixo de um padre de campos qualquer, que você
me enviou recentemente para defender os tribunais nulos da FSPX,
negava — motivando meu abandono da discussão por desânimo, até porque
ela começara justamente por você ter observado [e eu ter concordado]
que o finado Prof. Fedeli, apesar de tudo, acertara em denunciar o
desvio de ditos sacerdotes –, aquele texto lixo, dizia, tem um erro
que até mesmo seu próprio Autor já abandonou, embora para cair noutros
igualmente ruins ou piores: a negação da infalibilidade do Código de
Direito Canônico.
Caso você queira aprender com teólogos aprovados pela Igreja e não com
padres piedosos mas (de)formados em apostilas improvisadas de
seminários não-canônicos de uniões pias dissolvidas, eis um texto
clássico para sua formação: L’AMI DU CLERGÉ (1919), Infalibilidade do
Código de Direito Canônico, http://wp.me/pw2MJ-1jv
Por amor à Igreja, não deixe de voltar para esclarecer esse ponto,
Alexandre, senão fica parecendo que você é um desses católicos malsãos
que negam obstinadamente a infalibilidade da Igreja em promulgar leis
eclesiásticas universais como esta canônica ou a litúrgica.
Em JMJ,

Felipe Coelho
P.S. Tenho debatido com você na esperança de que sejamos ambos movidos
pelo amor à verdade e solicitude pela Santa Igreja Católica Apostólica
Romana; seu último P.S., porém, fez-me desconfiar de que talvez você
estivesse interessado antes em semear a cizânia entre católicos, quem
sabe movido até por algum padre próximo desses sectários que têm o
costume de dividir famílias e de usurpar autoridade que não possuem…
Mas me recuso a crer nisso e afasto essa suspeita como tentação, amigo
caríssimo, por isso limito-me aqui a pedir que você, se tiver
encontrado no link que você cita algum argumento interessante que você
não encontre refutado aqui, por caridade traga-o, que o desconheço e
me interessaria analisá-lo. Abraços, A.M.D.G.V.M., FC
8. Roberto F Santana Disse:

7 novembro 2012 às 13:00


Prezado Felipe, Salve Maria.
Gostaria de saber mais sobre a infabilidade no caso da vacância da Sé,
por exemplo, um conclave.

É infalível?

Por favor explique nossa obrigação em aceitar os conclves de 1958 e


1962, se for o caso.
Um grande abraço.
9. Felipe Coelho Disse:

7 novembro 2012 às 13:18


Prezado Roberto, Salve Maria!
Entendo que os sujeitos da infalibilidade são três:

1) o Papa sozinho;

2) a Igreja docente (os bispos em união com o Papa, mas não sem ele),
quer reunida em Concílio ou dispersa pelo mundo;

3) a Igreja inteira (docente + discente, inclusive na ausência do


Papa).
Conclaves não são infalíveis, o que é sinal infalível de legitimidade
é a adesão da Igreja inteira ao eleito, depois do conclave. Sobre
isso, tanto em si quanto em relação à situação atual, penso ter
traduzido os principais estudos contemporâneos que explicam mais do
que suficientemente a questão:
• Rev. Pe. Hervé BELMONT, Últimas objeções, 2011, trad. br. em:
http://wp.me/pw2MJ-14y
• John S. DALY, Bento XVI e a aceitação pacífica pela Igreja inteira,
2006, trad. br. em: http://wp.me/pw2MJ-1gg
• Rev. Pe. Hervé BELMONT, João XXIII, 2011, trad. br. em:
http://wp.me/pw2MJ-1tY
• Dr. Arnaldo Vidigal XAVIER DA SILVEIRA, Sobre o conceito de
aceitação pacífica e universal do Papa pela Igreja (Excerto de suas
Considerações sobre o “Ordo Missae” de Paulo VI, SP: 1970, cap. VIII
in fine: pp. 40-42), transcrito em: http://wp.me/pw2MJ-1e0
• John S. DALY, A tríplice unidade da Igreja e os tradicionalistas
ante Bento XVI, 2006, trad. br. em: http://wp.me/pw2MJ-A0
Mais especificamente, responde à sua pergunta o terceiro desses
estudos, a cujas conclusões adiro, sim, caso isso faça parte da sua
pergunta.
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
10. Roberto F Santana Disse:

7 novembro 2012 às 14:10


Obrigado amigo pela pronta resposta.
11. Alexandre Disse:

8 novembro 2012 às 6:31


Prezado Felipe,
Vivam Cristo e Maria!
Agradeço pelo qualificativo de caríssimo a mim dirigido. Saiba que não
posso negar a reciprocidade.
As “lisonjas” que escrevi não passam de mera eutrapelia. Desculpem-me,
Aruan e Sandro.
Por favor, não seja obsedado. Não entendo o motivo de tanta
perseguição (pessoal) contra a FSSPX. Saiba que nunca ouvi no priorado
uma palavra contra a sua pessoa nem a sua família. Pelo contrário.
Felipe, são padres que querem ser santos, somente isso. Deixe a Deus o
julgamento. E outra, quem somos nós? Por acaso, somos tão ortodoxos
como são nossas palavras? Quem de nós pode afirmar diante de Deus que
não temos em nosso “sangue” o veneno do liberalismo de quaisquer
tipos?
Aliás, improcedente a sua afirmação. Jamais um padre do priorado fez
qualquer tipo de pedido para mim em intervir em seu blogue. Eles nem
fazem ideia de que escrevo aqui.
Quanto ao seu texto, li. Porém, estou lendo os textos do SPES que
indiquei, e fiquei mais convencido da minha posição. Com as leituras
de Dom Curzio (ex-guerardiano, ex-sedevacantista), que me parecem
brisa a refrescar a consciência (algo diferente que me passa os textos
em seu blogue, que me parecem taxativos, autoritários, dogmáticos,
enfim, sem inspiração, como se o corpo fosse todo flagelado com
exceção dos pés, para que pudéssemos andar, mas em extrema
dificuldade.).
Enfim, como você mesmo diz que as críticas são bem-vindas, peço-lhe,
pelo amor à Verdade, que publique os textos do sacerdote Dom Curzio,
para uma melhor reflexão para os que aqui acessam. Não será vergonha,
inferioridade nem apostasia de sua parte, pelo contrário, demonstração
de amor pela verdade e por Deus.
Aliás, lembre-se de que não será nada vergonhoso ou escandaloso se
você abandonar a hipótese sedevacantista. Pois o que você não deve
abandonar é o catolicismo!
Em todo caso, reproduzo abaixo um dos textos de Dom Curzio, para a sua
reflexão e de seus amigos.
Saudações marianas.
Alexandre jmjtj+
UMA HIPÓTESE DE VELLETRI

[Extratos]

DON CURZIO NITOGLIA

Velletri, 15 de novembro de 2008


http://spessantotomas.blogspot.com.br/2012/02/critica-do-
sedevacantismo-iic.html#more
[...]
E este outro: http://spessantotomas.blogspot.com.br/2012/01/critica-
do-sedevacantismo-iib.html#more
*********
12. Felipe Coelho Disse:

8 novembro 2012 às 23:41


Salve Maria, Alexandre.
Não movo perseguição “pessoal” contra a FSPX, mas, sim, contra as
falsas doutrinas e as usurpações que atentam contra a Santa Igreja;
apenas, acontece de a FSPX ter uma porção de ambas as coisas.
Você me deixa pasmo, meu amigo, ao dizer: “estou lendo os textos do
SPES que indiquei”. Mas então, no seu comentário anterior, você os
havia indicado antes de ter lido…? E ainda por cima em tom de
desafio…?
Você contrasta ainda, pelo que entendi, o “durus est hic sermo”, que
lhe deixa n’alma a leitura do meu pobre e pequeno blogue de traduções,
com os textos do Rev. Pe. Nitoglia versão pós-2007 sobre
sedevacantismo, que são otimamente aptos, você me diz, a “refrescar a
consciência”.
Longe de mim negar essas propriedades tão distintas destas duas séries
de artigos. Pelo contrário, acho-as até bastante sintomáticas!
Mas, quanto ao texto do Pe. Nitoglia que você, ao final de seu último
comentário, copiava e colava longamente, sem manter a formatação
original, com os parágrafos todos grudados uns aos outros (julga você
talvez, Alexandre, que o meu blogue, por não se localizar no pântano
teológico-canônico são-piodecista, seja por isso, ipso facto, algum
depósito de lixo?), tomei a liberdade, que estou certo de que você
compreenderá, de trocar essa massa informe e pouco legível de texto
difuso pelo link que remete à sua localização original, onde ele pode
ser lido em devida forma.
Agi assim, claro, não apenas por razões estéticas, mas antes porque,
quando lhe pedi que trouxesse algum argumento daquela “tag” de textos
anti-sedevacantistas que você me indicara (indicara sem ler?!),
certamente que, com isso, a intenção não era que você viesse aqui
colar a integralidade de alguma daquelas longuíssimas divagações
anestésicas das consciências, mas, sim, saber de você, Alexandre,
pessoalmente, qual argumento nesses textos (que eu supunha lidos antes
de recomendados) parecia-lhe impugnar o que tem sido defendido aqui.
Normalmente eu encerraria uma resposta dessas aqui, mas tão somente
por nossa antiga amizade comento rapidamente uma tolice que consta
logo do início do texto que você colou:
O Autor, (a) aproveitando-se da (notória…) amplidão que o termo
“heresia” tinha no uso dos antigos e medievais, (b) encontra um texto
de Sto. Tomás no qual a simonia é de algum modo equiparada à heresia
(obviamente não à heresia no sentido técnico estrito de “negação ou
questionamento pertinaz de uma verdade a ser crida com fé divina e
católica”, mas isso ele não diz…), para, (c) após recordar o fato de
que a simonia não faz ninguém perder o pontificado, (d) concluir que a
heresia tampouco teria esse efeito…
Um sofisma, portanto, que só se explica pela ignorância do fato
mencionado no início do parágrafo anterior, fato este que consta de
qualquer estudo sério sobre o assunto… E o A. ainda cita a
Constituição do Papa Pio XII regulando o conclave, para respaldar seus
dizeres; sobre a qual, incidentalmente, a confusão manifestada por ele
encontra-se refutada aqui: Rev. Pe. Anthony CEKADA, Um cardeal
excomungado pode ser eleito Papa?, 2007, http://wp.me/pw2MJ-Hb
Tenho, em algum lugar aqui, notas de leitura a essa série de artigos
recentes do Pe. Nitoglia, não de meros excertos como esse que você me
indicou, mas dos textos inteiros lidos no original, só que, mesmo na
hipótese mais ou menos remota de eu conseguir localizá-las em tempo
hábil, é extremamente improvável que me anime a escrever algo a seu
respeito: tanta coisa mais interessante a aprender ou útil de
impugnar… e tanta gente respeitadora de seus interlocutores com quem
debater, gente com verdadeira sede de aprender e zelo de se
aprofundar…!
Por fim, sua sugestão de que eu abandone a plena profissão da Fé
Católica (sedevacantismo) por uma dessas formas de “protestantismo
larvado” que hoje passam por “tradicionais”, venham dos modernistas
transformistas do dogma no Vaticano, ou dos contestatários rebeldes de
Écône, é esta, francamente, uma sugestão que soa tanto mais indecente,
quando feita por alguém que acaba de tomar conhecimento (ao menos
assim espero…) de que negava alegremente, fazendo coro com o grupo que
defende, uma série de doutrinas católicas as mais certas e solidamente
atestadas!
Já lhe propus tantas vezes, Alexandre caríssimo, que não voltássemos a
debater estes assuntos, ao menos não enquanto você continuar sem
genuíno interesse ou disposição de estudá-los ou discuti-los como
convém…
Abraços cordiais,

Em JMJ,

Felipe Coelho

Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XXI

Infalibilidade do Código

de Direito Canônico
L’Ami du Clergé, 1919,

n.º 45, pp. 956-958

P. — O Santo Padre, ao promulgar o Codex[1], revestiu-o de sua


autoridade infalível?
[1. Trata-se do Código de Direito Canônico preparado por iniciativa e
no reinado de São Pio X, e promulgado por Bento XV em 27 de maio de
1917 (tendo entrado em vigor em 19 de maio de 1918). A questão, tal
como foi posta, faz pensar que o autor dela imagina a infalibilidade
como uma espécie de bônus ativado à vontade pelo Papa (o que seria
errôneo ou absurdo). A infalibilidade é uma qualidade que decorre
necessariamente da natureza mesma do ato, em razão de seu autor, de
seu objeto e de seus destinatários. — Nota do Padre Belmont]
R. — Vossa pergunta, caro confrade, não oferece dificuldade séria. Ela
é, no entanto, mais complexa do que parece à primeira vista. Vamos
respondê-la para todos os nossos leitores, mostrando: 1.°/ que o Papa,
ao promulgar o Codex, não fez dele um documento ex cathedra; 2.°/ que,
não obstante isso, a autoridade infalível do Papa se encontra
empenhada de certa maneira por essa promulgação; 3.°/ que o Codex é um
“lugar teológico” cuja importância não pode ser negligenciada.
I. A promulgação do Código por Bento XV não constitui definição “ex
cathedra”
Há definição ex cathedra quando o Soberano Pontífice “exercendo a sua
função de Pastor e Doutor de todos os cristãos, em virtude da sua
suprema autoridade apostólica, define como a ser aceita pela Igreja
universal uma doutrina tocante à fé ou à moral”[2].
[2. Conc. Vatic., Sess. IV, cap. 4 – Denzinger, n° 1839. Note-se que,
nessa definição, não são mencionadas nem a solenidade exterior do ato,
nem a necessidade de exprimir a vontade de ser infalível ou a vontade
de obrigar: menciona-se aí a natureza do ato, que é a única coisa
necessária para o ser e para a certeza da infalibilidade. Note-se
ainda que essa definição não é em nada restritiva (coisa que ela seria
caso dissesse: “O Papa é infalível somente quando...”). — Nota do
Padre Belmont]
A promulgação do Código não realiza as condições assinaladas nesse
texto. O objeto do Código não é definir uma doutrina e impô-la à
adesão racional, mas formular preceitos e impô-los à obediência
prática dos cristãos. A definição dogmática fixa uma verdade; o Código
regulamenta a conduta.
De fato, Bento XV, na Constituição Providentissima Mater Ecclesia
promulgando o Código, emprega expressões que não se podem entender de
uma definição dogmática. Ele não invoca sua autoridade doutrinal
infalível, mas “a plenitude da potestade apostólica que ele recebeu”;
ele não impõe nada à fé dos fiéis, mas ele dá “força de lei” ao
Código; ele não define, ele “ordena” e comanda; quem se recusa a
obedecer não é tachado de heresia, mas “incorre na indignação de Deus
Todo-poderoso e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo”. Eis o
texto:
“Itaque, invocato divinæ gratiæ auxilio, Beatorum Petri et Pauli
Apostolorum auctoritate confisi, motu proprio, certa scientia atque
Apostolicæ qua aucti sumus potestatis plenitudine, Constitutione hac
Nostra, quam volumus perpetuo valituram, præsentem Codicem, sic ut
digestus est, promulgamus, vim legis posthac habere pro universa
Ecclesia decernimus, jubemus [3. Sublinhado na edição oficial.]
vestræque tradimus custodiæ ac vigilantiæ servandum… Nulli ergo
hominum liceat hanc paginam Nostræ constitutionis, ordinationis,
limitationis, suppressionis, derogationis expressæque quomodolibet
voluntatis infringere, vel ei ausu temerario contraire. Si quis hoc
attendere præsumpserit, indignationem omnipotentis Dei ac Beatorum
Petri et Pauli Apostolorum Ejus se noverit incursurum.”[4]
[4. “Por isso, tendo invocado o auxílio da graça divina, apoiado na
autoridade dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, de Nosso
próprio movimento, com ciência certa, na plenitude da potestade
apostólica à qual Nós fomos elevado, por esta presente Constituição
que Nós queremos perpetuamente válida, Nós promulgamos o presente
Código tal como foi redigido e Nós decretamos e ordenamos que ele tem,
doravante, força de lei para toda a Igreja, e confiamos sua
conservação ao vosso cuidado e vossa vigilância [...] A absolutamente
ninguém seja permitido infringir esta presente página de Nossa
Constituição, decreto, restrição, supressão, derrogação e vontade tão
expressa quanto possível, ou a temeridade de se lhe opor. Se alguém
tiver a presunção de atentar contra ela, saiba que incorrerá na
indignação de Deus Todo-poderoso e de seus bem-aventurados Apóstolos
Pedro e Paulo.”]
A presença, no Código, de cânones puramente dogmáticos (por exemplo, o
Cânon 218, relativo ao poder de jurisdição do Papa sobre a Igreja
universal; o Cânon 801, afirmando a presença real de Jesus Cristo no
Santíssimo Sacramento) e de cânones que formulam uma lei divina
revelada (por exemplo, Cânon 107 e 108 § 3, relativos à distinção de
direito divino entre clérigos e leigos, entre bispos, padres e
ministros) pode mostrar muito bem que há no Código proposições que são
objetos de fé; mas não é de sua inserção no Código que elas derivam
sua autoridade de dogma definido; derivam-na elas de outra parte. No
Código, elas aparecem ora como recordação de princípios que o direito
toma de empréstimo ao dogma, ora como definições fixando o sentido
jurídico de um termo ou de uma instituição.
A promulgação do Código por Bento XV não dá a ele, portanto, a
autoridade de uma definição ex cathedra.
II. Contudo, essa promulgação confere ao Código o valor de uma
disciplina universal da Igreja; a esse título, e enquanto tal, ele é
garantido em certo sentido pela autoridade infalível do Papa e da
Igreja.
Ao enumerarem os diferentes objetos sobre os quais pode ser exercida a
infalibilidade da Igreja e do Papa, os teólogos mencionam as leis
universais da Igreja. De acordo com as explicações dadas por eles,
trata-se de leis humanas, não tendo pois nenhum vínculo necessário com
a Revelação, que a Igreja tem a missão de guardar e de interpretar;
trata-se de leis que obrigam a todos os fiéis, e não somente este ou
aquele particular ou determinado grupo de cristãos. Assim é o Código,
pois ele é a compilação das leis universais da Igreja. Para tais leis,
os teólogos não reclamam o privilégio da perfeição absoluta: pode-se
por vezes, dizem eles, conceber leis que fossem mais prudentes, mais
sábias ou mais oportunas. Eles não reivindicam tampouco o privilégio
da imutabilidade: já o Papa São Nicolau I, escrevendo ao imperador
Miguel, em 865, fazia estas reflexões de bom senso: “Non negamus,
ejusdem Sedis [apostolicæ] sententiam posse in melius commutari, cum
aut sibi subreptum aliquid fuerit, aut ipsa pro consideratione œtatum
vel temporum seu gravium necessitatum dispensatorie quiddam ordinare
decreverit.” [5. “Nós não negamos que o julgamento desta Sé possa ser
modificado para melhor, caso algo lhe tenha escapado ou se ela mesma,
tendo em conta as circunstâncias e o momento, ou em razão de grave
necessidade, houver decidido ordenar algo em caráter excepcional.”
Denzinger n.° 333.] Mas o que os teólogos afirmam é que nenhuma dessas
leis impostas pela autoridade suprema à Igreja universal pode conter o
que for contrário à fé ou à moral[6].
[6. As leis impostas à Igreja universal podem não passar de leis que
permitem atos sem obrigar a eles (mas os fiéis são obrigados a admitir
que esses atos são permitidos). É o que ensina, aliás, o Papa Gregório
XVI:
“A Igreja, que é a coluna e o sustentáculo da verdade e que
manifestamente recebe sem cessar do Espírito Santo o ensinamento de
toda a verdade, poderia ordenar, conceder, PERMITIR algo que viesse a
resultar em detrimento da salvação das almas e em desprezo e prejuízo
de um sacramento instituído por Cristo?” (Quo graviora, 4 de outubro
de 1833).
Não se pode, portanto, negar ou recusar com direito essa
infalibilidade sob o vão pretexto: essa prática (ou esse rito) não é
obrigatório; é apenas permitido. Logo, não há garantia alguma. Ou
então se haveria de admitir que se pudesse dizer (por exemplo): não é
impossível que a Igreja autorize a poligamia; a infalibilidade prática
garante somente que Ela não a imporá... Vê-se a aberração à qual essa
má compreensão poderia conduzir. — Nota do Padre Belmont]
A impossibilidade dessa oposição é consequência necessária dos dogmas
da infalibilidade e da santidade da Igreja, e claramente se encontra
na Escritura e no ensinamento dos Concílios e dos Papas.
1.°/ A Igreja é infalível no seu ensinamento dogmático e moral.
Estabelecendo leis contrárias à fé e à moral, a Igreja inculcaria em
todos os seus fiéis um erro prático, tanto mais funesto quanto,
conforme a observação de Santo Tomás: “per exteriores actus
multiplicatos interior voluntatis motus, et rationis conceptus,
efficacissime declaratur ; cum enim aliquid multoties fit, videtur ex
deliberato rationis iudicio provenire.” [7. “Mediante atos exteriores
multiplicados, exprime-se de maneira eficacíssima tanto o movimento
interior da vontade, quanto a concepção da razão; pois, quando um ato
se repete grande número de vezes, ele dá mostras de que emana de um
juízo deliberado da razão.” Suma Teológica, Ia IIæ q. 97 a. 3.] E esse
erro prático, eficazmente sugerido pela Igreja a todos os seus fiéis,
se faria acompanhar de um erro teórico da própria autoridade
eclesiástica: pois ela ordenaria em nome de Deus, de Cristo e dos
Apóstolos atos que implicam uma doutrina ou uma moral que Deus, Cristo
e os Apóstolos não ensinaram nem prescreveram.
2.°/ Jesus Cristo quis que a Sua Igreja fosse santa: Ele pediu ao Seu
Pai pelos fiéis “ut sint et ipsi sanctificati in veritate” [8.
“...para que também eles sejam santificados na verdade.” Jo XVII, 19];
Ele declarou que “as Portas do Inferno não prevalecerão nada” contra a
Igreja. Mas, se esta ordenasse a todos os seus fiéis atos contrários à
fé ou à moral, sua santidade seria algo além de uma ilusão ou mentira?
A Igreja de Cristo não teria passado, na prática, para o jugo do
demônio? E como se poderia dizer que ela teria permanecido fiel à
missão que Cristo lhe confiou por estas palavras: “Docentes eos
servare omnia quæcumque mandavi vobis” [9. “...ensinando-as a observar
todas as coisas que vos mandei”. Mt XXVIII, 20], enquanto que ela
ensinaria os homens a observar leis contrárias aos preceitos de
Cristo? Assim também, Santo Agostinho dava a mesma autoridade à
Sagrada Escritura e às práticas adotadas pela Igreja universal; pôr em
questão estas últimas “insolentissimæ insaniæ est” [10. “...é de uma
loucura sem igual”], escreve ele.
3.°/ Não se tratava senão de diretrizes disciplinares na carta que o
primeiro Concílio de Jerusalém escreveu “aos irmãos dentre os gentios
que estão em Antioquia, na Síria e na Cilícia”; e, no entanto, os
Apóstolos põem em causa a autoridade infalível do Espírito Santo:
“Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor mais encargos
além destes indispensáveis; que vos abstenhais das coisas imoladas aos
ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e da fornicação, das quais
coisas fareis bem em vos guardar.” [Atos XV, 23,28-29 (N. do T.)]
Santo Tomás recordava-se, sem dúvida, deste texto quando, falando dos
ritos eucarísticos, ele apelava a esse respeito à infalibilidade da
Igreja e do Espírito Santo: “Ecclesiæ consuetudo, quæ errare non
potest, utpote Spiritu Sancto instructa.” [11. “...o uso da Igreja,
que não pode errar, pois ela é instruída pelo Espírito Santo” Suma
Teológica, IIIa q. 83 a. 5, sed contra.]
Os Concílios de Constança em 1415 [12. Sessão XIII: Denzinger n.°
626.] e de Trento [13. Sessão VII capítulo XIII: Denzinger n.° 856; e
sessão XXII capítulo VII: Denzinger n.° 954] ensinam essa doutrina
acerca da prática da comunhão sob uma espécie somente e acerca das
cerimônias com que a Igreja reveste a administração dos sacramentos e
a celebração do Santo Sacrifício da Missa.
Mas a fórmula mais completa e mais precisa foi dada por Pio VI na
condenação da proposição 78 do Concílio de Pistoia (Denzinger n.°
1578):
«Præscriptio Synodi [Pistoriensis] de ordine rerum tractandarum
in collationibus, qua, posteaquam præmisit, “in quolibet articulo
distinguendum id, quod pertinet ad fidem et ad essentiam religionis,
ab eo, quod est proprium disciplinæ”, subiungit, “in hac ipsa
(disciplina) distinguendum quod est necessarium aut utile ad
retinendos in spiritu fideles, ab eo quod est inutile aut onerosius
quam libertas filiorum novi fœderis patiatur, magis vero ab eo, quod
est periculosum aut noxium, utpote inducens ad superstitionem et
materialismum” ; quatenus pro generalitate verborum comprehendat et
præscripto examini subiciat etiam disciplinam ab Ecclesia constitutam
et probatam, quasi Ecclesia, quæ Spiritu Dei regitur, disciplinam
constituere posset non solum inutilem et onerosiorem quam libertas
christiana patiatur, sed et periculosam, noxiam, inducentem in
superstitionem et materialismum : – falsa, temeraria, scandalosa,
perniciosa, piarum aurium offensiva, Ecclesiæ ac Spiritui Dei, quo
ipsa regitur, iniuriosa, ad minus erronea.[14]»
[14. «A prescrição do sínodo concernente à ordem das matérias a serem
tratadas nas conferências, que depois de haver dito: “em cada artigo
cumpre distinguir aquilo que pertence à fé e à essência da religião
daquilo que é próprio da disciplina”, acrescenta: “mesmo nesta última
cumpre distinguir aquilo que é necessário ou útil para manter os fiéis
no espírito, daquilo que é inútil ou mais oneroso do que suporta a
liberdade dos filhos da nova aliança e, mais ainda, daquilo que é
perigoso ou nocivo, dado que conducente à superstição ou ao
materialismo”, na medida em que, pelo fato do caráter geral dos
termos, ela inclui igualmente e submete a exame a disciplina
estabelecida ou aprovada pela Igreja – como se a Igreja, que é regida
pelo Espírito de Deus, pudesse estabelecer uma disciplina não somente
inútil e mais onerosa do que suporta a liberdade cristã, mas até mesmo
perigosa, nociva, conducente à superstição e ao materialismo – (é)
falsa, temerária, escandalosa, ofensiva aos ouvidos pios, injuriosa à
Igreja e ao Espírito de Deus pelo qual ela é regida, no mínimo
errônea.»]
Notar-se-á que esse texto reivindica para a Igreja, no exercício de
seu poder legislativo universal, não somente uma inerrância de fato,
mas uma impossibilidade de erro, portanto verdadeira infalibilidade:
“quasi Ecclesia… disciplinam constituere POSSET… inducentem in
superstitionem et materialismum.”
Está, pois, bem estabelecido que o Código, na sua qualidade de
compilação oficialmente promulgada das leis universais da Igreja, é
garantido contra todo erro pela autoridade infalível do Papa e da
Igreja, no sentido de que ele não contém nenhuma prescrição que possa
ser contrária à fé ou aos bons costumes.
III. O Código é um “lugar teológico”,
que pode servir negativamente, e em certos casos positivamente, para
provar a origem divina de uma doutrina ou de uma prática, para fixar a
“doutrina eclesiástica”, para precisar o sentido de uma proposição
revelada ou mesmo de um texto escriturístico.
Essa terceira proposição não sendo senão consequência da precedente, é
suficiente explicá-la e mostrar a sua aplicação. Todos os nossos
leitores sabem que, por “lugares teológicos”, entende-se o conjunto
dos documentos e das fontes nas quais a Igreja docente e os teólogos
vão haurir seus ensinamentos e suas provas; são nomeados: a Escritura
Santa e a Tradição. A autoridade doutrinal do Código se aparenta ao
lugar teológico que chamamos de a “prática da Igreja”, praxis
Ecclesiæ, e, embora de forma mais remota, ao “sentimento dos fiéis”,
sensus fidelium, pois, conforme as palavras de Santo Tomás citadas
mais acima, a ação reage sobre o pensamento e o determina eficazmente.
Pode-se ainda utilizar o Código como lugar teológico negativo, no
sentido de que a doutrina implicada nas leis do Código nunca está em
contradição com a Revelação dogmática ou moral. É o que a proposição
precedente demonstrou suficientemente.
Mas cumpre ir além, e afirmar que a doutrina implicada nas leis do
Código é positivamente conforme à “doutrina católica”, ou seja, ao
ensinamento do magistério infalível que incide sobre verdades não
reveladas, mas que a Igreja cauciona (por exemplo: os “fatos
dogmáticos”, certas teses filosóficas, etc.). Pois a verdade sendo
una, é impossível que a Igreja infalível tenha uma opinião no seu
ensinamento ex professo e outra opinião no seu Código. Se a doutrina
afirmada ou implicada num artigo do Código só pode ser conhecida pela
Revelação, o Código torna-se então um critério positivo da origem
divina dessa verdade: por exemplo, o Cânon 1255, que afirma que
“Cristo, mesmo sob as espécies sacramentais, tem direito ao culto de
latria”. Dissemos acima e mantemos que a inserção desses cânones
dogmáticos no Código promulgado pelo Papa não lhes confere o valor de
definição dogmática ex cathedra; mas eles conservam seu valor de
documento que serve para demonstrar qual é o ensinamento ordinário da
Igreja infalível.
Por fim, o Código pode servir para precisar o sentido de uma
proposição revelada ou mesmo de um texto escriturístico. Um exemplo
nos ajudará a evidenciar essa afirmação. Releia-se a passagem de São
Mateus, V, 33-37: Nosso Senhor realmente parece proibir aí todo
juramento sem exceção: “Ego autem dico vobis non jurare omnino… Sit
autem sermo vester : est, est ; non, non : quod autem his abundantius
est, a malo est.” Ora o Código, numa porção de cânones (vide a tabela,
v° Jusjurandum), admite e regulamenta o uso do juramento. Segue-se
daí, em primeiro lugar, que a Revelação divina não proíbe de modo
absoluto o juramento, pois o Código o permite (cf. prop. II); e, em
segundo lugar, que o texto de São Mateus não pode ser interpretado
como uma proibição absoluta de prestar juramento, pois a verdade
revelada é una. Poderiam ser feitas observações análogas acerca de
Mat. V, 32 e das leis do Código sobre a indissolubilidade do
matrimônio.
Esses exemplos bastam para demonstrar que o Código pode ser utilizado
como lugar teológico e critério, tanto positivo quanto negativo, da
doutrina e mesmo da verdade revelada. Sem dúvida, não se deve fazê-lo
a não ser com muita fineza e prudência; mas isso não é razão para
condenar esse emprego do Código, e os teólogos terão doravante ainda
menos desculpas a apresentar para justificar sua ignorância das leis
eclesiásticas, do que no tempo em que Melchior Cano [15. De locis
theologicis, lib. VIII, cap. VII, n.º 2.] os repreendia por
negligenciar o estudo do Direito Canônico e mostrava-lhes as vantagens
que eles poderiam tirar dele, para completar sua documentação e
respaldar de maneira mais sólida algumas de suas teses dogmáticas ou
morais.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
L’AMI DU CLERGÉ, Infalibilidade do Código de Direito Canônico, 1919,
trad. br. por F. Coelho, São Paulo, abr. 2012, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1jv
de: “Infaillibilité du Code de Droit canonique”, in: L’Ami du Clergé,
1919, n.º 45, pp. 956-958;
transcrição anotada, pelo Rev. Pe. Hervé Belmont, em: blogue
Quicumque, documento A-4 do dossiê “Sedevacantismo” (16 jul. 2011),

http://www.quicumque.com/article-la-foi-est-infrangible-mosaique-
autour-du-sedevacantisme-79571175.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

Textos essenciais em tradução inédita – XLII

APRESENTAÇÃO PELO TRADUTOR:


Às vezes se nos propõe o seguinte dilema um tanto capcioso: ou o
sedevacantismo é dogmático ou mera opinião; se dogmático, o
sedevacantista não pode manter comunhão com quem não admite a vacância
atual; se opinião, o sedevacantismo não pode ser exteriorizado nem
podemos tomá-lo como fundamento de nossas ações.
Contra tal simplismo, que torna falso o dilema, traduzimos a seguir um
breve esquema que ajuda a entender como a Igreja enxerga este gênero
de questões, esquema este assim apresentado pelo autor:
“…algumas notas em estado bruto que esbocei em 2001…que eu esperava um
dia transformar num artigo. Não o fiz ainda e provavelmente jamais o
farei, mas as notas mesmas podem, ao menos, servir de estímulo à
reflexão e ao debate. Ei-las…”

(J.S. DALY, Comentário de 19-IX-2006 nos Bellarmine Forums).

* * *

Questão de Fé ou Questão de Opinião?


(2001)

John Daly

A escolha não é tão simples assim. No caso de verdades propostas


diretamente pela Igreja, temos de distinguir a qualificação diversa
que elas têm conforme sua proximidade da verdade divinamente revelada;
e, no caso de verdades não diretamente propostas pela Igreja, temos de
distinguir sua variada qualificação conforme a quantidade de passos da
argumentação, e a clareza dessa argumentação, necessária para alcançá-
las partindo de uma verdade proposta pela Igreja. Em todos os casos,
temos de recordar que, se para alcançar nossas conclusões somamos às
verdades católicas fatos naturalmente certos, a qualificação de uma
tal conclusão não pode ser maior que a da mais fraca das premissas
usadas para alcançá-la. Destarte temos, por exemplo, as seguintes
categorias:
1. Verdades que a Igreja ensina como divinamente reveladas. (E.g. a
Assunção de Nossa Senhora.)
2. Verdades que a Igreja ensina, mas não como divinamente reveladas.
(E.g. a licitude da comunhão sob uma espécie.)
3. Verdades propostas pela Igreja como decorrentes de verdades
divinamente reveladas. (E.g. a legitimidade deste ou daquele papa ou
concílio oficialmente reconhecido.)
4. Conclusões decorrentes dos ensinamentos da Igreja de modo tão claro
e direto que ninguém pode pô-las em dúvida sem pôr em dúvida o
ensinamento mesmo da Igreja. (E.g. não há na terra nenhuma relíquia
substancial do corpo de Maria.)
5. Conclusões que podem ser deduzidas a partir do ensinamento da
Igreja com certeza por todos se investigação e esforço suficientes
forem dedicados à matéria e que todos estão obrigados a procurar até
encontrarem a verdade, embora alguns possam per accidens ser escusados
dessa obrigação ao menos por um tempo, ou possam não ser culpados se
malograrem em alcançar a resposta certa. (E.g. o Novus Ordo Missae não
pode em consciência ser aceito.)
6. Conclusões que podem ser deduzidas a partir do ensinamento da
Igreja com certeza por todos se investigação e esforço suficientes
forem dedicados à matéria, mas sobre as quais nem todos estão
obrigados a descobrir a verdade. (E.g. o Novus Ordo Missae é de
validade duvidosa.)
7. Conclusões que podem ser deduzidas a partir do ensinamento da
Igreja com certeza por alguns, mas não por todos. (E.g. a Santa Sé no
presente não está ocupada por um verdadeiro papa.)
8. Conclusões que podem ser deduzidas a partir do ensinamento da
Igreja com maior ou menor probabilidade, mas acerca das quais um homem
prudente, não importa o quão bem informado, não é capaz de excluir
toda a dúvida. (E.g. João XXIII nunca foi, em momento algum, papa.)
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, Questão de Fé ou Questão de Opinião? – Apontamentos para um
estudo futuro, 2001, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, maio de 2010,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-su
de: “A Matter of Faith or a Matter of Opinion?”, reproduzido pelo
autor a 19 de setembro de 2006 em:
http://StRobertBellarmine.net/forums/viewtopic.php?p=2455#p2455
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Textos essenciais em tradução inédita – I
O Batismo de Desejo e os Princípios Teológicos
(2000)

Rev. Anthony Cekada


Que princípios os Católicos precisam seguir para chegar à verdade?
AO LONGO DOS ANOS tenho encontrado ocasionalmente tradicionalistas,
tanto leigos quanto clérigos, seguidores dos ensinamentos do finado
Rev. Leonard Feeney e do Saint Benedict Center no que diz respeito ao
axioma “Fora da Igreja não há salvação”. Quem adere plenamente à
posição feeneyita rejeita o ensinamento católico comum acerca do
batismo de desejo e do batismo de sangue.
Os católicos, porém, não são livres para rejeitar esse ensinamento,
pois ele vem do magistério ordinário universal da Igreja. Pio IX
afirmou que os católicos são obrigados a crer naqueles ensinamentos
que os teólogos sustentam que “pertencem à fé”, e a se submeter
àqueles capítulos de doutrina comumente sustentados como “verdades e
conclusões teológicas”.
Em 1998, fotocopiei material sobre o batismo de desejo e o batismo de
sangue tirado das obras de vinte e cinco teólogos pré-Vaticano II
(incluindo dois Doutores da Igreja), e compilei-o num dossiê. Todos, é
claro, ensinam a mesma doutrina.
Por trás da rejeição feeneyita dessa doutrina está uma rejeição dos
princípios que Pio IX ensinou, princípios que formam a base de toda a
ciência teológica. Quem rejeita esses critérios rejeita os fundamentos
da teologia católica e constrói uma sua própria teologia peculiar, na
qual sua própria interpretação dos pronunciamentos papais é exatamente
tão arbitrária e idiossincrática quanto a interpretação que um batista
livre-pensador dá à Bíblia. É completamente inútil discutir com uma
pessoa dessas acerca do batismo de sangue e batismo de desejo, pois
ela não aceita os únicos critérios pelos quais uma questão teológica
deve ser julgada.
O que segue são notas de uma conferência minha de 15 de julho de 2000
abordando os princípios a serem aplicados no exame das questões do
batismo de desejo e batismo de sangue. O dossiê fotocopiado mencionado
acima está disponível a partir de nosso escritório por uma taxa
simbólica.
Seção I

Que Princípios a Igreja

Exige que Você Siga?


I. Você tem de crer nos ensinamentos do magistério da Igreja, tanto o
solene quanto o ordinário universal (Vaticano I).
A. Princípio Geral:
• “Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo aquilo que está
contido na palavra divina escrita e na tradição, bem como que a
Igreja, quer em declaração solene, quer PELO MAGISTÉRIO ORDINÁRIO E
UNIVERSAL, nos propõe a crer como revelado por Deus.” Concílio
Vaticano I, Constituição Dogmática sobre a Fé (1870), DZ 1792.
B. O Código de Direito Canônico impõe a mesma obrigação. (Cânon
1323.1)
C. Portanto, você tem de crer com fé divina e católica naquelas
coisas:
1. Contidas na Escritura ou Tradição, E
2. Propostas à crença como divinamente reveladas pela autoridade da
Igreja, seja por meio de:
a. Pronunciamentos solenes (por concílios ecumênicos, ou papas ex
cathedra) OU
b. Magistério ordinário universal (ensinamento dos bispos unidos ao
Papa, seja em concílio ou espalhados pelo mundo.)
D. Isso não é “opcional” ou “questão de opinião”.
• Pois define o objeto da fé: o que você é obrigado a crer.
• Ademais, é de fide definita: um pronunciamento infalível, imutável e
solene.
II. Você tem de crer naqueles ensinamentos do magistério ordinário
universal ensinados pelos teólogos como pertencentes à fé. (Pio IX).
• “Porque ainda que se tratasse daquela submissão que se deve prestar
mediante um ato de fé divina, não haveria, sem embargo, que limitá-la
às matérias que foram definidas por decretos expressos dos Concílios
ecumênicos ou dos Romanos Pontífices e desta Sé, mas haveria também
que estender-se às matérias que se ensinam como divinamente reveladas
pelo magistério ordinário da Igreja inteira espalhada pelo mundo e,
portanto, com universal e comum consentimento são consideradas pelos
teólogos católicos como pertencentes à fé.” Tuas Libenter (1863), DZ
1683.
III. Você também tem de se submeter às decisões doutrinais da Santa Sé
e a outros capítulos de doutrina comumente considerados verdades e
conclusões teológicas. (Pio IX).
A. Princípio Geral.
• “Mas, como se trata daquela sujeição à qual estão obrigados em
consciência todos os católicos que se dedicam às ciências
especulativas, para que possam trazer com seus escritos novos
proveitos para a Igreja, por essa razão, os homens desse mesmo
congresso devem reconhecer que não basta aos sábios católicos aceitar
e reverenciar os supracitados dogmas da Igreja, mas é também
necessário a eles submeter-se às decisões que, pertencentes à
doutrina, são emanadas das Congregações Pontifícias, bem como àqueles
capítulos de doutrina que, pelo comum e constante sentir dos
católicos, são considerados como verdades e conclusões teológicas, tão
certas que as opiniões contrárias a esses capítulos de doutrina, ainda
que não possam ser chamadas de heréticas, merecem, sem embargo, alguma
censura teológica.” Tuas Libenter (1863), DZ 1684.
B. Você, portanto, tem de aderir ao seguinte:
1. Decisões doutrinais das Congregações Vaticanas (ex: o Santo
Ofício).
2. Capítulos de doutrina considerados como:
a. verdades e conclusões teológicas.
b. certos, a ponto de a oposição a eles merecer alguma censura
teológica inferior a “heresia”.
IV. Você tem de rejeitar as seguintes posições condenadas acerca dessa
questão:
A. Os teólogos “obscureceram” as verdades mais importantes de nossa
fé. (Condenada por Pio VI.)
• “A proposição que afirma ‘que nestes últimos tempos disseminou-se um
obscurecimento generalizado das verdades mais importantes concernentes
à religião, que são a base da fé e dos ensinamentos morais de Jesus
Cristo’, HERÉTICA.” Auctorem Fidei (1794) DZ 1501.
B. Os católicos são obrigados a crer somente naquelas coisas
infalivelmente propostas como dogmas. (Condenada por Pio IX.)
• “E assim todas e cada uma das malignas opiniões e doutrinas
mencionadas individualmente nesta carta, por Nossa autoridade
apostólica Nós rejeitamos, proscrevemos e condenamos: e Nós desejamos
e ordenamos que sejam consideradas como absolutamente rejeitadas,
proscritas e condenadas por todos os filhos da Igreja Católica…”
“22. A obrigação a que estão sujeitos os mestres e escritores
católicos refere-se tão somente àquelas coisas que o juízo infalível
da Igreja propõe como dogmas de fé para todos crerem.” PROPOSIÇÃO
CONDENADA. Encíclica Quanta Cura e Sílabo de Erros (1864), DZ 1699,
1722.
C. As encíclicas não exigem assentimento, pois os papas não estão
exercendo seu poder supremo. (Condenada por Pio XII.)
• “Nem se deve crer que os ensinamentos das Encíclicas não exijam, por
si, assentimento, em razão de os sumos pontífices não exercerem nelas
o supremo poder de seu magistério. Pois tais ensinamentos provêm do
magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: ‘Quem
vos ouve a mim ouve’ (Lc 10,16); e, na maioria das vezes, o que é
proposto e inculcado nas Encíclicas, já por outras razões pertence ao
patrimônio da doutrina católica.” Humani Generis (1950), DZ 2313.
Seção II

O Porquê de a Igreja Exigir de Você

a Crença ou Adesão às Doutrinas

Comumente Ensinadas pelos Teólogos dela


Sumário traduzido pelo Pe. Cekada de: Pe. Reginald-Maria SCHULTES OP,
De Ecclesia Catholica: Praelectiones Apologeticae [Preleções
Apologéticas sobre a Igreja Católica], 2.ª ed., Paris: Lethielleux,
1931, pp. 667 ss. Este livro foi usado por estudantes para os diplomas
de doutoramento em teologia nas Universidades Romanas no começo do
século XX. O Pe. Schultes detinha a mais alta distinção teológica na
Ordem Dominicana (OPS ThMagister), e foi Professor na Pontifícia
Universidade do Angelicum em Roma. Seções marcadas com asterisco (*) =
comentários adicionais pelo Pe. Cekada.
I. Conceitos Introdutórios.
A. Definição de Teólogo = “homens doutos que, depois da época dos
Padres da Igreja, ensinaram cientificamente a sacra doutrina na
Igreja.”
1. na Igreja = em união com a Igreja, seja com: (a) uma missão
específica recebida da Igreja ou com (b) o consentimento da Igreja,
expresso ou tácito.
2. doutrina = seja o dogma ou a moral.
B. Tipos Gerais de Teologia.
1. Positiva = investiga e expõe os conteúdos da Escritura e dos
Padres.
2. Escolástica = busca o entendimento da fé por meio do emprego da
Escritura, dos Padres, da razão (silogismos) e dos princípios
filosóficos (ao explicar a Revelação, tirando conclusões e formulando
definições).
C. *A Educação e Carreira de um Teólogo.*
• Seminário Menor. 6 anos. Latim, artes liberais.
• Filosofia, 2-3 anos. Lógica, Metafísica, Cosmologia, Psicologia,
Criteriologia, etc.
• Teologia, cursada numa Universidade Pontifícia: Cursos de Dogmática,
Moral e Pastoral estudados pelo clero ordinário, 4-5 anos. (No
primeiro ano, os critérios para a resolução de questões teológicas.)
Licenciatura em Sacra Teologia. Ordenação com cerca de 25 anos de
idade. Estudos para doutoramento, 2-4 anos. Pesquisa, dissertação,
defesa pública da dissertação perante examinadores de uma Universidade
Pontifícia. Doutorado em Sacra Teologia.
• Início de Carreira: Professor de cursos de bacharelado em
universidades. Assistente de pesquisa de professores veteranos.
Redação e pesquisa de seus próprios artigos. Publicação de artigos em
periódicos. (Todos são examinados minuciosamente pelos professores e
devem ser revisados pelos superiores eclesiásticos e receber um
Imprimatur.) Revisão pelos professores veteranos da faculdade.
• Meio da Carreira (Se bem-sucedido): Professor assistente numa
Universidade Pontifícia. Selecionado como co-autor de uma obra
importante por um teólogo reconhecido. Pesquisa continuada e
publicação de artigos em periódicos. (Todos com revisão por seus pares
e aprovação eclesiástica.)
• Carreira Avançada (Se bem-sucedido): Livre-docência numa
Universidade Pontifícia. Autoria de uma obra considerada uma
contribuição significativa num campo particular. Pesquisa continuada e
publicação de artigos em periódicos. (Todos com revisão por seus pares
e aprovação eclesiástica.)
• O Topo da Pirâmide (Apenas os melhores dos melhores): Chefe de
departamento numa Universidade Pontifícia. Autoria de um manual, em
vários volumes, de teologia dogmática ou moral que seja considerado
uma contribuição notável em seu campo e seja empregado em seminários e
universidades pelo mundo todo. Designação pelo Papa como Consultor de
um dos dicastérios da Cúria Romana. Convite a redigir o esboço de uma
Encíclica ou legislação papal. O chapéu de Cardeal.
• Conclusão a tirar: Os teólogos que eram reconhecidos como os
melhores em seus campos antes do Vaticano II possuíam um conhecimento
e excelência em doutrina Católica que era muitíssimo superior ao de um
leigo ou de um padre de paróquia comum.
II. Adversários da Autoridade dos Teólogos.
A. Humanistas. (Rejeitaram os princípios sobrenaturais. Puseram o
homem no centro do universo.)
B. Protestantes. (Rejeitaram as doutrinas defendidas pelos teólogos.)
1. Lutero. A teologia escolástica é “ignorância da verdade e inútil
falsidade.”
2. Melancthon. A teologia escolástica é “o Evangelho obscurecido, a fé
extinta.”
C. Jansenistas. (Alegaram que os teólogos “obscureceram a doutrina
revelada.”)
D. Modernistas, racionalistas liberais. (Rejeitam a natureza imutável
da verdade.)
III. Doutrina da Igreja sobre a Questão.
A. Pronunciamentos Papais.
1. Pio VI. Condena as seguintes proposições do Sínodo de Pistóia
(1794):
a. Que o método escolástico “abriu caminho para a invenção de novos
sistemas discordantes entre si quanto a verdades de um valor mais
alto, e que por fim levaram ao probabilismo e o laxismo.” DZ 1576.
b. “A asserção que ataca com acusações caluniosas as opiniões
discutidas nas escolas católicas, acerca das quais a Sé Apostólica
pensa que nada ainda tem de ser definido ou pronunciado” DZ 1578.
c. “A proposição que afirma ‘que nestes últimos tempos disseminou-se
um obscurecimento generalizado das verdades mais importantes
concernentes à religião, que são a base da fé e dos ensinamentos
morais de Jesus Cristo’, herética.” DZ 1501.
2. Pio IX. Reprimenda àqueles que rejeitam os ensinamentos da teologia
escolástica:
• “Tampouco ignoramos que na Alemanha também predominou uma opinião
falsa contra a antiga Escola, e contra o ensinamento daqueles sumos
Doutores, os quais a Igreja universal venera por sua admirável
sabedoria e santidade de vida. Por essa falsa opinião, contudo, se põe
em perigo a própria autoridade da Igreja, especialmente porque a
Igreja, não só durante tantos séculos seguidos permitiu que a ciência
teológica fosse cultivada segundo o método e os princípios desses
mesmos Doutores, mas ela também exaltou muito freqüentemente a
doutrina teológica deles com os mais altos elogios, e recomendou-a
incisivamente como um fortíssimo baluarte da fé e um arsenal
formidável contra seus inimigos.” Tuas libenter, 1863, DZ 1680.
3. Leão XIII. Prescreve o uso de Santo Tomás e dos métodos dele.
B. Prática da Igreja.
1. Condenando doutrinas contrárias ao ensinamento dos teólogos.
2. Aplicando a doutrina escolástica e os métodos escolásticos em seus
pronunciamentos.
3. Declarando teólogos Doutores da Igreja (Santo Tomás, São
Boaventura, etc.)
C. O Código de Direito Canônico.
• “Os instrutores, ao conduzirem o estudo da filosofia racional e da
teologia e no treinamento dos seminaristas nessas matérias, deverão
seguir o método, a doutrina e os princípios do Doutor Angélico, e
aderir a eles firmemente.” (Cânon 1366.2)
IV. Tese: O ensinamento unânime dos teólogos em questões de fé e moral
estabelece certeza para a prova de um dogma.
A. Primeira Prova: A conexão dos teólogos com a Igreja.
1. Como homens que estudaram a ciência teológica, os teólogos têm uma
autoridade apenas científica e histórica. Mas como servos, órgãos e
testemunhas da Igreja, eles possuem uma autoridade que é tanto
dogmática como certa.
2. A doutrina da Igreja sobre questões de fé e moral possui uma
autoridade que é dogmática e certa. (a) O ensinamento unânime dos
teólogos testemunha e expressa a doutrina da Igreja, pois a Igreja
aceita o ensinamento comum dos teólogos como verdadeiro e como sendo o
próprio ensinamento dela quando ela o aprova, seja tácita ou
expressamente. (b) Os teólogos como ministros e órgãos da Igreja
instruem os fiéis nas doutrinas da fé. Então, de fato aquelas coisas
pregadas, ensinadas, sustentadas e cridas são as mesmas coisas que os
teólogos propõem e ensinam.
3. E assim, em razão da conexão dos teólogos com a Igreja, o acordo
deles quanto a uma doutrina tem uma autoridade que é tanto dogmática
como certa, porque do contrário a autoridade da própria Igreja seria
ameaçada, pois ela admitiu, incentivou e aprovou a doutrina dos
teólogos.
4. Essa prova é confirmada porque a autoridade dogmática dos teólogos
é negada por todos aqueles e somente aqueles que: (a) Negam ou recusam
admitir a autoridade dogmática da Igreja; ou (b) Pelo menos recusam
considerar a conexão dos teólogos com a Igreja. Não surpreende que
todos os inimigos da Igreja ou da verdade católica sejam igualmente
inimigos da teologia católica.
B. Segunda Prova: Falsos princípios por trás dos argumentos
contrários.
• Os adversários negam a autoridade dos teólogos: (1) Quebrando o elo
entre a Igreja e os teólogos, ou ao menos negando ou diminuindo a
autoridade dogmática da própria Igreja. (2) Opondo-se diretamente à
doutrina católica que os teólogos propõem e defendem. (3) Tentando
introduzir filosofia errônea ou outros conceitos falsos incompatíveis
com o ensinamento da fé.
C. Terceira Prova: os Efeitos
• O ensinamento dos teólogos, especialmente os escolásticos, é o que
melhor explica e defende a doutrina da fé, nutre e gera a fé, e
auxilia e aperfeiçoa a vida cristã. Pelo contrário, sempre e na medida
em que a doutrina dos teólogos é abandonada, especialmente aquela dos
teólogos escolásticos, erros teológicos, realmente heresias, emergem,
e a vida cristã decai. Toda a história eclesiástica presta testemunho
disso, desde a Idade Média até nossos dias. Por um lado, a magnífica
explicação e elucidação da doutrina cristã pelos teólogos
escolásticos, aprovados e aclamados pela Igreja (cujo encargo é julgar
a verdade da doutrina teológica), e sua fé e vida cristã exemplar. Por
outro lado, as heresias, erros teológicos, a vida cristã declinante:
tudo isso é provado pela história dos protestantes, baianistas,
jansenistas, modernistas, e outros adversários de escolas teológicas
recentes.
V. Objeções e Respostas. (A-C: Pe. Schultes; D–E: Pe. Cekada)
A. Então os teólogos ‘inventam’ doutrinas. “Não cabe aos teólogos
determinar se alguma doutrina é ‘de fide’ ou ‘certa’ ou ‘católica’.”
• Resposta: Os teólogos não ‘determinam’ se uma doutrina é ‘de fide’
ou ‘certa’ ou ‘católica’. Eles apenas demonstram, ou manifestam ou
testemunham que uma doutrina específica é ‘de fide’ ou ‘certa’ ou
‘católica’.
B. Mas os teólogos erraram no passado… “Ao longo da história, os
teólogos sustentaram vários erros, e além disso disputaram entre si
acerca de graves questões.”
• Resposta: Deixo passar a acusação de que os teólogos escolásticos
erraram em certas questões de fé. Eles jamais, todavia, defenderam
unanimemente um erro como sendo doutrina da fé.
C. Eles não podem explicar confiavelmente o significado da doutrina
definida. “Os teólogos são testemunhas confiáveis de uma doutrina tal
como definida pela Igreja. Mas eles não são testemunhas confiáveis
quanto ao significado de uma doutrina que eles propõem. Nisso eles têm
de ser considerados apenas doutores privados, interpretando o dogma e
aplicando-o de acordo com sua própria filosofia.”
• Resposta: Os teólogos são testemunhas não somente acerca de se uma
doutrina é definida, mas também de seu significado. (a) Ao explicarem
e determinarem o significado dos dogmas, os teólogos são considerados
doutores privados com relação aos métodos que eles usam (argumentos,
etc.), mas não quando eles propõem uma doutrina como doutrina da fé ou
da Igreja, ainda que eles expressem seu significado a outras pessoas
usando outros conceitos e fórmulas. (b) A opinião contrária obviamente
peca contra o ensinamento da Igreja acerca da autoridade dos teólogos.
(c) Ademais, é absurdo alegar que os Padres da Igreja e os seus
teólogos erraram ao apresentar e explicar o significado da doutrina da
fé. Essa opinião envolve o erro jansenista de que a fé foi
“obscurecida” na Igreja.
D. *Os teólogos e o Vaticano II.* “Os ensinamentos dos teólogos foram
responsáveis pelos erros doutrinais do Vaticano II. Já que esses
teólogos erraram e nós rejeitamos os ensinamentos deles, estamos
também, portanto, livres para rejeitar o ensinamento dos teólogos
anteriores se um ensinamento ‘não faz sentido’ para nós.”
• Resposta: O grupo de teólogos modernistas europeus principalmente
responsável pelos erros do Vaticano II era de inimigos da teologia
escolástica tradicional, que foram censurados ou silenciados pela
autoridade da Igreja: Murray, Schillebeeckx, Congar, de Lubac,
Teilhard, etc. Quando as restrições foram removidas sob João XXIII,
eles puderam difundir seus erros livremente. Na verdade, o fato de
eles terem sido silenciados anteriormente demonstra a vigilância da
Igreja contra o erro nos escritos dos teólogos dela.
E. *Interpretações Privadas [Livre-Exame] dos Pronunciamentos
Magisteriais.* “Eu acho que os pronunciamentos infalíveis da Igreja
são todos bem claros. Eu não preciso de ‘interpretações’ ou
explicações de teólogos. Eu simplesmente entendo tudo literalmente.”
• Resposta: Interpretações e explicações de texto “faça-você-mesmo”
são para os protestantes, não os católicos. A teologia é uma ciência
que opera sob o olhar vigilante da Igreja, e não uma “boca-livre” para
todo católico que tenha uma tradução vernacular do Denzinger. Como
qualquer outra ciência, a teologia opera segundo critérios
reconhecidos e objetivos que os especialistas empregam para chegar à
verdade acerca de diversas proposições. Então, se você não é treinado
na ciência, você não tem nada que ficar bolando suas próprias
interpretações dos pronunciamentos do magistério. Na melhor das
hipóteses, você acabará parecendo um ignorante; na pior, você acabará
virando um herege.
Explicação Adicional por Outro Teólogo
Sumário traduzido pelo Pe. Cekada a partir do material contido em:
I. Salaverri SJ. Tractatus de Ecclesia, 3.ª ed., Madrid: BAC, 1955,
846 pp.
Tese 21. O consenso dos teólogos em questões de fé e moral é um
critério certo da divina Tradição.
A. Valor Dogmático desta Tese. Ela é:
1. Doutrina Católica. (Pelo ensinamento de Pio IX supracitado.)
2. Teologicamente Certa. (Pela prática de Trento e do Vaticano I.)
B. Prova da Tese.
1. Premissa Maior. O consentimento dos teólogos em questões de fé e
moral é tão intimamente conexo com a Igreja docente que um erro no
consenso dos teólogos necessariamente levaria a Igreja inteira para o
erro.
2. Premissa Menor. Ora, a Igreja inteira não pode errar em fé e moral.
(A Igreja é infalível.)
3. Conclusão. O consenso dos teólogos em questões de fé e moral é
critério certo de Tradição divina.
C. Provas da Premissa Maior.
1. Citação de Obras Teológicas. Papas, bispos, etc., do século VIII em
diante ensinaram material que eles tiraram do ensinamento dos
teólogos.
2. Supervisão. Desde os séculos XII-XVI, a Igreja fundou, dirigiu e
supervisionou todas as escolas teológicas.
3. Legislação. Desde o tempo de Trento, obras teológicas foram usadas
em seminários que eram supervisionados por Bispos e Papas.
4. Consulta. A Igreja usou teólogos como consultores dela em questões
doutrinais.
5. Aprovação Implícita. A Igreja aprova implicitamente os conteúdos
das obras dos teólogos ao não censurá-las, coisa que ela é obrigada a
fazer em caso de erros teológicos.
6. Recomendação. Os escritos das diversas escolas teológicas são
elogiados pelos papas e apresentados como exemplos a imitar.
Seção III

Teólogos Pré-Vaticano II Que Ensinam

Batismo de Desejo, Batismo de Sangue.

De um dossiê com 122 páginas de material fotocopiado.


A tabela a seguir contém uma lista de teólogos pré-Vaticano II que
ensinam batismo de desejo (=desiderii, flaminis, in voto, etc.) e
batismo de sangue (=sanguinis, martyrii, etc.), juntamente com uma
referência para a página do dossiê fotocopiado que preparei. Dois
deles, Santo Afonso de Ligório e São Roberto Bellarmino, são Doutores
da Igreja. Muitos mais desses teólogos podem facilmente ser
encontrados. Essas foram apenas as obras de minha biblioteca
particular.
Também incluída está a categoria teológica (se houver) que cada
teólogo designou ao ensinamento sobre batismo de sangue e batismo de
desejo. Essa “categoria” em teologia (também chamada de “nota”
teológica, “qualificação” teológica, etc.) indica o quão próximo está
um ensinamento das verdades que Deus revelou e obriga-nos a crer —
seja “teologicamente certo”, “doutrina católica”, de fide (de fé),
etc. (Alguns teólogos simplesmente ensinam as doutrinas, e não
atribuem categorias.)

Tabela de Categorias Teológicas


Teólogo ou Canonista
Página no Dossiê
Categoria Teológica Batismo de Desejo
Categoria Teológica Batismo de Sangue
1. Abarzuza
2
de fide, teol. certa
teologicamente certa
2. Aertnys
7
de fide
ensina
3. Billot
10-20
ensina
ensina
4. Cappello
23
ensina
certa
5. Coronata
28
de fide
ensina
6. Davis
32
ensina
ensina
7. Herrmann
35
de fide
pertencente à fé
8. Hervé
38
teologicamente certa
teologicamente certa no mín.
9. Hurter
44
ensina
ensina
10. Iorio
47
ensina
ensina
11. Lennerz
49-59
ensina
ensina
12. Ligório
61-62
de fide
ensina
13. McAuliffe
67
doutrina católica
ensinamento certo comum
14. Merkelbach
71
certa
certa
15. Noldin
74
ensina
ensina
16. Ott
77
fidei proxima
fidei proxima
17. Pohle
81
doutrina católica
doutrina certa
18. Prümmer
89
de fide
doutrina constante
19. Regatillo
91, 96
de fide
ensina
20. Sabetti
98
ensina
ensina
21. Sola
102
fidei proxima
teologicamente certa
22. Tanquerey
107,111
certa
certa
23. Zalba
114
ensina
ensina
24. Zubizarreta
118
ensina
ensina
25. Bellarmino
120
ensina
ensina
Sumário das Categorias Teológicas
Batismo de Desejo
Batismo de Sangue
Ensinamento comum das doutrinas
25 (todos)
25 (todos)
Teologicamente certa, certa
3
8
Doutrina católica, constante
2
1
fidei proxima, pertencente à fé
2
2
de fide (de fé)
7
0
Seção IV

Conclusões, a partir do que foi visto,

Acerca de Batismo de Desejo e Batismo de Sangue


1. Todos os vinte e cinco teólogos ensinam batismo de sangue e batismo
de desejo, e nenhum rejeita o ensinamento, então ambas as doutrinas
são ensinadas com consentimento comum.
2. Alguns teólogos categorizam as doutrinas como teologicamente
certas.
3. Alguns teólogos categorizam as doutrinas como doutrina católica.
4. Alguns teólogos categorizam as doutrinas como de fide (de fé).
Seção V

Aplicação do Princípio do Papa Pio IX

ao Ensinamento desses Teólogos


1. Princípio Geral (de Pio IX, seção I: II-III acima):
Todos os católicos são obrigados a aderir a um ensinamento se os
teólogos católicos sustentam-no por consentimento comum, ou sustentam-
no como de fide, ou doutrina católica, ou teologicamente certo.
2. Fato Particular (das seções III, IV acima, como documentado no
dossiê):
Ora, os teólogos católicos sustentam o ensinamento sobre batismo de
desejo e batismo de sangue por consentimento comum, ou o sustentam
como de fide, ou doutrina católica, ou teologicamente certo.
3. Conclusão (1 + 2):
Logo, todos os católicos são obrigados a aderir ao ensinamento sobre
batismo de desejo e batismo de sangue.
Seção VI

Grau de Erro e a Gravidade do Pecado

Se Você Rejeita o Batismo de Desejo e o Batismo de Sangue


Cada “categoria” teológica tem uma censura teológica correspondente
anexa a ela, que expressa o grau de erro em que alguém caiu ao negar
esse ensinamento específico.
Abaixo estão as diversas categorias que os teólogos atribuíram ao
batismo de desejo e batismo de sangue, juntamente com as respectivas
censuras e uma nota acerca da gravidade do pecado cometido.
Os teólogos classificam os ensinamentos sobre os batismos de desejo e
sangue com uma das categorias seguintes:
SEU GRAU DE ERRO (a censura) se você nega o ensinamento:
GRAVIDADE DO PECADO contra a Fé se você nega o ensinamento:
Teologicamente certo
Erro teológico
Pecado mortal Indiretamente contra a fé.
Doutrina católica
Erro em doutrina católica
Mortal Indiretamente contra a fé.
De fide
Heresia
Mortal Diretamente contra a fé.
Seção VII

Conclusão Geral
Todos os católicos estão obrigados a aderir ao ensinamento comum sobre
batismo de sangue e batismo de desejo.
De acordo com as normas delineadas acima, a posição feeneyita
representa ou erro teológico, ou erro em doutrina católica ou heresia.
Os católicos que aderem à posição feeneyita sobre batismo de desejo e
batismo de sangue cometem um pecado mortal contra a fé.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, O Batismo de Desejo e os Princípios
Teológicos, 2000, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, maio de 2009,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-B
de: “Baptism of Desire and Theological Principles”, 11 pp.,
http://www.traditionalmass.org/images/articles/BaptDes-Proofed.pdf
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – I”
1. A. Daniele Disse:

5 dezembro 2009 às 15:05


Como católico adiro ao ensinamento sobre batismo de sangue e sobre as
condições excepcionais do batismo de desejo, come ensinam os papas Pio
IX e Pio XII.

Não adiro à posição feeneyita sobre batismo de desejo e batismo de


sangue. Há tempos tive longa discussão com eles sobre isto. No entanto
a análise do P. Cekada sobre o assunto é bisonha no sentido que o
acento é posto no crédito dos teólogos e pouco nos princípios. Evita a
questão do desejo explícito e implícito e a quem isto tudo deve ser
ensinado, nos casos aos quais aqueles teólogos católicos citados se
referiam. Qual era o problema? Dos batizados na Igreja, dos
protestantes, dos pagãos? Como se deviam comportar então os
missionários? O fato é que atrás dessas considerações sobre casos
deveras excepcionais, que pertencem ao Segredo de Deus, premia a
mutação que vimos com o Vaticano II, dos Rahner e Cia.; aliás foi ele
que deu um “jeitinho” no Denzinger.

Para ficar por aqui: a Carta de 1949 ao Arc. de Boston, que era de
fato o desviado dos princípios católicos, não é de Pio XII. Que o Papa
a tenha endossado não é tão certo e não sei se alguém conseguiu
encontrá-la entre os documentos AAS.

O que sei com certeza é que depois de Pio XII deram um golpe mortal na
necessidade do Batismo da Igreja para a salvação.

Saudações
2. Felipe Coelho Disse:

8 dezembro 2009 às 14:14


Muito prezado Sr. Araí Daniele, Salve Maria Imaculada!
Por mais que me honre muito ter o senhor comentando uma de minhas
pobres traduções, devo discordar do senhor quando afirma que “a
análise do P. Cekada sobre o assunto é bisonha [sic!! (F.C.)] no
sentido que o acento é posto no crédito dos teólogos e pouco nos
princípios. Evita a questão do desejo explícito e implícito” etc.
Pelo contrário, penso que, longe de ser “bisonha”, a análise dele toca
no problema essencial! E, de fato, o próprio Pe. Cekada, apresentando
num fórum tradicionalista este estudo que dele traduzi, conta que ele,
justamente, passou do método proposto pelo senhor ao método que o
senhor critica! E dá a razão:
“Embora muitos padres tradicionalistas, ao longo dos anos, tenham
escrito algumas críticas excelentes à posição dos seguidores do Pe.
Leonard Feeney sobre batismo de desejo e extra Ecclesiam nulla salus,
a maioria desses trabalhos concentra-se na refutação de detalhes
específicos da posição feeneyita: o significado do termo ‘batismo de
desejo’, o correto entendimento de textos patrísticos e magisteriais,
distinções sobre a ‘necessidade’, discussões sobre implícito vs.
explícito, etc.
Tendo eu mesmo seguido por esse caminho durante anos em discussões com
os seguidores do Pe. Feeney, acabei concluindo que debater esses
pontos com eles era perda de tempo, pois um erro mais fundamental
subjaz aos argumentos deles: eles rejeitam os princípios fundamentais
que a teologia católica (e, de fato, a própria Igreja) estabelece para
distinguirmos a verdadeira doutrina da falsa doutrina.
Em 2000, fui convidado a fazer uma apresentação a alguns seguidores do
Pe. Feeney, e foi esta a abordagem que adotei: eles rejeitam o
magistério ordinário universal e os princípios fundamentais da
teologia católica.
Meu argumento era essencialmente o seguinte:
[MAIOR:] Todos os Católicos são OBRIGADOS a aderir a um ensinamento se
os teólogos católicos sustentam-no por consenso comum, ou como de
fide, ou doutrina católica, ou teologicamente certo. (De Pio IX)
[MENOR:] Ora, os teólogos católicos sustentam o ensinamento sobre o
batismo de desejo e o batismo de sangue por consenso comum, ou como de
fide, ou doutrina católica, ou teologicamente certo. (De um exame dos
escritos de 25 teólogos católicos acerca dessas questões)
[CONCLUSÃO:]Logo, todos os católicos são OBRIGADOS a aderir ao
ensinamento sobre o batismo de desejo e o batismo de sangue.
Por fim, apontei para o fato de que negar um ensinamento que os
teólogos categorizam como teologicamente certo, doutrina católica ou
de fide é pecado mortal contra a Fé.
Para as provas, citações e refutação a algumas objeções, ver meu
artigo original: Baptism of Desire and Theological Principles [O
Batismo de Desejo e os Princípios Teológicos].
O erro feeneyita, assim como em grande medida o erro protestante,
funda-se, em última análise, na adoção dos critérios errados: em vez
do livre-exame da Bíblia, é o livre-exame do Denzinger.”
(Rev. Pe. Anthony CEKADA, Heart of the Feeneyite Error: Rejection of
Theological Principles [O Cerne do Erro Feeneyita: a Rejeição dos
Princípios Teológicos], em: Fish Eaters – Traditional Catholic Foruns,
8 de novembro de 2008, grifos do original, texto entre colchetes do
tradutor;
http://catholicforum.fisheaters.com/index.php?topic=3093617.0).
Penso que isso esclareça bem por que não posso concordar com o senhor
neste ponto.
Quanto à Suprema Haec Sacra, ainda que não tenha sido publicada nos
AAS, é citada por Mons. Fenton no livro dele “The Catholic Church and
Salvation” como boa exposição da doutrina da Igreja sobre o tema, de
modo que me parece difícil de conceber que essa carta possa conter
algum erro! Em todo o caso, o Pe. Cekada não a cita no estudo dele, e
o erro por ele impugnado é o dos feeneyitas, que consta foram ainda
além do Pe. Feeney, de modo que a citada carta do Santo Ofício sob Pio
XII não influi de maneira nenhuma na argumentação.
Em contrapartida, só posso concordar com o senhor, quando conclui: “O
que sei com certeza é que depois de Pio XII deram um golpe mortal na
necessidade do Batismo da Igreja para a salvação.” Com certeza, essa
necessidade é cada vez mais esquecida desde então, por causa do
Vaticano II e do chamado “espírito de Assis” que dele deriva,
incansavelmente promovido por João Paulo II e Bento XVI em suas
escandalosíssimas viagens “apóstalicas”.
Saudações,

Em JMJ,

Felipe Coelho

Textos essenciais em tradução inédita – CLXVII


26 outubro 2012

Recusa do Vaticano II versus livre-exame


(out. 2012)

Prof. N.M.

Acusa-se os tradicionalistas que não recebem o Vaticano II de preferir


seu juízo próprio ao juízo da Igreja. O problema é que as coisas não
se apresentam assim.
– Certamente que os ensinamentos do Vaticano II e dos pontífices pós-
conciliares se nos apresentam a priori tais como juízos da Igreja. E é
bem verdade que os católicos devem receber a priori os ensinamentos da
Igreja, mesmo quando não exijam um assentimento de fé divina ou um
assentimento definitivo.
– Salvo que, enquanto católicos, nós JÁ recebemos com um assentimento
(no mínimo) definitivo os juízos da Igreja que atestam:
a) A condenação do pretenso direito de não ser impedido de praticar
publicamente sua religião;
b) A adequação exclusiva entre a Igreja de Cristo e a Igreja Católica;
c) A salvação dos “cristãos separados” que estejam, apesar de tudo, de
boa fé, não em razão da comunidade separada à qual pertencem
aparentemente, mas, sim, apesar dela;
d) O fato de que as comunidades separadas onde se perpetuam o
sacerdócio e o episcopado válidos (ex.: os assim chamados “ortodoxos”)
não são outras tantas igrejas particulares;
e) A falsidade das religiões não-cristãs;
f) A solução de continuidade entre o Antigo Testamento e a religião do
Talmud;
g) A inexistência de distinção adequada entre o Papa (de um lado) e o
Colégio Episcopal (de outro) como autoridade suprema na Igreja;
h) A colação da jurisdição episcopal não pelo fato da só consagração
episcopal, mas em razão da designação a uma igreja particular pelo
Papa;
i) O caráter de verdadeiro e próprio sacrifício da Missa – de tal modo
que a Missa não seja um sacrifício somente enquanto o sacrifício da
Cruz é nela tornado presente (mesmo isso os protestantes podem
admitir), mas enquanto o signo sacramental é, ele próprio, um
sacrifício que significa e realiza a imolação do sacrifício da Cruz.
Novamente, não se trata de juízos próprios, mas de juízos da Igreja.
– Ora, receber os ensinamentos do Vaticano II, assim como os católicos
devem receber o ensinamento da Igreja, equivale em verdade a deixar de
assentir aos juízos da Igreja que acabam de ser listados, coisa
impossível para todo o católico consciente dessa contradição e que
queira permanecer católico.
Objetar-se-á que essa contradição entre o Vaticano II e os juízos
anteriores da Igreja deriva, ela própria, do juízo próprio.
Ao que, deve-se responder:
1.º Que o assentimento antecedente a um juízo da Igreja implica a
impossibilidade de aderir ao que quer que vá de encontro a ele;
2.º Que é à autoridade eclesial que incumbe inscrever-se visivelmente
e credivelmente na continuidade dos juízos antecedentes da Igreja;
3.º Que a manifestação dessa continuidade recai sobre a autoridade
eclesial (eu me repito) e não ao juízo próprio de teólogos agindo sem
mandato e contradizendo-se uns aos outros;
4.º Que não somente a autoridade eclesial não pode contradizer aos
seus predecessores no exercício desse mesmo encargo, mas ela não pode
tampouco, pelas meras aparências, levar a crer que exista uma tal
contradição, pois nesse caso ela induzirá os fiéis em erro e arruinará
a credibilidade da Igreja.
As aparências estão contra o Vaticano II… logo, o Vaticano II está em
erro. (*) Querer fazer crer que o Vaticano II é da Igreja malgrado as
aparências contrárias é arruinar a credibilidade da Igreja, é reduzir
sua visibilidade a um mascaramento.

[(*) N. do T. – Para mais sobre este argumento, cf. o último dos 16


fatos elencados por J.S. DALY ao final de seu magistral estudo
“Liberdade Religiosa. O Dr. Brian Harrison e a tentativa de absolver o
Vaticano II de erro” (2006, trad. br. em: http://wp.me/pw2MJ-12r ).]
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Prof. N. M., Recusa do Vaticano II vs. livre-exame, out. 2012, trad.
br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1v0
A partir do comentário de 23-X-2012 do A. no fórum “Un évêque s’est
levé!”,

http://lefebvristes.forum-box.com/p4151.htm
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Pérolas em meio à lama da rede – XII
24 outubro 2012

Toda clase de milenarismo

debe ser rechazada


Iosepho F. SAGÜÉS, S. I.

(1907-1969)

In: Tractatus de Novissimis. Sacrae Theologiae Summa,

t. IV, 4.ª ed. (Madrid: B.A.C., 1962), pp. 827-1030;


CAPUT IV. De millenarismo.

THESIS 14. Millenarismus omnis reiciendus est,


pp. 1022-1027; trad. esp. do saite Mercaba.org:

CAPITULO IV – DEL MILENARISMO


TESIS 14. Toda clase de milenarismo debe ser rechazada.

324. Nexo. Así pues ya que Jesucristo va a venir a la tierra y va a


enviar definitivamente a los elegidos al cielo y a los malos al
infierno, se puede preguntar si entre estos dos hechos, a saber, entre
la venida de Jesucristo y la retribución final de los justos, El mismo
va a reinar gloriosamente en la tierra entre los justos durante algún
tiempo. Tratamos por tanto del milenarismo.
325. Nociones. EL MILENARISMO o quiliasmo (?????????) es la opinión,
que (prescindiendo de multitud de diferencias con que la presentan sus
defensores) afirma lo siguiente: después del estado actual de la
Iglesia va a darse en la tierra un reino glorioso de Jesucristo, y en
verdad lleno de toda clase de gozo, el cual va a durar alrededor de
mil años.
Lo que se encierra en esta definición, es como el elemento esencial
del milenarismo, lo cual lo admiten más o menos todos los que
defienden esta opinión. En cambio son elementos secundarios, los que
los quiliastas presentan de distintas formas: a) A ver si aquel reino,
que debería sin duda tener súbditos en este mundo, va a suceder entre
la segunda venida de Jesucristo y entre la resurrección general y el
juicio final, según dicen comúnmente, y sin duda después de la
resurrección de todos los justos o de la mayor parte de éstos o sin
haberse dado esta resurrección, sino estando todavía viviendo en
cuerpo mortal muchos justos; o por el contrario si más bien va a
suceder después del juicio universal. b) Acerca de si este reino va a
durar precisamente mil años, o simplemente va a durar un largo tiempo
sin ninguna ulterior determinación o más bien con alguna
determinación, o tal vez va a durar eternamente.

326. El milenarismo: a) Craso (esto es carnal) atribuye toda clase de


deleites corporales, aparte de otros gozos, a la felicidad de este
reino. b) El milenarismo mitigado (o espiritual, sutil) hace poner
esta felicidad en los gozos o bien solamente espirituales o tal vez
también, según el distinto modo de hablar, en gozos materiales
totalmente honestos.
TODA CLASE, esto es, tanto el milenarismo craso como el mitigado.
DEBE SER RECHAZADA, no en el sentido de que todo milenarismo repugne
intrínsecamente, sino porque de hecho el milenarismo es una teoría que
no está de acuerdo con las fuentes.

327. Adversarios. En medio de una variedad tan grande de maneras de


hablar es difícil distribuir en grupos a los defensores del
milenarismo. Por tanto pueden citarse en general como adheridos al
milenarismo: a) al craso, CERINTO, los Ebionitas, NEPOS. b) Al
milenarismo mitigado, el cual lo enseñó en primer lugar, según parece,
PAPIAS, S.IRENEO, S.JUSTINO, TERTULIANO y los Montanistas, S.METODIO,
LACTANCIO (R 647); y se cita como próximos a éstos un gran número a
partir del s.XIV, entre los cuales se encuentran, por citar aquí unos
pocos, EYZAGUIRRE, MORRONDO, CHABAUTY, ROHLING, además de muchísimos
Protestantes, como los Mormones, los Irvingianos, los Adventistas,
otros como BIETENHARD, el cual espera, después de la primera
resurrección de todos los que duermen y la transformación de los
justos, algún reino de Jesucristo que gobierne visiblemente en
Jerusalén y sobre Israel; M. DE LACUNZA, que tiene una gran
preeminencia entre los milenaristas más modernos a causa del gran
influjo que ejerció en autores posteriores, incluso en los
Protestantes.
Del milenarismo entendido así difiere la opinión acerca de un futuro
estado feliz de la Iglesia, sobre la cual opinión diremos algo
después. De donde hay que preguntar si cada uno de aquellos autores
que hemos citado u otros autores, los cuales también son nombrados
como milenaristas, enseñan una venida de Jesucristo visible (al menos
a manera de un acto, o sea no habitualmente), puesto que en otro caso
juzgamos que no deben ser tenidos como milenaristas en sentido
estricto.
El origen del milenarismo, que es difícil de determinar, parece que
proviene del Judaísmo, en cuyos apócrifos y en otros escritos ya
estaba en vigor antes de la encarnación de Jesucristo la idea de un
tiempo futuro en el que los hombres gozarían de todos los bienes
materiales, a los cuales sin embargo con frecuencia se decía que había
que añadir también los bienes espirituales. Este tiempo, según las
distintas opiniones, empezaría con el Mesías o sin el Mesías;
alcanzaría solamente a los judíos o también a los no judíos que les
estuvieran sometidos o también a los justos; duraría 400 ó 1000 ó 2000
años, etc. Así pues, aleccionados de este modo por el Judaísmo e
interpretando mal el texto del Apocalipsis 20, parece que algunos
cristianos han tomado la idea del milenarismo, la cual, según se ha
dicho, Cerinto y otros la interpretaron materialmente y Papías y otros
la concibieron de un modo espiritual.

328. Doctrina de la Iglesia. a) Negativamente. La Iglesia en sus


documentos nunca cita el reino milenario de Jesucristo. Más bien,
según está claro por los textos que hemos aducido en favor del juicio
final, solamente concibe una segunda venida de Jesucristo para juzgar
a todos los hombres y en verdad una vez ya resucitados, a fin de dar a
éstos de forma definitiva inmediatamente después el premio o el
castigo.
b) Positivamente. La Sagrada Congregación del Santo Oficio encomendó
el año 1941 al Exmo. señor Arzobispo de Santiago de Chile que había
hecho una pregunta acerca del milenarismo espiritual, el cual parece
ser que lo defendían algunos en su diócesis, lo siguiente: «El sistema
del milenarismo, incluso del milenarismo mitigado – a saber el que
enseña que según la revelación católica nuestro Señor Jesucristo antes
del juicio final, bien después de la resurrección de muchos justos o
bien sin haber todavía sucedido esta resurrección, va a venir
corporalmente a esta tierra a fin de reinar – es una teoría que no
puede enseñarse con seguridad». A estas palabras se añaden las
siguientes: «Vuestra Exca. cuidará de vigilar con todo empeño a fin de
que la teoría citada no sea enseñada bajo ningún pretexto, ni sea
propagada, ni defendida, ni recomendada, tanto de palabra como con
cualquier clase de escritos».
Luego estas palabras se refieren directamente: al milenarismo aunque
sea el mitigado (por consiguiente mucho más se refieren al
milenarismo craso, del cual no obstante no se habla en este texto
directamente); en cuanto se dice que está contenido en la revelación
pública; y en cuanto que enseña que Jesucristo va a venir:
corporalmente, antes del juicio final, a fin de reinar (así pues no se
niega que Jesucristo tal vez en alguna ocasión se aparezca por otro
motivo, corporalmente en este mundo durante un breve tiempo, v.gr.
como apareció a Pablo), a esta tierra, bien después de la resurrección
de muchos justos bien sin haber sucedido todavía esta resurrección; y
se afirma que esta teoría del milenarismo no puede enseñarse con
seguridad; igualmente se prohíbe cualquier clase de propaganda de la
misma.

329. Después la misma Sagrada Congregación, el año 1944, respondió a


una pregunta acerca de «qué había que pensar sobre el sistema del
milenarismo mitigado, a saber el que enseña que nuestro Señor
Jesucristo antes del juicio final, bien después de haber resucitado
muchos justos bien sin haber todavía resucitado éstos, va a venir a
esta tierra para reinar», lo siguiente: «El sistema del milenarismo
mitigado no puede enseñarse con seguridad».
Esta respuesta, según se ve claramente, repite la respuesta anterior,
sin embargo omitiendo las palabras de aquella primera respuesta «según
la revelación católica» y substituyendo la palabra «corporalmente» por
la palabra «visiblemente».

330. Valor dogmático. El milenarismo craso es considerado por los


teólogos como herético, y ciertamente con toda razón en cuanto que es
opuesto a la Sagrada Escritura (Mt 22,30; 1 Cor 15,50; Rom 14,17).
El milenarismo mitigado es una opinión por lo menos temeraria.

[Chiliasmus mitigatus est opinio saltem temeraria.]

331. Prueba de la Sagrada Escritura. La Sagrada Escritura en ninguna


parte habla del reino milenario; más aún, si bien no lo rechaza
expresamente, une con la segunda venida de Jesucristo la resurrección
universal de los muertos y el juicio final, al cual le sigue en verdad
inmediatamente la ejecución de la sentencia, de tal modo que no deja
lugar alguno al reino milenario (cf. v.gr. Mt 24,3.27-31 y 25,31-46;
Jn 5,27-29; Mt 16,27; 2 Tim 4,1).
Tampoco después del juicio se otorga a los justos un reino milenario,
sino un reino eterno: Mt 25,34. Después de la resurrección en el
último día (Jn 6,39) acontece en el último día el juicio (Jn 14,48),
al cual sigue la inmediata retribución del premio o del castigo (Mt
24-25; 1 Tes 4,15s).

332. Prueba de la tradición. Los SS.PP. rechazan enérgicamente


cualquier clase de milenarismo. S.JERONIMO habla «de la fábula de los
mil años». S.AGUSTIN, el cual anteriormente había admitido el
milenarismo, después lo rechaza.
Por lo demás en cuanto a los Padres partidarios del milenarismo
(mitigado) Pesch dice lo siguiente: «Así pues, si desea ya alguien
deducir por sus palabras, cuáles son los escritores antiguos insignes
por su autoridad en Teología Dogmática, los cuales han enseñado el
milenarismo más espiritual, pueden reducirse a dos: Justino e Ireneo,
influidos por la veneración de Papías, y estos dos admiten que otros
buenos cristianos piensan en sentido contrario. De donde el argumento
que alguien pretendiera extraer de la tradición prácticamente no tiene
valor ninguno». Más aún Rosadini añade acerca de otros las siguientes
palabras: «Estos… ni presentan esta época de felicidad (ciertamente
espiritual) en el mismo sentido, ni siempre lo hacen de forma
aseverativa, y, lo que todavía es más de tener en cuenta, se oponen a
éstos otros varones eclesiásticos de gran autoridad».
Y en cuanto a los Padres posteriores Franzelin escribe lo siguiente:
«Después de Lactancio, al comienzo del siglo IV, ya ningún autor serio
y católico hasta hoy ha mencionado esta teoría, sin que haya sido para
al mismo tiempo desaprobarla y rechazarla». «Así pues, no puede haber
ninguna duda acerca de la unanimidad universal, constante y ratificada
de los Padres y de los Doctores, por lo menos a partir del siglo V
hasta nuestros días, en el hecho de rechazar esta opinión
milenarista».

333. Objeción. Sin embargo parecería que milita en favor del


milenarismo el texto del Apoc 20: Luego vi a un ángel que bajaba del
cielo… Dominó al dragón… y lo encadenó por mil años… vi también las
almas de los que fueron decapitados por el testimonio de Jesús…
revivieron y reinaron con Cristo mil años. Los demás muertos no
revivieron sino hasta que se acabaron los mil años. Es la primera
resurrección. Dichoso… el que participa en la primera resurrección; la
segunda muerte no tiene poder sobre éstos… y reinarán con Cristo mil
años. Cuando se terminen los mil años, será Satanás soltado de su
prisión y saldrá a seducir a las naciones… Entregó el mar los muertos
que tenía en su seno, y asimismo la muerte y el infierno entregaron
los que tenían, y fue juzgado cada uno según sus obras. La muerte y el
infierno fueron arrojados al estanque de fuego; esta es la segunda
muerte.
Así pues según estas palabras parecería que iban a resucitar
primeramente los justos, los cuales reinarían con Cristo en la tierra
durante mil años, y después todos los demás para el juicio final.
Sin embargo hay que negar esto. El libro del Apocalipsis es muy
oscuro. De aquí que el texto que se ha presentado como objeción, no
poco difícil en sí mismo, debe ser entendido haciendo uso de aquella
interpretación, que esté más de acuerdo con la analogía de los dogmas,
si bien tal vez esta interpretación sea menos literal y obvia.
Por tanto en el reino de Cristo durante mil años, esto es a lo largo
de un largo tiempo antes de la segunda venida de Jesucristo, muchas
almas alcanzan la santidad y la salvación eterna: esta es la
resurrección primera. Los impíos, en cuanto que no resucitan de este
modo espiritualmente, se dice que están muertos. Al fin del mundo se
le permitirá al diablo atacar con más dureza el reino de Jesucristo,
todos los muertos resucitarán corporalmente (esta es la resurrección
segunda) y después del juicio final los impíos serán entregados al
fuego: esta es la muerte segunda. Esta interpretación adecuada del
texto, ya expuesta por S. Agustín, es la más común entre los teólogos
y exegetas católicos.
Además en el texto que se ha puesto de objeción no se indica que aquel
reino va a ocurrir en esta tierra, o después de la segunda venida de
Jesucristo.
Wickenhauser es de la opinión, la cual no debe ser admitida por los
demás, de que aquella primera resurrección es propiamente la
resurrección corpórea de los mártires, por la que se indicaría
simbólicamente que éstos son galardonados con algún privilegio de la
gloria.

334. Escolio. Del estado feliz que va a tener la Iglesia. Según estas
teoría, antes de la llegada de Jesucristo se dará un largo período en
el cual la Iglesia se encontrará en un estado muy feliz. Afirman esto,
además de muchos acatólicos, ciertos católicos como Bisping.
Esta opinión, según Beraza, es «falsa y está muy alejada del dogma
católico»; según Lercher «debe ser desaprobada como temeraria». Sin
embargo, si mantiene la doctrina de Jesucristo acerca de que se debe
llevar la cruz, no parece que deba ser calificada de este modo. No
obstante carece sin duda de un fundamento sólido: pues la cruz de
Cristo siempre hay que llevarla (Lc 9,23; 14,25); en la Iglesia
siempre habrá trigo y cizaña (Mt 13,24-30), ovejas y cabritos (Mt
25,32s); corderos y lobos (Lc 10,3), buenos y malos (Mt 13,47); en
todos, incluso en los justos, siempre quedará la concupiscencia
derivada del pecado original (D 792), fuente de muchos males morales,
e igualmente la posibilidad de sufrir físicamente.

(Rev. Pe. José SAGÜÉS, S.J., Tractatus de Novissimis, Lib. 2, Cap. 4,


Thesis 14, nn. 324-334, in: Sacræ Theologiæ Summa, vol. IV, Tratado
VI; trad. esp. [presumivelmente da 4.ª ed. deste 4.º vol., Madrid:
B.A.C, 1962] em:
http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/cartel_novisimos.htm).

_____________

SOBRE A OBRA:
“Las tres primeras escatologías de cuño estrictamente español,
publicadas poco después de la guerra civil y antes del Vaticano II,
responden al esquema neoescolástico de entre-guerras. [...] Es curioso
constatar, sin embargo, que las propuestas del «nacional-catolicismo»,
tal como eran formuladas entonces en muchos ambientes españoles, y
que, evidentemente apuntaban a la cuestión del Reino entendido
intrahistóricamente, no influyeron para nada en los dos manuales que
voy a comentar seguidamente, que se atuvieron a las pautas más
clásicas de la manualística de los ateneos romanos de aquella hora.
***

En primer lugar, y por orden cronológico, debo referirme a la


escatología escrita en lengua latina por los profesores de la
Universidad Pontificia de Comillas, que fue obra muy leída y
estudiada, y de una influencia notable, en aquellos años, entre
nuestros candidatos al sacerdocio. José Sagüés estructuró su De
novissimis en dos libros: primero, los novísimos del hombre y,
después, los novísimos del mundo. Los del hombre (es decir, la
escatología individual) siguen la división corriente de la catequesis
renacentista: muerte, juicio particular, bienaventuranza, infierno y
purgatorio. Cada una de estas partes trata los temas habituales
heredados de la escolástica (momento de la muerte; merecimiento
después de la muerte; esencia de la visión beatífica; existencia,
duración y naturaleza de las penas infernales; [232/233] penas del
purgatorio; y sufragios por los difuntos). La influencía estructural
de la bula dogmática Benedictus Deus, de 1336, promulgada por
Benedicto XII, es evidente. En cuanto a los novísimos del mundo, los
temas abordados son los habituales en la neoescolástica: la
resurrección futura, las dotes o propiedades de los cuerpos gloriosos,
la glorificación accidental de los bienaventurados, los cuerpos de los
condenados, los milenarismos y la consumación del Cuerpo Místico, que
es la Iglesia. El tratado de Sagüés resulta sumamente claro y
pedagógico, y tiene la solidez de lo que ya está decantado por una
larga experiencia catequética. Esto explica su éxito. Jugando con
variaciones tipográficas, Sagüés puede abordar muchos temas discutidos
(por ejemplo, si murieron Enoc y Elías; si morirá la última generación
humana, la que vea el fin del mundo; el problema complicadísimo de la
felicidad o beatitud natural, que tanto preocupó a Aristóteles; la
hipotética unión de los bienaventurados con la persona del Verbo; y
tantas cuestiones más, que la teología había ido adquiriendo con el
paso del tiempo y enriqueciéndose con ellas). Todavía hoy se lee con
provecho este tratado De novissimis.”
(Josep-Ignasi SARANYANA, La Escatología en España (I), em: Anuario de
Historia de la Iglesia, vol. VII, 1998, pp. 229-248, cit. à p. 232-
233, grifos meus;
http://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/236869.pdf).
[Incidentalmente, o Dr. Saranyana é também A. de um estudo sobre as
conexões históricas e doutrinárias entre “El milenarismo lacunciano y
la teología de la liberación” (AHIg XI [2002] 141-149),

http://redalyc.uaemex.mx/pdf/355/35501114.pdf.]

_____________

VISÃO PANORÂMICA

DA 2ª PARTE DA OBRA:

SUMA DE LA SAGRADA TEOLOGÍA


TRATADO SEXTO: DE LOS NOVÍSIMOS

O DE LA CONSUMACIÓN DE LA OBRA DE DIOS

Por el P. José Sagüés, S.J.


http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/cartel_novisimos.htm

INTRODUCCIÓN

http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/introduccion.htm
[...]
LIBRO II – DE LAS POSTRIMERÍAS DEL MUNDO

http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/novisimos_del_mundo_01.h
tm
CAPÍTULO I – DE LA SEGUNDA VENIDA DE CRISTO
CAPITULO II – DE LA RESURRECCIÓN DE LA CARNE

http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/resurreccion_carne.htm
Articulo I.-De la resurrección futura de los muertos

TESIS 12.-En la segunda venida de Cristo resucitarán todos los hombres


con los mismos cuerpos, con los cuales vivieron su vida.

Artículo II.-De la identidad del cuerpo del resucitado

Artículo III.-De las dotes del cuerpo glorioso

Escolios.
CAPÍTULO III – DEL JUICIO UNIVERSAL

http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/Novisimos/del_juicio_universal.htm
Artículo I.-De la existencia del juicio universal

TESIS 13.-En la segunda venida de Jesucristo serán juzgados todos los


hombres vivos y muertos.

Artículo II.-De las circunstancias concomitantes al juicio universal


CAPÍTULO IV – DEL MILENARISMO
TESIS 14.-El milenarismo es totalmente rechazable.

Escolio.-Del futuro estado feliz de la Iglesia


CAPÍTULO V – DEL FIN DEL MUNDO MATERIAL
Escolio.-De la consumación del Cuerpo Místico

_____________
R. P. José F. SAGÜÉS, S.J., Toda clase de milenarismo debe ser
rechazada. STS IV, De Novissimis, nn. 324-334; http://wp.me/pw2MJ-1xJ

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Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – XXIV
20 outubro 2012

A verdadeira causa

dos triunfos do islamismo


(1858)

Dom Próspero GUÉRANGER, O.S.B.

O islamismo e suas conquistas vêm, desde o século VII, reivindicar a


atenção do historiador, e um tal assunto oferece copiosa fonte de
considerações fecundas. O escritor naturalista narra os fatos; ele
arrasta seu leitor nos passos desses conquistadores que o deserto
vomitou de repente. Nos relatos deles, vemo-los espalhar-se como um
dilúvio, e sem que dique algum os detenha, por diversas províncias do
império do Oriente.
Donde vêm eles? Qual a lei providencial que os conduz e lhes assinala
um limite que não devem ultrapassar? Essas perguntas, o historiador
naturalista não as faz a si próprio; como ele poderia dar a solução
delas ao seu leitor? O historiador cristão, pelo contrário, que sabe
que tudo neste mundo é dirigido conforme o plano sobrenatural, cuida
de não deixar passar um fato tão imenso sem tê-lo submetido às
investigações da sua fé. Instruído na escola das Sagradas Escrituras,
ele sabe que a escravização dos povos sob o jugo de ferro da conquista
é, simultaneamente, um castigo do Céu pelas prevaricações de um povo,
e um exemplo terrível dado às outras nações. É bem o mínimo, com
efeito, que um cristão compreenda o que compreendeu um bárbaro, uma
espécie de selvagem, Átila, numa palavra, que se definia a si mesmo
como flagelo de um Deus que ele nem sequer conhecia.
Assim, não duvidemos disto: o islamismo não é, em absoluto,
simplesmente uma revolução de árabes que se enfadam sob as tendas, e
aos quais um líder hábil imprimiu uma sobre-excitação que os impele de
imediato à conquista das cidades mais luxuosas do Oriente. Não; mas
Deus permitiu que prevalecesse por um tempo o antigo inimigo do homem,
e lhe permitiu escolher um órgão com cujo auxílio ele seduzirá os
povos, ao mesmo tempo que os subjugará pela espada. Daí Maomé, o homem
de Satanás, e o Corão, seu evangelho. Ora, qual o crime que fez assim
transbordar a justiça de Deus, e levou-a a abandonar esses povos a uma
escravidão da qual não se antevê ainda o fim? A heresia é esse crime
odioso, que torna inútil a vinda do Filho de Deus a este mundo, que
protesta contra o Verbo de Deus, que espezinha o ensinamento infalível
da Igreja. Cumpre que esse crime seja punido e que as nações cristãs
aprendam que um povo não se ergue contra a palavra revelada sem se
expor a ver castigada, mesmo já neste mundo, a sua audácia e
ingratidão.
Assim sucumbem tanto Alexandria, segunda sé de Pedro, quanto
Antioquia, onde ele primeiro se assentara, e Jerusalém, que guarda o
sepulcro glorioso. Nessas famosas cidades, há ainda de fato um povo
que foi visto ora ortodoxo, ora herético, ao bel-prazer de seus
patriarcas; a escravidão desencadeada pelas blasfêmias desta outra
população mais numerosa que segue os dogmas ímpios de Nestório e de
Êutiques vem encobrir esses restos católicos de uma Igreja outrora tão
pujante, como as águas do dilúvio engoliram os pecadores arrependidos
com a multidão dos perversos que Deus havia resolvido perder, como a
peste, quando Deus a lança sobre um país, ceifa ao mesmo tempo os
amigos de Deus e seus inimigos.
A maré detém-se diante de Constantinopla e não inunda ainda as regiões
que dela se avizinham. O império do Oriente, que logo se tornou o
Império grego, é posto em condições de tirar proveito da lição. Se
Bizâncio tivesse velado pela fé, Omar não teria visitado nem
Alexandria, nem Antioquia, nem Jerusalém. Um adiamento foi concedido;
ele será de oito séculos; mas, quando Bizâncio tiver preenchido a
medida, o crescente vingador reaparecerá. Não será mais o sarraceno,
ele foi esgotado; mas o turco, e Santa Sofia verá caiarem suas imagens
cristãs e pendurarem sobre elas as sentenças do Corão, porque ela se
tornou o santuário do cisma e da heresia. Mas voltaremos a tratar de
Bizâncio.
À época que estudamos, o sarraceno, depois de ter escravizado as três
cidades santas, precipita-se até a Armênia, cujo povo adotou o erro
monofisita; ele se lança ao litoral da África, manchado pelo
arianismo, e de um salto chega à Espanha. Ele sairá de lá à força,
pois a heresia ali não mais está: será apenas questão de tempo. Quanto
à sua audácia de penetrar até ao solo francês, ele a expiará duramente
nos campos do Poitou. O Islão se enganou; onde a heresia não reina,
não há lugar para ele. Como paga dessa proeza, ele receberá na
península mais de uma visita de Carlos Magno, sempre ortodoxo e sempre
conquistador, que, como cavaleiro de Cristo, virá em auxílio de seus
irmãos da Espanha.
Detenhamo-nos aqui, após haver reverenciado a justiça de Deus quanto à
heresia e reconhecido a verdadeira causa dos triunfos do islamismo, e
a única razão da permissão divina à qual deve ele o fato de ter
existido, de não ter sido uma seita obscura e efêmera no fundo da
Arábia.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Dom GUÉRANGER, A verdadeira causa dos triunfos do islamismo, 1858,
trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1xM
Fonte:

Dom GUÉRANGER, Jésus-Christ Roi de l’Histoire, Collection Sens de


l’Histoire, Association Saint Jérôme, 2005, pp. 95-97.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Textos essenciais em tradução inédita – CLXVI
16 outubro 2012

Quão Sacerdotal é a Fraternidade São Pio X?


(11 out. 2012)

Rev. Pe. Anthony Cekada

A atual abordagem da FSPX, à questão de se é ou não é válida uma


ordenação conferida no rito novo, é exatamente o oposto dos princípios
estabelecidos pela teologia sacramental católica, e parece ter sido
este o procedimento seguido por eles no caso do Pe. Voigt.
A FSPX formula um julgamento sobre A INTENÇÃO DO MINISTRO. O prelado
que o ordenou tinha “crenças católicas”? Era de algum modo
“tradicional”, ou “conservador”? Manning [N. do T. – Dom Timothy
Manning, consagrado Bispo em 1946, mas tentou em 1978 ordenar o Dr.
Voigt com o novo rito de ordenação, de Paulo VI.] tinha essa reputação
[de conservador], então a “intenção” deve ter sido correta. Presto!, a
ordenação é válida.
Esse modo de proceder viola o princípio geral que o Papa Leão XIII
estipulou ao condenar as ordens anglicanas: “de internis Ecclesia non
judicat” (a Igreja não emite julgamento sobre coisas internas).
Se a Igreja não julga sobre coisas internas, como é que podem fazê-lo
o Pe. Fullerton e o bispo Fellay? [N. do T. - Ambos disseram ao Dr.
Voigt que ele não precisaria ser reordenado sob condição para
trabalhar com a FSPX.]
Pelo contrário, quando se trata de determinar a validade de uma
ordenação, olha-se primeiro para as coisas externas: matéria e forma.
É aqui que o problema se encontra no novo rito de ordenação sacerdotal
de Paulo VI, e foi por essa razão que o Arcebispo Dom Lefebvre disse-
me [em meados da década de 1970, em Écône] que ele considerava
duvidoso o novo rito.
Paulo VI introduziu uma mudança na versão latina da forma sacramental
essencial prescrita por Pio XII – ele removeu a palavra ut (= com a
finalidade de) que conectava as duas partes da forma em latim.
[N. do T. – O Sr. John S. Daly, num tratamento exaustivo da questão
que pretendo publicar traduzido muito em breve, traz o seguinte
exemplo dado por um finado sacerdote tradicional: “há uma grande
diferença entre a sentença: ‘Estou armado; você pode morrer’ (sem
‘ut’) e a sentença: ‘Estou armado para que você possa morrer’.”]
Isso é uma alteração substancial ou não é? O Arcebispo Dom Lefebvre
considerou que era, no mínimo, suficiente para tornar o rito duvidoso,
e para exigir ordenação condicional para os padres que o haviam
recebido.
Mas isso era a versão da forma em LATIM, e os padres na América do
Norte em sua maioria foram ordenados com as versões oficiais da forma
em INGLÊS, do I.C.E.L.: uma versão provisória e então uma versão
definitiva, que apareceu mais tarde.
A tradução provisória traduzia errado uma palavra-chave na PRIMEIRA
parte da forma (“presbyteratus”, que ela vertia como “presbiterado”.).
A tradução definitiva corrigiu esse erro de tradução, mas aí traduziu
errado outra expressão-chave na SEGUNDA parte da forma (“secundi
meriti munus”).
Assim, em acréscimo a uma palavra deletada no original em latim, há
erros de tradução na formulação em INGLÊS da forma, que suscitam mais
dúvidas quanto à sua validade.
Se o ministro de um sacramento emprega uma forma sacramental essencial
defeituosa, as “crenças católicas” dele são incapazes de compensar o
defeito. O sacramento é INVÁLIDO, e no caso de uma ordenação
sacerdotal, tem de ser reiterado, absolutamente ou sob condição,
empregando a forma correta.
É isso que deveria ter sido feito no caso do Pe. Voigt, e este deveria
ter sido o modo de proceder com TODOS os padres ordenados no novo rito
que viessem trabalhar com a FSPX. Os leigos têm o DIREITO a
sacramentos certamente válidos.
Um tal procedimento, claro está, não teria sido ótimo para quebrar o
gelo se fosse mencionado nas conversas, à mesa de negociações, entre a
FSPX e “Roma”.
Assim, a FSPX bolou a ideia de investigar a intenção dos prelados
ordenantes, “caso a caso”.
Por um lado, a FSPX poderia vender esse modo de proceder, à mesa de
negociações “romana”, dizendo não estar questionando TODAS as
ordenações no novo rito, apenas certos casos em que havia
“preocupações”.
Por outro lado, ela poderia aplacar os membros do laicato (que
corretamente se preocupam com a validade dos novos sacramentos)
dizendo: “Oh, sim, nós levamos tudo isso muito a sério, nós
‘investigamos’ cada caso, nosso Superior Geral o averigua”, etc.,
quando na realidade o procedimento todo é uma farsa baseada num falso
princípio.
A FSPX engambelou a TODOS quanto a isso – o laicato, seu baixo clero
e, sobretudo, padres bem-intencionados como o Pe. Voigt – e pôs os
leigos em risco de sacramentos inválidos toda a vez que um desses
padres opera.
Para resolver tais questões no caso do Pe. Voigt (se é que de fato ele
já não recebeu ordenação sob condição), eu recomendaria pô-lo num
avião para Londres, para uma visita discreta ao prelado favorito do
fórum Ignis Ardens.
O que quer que o próprio Pe. Voigt possa pensar da validade de sua
ordenação em 1978, o problema, lamentavelmente, é um que não
desaparecerá, e seria mais prudente corrigi-lo logo, de uma vez por
todas.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Quão Sacerdotal é a Fraternidade São Pio X?,
2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1xt
A partir do comentário feito pelo A. em 11 de outubro de 2012 no fórum
de discussão tradicionalista Ignis Ardens, no tópico “Re: Fr. Voight’s
Ordination, Novus Ordo or Conditional?” [Sobre a ordenação do Pe.
Voigt: Novus Ordo ou Sob Condição?]:
http://z10.invisionfree.com/Ignis_Ardens/index.php?showtopic=11067&vie
w=findpost&p=22034064
[O título é de responsabilidade do tradutor. Quem ler inglês poderá
acompanhar, no tópico linkado, as duas declarações evasivas do Dr.
Voigt em resposta às legítimas indagações dos debatedores, e os
comentários geralmente judiciosos de alguém que escreve sob o
pseudônimo “Retrad”.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Textos essenciais em tradução inédita – CLXV
15 outubro 2012

Neblinoscopus
O Bispo Williamson sobre

o Novo Rito de Ordenação


(2008)

Rev. Pe. Anthony Cekada

Numa postagem de 15 de novembro em seu blogue, Dinoscopus, o bispo


Richard Williamson FSPX descarta um argumento contra o rito de
ordenação sacerdotal de 1968 com o seguinte comentário:
“Mas o argumento acima, para ser conclusivo, teria de provar que os
documentos e reformas conciliares em si mesmos positivamente excluem o
sacerdócio e a religião católica, pois enquanto o novo rito puder ser
tomado como não excluindo o verdadeiro sacerdócio, ele pode ainda ser
usado validamente para ordenar um verdadeiro sacerdote.
Infelizmente (para fins de clareza), a vontade de Paulo VI tal como se
vê em todas as reformas dele (e agora de Bento XVI) é introduzir a
nova religião do homem lado a lado com a religião católica de Deus, de
modo a incluir e não excluir esta última! Ora, toda mente sadia não
pode suportar a ideia de que 2 e 2 sejam 5 de tal maneira que não se
exclua que sejam 4. Mas as mentes conciliares não são sadias. Querem
apostatar e ao mesmo tempo permanecer católicas! Assim, o novo rito de
Ordenação pode omitir muitas características da ordenação católica,
mas ele não introduz nada que positivamente exclua uma verdadeira
ordenação.”
As passagens em questão são mais do velho smog [= nevoeiro misturado
com poluição (N. do T.)] williamsoniano, que o bispo produz quando
quer obscurecer uma questão: uma enrolada construção em dupla negativa
(“nada que positivamente exclua”), que introduz um princípio teológico
inexistente ou completamente distorcido.
Quem diz — com isso quero dizer: “que teólogo diz” — que a forma
essencial para um sacramento (“rito” nessa passagem do blogue dele)
tem de ser considerada válida contanto que não “introduz[a] nada que
positivamente exclua uma verdadeira ordenação”?
Esse é o princípio subjacente que o bispo Williamson quereria fazer-
nos aceitar.
Mas é uma distração da verdadeira questão: se as formas de Paulo VI
para conferir Ordens Sacras, em latim ou em vernáculo, introduziram ou
não introduziram uma mudança substancial nas formas, tal que elas não
mais signifiquem o que elas precisam significar para conferir o
sacramento validamente.
O bispo Williamson conhece esse princípio subjacente. Por que, então,
tanta abobrinha?
Porque, penso eu, a organização do bom bispo precisa satisfazer a dois
currais eleitorais:
(1) Tradicionalistas leigos que receiam ainda que padres Novus Ordo
que trabalham com a FSPX talvez não sejam validamente ordenados, e
(2) “Roma”, a qual, naturalmente, espera que a FSPX reconheça a
validade dos novos sacramentos como condição para ulteriores (e
eternas) “negociações”.
Evitando a questão das novas formas sacramentais, a FSPX pode
reassegurar os leigos de que as ordenações dos padres Novus Ordo que
trabalham com a FSPX foram “examinadas caso a caso” para garantir a
validade, enquanto ao mesmo tempo reassegura “Roma” de que a FSPX não
considera as novas formas inválidas.
Dupla vitória. Uma rodada de leite grátis para todos!
Assim, o bispo Williamson fabrica em série argumentos que eludem e
obscurecem a questão central.
O blogue dele tem um dinossauro como mascote. Que tal uma enguia? Ou,
quem sabe, o Monstro da Poluição? [N. do T. - No original, “Smog
Monster”, vilão da série “Godzilla”.]

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Neblinoscopus: O Bispo Williamson sobre o
Novo Rito de Ordenação, 2008, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out.
2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1un
de: “Smog-O-Scopus: Bp. Williamson on the New Ordination Rite”, 18-XI-
2008, http://www.fathercekada.com/2008/11/18/smog-o-scopus-bp-
williamson-on-the-new-ordination-rite/
O artigo do bispo Williamson, criticado acima, foi publicado
originalmente em:

http://dinoscopus.blogspot.com/2008/11/masterly-confusion.html
Pode ser lido ainda em:

http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:z10.invisionfree.
com/Ignis_Ardens/index.php?showtopic=3023
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Textos essenciais em tradução inédita – CLXIV
25 setembro 2012

A Validade das Ordens dos Sacerdotes

Ordenados pelo Arcebispo Dom Lefebvre


(1991)

John S. Daly

[Ligeiramente editado – grifos no original. Isto foi publicado há


muitos anos pela Britons Catholic Library como “Carta n.º 9”.]

Sustentou-se por vezes que as Ordens do arcebispo Dom Marcel Lefebvre


sejam de validade duvidosa. Os fundamentos alegados para tanto são que
o cardeal Achille Liénart, que ordenou e sagrou Lefebvre, era um
franco-maçom de grau elevado do Grande Oriente (Lefebvre mesmo admitiu
crer que Liénart fosse franco-maçom), e que deve haver fundamento para
suspeitar de que a intenção sacramental de um franco-maçom de grau
elevado possa muito bem ser o contrário das palavras do rito, já que
sua finalidade em ser um oficial na Igreja deve certamente ser
infligir nela máximo dano. E claro que, se as Ordens do próprio
Lefebvre forem duvidosas, segue-se que as Ordens daqueles que foram
ordenados por ele são também duvidosas.
A alegação da pertença do cardeal Liénart à franco-maçonaria é sem
demonstração, já que sua única fonte original, o finado Marquês de la
Franquerie, não apresenta nenhuma prova sólida para ela; mas, por
outro lado, a alegação não é improvável, dado que Liénart era um
arquimodernista. No entanto, ainda que Liénart fosse sem dúvida alguma
um franco-maçom, isso não faz diferença. O ensinamento comum dos
teólogos católicos, capitaneados por seu príncipe Sto. Tomás de
Aquino, e expressamente confirmado pelo Papa Leão XIII na Apostolicae
Curae (1896), é que, quando um ministro realiza o ritual sacramental
usando a matéria e forma corretas, sem nenhuma aparência de gracejo ou
simulação, ele deve presumir-se ter agido validamente. (1)
[1. “O ministro do sacramento age na pessoa da Igreja toda, cujo
ministro ele é, e nas palavras que ele profere a intenção da Igreja é
exprimida. Essa intenção é suficiente para a perfeição do sacramento,
a não ser que o contrário seja exteriormente expressado por parte do
ministro ou do recebedor do sacramento.” (Sto. Tomás de Aquino, Summa
Theologiae, parte III, q. 64, a. 9, resp. ad secundam)
“Se uma pessoa usou seriamente e corretamente a devida matéria e
forma, presume-se por essa razão mesma que ela teve intenção de fazer
aquilo que a Igreja faz.” (Apostolicae Curae)
“...sempre que não houver aparência de simulação por parte do
ministro, a validade dos sacramentos é suficientemente certa...”
(Cardeal Billot, de Sacramentis, vol. 1, ed. 6, p. 201)]
É perfeitamente verdadeiro, é claro, que um ministro pode invalidar um
sacramento tendo uma intenção contrária positiva, e teoricamente
podemos imaginar que um bispo-maçom, desejando prejudicar a Igreja,
pudesse deliberadamente fazer isso. Mas, no mesmo diapasão, é
sempre teoricamente possível que o ministro de qualquer sacramento
possa falsificar sua intenção, de modo que se poderia argumentar que
nunca podemos ter certeza da validade de nenhum sacramento. A isto os
teólogos respondem que Nosso Senhor claramente quis que fôssemos
capazes de nos fiar na validade dos sacramentos e que, portanto,
quando Ele os fez depender da intenção interior do ministro, Ele tomou
boas precauções para garantir que as ações exteriores do ministro
fossem um indicador suficientemente fiável das intenções dele. Se as
cerimônias exteriores do rito sacramental estão em ordem, os fiéis
podem, e devem, presumir que a intenção também está.
De fato, o argumento principal da Apostolicae Curae é que os ministros
anglicanos são de presumir que não têm sólida intenção de ordenar, em
razão de eles terem mudado o ritual para refletir sua vontade
deliberada de não ordenar sacerdotes no sentido católico. Se eles
não tivessem alterado o ritual, a intenção deles deveria ter sido
presumida suficiente; pois o que é interior e invisível só pode ser
julgado pelo que é exterior e perceptível aos sentidos.
Em suma, a Igreja não nos abandona a fazer nossas próprias
inferências. Ela nos diz que é errado julgar inválido um sacramento
por intenção defeituosa a não ser que durante a cerimônia o ministro
dê algum sinal claro de não estar falando sério [literalmente, de não
estar querendo dizer aquilo que ele diz (N. do T.)].
O fato de entrar para uma loja maçônica realmente mostra uma oposição
interior a, no mínimo, parte do ensinamento e da missão da Igreja
Católica, mas não prova um desejo habitual de causar dano à Igreja por
todos os meios disponíveis, um [desejo] que seja tão profundamente
arraigado e dominante na alma a ponto de suplantar a disposição
ordinária de todos os homens de querer dizer aquilo que dizem e de
realizar de fato aquilo que simbolizam por suas ações. Afinal de
contas, para tornar um sacramento inválido é preciso estar mentindo
deliberadamente enquanto se pronuncia a fórmula sacramental; mesmo uma
doutrina sacramental grosseiramente errônea e a intenção de não
produzir os efeitos sacramentais não destroem o sacramento se o
ministro tiver uma intenção predominante de fazer o que Cristo
instituiu, como é normalmente o caso. É por isso que a Santa Sé julgou
válidos os batismos dos metodistas da Oceania não obstante estes
avisarem expressamente os batizandos de que o batismo não tinha efeito
nenhum na alma (Instrução do Santo Ofício ao Vigário Apostólico da
Oceania, 18 de dezembro de 1872, Fontes n.º 1024).
Talvez de devam mencionar as opiniões do finado Dr. Hugo Maria Kellner
dos Estados Unidos sobre o tópico da validade ou não das Ordens do
Arcebispo Dom Lefebvre, já que essas opiniões desfrutaram de uma
ressurgência de popularidade. Kellner sustentava que um franco-maçom
era incapaz de ter a intenção necessária para receber o sacramento da
Sagrada Ordem validamente, e que por isso Liénart, que era já um
franco-maçom de alto escalão quando de sua consagração episcopal, não
foi validamente consagrado. Noutras palavras, ainda que Liénart
quisesse ordenar, ele não teria conseguido fazê-lo, dado que ele
próprio não era bispo.
É bem impossível de reconciliar a posição do Dr. Kellner com a da
Igreja Católica. Algumas das provas que estamos prestes a mencionar
referem-se à intenção do ministro que confere sacramentos antes que à
intenção da pessoa que os recebe, mas o que se aplica àquele se aplica
tanto ou mais a esta última. Não somente nenhum grau maior de intenção
é necessário para receber um sacramento validamente do que para
conferi-lo, como de fato, falando geralmente, um grau menor de
intenção é suficiente.
Assim, para o ministro de um sacramento uma intenção meramente virtual
(uma disposição concebida antes da ação e que virtualmente continue
durante a ação) é suficiente para a validade, mas uma intenção
meramente habitual (a disposição da vontade que foi concebida antes da
ação, não foi retirada, mas não é advertida quando da ação) não é. Em
contrapartida, para o recebedor de um sacramento uma intenção virtual,
novamente, sempre basta, mas também basta, normalmente, uma intenção
habitual e mesmo, em alguns casos, uma intenção interpretativa (quando
uma pessoa incapaz de uma intenção atual ou habitual, por exemplo em
razão de inconsciência ou insanidade, tinha ao menos um desejo
implícito, antes da emergência, de receber o sacramento). [2. Ver
Fundamentals of Catholic Dogma, do Dr. Ludwig Ott, pp. 343-346.]
Ademais, mesmo crianças (antes do uso da razão) podem
receber sacramentos validamente, incluindo a ordenação ao sacerdócio e
mesmo a consagração como bispo, [3. Ibid., p. 460. Embora válidas, a
ordenação e a consagração episcopal de crianças seriam, é claro,
ilícitas.] ao passo que certamente não podem administrar sacramentos,
sendo incapazes de formar qualquer uma das intenções necessárias já
mencionadas. Em suma, toda intenção necessária num recipiente dos
sacramentos é no mínimo tão necessária num ministro deles, e por isso
se uma espécie particular de intenção é suficiente para a validade num
ministro, aí então, e mais ainda, essa mesma espécie é suficiente para
o válido recebimento.
Eis agora as sete provas de que as alegações do Dr. Kellner não podem
ser verdadeiras:
1(a). Dentre os impedimentos dirimentes (invalidantes) à válida
recepção de Ordens Sacras, a pertença à franco-maçonaria não é
listada, nem explícita nem implicitamente, no Código de Direito
Canônico, apesar do fato de o Código lidar com os franco-maçons como
uma categoria separada de incréus em diversos outros lugares.
1(b). Com efeito, o próprio Dr. Kellner reconheceu que o que ele
sustentava estava em contradição com as provisões do Código de Direito
Canônico, desculpando esse fato mediante a afirmação de que o Código
deve ter sido infectado pela influência da franco-maçonaria. Este é um
erro muito grave realmente, pois embora não seja parte da doutrina da
Igreja que as leis dela sejam sob todos os aspectos tão perfeitas
quanto podem ser, é bem parte da doutrina dela que a sua
indefectibilidade impede que o erro infecte suas leis ou qualquer um
dos meios pelos quais ela transmite a sua doutrina aos fiéis. Noutras
palavras, a indefectibilidade dela abrange, não somente o ensinamento
direto do Papa e bispos, mas também as leis dela, (4) sua liturgia, e
tudo o mais que os fiéis consideram com direito ser manifestação da
mente dela. É por isso que tais fontes são usadas pelos teólogos como
prova da doutrina católica.
[4. O Papa Pio VI condenou o ensinamento do Pseudo-Sínodo de Pistoia
de que “a Igreja...poderia estatuir uma disciplina que seja...perigosa
ou prejudicial” como “falso, temerário, escandaloso, ofensivo aos
ouvidos pios, injurioso à Igreja e ao Espírito de Deus que a rege, e
no mínimo errôneo” (Denzinger 1578).]
2. Se um franco-maçom não pode ter válida intenção de receber o
sacramento da Ordem Sacra, é difícil de ver como ele pode ter intenção
válida de receber qualquer outro sacramento. E a doutrina de que um
franco-maçom é incapaz da intenção necessária para receber validamente
um sacramento implicaria que ele não poderia, por exemplo, contrair
matrimônio válido, já que tanto os ministros quanto os recipientes
desse sacramento são os próprios cônjuges e, para validade, ambos os
cônjuges precisam ter uma intenção sólida, suficiente tanto para
conferir como para receber o sacramento. Porém, é certo que, quando um
franco-maçom recebe o sacramento do matrimônio, ele está validamente
casado, pois a Igreja nunca adotou a prática de exigir que os que
abandonam a franco-maçonaria e retornam ao seio da Igreja tivessem de
ser recasados.
3. Para receber um sacramento validamente, não é necessário que a
intenção de alguém seja tudo aquilo que a Igreja deseja que ela seja:
boa, santa, e associada ao desejo de promover a glória de Deus. Nem
sequer é necessário que se creia naquilo que a Igreja ensina sobre os
efeitos do sacramento. Os teólogos ensinam que, contanto que um
ordenando não resista interior e exteriormente ao sacramento da
ordenação, este é válido.
4. Na Apostolicae Curae, o Papa Leão XIII ensinou que, quando um
sacramento é administrado seriamente de acordo com o rito da Igreja, a
intenção do ministro deve presumir-se suficiente. E o Papa Leão XIII
ensinou também (ibid.) que mesmo um herege ou um judeu pode conferir
validamente um sacramento, descrevendo isto como uma “doutrina”.
5. Assim, como já foi mencionado, no caso dos Batismos metodistas na
Oceania a Santa Sé julgou que aquele Batismo foi validamente
administrado mesmo quando o ministro alertou expressamente os
batizandos a não crerem que o Batismo produzisse na alma nenhum efeito
que seja. O Santo Ofício ensinou que, não obstante esse erro
fundamental e herético acerca da natureza do Batismo, a intenção geral
subjacente de conferir e receber o sacramento tal como instituído por
Jesus Cristo era suficiente, e que nem mesmo re-Batismo sob condição
era permitido. O princípio subjacente a esta decisão é que o erro na
mente acerca do que a Igreja é e faz nos sacramentos dela não é
incompatível com a intenção na vontade de administrar ou receber o
sacramento em questão.
6. No tempo da Revolução Francesa, Talleyrand, bispo de Autun, entrou
para a igreja nacional cismática, saindo assim da Igreja Católica, e
consagrou uma porção de bispos na nova igreja. Mais tarde, quando ele
retornou à Igreja Católica, ele confessou muito abertamente que ele
havia sido membro da franco-maçonaria durante esse período. Sem
embargo, quando alguns dos bispos que ele consagrara quiseram ser
reconciliados com a Igreja, o Papa Pio VII confirmou-os em seus
ofícios episcopais sem exigir deles que fossem reconsagrados, nem
mesmo condicionalmente. Logo, ele aceitou como certamente válidas as
consagrações administradas por Talleyrand a despeito da pertença deste
último à franco-maçonaria.
7. Na Inglaterra, durante a segunda metade do reinado do rei Henrique
VIII, Thomas Cranmer, arcebispo da Cantuária, conformou-se
exteriormente à doutrina e prática católica mas era interiormente um
herege protestante e tinha a intenção e o desejo de subverter a
Igreja, como não somente suas ações no reinado do rei Henrique VIII
mas também suas ações subsequentes no reinado do rei Eduardo VI
deixaram claro. Sem embargo, os católicos daquele tempo, incluindo as
autoridades em Roma, não tiveram nenhuma hesitação em aceitar como
válidas as Ordenações e Consagrações em que ele esteve envolvido.
Logo, não pode haver dúvida de que as Ordens de Lefebvre e aquelas
conferidas por ele são válidas ainda que Liénart fosse um franco-
maçom.
APÊNDICE
Um argumento foi aduzido da Cum ex Apostolatus (1559) de Paulo IV,
pretendendo mostrar que um herege não consegue ordenar. Isso se baseia
ou num malentendimento ou numa tradução errada. A bula diz que, se
alguém for elevado ao episcopado após cair em heresia, sua elevação é
“nula, sem efeito e sem valor” e que “todas e cada uma das (suas)
palavras, feitos, ações e decretos…serão sem vigor…” (§ 6). Isso anula
os atos de prelados heréticos de um ponto de vista jurídico; ou seja,
um bispo herege não consegue designar alguém a um ofício, declarar
sentença contra um delinquente, absolver de censura, etc. Mas isso não
tem nada que ver com validez sacramental. Sobre essa matéria, o
Direito Canônico diz que os ordenados por hereges precisam ser
dispensados para terem permissão de operar, mas não têm necessidade de
reordenação (Cânon 2372). E foi sempre esta a posição da Igreja (cf.
Denzinger 358).

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, A Validade das Ordens dos Sacerdotes Ordenados pelo
Arcebispo Dom Lefebvre, 1991, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set.
2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1uP
de: “The Validity of the Orders of Priests Ordained by Archbishop
Lefebvre”,

http://www.sedevacantist.com/forums/viewtopic.php?p=5317#p5317
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Textos essenciais em tradução inédita – CLXIII
24 setembro 2012

Intenção Sacramental e Bispos Maçônicos


Uma velha lorota sobre a ordenação

do arcebispo Dom Lefebvre


(2003)

Rev. Pe. Anthony Cekada

“As pessoas que não são teólogos nunca parecem entender quão pouca
intenção é requerida para um sacramento… A ‘intenção implícita de
fazer o Cristo instituiu’ significa uma coisa tão vaga e ínfima, que é
quase impossível deixar de tê-la – a não ser que se a exclua
deliberadamente. No tempo em que todos falavam das ordens anglicanas,
vários católicos confundiram intenção com fé. A fé não é requerida. É
heresia dizer que seja. (Foi este o erro de São Cipriano e Firmiliano
contra o qual o Papa Estêvão I [254-257] protestou.) Um homem pode ter
opiniões completamente erradas, heréticas e blasfemas sobre um
sacramento e, ainda assim, conferi-lo ou recebê-lo validamente.”
— Adrian Fortescue
The Greek Fathers

No fim da década de 1970, à medida que os padres da Fraternidade São


Pio X começaram a oferecer Missa em mais e mais cidades, certos
polemistas no movimento tradicional dos E.U.A. começaram a difundir a
história de que o fundador da Fraternidade, o arcebispo Dom Marcel
Lefebvre (1905-1991), fora ordenado tanto ao sacerdócio quanto ao
episcopado por um maçom, que as próprias ordenação sacerdotal e
consagração episcopal do arcebispo eram inválidas, e que,
consequentemente, todos os sacerdotes da FSSPX eram também
invalidamente ordenados.
O alegado maçom em questão era o cardeal Achille Liénart (1884-1973),
arcebispo de Lille (cidade natal de Dom Lefebvre), e mais tarde um dos
líderes modernistas no Concílio Vaticano Segundo (1962-1965).
O finado Hugo Maria Kellner, a hoje defunta publicação Veritas, Hutton
Gibson e alguns outros – nós os chamávamos de “os liénartistas” –
argumentavam que, dado que a maçonaria abomina a Igreja, seus adeptos
em meio ao clero naturalmente quereriam destruir o sacerdócio mediante
a subtração da requerida intenção sacramental ao conferirem Ordens
Sacras. Todas as ordenações conferidas por prelados maçônicos –
defendiam eles – tinham de ser tratadas ou como inválidas ou como
duvidosas, incluindo a ordenação sacerdotal e consagração episcopal
que o arcebispo Dom Lefebvre recebeu do cardeal Liénart.
Dado que a história da “maçonaria” ainda reemerge ocasionalmente mesmo
trinta anos depois, decidi revisitar a questão.
Como começar? A melhor maneira é esclarecendo as partes componentes do
argumento liénartista.
Pode-se fazer isso colocando-o na forma de um argumento lógico formal
chamado “silogismo” – método empregado nos manuais de teologia
dogmática. Um silogismo argumenta partindo de uma afirmação geral (por
exemplo: Todos os homens são mortais), para uma afirmação particular
(Sócrates é homem), para uma conclusão (Logo, Sócrates é mortal).
Você precisa provar tanto sua afirmação geral quanto sua afirmação
particular. Do contrário, você não prova a sua conclusão.
Ao condensarmos o argumento dos liénartistas e o colocarmos nessa
forma, obtemos o seguinte:
1. Princípio Geral: Sempre que um bispo é maçom, sua intenção
sacramental deve presumir-se duvidosa e todas as ordenações dele,
portanto, presumir-se duvidosas.
2. Fato Particular: Achille Liénart foi um bispo que era maçom.
3. Conclusão: A intenção sacramental de Achille Liénart deve presumir-
se duvidosa e todas as suas ordenações, portanto, presumir-se
duvidosas.
A suposta “prova” do ponto (2) foi mais do que adequadamente demolida
alhures. Em seu artigo de 1982 intitulado “Cracks in the Masonry”,
Rama Coomaraswamy demonstrou que todas as histórias acerca da suposta
afiliação maçônica do cardeal Liénart remontam a uma única obra,
L’Infaillibilité Pontificale do marquês de la Franquerie, um escritor
sensacionalista francês. A única fonte que o marquês dá para a
história é anônima: um ex-maçom identificado como “Sr. B…” O artigo
espirituoso e erudito de Coomaraswamy está postado em
traditionalmass.org.
Aqui, dirigiremos nossa atenção antes ao ponto (1), o princípio geral
subjacente ao argumento liénartista. Demonstrarei que ele é falso,
pois contradiz as presunções fundamentais que a lei canônica, a
teologia moral e a teologia dogmática estipulam com respeito à
validade dos sacramentos em geral, e à intenção do ministro das
Sagradas Ordens em particular. Além disso, demonstrarei que ele
contradiz a prática da Igreja no passado, e conduz a absurdos
manifestos.
1. Presunção Geral de Validade. Os sacramentos conferidos por um
ministro católico, inclusive as Ordens Sacras, devem presumir-se
válidos enquanto a invalidade não for provada. Esta é:
“a rainha das presunções, que considera válido o ato ou o contrato,
até que a invalidade seja provada.” (F. Wanenmacher, Canonical
Evidence in Marriage Cases, [Philadelphia: Dolphin 1935], 408.)
“Quando o fato da ordenação está devidamente assentado, a validade das
ordens conferidas, naturalmente, deve ser presumida.” (W. Doheny,
Canonical Procedure in Matrimonial Cases [Milwaukee: Bruce 1942]
2:72.)
2. Intenção e Ordens Sacras. Quando um bispo confere Ordens Sacras
usando a matéria e forma corretas, deve presumir-se que ele teve
intenção sacramental suficiente para confeccionar o sacramento – isto
é, no mínimo que ele “intencionou fazer o que a Igreja faz.”
Este é o ensinamento do Papa Leão XIII em seu pronunciamento sobre as
ordens anglicanas:
“Ora, se uma pessoa usou seriamente e devidamente a matéria e a forma
corretas para realizar e administrar o sacramento, essa pessoa por
esse fato mesmo presume-se ter intencionado fazer o que a Igreja faz.”
(Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896.)
O teólogo Leeming diz que essa passagem recapitula os ensinamentos dos
teólogos anteriores que
“concordaram todos que a realização exterior decorosa dos ritos
estabelece uma presunção de que a intenção certa existe… O ministro de
um sacramento presume-se intencionar aquilo que o rito significa… Esse
princípio é afirmado como doutrina teológica certa, ensinada pela
Igreja, e negá-lo seria no mínimo teologicamente temerário.” (B.
Leeming, Principles of Sacramental Theology [Westminster MD: Newman
1956], 476, 482.)
3. Heresia ou Apostasia e Intenção. A heresia, ou mesmo a completa
apostasia da fé por parte do bispo que ordena, não prejudica essa
intenção suficiente, pois a intenção é um ato da vontade.
“O erro na fé, ou mesmo a total descrença, não prejudica essa
intenção; pois os conceitos no intelecto nada têm em comum com um ato
da vontade.” (S. Many, Praelectiones de Sacra Ordinatione [Paris:
Letouzey 1905], 586.)
4. Quando a Intenção Invalida. Uma ordenação, de resto, realizada
corretamente torna-se inválida apenas se o bispo fizer um ato de
vontade de não “fazer aquilo que a Igreja faz” ou de não “ordenar esta
pessoa”.
“Uma ordenação é inválida se o ministro… ao conferi-la a alguém, faz
um ato volitivo de não ordenar aquela pessoa, pois por esse fato mesmo
ele não tem, no mínimo, a intenção de fazer aquilo que a Igreja faz —
de fato, ele tem uma intenção contrária.” (P. Gasparri, Tractatus de
Sacra Ordinatione [Paris: Delhomme 1893], 1:970.)
5. Intenção Inválida Jamais Presumida. Um bispo que confere Ordens
Sacras, no entanto, nunca é de presumir que tenha uma tal intenção de
não ordenar, até que o contrário fique provado.
“Ao realizar uma ordenação o ministro nunca é de presumir que tenha
uma intenção tal de não ordenar, enquanto o contrário não for provado.
Pois a ninguém se presume mau a não ser que ele seja provado tal, e um
ato — especialmente um tão solene quanto uma ordenação — deve ser
considerado válido, contanto que a invalidade não seja claramente
demonstrada.” (Gasparri, 1:970.)
O princípio geral proposto pelos liénartistas, porém – “Sempre que um
bispo é maçom, sua intenção sacramental deve presumir-se duvidosa e
todas as ordenações dele, portanto, presumir-se duvidosas” –,
contradiz diretamente o que precede e estabelece a presunção oposta.
Essa teoria, destarte, trata um acusado “bispo maçônico” como culpado
até que se o prove inocente. (Os sacramentos dele devem ser tratados
“como não-sacramentos”.) E o ônus da prova que ele tem de satisfazer
para absolver-se é impossível: ele tem de refutar uma dupla negativa
sobre um ato interior da vontade (“prove que você não subtraiu sua
intenção”).
Isso se choca com todos os princípios de equidade da lei civil e
canônica.
6. Nenhum Apoio na Teologia. Por essa razão, os liénartistas não são
capazes de citar nenhum canonista, teólogo moralista ou teólogo
dogmático pré-Vaticano II que proponha ou defenda a premissa maior
deles.
Em vez disso, tudo que eles apresentam são as citações padrão sobre a
maçonaria: ela conspira para destruir a Igreja, é condenada pelos
Papas, promove o naturalismo, é causa de excomunhão etc.
Isso meramente prova aquilo que ninguém contesta: a maçonaria é má.
Mas, dado que homens maus e mesmo incrédulos podem conferir
sacramentos válidos, isso não os aproxima nem um pouco de provar o
princípio que é a base de seus argumentos: “Membro da maçonaria =
sacramentos duvidosos”.
Se um tal princípio geral fosse verdadeiro, os Papas, canonistas e
teólogos nos teriam dito.
7. Nenhum Apoio na História. A desculpa que às vezes se dá para não
fornecer uma citação dessas – “não era amplamente conhecido o que
estava acontecendo [acerca do clero maçônico] até que os frutos foram
exibidos no Vaticano II” – é refutada pela história da Igreja na
França, onde muitos clérigos eram maçons. Em França antes da
Revolução:
“Há um fato irrecusável: as lojas contaram muitos e muitos
eclesiásticos… Em Caudebec, dos vinte e quatro membros da loja (*),
quinze eram padres. Em Sens, dos cinquenta, eram vinte. Cônegos,
párocos eram “Veneráveis”. Os próprios cistercienses de Claraval
tinham uma loja no convento! Saurine, futuro bispo de Estrasburgo no
tempo de Napoleão, era um dos membros dirigentes do Grande Oriente. Se
dissermos que, por volta de 1789, um quarto dos franco-maçons
franceses era de gente eclesiástica, não devemos ficar longe da
verdade…. Dentre cento e trinta e cinco bispos, não havia nas vésperas
da Revolução mais de sete ímpios e três deístas.” (H. Daniel-Rops, A
Igreja dos Tempos Clássicos. II. A era dos grandes abalos. Trad. de
Henrique Ruas. São Paulo: Quadrante 2001, 72, 83. Ver também J.
McManners, Church and Society in Eighteenth-Century France [Oxford:
University Press 1998] 1:354, 356, 420, 509.]
[(*) N. do T. – No original do livro, “À Caudebec, sur vingt-quatre
membres” etc., como na trad. br., e não “quatre-vingt”, como parece
ter lido o tradutor da edição inglesa citada no original deste estudo:
H. Daniel-Rops, The Church in the Eighteenth Century, Londres: Dent
1960, 63, 73.]
Os revolucionários maçônicos montaram sua cismática Igreja
Constitucional em 1791 com clérigos como estes, o mais proeminente
deles sendo Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, ex-bispo de Autun
e defensor da causa revolucionária.
Diferentemente do caso do cardeal Liénart, é fato consolidado que
Talleyrand era maçom: ele pertencia à loja Francs Chevaliers em Paris.
Além disso, ele provavelmente era, inclusive, um descrente. Em 25 de
janeiro de 1791, Mons. Talleyrand consagrou os primeiros bispos para a
Igreja Constitucional, e assim todos os bispos dela subsequentemente
derivaram dele suas consagrações.
Sem embargo, quando o Papa Pio VII assinou sua Concordata de 1801 com
Napoleão, ele nomeou treze bispos da hierarquia de Talleyrand para
encabeçar as dioceses católicas restauradas.
Dentre eles, o supramencionado Mons. Jean-Baptiste Saurine,
cismaticamente consagrado bispo “constitucional” de Landes em agosto
de 1791. De todas as lojas maçônicos do mundo, o Grande Oriente de
Paris em que Saurine era membro dirigente sempre foi considerada a
mais poderosa e mais anticatólica. Apesar disso, o Papa Pio VI nomeou
Mons. Saurine bispo de Estrasburgo em 1802, um posto que esse bispo
maçônico reteve até a morte, em 1813.
Assim, na França encontramos bispos maçônicos consagrando a outros
maçons bispos, a quem o Papa depois nomeia para chefiar dioceses
católicas, onde eles confirmam crianças, abençoam os santos óleos
usados para ungir os moribundos, ordenam padres e consagram outros
bispos. Se o princípio dos liénartistas estivesse mesmo correto, o
Papa não teria permitido nada disso, e teria insistido que todos os
bispos da hierarquia constitucional se sujeitassem a reconsagração sob
condição.
Prova de que um clérigo estivesse afiliado à maçonaria, ademais, não
necessariamente é prova de ateísmo ou ódio à Igreja. Dos muitos
clérigos franceses envolvidos com a maçonaria, o historiador Henri
Daniel-Rops afirma:
“E não há nenhuma razão para pensar que todos fossem, ou julgassem
ser, maus católicos. Muito pelo contrário. Deviam ser bem numerosos
aqueles que não viam qualquer incompatibilidade entre a sua fé e a sua
inscrição maçônica, e que chegavam a ter a maçonaria por uma força a
ser utilizada ao serviço da religião. Tal era o caso, na Savóia, de
Joseph de Maistre, orador da sua loja em Chambéry, o qual aspirava a
criar na maçonaria um estado-maior secreto que fizesse do movimento um
exército papal, ao serviço de uma teocracia universal.” (A Igreja dos
Tempos Clássicos. II. A era dos grandes abalos, p. 72).
Ainda que a adesão de muitos clérigos franceses à maçonaria durante a
época revolucionária fosse bem conhecida, os teólogos não trataram os
seus sacramentos como “duvidosos”.
Se bispos maçônicos houvessem verdadeiramente constituído uma ameaça à
validade dos sacramentos, esperar-se-ia encontrar teólogos,
especialmente entre os franceses, que propusessem esse argumento, ou
ao menos debatessem a questão.
Mas mesmo teólogos e canonistas franceses tais como o cardeal Billot
(De Ecclesiae Sacramentis [Roma: Gregoriana 1931] 1:195-204), S. Many
(Prael. de Sacr. Ordinatione 585-91) e R. Naz (“Intention”,
Dictionnaire de Droit Canonque [Paris: Letouzey 1953] 5:1462), que no
mais discutem um tanto longamente a intenção sacramental, nada têm a
dizer, em absoluto, acerca de sacramentos “duvidosos” de maçons.
Em seu artigo sobre a maçonaria, além disso, o único comentário de Naz
sobre os clérigos que dela são membros é notar que eles incorrem nas
penas de suspensão e perda de ofício. (“Francmaçonnerie,” 1:897-9) Ele
não diz nada sobre a pertença deles tornar “duvidosos” os seus
sacramentos.
8. Consequências Absurdas. O absurdo do princípio dos liénartistas é
demonstrado também aplicando-o (a) à hierarquia dos Estados Unidos,
onde ele tornaria duvidosas quarenta consagrações episcopais
realizadas entre 1896 e 1944, e (b) ao baixo clero na França, onde ele
tornaria duvidosos todos os batismos realizados desde o século XVIII.
(a) As consagrações episcopais nos Estados Unidos são derivadas de
Mariano cardeal Rampolla del Tindaro (1843-1913), Secretário de Estado
do Papa Leão XIII. Depois da morte de Rampolla, diz-se que entre seus
pertences de uso pessoal encontrou-se prova de que ele pertencia a uma
seita maçônica luciferiana chamada Ordo Templo Orientalis (associada
ao satanista Alistair Crowley) e frequentava uma loja maçônica em
Einsiedeln, Suíça, onde ele tirava férias.
Quarenta bispos americanos consagrados entre 1896 e 1944 derivaram
suas consagrações de Rampolla, via Mons. Martinelli (o Delegado
Apostólico) ou Rafael cardeal Merry del Val, ambos consagrados bispos
por Rampolla. (Ver Jesse W. Lonsway, The Episcopal Lineage of the
Hierarchy in the United States: 1790–1948, placa E.)
Se o princípio dos liénartistas fosse verdadeiro, todos esses bispos
teriam de ser considerados “duvidosos”, porque o papel preciso dos
bispos auxiliares numa consagração episcopal como verdadeiros “co-
consagrantes” não foi claramente definido antes de 1944.
(b) Mostrei que a maçonaria estava amplamente disseminada em meio ao
clero francês no fim do século XVIII. Se o princípio “Afiliação
maçônica = sacramentos dúbios” fosse realmente verdadeiro, aplicar-se-
ia a sacramentos conferidos por sacerdotes também. Isso tornaria
“duvidosos” todos os batismos conferidos na França desde o século
XVIII. Afinal de contas, quem sabe quais padres franceses eram “maçons
ocultos” e quais não eram?

* * * * *

Note-se, por favor, que, a despeito do que precede, eu não concedo a


alegação factual de que o cardeal Liénart realmente tenha sido um
maçom. Meu objetivo aqui é demonstrar que, tivesse o cardeal Liénart
sido realmente maçom, não se poderia por essa razão atacar a validade
dos sacramentos que ele conferiu.
O argumento liénartista, então, vai contra as presunções fundamentais
que a lei canônica, a teologia moral e a teologia dogmática estipulam
a respeito da validade dos sacramentos em geral, e da intenção do
ministro de Ordens Sacras em particular. Ele é contradito pela prática
da Igreja no passado, e finalmente desemboca em absurdos manifestos.
Numa palavra, é um argumento radicado na ignorância.

BIBLIOGRAFIA
BILLOT, L. De Ecclesiae Sacramentis. Roma: Gregoriana 1931.
DANIEL-ROPS, H. The Church in the Eighteenth Century. Londres: Dent
1960. [Trad. br.: A Igreja dos Tempos Clássicos. II. A era dos grandes
abalos. Trad. de Henrique Ruas. São Paulo: Quadrante 2001.]
DOHENY, W. Canonical Procedure in Matrimonial Cases. Milwaukee: Bruce
1942.
GASPARRI, P. Tractatus de Sacra Ordinatione. Paris: Delhomme 1893.
LEEMING, B. Principles of Sacramental Theology. Westminster MD: Newman
1956.
LEÃO XIII. Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896.
LONSWAY, Jesse W. The Episcopal Lineage of the Hierarchy in the United
States: 1790–1948.
MANY, S. Praelectiones de Sacra Ordinatione. Paris: Letouzey 1905.
MCMANNERS, J. Church and Society in Eighteenth-Century France. Oxford:
University Press 1998.
NAZ, R. “Francmaçonnerie”, Dictionnaire de Droit Canonque. Paris:
Letouzey 1953. 1:897-9.
_______. “Intention”, op. cit. 5:1462–64.
WANENMACHER, F. Canonical Evidence in Marriage Cases. Philadelphia:
Dolphin 1935.

(Carta, Agosto de 2003)

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Intenção Sacramental e Bispos Maçônicos,
2003, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vg
de: “Sacramental Intention and Masonic Bishops”,

http://www.traditionalmass.org
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Textos essenciais em tradução inédita – CLXII
22 setembro 2012

A intenção nos sacramentos


(2006)

Rev. Pe. Hervé Belmont

No cerne do estudo da reforma litúrgica derivada do Vaticano II,


reaparece com frequência a questão da intenção necessária à confecção
válida dos sacramentos. Aí está uma coisa que é mais complexa do que
certas simplificações apressadas dão a entender. Parece-me importante
recordar um ponto crucial: a intenção nada tem de subjetivo, ela fica
principalmente do lado do rito que a especifica.
Para confeccionar validamente um sacramento, um ministro deve ter a
intenção de fazer o que a Igreja faz. É essa intenção que faz ele em
ato ministro da Igreja e instrumento de Jesus Cristo, razão pela qual
ela é necessária.
O objeto dessa intenção é aquilo que a Igreja faz, isto é, aquilo que
a Igreja faz através das mãos do ministro, aquilo que a Igreja dá ao
ministro para este fim: é o rito da Igreja, fruto e expressão da fé da
Igreja. É a fé da Igreja em ato.
“Os sacramentos correspondem à fé: eles são protestações dela, e é
dela que haurem sua potência” (Santo Tomás de Aquino, IV Sent. D. I Q.
1 a. 2 sol. 5).
“A eficácia – ou virtude – dos sacramentos provém de três coisas: da
Instituição divina, que é seu principal agente; da Paixão de Cristo,
que é sua primeira causa meritória; da Fé da Igreja, que coloca o
instrumento em continuidade com o agente principal” (IV Sent. D. I Q.
I a. 4 sol. 3).
“A fé [da Igreja] dá a eficácia aos sacramentos, porquanto conecta-os
à causa principal [Jesus Cristo]” (Ibid.)
A intenção sacramental não é a intenção cujo objeto é o finis
operantis (a razão que coloca o agente em ação), mas, sim, a intenção
que se refere ao finis operis (aquilo que é o termo da ação), à ação
mesma enquanto objeto da vontade.
O ministro de um sacramento é um instrumento, e um instrumento livre.
Mas a sua liberdade não passa de uma liberdade de exercício: fazer ou
não fazer; simular [por malícia, ou para fazer uma repetição litúrgica
etc.] ou não simular.
O instrumento não tem liberdade de especificação, ele não consegue
“escolher sua intenção”: ele deve querer fazer aquilo que a Igreja
faz.
E o que a Igreja faz, é o seu rito: é a sua fé, a sua intenção contida
no seu rito. É o seu rito, fruto e expressão da sua fé.
O ministro recebe, pois, o rito sacramental tal como este lhe é dado
pela Igreja: ele não escolhe sua intenção, ele não a forma ele
próprio; ele a recebe ao receber o rito, ao utilizá-lo.
Está aí a garantia da validade dos sacramentos: a utilização do rito
da Igreja (que é uma realidade objetiva, constatável) assegura [fora o
caso, diretamente querido, de simulação] a realidade do sacramento e
do seu efeito. Mesmo se o ministro estiver em erro quanto à natureza
ou ao efeito do sacramento, mesmo se ele for ignorante, incréu,
simoníaco etc.
Quando um rito é reformado (e particularissimamente quando a forma
dele é modificada), a utilização desse novo rito implica
necessariamente a intenção de fazer aquilo que quis fazer aquele que
promulgou esse rito, a intenção que é especificada pela fé da qual o
rito é fruto e expressão.
Se é a Igreja que modifica seu rito, aí então intenção, fé e eficácia
(as quais estão necessariamente ligadas) são divinamente garantidas.
Se falta a promulgação da Igreja, aí então falta a garantia; se falta
a fé da Igreja, faltam então a intenção e a eficácia.
Essa fé da Igreja está presente na significação do rito.
Se olhamos para o sinal sacramental, a realidade última da união entre
a matéria e a forma é a sua significação. No ato sacramental, essa
significação fica do lado do sinal e não da intenção.
Mas, no rito mesmo, essa significação é o termo da intenção dada pela
promulgação e exprimida pelo rito como um todo, intenção esta que o
ministro “endossa” ao utilizar o rito. É por isso que a significação
é, então, o efeito e o sinal da intenção que presidiu à confecção do
rito (intenção não enquanto presente nos redatores, mas enquanto
presente no ato da promulgação, que evidentemente não deixa de ter
relação com a dos redatores).
Essa unidade significação-intenção é interior à fé da Igreja, ela é a
fé da Igreja a propósito do sacramento, de sua natureza e de sua
eficácia. Ela é a fé da Igreja Católica, da qual a significação e o
rito são fruto e expressão.
É por isso que essa unidade significação-intenção não pode ser
garantida senão por uma promulgação da autoridade legítima (e em
virtude da infalibilidade da Igreja em tal matéria, ela é garantida
pela mencionada promulgação).
Na realidade, é impossível dissociar três coisas: a conformidade de um
rito litúrgico com a fé católica (conformidade em ato); a validade do
sacramento confeccionado de acordo com esse rito (no mínimo a garantia
dessa validade); a legitimidade da autoridade que promulgou esse rito.
Toda a doutrina católica se opõe a essa dissociação, tanto a teologia
sacramental quanto a da infalibilidade da Igreja em matéria de fé e em
matéria sacramental.
Logo, se os novos ritos provêm da verdadeira Autoridade da Igreja, é
impossível que sejam discrepantes da fé ou inválidos; a assistência do
Espírito Santo garante tanto a conformidade deles com a fé como a
eficácia de graça deles;
• se esses ritos são não conformes à fé católica, é impossível que
provenham da Autoridade, que não tem como dar à Igreja uma lei má ou
rito desprezível;
• se, quanto ao essencial, eles não estão de acordo com a fé católica,
eles não têm como ser válidos: a fé da Igreja, ausente, não tem como
lhes conferir eficácia no sentido que dissemos;
• se, enfim, eles não provêm da autoridade da Igreja, não existe
garantia nenhuma da validade deles, que só pode ser conhecida na fé e
pelo testemunho da Igreja.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, A intenção nos sacramentos, 2006, trad. br.
por F. Coelho, São Paulo, set. 2012, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-1uV
de: “L’intention dans les sacrements”, blogue Quicumque, 8-III-2006,

http://www.quicumque.com/article-2091600.html
[N. do T. – Este artigo mais elementar precede logicamente ao
“Validade dos novos sacramentos”, do mesmo A., que aliás quase começa
pelo último parágrafo deste; as citações pertinentes de Sto. Tomás de
Aquino são reproduzidas mais longamente no Apêndice I de seu estudo “A
Missa sacrificada”; por fim, sobre a invalidade da “missa nova”, há
também: “Pro multis ou pro omnibus?” e “A reforma litúrgica”, este
último trazendo longa passagem inédita do Padre Guérard des Lauriers
O.P. (autor principal do Breve Exame Crítico assinado pelos Cardeais
Ottaviani e Bacci) sobre esta importante questão.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
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Pérolas em meio à lama da rede – XI
5 setembro 2012

EL MILENARISMO (*)
(Estudios, de Buenos Aires,

tomo 65, 1941, pp. 115-134)

[(*) El autor es Prefecto de Estudios, y Profesor de Teología


Dogmática en la Facultad de Teología del Colegio Máximo de San José,
de la Compañía de Jesús (San Miguel, F. C. P.) y Lector de la misma
asignatura en el Seminario Arquidiocesano de Villa Devoto. — N. de la
Redac.]

Hace un tiempo que se viene agitando en Chile y entre nosotros la


cuestión milenarista. La curiosidad de no pocos ha sido excitada; y,
tras la curiosidad, el interés, que ha engendrado en algunos el
apasionamiento. ¡No había para menos! Ultimamente ha aparecido “El 6º
Sello” [(1) Hugo Wast, El 6º Sello, Buenos Aires 1941.] de nuestro
incomparable novelista, cuyo nombre con intima satisfacción oímos
pronunciar con elogio en las viejas naciones de Europa. Hugo Wast
expone y defiende con estilo sobrio, fácil, ameno, matizado de poesía
el reino milenario: Cristo en persona vendrá con gloria y majestad a
reinar en la tierra durante un tiempo relativamente largo antes del
juicio final.
El libro y la tesis encontraron entusiasta acogida en una de las más
prestigiosas y beneméritas figuras del catolicismo argentino: el
doctor Juan Antonio Bourdieu. Una carta suya publicada en uno de
nuestros más importantes diarios lo proclama bien alto. [(2) Sobre
Profecías y con referencia a un libro que acaba de aparecer. En “La
Nación”, 17 de febrero de 1941, p. 6, cols. 5-9. En adelante al
referirnos a este escrito sólo indicaremos las columnas.] En ella dice
muchas cosas: su fe milenarista; su amor a las Escrituras; el
“prejuicio mortal para la fe” que existe entre los católicos y que
consiste “en mirar como un peligro, no ya únicamente las profecías,
sino la Biblia entera, incluso los Sagrados Evangelios” [(3) Col. 7.].
Puntos interesantes y de candente actualidad que se prestan a útiles
comentarios y serias reflexiones. Nos vamos a ocupar del primero. Más
de uno nos ha preguntado: ¿qué es el milenarismo? ¿Qué dicen la
Iglesia, los teólogos de éso? ¿Se puede ser milenarista? No es nuestra
intención tratar todo el problema, ni mucho menos; haría falta
escribir un libro y bien grande. Examinaremos algunos aspectos que
toca o nos sugiere la carta del Dr. Bourdieu. Sin duda que muchos y en
muchas partes de nuestro inmenso territorio y aun fuera de él la
leyeron.
El Reino Personal de Cristo presente sobre la tierra es, según la
categórica afirmación del Dr. Bourdieu, “una cuestión vital para las
almas, objeto genuino de la virtud de esperanza, que ha permanecido
descuidada por la ignorancia y ocultada por la timidez” [(4) Col. 5.].
Confesamos ingenuamente que estas graves palabras nos dejan
completamente perplejos y no nos atrevemos a afirmar que su autor haya
querido decir lo que parecen expresar. Porque en tal caso, durante más
de 14 siglos los Papas, los obispos, los sacerdotes, los doctores de
la Iglesia han sido o unos ignorantes o unos cobardes. Nadie de ellos
enseñó tal doctrina; más aún, rechazaron esa enseñanza “vital”; es
decir, de vida o muerte para las almas; fueron lobos carniceros y no
pastores guardianes del rebaño de Cristo. Un católico no puede pensar
tal cosa; menos, decirlo.
Más adelante, leemos en la carta del Dr. Bourdieu: “esta admirable
doctrina del Reino Personal de Cristo presente sobre la tierra, que es
la meta de tantas divinas promesas de la Escritura y que los Padres
Apostólicos — entre los cuales diez grandes santos, por lo menos, —
canales de la Tradición y cuya autoridad es superior a la de todos los
demás Padres de la Iglesia (Concilio de Trento, sesión 4ª), profesaron
unánimes durante los primeros siglos de la era cristiana, afirmando
solemnemente haberla recibido de los Apóstoles y aun del mismo Cristo,
hasta el punto de que San Ireneo — el Padre de la Teología — y San
Justino llegan a sostener que no es cristiano quien no la profesa”
[(5) Col. 5.]. Este trozo contiene condensadas afirmaciones que
conviene examinar.
Dice el Dr. Bourdieu: “los Padres Apostólicos – entre los cuales diez
grandes santos, por lo menos”. – Según Tixeront, “se da el nombre de
Padres Apostólicos a los escritores eclesiásticos de fines del primer
siglo y primera mitad del segundo” [(6) J. Tixeront, Histoire des
Dogmes dans l’Antiquité chrétienne, vol. I, París, ed. 11, 1930, p.
119.]; lo mismo afirma Cayré [(7) F. Cayré A. A., Précis de
Patrologie, vol. 1, París, ed. 2, 1931, p. 31; cfr. Espasa,
Enciclopedia Universal Ilustrada, Barcelona, en la palabra:
Apostólicos (Padres).]. ¿Cuántos son los Padres Apostólicos? – Oigamos
al autorizado Bardenhewer: “Juan Bautista Cotelier (+ 1686) recogió
con el nombre de Padres de la edad apostólica, al autor de la carta
llamada de San Bernabé, a Clemente Romano, Hermas, Ignacio de
Antioquía y Policarpo, presentando en sus escritos una edición, para
su tiempo cabal. Fué corriente más tarde contar también entre los
Padres apostólicos a Papías de Hierápolis y al autor de la carta a
Diogenetes [(8) O. Bardenhewer, Patrología, traducción del P. Juan M.
Sola, Barcelona, 1910, p. 16; lo mismo repite en Geschichte der
altkirchlichen Literatur, vol. I, Friburg i. B., ed. 2, 1913, p.
80.]”. La lista, como se ve, no llega a diez; y, no todos son santos.
Sospechamos que el Dr. Bourdieu extiende el título de Padres
Apostólicos a todos los escritores eclesiásticos de los cuatro o cinco
primeros siglos de la Iglesia. Así, con razón, puede decir: “entre los
cuales diez grandes santos, por lo menos”.
De los Padres Apostólicos dice el Dr. Bourdieu, que “profesaron
unánimes” [(9) Col. 5.] la doctrina milenarista. Afirmación muy grave
y que rechaza la historia imparcial.
En la obra titulada Apocalipseos interpretatio litteralis ejusque cum
aliis libris sacris concordantia [(10) A Raphaele Eyzaguirre, Romae,
1911.], que, según expresión del Dr. Bourdieu, “es un libro
monumental” [(11) Col. 8.], se lee en la página 764, que traduzco del
latín: “Se han de evitar las exageraciones. Así como algunos modernos
milenaristas se jactan de que la opinión de los primeros Padres es
unánime en favor del milenarismo; así también muchos teólogos miran o
casi miran como tradición divina el consentimiento de las edades
posteriores contrario al milenarismo, consentimiento, que según ellos,
existió”. Unas páginas más adelante dice el mismo autor milenarista:
“Franzelin establece su tesis afirmando que la sentencia milenarista
no tiene en su favor la tradición apostólica y en ésto convenimos con
él, porque odiamos toda clase de exageraciones” [(12) p. 771.].
El P. Florentino Alcañiz, a quien cita en su favor el Dr. Bourdieu dos
veces en su carta [(13) Col. 5 s.] y califica su libro Ecclesia
Patristica et Millenarismus (14), que es de tendencia milenarista, de
“docto estudio” [(15) Col. 5.], al tratar de San Justino, dice
traducido del latín:
“De todas estas palabras de San Justino, se deduce sin ninguna duda
que en el siglo segundo de la Iglesia la sentencia milenarista no era
admitida de todos los católicos, como vanamente opinó algún
milenarista” [(16) Op. cit., p. 78 s.].
[(14) Florentinus Alcañiz, Ecclesia Patristica et Millenarismus.
Expositio historica, Granada 1933. Es cierto que este autor dice en el
prólogo: "El objeto de esta obra, como su mismo título lo demuestra,
no es dogmático, ni apologético, sino meramente histórico. No
pretendemos impugnar, ni defender el milenarismo, sino solamente
exponerlo” (p. 3); pero la lectura del libro deja la impresión, por no
decir la convicción, que el autor es milenarista. Pone muy de relieve
y con toda fuerza lo que favorece; amortigua y deja en la sombra lo
que es contrario al milenarismo. Esto no quiere decir que dudemos de
la sinceridad y buena fe del autor, que nos merece toda estima y
aprecio.]
Asi es, en efecto. Veamos el célebre pasaje que se encuentra en el
Diálogo con el judío Trifón. Este pregunta: “Vamos, dime: ¿en verdad
confesáis que Jerusalén será restaurada y que vuestro pueblo será
congregado y esperáis vivir dichosamente con Cristo, los patriarcas y
los profetas y con todos aquellos que fueron de nuestra raza o se
agregaron a ella antes que vuestro Cristo viniese, o, será que
confesáis estas cosas para parecer que nos superáis por mucho en la
controversia? Entonces respondí: No soy tan miserable, Trifón, que
diga una cosa y sienta otra. Ya te lo he dicho que yo y muchos otros
sentimos esto de tal manera que tenemos certeza de que así sucederá;
pero también te indiqué que muchos y éstos de aquel linaje de
cristianos que siguen la sentencia piadosa y pura no admiten esto. En
cuanto a aquellos, que ciertamente son llamados cristianos, pero son
herejes ateos e impíos, ya te probé que en todo enseñan cosas
blasfemas, impías y disparatadas” [(17) S. Iustinus, Dialogus cum
Tryphone iudaeo, n. 80 en Migne, Patrol. graeca, vol. 6, col. 663.].
Según San Justino hay, pues, tres grupos de cristianos: al primero
pertenece el santo y muchos cristianos, son los milenaristas; al
segundo, muchos cristianos, que siguen la piadosa y pura sentencia;
pero no admiten el milenarismo; al tercer grupo, los herejes. Siendo
esto así ¿cómo puede decir el Dr. Bourdieu que San Ireneo “y San
Justino llegan a sostener que no es cristiano quien no la profesa”,
hablando de la doctrina milenarista? Pero volvamos a la afirmación de
la carta: “profesaron unánimes durante los primeros siglos de la era
cristiana, afirmando solemnemente haberla recibido de los Apóstoles y
aun del mismo Cristo” [(18) Col. 5.]. Acabamos de ver que San Justino
niega esta unanimidad, pues los de la opinión contraria son en frase
de San Justino “muchos”; no alguno que otro.
Recorramos otros nombres célebres de la primitiva Iglesia.
El escrito, de autor desconocido, llamado Doctrina de los 12 Apóstoles
favorece el milenarismo, si creemos a sus partidarios. A decir verdad,
los indicios son pobres y oscuros; con razón dice Allo en su
concienzudo y científico trabajo sobre el Apocalipsis: “sería muy
aventurado buscar el milenarismo” [(19) P. E.-B. Allo, Saint Jean.
L’Apocalypse, París, ed. 3, 1933, p. 321.] en este escrito.
Ignoran el milenarismo, o, por lo menos, nada nos dicen de él: San
Clemente Romano, San Ignacio, ambos del siglo primero: San Policarpo,
Hermas, Taciano, Atenágoras, Clemente Alejandrino, todos del siglo
segundo. Como se ve, la unanimidad acerca de la doctrina milenarista
no sólo no la afirma la historia, sino que la rechaza.
Consideremos otra afirmación del Dr. Bourdieu. Hablando de los Padres
Apostólicos los llama: “canales de la Tradición y cuya autoridad es
superior a la de todos los demás Padres de la Iglesia (Concilio de
Trento, sesión IVª)” [(20) Col. 5.]. Más lejos dice que quizá el Papa
“reclame por primera vez la fe de los creyentes hacia la
interpretación de las profecías escatológicas tal cual nos la dieron
como Tradición Apostólica, junto con las mismas Escrituras, los Padres
ortodoxos, así llamados por el Concilio Tridentino” [(21) Col. 7.].
Menciona, es verdad, el Concilio a los Padres ortodoxos en general
cuando dice: “El sacrosancto ecuménico y general Concilio Tridentino…
siguiendo el ejemplo de los Padres ortodoxos recibe y venera…” [(22)
Denzinger et Umberg, Enchiridion Symbolorum, Friburgi i. B., ed. 21,
1937, n. 783.] los libros de la Sagrada Escritura y la Tradición
Divina; pero ahí no se encuentra ninguna división de Padres
Apostólicos y de los otros que no lo son; y, mucho menos, afirma la
superioridad de aquéllos sobre estos, ni con la expresión Padres
ortodoxos se refiere exclusivamente a los Padres milenaristas.
El Dr. Bourdieu después del párrafo dedicado a los Padres Apostólicos,
continúa: “Note usted que el gran daño de esta doctrina (es decir, del
Reino Personal de Cristo sobre la tierra) le ha venido del ilimitado
prestigio personal de San Agustín y San Jerónimo que no la adoptaron”
[(23) Col. 5. Lo que está entre paréntesis lo hemos añadido
nosotros.]. Encuentro en éstas y en las anteriores palabras del doctor
Bourdieu una argumentación implícita. Saquémosla a la luz del día.
Hela aquí: la autoridad superior debe vencer a la inferior; es así que
la autoridad de los Padres Apostólicos es superior a la de todos los
demás Padres y por consiguiente y con mayor razón a la de San Agustín
y San Jerónimo; luego la autoridad de los Padres Apostólicos debe
vencer a la de San Agustín y San Jerónimo. Ahora bien, los Padres
Apostólicos son milenaristas; San Agustín y San Jerónimo
antimilenaristas; luego el milenarismo tiene que vencer y por
consiguiente todos los buenos católicos tenemos que ser milenaristas.
Inútil mostrar las fallas de esta argumentación: son visibles y ya
están indicadas, por lo menos en parte, en lo expuesto anteriormente.
Quizá pregunte alguno: En resumidas cuentas ¿cuál es el valor de los
Padres Apostólicos? Tixeront nos da la respuesta: “Escritores no
propiamente inspirados e inferiores en vistas profundas a los autores
del Nuevo Testamento lo son también en riqueza doctrinal y en la
fuerza de reflexión a los escritores que les siguieron a ellos mismos.
Son en mucho mayor grado testigos de la fe que teólogos. Si se
exceptúa a San Ignacio, genio más personal, el gran valor de que gozan
les viene principalmente de su antigüedad” [(24) Op. cit. p. 119 s.].
San Ignacio de Antioquía, esa figura de tan fuerte relieve en la
Iglesia primitiva, recordémoslo de paso, es completamente mudo sobre
el milenarismo, que, según el Dr. Bourdieu, como ya lo hemos visto, es
“una cuestión vital para las almas, objeto genuino de la virtud de
esperanza” [(25) Col. 5.].
Mucho habla el Dr. Bourdieu sobre San Agustín y mucho podríamos hablar
nosotros sobre el asunto. Sólo queremos poner en parangón dos lugares.
Refiriéndose a San Agustín, dice el Dr. Bourdieu: “bien podemos decir
que, si Dios lo colmó de luces de doctrina, no se las dió lo mismo en
profecía, sin duda porque no era tal su misión, en aquella época
inicial del apostolado evangélico” [(26) Col. 6.]. Bastante más
adelante tiene el siguiente párrafo, que en parte ya hemos citado:
“Desgraciadamente son muy raros los que hoy se acogen a esta
bienaventuranza, porque existe entre los católicos un prejuicio mortal
para la fe, y es el mirar como un peligro, no ya únicamente las
profecías, sino la Biblia entera, incluso los Sagrados Evangelios, por
el sólo hecho de que la soberbia de los herejes ha abusado de esa
palabra de Dios, cuya inteligencia, como usted muy bien lo señala, se
ha prometido, no a los doctos, sino a los pequeños y humildes de
corazón” [(27) Col. 7.]. Es muy sorprendente y misterioso que Dios no
haya concedido a San Agustín, a “este grande, inspirado y humilde
santo” [(28) Col. 6.] como le llama el Dr. Bourdieu, lo que tiene
prometido “a los pequeños y humildes de corazón”. Pueden felicitarse
nuestros modernos milenaristas, porque el Señor les ha concedido a
ellos lo que negó al más grande de los Padres y a una de las figuras
más gigantescas que registra la historia de la humanidad. Notemos de
pasada que el reino milenario, según sus partidarios, no sólo es el
objeto de innumerables profecías, sino que es una doctrina, por lo
menos en sus líneas esenciales, claramente y sin velos proféticos
enseñada por la veneranda tradición primitiva. ¿Cómo puede explicarse
que San Agustín, a quien Dios “colmó de luces de doctrina” como tan
entonadamente lo confiesa el Dr. Bourdieu, y que fué uno de los más
celosos guardianes de la Tradición e invicto propugnador de ella, se
haya equivocado no sólo en la interpretación de las profecías, sino,
cosa inmensamente más grave, en negar y combatir una doctrina
tradicional? Que San Agustín fué un paladín de la Tradición lo admite
cualquiera que haya hojeado algunas obras del santo o cursado la
Teología. Basta recordar aquellas lapidarias palabras que leemos en su
obra contra Julián de Eclano, refiriéndose a los Padres: “lo que
creen, lo creo; lo que sostienen, lo sostengo; lo que predican, lo
predico” [(29) Contra Iul. l. 5, n. 20, en Migne, Patrol. latina, vol.
44, col. 654.].
El Dr. Bourdieu no se olvida ni mucho menos, de hacer resaltar con
despliegue de elocuencia que ni San Jerónimo ni San Agustín condenaron
el milenarismo mitigado o espiritual; porque “el mal milenarismo: el
llamado craso, carnal o judaizante, evidentemente” fué “merecedor de
una reprobación”. [(30) Col. 5.]. Es verdad, hasta cierto grado; pero
de ahí no se sigue que la situación actual del milenarismo sea la
misma. Ha cambiado; durante estos quince siglos ha empeorado. Ha
habido una evolución dogmática fatal al reino milenario [(31) Cfr.
Espasa: Enciclopedia Universal Ilustrada, t. 35; en la palabra:
Milenarismo.]. Un ejemplo: si un católico de nuestros días tuviese la
osadía de negar la Concepción Inmaculada de nuestra bendita Madre del
Cielo, porque en el siglo doce y trece ilustres teólogos y grandes
santos la rechazaban o ponían en duda; a éste le llamaríamos hereje.
¿Por qué? — Porque la situación ha variado, no es la misma; ha habido
una evolución dogmática que maduró en la definición del inmortal Pío
IX en la Bula Ineffabilis Deus, del 8 de diciembre de 1854. Con el
milenarismo pasa algo parecido. Parecido y no igual; porque la
evolución no ha llegado a la madurez del dogma. Y ¿qué es una
evolución dogmática? preguntará, por ventura, alguno. — Es un progreso
en el conocimiento, en la penetración, explicación y expresión de las
verdades reveladas, como también de sus relaciones y derivados. El
depósito de la Revelación permanece, sin embargo, objetivamente
invariable; desde la muerte del Apóstol San Juan no aumenta; ninguna
revelación nueva vendrá a añadirse a las anteriores.
Que ha habido una evolución, es evidente. El milenarismo que estaba
más o menos en boga en los primeros siglos, empezó a decaer de suerte
que a partir del siglo quinto todos o casi todos los Padres, Doctores,
escritores católicos lo ignoran o lo rechazan. Los sermones,
catequesis, tratados espirituales o nada dicen de él o si algo dicen,
es para combatirlo. Ninguna escuela teológica lo patrocina: todas lo
rechazan sin darle mayor importancia. Así lo hace el Angel de las
Escuelas, Santo Tomás de Aquino [(32) Summa Theol. Sup. q. 77, a. 1.].
El Doctor de la Iglesia San Roberto Belarmino dice de la sentencia
milenarista, que “ya hace mucho tiempo que fué desechada como un error
averiguado” [(33) De Rom. Pont. l. 3 c. 17.]. Suárez parece aún más
severo [(34) De Myster. vitae Christi, disp. 50, s. 8. n. 4.]. La
lista podría alargarse hasta llegar a nuestros días.
Merece especial mención el Catecismo del Concilio Tridentino para los
Párrocos publicado por San Pio V, cuyas enseñanzas aunque no todas son
de fe, tienen el valor de Doctrina oficial católica y universal; según
ellas tienen que formar los Pastores de almas la inteligencia y el
corazón de los fieles. Hugo Wast hablando de él dice que “contiene la
más pura doctrina de la Iglesia” [(35) El 6º Sello, p. 124.]. Luego
añade: “En su Capítulo VIII, al hablar del artículo VIIº del Credo:
“de allí ha de venir a juzgar a los vivos y a los muertos”, enseña lo
siguiente: “Por tanto, Nuestro Señor y Salvador hablando del último
día, declaró que habrá en algún tiempo juicio universal y describió
las señales de ir llegando ese tiempo para que entendamos al verlas,
que se acerca el fin del mundo. Y a más de esto, subiendo al cielo,
envió sus Angeles a los Apóstoles que quedaban tristes por su
ausencia, para consolarlos con estas palabras: “Este Señor que véis
subir de vosotros al cielo vendrá del modo que lo vísteis subir” (Act.
I. 11). Con lo cual se prueba que el fijarnos en las señales del fin
es preocupación perfectamente ortodoxa y no debe causarnos terror, ni
inquietud, sino esperanza y alegría, porque se aproxima el Señor”
[(36) El 6º Sello, p. 124.]. El Dr. Bourdieu refiriéndose a esto mismo
dice que la segunda venida del Señor “según el catecismo romano de San
Pío V, ha de ser el móvil de todos nuestros suspiros…” [(37) Col. 7.].
El lector profano leyendo estos testimonios aducidos por los
milenaristas creerá que también lo es el Catecismo Romano [(38)
Ciertamente que Hugo Wast y el Dr. Bourdieu no aducen estos
testimonios para probar el Reinado Personal de Cristo, sino para el
fin indicado en el texto.]. Nada más falso. En el cap. VIII de la
primera parte explica largamente el artículo VII del Credo: “De allí
ha de venir a juzgar a los vivos y a los muertos”. Ni una palabra se
encuentra del Reino milenario, su doctrina es la corriente en la
Iglesia. Hablando el Catecismo Romano de las dos venidas de Cristo
dice en el nº 2: “La segunda es cuando, al fin del mundo, vendrá a
juzgar a todos los hombres”. Luego vendrá al fin del mundo y no antes;
vendrá a juzgar a todos; y, no a reinar primero. En el siguiente
número hablando de los dos juicios dice: “El segundo juicio es, cuando
en un mismo día y lugar comparecerán juntos todos los hombres ante el
tribunal del Juez, para que viendo y oyendo todos los hombres de todos
los siglos conozca cada uno qué es lo que fué juzgado y decretado de
ellos” [(39) Cfr. Alejandro Huneeus Cox, El Reinado de Jesucristo.
Ideal de Acción Católica, Santiago de Chile, p. 33. El imprimatur es
del 27 de octubre de 1938.]. La doctrina común que aprendimos desde
niños. En nuestro Catecismo de la Doctrina cristiana. Primeras
Nociones, leemos en el nº 39: “¿Cuando vendrá Jesucristo a juzgar a
los buenos y a los malos? — Jesucristo viendrá a juzgar a los buenos y
a los malos al fin del mundo”. Con razón se asombra Hugo Wast
milenarista: “Es cosa que debe causarnos asombro el ver cómo ha ido
desvaneciéndose entre los cristianos la noción del dogma principal que
contiene nuestro credo: la segunda venida del Señor, en sus dos
aspectos: Primeramente como Rey y después como Juez” [(40) El 6º
Sello, p. 117.]. ¿Quizás, dirá alguno, hable el catecismo en otro
sitio del Reino milenario? — Búsqueda inútil. Con todo, tentemos.
Los milenaristas ven en el “venga a nos el tu Reino”, del Padre
Nuestro, una alusión al Reinado Personal de Jesucristo sobre la
tierra. Oigamos a Hugo Wast: “Cualquiera que sea el número de años o
de siglos o de milenios, que aún nos separen de la Parusia, la
tradición de los primeros siglos, concordante con las vehementes
exhortaciones de Jesús, son no sólo que debemos estar preparados, cual
si fuera a ocurrir de un momento a otro, sino que debemos ansiar y
rogar porque sea pronto: !Adveniat regnum tuum! Venga a nos el tu
reino. Por que la Parusia significará eso: el reino de Cristo en la
tierra, y el definitivo triunfo de la Iglesia: un solo rebaño y un
solo pastor” [(41) Op. cit., p. 123.]. El Catecismo Romano trata en 19
números del capítulo XI de la parte cuarta, de la segunda petición del
Padre Nuestro: “Venga a nos el tu reino”. Explica las diversas
significaciones de la palabra “Reino de Dios” en las Escrituras, habla
de los diversos Reinos de Cristo; pero del milenarista, nada.
Con Billot se repite el caso del Catecismo de Trento. Hugo Wast
hablando de la segunda venida de Cristo dice: “Acerca de ello, el
sabio cardenal Billot que perteneció a la Compañía de Jesús dice lo
siguiente:
“Basta, en efecto, hojear un poco el Evangelio para en el acto
comprender que la Parusia es absolutamente el Alfa y la Omega, el
comienzo y el fin, la primera y la última palabra de la predicación de
Jesús; que es la llave, el desenlace, la explicación, la razón de ser,
la sanción, en una palabra, el supremo acontecimiento hacia el cual
tiende todo lo demás, y sin el cual todo lo demás se desmorona y
desaparece” [(42) “Billot Louis, La Parousie, en la revista Études, 5
de junio de 1917, tomo 151, pág. 545”. Esta nota es de Hugo Wast.]”;
[(43) Op. cit., p. 122 s.].
Inmediatamente le sigue el texto que transcribimos hace un momento al
tratar de la segunda petición del Padre Nuestro en que vimos que lo
terminaba diciendo: “Porque la Parusia significará eso: el reinado de
Cristo en la tierra; y el definitivo triunfo de la Iglesia…” Quien lee
eso podrá creer que Billot es milenarista, aunque de hecho el autor de
El 6º Sello no lo diga ni lo quiera decir. Esta impresión se
confirmará al leer en la carta del Dr. Bourdieu: “A esa segunda venida
de Cristo, que según el cardenal Billot S. J., es Alfa y Omega de toda
la Escritura”, etc. [(44) Col. 7. Lo que hemos dicho de Hugo Wast lo
repetimos del Dr. Bourdieu.]. Tal impresión o convicción sería falsa,
pues el que durante más de veinte años ejerció brillantemente el
profesorado en la Universidad Gregoriana de Roma fué adversario del
milenarismo. En sus doctas y difundidas obras leemos esta tesis:
“La resurrección de todos acaecerá en un mismo tiempo y por lo tanto
debe rechazarse la ficción de los milenaristas de una primera
resurrección con el subsiguiente reino de mil años de cualquier manera
que se explique, ya sea según el sentir de los antiguos herejes, ya
sea también según el sentir de algunos Padres cuya opinión ya desde el
siglo IV ha sido completamente desechada; la cual algunos pocos
modernos después de los Protestantes se esfuerzan con bastante
temeridad en renovar” [(45) Billot, Quaestiones de Novissimis, Roma,
ed. 6, 1924, p. 150.].
La lista de los modernos antimilenaristas es inmensa, baste decir que
los de la opinión contraria son muy pocos; y, ordinariamente, de poca
autoridad en la materia y de escasa influencia en la vida de la
Iglesia. Allo tratando de la obra milenarista de Eyzaguirre dice: “El
hecho vale la pena de ser señalado, porque los milenaristas católicos
van siendo felizmente muy raros, mientras que permanecen numerosos
entre los sectarios protestantes y rusos” [(46) Op. cit., p.
CCLXIII.].
Citaremos con todo algunos modernos más. Cristián Pesch, conocido en
el mundo entero por sus escritos teológicos, y cuya obra Praelectiones
Dogmaticae de nueve tomos ha sido repetidas veces editada, da como
teológicamente cierta la proposición: “No habrá ningún reino glorioso
de Cristo en esta tierra antes de la perfecta bienaventuranza celeste
como lo fingieron los milenaristas” [(47) Prael. Dogm., t. IX Frib.
Bris. ed. 4, 1923, p. 362.]. El P. Blas Beraza, que escribió varios
voluminosos tratados de Teología y fué profesor durante muchos años en
uno de los centros eclesiásticos más importantes de España, dice: “El
milenarismo sutil (es decir, el mitigado o espiritual) es
completamente falso y hay que contarlo entre las fábulas” [(48)
Tractatus de Deo Elevante — De Peccato Originali — De Novissimis,
Bilbao 1924, p. 670.]. El P. Gabriel Huarte, profesor en la
Universidad Gregoriana, hablando del milenarismo espiritual dice:
“Esta doctrina no es juzgada como herética; pero ciertamente es, por
lo menos, del todo falsa” [(49) De Deo Creante et Elevante ac de
Novissimis, Roma, ed. 2, 1935, p. 689.]. K. Algermissen dice del
milenarismo: “él es con todo, como contrario a la revelación aun en su
forma espiritualizada, erróneo y enemigo de la fe” [(50) Chiliasmus,
en Lexicon für Theologie und Kirche, vol. II Freiburg i. B. 1931.].
Allo en su magistral y moderno comentario del Apocalipsis dice:
“Aunque el milenarismo no haya sido censurado como herejía, sin
embargo el sentimiento común de los teólogos de todas las escuelas ve
en él una doctrina errónea” [(51) Op. cit., p. 323.]. Andrés Olivier
en su reciente y original obra sobre el Apocalipsis, tratando de la
interpretación milenarista en el capítulo XX dice: “El común sentir de
los teólogos sobre esta interpretación es que ella es por lo menos
errónea” [(52) La Clé de l’Apocalypse, París, 1938, p. 185.].
Como se ve, el torrente de los doctos católicos sigue refractario al
milenarismo. Hugo Wast cree lo contrario, pues dice: “La situación en
los últimos años ha variado, especialmente desde que Benedicto XV. dió
caracter universal a la fiesta de San Irineo, que desde muy antiguo
celebraban en Lyon” [(53) Op. cit., p. 135.]. Acabamos de ver que en
la misma Roma no sólo antes del pontificado de este Papa, sino también
durante el mismo y después de él y por decirlo así delante del mismo
Soberano Pontífice y de las Congregaciones Romanas se ha combatido
duramente el milenarismo y se ha enseñado a rechazarlo e impugnarlo a
centenares de alumnos escogidos de todas las partes del mundo, futuros
obispos, párrocos, sacerdotes, profesores de seminarios, directores de
obras, de publicaciones, confesores, plasmadores de almas, que tendrán
por misión propia ser la luz del mundo y la sal de la tierra; fuentes
de la doctrina católica donde los fieles; niños, adultos, decrépitos;
sabios e ignorantes, beberán las aguas vivificadoras que saltan hasta
la vida eterna.
Supongamos por un momento que la doctrina milenarista ha sido revelada
por Dios y está contenida claramente en el cap. XX del Apocalipsis y
en otros muchos lugares de la Sagrada Escritura y que fué enseñada por
los Apóstoles como pretenden los milenaristas. En este supuesto, los
católicos milenaristas del siglo II y III habrían profesado el genuino
sentido de la Escritura y seguido la Tradición apostólica. Después
habría sucedido algo inconcebible. La doctrina divinamente revelada,
abiertamente enunciada en la Escritura, enseñada a la Iglesia por los
Apóstoles empezó en el siglo IV y V, cuando el cielo de la Iglesia se
tachonó de grandes doctores, lumbreras de su tiempo y de los siglos
venideros; empezó no sólo a oscurecerse y olvidarse; sino a ser
impugnada y duramente censurada por todos los doctores y pastores de
almas. Sucedió que durante quince siglos la totalidad moral de los
obispos, sacerdotes, doctores católicos torcieron el sentido obvio y
claro de las Escrituras para darle sentidos falsos y
antitradicionales; que en las escuelas teológicas donde se forman los
pastores; en los sermones y catequesis, donde se forman los fieles, se
hablase de la segunda venida de Cristo, de la resurrección de los
muertos, del juicio universal y nada se dijese, y ésto constantemente
y en todas las iglesias de la tierra, de una verdad revelada, enseñada
por los Apóstoles; más aún, que se enseñasen cosas contrarias o
incompatibles con la misma.
Preguntamos ahora: ¿esta suposición se aviene con la asistencia del
Espíritu Santo prometida a la Iglesia hasta la consumación de los
siglos? [(54) Cfr. Beraza, op. cit., p. 672 s.].
Dirá alguno: la Iglesia nunca ha condenado el milenarismo mitigado.
Concedemos gustosos, y debemos hacerlo, que hasta la fecha no hay
ninguna condenación oficial explícita de parte del Magisterio
infalible de la Iglesia. Por eso, sería injuria gravísima llamar a un
milenarista hereje ¡Dios nos libre! Pero de ahí no se sigue que no sea
contra el común sentir de la Iglesia. Basta repetir que todas las
escuelas teológicas lo rechazan. Y ¿qué autoridad tienen? Muy grande,
pues se funda en la íntima relación de las mismas con el Magisterio
eclesiástico. Están no sólo de derecho, sino también de hecho bajo el
régimen de la autoridad eclesiástica. En ella se forman y se nutren
los futuros maestros auténticos de la Iglesia. Conviene recordar aquí,
porque parece que algunos milenaristas lo pierden de vista, que no
sólo es infalible la Iglesia que enseña, sino también la que aprende y
cree. La del Magisterio es infalibilidad activa; la de los fieles,
pasiva. De ahí que los teólogos enseñan: “El consentimiento de los
fieles en cosas de fe, con tal que sea cierto, claro y moralmente
unánime es un criterio cierto de la tradición divina” [(55) Lercher,
Institutiones Theologiae Dogmaticae, vol. I, Oeniponte 1927, p. 572
s.].
La Sagrada Escritura, se nos objeta, es claramente milenarista. El Dr.
Bourdieu dice que San Agustín abandonó la interpretación literal del
Apocalipsis, “aunque ella resulta tan clara y transparente del sentido
literal, siendo la única que hace inteligible el Sagrado Libro, y
fuera de la cual éste se convierte en un laberinto inexplicable, como
no vacila en afirmarlo otro ilustre profesor jesuíta, muerto
recientemente en Barcelona, mártir de la persecución: el Padre Juan
Rovira, que es el autor del nutrido, luminoso y concluyente estudio
sobre el vocablo “Parusía”, en el tomo 42 de la Enciclopedia Universal
Espasa [(56) Col. 6.]. Otro distinguido católico, que, con muy buenas
intenciones y con un celo nacido de la más fina caridad, escribió un
folleto sobre el tema, opina lo mismo, aunque sus afirmaciones no son
tan categóricas y avanzadas [(57) José Ignacio Olmedo, Restauración
del Reino de Israel, Buenos Aires, 1937, p. 10, 11-42 s.]. Hugo Wast
no duda en afirmar que: “Uno de los sucesos, anunciados con más
claridad para los tiempos futuros, es la restauración del reino de
Israel, bajo un rey de la sangre de David” [(58) El 6º Sello, p. 73.].
El mismo autor hablando del mensaje del ángel Gabriel a la Virgen
María dice: “Una hebrea de aquellos tiempos, a quien se le habla del
trono de David, comprende sin ningún equívoco el sentido literal de la
promesa. María acepta el sublime contrato y responde: “Hágase en mí
según tu palabra”. (Luc. I, 31, 33). ¿Quien se atreverá a decir que la
palabra del ángel que era la palabra de Dios no va a cumplirse? Nadie,
ciertamente. Pero aquí muchos son los que hacen una distinción
curiosísima, y en nuestra modesta opinión, injustificada” [(59) Op.
cit., p. 226 s. Cfr., p. 150 ss., 237.].
No es nuestro intento entrar en discusiones y estudios exegéticos;
sólo nos permitiremos algunas observaciones.
En la Sagrada Escritura, principalmente en las Profecías, no escasean
las oscuridades y abundan los símbolos y las metáforas. Hugo Wast
hablando del Apocalipsis dice: “No nos hagamos demasiadas ilusiones.
Alcanzaremos el sentido de aquellas cosas que estén destinadas para la
enseñanza de nuestra generación, mas no lograremos penetrar más cerca”
[(60) Op. cit., p. 20.]. Refiriéndose en otro lugar a los libros de
difícil inteligencia de la Biblia, dice: “Con humildad, pero con
confianza, debemos aproximarnos a estos libros, y aunque nuestros
juicios no pasen de ser glosas y conjeturas, nunca será tiempo perdido
el que empleemos en escuchar la, a menudo, inexcrutable palabra de
Dios” [(61) Op. cit., p. 212.]. Más adelante dice: “Para nadie es un
secreto que hay muchos pasajes en los libros santos de muy difícil
interpretación” [(62) Op. cit., p. 249.].
Así es, dirán todos; pero esto, replicarán los milenaristas, no tiene
lugar en la doctrina del Reinado Personal de Cristo sobre la tierra
que está muy claramente enunciado. – ¡Pura ilusión! Si tal claridad
fuese verdadera, sería imposible explicar cómo grandes genios;
investigadores profundos; sabios, sinceros amantes de la verdad;
santos llenos de dones y carismas, cuyo número en el transcruso de
quince siglos es difícil de contar, hayan sido engañados. La solución
del problema para todo hombre libre de prejuicios es que tal claridad
no existe.
Fuera de esto, conviene tener presente que la Sagrada Escritura no es
la única fuente de la Revelación como lo pretendieron los antiguos
protestantes; hay otra más que es la Tradición Divina [(63) Tridentino
sesión IVª, DB 783.]. El intérprete auténtico de la Escritura y juez
en la materia es el Magisterio de la Iglesia, como lo declara el
Tridentino en la sesión cuarta [(64) DB 786.]. De todo esto se deduce
que la fuente próxima de donde los fieles sacan la doctrina salvadora
es el magisterio vivo y auténtico de la Iglesia que saca a su vez su
doctrina de la Sagrada Escritura y de la Tradición Divina [(65) Cfr.
Lercher, op. cit., p. 545.].
El protestante que rechaza el Magisterio vivo y perpetuo de la Iglesia
y no admite la Tradición Divina, va a las Escrituras y se engolfa en
el “piélago insondable y misterioso” [(66) H. Wast, op. cit., p. 5.]
solo, sin un guía auténtico que le dirija; es fácil que dé en un
escollo y naufrague miserablemente. No asi el católico; el Magisterio
dirige e ilumina sus pasos; cuando no entiende una palabra, o ella es
discutida, pregunta a la Iglesia, a los Padres. A veces no se percibe
la voz del Magisterio, o no es lo suficientemente explícita. El
católico explora entonces el sentir de los doctores de las escuelas,
de los fieles. Con derecho, pues, si le preguntan a un creyente ¿por
qué no admite la interpretación milenarista del Apocalipsis?; puede
responder sin necesidad de saber exégesis, ni cosa parecida, porque es
contra el común sentir de la Iglesia.
Algún entendido en Teología podría preguntarnos finalmente: ¿Qué
censura merece la opinión milenarista? – Respondemos, haciendo
nuestras las palabras con que aquel gran teólogo del Papa, en el
Concilio Vaticano, Cardenal Franzelin, termina su estudio condenatorio
del milenarismo: “No quisiera que así se me entendiese como si me
fuese lícito marcar con alguna censura la opinión de los modernos
milenaristas (esto no es de nuestra incumbencia)…” [(67) Tractatus de
Divina Traditione et Scriptura, Roma, ed. 4, 1896.]

_____________
Pe. J. SILY, S.J., El Milenarismo, in: Estudios, de Buenos Aires, t.
65, 1941, pp. 115-134; transcrito em: http://wp.me/pw2MJ-1wv

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A Voz de Roma – V
31 agosto 2012

SUPREMA SAGRADA CONGREGAÇÃO DO

SANTO OFÍCIO

Condenação do milenarismo mitigado

(Decreto de 19-21 de julho de 1944.

A.A.S., XXXVI, 1944, p. 212.)

I. Tradução em português,

seguida do original, em latim:

Nos últimos tempos, mais de uma vez se perguntou a esta Suprema


Sagrada Congregação do Santo Ofício o que se deve pensar do
Milenarismo mitigado, que ensina que o Cristo Senhor, antes do Juízo
Final, ocorra ou não antes a ressurreição de muitos justos, virá
visivelmente a esta terra para reinar.
Tendo examinado o tema na reunião plenária da quarta-feira, 19 de
julho de 1944, os Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais
encarregados de velar pela pureza da fé e dos costumes, depois de
ouvir a opinião de seus consultores, decretaram responder: o sistema
do Milenarismo mitigado não pode ser ensinado sem perigo.
E, no dia seguinte, quinta-feira, 20 do mesmo mês e ano, o Santíssimo
Senhor Nosso Pio XII, Papa pela Divina Providência, na habitual
audiência concedida ao Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Assessor
do Santo Ofício, aprovou, confirmou e mandou publicar esta resposta
dos Eminentíssimos Padres.
Dado em Roma, no Palácio do Santo Ofício, no dia 21 de julho de 1944.

[Postremis hisce temporibus non semel ab hac Suprema S. Congregatione


S. Officii quaesitum est, quid sentiendum de systemate Millenarismi
mitigati, docentis scilicet Christum Dominum ante finale iudicium,
sive praevia sive non praevia plurium iustorum resurrectione,
visibiliter in hanc terram regnandi causa esse venturum.
Re igitur examini subiecta in conventu plenario feriae IV, diei 19
Iulii 1944, Emi ac Revmi Domini Cardinales, rebus fidei et morum
tutandis praepositi, praehabito RR. Consultorum voto, respondendum
decreverunt, systema Millenarismi mitigati tuto doceri non posse.
Et sequenti feria V, die 20 eiusdem mensis et anni, Ssmus D.N. Pius
divina Providentia Papa XII, in solita audientia Excmo ac Revmo D.
Adsessori S. Officii impertita, hanc Emorum Patrum responsionem
approbavit, confirmavit ac publici iuris fieri iussit.
Datum Romae, ex Aedibus S. Officii, die 21 Iulii 1944.]

_____________

II. Comentário autorizado concomitante;

tradução seguida do original, em francês:

ERRO MILENARISTA
(in: Nouvelle Revue Théologique,

n.º 67, de 1945, pp. 239-241.)


Como dão a entender as primeiras palavras do documento, este decreto
fora precedido de uma resposta do Santo Ofício, datada de 11 de julho
de 1941, ao Arcebispo de Santiago do Chile, onde o erro milenarista
parecia propagar-se com muita força, graças – entre outras causas – a
uma renovação do interesse pelo livro “Venida del Mesías en gloria y
majestad”, obra póstuma de J. J. Ben-Ezra (pseudônimo de Manuel
Lacunza) que já havia sido posta no Índex em 1824. Essa resposta se
encontra reproduzida e comentada no número de 15 de abril de 1942 dos
“Periodica” (t. 31, p. 166-175). O decreto atual a retoma, omitindo
porém esta restrição: “secundum revelationem catholicam”, que se lia
após as palavras: “docentis scilicet”, e substituindo “corporaliter”
por “visibiliter”.
O decreto afirma, portanto, que o milenarismo (ou quiliasmo), mesmo
mitigado ou espiritual, segundo o qual Cristo retornaria de forma
visível à terra, para nela reinar, antes do juízo final, precedido ou
não pela ressurreição de certo número de justos, [o decreto afirma]
que uma tal doutrina não pode ser ensinada sem imprudência
relativamente à fé. Como a resposta de 1941 acrescentava: “Excellentia
tua enixe vigilare curabit ne praedicta doctrina sub quocumque
praetextu doceatur, propagetur, defendatur vel commendetur sive viva
voce sive scriptis quibuscumque” [N. do T. – “Vossa Excelência tratará
de vigiar com cuidado para que a mencionada doutrina não seja, sob
pretexto algum, ensinada, propagada, defendida ou recomendada, nem de
viva voz nem por tipo nenhum de escrito, seja qual for.”], o “doceri”
não deve ser entendido somente de um ensino ou pregação públicos, mas
de todo meio de propagar ou recomendar a teoria. O decreto tem,
ademais, alcance doutrinal e implica que a própria teoria não é segura
do ponto de vista da fé.
É sabido que o milenarismo, herdado do judaísmo, encontrou, nos
primeiros séculos da Igreja, ecos entre os cristãos e mesmo em certos
Padres, Papias, São Justino, Santo Ireneu, Tertuliano, Santo Hipólito
foram em graus diversos milenaristas. Mas, entre outros, Orígenes, São
Dionísio de Alexandria e, sobretudo, São Jerônimo e Santo Agostinho
opuseram-se a essa doutrina e, já “no Concílio de Éfeso, nomeia-se o
milenarismo: as divagações e os dogmas fabulosos do infeliz
Apolinário”… “Embora o quiliasmo não tenha sido qualificado de
heresia, a sentença comum dos teólogos de toda a Escola vê nele uma
doutrina ‘errônea’ à qual certas condições das idades primitivas
puderam arrastar alguns antigos Padres” (Cf. E.-B. Allo, O. P., Saint
Jean, L’Apocalipse, 3.ª edição, pp. 307-329). A fé da Igreja não
conhece senão duas vindas de Cristo e não três. O principal texto
sobre o qual se apoiam os milenaristas é o difícil capítulo 20 do
Apocalipse de São João; mas, seja qual for o seu sentido, debatido
entre exegetas, a interpretação milenarista não é mantida por nenhum
comentador católico.
G. GILLEMAN, S.I.

[Comme les premiers mots du document le laissent entendre, ce décret


avait été précédé d’une réponse du Saint-Office, en date du 11 juillet
1941, à l’Archevêque de Saint Jacques, au Chili, où l’erreur
millénariste semblait se propager assez fort, grâce, entre autres
causes, à un renouveau d’intérêt pour le livre « Venida del Mesias en
gloria y Majestad » œuvre posthume de J. J. Ben-Ezra (pseudonyme de
Manuel Lacunza) déjà mis à l’index en 1824. On trouvera cette réponse
reproduite et commentée dans le numéro du 15 avril 1942 des
« Periodica » (t. 31, p. 166-175). Le décret actuel la reprend en
omettant cependant cette réstriction : « secundum revelationem
catholicam », qui se lisait après les mots : « docentis scilicet », et
en remplaçant « corporaliter » par « visibiliter ».
Le décret affirme donc que le millénarisme (ou le chiliasme), même
mitigé ou spirituel, selon lequel le Christ reviendrait de façon
visible sur terre, pour y régner, avant le jugement dernier, précédé
ou non de la résurrection d’un certain nombre de justes, qu’une telle
doctrine ne peut être enseignée sans imprudence relativement à la foi.
Comme la réponse de 1941 ajoutait : « Excellentia tua enixe vigilare
curabit ne praedicta doctrina sub quocumque praetextu doceatur,
propagetur, defendatur vel commendetur sive viva voce sive scriptis
quibuscumque », le « doceri » ne doit pas s’entendre seulement d’un
enseignement ou d’une prédication publics mais de tout moyen de
propager ou recommander la théorie. Le décret a d’ailleurs une portée
doctrinale et implique que la théorie elle-même n’est pas sûre au
point de vue de la foi.
On sait que le millénarisme, hérité du judaïsme, trouva, dans les
premiers siècles de l’Eglise, des échos chez les chrétiens et même
auprès de certains Pères, Papias, saint Justin, saint Irénée,
Tertullien, saint Hippolyte furent à des degrés divers millénaristes.
Mais, parmi d’autres, Origène, saint Denys d’Alexandrie et surtout
saint Jérôme et saint Augustin s’opposèrent à la doctrine et déjà « au
Concile d’Ephèse, on nomme le millénarisme : les divagations et les
dogmes fabuleux du malheureux Apollinaire»... «Quoique le chiliasme
n’ait pas été noté d’hérésie, le sentiment commun des théologiens de
toute école y voit une doctrine « erronée » où certaines conditions
des âges primitifs ont pu entraîner quelques anciens Pères» (cfr E.-B.
Allo, O. P., Saint Jean, L’Apocalipse, 3e édition, p. 307-329). La foi
de l’Église ne connaît que deux avènements du Christ et non pas trois.
Le principal texte sur lequel s’appuyaient les millénaristes est le
difficile chapitre 20 de l’Apocalypse de saint Jean ; mais quel qu’en
soit le sens, discuté entre exégètes, l’interprétation millénariste
n’est retenue par aucun commentateur catholique.
G. GILLEMAN, S.I.]

_____________
Suprema Sagrada Congregação do SANTO OFÍCIO, Condenação do milenarismo
mitigado. Decreto de 19-21 jul. 1944, seguido do comentário autorizado
do Pe. Gilleman S.J.; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, ag. 2012,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vT

CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:


f.a.coelho@gmail.com

Textos essenciais em tradução inédita – X


[N. do T. - Ao contrário dos outros textos do Sr. Daly que traduzimos
e publicamos até o momento, este a seguir não passa de um comentário
circunstancial e quase improvisado, num fórum de discussões, talvez um
pouco obscuro mas do maior interesse. Se o incluímos aqui, é entre
outras razões por nos ter sido útil num breve debate sobre esta
questão candente, que nosso interlocutor, após inicialmente o parecer
incentivar, acabou deixando inconcluído, ao menos até o momento (donde
não ser esta tradução, aliás, tão inédita assim: cf.
http://www.deuslovult.org/2009/02/02/o-problema-inexistente/ ), mas
não sem antes conceder-nos o que se argumenta aqui: que a posição
sedevacantista não deixa a Santa Igreja Católica Romana "sem
hierarquia", o que seria um absurdo e mesmo uma heresia. Além disso,
esta despretensiosa intervenção do A. pareceu-nos, sem embargo, um bom
índice e como que uma "bússola" neste assunto espinhoso, para não cair
nas graves derivas doutrinais que já lemos de certos conhecidos
sedevacantistas, ironicamente bastante propensos a apodar de
"heréticos" os demais tradicionalistas... Notemos, por fim, que o
título do comentário abaixo é de nossa inteira responsabilidade.
AMDGVM, FC]
_____________
Brevíssimo comentário sobre

a jurisdição episcopal em nossos dias


(2006)

John Daly
Esse tema da jurisdição episcopal é muito amplo, muito difícil e muito
sério, e sinceramente não acho que quero entrar nele e em todas as
suas ramificações neste fórum neste momento.
Mas penso que eu deveria dizer que não acredito nessa noção de
jurisdição episcopal suprida por Cristo a quem quer que tenha ordens
episcopais válidas e professe a Fé Católica em tempo de crise. Nem
acredito que os bispos tradicionais emergenciais tenham algum poder a
mais do que eu de eleger um papa, ou seja, nenhum poder.
Nem tampouco acredito que seja possível que todos os bispos católicos
sobreviventes nomeados validamente deixem de existir, e esse ponto é
considerado dogmático por todos os teólogos de que tenho conhecimento
que advertem para esse fato.
Onde, porém, existe um bispo católico sobrevivente designado
devidamente eu não sei, nem exige a Fé Católica que eu o saiba. O
profeta Elias acreditava que ele era o último adorador sobrevivente do
verdadeiro Deus, mas Deus disse a ele: “Reservei-me sete mil homens
que não dobraram o joelho a Baal”.
Uma vez que tenhamos inculcado em nossa cabeça que não temos de salvar
a Igreja, mas de ser salvos pela Igreja, o mistério deixa de
perturbar. A crise acabará, e Deus porá um fim nela, por meio de
homens que serão ou designados regularmente pela Sua Igreja ou então
farão milagres para dar testemunho de sua missão extraordinária.
Os Papas algumas vezes deram a bispos o poder de transmitir não
somente as ordens episcopais mas também o mandato apostólico aos
candidatos da escolha destes [bispos] em terras perseguidas, e isso
pode ser parte da solução. Mas não sabemos de nenhum detalhe. Não
sabemos que poderes foram dados a quem na China, embora pareça
muitíssimo provável que alguns poderes extraordinários tenham sido
concedidos a alguém para consagrações episcopais. Parece extremamente
improvável que o poder especial não-especificado delegado ao Arcebispo
Thuc pelo Papa Pio XI (e não XII) se referisse a consagrar bispos a
qualquer momento e em qualquer lugar. Ele certamente jamais alegou
isso. Mas alguém em algum lugar pode ainda possuir tais poderes
derivados de um verdadeiro papa.
Estamos no meio de uma crise e um mistério e Deus não nos pediu que
resolvêssemos o mistério. Ele nos pede que mantenhamos a Fé. Que Ele
nos conceda a todos a graça para tanto.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, Brevíssimo comentário sobre a jurisdição episcopal em
nossos dias, 2006, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, julho de 2009,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-2S
FONTE DO ORIGINAL, EM INGLÊS:
Postagem de 11 de junho de 2006, nos Bellarmine Forums, mantidos pelo
Sr. John F. Lane (a quem, incidentalmente, somos muitíssimo gratos,
bem como ao autor ora traduzido, pelo muito que aprendemos com ambos):

http://www.strobertbellarmine.net/forums/viewtopic.php?p=952.html#p952
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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59 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – X”
1. José Carlos Reis Disse:

17 junho 2011 às 15:34


Prezado Felipe Coelho,
Viva Cristo Rei! Salve Maria santíssima!
Sobre a questão de haver ainda bispos sagrados por um papa válido e
que tenham poderes adquiridos deste e além do mais não dobraram o
joelho ao vaticano II,eles teriam que se manifestar em no maximo 10 ou
15 anos mais ou menos, pois já estariam atualmente com idade acima dos
80 anos.

A outra opção como dito acima seria “a espera de um milagre”.

Estarei errado?
Um abraço e fique com Deus!
José Carlos
2. Felipe Coelho Disse:

17 junho 2011 às 16:43


Prezado José Carlos, Salve Maria!
Uma primeira coisa que, me parece, é preciso ter bem claro é que o
“não dobraram o joelho” ao conciliábulo e suas reformas significa não
terem aderido a elas de modo a cair de seu ofício por heresia ou
cisma.
Uma segunda coisa é que é probabilíssimo, a meu ver, ter havido um
equivalente chinês de Mons. D’Herbigny, e o fato de não termos
detalhes talvez seja, inclusive, indício extra de que a missão dele,
ao contrário da do famoso eclesiólogo jesuíta na Rússia, não
fracassou.
Uma terceira coisa é que todos os católicos tradicionais, não somente
os sedevacantistas, esperamos um milagre: quer milagre maior que
esperar a conversão de Joseph Ratzinger?
Um abraço,

In Christo Rege et Maria Regina,

Felipe Coelho
3. Rosano Disse:

19 junho 2011 às 9:46


Felipe, SM!
Eu não entendi. Vc quer dizer que a mais absoluta falta de indícios
sobre a existência de bispos chineses siginifica a mais certa
probabilidade de sua existência? Quer dizer então que se tivessemos
provas da existência de bispos chineses deveríamos dizer então que não
há mais bispos por lá?
Aguardo comentários,
Um abraço,
Rosano
4. Eduardo Disse:

20 junho 2011 às 16:31


Caro Felipe, salve Maria!
Esse Bispo invisível, além de tudo, haveria de não ter se dado conta
da terrível crise de Fé que há na Igreja e, portanto, não ter ainda
rechaçado nem o Vaticano II, nem a Missa Nova, nem muito menos Bento
XVI como Papa. Pois do contrário, como compreender que ele está
construindo uma Igreja tão invisível quanto ele?…
Isso tudo até faz lembrar a história que alguns contam sobre o Cardeal
Siri, a saber, que ele era secretamente Papa e que existe um seu
sucessor, também secreto, ainda hoje.
Enfim, penso que é melhor tentar explicar o não desaparecimento da
Igreja através dos Bispos sagrados no tempo de Pio XII e dos quais
temos conhecimento, não? Ou, numa perspectiva sedevacantista (que
inclua João XIII como antipapa), tentar demonstrar a tese do “erro
comum” que validaria as sagrações que se deram, talvez, desde a morte
de Pio XII até a mudança do rito (supondo sua invalidade). Coisa que,
numa olhada mais superficial, parece-me não se coadunar com o que os
sedevacantistas defendem acerca da suplência: que ela só se dá em
casos muito específicos e explicitados pelo direito.
Uma última pergunta: se morrerem todos os Bispos (conhecidos-
conhecíveis) sagrados até o final de 1958, não seria preciso repensar
se a posição sedevacantista é defensável?
Sigamos aguardando O milagre: a vinda de Cristo!
Que a Virgem Imaculada Mãe de Deus e São José nos iluminem e
fortaleçam!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
5. rosano Disse:

23 junho 2011 às 20:05


Felipe,
Certa feita acusei o pe. Hervel aqui de desonestidade intelectual ao
tratar desse tema. Parece que o sr. Daly é paroquiano do pe. Hervel,
não é? Vc já publicou alguns textos dele a respeito aqui e pela
quantidade de citações parece que o sujeito estudou a contento a
questão da jurisdição episcopal, a ponto de até fazer um florilégio
para criminalizar (é essa a finalidade, sejamos francos) a FSSPX.

Bem, agora que a questão ficou um tanto para lá de espinhosa para a


defesa da tese sedevacantista, pois se não há Papa há quarenta anos
nao há mais bispos, e a conclusão a tirar disso aí é aterradora, o sr.
Daly sofre então de uma repentina preguiça e abondona a questão
simplesmente dizendo que ela é, digamos assim, complexa. E para manter
a turma sedevantista em tranquilidade diz que possui uma série de
citações de grandes teólogos que advertem até com heresia sobre quem
defender a possibilidade de não existirem mais bispos legítimos. A
preguiça é tanta que ele não cita nem um nome sequer dos tais
teólogos!!!!

E na falta de citações ou de uma explanação sobre o tema ele resolve


discorrer sobre a possibilidade de poderes extraordinários dados a
algum bispo para quem sabe assim existir algum Bispo legítimo perdido
lá nos confins da conchinchina…

Da impostura intelectual, libera nos Domine!


Abs,
Rosano
6. Felipe Coelho Disse:

24 junho 2011 às 12:18


Caríssimo Compadre, Salve Maria!
Lamento, mas não me parece que você aborde esta questão nem com a
seriedade nem com a acribia que o tema exige.
Só não lhe dei (ainda?) a resposta que merecem todos esses seus
comentários provocadores, porque ia ser meio semelhante à que dei ao
Othon e porque quero crer que você esteja sendo movido pela caridade
de ajudar um amigo que você imagina estar numa falsa posição.
No mais, só posso lamentar que você tenha deixado o porto mais ou
menos seguro da FSSPX, para ir a um lugar onde quem fica para trás na
fila da comunhão recebe “hóstias” não consagradas, como pode constatar
pela última tradução do Revmo. Pe. Hervé Belmont que acabo de
publicar.
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho
7. Sandro de Pontes Disse:

24 junho 2011 às 13:38


Felipe, salve Maria.
“Acribia”?
Rapaz, ficou meia hora dando risada da inusitada expressão!
Abraços fraternos,
Sandro de Pontes
8. rosano Disse:

24 junho 2011 às 18:07


Compadre,
Obrigado pela caridade de responder. Se quiser me esculachar como fez
com o Othon não tem problema, mas responda a questão.
Se vc é de fato sedevacantista ou não isso de fato não é um problema
para mim. Poderia até ter sido tempos atrás mas hoje a posição de
pessoal de cada um não me importa.
Discuto aqui as teses propostas e como elas são desenvolvidas, qual o
método utilizado e por aí vai. E acho que a postura do sr. Daly um
tanto discutível sob esse aspecto.
Quanto ao local onde assisto a Missa isso é um problema meu do qual do
qual ninguém não tem nada a se intrometer e que não merecia ser
tornado público. Parece que vc não usou a tal da “acribia” nesse
infeliz comentário.
Abraço,
Rosano
9. Aruan Freitas Disse:

26 junho 2011 às 23:24


…este a seguir não passa de um comentário circunstancial e quase
improvisado…
10. Cassiodoro Disse:

29 junho 2011 às 8:31


Caríssimos,

Muito infeliz, Felipe, as suas respostas às perguntas do Rosano. E


mais, muito sensatas as indagações que ele faz sobre a quimera
sedevacantista. Parabéns, Rosano! O sedevacantismo é um lugar-comum,
um círculo vicioso. Na minha pequenina opinião, considero o
sedevacantismo um caminho para o ateísmo. É o criticismo modernista
levado ao extremo oposto. Desculpem-me, não quero ofendê-los, porém,
repito, é minha tão pobre opinião, e que acredito de muito bom senso.
Gostei do comentário do Agostinho, este caro patriarca. Peço-lhe,
Rosano, se me permite considerá-lo amigo, que leia o seu comentário em
“Textos essenciais em tradução inédita XX = Os Padres, a Feiticeira e
o Guarda-Roupa”, que me esclareceu muito, ainda mais com as frustradas
respostas dos bons rapazes que aqui escrevem. No entanto, longe de mim
seguir o conselho do Agostinho quanto ao não escrever nesse blog, que
aliás acho divertidíssimo, mormente com as palavras do “siglático”
ABJF e do “zelozíssimo” Sandro, excelente compilador. Com respeito ao
Felipe, que suas acribias não se tornem uma acribomania. Meus gentis
sedevacantistas, por favor, argumentem contra o texto seguinte,
enviado pelo repetido Agostinho, que esculhambou o coitadinho
Alexandre de modo muito diplomático: “Conveniente aqui o texto em
nota, extraída da versão clássica das Santas Letras do padre Antonio
Pereira de Figueiredo, sobre um versículo da 1ª epístola de São Paulo
aos Corínthios: ‘Mas o espiritual julga todas as coisas – Não se pode
deduzir daqui, como pessimamente deduzem os sectários modernos, que
cada fiel tem autoridade de julgar das controvérsias de Religião.
Primo: porque o Apóstolo quando aprova no homem espiritual o julgar de
todas as coisas, considera não a profissão, mas a ciência, enquanto
supõe que entre os mesmos fiéis há muitos que por serem ainda animais,
isto é, rudes do que é mais elevado na religião, não são capazes de
julgar das coisas dela. Secundo: porque o Apóstolo não fala do juízo
de autoridade, mas do juízo de discreção. E pode, por exemplo, um
Teólogo ter voto nas matérias de religião, para interpor sobre elas
doutamente o seu juízo, e ensiná-lo aos outros, e não ter autoridade
pública de julgar da religião, a qual só compete aos pastores, assim
como não é o mesmo ser bom jurisconsulto, que ser julgador legítimo’”.

Um abração,

Cassiodoro de Carvalho.
11. Sandro de Pontes Disse:

29 junho 2011 às 12:11


Cassiodoro, salve Maria.
Você escreve:
“(…) Meus gentis sedevacantistas, por favor, argumentem contra o texto
seguinte, enviado pelo repetido Agostinho, que esculhambou o
coitadinho Alexandre de modo muito diplomático”.
Ora, Cassiodoro, se você usa o texto a seguir para condenar os
sedevacantistas, saiba que ele antes condenaria também os
tradicionalistas: pois vocês não teriam a menor competência para
rejeitar petulantemente um concílio legítimo aprovada por um papa
católico, concilio este que se constituiria em “regra próxima e
universal de verdade, da qual nunca é permitido aos teólogos divergir
no prosseguimento de seus estudos” (de acordo com Paulo VI) e muito
menos a missa nova, lei universal da Igreja Católica. E esta mesma
Igreja nos ensina ser impossível que ela, Igreja, promulgue uma missa
que não seja essencialmente boa.
Portanto, se não se pode deduzir em caso nenhum “que cada fiel tem
autoridade de julgar das controvérsias de Religião” conclui-se que os
tradicionalistas não podem externar suas opiniões anti-eclesiásticas,
como vem fazendo nas últimas décadas (concedendo que os anti-papas que
assolaram Roma desde o Vaticano II sejam mesmo papas legítimos). Ou
seja, a arma que você nos aponta se volta contra o seu próprio pé, meu
caro!
E já que está aqui debatendo com tanta acribia questão tão seria, algo
que falta aos sedevacantistas que você jocosamente tenta humilhar eu
gostaria de lhe pedir que comentasse o ensinamento da bula Cum Ex
Apostolatus Officio, que diz TAXATIVAMENTE que qualquer bispo que
manifeste publicamente e de forma contumaz heresias decai de seu
cargo.
Pode fazer isso por nós, os ignorantes? Já que é tão católico, penso
que terá facilidade em abordar um documento promulgado por um papa
católico, ainda mais em um assunto onde você é especialista. Tenho
convicção que você fará esta abordagem que lhe peço analisando
corretamente o documento, pois é claramente manifesta o seu
conhecimento profundo nestas questões.
Abraços,
Sandro
12. Felipe Coelho Disse:

29 junho 2011 às 13:32


Prezado Cassiodoro, Salve Maria.
Mas eu não respondi ainda ao Rosano, o que pretendo fazer (já que ele
insiste) nos próximos dias, ou semanas; eventualmente, enfim.
Infelizmente, o senhor se esquece de se apresentar, dizer qual sua
posição etc., inclusive para dar algum semblante de existência real
fora do mundo virtual. Até porque, o Rosano e o Agostinho não
compartilham da mesma posição, caso não tenha reparado…
Mas não me importo, realmente, com quantos nomes, de pessoas reais ou
pseudônimos, vêm aqui vaiar-nos e bater palmas para nossos
contraditores: a impopularidade do sedevacantismo não é nenhuma
novidade. Mas refutação que é bom…
A citação que você põe, já respondi, pedindo ao Agostinho que nos
indicasse quem são os bons juízes atuais em matéria de religião.
Estendo a pergunta ao senhor…
Ademais, jamais reivindiquei autoridade particular nenhuma.
Atenciosamente,

Em JMJ,

Felipe Coelho
13. Eduardo Disse:

29 junho 2011 às 14:52


Caros Sandro e Felipe, salve Maria!
(Será que estou marcando-o homem a homem, Sandro? :-D)
Mas enfim, já há algum tempo que eu venho com a “língua” coçando para
dizer isso:
– Mas por que cargas d’água apela-se tanto para a Cum ex apostolatus
officio para tratar da perda do Pontificado por um Papa herege?
Quando a Bula vai tratar daqueles que perdem sua jurisdição por
pecados de heresia ou cisma (conforme se pode ler no blog do próprio
Sandro), reza-se o seguinte:
“<…) Considerando que os que não se abstém de obrar mal, por amor da
virtude devem ser reprimidos por temor dos castigos, e que os bispos,
Arcebispos, Patriarcas, Primados, ou de qualquer outra dignidade
eclesiástica superior; ou bem Cardeais, Legados, condes, barões,
marqueses, duques, reis, imperadores (…)”
Então, perdem suas jurisdições: Bispos, Arcebispos, Patriarcas,
Primados, Cardeais, Legados e… cadê o Papa nessa lista?!
Já quando se vai tratar das assunções inválidas, a letra afirma:
“(…) Agregamos que se em algum tempo acontecesse que um Bispo, incluso
na função de Arcebispo, ou de Patriarca, ou Primado; ou um Cardeal,
incluso na função de Legado, ou eleito Pontífice Romano que antes de
sua promoção ao Cardinalato ou assunção ao Pontificado (…)
Aqui, sim, menciona-se o Papa.
Logo, penso que a conclusão correta seria: a) ou um Papa NUNCA pode
cair em heresia; b) ou um Papa, mesmo em heresia, NUNCA perde o
Pontificado.
De qualquer modo, se for para usar este documento de Paulo IV, penso
que o mais acertado seria demonstrar cabalmente que os Papas
Conciliares eram já hereges antes de serem eleitos Papas.
Bom, eu apenas queria apontar esse excesso no uso da Cum ex
apostolatus officio (que, infelizmente ainda não li, dizem constar do
famigerado Contra papólatras y papoclastas do Pe. Ceriani).
Que a Virgem Imaculada Mãe de Deus e São José nos iluminem e
fortaleçam!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
14. Renato Salles Disse:

29 junho 2011 às 16:34


Prezado Eduardo,

Salve Maria!
Existem algumas correntes sedevacantistas que defendem exatamente isso
que você escreveu: um papa jamais poderia cair em heresia DURANTE o
pontificado. Se ele é herege, então é porque já havia caído ANTES,
sendo, então, sua eleição inválida, nula como diz a Bula citada.
Recomendo o seguinte livro que trata da questão:

http://catolicosalerta.com.ar/iglesia-catolica/misterio-iniquidad.html
Um grande abraço!

Renato
15. Sandro de Pontes Disse:

30 junho 2011 às 9:04


Prezado Eduardo, salve Maria.
Acho ótimo você, meu amigo, me marcar “homem a homem”! Afinal, você é
meu amigo, quer o meu bem e se me corrige é com o amor fraterno
desejado por Cristo.
Porém, vamos reler aquilo que escrevi, para que fique bem claro:
“(…) eu gostaria de lhe pedir que comentasse o ensinamento da bula Cum
Ex Apostolatus Officio, que diz TAXATIVAMENTE que qualquer BISPO que
manifeste publicamente e de forma contumaz heresias decai de seu
cargo”.
Prezado, eu não citei o papa aí. Mudei a estratégia: já me antecipando
a objeção que você colocou e que vem sendo colocada até por
sedevacantistas (como o Renato bem mostrou, embora eu acredite ser
possível contornar tal objeção, o que farei na próxima mensagem) eu
escrevi que a bula condena os bispos em heresia manifesta, o que é
corroborado pelo 188,4 do CDC.
Desta forma, Eduardo, aplicando a bula por exemplo em 1990, quando
padre Ratzenger era “bispo” junto com mais uns quatro mil “colegas”,
pergunto-lhe: quem é que sobra no episcopado sem ser atingido pela
bula? Veja, não estou me referindo a João Paulo II enquanto papa aos
olhos do mundo, mas aos bispos enquanto bispos aos olhos da bula de
Paulo IV. Entendeu? Foi isso o que escrevi ao nosso amigo demolidor de
sedevacantistas.
Desta maneira, já que é consenso entre todos que a bula atinge
diretamente a bispos hereges (e que o 188,4 atinge a bispos hereges),
fica a pergunta: em 1990 quem sobraria? E hoje, quem sobraria?
Teriamos um papado sem corpo, ou seja, um papa sem bispos, já que
todos os bispos que eu conheço são liberais, portanto hereges,
portanto não são bispos?
Assim, quando a pessoa admite que realmente os bispos que sobrariam e
que sobram são um mistério para nós, aí sim eu passaria a questão do
papa herege, e da aplicabilidade da bula sobre ele também, que aos
meus olhos é claríssima.
É isso.
Abraços,
Sandro
16. Eduardo Disse:

30 junho 2011 às 19:26


Caríssimo Sandro, salve Maria!
O CDC de 1917 contém um cânon (2314, 2) que diz que um clérigo, por
heresia ou cisma, só perde seu ofício por deposição e após dupla
monição. Logo… por que negar que o Pe. Ceriani tem razão quando afirma
que não são absolutamente incompatíveis heresia e jurisdição? Basta
que essa jurisdição seja mantida e sustentado pela autoridade
superior.
E existe, não nego, o cânon 188, 4. Pergunto, pois: o CDC teria dois
cânones redundantes? Se sim, posso pensar no seu caso; se não, este
cânone que você cita talvez queira dizer outra coisa. Quem sabe não
seja o que o Pe. Ceriani diz, que seja necessário, por exemplo,
inscrever-se em uma seita (e sei que o Daly nega — haveria algum
exemplo de aplicação do cânone em questão que exemplifique
inequivocamente a tese que ele defende?)?
Por fim, talvez tivéssemos que considerar que o Papa não está sujeito
ao CDC e, portanto, se ele sustenta todas as jurisdições, ele não pode
sustentar a sua própria, deve necessariamente ser sustentado por
Cristo. E aqui vamos entrar num problema complicadíssimo…
Eu me contento, por ora, com: 1) a Cum ex apostolatus officio não se
aplica à deposição de um Papa (tão-somente à sua não-eleição); 2) não
parece haver incompatibilidade absoluta entre jurisdição e heresia (ou
temos dois cânones redundantes?).
Por fim, penso que a possibilidade mais segura de demonstrar a
vacância é comprovar as heresias dos Papas antes de suas respectivas
eleições.
Que a Virgem Imaculada e São José nos protejam!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
P.S.: Uma Igreja visível-invisível é uma contradição, Sandro. Como eu
disse ao Felipe, mais prudente é começar por mostrar que ainda há
Bispos de Pio XII e quais deles não aderem a heresias e cismas
(porque, considerando a hipótese de vocês, erros, mesmo graves, mesmo
negando doutrinas infalíveis da Igreja mas não divinamente reveladas,
não os excluiria da Igreja nem, portanto, lhes retiraria a
jurisdição). O que não dá, penso, é insistir numa Igreja visível-
invisível-misteriosa. Eu já quase engoli isso, mas… não desce mais!
17. Sandro de Pontes Disse:

30 junho 2011 às 21:01


Eduardo, salve Maria.
Em tempos normais, claro que se aplica o 2314 do CDC. Afinal, somente
a Igreja pode julgar alguém herege, no sentido juridico do termo.
Porém, quando o réu recebe as admoestações e não se retrata, e
posteriormente é condenado, a sentença em questão explicará que ele, o
condenado, caiu de seu cargo (no caso de ser um bispo) no momento do
cometimento do delito.
Exemplificando: estamos em 1935, com Pio X I reinando. Um bispo
defende na cidade de Milão que Cristo não está na Eucaristia.
Escândalo! Os fiéis o procuram, conversam, mas nada o demove de suas
idéias protestantes. Obviamente, os fiéis não podem simplesmente depô-
lo, e apelam para Roma.
O Papa Pio X I então envia-lhe cumprimentos cordiais e procura
conversar paternalmente com ele, que não quer ouvir. Vem a primeira
admoestação, e nada. Vem a segunda, e nada. O hipotético bispo
herético não se emenda. Enquanto isso ele se mantêm exteriormente como
bispo: aos olhos do mundo, é bispo. Realiza atos que compete somente
ao bispo. Faz confirmações e celebra missas, ainda que inválidas
(porque não crê na eucaristia e nem tem a intenção de fazer o que a
Igreja sempre fez).
Até que seis meses após o primeiro contato o Vaticano dá um ultimado a
este infeliz: ou se retrata, ou será deposto. O tal bispo
encarniçadamente mantêm suas convicções heréticas e não se retrata.
Ele é então julgado pela Igreja (a única que pode fazê-lo), que o
condena infalivelmente, dizendo que ele deixou de ser bispo. Até aqui
estamos de acordo, penso eu, prezado Eduardo.
Mas os fiéis poderiam perguntar: “mas quando, em qual momento ele
deixou de ser bispo”? Após as admoestações, ou antes?”. E aí, o que
dizer?
Ora, Eduardo, é clarissimo que ele deixou de ser bispo no momento do
cometimento e exteriorização da heresia. No excelente trabalho de Daly
chamado “O Direito de Julgar a Heresia” ele demonstra exatamente isso.
Veja este trecho que recorto e colo aqui, ele é da mais elevada
importância exatamente porque responde esta questão indubitavelmente:
“(…) 4. O cânone 2314 declara que todo herege incorre em excomunhão
latae sententiae. Certas penas devem ser infligidas depois de
admoestação por parte da autoridade, mas a própria excomunhão é
incorrida automaticamente a partir do instante mesmo em que a heresia
é exprimida. As penas latae sententiae não são impostas lá onde a
pessoa não pode constatar o delito antes da sentença: não serviriam
para nada.
5. O cânone 188/4 declara que se um clérigo defecciona publicamente da
fé católica, todos os seus ofícios tornam-se vagos só por esse fato e
sem necessidade de declaração oficial. Os canonistas estão de acordo
em assegurar que essa defecção se verifica pela heresia pública
conforme a definição do cânone 1325: não há necessidade de entrar para
uma seita. Ora, este cânone careceria totalmente de sentido e de valor
se ninguém pudesse constatar a presença da heresia antes do julgamento
oficial. Como poderia um ofício ficar vago automaticamente, pelo
próprio fato da heresia, e sem declaração, se na realidade um processo
e uma declaração se mostrassem necessários? Qual seria o propósito de
alertar-nos para esse efeito da heresia pública, se não o pudéssemos
levar em conta alguma?
6. O sentido do cânone 188/4 é claro em si mesmo. “Clara verba non
indigent interpretatione sed executione” [*Cf. Santo Tomás de Aquino,
Summa Theologiae, II-II, Q.120, A.1, resp. ad tertium.]. Os canonistas
são unânimes a esse respeito. Entretanto, esse cânone nunca foi objeto
de interpretação oficial emanada da Santa Sé. Em contrapartida, ele
tem um irmão gêmeo: o cânone 646/1 n. 2, concernente à vida religiosa,
o qual foi explicado oficialmente e que esclarece muito também o
cânone 188/4. Pois, de fato, o cânone 646/1 n. 2 declara que todo
religioso que abandone publicamente a Fé Católica tem de ser
considerado, por esse fato mesmo, legitimamente demitido.
O segundo parágrafo do mesmo cânone requer que o fato em questão
(heresia pública e consequente demissão automática) seja declarado
pelo superior responsável. Os canonistas afirmam que o abandono
público da Fé cumprir-se-ia por todo e qualquer caso de heresia
pública. Em vista do segundo parágrafo, A SANTA SÉ FOI CONSULTADA
SOBRE SE A DEMISSÃO DEPENDE DESSA DECLARAÇÃO DO SUPERIOR. A Comissão
para a Interpretação do Código respondeu, em 30 de julho de 1934:
NEGATIVO. O canonista Jone explica que a declaração do superior não
envolve processo algum e SERVE TÃO SOMENTE PARA DAR A CONHECER FATOS
QUE JÁ TIVERAM EFEITO: a heresia e a demissão automática que ela
acarreta. Manifestamente, portanto, o superior e os demais religiosos
devem ser capazes de constatar o fato da heresia, para poderem tirar
daí as consequências práticas”.
http://aciesordinata.wordpress.com/2011/05/28/textos-essenciais-em-
traducao-inedita-lxiii/
Logo, meu amigo, veja como o 2314 se coaduna perfeitamente com o
188,4. Um não exclui o outro em hipótese nenhuma.
Por ora, é isso. Outras palavras ditas por você eu gostaria de
responder posteriormente, com tempo e sem pressa, porque estes
assuntos sempre tem que ser tratados com esmero.
Abraços,
Sandro
18. Sandro de Pontes Disse:

1 julho 2011 às 8:27


Eduardo, salve Maria.
Apenas para completar meu comentário. Vejamos o que diz o seguinte
trecho do CDC:
Can 2232 §1. Poena latae sententiae, sive medicinalis sive
vindicativa, delinquentem, qui delicti sibi sit conscius, ipso facto
in utroque foro tenet; ante sententiam tamen declaratoriam a poena
observanda delinquens excusatur quoties eam servare sine infamia
nequit, et in foro externo ab eo eiusdem poenae observantiant exigere
nemo potest, nisi delictum sit notorium, firmo praescripto can. 2223,
§4.
§2. Sententia declaratoria poenam ad momentum commissi delicti
retrotrahit.
Portanto, amigo eduardo, como diz claramente este segundo parágrafo, a
sentença declaratória que só a Igreja pode promulgar retroage ao
momento em que o delito foi cometido.
Abraços,
Sandro
“(…)
19. Felipe Coelho Disse:

1 julho 2011 às 10:42


Caríssimos Sandro e Eduardo, salve Maria!
Sem tempo para acompanhar essa discussão, limito-me a reproduzir aqui
um bom resumo da questão, que consta de:
J. S. DALY, Pertinácia: Heresia Material e Formal, 1999, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-4a
Ei-lo:
Os efeitos da heresia
Antes de encerrar esta exposição sobre a natureza da heresia, talvez
se deva fazer alguma menção a seus efeitos.
O cânon 1.325 rotula como herege todo aquele que, embora ainda chame a
si próprio de cristão, pertinazmente (i.e. cientemente) negue ou
duvide de qualquer verdade de fide. Qualquer um a quem isso se aplique
é considerado não católico caso manifeste externamente a sua heresia.
(Se for puramente interna, ele cometeu um pecado mortal contra a
virtude da fé, mas permanece dentro da comunhão da Igreja, e sem
censura. – Cardeal Billot, op. cit. pp. 295 et seq.)
Todos os hereges incorrem em excomunhão automática em virtude do cânon
2.314. Isso precisa ser cuidadosamente distinguido de sua expulsão da
Igreja: é possível alguém ser excomungado e ainda assim permanecer
membro da Igreja, ou estar fora da Igreja mas, não obstante, não
excomungado, como no caso de crianças batizadas criadas na heresia,
entre a idade da razão (em torno de sete anos) e a idade de quatorze
anos, antes da qual não é possível incorrer em excomunhão.
Alguém que cometa heresia pela ignorância do dever de acreditar em
tudo que a Igreja ensina não incorrerá na excomunhão a não ser que a
sua ignorância seja “afetada”, i.e. deliberadamente procurada (cânon
2.229). Mas, no foro externo, ele será considerado excomungado até que
se prove o contrário. (Na prática, os convertidos que alegam, com base
na ignorância, não terem incorrido em excomunhão são geralmente
absolvidos condicionalmente, para evitar um procedimento jurídico
complicado para avaliar a sua alegação.)
Os clérigos heréticos, assim como os leigos, incorrem em excomunhão; e
em infâmia se aderirem publicamente a uma seita. Diferentemente dos
leigos, eles também devem ser privados de qualquer benefício,
dignidade, pensão ou ofício na Igreja a não ser que se arrependam ao
serem admoestados; e, se uma segunda monição provar-se infrutuosa,
eles devem ser depostos. Na realidade, se a heresia deles for pública,
os seus ofícios são abandonados automaticamente sem qualquer
advertência (cânon 188/4). E, se o clérigo herético não só negar ou
duvidar de um dogma, mas aderir publicamente a uma seita herética, ele
não apenas perderá o seu ofício ipso facto e incorrerá em infâmia; ele
também, caso a monição não logre emendá-lo, será degradado (cânon
2.314).
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho
20. Aruan Freitas Disse:

1 julho 2011 às 13:01


“O sedevacantismo é um lugar-comum, um círculo vicioso.”
Louvado seja Deus pelo dom da visão! Afinal, é melhor ler isso do que
não ter a capacidade de ler.
21. Sandro de Pontes Disse:

1 julho 2011 às 13:33


Caríssimo Eduardo, salve Maria!
Vou tratar com você da questão da incompatibilidade entre heresia e
jurisdição. Digo-lhe antecipadamente que não pretendo em hipótese
nenhuma lhe dar aulas, apenas manifestar meu pensamento, sempre
colocando-me a disposição para ser corrigido.
Vou dividir a questão em duas etapas. A primeira é justamente abordar
tal incompatibilidade de forma geral. Já a segunda será escrita
provavelmente outro dia abordando a abrangência desta
incompatibilidade aos papas hereges.
Pois bem, você escreveu:
“(…) O CDC de 1917 contém um cânon (2314, 2) que diz que um clérigo,
por heresia ou cisma, só perde seu ofício por deposição e após dupla
monição. Logo… por que negar que o Pe. Ceriani tem razão quando afirma
que não são absolutamente incompatíveis heresia e jurisdição? Basta
que essa jurisdição seja mantida e sustentado pela autoridade
superior”.
Prezado, penso que ao contrário do que você diz, o cânon 2314 não diz
que um clérigo só perde seu ofício por deposição e após dupla monição.
Ora, o parágrafo 1º afirma que os apóstatas da fé cristã e cada um dos
hereges ou cismáticos “Incorrem ipso facto em excomunhão”. Ora, de
acordo com o 188, 4 ao incorrerem nesta pena eles perdem imediatamente
o seu cargo, embora neste momento a Igreja ainda não tenha se
manifestado oficialmente. Quando o código diz que após as admoestações
o clérigo deve ser deposto penso que isso se dá oficialmente.
É como alguém que morre no dia 03 de janeiro, mas cuja certidão de
óbito é emitida somente no dia 10: não é porque a morte foi
oficializada uma semana depois que pessoa morreu naquele dia. Não! Ela
morreu no dia três, mas a constatação oficial se deu no dia 10. Assim
também o clérigo que defecciona da fé contumazmente e pertinazmente
“morre” no dia “x”, ainda que a Igreja oficialize isso no dia “y”. Daí
a importância do cânon 2232, 2, que lhe citei e que corrobora o que
lhe digo, pois ele afirma justamente que “Sententia declaratoria
poenam ad momentum commissi delicti retrotrahit”, ou seja, a sentença
declaratória retroage ao momento do cometimento do delito. Bingo!
Até aqui, você deve estar me achando repetitivo, pois fiz apenas uma
releitura do que já foi anteriormente explanado. Porém, realçar meu
pensamento me foi necessário antes de continuar

abordando suas palavras.


Continuando, você escreveu:
“(…) E existe, não nego, o cânon 188, 4. Pergunto, pois: o CDC teria
dois cânones redundantes? Se sim, posso pensar no seu caso; se não,
este cânone que você cita talvez queira dizer outra coisa”.
Eduardo, penso ter mostrado que os cânones não são “redundantes”, mas
complementares, ainda mais se você agregar o 2232 para que o contexto
fique completo (além da resposta da comissão de Pio XI em 1934, como
está no trabalho de Daly). Porém, algo que precisa ficar bem claro é
que a bula de Paulo IV aborda a incompatibilidade absoluta entre a
heresia e a jurisdição. Até aqui concordamos, pelo menos com relação a
bula, independente do 188, 4?
Concordamos que o 188, 4 aborda a questão da “defecção da fé”
católica. Mas como entender estas palavras? Ora, como você deve saber,
a bula de Paulo IV é fonte deste cânone. Veja (ou reveja):

http://4.bp.blogspot.com/_Ygk7jiKS3HI/SvMFMwVfRRI/AAAAAAAAADM/oGmLiaTE
sPw/s1600-h/cod11.jpg
Ou seja, o cânone 188 deve ser lido a luz da bula de Paulo IV, que é
uma das suas fontes. E a bula fala justamente da incompatibilidade que
ora tratamos. Mas não apenas ela: outros documentos (de papas como
Inocêncio III que defendeu a incompatibilidade entre heresia e
jurisdição) também estão incluídos como fontes deste cânon. Basta você
clicar sobre a foto escaneada que ela se ampliará e você conseguirá
ler as fontes. E você:
“(…) Quem sabe não seja o que o Pe. Ceriani diz, que seja necessário,
por exemplo, inscrever-se em uma seita (e sei que o Daly nega —
haveria algum exemplo de aplicação do cânone em questão que
exemplifique inequivocamente a tese que ele defende?)”.
Prezado, penso que o contexto é claro no que se refere a palavra
“defeccionar”, ainda mais tendo como fonte a bula de Paulo IV. Porém,
o Revmo. Padre Ceriani defende que a pessoa teria que “corporalmente”
abandonar a fé católica no sentido de adentrar em uma falsa seita.
Para ele, alguém que defenda heresias e continue de batina não seria
atingido pelo 188,4, mas se tal pessoa colocasse um paletó e gravata e
aderisse a uma falsa igreja visivelmente sim!
Você pede que apresentemos “algum exemplo de aplicação do cânone em
questão que exemplifique inequivocamente a tese que ele (Daly)
defende”. Ora, no trabalho que indicamos sobre o direito de julgarmos
a heresia está dito que o 188,4 nunca foi objeto de interpretação
oficial, mas sim aquele outro cânone “irmão”.
Porém, o Catecismo Romano possui uma passagem que demonstra
cristalinamente que a heresia equivale, na prática, a apostasia e ao
abandono do exército católico. Veja:
“(…) Só três classes de homens são EXCLUÍDOS da comunhão com a Igreja.
Em primeiro lugar, os infiéis; em segundo, os HEREGES e cismáticos;
por último, os excomungados (…) Os hereges e cismáticos porque
apostataram da Igreja. PERTENCEM TAMPOUCO A IGREJA COMO OS DESERTORES
FAZEM PARTE DO EXÉRCITO QUE ABANDONARAM. É certo, todavia, que
continuam sobre o poder [coercitivo] da Igreja, que os pode julgar,
punir e excomungar!” (Catecismo Romano – 1º parte – Capitulo 10 – 9º
Artigo – Parágrafo 8 – Página 162).
Ou seja, Eduardo, para a Igreja não é preciso freqüentar literalmente
uma seita para defeccionar da fé: basta manifestar uma heresia
rechonchuda pertinazmente. Pergunto-te: será que por esta passagem do
Catecismo Romano não fica claro que “defeccionar da fé” corresponde a
manifestação pública e pertinaz de heresia?
Outra passagem que ao meu ver demonstra isso claramente é aquela onde
o verbo “defeccionar” aparece sendo utilizado na prática, também
relacionado a manifestação de heresia. Vejamos:
“(…) A autoridade de nossa Sede Apostólica determinou que não seja
considerado deposto ou excomungado o Bispo, clérigo ou simples cristão
que tenha sido deposto ou excomungado por Nestório ou seus seguidores,
DEPOIS que estes começaram a pregar a heresia. POIS QUEM COM TAIS
PREGAÇÕES DEFECCIONOU NA FÉ, não pode depor ou remover a quem quer que
seja” [Papa São Celestino I – Carta ao Clero de Constantinopla).
Penso que este é um exemplo prático de como a palavra “defeccionar”
sempre foi entendida pelos católicos. Não é preciso entrar
publicamente em uma falsa seita e ser visto por todos nela. Para a
Tradição, ensinar heresias é equivalente a defeccionar na fé.
Mas suponhamos que eu não o tenha convencido ainda: afinal, a questão
é realmente complicada. Coloco novamente aquilo que você propõe como
alternativa razoável a questão:
“(…) por que negar que o Pe. Ceriani tem razão quando afirma que não
são absolutamente incompatíveis heresia e jurisdição? Basta que essa
jurisdição seja mantida e sustentado pela autoridade superior”.
Eu nego isso baseando-me na autoridade dos papas, doutores e teólogos
da Igreja que abordaram o tema, a começar por São Tomás de Aquino, que
dispensa apresentações:
“(…) O PODER JURISDICIONAL é conferido por simples injunção humana; e
esse não adere imovelmente. Por isso, NÃO PERMANECE NOS CISMÁTICOS E
NOS HERÉTICOS. Por onde, não podem absolver, nem excomungar, nem
conceder indulgências, nem fazer coisas semelhantes. e, se o fizerem,
SERÁ COMO SE FEITO NÃO FOSSE” (S. Th. 2-2ae, q. XXXIX, a. 3).
Lembra-se que eu lhe disse que a sentença da Igreja retroage ao
cometimento do delito? São Tomás vai corroborar isso dizendo que:
a) o poder jurisdicional não permanece nos cismáticos e nos heréticos;
b) (caso clérigos hereges exerçam juridição praticando atos próprios a
ela) será como se feito não fosse;
Recapitulando: o clérigo manifesta publicamente a heresia. Ele decai
de seu cargo, de acordo com o 188,4. O processo começa pouco depois e
é concluído dali a seis meses. Neste período ele atuou como bispo, e
Padre Ceriani diz que ele o fez “a título precário”. Ora, isso deveria
significar que pelo menos os atos realizados por ele neste período
seriam válidos, pois apesar da heresia e do processo eclesiástico ele
ainda se mantêm no cargo. Mas não: São Tomás explica que neste período
tudo o que ele fizer é absolutamente nulo.
Continuando vejamos o que diz São Roberto Belarmino:
“(…) OS SANTOS PADRES ENSINAM UNANIMEMENTE, não só que os hereges
estão fora da Igreja, mas também que estão “IPSO FACTO” PRIVADOS DE
TODA JURISDIÇÃO E DIGNIDADE ECLESIÁSTICAS. São Cipriano (lib. 2,
epist. 6) diz: “afirmamos que absolutamente todos os hereges e
cismáticos não têm poder e direito algum”; e ensina também (lib. 2,
epist. 1) que os hereges que retornam à Igreja devem ser recebidos
como leigos, ainda que tenham sido anteriormente presbíteros ou Bispos
na Igreja. Santo Optato (lib. 1 cont. Parmen.) ensina que os hereges e
cismáticos não podem ter as chaves do reino dos céus, nem ligar ou
desligar. O mesmo ensinam Santo Ambrósio (lib. 1 de poenit., cap. 2),
Santo Agostinho (in Enchir., cap. 65), São Jerônimo (lib. cont.
Lucifer)”.
E continua:
“(…) os hereges já antes de serem excomungados estão fora da Igreja E
PRIVADOS DE TODA JURISDIÇÃO, pois já foram condenados por sua própria
sentença, como ensina o Apóstolo (Tit. 3, 10-11), isto é, foram
cortados do corpo da Igreja sem excomunhão, conforme explica São
Jerônimo”.
Logo, Eduardo, eu responderia assim a sua pergunta a respeito da tese
do bom padre da FSSPX: eu não posso aceitá-la porque fazendo isso eu
ficaria contra TODOS os santos doutores que abordaram o assunto, bem
como contra TODOS os papas que abordaram o assunto. Adotaria a posição
de um ou dois teólogos respeitáveis e me oporia aos demais, inclusive
ao Código de Direito Canônico.
Com relação ao restante de sua mensagem, que aborda o papado, eu
responderei posteriormente.
Abraços e perdoe-me por me alongar demais.
Sandro
22. Roberto F Santana Disse:

1 julho 2011 às 23:10


Felipe, obrigado.

Amigos,
Passo aqui uma informação que tem relação com alguns comentários do
tópico.

É uma relação dos bispos ainda vivos que foram sagrados antes da morte
de Pio XII (9 de outubro de 1958).Temos ainda 25 bispos.
Data da Ordenação Episcopal

Nome

Título Atual
29 Jun 1944
Bishop Francis Hong Yong-ho

Bishop of P’yong-yang, Korea (North)


24 Aug 1951

Ján Chryzostom Cardinal Korec, S.J.

Bishop Emeritus of Nitra, Slovakia


22 Apr 1953

Bishop Joseph Oliver Bowers, S.V.D.

Bishop Emeritus of Saint John’s-Basseterre, Virgin Islands (British),


Antilles
25 Mar 1954

Bishop Jan van Cauwelaert, C.I.C.M.

Bishop Emeritus of Inongo, Congo (Dem. Rep.)


5 May 1954

Bishop Wilhelmus Joannes (Guillaume Jean) Demarteau, M.S.F.

Bishop Emeritus of Banjarmasin, Indonesia


15 Aug 1954

Eugênio Cardinal de Araújo Sales

Archbishop Emeritus of São Sebastião do Rio de Janeiro, Brazil


25 Apr 1955

Bishop Antonio Mistrorigo

Bishop Emeritus of Treviso, Italy


28 Aug 1955

Archbishop José de Jesús Pimiento Rodriguez

Archbishop Emeritus of Manizales, Colombia


9 Sep 1955

Bishop Dominik Kalata, S.J.

Titular Bishop of Semta


13 Nov 1955

Bishop Joseph Albert Rosario, M.S.F.S.

Bishop Emeritus of Amravati, India


29 Jun 1956

Archbishop George Hamilton Pearce, S.M.

Archbishop Emeritus of Suva, Fiji, Pacific (Oceania)


8 Jul 1956

Bishop Dieudonné Yougbaré

Bishop Emeritus of Koupéla, Burkina Faso


29 Jul 1956
Fiorenzo Cardinal Angelini

President Emeritus of the Pontifical Council for Pastoral Assistance


to Health Care Workers, Roman Curia
28 Aug 1956

Archbishop Philip Matthew Hannan

Archbishop Emeritus of New Orleans, Louisiana, USA


29 Nov 1956

Bishop Pierre-Eugène Rouanet, S.M.A.

Bishop Emeritus of Daloa, Côte d’Ivoire


20 Jan 1957

Archbishop Jaime Luiz Coelho

Archbishop Emeritus of Maringá, Parana, Brazil


22 Sep 1957

Archbishop José Maria Pires

Archbishop Emeritus of Paraíba, Paraiba, Brazil


29 Sep 1957

Bishop Felice Leonardo

Bishop Emeritus of Cerreto Sannita-Telese-Sant’Agata de’ Goti, Italy


6 Oct 1957

Archbishop André Sana

Archbishop Emeritus of Kerkuk (Chaldean), Iraq


13 Apr 1958

Bishop José de Aquino Pereira

Bishop Emeritus of São José do Rio Preto, Sao Paulo, Brazil


27 Apr 1958

Archbishop Bernardino Piñera Carvallo

Archbishop Emeritus of La Serena, Chile


6 Jul 1958

Archbishop Alcides Mendoza Castro

Archbishop Emeritus of Cuzco, Peru


10 Aug 1958

Bishop Caetano Antônio Lima dos Santos, O.F.M. Cap.

Bishop Emeritus of Ilhéus, Baia, Brazil


7 Sep 1958

Bishop Pedro Reginaldo Lira

Bishop Emeritus of San Francisco, Argentina


14 Sep 1958
Bishop Antonio José Ramírez Salaverría

Bishop Emeritus of Maturín, Venezuela


23. Sandro de Pontes Disse:

2 julho 2011 às 8:40


Roberto, salve Maria.
Apenas complementando a sua preciosa informação e simultaneamente
tecendo um comentário: se estes bispos que você enumera morrerem ainda
restaria uma última saída aos sedevacantistas que defendem aquilo que
Daly defende: os bispos nomeados por João XXIII serem válidos, em se
concedendo que ele tenha sido realmente papa, algo que ninguém, penso
eu, pode afirmar ou negar com certeza.
Caso ele tenha sido realmente papa, ainda que seja nos dois primeiros
anos após a sua eleição, o número de bispos verdadeiros vivos subiria
a aproximadamente 100 ou 120.
Maranatá!
Abraços a todos,
Sandro de Pontes
24. Sandro de Pontes Disse:

2 julho 2011 às 9:09


Roberto, salve Maria.
Escrevo aqui porque lhe enviei mensagem mas ela retornou.
Lembra-se do pedido que você fez a mim? Pois é, tive um problema com
meu e-mail (aliás, estou com este problema há mais de dois meses) e
nesta noite todas as mensagens recebidas se apagaram da minha caixa de
entrada, inclusive a sua.
Por isso, peço-lhe que me mande novamente aquela mensagem com aquele
pedido. Mande-me também o seu novo e-mail para que eu possa atendê-lo
e acrescentá-lo.
Abraços,
Sandro
25. Felipe Coelho Disse:

2 julho 2011 às 10:58


Salve Maria, Sandro!
Roncalli papa é bem difícil de aceitar…
Vale lembrar também que os bispos sagrados antes de abril de 1969
possuem indubitavelmente o caráter episcopal.
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho
26. Sandro de Pontes Disse:

2 julho 2011 às 14:15


Prezado Eduardo, salve Maria.
Passo agora a tratar da questão do papa herege e a relação desta
questão com a bula de Paulo IV. Tentarei não me alongar, porque sei
que cansa ler tantas coisas, mas não prometo. Pois bem, você escreveu
em primeiro lugar:
“(…) enfim, já há algum tempo que eu venho com a “língua” coçando para
dizer isso”.
Prezado, eu não entendo este seu “voto de silêncio”! Sinceramente, a
sua ausência me faz muita falta e é bastante sentida. Perceba que pelo
menos nós que adoramos escrever sempre o fazemos como opiniões
privadas, reconhecendo nossa própria falta de autoridade (quem a
possui hoje?) e simultaneamente colocando-nos a disposição para sermos
corrigidos. Logo, seus comentários seriam muito bem vindos, e bem
poderiam ser feitos com freqüência.
Você já expôs os seus temores que o levaram ao “exílio”, mas pense
comigo: se estivéssemos em tempos normais conversaríamos na porta da
Igreja, após as missas, sobre os mais variados assuntos. Ora, estamos
em tempos anormais, logo, conversemos por aqui mesmo. “É conversando
que a gente se entende”, já diz o ditado popular, bem entendido dentro
de seu contexto.
Mas vamos as suas ponderações com relação a bula de Paulo IV. Diz
você:
“(…) Mas por que cargas d’água apela-se tanto para a Cum ex
apostolatus officio para tratar da perda do Pontificado por um Papa
herege? Quando a Bula vai tratar daqueles que perdem sua jurisdição
por pecados de heresia ou cisma (conforme se pode ler no blog do
próprio Sandro), reza-se o seguinte: ‘(…) Considerando que os que não
se abstém de obrar mal, por amor da virtude devem ser reprimidos por
temor dos castigos, e que os bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primados,
ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; ou bem Cardeais,
Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores (…)’.
Então, perdem suas jurisdições: Bispos, Arcebispos, Patriarcas,
Primados, Cardeais, Legados e… cadê o Papa nessa lista?!”.
Respondendo objetivamente esta pergunta, reconheço, como é óbvio, que
o papa não aparece nominalmente nesta lista proposta por Paulo IV. Mas
por que isso acontece? Acontece, pelo menos ao meu ver, porque isso já
foi tratado anteriormente, no inicio do documento, onde
especificamente é abordado o Papa “desviado da fé” (além do quê o Papa
não pode enquanto Papa se desviar da fé exercendo o múnus pastoral.
Ele somente pode se desviar privadamente, e por isso também talvez o
Papa não tenha sido citado aqui neste trecho entre os clérigos comuns,
mas somente a parte).
Para tentar lhe provar isso, vejamos o que diz a letra da bula.
Primeiro, no exórdio está escrito:
“(…) estamos obrigados (nós, os papas, na mente de Paulo IV) a uma
assídua vigilância e a procurar com particular ATENÇÃO QUE SEJAM
EXCLUÍDOS DO REBANHO DE CRISTO AQUELES que nestes tempos, já seja pelo
predomínio de seus pecados ou por confiar com excessiva licença em sua
própria capacidade, SE LEVANTAM CONTRA A DISCIPLINA DA VERDADEIRA FÉ
de um modo realmente perverso (…)”.
Portanto, no inicio da bula Paulo IV já chama para o Papado a missão
de excluir do rebanho de Cristo todos aqueles que se levantam contra a
fé católica. Esta é a missão de um Papa: retirar o lobo do meio das
ovelhas, seja ele quem for.
Mas isso se aplicaria até mesmo ao Sumo Pontífice? Claro que sim,
tanto que na seqüência ele abordará diretamente esta questão de forma
claríssima, repetindo um ensinamento que neste tempo, século XVI, já
era bastante antigo e consolidado na idade média (a ponto de ninguém
nunca tê-lo questionado por séculos): o de que um papa legítimo
desviado deve ser combatido. Vejamos:
“(…) Considerando a gravidade particular desta situação e seus perigos
ao ponto que o mesmo Romano Pontífice, que como Vigário de Deus e de
Nosso Senhor tem o pleno poder na terra, e a TODOS JULGA E NÃO PODE
SER JULGADO POR NINGUÉM, se fosse encontrado desviado da Fé, PODERIA
SER REDARGÜIDO”
Prezado Eduardo, nós não somos teólogos, é claro, mas nos é possível
sim compreender este ensinamento de Paulo IV, até mesmo porque os
santos doutores e teólogos abordaram de forma suficiente a questão do
Papa herege para que possamos constatar um “quase-consenso-unânime” a
respeito do tema.
Dito isso, analisemos a frase em questão mais detalhadamente. Podemos
afirmar que ela se divide em duas partes:
01) na primeira Paulo IV repete o dogma que ninguém pode julgar o Papa
porque ele “como Vigário de Deus e de Nosso Senhor” possui “pleno
poder na terra”, o que faz com que ele julgue a todos mas
simultaneamente sem ser “julgado por ninguém” (cf. bula Una Sanctam,
do Papa Bonifácio);
02) na segunda Paulo IV, após realçar este ensinamento dogmático, vai
então fazer a ressalva que tanto nos interessa: se o Papa se desviasse
da fé ele então “poderia ser redargüido”. Bingo!
Eduardo, o sentido da palavra “redargüido” aqui é claro dado ao
contexto (não apenas da bula mas inclusive histórico, como mostraria
abaixo): redargüir significa acusar, recriminar, impugnar o papa
desviado. Isso em se tratando de um papa legitimamente eleito, pois
aqui é claro que se está tratando de um papa verdadeiramente eleito.
Paulo IV neste trecho não se preocupa com o debate se um papa
verdadeiro pode ou não se desviar depois de eleito, porque isso nem
vem ao caso: o importante é realçar taxativamente que se isso
acontecer, se um papa se desvia depois de sua eleição, os fiéis podem
redargüi-lo. E é claro que a palavra “redarguir” aqui tem uma
profundidade muito maior do que simplesmente “argumentar” contra o
papa (ou qualquer outro sentido mais “brando” que se queira dar a
ela): porque se assim o fosse Paulo IV não teria na primeira parte da
frase dito que o Papa “não pode ser julgado por ninguém”, a menos que
“fosse encontrado desviado da fé”. Não faria o menor sentido ele em um
primeiro momento repetir o dogma e posteriormente fazer a ressalva que
aparentemente iria contra o dogma.
Resumindo: Paulo IV ensina que ninguém julga o papa, mas que se ele se
desviar pode ser combatido, impugnado, recriminado e acusado. Ora,
para adotar tal postura é preciso formar um juizo pessoal, que Paulo
IV permite que seja adotado pelos fiéis. Ele não diz que os fiéis
podem julgar juridicamente o papa desviado, mas que já antes de
qualquer sentença oficial emitida pela Igreja se poderia recriminá-lo.
Sobre este trecho da bula absolutamente essencial com relação ao
debate entre tradicionalistas e sedevacantistas o Revmo. Padre Ceriani
disse em seu trabalho (01)
“(…) Paulo IV, na Bula Cum ex Apostolatus Officio, do 15 de fevereiro
de 1559, parágrafo 1, diz: “considerando a gravidade particular desta
situação e seus perigos, ao ponto que o Romano Pontífice… que a todos
julga e não pode ser julgado por ninguém neste mundo, se fosse
surpreendido em um desvio da fé, poderia ser impugnado (redargui)…”
São Roberto Bellarmino, em seu De Romano Pontífice, livro segundo,
capítulo XXVI, prova com testemunho de concílios, de pontífices, de
imperadores e doutores da Igreja que o Romano Pontífice não pode ser
julgado por ninguém na terra. Se se objeta com o texto de Inocêncio
III: “somente por um pecado cometido em questões de fé poderia ser eu
julgado pela Igreja” (P. L. t. =VII, cal. 656) ou o do Decreto de
Graciano: “O mesmo que está destinado a julgar a todos, não deve ser
julgado por ninguém, a não ser que se o encontre desviado na fé” (part
1, dist. XL, c.6), se responde dizendo que ainda que concedendo que
estes dois textos tivessem formado parte da legislação eclesiástica,
(coisa que não responde à realidade), o Código de Direito Canônico do
ano 1917 os abrogou ao não incluir essa exceção”.
Ora, Eduardo, será que estou interpretando corretamente o entendimento
de Padre Ceriani ou me equivoco? Porque se bem o entendi ele é quem
não entendeu o que os sedevacantistas dizem, e ainda estaria citando
erroneamente o CDC de 1917. Pois depois de citar, meio a contragosto,
o ensinamento de Paulo IV ele vai apelar para São Roberto Belarmino
ensinando que o Papa não pode ser julgado por ninguém na terra. Uai, o
que é que tem uma coisa com a outra?
Um leigo jamais julga (no sentido jurídico do termo, ver o trabalho de
Daly “O direito de julgar a heresia”) um papa herético, porque se
alguém na terra pode fazer isso seria somente a Igreja. Um fiel não
“julga” juridicamente um papa desviado, ele “apenas” o redargúi, o
recrimina, o acusa, o que são coisas BASTANTE diferentes.
O fiel em questão adota na prática aquilo que ensinou o Papa Inocêncio
III, e que foi repetido por Paulo IV:
“(…) Pode o Romano Pontífice ser julgado pelos homens, ou antes, SER
ELE MOSTRADO COMO JÁ JULGADO (por Deus) se ele infringir em heresia
porque quem não crê já está julgado (Papa Inocêncio III – IV sermão
sobre o Romano Pontífice – p. l. 217, 656-672).
Ou seja, em caso de heresia o Romano Pontífice pode “ser julgado pelos
homens” (pode ser redarguido). Porém, o Papa faz a necessária
distinção: “ou antes, ser ele mostrado como já julgado (por Deus) se
ele infringir em heresia porque quem não crê já está julgado”.
O que este ensinamento de Inocêncio tem a ver com aquilo que foi
exposto por São Roberto Belarmino? Eduardo, são coisas diferentes que
o bom padre parece colocar no mesmo balaio. Tanto que o mesmo São
Roberto Belarmino, até ele faz esta distinção:
“(…) Aqueles cânones não querem dizer que o Pontífice como pessoa
privada possa errar hereticamente, mas tão só que o Pontífice não pode
ser julgado. Visto que não é do todo certo que ele possa ou não ser
herege o Pontífice, por isso, para maior cautela, acrescenta uma
condição: a não ser que seja herege” (São Roberto Bellarmino, ver De
Romano Pontífice, 1.4, c.7).
Portanto, o mesmo Belarmino citado por Ceriani ensinando que o Papa
não pode ser julgado por ninguém na terra realça o essencial “a não
ser que seja herege”. E sendo ele herege pode ser impugnado pelos
fiéis e julgado pela Igreja, o que só pode acontecer porque ele perdeu
o pontificado, pois caso contrário não poderia serem feitas nem uma
coisa e nem outra. Ufa!
Já com relação ao CDC ter “abrogado” esta possibilidade do fiel
rechaçar o Papa desviado, eu não vejo onde ele teria feito. Claro que
o código não permite que os leigos julguem o Papa, mas ele também não
impede que o apresentemos como já julgado. Até porque essa atitude é,
ao meu ver, de direito divino, pois ensinou São Paulo:
“(…) Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregasse outro
evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema. Como antes temos
dito, assim agora novamente o digo: Se alguém vos pregar outro
evangelho além do que já recebestes, seja anátema. Pois busco eu agora
o favor dos homens, ou o favor de Deus? Ou procuro agradar aos homens?
Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo”
(Gálatas Cap. 01. V. 08, 09 e 10).
O sedevacantismo é a aplicação prática deste ensinamento evangélico e
dos ensinamentos de Inocêncio III e de Paulo IV a respeito do assunto,
além de outros ensinamentos feitos ao longo dos séculos neste sentido,
seja por papas, seja por santos doutores ou teólogos.
Continuando, na seqüência do trecho exaustivamente analisado o Papa
Paulo IV ensina o seguinte:
“(…) dado que DONDE SURGE UM PERIGO MAIOR, ALI DEVE SER MAIS DECIDIDA
À PROVIDÊNCIA PARA IMPEDIR QUE FALSOS PROFETAS e outros personagens
que retenham jurisdições seculares não prendam lamentáveis laços às
almas simples e arrastem consigo até a perdição inumeráveis povos
confiados a seu cuidado e a seu governo nas coisas espirituais ou nas
temporais; e para que não aconteça algum dia que VEJAMOS NO LUGAR
SANTO A ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO, predita pelo profeta Daniel; com a
ajuda de Deus para Nosso empenho pastoral, não seja que pareçamos cães
mudos, nem mercenários, ou perversos e maus viticultores, desejamos
CAPTURAR AS RAPOSAS que tentam desolar a Vinha do Senhor e rechaçar os
lobos distantes do rebanho”.
Eduardo, está aí explicita a intenção de Paulo IV ao promulgar esta
bula: impedir que o anticristo ocupe o lugar santo, o que significa
dizer que o documento é uma muralha contra as investidas do demônio
(que não cessa de combater o papado). Ou seja, o fim da bula, o motivo
pela qual ela foi escrita é garantir que um herege não seja papa,
independente da eleição dele ter sido válida ou não. Creio que afirmar
que Paulo IV neste inicio de documento que ora analisamos não ensina
que um papa deixa de ser papa pelo desvio da fé católica é para mim
algo que contraria a própria intenção manifesta do papa. Até porque
pouco mais a frente ele continua dizendo:
“(…) ou também os que NO FUTURO se apartarem da Fé Católica, ou caírem
em heresia, ou incorrerem em cisma, ou os provocarem, ou os cometerem,
(…) (…) ficarão privados também por esta mesma causa, sem necessidade
de nenhuma instrução de direito ou de feito, de suas hierarquias, e de
suas igrejas catedrais, (…) E não poderão ser restituídos, repostos,
reintegrados ou reabilitados, em nenhum momento, à prístina dignidade
que tiveram, às suas Igrejas Catedrais, metropolitanas, patriarcais,
primados; ao cardinalato, ou a QUALQUER OUTRA DIGNIDADE, MAIOR ou
menor’.
Portanto, a bula antecipa também a queda daqueles que no futuro
aderirem a heresias, e que tal pena atinge o cardinalato ou “qualquer
outra dignidade, maior ou menor”. Ora, dignidade maior do que a do
cardinalato somente a do Papa, penso eu.
Agora passarei ao seguinte trecho da sua mensagem:
“(…) Já quando se vai tratar das assunções inválidas, a letra afirma:
‘(…) Agregamos que se em algum tempo acontecesse que um Bispo, incluso
na função de Arcebispo, ou de Patriarca, ou Primado; ou um Cardeal,
incluso na função de Legado, ou eleito Pontífice Romano que antes de
sua promoção ao Cardinalato ou assunção ao Pontificado (…)’”. Aqui,
sim, menciona-se o Papa”.
Eduardo, você deveria ter escrito o seguinte: “aqui novamente
menciona-se o Papa”. Sim, porque ele já foi mencionado no inicio da
bula, como lhe mostrei.
Depois, na seqüência, como você demonstrou, o Papa não é mencionado
quando o assunto passa a ser os clérigos em geral (porque isso já
havia acontecido anteriormente. Mesmo assim Paulo IV cita que decaem
do cargo cardeais e de qualquer dignidade maior. Finalmente, o Papa é
novamente mencionado de forma taxativa, quando o assunto passa a ser
as eleições de hereges manifestos).
Desta maneira o documento possui três assuntos distintos e
interligados. São eles:
01) o papa legitimo;
02) os clérigos em geral;
03) as eleições de hereges manifestos:
No “assunto 01” Paulo IV ensina que um papa legitimamente eleito que
se desvie da fé pode ser impugnado. Ora, como é dogma que ninguém pode
julgar o papa legitimo, deduz-se que ele deixou de ser papa pela
heresia, porque senão tal ato não poderia ser feito por ninguém e
paulo IV estaria nos dando uma missão impossível.
No “assunto 03” ele apenas diz que a eleição de um clérigo herege
manifesto é inválida. Mas ao afirmar isso ele não está dizendo, em
hipótese nenhuma, que um papa herege se mantêm no cargo. Mas se você
ainda discordar, eu posso dizer-lhe que ainda que seja verdade que no
“assunto 02” o Papa não é nomeado ele também não é excluído. Ou é?
Ora, se a bula atingisse somente os clérigos em geral e não ao Papa
isso deveria constar taxativamente. Como tal exclusão não existe, o
contexto é favorável a interpretação contrária adotada pelos
sedevacantistas e que foi ensinada por todos os santos doutores que
abordaram a questão. E você:
“(…) Logo, penso que a conclusão correta seria:
a) ou um Papa NUNCA pode cair em heresia;
b) ou um Papa, mesmo em heresia, NUNCA perde o Pontificado”.
Ao meu ver, amigo Eduardo, as duas conclusões são erradas. Sobre um
papa nunca poder cair em heresia eu usarei contra esta idéia o
ensinamento de Coronata, especialista no CDC de 1917:
“(…) NÃO PODE SER PROVADO, no entanto, que o Pontífice Romano, como um
professor particular, não pode tornar-se um herege – se, por exemplo,
ele teria pertinazmente (contumasmente) negado um dogma previamente
definido. ESSA IMPECABILIDADE NUNCA FOI PROMETIDA POR DEUS. Com
efeito, o Papa Inocêncio III admite expressamente que tal caso é
possível” (Coronata — Institutions Juris Canonici, 1950).
Aqui Coronata, profundo especialista no assunto, nos ensina,
certamente após exaustivos estudos, que não pode ser provado que um
papa jamais cairá em heresia.
Existe ainda um argumento de São Roberto Belarmino neste sentido, ele
que acreditava que um papa legítimo nunca cairia em heresia. O santo
disse que apesar de sua crença o fato da Igreja ter condenado Honório
no passado (independente dos documentos usados no processo serem
verdadeiros ou falsos) prova que, em principio, a Igreja deixa aberta
a possibilidade de um papa legitimamente eleito se tornar herege,
porque caso contrário Honório não poderia ter sido condenado em
hipótese nenhuma (ou seja, quando trouxessem as cartas que serviram
como prova da heterodoxia dele o Papa nem abriria o processo).
Com relação ao argumento de que um Papa, mesmo em heresia, nunca
perderia o Pontificado, eu novamente teria que discordar. Uso contra
este argumento trecho do livro de Arnaldo da Silveira, que disse o
seguinte:
“(…) TERCEIRA SENTENÇA: AINDA QUE CAIA EM HERESIA NOTÓRIA, O PAPA
NUNCA PERDE O PONTIFICADO – Esta terceira sentença – que São Roberto
Bellarmino qualifica de -muito improvável?1 – é defendida POR UM ÚNICO
TEÓLOGO, dentre os 136 antigos e modernos cuja posição sobre a matéria
pudemos verificar. Trata-se do canonista francês D. Bouix (+ 1870)” –
Considerações sobre o “Ordo Missae” – Arnaldo Xavier – página 18 (ou
37 pelo contador do PDF).
Ora, fica a pergunta: será que Bouix tinha o direito de ficar sozinho
contra todos os teólogos que abordaram a questão? Estariam todos
errados e somente ele certo? Creio que não: ele está claramente
errado, ou então todos os santos doutores que abordaram a questão e
que disseram que o papa herege decai de seu pontificado por heresia
estariam unanimemente errados (o que acho até ser impossível de
acontecer). E todos os outros teólogos estariam também eles errados.
Somente Bouix estaria certo. Imagine se a Igreja fosse definir isso um
dia: ela usaria a obra de um teólogo contra duzentos ou de duzentos
contra um?
Agora comento o seguinte que foi escrito por você:
“De qualquer modo, se for para usar este documento de Paulo IV, penso
que o mais acertado seria demonstrar cabalmente que os Papas
Conciliares eram já hereges antes de serem eleitos Papas”.
Penso que com relação pelo menos ao padre Ratzinger não existe dúvidas
de sua parte com relação a isso. Ou existe?
E você também escreveu:
“(…) Por fim, penso que a possibilidade mais segura de demonstrar a
vacância é comprovar as heresias dos Papas antes de suas respectivas
eleições”.
Errado novamente, amigo e irmão Eduardo. A maneira mais segura de
demonstrar a vacância é provar que um papa legitimo não pode em
hipótese nenhuma aprovar e promulgar um concilio como o Vaticano II,
uma missa como a de Paulo VI e um CDC como o de João Paulo II, entre
outras barbáries. Aí sim os sedevacantistas são irrefutáveis, ao meu
ver, com todo respeito que o Revmo. Padre Calderon merece.
Veja como esta questão do papa herege dá pano pra manga…..apesar de eu
achar também que nisso os sedevacantistas também são irrefutáveis,
embora não no mesmo grau da questão do papa agindo como papa não poder
envenenar os fiéis.
Finalizando (graças a Deus) você escreveu também:
“(…) Uma Igreja visível-invisível é uma contradição, Sandro. Como eu
disse ao Felipe, mais prudente é começar por mostrar que ainda há
Bispos de Pio XII e quais deles não aderem a heresias e cismas
(porque, considerando a hipótese de vocês, erros, mesmo graves, mesmo
negando doutrinas infalíveis da Igreja mas não divinamente reveladas,
não os excluiria da Igreja nem, portanto, lhes retiraria a
jurisdição). O que não dá, penso, é insistir numa Igreja visível-
invisível-misteriosa. Eu já quase engoli isso, mas… não desce mais!”.
Prezado, não existe contradição nenhuma em não se saber apontar quais
bispos não perderam a fé: basta-nos saber que eles existem. O momento
da Igreja é um mistério, e estamos nas montanhas. A Igreja vive uma
paixão, como a de Cristo que sendo homem (portanto visível), passou
pela morte e foi tragado pela terra, permanecendo sepultado (portanto,
oculto aos olhos humanos) até a ressurreição.
Hoje a Igreja vive, de forma análoga, a paixão de Cristo, estando
desta forma no sepulcro, sendo hoje o sábado santo. Por isso termino
com a citação extraída do missal de 1938 que prediz com incrível
maestria isso que lhe digo (02):
“(…) Jesus termina sua vida com o sacrifício do Gólgota, logo seguido
do triunfo de sua Ressurreição; e a Igreja, bem como sua divina
Cabeça, SE VERÁ ENTÃO VENCIDA E CRAVADA NA CRUZ, EMBORA ELA GANHARÁ A
VITÓRIA DECISIVA. “ O corpo de Cristo, que é a Igreja, assim como o
corpo humano, foi jovem num tempo, embora NO FIM DO MUNDO TERÁ UMA
APARÊNCIA DE CADUCIDADE”.
Abraços e fique com Deus,
Sandro de Pontes
(01)
http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cadernos&subsecao=relig
iao&artigo=lefevbre-roma
(02) http://doctorisangelici.blogspot.com/2010/10/missal-de-dom-
gaspar-lefebvre-descreve.html
27. Roberto F Santana Disse:

2 julho 2011 às 18:02


Caro Sandro e amigos,
De 19 de março de 1959 até 25 de julho de 1966 temos mais 75 bispos.

Não tenho os números de julho de 66 até abril de 69.


É certo que alguns sedevacantistas alegam vacância da Sé após a morte
de Pio XII.

Outros alegam a vacância depois de João XIII ou durante seu


pontificado. (Desses, até agora, eu vi somente você declarar isso,
caro Sandro).

Passo agora da informação para a defesa da argumentação da Sagração


Episcopal sem mandato.

Ora, se considerarmos a mais aceita, que é a partir da morte de Pio


XII, após 1959 não haveria mais bispos governantes com jurisdição,
pois não haveria mandatos para tal.

Restaria apenas, como o Felipe disse, bipos com o caráter episcopal,


não sei se isso equivale dizer “caráter sacramental”.
28. Felipe Coelho Disse:

2 julho 2011 às 21:13


Salve Maria, Roberto.
A jurisdição está atrelada à Sé que o Bispo ocupa. Enquanto um Bispo
legitimamente designado ocupa a sua Sé, ele possui jurisdição. A morte
do Papa que o designou para a sua Sé não altera em nada esse fato.
Todos os Bispos sagrados sob Pio XII que você mencionou possuem, pois,
jurisdição, caso não tenham renunciado a ela pela heresia ou cisma
segundo os termos do cânon 188/4. Ainda que disso não se deem conta,
por se acreditarem aposentados. Pois os antipapas evidentemente não
tinham nem têm autoridade alguma para aceitar a demissão desses Bispos
de idade avançada.
E há, por fim, a fortíssima possibilidade de delegação do Papa a
alguém na China comunista, semelhante àquela dada a Dom D’Herbigny,
S.J. Como os espiões que só ficam famosos quando fracassam e são
pegos, assim também o fato de não conhecermos o(s) “D’Herbigny”
atuante(s) na China parece-me bastante auspicioso.
Em suma, não há como provar que não há mais Bispos na plena acepção do
termo, portanto, não se refuta o sedevacantismo por aí. Resta o grande
mistério de como a situação será solucionada, sem dúvida no máximo em
poucas décadas, mas um mistério é melhor que uma contradição, e as
posições tanto eclesiadeísta quanto são-piodecimista, por
contraditórias, não têm como ser a verdadeira solução desta crise
inaudita.
É o que demonstra o seguinte estudo, relevantíssimo à nossa discussão,
e que me pergunto se nossos impugnadores, como meu bom amigo Rosano,
já tiveram o cuidado de ler com atenção:
Rev. Pe. Donald SANBORN, A Resistência às Mudanças e a
Indefectibilidade, 1991, http://wp.me/pw2MJ-d3
Para concluir, gosto de citar sempre a máxima de… Sherlock Holmes (em
“O Signo dos Quatro“): “Quando todas as outras possibilidades foram
excluídas, o que resta, não importa o quão improvável, deve ser
verdadeiro.”
É exatamente o caso do sedevacantismo.
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho
29. Roberto F Santana Disse:

2 julho 2011 às 22:11


Caro Felipe,

Desculpe, me expressei mal.

Eu quis dizer que a partir da morte de PioXII não haveria mais


mandatos para consagração de novos bispos.

Sem mais mandatos, sem mais jurisdição e governo.

Mas isso, penso eu, não impediria a consagração de novos Bispos,


somente com o poder sacramental.

Por fim, esses meus comentários não são para refutar o sedevacantismo,
mas para defender consagrações sem mandato, apesar das argumentações
do padre Belmont e de John Daly.
30. Eduardo Disse:

3 julho 2011 às 0:36


Caros amigos, salve Maria!
Felipe, faço minhas as suas palavras: “um mistério é melhor que uma
contradição“. Contudo… existem as aparentes contradições, e existem as
contradições, por assim dizer, ainda mais gritantes e inaceitáveis do
que outras (talvez aparentes) contradições.
Não me proponho, pois, a refutar a possibilidade da vacância da Sé
Romana, mas tão-somente, pelo menos por ora, a rejeitar, não digo
completamente porque sempre pode haver algo de aproveitável, mas
rejeitar, sim, a tese enquanto tal do tal Daly.
Ele nos propõe uma Igreja visível-invisível-misteriosa. Enquanto
houver os Bispos de Pio XII, respeitemo-la nesse específico. Todavia…
vejamos as possibilidades, caso haja a tal Igreja chinesa invisível (e
aqui eu já me corrijo um pouco em relação àquele meu primeiro
comentário):
1) o Bispo misterioso (ou um seu sucessor, no caso de haver delegação
para passar inclusive o poder de dar missão apostólica) de Pio XII (ou
anterior) não adere ao conciliarismo, mas não recusa o Concílio –algo
semelhante aos nossos “conservadores”-tradicionalistas, como a
Fraternidade São Pedro, de quem você se julga mais próximo e eu não
nego (refiro-me aos muitos princípios que compartilham, apesar de você
divergir deles na apreciação da realidade) –;
2) ele não é conciliar e rejeita o concílio, aderindo em espírito à
resistência promovida pela FSSPX e por suas comunidades amigas;
3) ele não é conciliar e rejeita o concílio, aderindo em espírito ao
sedevacantismo (pelo menos em seus traços mais gerais e mais aceitos,
incluindo as consagrações episcopais sem mandato);
Porque só uma dessas três possibilidades fazem compreensível o seu
silêncio e a sua (miraculosa) invisiblidade.
Seja como for, esse Bispo tem jurisdição mas não uma doutrina íntegra.
Aliás, não parece haver, pelo menos para o Daly, alguém no clero que a
possua.
Leiamos o nosso autor em um outro texto:
“Ninguém supõe razoavelmente, em nosso tempo, que receber os
sacramentos de um padre implica concordância total com tudo o que o
padre acredita e faz em seu ministério. Se implicasse, eu, de minha
parte, estaria completamente excluído dos sacramentos.” (negrito meu)
Confesso que eu me lembrava disso de uma forma bem mais escandalosa,
mas minha memória me traia. A coisa é bem mais sutil. Então, se bem o
compreendo, o nosso Daly quer dizer que, em nosso tempo, ou seja, com
essa crise enorme na Igreja, ninguém está obrigado a concordar com
absolutamente tudo que um Padre acredita ou faz. Mas isso não é apenas
em nosso tempo, mas em todos os tempos! Logo, o nosso prezado quer aí
dizer, se não entendo muitíssimo mal, que não há no mundo um bendito
clérigo (que se possa conhecer) que tenha… doutrina íntegra!
Sendo assim, Felipe, os clérigos todos (também os possuidores de
jurisdição ordinária) terão que ir ter com ele para… purificarem-se de
suas imperfeições.
Chegamos, então, a uma Igreja não só visível-invisível-misteriosa, mas
também a uma Igreja hierárquica-não-hierárquica (e aqui eu uso o termo
hierarquico em sentido mais amplo, não apenas na questão de jurisdição
mas também no próprio sacramento da ordem que certamente faz o clero
ser, em termos gerais, mais esclarecido do que o laicato). Quando o
Papa falha, ele deveria ser socorrido pelos Bispos; quando estes
falham, eles devem ser socorridos por seu ajudantes imediatos — no
nosso caso, a doutrina íntegra deveria, deve!, ser professada por pelo
menos um Padre!
Mas tudo bem, concederei que, se Deus permitiu que os Bispos em geral
falhassem em sua missão, Ele também poderia permitir que TODO o clero
falhasse (mas sem que com isso a jurisdição fosse extinta, claro) e
que um leigo a guardasse. Contudo… esse leigo deverá fazer “milagres
para dar testemunho de sua missão extraordinária“, concorda?
Concluo, pois: todas as posições são problemáticas, mas a do Daly,
hoje eu creio, é completamente alheia à Fé da Igreja Una, Santa,
Católica e Apostólica (visível e hierárquica, portanto). Vou além,
salvo melhor juízo, ela é protestantizante.
Que a Virgem Imaculada e São José intercedam por nós!
Forte abraço,
In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
P.S.: Caro amigo Sandro, ainda me atendo ao teor deste meu comentário,
e notando que você compartilha da tese da Igreja visível-invisível-
misteriosa, lhe pergunto: estamos nos últimos tempos? Se sim, a coisa
não pode piorar (muito); se não…
Leiamos o que está dito no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima
Virgem, publicado no antigo site Capela, da Permanência:
“3- A Devoção à Santíssima Virgem será especialmente necessária nesses
últimos tempos
nº 2 – Os apóstolos dos últimos tempos
56. Mas quem serão esses servidores, esses escravos e filhos de Maria?
Serão ministros do Senhor ardendo em chamas abrasadoras, que lançarão
por toda a parte o fogo do divino amor.

Serão “ sicut sagittae in manu potentis”(sl126,4)- flechas agudas nas


mãos de Maria toda-poderosa, pronta a transpassar seus inimigos.
Serão filhos de Levi, bem purificados no fogo das grandes tribulações,
e bem colados a Deus, que levarão o ouro do amor no coração, o incenso
da oração no espírito e a mirra da mortificação no corpo e que serão
em toda a parte para os pobres e os pequenos o bom odor de Jesus
Cristo, e para os grandes, os ricos e os orgulhosos do mundo, um odor
repugnante da morte.
Serão nuvens trovejantes esvoaçando pelo ar ao menor sopro do Espírito
Santo, que sem apegar-se a coisa alguma nem admirar-se de nada, nem
preocupar-se, derramarão a chuva da palavra de Deus e da vida eterna.
Trovejarão contra o pecado, lançarão brados contra o mundo, fustigarão
o demônio e seus asseclas, e, para a vida ou para a morte,
traspassarão lado a lado, com a espada de dois gumes da palavra de
Deus(cf Ef6,17), todos aqueles a quem forem enviados da parte do
Altíssimo.
Serão verdadeiros Apóstolos dos últimos tempos, e o Senhor das
virtudes lhes dará a palavra e a força para fazer maravilhas e
alcançar vitórias gloriosas sobre seus inimigos; dormirão sem ouro nem
prata, e, o que é melhor, sem preocupações, no meio de outros padres,
eclesiásticos e clérigos, “inter médios cleros” (Sl 67,14) e, no
entanto, possuirão as asas prateadas da pomba, para voar, com a pura
intenção da glória de Deus e da Salvação das almas, aonde os chamar o
Espírito Santo, deixando após si, nos lugares em que pregarem, o ouro
da caridade que é o cumprimento da lei (Rom 13, 10).
Sabemos, enfim, que serão verdadeiros discípulos de Jesus Cristo,
andando nas pegadas de sua pobreza e humildade, do desprezo do mundo e
caridade, ensinando o caminho estreito de Deus na pura verdade,
conforme o santo Evangelho, e não pelas máximas do mundo, sem se
preocupar nem fazer acepção de pessoa alguma, sem poupar, escutar ou
temer nenhum mortal, por poderoso que seja. Terão na boca a espada de
dois gumes da palavra de Deus; e em seus ombros ostentarão o
estandarte ensangüentado da cruz, na direita, o crucifixo, na esquerda
o rosário, no coração os nomes sagrados de Jesus e Maria, e, em toda a
sua conduta, a modéstia e a mortificação de Jesus Cristo.
Eis os grandes homens que hão de vir, suscitados por Maria, em
obediência às ordens do Altíssimo, para que o seu império se estenda
sobre o império dos ímpios, dos idólatras, e dos maometanos. Quando e
como acontecerá? Só Deus o sabe!…Quanto a nós, cumpre calar-nos, orar,
suspirar e esperar: Expectans exspectavi (Sl39,2)”
Nada disso, Sandro caríssimo, me parece se coadunar com a Igreja
visível-invisível-misteriosa e hierarquica-não-hierarquica do Daly e à
qual tanto você quanto o Felipe parecem julgar a Católica. Ah, sim,
essa citação de S. Luís de Montfort também põe fora os acordistas de
todos os matizes.
Que Deus nos ajude!
31. Textos essenciais em tradução inédita – LXVIII « Acies Ordinata
Disse:

3 julho 2011 às 12:21


[...] o título e a junção dos três comentários a seguir, tão
incidentais e despretensiosos quanto aquele para cuja acalorada
discussão a presente tradução vem como [...]
32. Sandro de Pontes Disse:

3 julho 2011 às 12:23


Eduardo, salve Maria.
Realmente você não entendeu o que disse Daly. Vejamos novamente:
“(…) Ninguém supõe razoavelmente, em nosso tempo, que receber os
sacramentos de um padre implica concordância total com tudo o que o
padre acredita e faz em seu ministério. Se implicasse, eu, de minha
parte, estaria completamente excluído dos sacramentos.”
Ora, Eduardo, Daly quer dizer, até por ser sedevacantista, que a
situação atual é tão trágica que a falta de um papa faz com que até os
bons católicos discordem em coisas importantes e relacionadas a fé.
Ora, o “meu padre” é o padre Espina, certo? Certo. Nós dois somos
sedevacantistas, e concordamos em praticamente tudo. Porém, existem
coisas (poucas) que eu discordo dele, e penso que sempre haverá coisas
que discordarei de todo e qualquer padre deste “nosso tempo”.
Claro que no passado sempre era possível discordar de padres e bispos,
isso ainda existindo papas verdadeiros Mas Daly diz outra coisa: HOJE,
sem um papa legítimo, cada um “interpreta” a sã teologia e a aplica em
sua vida. Eu, por exemplo, sou sedevacantista porque interpretando a
teologia eu creio que esta é a posição que melhor corresponde aquilo
que a Igreja ensinou sobre ela mesma e sobre o papado.
Você ao não ser sedevacantista (e nem tradicionalista, penso eu, pois
é impossível precisar a sua posição) adota o que adota por pensar ser
o melhor.
Ou seja: estamos absolutamente unidos pelo amor e profissão da fé
católica, mas discordamos em várias coisas. Assim também Daly e Padre
Cekada estão unidos pela comunhão plena que somente pode ser
encontrada na Igreja Católica, mas certamente discordam em vários
aspectos, e são discordâncias relacionados a aspectos que surgiram a
partir do Vaticano II, discordâncias estas que não existiriam e nem
teriam o porquê de existir em “tempos normais”.
Eduardo, o Papa é o princípio visivel da unidade. Com ele, os
discordantes podem resolver contendas. Sem ele, cada um pensa por si,
no sentido de aplicar a teologia em meio a crise.
Por isso é impossível concordarmos uns com os outros com relação a
crise, e é neste sentido que Daly diz não existir um padre que esteja
100% de acordo com ele. E eu faço minhas as palavras dele. Aliás, não
só com relação a padres, mas também a leigos católicos.
Porém, agora vou comentar algo importante sobre um trecho que você
escreveu, palavras que eu estou custando a crer tenham vindo realmente
de você, que ironizou absurdamente, demonstrando uma “baita” falta de
caridade:
“(…) Mas tudo bem, concederei que, se Deus permitiu que os Bispos em
geral falhassem em sua missão, Ele também poderia permitir que TODO o
clero falhasse (mas sem que com isso a jurisdição fosse extinta,
claro) e que um leigo a guardasse. Contudo… esse leigo deverá fazer
“milagres para dar testemunho de sua missão extraordinária“,
concorda?”.
Rapaz….o Daly não se julga infalivel e nem dono da verdade. Estes dias
o Felipe colocou trecho de Leão XIII explicando como se devem fazer os
debates: com humildade, colocando-se a disposição para ser corrigido.
Daly escreve o que pensa, ele não propõe o seu pensamento como regra
de fé (como Paulo VI fez com o Vaticano II, por exemplo).
Ele propõe o que propõe porque pensa ser o que está acontecendo, e não
porque afirma “infalivelmente” que isso realmente é. Ele não se julga
papa, e se você lê-lo com olhos mais caridosos verá que ele sempre põs
frases como: “pelo menos que eu tenha encontrado em minhas pesquisas”
ou outras do tipo. A questão dos “bispos de lugar-nenhum” também ele
diz que alguém poderá um dia mostrar o contrário do que ele afirma.
Independente disso, eu creio firmemente que ele, Daly, está certo, até
que alguém me prove o contrário. Mas a minha crença não vale nada, nem
a de Daly: elas são opiniões baseadas naquilo que vemos. A Igreja
deverá explicar isso um dia, e mostrar quem é que tem razão.
Claro que Deus, nos fins dos tempos, reunirá um pequeno rebanho para
guiá-lo, mas isso não significaria um “mar de rosas” entre os fiés:
basta ver os vários desentendimentos entre os apóstolos, que
discordaram várias vezes uns com os outros. E olha que eles faziam
muitos milagres…..
Imagine, prezado Eduardo, eu usar o seu pensamento contra você para
dizer-lhe que você está querendo ser o “leigo que salvará a Igreja”.
Não seria uma atitude injusta de minha parte acusá-lo de algo tão
insensato? Pois saiba que foi o que você fez com Daly: atribuiu a ele
um pecado que neste caso ele não cometeu de jeito nenhum!
Finalizando, você também escreveu:
“(…) todas as posições são problemáticas, mas a do Daly, hoje eu
creio, é completamente alheia à Fé da Igreja Una, Santa, Católica e
Apostólica (visível e hierárquica, portanto). Vou além, salvo melhor
juízo, ela é protestantizante”.
Você tem a possibilidade de pensar isso sobre a teoria dele, desde que
reconheça que é apenas uma teoria que ele propõe. Tem também a
possibilidade de demonstrar os erros dele de forma caridosa,
reconhecendo no mínimo a boa fé do sujeito. Se a teoria dele é
“protestantizante” você poderia até mesmo levá-lo as autoridades
superiores, a algum bispo ou ao Papa da Igreja visivel para que eles
resolvam o problema. Depois, nos informar a qual bispo você recorreu,
para que saibamos o nome dele.
Não estou sendo irônico, prezado Eduardo, mas lanço-lhe um desafio:
nomear o nome de um único bispo que possua a fé católica (claro que
não me refiro aos “de lugar nenhum”). Mas o desafio é o seguinte:
você deve dizer algo do tipo: “o bispo X que vive em lugar Y e que é
da diocese Z possui plenamente a fé católica, sem sombra de dúvida.
Ele rejeita o liberalismo e crê em todos os dogmas, defendendo por
exemplo que fora da Igreja não existe salvação e todos os ensinamentos
propostos pela Igreja, logicamente o que o leva a rejeitar a missa
nova e o Vaticano II”.
Porque se você não der o nome de um único bispo destes no mundo
inteiro, significará que você não consegue sequer identificar e nem
visualizar a Igreja visivel que tanto defende.
Os abraços são sinceros e a amizade é a mesma, garanto-lhe. Não estou
bravo, apesar de usar contra você desta vez uma veemência maior do que
a habitual.
Sandro de Pontes
33. Felipe Coelho Disse:

3 julho 2011 às 12:48


Muito prezados amigos em Cristo, Salve Maria!
Nos Bellarmine Forums, do Sr. John F. Lane, há um tópico pertinente a
esta nossa discussão intitulado “O inteiro corpo episcopal caindo em
heresia?”
Apresentam-se aí como objeção duas ótimas citações, interessantemente
tiradas de textos citados pelos próprios sedevacantistas:
“II. A Indefectibilidade do Corpo Docente é, ao mesmo tempo, condição
e consequência da Indefectibilidade da Igreja. Deve-se distinguir,
porém, entre a Indefectibilidade da Cabeça e a Indefectibilidade dos
membros subordinados. O indivíduo que é o Cabeça pode morrer, mas a
autoridade da Cabeça não morre com ele: ela é transmitida ao seu
sucessor. Em contrapartida, o Corpo Docente como um todo não pode
morrer ou falhar sem destruir irreparavelmente a continuidade do
testemunho autêntico. De novo, a autoridade do Papa não seria
prejudicada se, quando ele não a estivesse exercendo (extra judicium),
ele professasse doutrina falsa, ao passo que a autenticidade do
testemunho episcopal seria destruída se, sob quaisquer circunstâncias,
o corpo inteiro caísse em heresia.”

(Joseph WILHELM & Thomas B. SCANNELL, A Manual Of Catholic Theology,


Based On Scheeben’s “Dogmatik” [Manual de Teologia Católica, Baseado
na “Dogmática” de Scheeben], Cap. II [pp 16-49], Seção 14, II.)

http://www.strobertbellarmine.net/wilhelm_scannell_02.html
“O que tornou memorável o ensinamento de De Ecclesia Militante na
história da teologia católica foi o fato de São Roberto [Belarmino]
insistir que todos os elementos necessários para a condição de membro
da verdadeira Igreja do Novo Testamento são fatores visíveis, pois a
Igreja militante do Novo Testamento é, conforme o ensinamento e o
decreto do mesmo Deus, ‘uma assembleia de homens tão visível e
palpável quanto o conjunto do povo romano, ou o reino da França, ou a
república de Veneza’ (cap. 2).”

(Mons. Joseph Clifford FENTON, Contemporary Questions About Membership


in the Church [Questões contemporâneas sobre a condição de membro da
Igreja], The American Ecclesiastical Review, julho de 1961, pp. 39-57)

http://www.catholicculture.org/culture/library/view.cfm?recnum=1357
A isso, o Sr. Lane responde com as seguintes reflexões
interessantíssimas, que traduzo agora (pretendendo traduzir logo mais
a excelente conferência dele “The Seamless Robe and the Great
Privilege of Witnessing the Passion of the Mystical Body. A General
View of the Present Crisis” [A Túnica Inconsútil e o Grande Privilégio
de Testemunhar a Paixão do Corpo Místico. Uma Visão Geral da Crise
Presente], http://sedevacantist.com/general_view.htm ):
A metáfora da corda bamba é boa: o Novus Ordo à esquerda, e o abismo
da apostasia direta à direita. Mas temos de permanecer simples. Este é
o Sábado Santo da Igreja. Ela está desfigurada e aparentemente morta,
e mesmo escondida no sepulcro. Mas ela ressurgirá. E temos de lembrar
que o único ser humano com Fé plenamente intacta durante aquele dia
terrível foi Nossa Senhora, então isso é seguramente a indicação mais
clara de que, durante esta era, temos de nos voltar para ela para
obter auxílio. Ela só, como a liturgia nos assegura, destruiu todas as
heresias.
[...]
Posso garantir que, sempre que falo de os laços da unidade serem a Fé
e a Caridade, quero dizer a Fé professada exteriormente e a Caridade
visível da comunhão nos mesmos sacramentos e submissão à mesma
autoridade legítima.
E claro que a unidade da Igreja é a razão primordial (ao meu ver) pela
qual a seita Novus Ordo não pode ser a Igreja. Nem pode ela consistir
dos católicos tradicionais unidos com o Novus Ordo. Em nenhuma dessas
duas hipóteses poderia alguém razoavelmente dizer que ela possuiria a
necessária unidade de Fé e Caridade. Mas, se a Igreja consiste dos
católicos tradicionais (mais algumas pessoas ainda atoladas no Novus
Ordo mas sem professar suas heresias), então ela retém sua unidade
visível em seus elementos essenciais.
O bispo com jurisdição é, tecnicamente, nada mais que uma dificuldade.
[N. do T. – E, recordando a sentença célebre do Cardeal Newman, “mil
dificuldades não fazem uma dúvida”.] Ela é resolvida simplesmente
professando nossa crença de que tem de haver um, e, se afinal acabar
que não havia, aí então também acabará que havia outra solução para a
dificuldade. É preciso manter nossos pensamentos na ordem apropriada.
[...]
Por favor, considere isto atentamente:
1. Penso que a Igreja deve possuir sempre ao menos um bispo com
jurisdição ordinária ou ela não seria a Igreja. Mas posso ter
entendido errado alguma coisa. A humildade dita que consideremos nossa
própria fraqueza ao invés de permitir qualquer ofensa à fé.
Mas suponhamos que eu esteja inteiramente certo em minha afirmação.
2. Até que se demonstre que a Igreja não possui nem mesmo um único
bispo com jurisdição ordinária, então não há nenhum problema real. O
“problema” é meramente uma dificuldade que superamos com humildade e
atos de fé.
Também temos de manter as coisas em seus devidos lugares e relações
umas com as outras. A Igreja deve ter ao menos um bispo com jurisdição
ordinária, porque ela deve ter sempre docentes autênticos. Ela deve
ser sempre visível também. Mas, até onde vejo, as duas verdades podem
ser verificadas independentemente uma da outra; ou seja, a Igreja é
uma unidade visível de fé e caridade e isso se verifica hoje pela
consideração da unidade dos católicos tradicionais professando todos
as mesmas doutrinas, partilhando dos mesmos sacramentos e obedecendo
às mesmas leis; esses docentes estão sempre ensinando em ato, de modo
que isso pode verificar-se hoje num velho bispo “aposentado” que
manteve a Fé e a profissão dela, e cuja renúncia foi inválida por
falta de superior legítimo para aceitá-la. Assim, ele é católico e tem
ordens episcopais e jurisdição ordinária, ainda que não a esteja
exercendo. Potencialmente há muitos bispos assim…
[Há quem] se refira a isso (ou a ideia semelhante a esta) como ideia
do “bispo na selva”, suponho que por analogia com o caso hipotético
considerado por Santo Tomás do homem invencivelmente ignorante da Fé
por ter sido criado por lobos na selva. Mas nas condições que expus
aqui, não há selva nenhuma envolvida, meramente confusão sobre o
Vaticano II e sua autoridade exata. A não ser que se possa demonstrar
que a aceitação do Vaticano II em si mesma acarreta a perda da Fé
sobrenatural e, pois, basta para destituir um homem da condição de
membro da Igreja, não se pode descartar sem mais uma tal hipótese.
Na realidade, penso que a ideia de haver muitos bispos assim é de fato
provável antes que improvável.
(J.F. LANE, Comentários de 11-13-IX-2006, nos Bellarmine Forums, a “O
inteiro corpo episcopal caindo em heresia?“)
Penso que tanto esse comentário quanto a tradução que acabo de
publicar devem ajudar bastante a esclarecer a questão. E aproveito
para fazer minhas as perguntas do Sandro ao Eduardo, em seu último
comentário.
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho
34. Eduardo Disse:

3 julho 2011 às 14:45


Felipe e Sandro caríssimos, salve Maria!
Começo, assim de pronto, por esclarecer a minha posição: eu era um
montfortiano que um dia conheceu a tese do Pe. Calderón e se encantou
com ela. Depois, através dela, pois tem muitas afinidades com o
sedevacantismo, me vi caminhando para este. E, mais algum tempo
depois, mendindo as conseqüências, fui tomado de horror. Hoje, ando
realmente inclinado a repensar o tradicionalismo clássico de D.
Lefebvre e D. Mayer. No entanto, não creio ser o momento espiritual
adequado para me entregar a essas reflexões e mudanças. Mas que fique
registrado: sou, hoje, tendencialmente um “criticista”, como está
virando moda chamá-los.
Quanto à ironia e falta de caridade, meu caro Sandro, a segunda pode
me ter escapado, mas em hipótese alguma a primeira existiu. Eu apenas
quis fazer notar que, se um leigo for chamado a guardar o depósito da
Fé, deverá dar provas claras de ter recebido essa missão de Deus.
Alguma analogia talvez com uma Sta. Catarina de Sena (que era mulher e
foi decisiva para resolver os problemas do tempo).
Agora, por que vou a esses assuntos, digamos, mais práticos? Porque
qualquer um pode ser perder aqui ou ali ao tratar de temas
complicadíssimos de teologia; todavia, as conseqüências são sempre
bastante reveladoras do bom ou mau caminho. Pelos frutos os
conhecereis, diz Nosso Senhor, não?
Então, eu repito e insisto: ainda que aceitemos todas as dificuldades
com relação à jurisdição, a tese do Daly (e eu não o julgo; sei lá eu
se ele se dá conta da enormidade que defende?!) parece contrapor-se
inclusive às graças luminosas provenientes do próprio sacramento da
ordem. Por isso, citei aquele trechinho de S. Luís de Montfort: mesmo
no fim dos tempos haverá Padres pregando a verdade e ponto. Nada além.
De novo: sempre haverá gente do clero defendendo a verdade, isto é, no
caminho correto, prudente etc.
Que numa crise possa haver santos (especialmente do clero)
equivocados, não nego; mas que não haja um bendito Padre (para não
tratar dos Bispos sagrados por D. Lefebvre ou mesmo sedevacantistas)
que possa propôr a posição (essencialmente) correta, não consigo; me
desculpem, mas não consigo aceitar. Por isso, mais uma vez: ando
pensando seriamente em voltar a seguir à risca os passos de D.
Lefebvre e de D. Mayer (que, se discordavam de algo, penso ser, no
máximo, na questão de se aquela pessoa específica era ou não Papa; daí
eu começar a querer — porém preciso pensar melhor — fazer uma
distinção entre sedevacantismo e sedevacantista [D. Mayer aderia ao
sedevacantismo?, eu perguntaria; ou tão-só era sedevacantista?]).
Portanto, Sandro, eu não quero impor, propor nada; na verdade, estou
querendo voltar a ser… rebanho.
Sobre os Bispos, onde eles existem etc. Como tenho me inclinado a
voltar à linha clássica, a resposta seria: são todos esses aí, mesmo
os traidores não depostos, infelizmente. A quem recorrer para
conseguir julgamentos autoritativos justos? Se excluirmos os
sedevacantistas e os quatro da Fraternidade, a prudência recomenda a
não procurá-los por enquanto. Como solucionar as questões disputadas
com autoridade? Por agora, não sei se há como. Mas… em linhas gerais e
em tudo o que é essencial, talvez acompanhar de perto os verdadeiros
discípulos de D. Lefebvre seja o seguro e o prudente. Porque, vou
repetir mais outra vez, as propostas do Daly, infelizmente e talvez
sem a menor culpa deste, desembocam em uma Igreja visível-invisível-
misteriosa e hierarquica-não-hierarquica (cujo sacramento da ordem é
ineficaz; gerando, então, uma… desordem), que eu não consigo aceitar.
E aqui chego no Lane.
Exigir esse tipo de ato de fé num tempo de opressão, tirania, onde a
comunicação está muitíssimo prejudicada e as pessoas isoladas, talvez
seja bem louvável; porém, nos dias de hoje? Quando qualquer informação
corre o mundo em frações de segundo? Ahhh, não! Não há um único
pseudônimo que tenha credibilidade a dizer (num desses fóruns mais
respeitados), não quem é ou onde está, mas que existe um tal Bispo
misterioso! Todas suposições, que, novamente, enquanto houver os
Bispos de Pio XII, teremos que respeitar, mas… e depois? Enfim, não
penso ser só questão de dificuldades, penso que ser ofensivo ao bom
senso e à própria Fé.
Agora, para encerrar: com tudo isso, não pretendo faltar à caridade ou
desrespeitá-los, mas apenas falar com liberdade (num excesso de
confiança, talvez, e até em verdadeira demasia) entre amigos. Peço,
pois, que não se contristem, como eu jamais dei esses tipos de
demonstração, mesmo quando o Felipe me diz pessoalmente que isso ou
aquilo é herético etc. Posso até discordar, mas… no mínimo algo de
tolerância deve sobrar em nós. Logo, meu caro Sandro, a sua veemência,
que nem vejo tão grande assim, a mim em nada me incomoda: sinta-se
sempre à vontade para dizer o que quer e como quer.
E sigo, creio, na minha volta para o tradicionalismo clássico, mas
passando longe da Montfort naquilo que ela e o Daly (mesmo
inconscientemente) podem ter de comum. Quero sujeitar-me aos
ensinamentos dos clérigos, pois é da boca do sacerdote que se aprende
a doutrina.
Concluo, então, minha participação nestes debates, pois vejo que não
conseguirei me fazer entender (nem é minha função…) e não conseguirei
aceitar as conseqüências da posição de vocês.
E sigo meu caminho, creio que tendo feito entender melhor inclusive o
porquê do meu silêncio: fora minha inaptidão e desvalor, estou num
momento de “encruzilhada”, e que tem me conduzido ainda mais a uma
posição de sujeição (ao menos espiritual a, digamos, um Pe. Méramo e,
para dar um exemplo da nossa terra, um D. Tomás de Aquino — apesar de
divergência secundárias entre eles; aguardando possivelmente que ao
menos um Bispo da Fraternidade, superando suas hesitações e equívocos,
persevere e adira fielmente à rota traçada pelo Arcebispo de Ferro,
para segui-lo de perto). Talvez não seja a melhor posição, mas começo
a achar que é a menos terrivel, a menos ruim (apesar de dificuldades e
mesmo mistérios).
Desculpem-me qualquer excesso, apenas precisava dizer essas coisas
todas, que me sobrecarregaram algum tempo. Agora estão exorcizadas
publicamente.
Que a Virgem Imaculada Mãe de Deus e São José nos iluminem e
fortaleçam!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
35. Felipe Coelho Disse:

3 julho 2011 às 15:53


Caríssimo Eduardo, Salve Maria!
Você se dá conta de que os padres são membros da Igreja discente,
assim como os leigos, sim? Só para confirmar.
De minha parte, não tenho como voltar a ser (parte do) rebanho, para
usar sua expressão, pela razão singela de que nunca deixei de sê-lo!
Por outro lado, não vejo como (e penso inclusive que seria isto grande
injustiça e falta de caridade para com eles) sujeitar-me a “pastores”
que não são meus pastores, que digo, que não são pastores!
Se você busca fiar-se numa autoridade e deixar de considerar o peso
dos argumentos, não vejo por que não se fiar na do único grande
teólogo aprovado pela Igreja (redator escolhido pelo Papa Pio XII para
a Munificentissimus Deus e autor do Breve Exame Crítico do N.O.M., só
isso!) que teorizou sobre a situação atual da Igreja em resistência à
apostasia do conciliábulo, o Rev. Pe. Guérard des Lauriers O.P.
Cf., sobre o nosso problema, o resumo que faz o Rev. Pe. Belmont,
nisto seu discípulo fiel: “A Apostolicidade da Igreja vista à luz da
candeia Cassicíaco“, de 2005,
http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=1738
No mais, não vejo por que razão as diferenças entre Dom Lefebvre e Dom
Mayer, ou entre Nova Friburgo e o Rev. Pe. Méramo, seriam “acidentais”
e “secundárias”, a seu ver, mas não as diferenças entre o Rev. Pe.
Belmont e o Rev. Pe. Cekada ou os Srs. Daly e Lane, por exemplo.
Parece-me que você usa aí de dois pesos, duas medidas.
De resto, não creio que exista uma posição de Dom Lefebvre e Dom
Mayer: o que houve da parte de ambos foi uma perpétua e incoerente
oscilação entre as duas únicas posições que realmente existem: a
eclesiadeísta e a sedevacantista. O ex-reitor do Seminário Norte-
Americano da FSSPX em tempos de Dom Lefebvre, Pe. Sanborn, demonstra-o
muito bem no artigo acima linkado, que me pergunto se você já leu:
publiquei-o no mesmo dia de “O Arcebispo Dom Lefebvre e o
Sedevacantismo”, de que estou certo de que você se lembra, e que
aponta para a mesma conclusão.
Transformar numa “posição” o que foi fruto de mera hesitação é,
justamente, a grande tentação dos tradicionalistas após a morte dos
dois Bispos heróicos, criando assim novas doutrinas heterodoxas
(desobedientismo, anti-infalibilismo etc.) e arriscando criar, com
elas, uma verdadeira igreja paralela que seria, de fato, uma nova
seita herética e cismática. É este, no extremo oposto do modernismo, o
grande perigo atual, penso eu.
Por fim, permita-me reproduzir aqui o que respondi no fim do ano
passado a um amigo, que embora tenha posição diferente da sua (é mais
ou menos eclesiadeísta) tem muito a ver com nossa diferença em vários
pontos:
Eu sempre soube que você não é pertinaz em sua adesão à falsa regra da
fé que é Bento XVI. Nunca tive dúvida de que você é católico [...]
O Magistério não disse que o branco é preto, o Vaticano II disse que o
branco é não-branco! Se você fosse dócil ao magistério conciliar,
constataria isso (se aderisse a esse ensinamento, estaria aderindo a
uma heresia e rejeitando o ensinamento infalível anterior), mas graças
a Deus você não o é, mas apenas mais um sedevacantista prático que se
ignora, como 99% dos católicos hoje.
Textos conciliares da Santa Igreja Católica iluminam o mundo, não
criam ambiguidades destruidoras da Fé. Isso, sim, seria a promessa de
NSJC ter falhado, e você o considera perfeitamente natural!
[Você diz:] “…ou então ela [a hierarquia] acabará muito brevemente, e
a posição sedevacanista teria prazo de validade”. Justamente não
acabará, porque é verdadeira, e a solução do problema não tardará,
pois é garantida pela promessa de Cristo. O fato de você aqui ter de
profetizar (“acabará”…”prazo de validade”) mostra que, no fundo, não é
nada “óbvio” que o sedevacantismo seja falso hoje.
Mutatis mutandis, você é como um judeu que dissesse a Nossa Senhora ou
São João, no Sábado Santo: Cristo não é o Messias pois, se não
ressuscitar logo, Sua pretensão messiânica será desmentida; assim, o
Cristianismo tem prazo de validade, pois necessita da Ressurreição de
Cristo em breve para ser verdadeiro, logo é absurdo e falso etc.
E claro que você termina com o mesmo non sequitur mil vezes refutado:
“dizer que você está certo significa que… a Igreja vive nos eruditos…
etc.” Nada mais falso. A Igreja vive nos católicos, independentemente
de se erram ou não em questões difíceis, e o fato de só eruditos
saberem a solução de uma questão histórica contemporânea e não
necessária à salvação [ou mesmo a hipótese de NINGUÉM hoje sabê-la
totalmente] em nada contraria as promessas de Cristo. Você é que está
inventando uma nova promessa, que na verdade não existe, de que Deus
Nosso Senhor não poderia jamais castigar o mundo católico jogando-o na
maior confusão imaginável, justamente para ele aprender a não confiar
em suas próprias luzes e aprender a verdadeira docilidade perante o
Magistério ao qual Cristo disse: “Quem vos ouve a Mim ouve”.
(Durante o grande cisma do Ocidente, por exemplo, é possível que a sé
tenha estado vacante por seus quarenta anos de duração, e não consta
que houvesse mais de meia dúzia de gatos pingados, se é que houve
alguém, que sustentasse isso naquela ocasião. É o que os teólogos
dizem, e nunca viram nisso contradição alguma com o dogma!)
Mas de minha parte continuamos amigos, caro amigo de dura cerviz, e
ainda brindaremos à restauração da Autoridade!
Concluo com mais uma ótima citação pertinente, desta vez de Bossuet
apud De Maistre, cuja biografia estou lendo no momento:

“Quando Deus quer fazer ver que uma obra é toda de Sua mão, Ele reduz
tudo à impotência e ao desespero, em seguida Ele age.”
E, como profetizado em Fátima, de algum modo todos conhecerão que o
triunfo se deu pela intercessão do Imaculado Coração de Maria!
Um grande abraço,

Em JMJ,

Felipe Coelho
36. Cassiodoro Disse:

3 julho 2011 às 16:33


Caríssimo Rosano,
É para você, meu irmão (se assim me permite), a quem de modo especial
me dirijo. Também para vocês, Roberto e Eduardo. Pois as escamas de
seus olhos começam a cair, e, então, veem a fantasia em que nos
envolve essa prolixidade verborrágica sedevacantista. (Desculpem-me.
Meu coração ferve de alegria!) Graças pelas suas palavras, Rosano,
mesmo em redação gramaticalmente imperfeita, brilhantes quanto ao
alcance e profundidade. Se não fosse o seu questionamento de muito bom
senso acerca dos inconclusivos (Obrigado, Agostinho!) argumentos
sedevacantistas, não poderíamos vislumbrar as respostas posteriores,
mormente do compilador Sandro e do acribólogo Felipe, que são as
respostas mais aclaradoras da loucura que defendem. (Desculpem-me.
Exprimo o que penso como vocês, sem nenhuma ofensa.) Agradeço a vocês,
Roberto e Eduardo, pois estão no caminho certo quanto às dúvidas
pertinentes que dissolvem as nuvens muito negras e pessimistas,
provenientes desses Sandros e Felipes, dueto sedevacantista único no
Brasil. Quanto ao Aruan, peço-lhe, por gentileza, melhore as suas
ironias, pois estão decadentes e muito próximas das “bozinas-
mafaldianas”. Lembre-se de que as ironias servem como ótima
argumentação. Basta associar um “feeling” inglês. Pois bem. Se não
soubéssemos que Pontes-Coelhos são pessoas sãs – pelo menos acredito,
embora não os conheça – diríamos que são loucos ou de muita má fé.
Imaginem: igreja vísivel-invisível-misteriosa!!! Desculpem-me, mas é
ridículo. Se eu fosse maldoso, diria a vocês que fundassem uma seita,
pois pelo menos ganhariam um bom dinheirinho. Essa de igreja vísivel-
invisível-misteriosa é estorinha para boi dormir. É tamanha a falta de
resposta, é tamanho o buraco em que se meteram, que se faz necessário
vir com essa de visível-invisível-misteriosa. Nem hollywood, com toda
a sua competência no fantasioso, conseguiria tamanho sucesso. E não
venham escrever: “argumento que é bom, nada, né”. Não precisamos de
argumentos quando se está diante de uma focalização prodigiosamente
insana: igreja visível-invisível-misteriosa. É demais. Literalmente
estou rindo para não chorar. Roberto e Eduardo, por que estou rindo
não à toa? Porque jamais esperaria que a melhor resposta contra o
sedevacantismo viria dos próprios sedevacantistas. Eles deram um tiro
de bazuca no pé! Decorrência: nada mais se sustenta. Igreja visível-
invisível-misteriosa!?! Não dá para deixar de rir. É por isso que eles
gostam muito de contos de fadas etc. Ai está. Amam a fantasia e vivem
na fantasia. E depois vêm com essa: “Argumento que é bom, nada, né.”
Vejam, Roberto e Eduardo, Chesterton não precisava de respostas
canônicas, nem tomistas, nem agostinianas, para destronar o erro de
seus antagonistas. Bastava, sim, uma boa dose de bom senso. Ó meu
Deus, como faltam pessoas de bom senso! Rosano, o seu questionamento é
ótimo, embora fico decepcionado por você estar assistindo à Missa Nova
ou à de padres birritualistas. Que pena! Deixo aqui meu apelo para que
assista à Santa Missa na FSSPX, seja lá onde estiver. Voltemos. O meu
argumento é o seguinte: imaginemos que eu esteja “em um mato sem
cachorro”, não sabendo aonde ir: se aos padres progressistas (os
dominantes) ou aos conservadores (Campos, IBP, FSSP etc) ou aos
sedevacantistas (uns cem “gatos pingados”) ou aos tradicionalistas
(FSSPX e comunidades amigas). Se eu for uma pessoa de boa fé e piedosa
(esta palavra diz tudo), e que tenha a minha opinião – por mais
estudos que tenha feito – como menor ante a opinião de quinhentos
sacerdotes, tradicionalistas = íntegros, da FSSPX, e que acredito
tenham maior conhecimento do que eu no campo do direito canônico,
filosófico e teológico, posso, portanto, aderir perfeitamente a ela e
afins quanto ao que defendem, deixando a minha opinião por mais
valiosa que a seja, para aderir à deles, por não me tocar o papel
principal nessa batalha, ao contrário do papel em que se encontra esta
sociedade inquestionavelmente providencial (o que seria da religião,
hoje, se não fosse a sua mediação?), visto que o conhecimento e a
salvação não vem dos leigos, porém dos sacerdotes, como bem dizia o
Santo Cura d’Ars, e mais, fazer de mim mesmo solução para algo que nem
mesmo a Igreja ensina claramente, é, convenhamos, monstruoso. Coelhos-
Pontes não percebem que entram em um occamismo, ou mais
explicitamente, em um legalismo exacerbado. Por isso, reitero: o
sedevacantismo é o criticismo modernista levado a outro extremo, mas
para o mesmo fim, ou seja, o ateísmo. E mais. Por que devo seguir a
minha opinião? Somente porque ela me parece mais “ortodoxa”, e não
encontro quem me desafie à altura? Vejam a que ponto chegam, Eduardo e
Roberto. O próprio Coelho disse um disparate: “a razão de nos acusarem
de tudo e mais um pouco, e se esquecerem de apontar algum de nossos
erros (E DEVE HAVER ALGUM OU ALGUNS, POR QUE NÃO?).” Imaginem!
Precisou declarar isto, para que soubéssemos que não são inerrantes.
Pontes, você deveria silenciar publicamente a sua opinião, porque você
não tem real e perfeito conhecimento de causa para explanar sobre esse
assunto. E eu também não, por isso fico com a FSSPX. Ou você é um tipo
olaviano? Quem é você, rapaz, para afirmar peremptoriamente que dois e
dois são cinco? Coelho, quem é você para dizer que o Padre Calderón é
inovador? Coloque as inovações em seu blogue, para que as conheçamos.
Vocês não leram o estudo do padre Ceriani? Se leram, apontem onde está
ali o erro. Vocês se esquecem de que, para que haja jurisdição, se faz
necessário um juiz, devidamene competente, que a faça valer. De que
valerá o código de direito canônico se não há quem licita e
autorizadamente a imponha? Esquecem-se de que o mistério de Fátima
está intrinsicamente ligado ao papado? Uma teoria sem prática é
hegelianismo. E uma prática, que desdenha a abstração, pura e
simplesmente, é marxismo. Enfim, para essa hora, chega. Entretanto,
quero que saibam que não os odeio nem lhes quero mal, ao contrário,
gostaria de os ter como amigo no mesmo porto – hoje o principal e mais
seguro – para tomarmos as mesmas naus contra os inimigos.

Abraços e abraços.

Cassiodoro.
37. Felipe Coelho Disse:

3 julho 2011 às 17:50


Prezado Cassiodoro, Salve Maria!
É este verdadeiramente o seu nome…? Não me diga que criou um e-mail
somente para respaldar um pseudônimo… Que galhardia!
A expressão que o move à gargalhada é do Eduardo, não minha, e não
creio que reflita adequadamente nossa posição, pelo contrário.
A Fraternidade São Pio X, de que você se mostra fanático seguidor, tem
muitas inovações, infelizmente; queira por favor encontrar algumas
delas aqui:
J.S. DALY, FSSPX: nada em desabono?, 2005-7, http://wp.me/pw2MJ-FC
Aliás, são as cumplicidades dela com o modernismo o que permite ao
Antipapa, partindo desses erros que lhes são comuns, exercer sua
presente tentativa de sedução.
Quanto às inovações do Rev. Pe. Calderón, lhe envio por e-mail, com
muito gosto, exposição de uma primeira e gravíssima (há outras), a
qual recentemente mencionei aqui:

http://fratresinunum.com/2011/06/15/para-debate-a-regularizacao-
canonica-da-fraternidade-sao-pio-x/#comment-23388
…e cujo cerne já se encontra bem desenvolvido aqui (onde você lerá a
condenação pelos Papas e Concílios das teses galicano-jansenistas que
a maioria na FSSPX repete):
Rev. Pe. Francesco RICOSSA, Prefácio à edição italiana das
“Considerações Sobre o Novus Ordo Missæ” de Arnaldo Xavier da
Silveira, 1994, http://wp.me/pw2MJ-rU
Sobre o estudo do Rev. Pe. Ceriani, um primeiro grave erro encontra-se
exposto aqui, onde fiz questão de citá-lo nominalmente:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Um Cardeal Excomungado Pode Ser Eleito Papa?,
2007, http://wp.me/pw2MJ-Hb
Outro, se bem lembro, pode ser lido aqui:

http://aciesordinata.wordpress.com/2011/03/30/textos-essenciais-em-
traducao-inedita-liv/#comment-846
Enfim, talvez valha a pena ler também os artigos, não apenas os
comentários, né, Cassiodoro? Entendo, porém, que sejam meio longos e
não contem com a chancela do seu partido…
Atenciosamente,

Em JMJ,

Felipe Coelho
38. Eduardo Disse:

3 julho 2011 às 18:28


Felipe caríssimo, salve Maria!
Ao dizer que referia-me à hierárquico em sentido amplo, no meu outro
comentário, dizia, talvez não expressamente, reconhecer essa
diferença. Aliás, certa vez, apontando algumas imperfeições de um
livro possuidore de um Breve de Leão XIII, mostrava que, pelo menos na
nossa tradução portuguesa, o autor colocava os simples sacerdotes
pertencedo à Igreja docente.
Quando insisto nos Padres (pelo menos eles), refiro-me às graças
especialíssimas que recebem por conta do sacramento da ordem. Então,
se a hierarquia porventura falhasse não digo na Fé, mas na profissão
dela, haveria que esperar que alguém do clero sustentasse não a Fé, e
não propriamente agindo magisterialmente, mas a profissão daquilo que
sempre foi crido. Donde o meu ineficaz em relação à ordem, que se
referia à capacidade de ter uma Fé esclarecida e não ao poder de
realizar os sacramentos. Em outras palavras, creio dever haver pelo
menos um clérigo na posição correta.
Já o voltar a ser rebanho, Felipe, evidentemente isso tudo é usado em
linguagem bem imprópria (e justamente pelo inédito da coisa toda),
sim?. Incluindo a sujeição, que seria mais moral do que jurídica.
Enfim, coloquei-me, em hipótese, no pior dos casos: havendo
jurisdicionados, não poder recorrer a eles por, no mínimo, falta de
clareza de sua parte.
E veja ainda uma coisa, eu não estou abandonando os argumentos, hein!
Apenas digo que, quando os argumentos que parecem plausíveis levam a
absurdos, recomeçemos o raciocínio (o que é um argumento, certo?). Não
vá alem. A tese do Pe. Calderón, por exemplo, o que prende a ela (pelo
menos no meu caso) é: 1) como sustentar que não se deve contestar os
documentos antigos (principalmente sua doutrina) se contestamos os
atuais?; 2) é muito piedoso e parece bem provável que a Igreja não
possa NUNCA, quando menos, errar (aqui podemos usar o termo no sentido
das notas teológicas). São dois pontos sobre os quais preciso refletir
(o primeiro, lembrando-me do velho Prof. Fedeli e de uma de suas
aulas, talvez haja saída bem fácil, mas veremos).
Às diferenças agora. Veja que eu não deixei de colocar todos esses
sedevacantistas que você cita como aderentes ao sedevacantismo (toda
uma doutrina sobre a constituição da Igreja e o Magistério). O que eu
disse sobre o Daly é: este diz simplesmente que, hoje em dia, se ele
tivesse que concordar em tudo (e aqui deve-se entender tudo o que seja
pertinente à Fé e não aénas questões disputadas) com um sacerdote para
poder participar dos sacramentos, ele estaria excluído destes. O que,
para mim, é uma enormidade. E creio, também, que nunca se ouviu algo
assim antes. No fundo, creio mesmo que o que ele quer dizer é algo
assim: “por causa da crise, não existem mais sacerdotes de doutrina
realmente católica no mundo; não digo que sejam todos hereges ou
cismáticos (e aí ele tem todos os textos dele sobre cisma, heresia,
pertinácia etc.), mas, objetivamente, estão fora da doutrina”.
Portanto, não sou eu quem vê essas diferenças entre os aderentes do
sedevacantismo, mas, parece-me, o Daly (a não ser que consideremos
aquele parágrafo dele completamente ocioso). Não empurre para mim,
pois, meu amigo, o que é de responsabilidade alheia. Aliás, eu até
reconheci que você, Felipe, tem razão quando se diz mais próximo de
uma Fraternidade São Pedro do que da FSSPX, não?
E tudo o que foi dito nos traz a: sem negar algumas hesitações de D.
Lefebvre e, na maior parte do tempo pelo menos, sua não-repulsa ao
sedevacantistas, ele aderia, parece-me, à posição do Arnaldo Xavier,
portanto de D. Mayer, sobre a possibilidade de erros e mesmo heresias
em documentos magisteriais não-infalíveis (aliás, Pe. Nitoglia que
rompeu com Pe. Ricossa adere a exatamente isso hoje, não?). —
Consideremos também as Sagrações de 1988. — E é justamente essa
posição, que você no blog do Jorge Ferraz certa feita chamou de
ignorância sobre a eclesiologia feita pelos teólogos dos últimos 400
anos, se bem me lembro, e que em outros diz ter cheiro de galicanismo,
que penso ser o exato distintivo da linha Lefebvre-Mayer (e que não
exclui a possibilidade da vacância da Sé Romana, mas sim o
sedevacantismo — donde a distinção talvez possível de ser feita).
E, já que você falou de suas preocupações, que eu sinceramente
respeito, dou-me a liberdade de expor as minhas: eu temo que o
sedevacantismo, pelo horror mesmo de suas conseqüências (e
principalmente as da linha do Daly), impele ao ecclesiadeismo (no
sentido clássico também, porque hoje já existe um IBP na Ecclesia Dei
que, em meio a inúmeras peripécias, tentará dizer-se herdeiro do
legado de Lefebvre e seguidor de suas posições, como você mesmo
reconhece).
Contudo, não considero nem uns nem outros hereges ou cismáticos ou
mesmo maus católicos pelo simples fato de estarem mal posicionados. E
sobre o tema, tanto um Daly quanto um Pe. Ceriani já demonstraram ser
injusto tachar tais católicos de não-católicos ou pérfidos etc. Não
podemos negar que haja confusão, nem nunca foi essa a minha intenção.
Eu só não consigo aceitar uma Igreja (tendencialmente; observe que
tenho sempre ressalvado a questão do Bispos de Pio XII) visível-
invisível-misteriosa, (nem a Igreja cuja toda sua hierarquia é
materialiter, que não é hierárquica, pois o que faz uma coisa ser o
que é, é a sua forma, não?) E a isso eu somei aquele incrível
pensamento do Daly, que cria um todo inadmissível: uma Igreja visível-
invisível e hierárquica-não-hierárquica (no sentido de que não há
clero dentro da doutrina).
Desculpe-me se não consigo ser mais claro, mas a realidade também não
nos tem ajudado muito nesse sentido.
Ah, sim, uma última palavra para explicitar também isto: qualquer
comparação entre a Igreja nascente e a de hoje não me parece ser
adequada: 1) porque o mundo não era tão pequeno e conectado como hoje;
2) porque não havia uma estrutura que parece a Igreja e que uma
multidão (incluindo, talvez, a maior parte dos católicos-católicos) a
julgava como tal.
É o que penso, caro Felipe, e que, nós sabemos, vale bem pouco. E só
retruco para que as incompreensões não sigam. E reitero: não abri mão
dos argumentos; abri mão do que penso ser um mal-entendimento sobre…
os mistérios (visível-invisível não é mistério, é contradição
grosseira; porém ainda temos os Bispos de Pio XII).
Que a Virgem Maria e São José nos socorram!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
39. Eduardo Disse:

3 julho 2011 às 18:41


Caro Felipe, salve Maria!
Dirijo-me novamente a você porque creio que não quero contato algum
com gente caricaturada.
Assim, bem brevemente, espero que compreenda, não compartilho e não
endosso o comentário deste tal Cassiodoro.
Não julgo que se deve, assim sem mais, abdicar da razão nem tampouco
creio que se deva tratar tão mal os demais católicos, por maior que
seja a divergência.
Gente assim só presta um desfavor à Igreja. E, caso eu fosse aderir
tal qual o que diz nosso comentador, eu teria que seguir Fellay até a
nova Roma, contrariando inclusive as determinações de D. Lefebvre.
Enfim, é preciso ter moderação.
E peço que me desculpe, e também o Sandro, se cheguei a um décimo da
indelicadeza dessa pessoa. Realmente, longe de mim querê-lo. Ah, sim,
e reze por mim; aliás, rezemos mutuamente uns pelos outros.
Que a Virgem Santíssima e São José sejam o nosso refúgio!
Forte e bem fraterno abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
40. Roberto F Santana Disse:

3 julho 2011 às 19:54


É, a coisa está ficando quente por aqui…
Só gostaria de informar que não sou sedevacantista, considero Bento
XVI papa tanto na matéria quanto na forma.

Porém, não posso deixar de dizer que o considero um mal papa, assim
como considero João Paulo II e Paulo VI e João XXIII governantes
tiranos.
Sem que pode parecer contraditório mas penso que seja possível, nessa
altura da história humana, que tenhamos papas ruins, fracos e até
mesmo maus.

Sem dúvida, hoje, o caminho mais seguro é a FSSPX e claro, outros


padres tradicionais, assim sendo, apoio e promovo a Fraternidade.

Meu interesse aqui e em outros sites sedevacantistas é o conhecimento


sobre a história da Igreja, tanto o Acies Ordinata como o Cum Ex
Apostolatus são boas fontes no assunto.

Penso que por alguma razão estamos em uma época muito difícil de
entender.

Difícil de entender, inédita e grave.

Entretanto, tenho uma certeza, não vai ser brigando que vamos chegar a
alguma solução.
41. Cassiodoro Disse:

3 julho 2011 às 20:12


Caro Eduardo,
Agradeço-lhe pelo qualificativo de “gente caricaturada”. Ótimo! Não me
fere tanto assim, pois conhecendo o que fiz e o que faço, isso é até
um elogio. Chame-me quantas vezes quiser. No entanto, você demonstrou
falta de caridade, já que disse não querer contato algum comigo. Onde
está a sua caridade? Não sou eu também católico? Tenho culpa de ser
tão impulsivo. “Não quero contato algum com gente caricaturada.” Bela
oração. Muito piedosa. Mas é compreensível. Saiu da Montfort, saiu da
FSSPX, saiu do Sedevacantismo, até aonde vai a sua dúvida, Eduardo?
Está vendo o que acontece quando se mexe com fogo. Não sabe o que faz.
Que indecisão!!! É para isso que serve a sua razão? E saiba que não
abdico da minha razão quando me pronuncio favoravelmente à FSSPX.
Diga-me: quer que eu seja como os Coelhos e Pontes? Não será mais
próprio de um católico quando na dúvida seguir àqueles que, pelo
sacramento da ordem, têm a graça de nos guiar. Não disse Santo Antonio
Maria Claret que não se pode entender alguém que queira se salvar sem
que tenha um diretor espiritual. Gostaria de saber se esses senhores
dão frutos tão bons quanto as produtivas opiniões que alimentam?
Gostaria de saber onde assistem à santa Missa? Se for na FSSPX,
ficarei extremamente surpreso pela enorme audácia e contradição. Tanto
mais quando falam o que querem contra ela e depois escrevem que a
mesma é um porto mais ou menos seguro. Veja aí, Eduardo. Veja a
terminologia que emprega, bem à modernista: mais ou menos. Ou é ou não
é! Está vendo as contradições. Será que sou eu quem abdica da
inteligência? Ademais, não abdicaria da razão quando se é
contraditório e vacilante? Cuidado, Eduardo. Eu gostaria de ter
contato com você. Talvez você me fizesse gente não caricaturada. Que
tal? Você fala de não tratar mal os outros. Se eu lhe chamasse de
embusteiro? Você gostaria? Ora, o que faz o Felipe com relação ao
padre Calderón e demais? E você me vem falar de caridade! De tratar
bem os outros. Eu ofendo, não é, eles não! Ele escreve isso de um
sacerdote, que nem sabe da sua existência. Então, Eduardo? E como pode
você escrever “nem tampouco creio que se deva tratar tão mal os demais
católicos, por maior que seja a divergência.” Você olha o cisco em meu
olho e não vê a trava no olho alheio. Eu não disse nada que uma pessoa
de sã consciência e estando do outro lado possa escrevê-lo. O que
condeno é o sedevacantismo. Você leu a parte final do meu texto. Se
leu, não deu atenção. Afinal, não consegue ver o cisco, não é mesmo?
Mesmo assim quero deixar aqui o meu elogio ao ótimo texto que fez
antes de eu me pronunciar. Levantou enormes fraquezas na argumentação
sedevacantista. Enfim, estou aguardando a refutação do ensaio do Padre
Ceriani, Felipe?

Um abraço não vacilante.


Cassiodoro (Rio de Janeiro)
42. Felipe Coelho Disse:

3 julho 2011 às 22:04


Prezado Cassiodoro, Salve Maria!
Antes de mais nada, peço perdão se ofendi a quem quer que seja da
FSSPX, cujos sacerdotes nunca me canso de repetir são, não raro, mais
virtuosos e doutos do que eu. Por favor, queira desculpar se, no calor
da polêmica, me excedi alguma vez nesse sentido. Mas não deixe de
notar quantos excessos os são-piodecimistas já não cometeram contra os
católicos sedevacantistas!
Não me recordo, porém, de ter acusado a quem quer que seja de
“embusteiro”. Você poderia, por caridade, indicar onde cometi essa
insolência, para eu poder me retratar?
O e-mail que você tem apresentado ao comentar aqui infelizmente não
existe. (Mesmo assim, hesito em chamá-lo de mentiroso, Cassiodoro.) É
que a refutação ao cap. IV do livro do Rev. Pe. Calderón, que lhe
enviei por e-mail, voltou…
Sem dúvida que ele (dotado de muito mais ciência e virtude do que eu)
sabe da minha existência, pois leu dita refutação e, inclusive, o Rev.
Pe. que lha enviou disse-me que o professor de dogmática de La Reja
teria ficado emocionado de receber uma objeção, antes mesmo de a ler.
O que suponho eu dever-se à grande indigência intelectual predominante
entre católicos tradicionais, infelizmente, quiçá fomentada por essa
ideia divertida, sobretudo vindo de quem vem, de os leigos não deverem
estudar essas questões. Claro que um leitor de Veuillot, Donoso, De
Maistre, só pode sorrir ante essa inusitada sugestão…
Você recomenda ao Eduardo “seguir àqueles que, pelo sacramento da
ordem, têm a graça de nos guiar.” Você se ofende se eu julgar a ideia
meio modernista? É que não vejo como conciliá-la com o seguinte, que
peço a sua caridade de comentar:
“Todo o poder espiritual é dado com uma certa consagração. É por essa
razão que o poder das chaves é dado com o sacramento da Ordem. Mas o
exercício desse poder requer matéria apropriada, que é o povo cristão
submetido por meio da jurisdição. Assim, antes da jurisdição o padre
possui o poder das chaves, mas não a faculdade de exercer esse poder.”
(Santo Tomás, Suma Teológica, Suplemento, q. 17, a. 2, sol. 2).
Adianto-lhe que certamente existem casos de suplência de jurisdição,
mas “jurisdição de suplência” é uma coisa que simplesmente não existe.
Por favor, corrija-me se me equivoco.
Meu caro Cassiodoro, o mais próprio de um bom e piedoso católico,
certamente, não é seguir padres que o Santo Padre o Papa declarou
suspensos a divinis. Essa é outra ideia sua bem estranha! Felizmente,
não é esse o caso dos bons sacerdotes da FSSPX, pois nem P6, sob cuja
égide se pretendeu dissolvê-la, nem JP2 nem B16 foram verdadeiros e
legítimos Pontífices.
O “mais ou menos” refere-se ao fato de que nem todos os que atuam como
padres sob a égide da FSSPX são validamente ordenados, infelizmente;
refiro-me aos que vêm do Novus Ordo e não foram reordenados sob
condição. Não há, pois, nada de “modernista” no que eu disse; bem
modernista, pelo contrário, é a defesa da validade do novo rito de
ordenação episcopal baseada no modernista Dom Botte, de autoria de
padres Calderón e Pierre-Marie… Você me permite ter essa opinião?
Se a julgar ofensiva, só posso concluir que o problema está antes na
sua própria susceptibilidade, Cassiodoro, pouco afeito ao embate de
ideias.
Enfim, quanto à refutação ao estudo do Rev. Pe. Ceriani, propus-lhe já
dois links, você os leu? De todo o modo, ele só tenta impugnar uma das
duas vias de demonstração da atual vacância, e é a outra, porém, a
principal, a única em que todos os sedevacantistas, guérardianos ou
não, concordamos. É o que o segundo desses links lhe teria mostrado.
Mas, cá entre nós, você não está realmente interessado em argumentos,
né? Você “condena” o sedevacantismo (expressão curiosa, vindo de quem
vem!) Ou seja, no fundo o que você tem é obediência cega, a
usurpadores, que você recusa ao Papa, estou certo?
Santo Inácio de Loyola, Nossa Senhora das Mercês, rogai por nós!!
Em JMJ,

Felipe Coelho
43. Anônimo Disse:

3 julho 2011 às 22:21


Estimado irmão Cassiodoro,

ave Maria Puríssima.


Deixo esse trecho para uma piedosa meditação:
Devemos acautelar-nos muito das palavras picantes que possam molestar
ou desgostar a nossos irmãos
Em primeiro lugar havemos de acautelar-nos muito de dizer palavras
picantes. Há algumas palavrinhas que costumam picar e ferir a quem se
dizem, porque dissimuladamente lhe põem nota na condição ou no
entendimento ou no engenho, não tão agudo, ou em alguma outra falta
natural ou moral. Estas palavras são muito prejudiciais e muito
contrárias à caridade; e algumas vezes se costumam dizer em tom de
graça ou por galantaria, e então são piores e mais prejudiciais, e
tanto mais quanto com mais graça se dizem, porque ficam mais impressas
nos ouvintes e se lembram mais delas. E o pior é que algumas vezes
sucede ficar muito contente quem as diz, parecendo-lhe ter dito alguma
agudeza e mostrado bom entendimento, mas engana-se muito: pois nesse
seu falar só mostra ter mau entendimento e pior vontade, empregando o
entendimento que Deus lhe deu para o servir, em dizer ditos agudos que
ofendem e escandalizam a seus irmãos e perturbam a paz e a caridade…
De S. Tomás de Aquino se diz que nas disputas escolásticas não
contradizia nunca a ninguém porfiadamente, senão que manifestava o que
sentia com incrível mansidão e temperança de palavras, sem desprezar a
ninguém, antes com estima de todos, porque não pretendia sair da
disputa vitorioso, mas só que a verdade fosse conhecida…
(Exercícios de perfeição e Virtudes Cristãs pelo V. P. Afonso
Rodrigues da Companhia de Jesus, Primeira Parte, páginas 305 e 310)
44. Aruan Freitas Disse:

4 julho 2011 às 1:47


Pe. Ceriani refutado por Homero Johas:
Parte 1) http://fideliumcoetus.blogspot.com/2009/04/defesa-da-igreja-
hereticista.html
Partes 2 a 4)
http://fideliumcoetus.blogspot.com/2009_05_01_archive.html

Original:
http://www.4shared.com/document/XyXGkiVb/A_Defesa_da_Igreja_Hereticist
a.html
45. Sandro de Pontes Disse:

4 julho 2011 às 16:34


Prezado Eduardo, salve Maria.
Vou tentar ser mais objetivo desta vez, já que o debate se estendeu
demais e talvez você já esteja cansado.
Com relação aquilo que escrevemos, penso que a conversa mudou de rumo:
começamos falando sobre incompatibilidade entre jurisdição e heresia,
e terminamos no tema apocalíptico “visibilidade da Igreja”! Por isso,
gostaria de vê-lo comentar, ainda que apressadamente, sobre tudo o que
escrevi acima. O que dizer da passagem de São Tomás que alega a
incompatibilidade e ainda diz que o bispo que faz qualquer ato depois
de promulgar heresias é como se nada tivesse feito?
Veja, não peço que concorde comigo, mas que pelo menos comente, ainda
que rapidamente.
Com relação a sua última mensagem, tenho a dizer algumas coisas. Vamos
a elas. Primeiro, você escreveu:
“(…) sou, hoje, tendencialmente um “criticista”, como está virando
moda chamá-los”.
Eduardo, veja que coisa triste esta questão de rotulagem, mas que
somente demonstra que cada um de nós com relação a crise (e não com
relação a fé católica) pensamos diferentemente. Não existem dois
católicos no mundo que concordam integralmente em todos os aspectos
relacionados a crise. Triste, mas verdadeiro. E você:
“(…) ainda que aceitemos todas as dificuldades com relação à
jurisdição, a tese do Daly (e eu não o julgo; sei lá eu se ele se dá
conta da enormidade que defende?!) parece contrapor-se inclusive às
graças luminosas provenientes do próprio sacramento da ordem. Por
isso, citei aquele trechinho de S. Luís de Montfort: mesmo no fim dos
tempos haverá Padres pregando a verdade e ponto”.
Fico feliz que tenha dito que “a tese do Daly PARECE contrapor-se
inclusive às graças luminosas provenientes do próprio sacramento da
ordem”. Ora, esta sua opinião é lícita, meu amigo. Você pode emiti-la
sem ferir a caridade, é lógico. Assim, Daly tem a opinião dele, e a
manifesta, sem querer ser dono da verdade (vide o excelente “Siga-me
ou morra”, escrito exatamente para que ninguém o julgue algum tipo de
guru, como os gurus que o infeliz do Cassiodoro segue). Você tem a sua
opinião, e a manifesta. Até aqui não existe problema.
O problema começou quando você acusou, ou sugeriu, que Daly se achava
o “bam-bam-bam”, quando o que ele faz é somente manifestar sua
opinião, ato lícito, ainda mais nestes tempos nebulosos. E se até o
Cassiodoro pode emitir sua opinião sem ser censurado por nós (veja que
os tradicionalistas não permitem comentários nossos em seus sítios),
quanto mais o Daly.
Assim, Eduardo, o que há entre nós é uma discordância. As respostas
sobre os tópicos que nos dividem nós as conheceremos um dia,
certamente. E você:
“(…) mas que não haja um bendito Padre (para não tratar dos Bispos
sagrados por D. Lefebvre ou mesmo sedevacantistas) que possa propôr a
posição (essencialmente) correta, não consigo; me desculpem, mas não
consigo aceitar”.
Eduardo, que confusão esta sua: nós não dizemos em hipótese nenhuma
que não possa existir “um bendito Padre (…) que possa propôr a posição
essencialmente correta”. Onde você nos leu escrevendo isso? O Daly
escreveu isso? É claro que há tal Padre, mas a questão é: onde ele
está ou onde estão? (Padres no sentido de bispos, estou dizendo, já
que padres mesmo existem aos montes: Méramo, Ceriani, Calderon,
Belmont, etc)? E você:
“(…) Sobre os Bispos, onde eles existem etc. Como tenho me inclinado a
voltar à linha clássica, a resposta seria: são todos esses aí, mesmo
os traidores não depostos, infelizmente. A quem recorrer para
conseguir julgamentos autoritativos justos? Se excluirmos os
sedevacantistas e os quatro da Fraternidade, a prudência recomenda a
não procurá-los por enquanto. Como solucionar as questões disputadas
com autoridade? Por agora, não sei se há como”.
Eduardo, Eduardo…veja, meu amigo, o absurdo de sua resposta: eu lhe
peço para nomear um único bispo que pelo menos exteriormente professe
a fé católica e você não consegue. Ao contrário, “nomeia”
genericamente os cerca de 4200 que atualmente se fantasiam como bispos
e comandam dioceses ao redor do mundo. Ora, não percebe que ao fazer
isso você manifesta a mesmíssima opinião de Daly? Vou lhe explicar
porque: Daly não crê que os bispos conciliares sejam de fato bispos, e
pensa que os bispos que restam são aqueles ordenados antes da mudança
do rito (ou antes da eleição de João XXIII, não sei especificamente).
De qualquer modo, ele diz duas coisas, a saber:
01) existem bispos com jurisdição;
02) mesmos eles existindo, não é possível nomear “unzinho” que seja
que exteriorize plenamente a fé católica;
Ora, prezado Eduardo, mudando o que precisa ser mudado, você diz a
mesma coisa. Primeiro, você diz crer que os bispos conciliares são
realmente bispos. Para você estes “traidores não depostos” são os
bispos com jurisdição. Porém, você também não consegue nomear nenhum
deles que exteriorize a fé católica e assim concluímos que para você:
a) existem bispos com jurisdição;
b) não é possível nomear “unzinho” que seja que exteriorize plenamente
a fé católica;
Ou seja: a discordância entre vocês se dá unicamente em quem seria
bispo nos dias de hoje: para Daly, este número não poderia ultrapassar
uma centena, para você ele seria de cerca de quatro mil e duzentos.
Mas salvo esta discordância, no restante o pensamento permanece
essencialmente o mesmo. E você:
“(…) as propostas do Daly, infelizmente e talvez sem a menor culpa
deste, desembocam em uma Igreja visível-invisível-misteriosa e
hierarquica-não-hierarquica (cujo sacramento da ordem é ineficaz;
gerando, então, uma… desordem), que eu não consigo aceitar”.
Eduardo, foi estudando a doutrina da Igreja que você não consegue
aceitar o pensamento de Daly, não? Para você, é impossível crer em uma
“Igreja visível-invisível-misteriosa” e “hierarquica-não-hierarquica”,
correto? Porém, porque cargas d’água você crê que uma “Igreja
hereticista” (expressão de Dr. Homero, a melhor já criada por ele)
garante a necessária visibilidade da Igreja?
Quando os teólogos e doutores falam sobre a visibilidade está
implicada nesta palavra o ensino correto da fé católica. A Igreja não
é visível porque um bando de palhaços se fantasiam de bispos, ou
porque um herege anda de papamóvel. A Igreja é visível porque ela guia
o rebanho a vida eterna, exterminando de seu meio o erro e combatendo
aqueles que a ela se opõem, sobretudo com a oração e a defesa
intransigente da fé. A tal “visibilidade” que esta Igreja Hereticista
dá não é NEM DE PERTO aquilo que a própria Igreja ensinou sobre si
mesma a respeito do assunto. Aliás, seria melhor esconder a igreja
conciliar do restante do mundo, fazendo-a ficar realmente invisível,
isso sim seria o melhor que poderia acontecer.
O que você propõe seria a tal “Igreja de vitrine”, onde você faz tudo
o que julga correto, sem obedecer em nada aos “sucessores dos
apóstolos”. Ora, sendo estes que aí estão bispos legitimos e tendo o
papa o múnus de ensinar não seria mais prudente fazer como muitos
conservadores que mesmo enxergando os erros conciliares se calam para
não causar escândalo? Pense nisso, prezado Eduardo: não é melhor
moralmente “matar” o próprio pensamento para não escandalizar do que
dizer que um papa e 4200 bispos são “traidores não depostos”? Ora,
todos são traidores não depostos? Ou nem todos? Se nem todos, quem
seriam os que se salvam? Pode nomeá-los? Não? Então a Igreja teria
falhado em sua missão, porque sempre haverá bispos legítimos ensinando
a verdadeira fé, e isso é de fé. Ufa!
E depois teria ainda mais: Ao estudar a questão da igreja você conclui
que Daly erra. Até aí tudo bem. Mas lhe pergunto: por que você não
estende seus estudos um pouco mais para concluir que um papa legitimo
não promulga missa má? Por que você não estende seus estudos para
também concluir que um papa legitimo não promulga um concilio mau? E
nem um CDC mau, e nem encíclicas más, etc., etc., etc…
Eduardo, É DE FÉ CATÓLICA QUE UM PAPA NÃO PROMULGA MAGISTÉRIO MAU!
Por que os seus estudos não o guiam nesta direção, que o faria
entender que não apenas o sedevacantismo, mas igualmente o
tradicionalismo, são grandes delírios que nascem do coração arrogante
do homem que não confia nas promessas de Cristo?
Por que você não recua mais ainda até aceitar o Vaticano II, pois já
que a teoria de Daly é “protestantizada” quanto mais uma teoria que
diz que um concilio legitimamente promulgado por um papa conteria
erros contra a fé? Eduardo, é de fé que as atas de um concilio são
obrigatórias para os fiéis depois de serem promulgadas pelo Papa. E
você:
“(…) Todas suposições, que, novamente, enquanto houver os Bispos de
Pio XII, teremos que respeitar, mas… e depois? Enfim, não penso ser só
questão de dificuldades, penso que ser ofensivo ao bom senso e à
própria Fé”.
Você se contradiz, prezado: primeiro, diz que “enquanto houver os
Bispos de Pio XII, teremos que respeitar” para depois dizer que tais
suposições sedevacantistas ofendem “ao bom senso e à própria Fé”. Ora,
se ofendem ao bom senso e a própria fé não podem ser respeitadas tais
suposições.
O mais engraçado é que esta metralhadora que você nos aponta se volta
contra você mesmo: eu diria que dizer que a Igreja hoje é visível
apenas por “traidores que não foram depostos” é que ofende não apenas
ao bom senso mas a verdadeira doutrina católica e aos ouvidos pios.
Vamos pensar em duas possibilidades. Na primeira você estaria com a
razão e na segunda Daly. Você, então, está com a razão: a Igreja um
dia vem e diz que esta linha “criticista” é a correta. Os bispos
traidores eram bispos, os papas conciliares eram papas. Daí um papa
“com intenção” e “não liberal” põe todos os “pingos nos is”: ele
derroga o Vaticano II, a missa nova, o CDC de 1983, etc. Note que para
explicar como papas legítimos fizeram tantas coisas ruins por meio de
seu magistério ele teria enorme dificuldade: dispensaria todos os
manuais de teologia existentes e apresentaria somente o livro de Padre
Calderon!
Neste caso hipotético, a vida continuaria. Pergunto: como seria a
aplicabilidade da doutrina a partir de então? Um papa proporia uma
encíclica e os fiéis deveriam segui-la? E se alguém não a seguisse,
julgando encontrar um erro, alguém poderia lhe dizer alguma coisa?
Alguém poderia acusa-lo de desobediência? Ora, ele poderia dizer que o
papa publicou “sem intenção”, que é liberal ou sei mais lá o que. E
ainda daria o exemplo do Vaticano II como paradigma de sua posição,
crendo estar com isso fazendo um bem para a Igreja. Ou seja, o fiel
passaria a ser juiz daquilo que vem de Roma, e ainda amparado pela
“jurisprudência”.
Mas suponhamos agora que os sedevacantistas estejam corretos. Neste
caso, até para corrigir o problema o papa teria muito mais facilidade:
bastaria fazer como todos os papas anteriormente fizeram, declarando
excomungados os malditos que ousaram “macular a fé imaculada”,
reafirmando a impecabilidade da Igreja e a infalibilidade, ainda que
negativa, de seus documentos magisteriais. Ou seja, ele apenas
aplicaria a mais elementar doutrina católica a respeito do tema, e a
partir daquele momento a vida continuaria da mesma forma que era até
Pio XII: os fiéis são obrigados a aceitar o que vem de Roma, os atos
magisteriais são sempre infalíveis, ainda que negativamente.
Note que na primeira possibilidade haveria uma reinterpretação da
teologia (para que você esteja certo). No segundo, haveria nada mais
do que a aplicação da teologia exatamente como ela foi aplicada de São
Pedro até Pio XII.
É isso!
No fundo, prezado Eduardo, no fundo, nós cremos no mesmo: estes que aí
estão são quase unanimemente “traidores ainda não depostos
(oficialmente pela Igreja, ou seja, não são ‘vitandos’)”.
Com relação ao resto, cada um tira suas próprias conclusões.
Abraços,
Sandro de Pontes
Obs.: peço a todos que quando forem rezar um terço que o façam em
intenção ao Cassiodoro
46. Cassiodoro Disse:

4 julho 2011 às 17:15


Felipe,
Há dois equívocos de sua parte. Primeiro, quanto ao “e-mail”. De fato,
não é o meu. Desde quando sou obrigado a fornecer o meu “e-mail”
pessoal? Somente o forneço para amigos. Por que me obrigaria? Daqui a
pouco vão solicitar o número do CPF/MF, RG, e por que não a senha
pessoal bancária? Portanto, não há nenhuma mentira em escrever
qualquer coisa no campo do “e-mail”. E outra, se eu não preencher o
campo não é aceita nem enviada a minha mensagem. Não é mesmo? Segundo,
quanto ao que disse: “Não me recordo, porém, de ter acusado a quem
quer que seja de “embusteiro”. Você poderia, por caridade, indicar
onde cometi essa insolência, para eu poder me retratar?” Qual a
diferença entre embusteiro e inovador? Porque, SEGUNDO O QUE ESCREVE,
e que facilmente nos leva a deduzir, o Padre Calderón é falso quando
ensina algo que, SEGUNDO VOCÊ, não condiz com a verdade ensinada pela
Igreja. Ou não é isso o que você quer afirmar? Você insinua, ou estou
errado, que ele ensina algo falacioso, no mímino com sabor de heresia.
Ou não é isso o que você quer nos fazer entender? Se ele não fala
conforme a Igreja, de qual Igreja ele fala? E mais, os textos que você
me passou não podem ser tomados como conclusivos, irrefutáveis. Por
que devo aceitá-los como a última palavra? Para mim é tão somente uma
posição. Os textos colocados seriam de fato pertinentes para a atual
situação em que nos encontramos? Afinal, são vocês mesmos que
reiteradamente alegam um fim dos tempos. Uma situação em que somente
um milagre extraordinaríssimo poderia extirpar todas as trevas que
assolam a Igreja. Essa tal igreja visível-invisível-misteriosa! Por
favor, onde está a razão de vocês? Podemos dizer, se seguirmos a sua
posição, que a Igreja não prevaleceu contra os infernos. Fica algo de
catarismo, em que somente os iluminados-sedevacantistas, podem
entrever os mistérios e acercar-se da luz. E os demais? E a multidão
de católicos simples? Estão todos perdidos nas trevas da ignorância!
Que fatídico!… Aruan, agradeço pela resposta. A minha, com relação ao
texto de Homero, é a seguinte: a sua “refutação” não merece este nome.
Além das críticas contra os monsenhores Lefevbre e Mayer, que são
gratuitas, o seu texto, da mesma forma que critica a estes, são para
mim meras opiniões. Decepciona. Esperava algo mais parelho com o que
já li dele, como o “Papa Herege”. É brincadeira, quando ele diz que o
padre Ceriani teria dificuldade de discernir um herege de um cristão,
esquecendo-se da definição que dá de cristão o catecismo. É demais!
Enfim, Sr. Anônimo, não se faz necessário se esconder para me
corrigir. Já disse outrora que não me ofendo quando alguém me faz um
conveniente sermão. Ficaria mais católico, pelo menos acredito, mesmo
que você seja o roto falando para o esfarrapado.

À esperança em Cristo!

Cassiodoro.
47. Felipe Coelho Disse:

4 julho 2011 às 18:18


Caríssimo Sandro, Salve Maria!
Sua resposta ao Eduardo me deixou realmente impressionado! Parabéns!
Segue a prometida tradução (da maior parte) daquela conferência do Sr.
Lane, que ajuda muitíssimo a entender um dos maiores porquês da crise
atual (o outro, como já disse, é a meu ver ensinar a verdadeira
docilidade e devoção ao Sagrado Magistério e ao Sumo Pontífice aos
católicos tradicionais, que, mesmo antes do Latrocínio, já tendiam a
criar partidos dentro da Igreja; sobre isso, o livro de Madiran, A
Heresia do Séc. XX, por exemplo, de que eu talvez ainda traduza ao
menos o início, é deveras esclarecedor).
Boa leitura:
A Túnica Inconsútil e o Grande Privilégio

de Testemunhar a Paixão do Corpo Místico


Uma visão geral da crise presente
(2006)

John F. Lane
Em sua essência, esta crise é uma crise de Fé. Façamos um pequeno tour
pela história, para melhor aquilatar como isso é assim, e o que isso
significa para aqueles de nós que fomos escolhidos, desde toda a
eternidade, para viver ao longo desta crise e para receber o grande
dom da verdadeira Fé.
Podemos, para os nossos propósitos, dividir a história da Igreja em
quatro períodos: a fundação, a antiga, a intermediária, e a presente
crise.
A fundação ou início viu a Santa Igreja emergir misticamente do lado
de Nosso Senhor no Calvário, como os Padres dizem, simbolizada pelo
Sangue e água (o divino e o humano). E viu Nosso Santíssimo Redentor
aparecer aos Apóstolos e discípulos muitas vezes, para confirmar a Fé
deles e instruí-los. Mas, para dar a eles a oportunidade de tornar-se
homens verdadeiramente espirituais com Fé verdadeiramente meritória,
Ele subtraiu-Se sensivelmente da presença deles e enviou o Espírito
Santo, que os iluminaria interiormente e recordaria a eles todas as
coisas que Ele ensinara-lhes enquanto ainda estava na terra. “Bem-
Aventurados os que não viram e creram.” Santo Agostinho diz que se
Nosso Senhor tivesse permanecido visivelmente na terra, os Apóstolos e
discípulos teriam encontrado em Sua humanidade santa um obstáculo ao
progresso na Fé e Caridade, precisamente porque seu amor por Ele era
demasiado humano e imperfeito. E foi por essa razão que o Espírito
Santo, que pode fazer tudo, não podia vir a nós sem que Cristo antes
nos deixasse: pois ainda não podíamos recebê-lO. Aprendemos assim que,
bem no início da história da Igreja, a retirada, por Nosso Senhor, de
um bem (Ele Mesmo) foi, em si mesma, um ato de caridade pelos homens.
Foi para o homem poder crescer em virtude e tornar-se mais semelhante
a Ele, e assim merecer para a eternidade. E foi para que o Espírito
Santo pudesse vir e habitar permanentemente em nossas almas! Deus é
muito bom!
O segundo período – os primórdios – da Igreja viu o dom dos milagres
ser concedido aos Apóstolos e seus sucessores imediatos, conforme a
promessa de Nosso Senhor, para dar confirmação indiscutível da verdade
do Evangelho e garantir, assim, sua rápida propagação pelo mundo.
Quando isso foi cumprido, esse dom particular foi subtraído, assim
como Nosso Senhor subtraíra Sua própria presença visível, para
permitir aos homens merecer em grau maior por meio de atos de Fé.
Novamente, vemos Nosso Senhor tirar algo – o dom de milagres – para
dar a maior oportunidade possível aos homens de elevarem a si próprios
acima deste mundo e, assim, conquistarem a felicidade eterna.
O período intermediário – isto é, o período anterior à crise presente
– mostra muitas características que são indiscutivelmente divinas,
tais como a realmente espetacular unidade visível da Igreja na Fé e
Caridade, a linhagem dos Papas ininterrupta mesmo a despeito de
horrores como Grande Cisma do Ocidente, a óbvia fertilidade da Igreja
em produzir tantos e tão variados santos, a cultura pujante da
civilização forjada pela Igreja a partir dos restos da cultura
clássica e da matéria bruta da exótica mistura de sangues da Europa,
com sua música, arquitetura, literatura, ordens religiosas,
universidades, corporações, parlamentos e tudo o mais. Tudo isso,
afirmo, foram motivos monumentais para ter a Igreja na mais alta conta
– e tê-la em alta conta, crendo em seu caráter divino. O homem moderno
não enxerga isso, porque ele não percebe que a Europa é criação da
Igreja, mas todo o mundo antes de nossos séculos ignorantes enxergou e
respeitou isso, mesmo que não quisessem enxergá-lo.
Nosso período vê tudo isso obscurecido, e rapidamente obscurecido. A
Santa Madre Igreja virtualmente desapareceu. Sua influência no mundo
parece ser nula. Ela tornou-se diminuta onde ela era imensa. Sua
unidade é nublada por rachaduras não essenciais mas ainda assim
importantes – fissuras que ameaçam criar divisões essenciais e
portanto mortíferas mesmo entre os Fiéis remanescentes. Tudo é
sombrio, e acumulam-se trevas.
Se acreditamos na Igreja Católica e acreditamos na Divina Providência,
então temos de enxergar que há diversas provações que Nosso Santíssimo
Redentor está permitindo que padeçamos nesta crise. Uma é a aparente
ausência daqueles motivos mesmos de crer, que os manuais de
apologética empregavam como ponto de partida: a unidade visível da
Igreja, sua santidade manifesta, etc. Outra é a própria ausência de
decisões finais de Roma. Sim, nós desejamos com desejo ardente que
Nosso Senhor nos instrua, e Ele permanece em silêncio.
Por que isso é assim? A história e os Evangelhos dão a resposta. Nosso
Senhor faz essas coisas para dar-nos oportunidade de merecer. Com a
Sua graça recebemos, assim, Fé maior do que beneficiaríamos de outro
modo e, por essa Fé, mérito maior do que de outro modo poderíamos
conquistar. E essa Fé e o mérito correspondente dão a Ele glória.
A outra face da mesma moeda é que Ele faz isso para permitir ao
demônio “fazer o seu pior” como o demônio fez a Jó, e assim provar a
todos que ele é impotente contra a graça. Leão XIII sabia que o diabo
recebera cerca de cem anos para destruir, se possível, a Igreja
Católica. Ele fracassará. Mas quão perto chegará da vitória, antes
desse fracasso? A ressurreição da Igreja será, de fato, demonstração
maravilhosa da onipotência de Deus e da definitiva impotência de
Satanás.
Examinemos agora, um pouco mais detidamente, o laço da Caridade, para
que possamos ver como ele existe e como ele é agredido, e como devemos
preservá-lo. A natureza essencial do duplo laço de unidade da Igreja
foi exprimida pelo Concílio do Vaticano:
“O Eterno Pastor e guardião de nossas almas, para perpetuar a
salutífera obra da redenção, determinou fundar a Santa Igreja, na
qual, como na casa do Deus vivo, todos os fiéis se conservassem unidos
pelo vínculo da mesma fé e da mesma caridade.”
Assim, a túnica inconsútil de Nosso Senhor, deixada intacta até mesmo
pela soldadesca romana no Calvário, e que representa misticamente a
unidade da Igreja, consiste de dois elementos entrelaçados: Fé e
Caridade. Vimos como nossa Fé é testada, purificada, e incrementada,
quando seus apoios usuais são removidos ou obscurecidos. Devemos ver
também como a Caridade é servida pelo mesmo processo.
Estamos sendo convidados por Deus a permanecer em paz com homens com
quem sofremos as maiores diferenças possíveis fora daquelas coisas
ensinadas infalivelmente pela Santa Madre Igreja. Temos de considerar
irmãos católicos a homens que aceitam um falso papa ou rejeitam o
verdadeiro, dependendo de nosso ponto de vista. Estamos sendo
convidados a combater o bom combate ao lado de homens que pensam que
Nosso Santo Redentor é ultrajado diariamente na Santa Eucaristia no
Novus Ordo, ou com homens que pensam que Ele não está lá em absoluto,
dependendo novamente do juízo que formamos sobre o ponto
controvertido.
Santo Agostinho, falando da controvérsia sobre questões ainda não
decididas pela Santa Igreja, após referir-se ao fato de que sem a
caridade todas as outras virtudes são vãs, explica:
“E, contudo, se dentro da Igreja homens diferentes ainda detivessem
opiniões diferentes sobre o assunto, sem nesse ínterim violarem a paz,
então até que um decreto simples e claro seja emitido por um Concílio
universal, seria correto à caridade que procura a unidade cobrir com
um véu o erro da enfermidade humana, como está escrito: ‘Pois a
caridade apaga uma multidão de pecados’. Pois, vendo que a ausência
dela faz com que a presença de tudo o mais seja vã, podemos muito bem
supor que, na presença dela, encontra-se perdão para a ausência de
algumas coisas faltantes.”

(Sobre o Batismo, contra os donatistas, destaque acrescentado.)


Sim, a caridade. O laço da perfeição, a virtude eterna, pois a própria
natureza de Deus mesmo é, nas palavras de São João, que Ele é amor. E
essa mesma caridade é o segundo laço de unidade da Igreja, e portanto
tem de ser praticada não somente para o bem de nosso irmão católico,
mas também pela própria preservação da Igreja.
Esse é o verdadeiro espírito católico, e é esse espírito que mantém a
unidade da paz apesar das mais graves diferenças entre homens de boa
vontade. É por essa razão que “sedevacantistas” podem cultuar ao lado
de “sedeplenistas”. É por essa razão que o Arcebispo Dom Lefebvre
sempre recusou cair na armadilha de recusar sacramentos aos
“sedevacantistas”. É essa virtude essencial que é o segundo laço de
unidade da Igreja Católica, visível e indissolúvel, ainda que
obscurecido e enfraquecido até ao ponto da aparente falência. Sua
sobrevivência até este ponto é tão improvável, a ponto de constituir
um milagre, e devemos ponderá-la com temor e reverência. [...]
É por isso que a objeção à conduta dos sedevacantistas, com base em
eles não elegerem um Papa como parece que deveriam, é falsa. A própria
razão qual eu e outros como eu (a vasta maioria dos sedevacantistas,
de fato) não tentamos eleger um Papa é por sabermos que aqueles que
compartilham da nossa Fé, mas diferem de nós sobre a “questão do
Papa”, são nossos irmãos católicos, de modo que, se fizermos algo
temerário, só lograríamos criar um cisma onde no presente há apenas
diferença de juízo. Estaríamos, em suma, realizando nosso próprio
Concílio de Pisa e acrescentando às aflições dos Fiéis ao causar dano
à unidade da Igreja. Essa seria a última coisa que deveríamos fazer!
Evitemos, pois, ter um desejo desmedido de ver resolvida qualquer
questão que só pode ser decidida finalmente pela Santa Madre Igreja, e
especialmente desse modo preservemos a caridade com nossos irmãos
católicos. De ambos os lados temos de afastar de nossas mentes toda
sugestão de que os motivos de nossos oponentes sejam impuros, e
contentemo-nos em examinar todas as questões disputadas, incluindo a
questão dos papas do Vaticano II quando surgir ocasião, no espírito de
que se não pudermos concordar, então temos ocasião de exercer a
caridade, e se concordarmos, então temos ocasião de exercer a
caridade, pois esta é sem dúvida a vontade de Deus, o Qual estabeleceu
na terra uma autoridade final precisamente para dar certeza a todos os
homens em questões sobre as quais eles não acabariam concordando de
outro modo, e o Qual em nosso tempo permitiu que essa autoridade
permanecesse em silêncio, seja por pensarmos que isso se deve à Santa
Sé estar vacante, seja por estar ocupada por um homem indigno. E além
disso, que Ele permite essa provação precisamente para que possamos
exercer a Fé e a Caridade e, assim, dar glória a Ele, o Autor de nossa
Fé e Caridade bem como de nossa Esperança, e receber uma recompensa
eterna por termos cooperado em Seu plano infinitamente sábio.
E se pensamos que isso é difícil, deveríamos imaginar como foi ao pé
da Cruz, pois este é o precedente místico desta provação. Sim, é
difícil. Mas há outro lado a considerar: o de que é um grande
privilégio, é a seu modo como ser escolhido para estar de pé no
Calvário no dia terrível e belo quando o mundo foi redimido do pecado,
e Cristo conquistou Sua vitória. Nós somos testemunhas da crucifixão
do Corpo Místico. Que dom! Senhor, tornai-nos menos indignos! E Nossa
Senhora nos ajude, Vós que costurastes com amor a túnica inconsútil de
Jesus com vossas próprias mãos, e que sozinha destruístes todas as
heresias e cismas.
John Lane

25 de maio de 2006

Ascensão de Nosso Senhor


48. Eduardo Disse:

4 julho 2011 às 19:07


Caríssimo Sandro, salve Maria!
Você me põe muitos e complicados problemas.
Respondo, brevemente, apenas assim: de algum modo, concordo com você:
talvez não haja verdadeira contradição entre mim e vocês no que toca à
jurisdição (que é o miolo de toda a nossa conversa), mas apenas que
eu, aceitando o que vocês aceitam, creio ir um pouco além. Explico-me:
um herege não pode ter jurisdição na Igreja (proposição de vocês), a
não ser que um jurisdicionado superior o sustente (proposição clássica
que se encontra no livro do Arnaldo Xavier da Silveira). Logo, são
complementares (e o CDC de 1917 estatuiu em que casos o Papa a
sustenta até deposição e em que casos não o faz).
Sobre os Bispos, permita-me corrigir-lhe: eu nem de longe quis tocar
nas cifras; apenas disse que mesmo os traidores não depostos são (na
verdade, podem ser; deixemos tudo ao juízo futuro da Igreja, como D.
Lefebvre) possuidores de jurisdição. E observe bem: eu não preciso
saber que é herege, quem erra de boa-fé, que falha na profissão etc;
basta-me saber que há a possibilidade real de eles serem Bispos.
Siceramente, Sandro, talvez não seja a melhor situação para nós —
aliás, é também muito ruim a nossa realidade –, mas mais razoável do
que fazer um voto de fé de que existem Bispos escondidos. Ah, sim!;
observe também que, como os Bispos de Pio XII devem ter em média, sei
lá, eu julgo que uns 85 anos, o problema de onde estaria o episcopado
é bem real e importante; tanto que o Daly e Lane tiveram que abordar o
problema: propuseram, se bem entendo, três possibilidade: 1) Bispos de
Pio XII; 2) uma linhagem episcopal secreta provinda de Pio XII ou de
outro Papa anterior; 3) Deus designará Ele mesmo uma pessoa com uma
missão extraordinária (essa eu, pensando um pouco, começo a pender
para julgá-la inaceitável, se, com isso, ele insinua uma espécie de S.
Paulo: alguém feito Apóstolo (Bispo) diretamente por Deus, pois… onde
ficaria a sucessão apostólica?).
E estamos, perceba, não desviando do rumo, mas, em meio a vaivens,
voltando ao tema em discussão: onde estão os Bispos jurisdicionados
(porque doutrina e sacramentos, creio ser razoavelmente fácil
encontrar: ou estão com os CLÉRIGOS sedevacantistas, ou estão com os
CLÉRIGOS tradicionalistas não-sedevacantistas). Apenas, amigo, não
consigo, desculpe a insistência, mas realmente não consigo me ver
vinculado a uma Igreja visível que, não estando o mundo em uma
especial situação de opressão, tirania, isolamento de pessoas (talvez
a tal Igreja de dimensões individuais e domésticas dos tempos do
Anticristo, da qual fala o Cardeal Pie), é, em verdade, invísivel. Eu
não preciso, neste específico de santos; preciso de jurisdição.
Penso que é isso. E penso, até tinha dito para o nosso caro Roberto em
particular, chega-se a um ponto que a conversa começa a patinar e fica
um pouco uma conversa de “surdos”. Eu daqui com uma certa estranheza
por não entender como vocês não enxergam certas coisas e vocês aí,
certamente com o mesmo sentimento. Resta-nos, então, rezar para que
Cristo volte logo.
E rezarmos uns pelos outros, claro.
Que a Virgem Imaculada Mãe de Deus e São José alcancem a misericórdia
de Deus para nós!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
P.S.: Desviando um pouco o assunto, mas aproveitando o meu palavrório:
vocês viram o Pe. Élcio Murucci comentando o sermão de D. Galarreta no
Fratres in Unum?; caramba!, eu não pensava que estávamos daquele
jeito, não! O “resistente” de Campos… que frustração….
49. Felipe Coelho Disse:

4 julho 2011 às 19:23


Caríssimo Eduardo, Salve Maria!
Deixando a resposta para o Sandro, a quem você se dirige, limito-me a
observar duas coisas: primeiro, que a China comunista é certamente um
lugar “em uma especial situação de opressão, tirania, isolamento de
pessoas”; segundo, que se Bento XVI for Papa como você parece crer,
então “Roma” é Roma e a romanità é estritamente necessária, estando
pois os Rev.s Pe.s Alfonso, Élcio e Alejandro certíssimos nesse ponto;
e muito me admira você ver algo de errado na profissão de romanitá
feita por eles!
Abraços,

Em JMJ,

Felipe Coelho
50. Eduardo Disse:

4 julho 2011 às 22:16


Felipe caríssimo, salve Maria!
Voltaremos a todas aquelas possiblidades sobre o Bispo chinês que
distingui antes e, ainda, o fato de ninguém poder sequer dizer que ele
existe. Uma coisa é ele não poder vir até nós, outra coisa é não vir
notícia alguma nem mesmo da existência dele (mesmo que não
especificando onde ele está). Então, tal situação de opressão,
tirania, isolamento de pessoas, deveria ser em âmbito global;
impedindo não somente as pessoas de circularem, mas também as
informações. Aliás, seria até mais crível quem um católico chinês não
tivesse acesso ao Bispo do que nós, que estamos libérrimos (até eu
posso vir à internet falar qualquer coisa), soubéssemos que… ele
existe! Se ele existir, penso que é algo comparável ao milagre
previsto no Apocalipse, que dá conta que Deus esconderá parte (os
débeis, diz Pe. Emmanuel) da Igreja.
Talvez a romanitá não seja tal qual nos inclinamos a conceber. Um rei,
por exemplo, pode cometer várias injustiças e seus súditos podem
desobedecê-lo e mesmo combatê-lo sem que com isso se lhe negue a
autoridade. Se considerarmos o tradicionalismo clássico (e mesmo o do
Pe. Calderón), encontraremos espaço para o “dever da desobediência“,
como ensinava D. Lefebvre.
Por fim, Felipe, a FSSPX só poderia se desviar dos juízos prudenciais
de D. Lefebvre em dois casos: 1) Roma ter se convertido de forma tão
manifesta que não necessitasse mais de a FSSPX fazer e exigir mais
absolutamente nada; 2) D. Lefebvre ter erros doutrinários que
precisassem ser retificados, ou seja, ir rumo ao ecclesiadeísmo ou ao
sedevacantismo. E ele, alma de sua Obra, disse mais ou menos isto: “se
me tornam a chamar a Roma, as coisas serão diferentes: ou aceitam todo
o Magistério dos últimos 200 anos, ou não tem conversa” (logo, nada de
discussões doutrinais, nada de acordos práticos; somente constatação
do milagre — após duro combate, claro).
E esse é meu temor que sempre se renova: o sedevacantismo empurra os
tradicionalistas para o ecclesiadeísmo.
Que a Virgem Imaculada Mãe de Deus e São José nos guardem!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
51. Roberto F Santana Disse:

4 julho 2011 às 23:51


Caro Eduardo,

Quando você diz:

“Talvez a romanitá não seja tal qual nos inclinamos a conceber. Um


rei, por exemplo, pode cometer várias injustiças e seus súditos podem
desobedecê-lo e mesmo combatê-lo sem que com isso se lhe negue a
autoridade”

Acho que estamos sob tirania papal, por outro lado, comparar governos
ou situações civis com o governo da Igreja talvez não dê certo.

O que você acha desse trecho do “The Material Papacy” do bispo Donald
Sanborn:

E (…)no entanto, sobre a constituição do governo civil não pertencem a


nós diretamente, porque a constituição da Igreja surge imutavelmente
do próprio Cristo, nem depende de nenhuma forma sobre o consentimento
ou aprovação dos fiéis. Além disso, os elementos essenciais do governo
cíveis decorrem do direito natural, ou seja, o fim da sociedade, a
forma de governo, a maneira de selecionar o tema da autoridade, os
elementos essenciais da Constituição da Igreja são estabelecidas por
disposição divina. Cristo instituiu a Igreja, Ele chamou os Apóstolos
e estabeleceu-los em uma hierarquia. Ele deu à Igreja o seu fim, bem
como os meios sobrenaturais, para atingir esse fim. Ele instituiu uma
forma monárquica de governo, de tal forma que a constituição da
Igreja, de modo algum sai da inferiores, mas a partir da própria
autoridade de Cristo. Pois nem mesmo o papa, que indiretamente
beneficia a autoridade de Cristo, é capaz de mudar a constituição
divina da Igreja.
52. Eduardo Disse:

5 julho 2011 às 14:21


Meu caro Roberto, salve Maria!
Agrada-me muito poder me dirigir a você e fazê-lo como a um amigo.
Obrigado, pois, pela oportunidade!
Veja, amigo Roberto, que é justamente isto que eu estou afirmando: a
Igreja tem uma constituição divina — que inclui o sacramento da ordem
–, que, portanto, não me permite aceitar aquilo que Daly
disse/insinuou que, objetivamente, não há clérigos dentro da doutrina
católica. Ela é hierárquica (pela jurisdição, mas também pela ordem)!
A comparação que fiz com o governo civíl é apenas a seguinte: o fato
de desobedecer a alguém não implica necessariamente a rejeição de sua
autoridade. Em alguma parte, até o próprio Daly reconhece que existem
casos em que uma desobediência habitual ao Papa seria justificada. E o
nosso problema, hoje, é bem este (já posto também pelo Pe. Méramo):
como é possível ter que desobedecer habitualmente ao Papa para poder
manter a Fé? Aqui, talvez, entre o mistério do fim dos tempos.
Enfim, a comparação com um governo civil era apenas esta: não é porque
desobeço a alguém, repito, que eu julgue que este alguém não é
autoridade sobre mim. Apenas abusa de seu poder.
A partir daqui entraremos em todos aqueles debates sobre o Magistério,
constituição da Igreja etc. Tudo isso que constitui o sedevacantismo
(que nada mais é do que uma aplicação distinta de princípios mais ou
menos iguais aos dos ecclesiadeístas à realidade).
Que a Virgem Imaculada e São José nos socorram!
Forte e fraterno abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
53. Sérgio Meneses Disse:

7 julho 2011 às 14:28


Salve Maria, Felipe.
Se os bispos verdadeiros não podem ser encontrados pelos católicos,
como fica o dogma da visibilidade da Igreja? De que adiantaria Nosso
Senhor ter deixado uma Igreja visível que não pode ser vista pelos
verdadeiros católicos.
Santíssima Virgem, muito obrigado por ter-me tirado dessa loucura
tradicionalista/sedevacantista e ter-me feito conformado com a
autoridade do Magistério da Igreja!
AMDG
Sérgio
54. Sandro de Pontes Disse:

8 julho 2011 às 8:26


Sérgio,
“Loucura tradicionalista/sedevacantista”?
Você tem a possibilidade de vender a alma pro demônio, mas agradecer a
Virgem Maria por isso?
Já dizia um cantor péssimo, que não merece sequer ter o nome citado:
“convence as paredes do quarto e dorme tranquilo, sabendo no fundo do
peito que não era nada daquilo”!
Sem mais!
Sandro de Pontes
55. José Carlos Disse:

8 julho 2011 às 15:22


Prezado Sérgio Menezes,
Viva Cristo Rei! Salve Maria Santíssima!
Sugiro a você dar uma lida no artigo traduzido pelo Felipe Coelho com
o título: O cardeal Pie,Dom Guéranger e o Evangelho sobre a crise
Eclesiática. Talvez possa lhe dar uma luz a respeito do seu
questionamento.

Confesso a vocês que quanto mais medito na situação do mundo e da


igreja em particular eu me dou conta de que não há mais jeito,estamos
em tempos apocálipticos e de que já se cumpriu a profecia de La
Sallete na qual “Roma perderá a fé e se tornará a sede do
Anticristo”,fato que se deu a partir do anti-concilio satânico vat II.
Um abraço e fiquem com Deus!
José Carlos
56. Sandro de Pontes Disse:

9 julho 2011 às 13:18


Eduardo, salve Maria.
Após alguns dias ausente volto aqui para continuar comentando suas
palavras.
Percebi que você não quer continuar a conversa. Penso ser um equivoco
seu: podemos continuar conversando, retomando argumentos, comentando
palavras que nos “escaparam” em outras respostas, etc. Veja: você some
um ano, volta aqui, debate duas semanas e agora vai sumir um ano de
novo? Vamos continuar devagar e sempre a conversa, porque quem sabe
não chegamos a algumas conclusões conjuntas?
Mas independente de você continuar ou não, o que está escrito está
escrito e eu ainda tenho coisas a comentar. Vamos lá, então! Primeiro,
o seguinte que você escreveu:
“(…) como é possível ter que desobedecer habitualmente ao Papa para
poder manter a Fé? Aqui, talvez, entre o mistério do fim dos tempos”.
Sim, Eduardo, nisso concordamos: estamos vivenciando, talvez, o
“mistério do fim dos tempos”! E você:
“(…) talvez não haja verdadeira contradição entre mim e vocês no que
toca à jurisdição (que é o miolo de toda a nossa conversa), mas apenas
que eu, aceitando o que vocês aceitam, creio ir um pouco além”.
Obrigado por este reconhecimento. Isso foi importante: ambos
reconhecemos a existências de padres com jurisdição no mundo e não
conseguimos nomear nenhum com absoluta certeza, somente de forma
genérica: nós apontamos para uma lista de no máximo cem e você para
uma lista bem maior. Mas você tem razão em duas coisas: caso morram
todos os bispos anteriores a 1968 seria necessário repensar o
sedevacantismo. Veja: digo “repensar”, e não abandonar. Porque o erro
nesta questão bem pode ser nosso, mas enquanto estes bispos antigos
estiverem vivos não saberemos.
E outra coisa que eu concordo contigo é quando você diz que “é melhor
tentar explicar o não desaparecimento da Igreja através dos Bispos
sagrados no tempo de Pio XII e dos quais temos conhecimento”. Bingo!
Agora também falamos a mesma língua, e concordamos ipsis literis:
realmente, estes antigos bispos ainda garantem pelo menos teoricamente
a visibilidade da Igreja. Depois que vi a lista que o Roberto nos
apresentou, eu até pensei em entrar em contato com alguns deles que
são brasileiros para saber o que pensam. Se eu conseguir fazê-lo, te
comunico posteriormente o que deles ouvi. E você:
“(…) Explico-me: um herege não pode ter jurisdição na Igreja
(proposição de vocês), a não ser que um jurisdicionado superior o
sustente (proposição clássica que se encontra no livro do Arnaldo
Xavier da Silveira). Logo, são complementares (e o CDC de 1917
estatuiu em que casos o Papa a sustenta até deposição e em que casos
não o faz)”.
Duas coisas aqui: primeiro, não é nossa a proposição de que um herege
não possa ter jurisdição na Igreja, mas de todos os papas que
abordaram a questão, todos os santos doutores (entre eles São Tomás) e
99% dos teólogos. Nós apenas refletimos esta proposição, tal qual a
lua, que não tem brilho próprio, reflete a luz do sol.
E segundo, é verdade realmente que no livro de Arnaldo Xavier da
Silveira existe esta proposição do herege mantido por um
jurisdicionado superior, mas há que se destacar que o próprio Xavier
da Silveira chegou a conclusão diferente e a manifestou de forma
taxativa. Ora, ele escreveu o livro dizendo que a obra serviria apenas
como “pontapé inicial” e que suas palavras deveriam ser aprofundadas
posteriormente. Este foi o motivo pelo qual coligiu todas as
proposições possíveis a respeito do tema “jurisdição e heresia”. Daí o
grande valor de seu livro.
Mas não é por isso que ele particularmente não opinou a respeito do
assunto. Sobre jurisdição e heresia no caso dos papas, fez a seguinte
declaração:
“(…) cremos que um exame cuidadoso da questão do Papa herege, com os
elementos teológicos de que hoje dispomos, permite concluir que um
eventual Papa herege perderia o cargo no momento em que sua heresia se
tornasse - notória e divulgada de público. E PENSAMOS QUE ESSA
SENTENÇA NÃO É APENAS INTRINSECAMENTE PROVÁVEL, MAS CERTA, UMA VEZ QUE
AS RAZÕES ALEGÁVEIS EM SUA DEFESA NOS PARECEM ABSOLUTAMENTE COGENTES.
Ademais, nas obras que consultamos, NÃO ENCONTRAMOS ARGUMENTO ALGUM
QUE NOS PERSUADISSE DO OPOSTO. De qualquer forma, outras sentenças
permanecem extrinsecamente prováveis, visto que têm a seu favor
autores de peso. Logo, na ordem da ação concreta não seria lícito
optar por uma determinada posição, querendo impô-la sem mais. É por
isso que, como dissemos de início, convidamos os especialistas na
matéria a reestudarem a questão. Só assim será possível chegar a um
acordo geral entre os teólogos, de modo que uma determinada sentença
possa ser tida como teologicamente certa” (Considerações sobre o Ordo
Missae – Arnaldo Xavier – pag. 33 [ou 52 pelo contador do PDF]).
Ora, Eduardo, é claro que se para Xavier o papa cai ipso facto de seu
cargo por heresia quanto mais os bispos. Assim, o próprio Xavier da
Silveira se junta à multidão daqueles que defendem esta proposição. E
você:
“(…) Sobre os Bispos, permita-me corrigir-lhe: eu nem de longe quis
tocar nas cifras; apenas disse que mesmo os traidores não depostos são
(na verdade, podem ser; deixemos tudo ao juízo futuro da Igreja, como
D. Lefebvre) possuidores de jurisdição”.
Eduardo, se você diz que esta questão relacionada a jurisdição dos
bispos (?) atuais deve ser deixada “ao juízo futuro da Igreja, como D.
Lefebvre”, então é impossível você simultaneamente afirmar que eles
são verdadeiros bispos. Explico-me: reconhecer como você faz que eles
serão ou poderão ser julgados e condenados um dia equivale a não poder
afirmar com certeza hoje que eles são verdadeiros bispos. E sendo
assim tudo o que você colocou contra a gente nos posts anteriores
acaba por ficar “ocioso”: na prática, você não pode afirmar nada,
apenas esperar o julgamento.
Porque se você afirma como os sedevacantistas que os conciliares não
são bispos é porque crê que estes “já estão julgados” (Jo 3, 18). Mas
se você afirma com certeza que são bispos como os conservadores é
porque crê moralmente que o são, então não pode admitir a hipótese de
que poderão ser declarados não bispos um dia. Porém, ao crer como diz
que crê que a Igreja os julgará um dia, então não tem nada para dizer
hoje, nem que eles são nem que eles não são: resta-lhe somente
aguardar e conviver com a falta de certeza que atormenta aqueles que
ainda não tem bem resolvidas estas questões conflituosas, as quais são
realmente difíceis, não nego (não existe demérito nenhum em não ter
bem resolvidas dentro de si mesmo todas estas questões). E você:
“(…) eu não preciso saber que é herege, quem erra de boa-fé, que falha
na profissão etc; basta-me saber que há a possibilidade real de eles
serem Bispos”.
Eu digo o mesmo sobre aquela lista restrita dos bispos de Pio XII. E
você:
“(…) Siceramente, Sandro, talvez não seja a melhor situação para nós —
aliás, é também muito ruim a nossa realidade –, mas mais razoável do
que fazer um voto de fé (sic) de que existem Bispos escondidos”.
Prezado, você fez aqui de uma hipótese levantada por Daly a posição
dele. Ora, o caminho primeiro dele e nosso nesta questão é buscar a
resposta nesta lista apresentada pelo Roberto. O segundo é estender
aos bispos sagrados por João XXIII e em uma terceira etapa, se
possível, aqueles antes da mudança da ordenação episcopal. Porém, Daly
faz uma conjectura a partir da morte de todos os bispos, nada mais do
que isso. Por favor, vamos nos ater ao que ele quis dizer e de fato
disse, e não fazer uma caricatura de suas palavras. E você:
“(…) observe também que, como os Bispos de Pio XII devem ter em média,
sei lá, eu julgo que uns 85 anos, o problema de onde estaria o
episcopado é bem real e importante; tanto que o Daly e Lane tiveram
que abordar o problema: propuseram, se bem entendo, três
possibilidade: 1) Bispos de Pio XII; 2) uma linhagem episcopal secreta
provinda de Pio XII ou de outro Papa anterior; 3) Deus designará Ele
mesmo uma pessoa com uma missão extraordinária (essa eu, pensando um
pouco, começo a pender para julgá-la inaceitável, se, com isso, ele
insinua uma espécie de S. Paulo: alguém feito Apóstolo (Bispo)
diretamente por Deus, pois… onde ficaria a sucessão apostólica?)”.
Eduardo, a primeira é a mais provável, a segunda é provável (no
sentido de não ser impossível de acontecer) e a terceira, penso eu,
está descartada pelo motivo exposto por você. Eu, particularmente, me
apego a primeira, pensando que no momento certo Cristo irá dar as
luzes para que os “11 apóstolos” que sobraram após a crucifixão do
corpo Místico de Cristo compreendam a crise da Igreja e que a solução
está neles, e tão somente neles. Como? Ora, Cristo tem os seus meios.
Ele poderia desde iluminar a inteligência de cada um destes bispos até
aparecer-lhes diretamente para revelar os seus desígnios. Não sabemos.
O que eu sei com certeza é que nós não conseguimos nomear um único
bispo no mundo inteiro neste momento (com exceção aos tradicionais)
que exteriorize plenamente a fé católica. E você:
“(…) Em alguma parte, até o próprio Daly reconhece que existem casos
em que uma desobediência habitual ao Papa seria justificada. E o nosso
problema, hoje, é bem este (…) a comparação com um governo civil era
apenas esta: não é porque desobeço a alguém, repito, que eu julgue que
este alguém não é autoridade sobre mim. Apenas abusa de seu poder”.
Resistência ao papa enquanto pessoa privada: concedo! Resistência ao
papa enquanto exerce o seu magistério, nego!
Ora, no que se refere a questões relacionadas a fé, a moral e a
disciplina da Igreja é impossível desobedecer a um papa. A frase
colocada por você foi feita de um jeito a não deixar claro em que
sentido se pode dar esta desobediência. Claro que é possível
desobedecer a alguém a quem temos como autoridade legitima, mas este
não é o caso dos papas conciliares. Vejamos o que escreveu Bouix (o
único que defendeu que um papa herege jamais cai do cargo) sobre isso:
“(…) Em primeiro lugar, portanto, dissemos que a heresia papal de que
aqui se trata não constitui um mal tão grave que necessariamente
obrigue a pensar que Cristo desejaria a deposição de tal Pontífice.
Trata-se, com efeito, DE HERESIA EXCLUSIVAMENTE PRIVADA, isto é,
professada pelo Pontífice NÃO ENQUANTO PASTOR DA IGREJA E EM SEUS
DECRETOS E ATOS PAPAIS, mas somente enquanto doutor privado e apenas
em seus ditos e escritos particulares. Ora, desde que o Papa ensine a
verdadeira fé sempre que definir E SE PRONUNCIAR COMO PONTÍFICE, os
fiéis estarão suficientemente seguros, ainda que seja sabido, ao mesmo
tempo, que o próprio Papa adere privadamente a alguma heresia. Com
facilidade todos compreenderiam que seria destituída de autoridade a
sentença propugnada pelo Papa como doutor privado, e que só se lhe
deveria obedecer quando definisse e IMPUSESSE VERDADES DE FÉ
OFICIALMENTE E COM A AUTORIDADE PONTIFÍCIA” (Cf. livro do Arnaldo).
Note, prezado Eduardo, que Bouix só defende o que defende porque para
ele (e para 100% dos papas, santos doutores e teólogos que trataram do
assunto) é impossível um papa promulgar magistério heretizante ou
herético, ainda que possam ocorrer erros acidentais em documentos não
ex-cátedra. Veja, ele diz ser possível resistir ao papa “não enquanto
pastor da igreja e em seus decretos e atos papais MAS SOMENTE ENQUANTO
DOUTOR PRIVADO E APENAS EM SEUS DITOS E ESCRITOS PARTICULARES” (este é
o caso de sua desobediência, prezado Eduardo?).
Ora, isso porque os decretos e atos papais que compõem o magistério
têm as garantias do Espírito Santo. Daí a minha surpresa ao ver você
usar esta argumentação um milhão de vezes refutada por nós. E você:
“(…) E esse é meu temor que sempre se renova: o sedevacantismo empurra
os tradicionalistas para o ecclesiadeísmo”.
Ora, veja a declaração que o Sérgio acaba de fazer aqui, e ele era um
dos alunos prediletos do professor Orlando, que me disse mais de um
vez o quanto ele era inteligente. E ele agora está na missa nova,
comungando farinha. E junto com ele está o Rodrigo Maria, que até
então mantinha blog com excelente textos que alimentavam o ódio que
devemos sentir contra as heresias. E por que isso acontece, prezado
Eduardo?
Acontece não porque uma ou outra posição levam ao “ecclesiadeísmo”,
mas porque, como já diz meu grande amigo Araí Daniele, “a resistência
cansa”! Não é fácil ficarmos nesta posição tradicional lutando contra
o mundo, porque o psicológico muitas vezes fica afetado. Você não
imagina, por exemplo no meu caso, o que é ser sedevacantista em uma
cidade mineira de 35 mil habitantes!!! O que passamos na rua não é
brincadeira, o que falam de nós não é brincadeira, o que fazem conosco
não é brincadeira.
E mesmo o sofrimento por si só que a atual situação da Igreja gera já
acarreta em uma debandada de muitos para a igreja conciliar, esta
prostituta, que se deita com todas as nações. Os mais sensíveis (e não
utilizo esta palavra com menosprezo ou ironia), via de regra não
suportam o combate. E desistem, se entregando aquilo que é mais
cômodo. E para se enganar, e para enganar aos outros, passam a querer
convencer que aquilo que fizeram é o mais santo e piedoso! Claro que
não é!
Mas deixe estar, prezado Eduardo, deixe estar! Se Deus nos permitiu
chegar aqui não foi para deixar nos perder: Ele sabe o momento certo
em que padre Ratzinger e todos os hereges que aí estão serão esmagados
sob Seus pés.
Mantenhamo-nos firmes e constantes! Estudemos a vida dos santos nos
momentos em que surgiram bispos e até papas ensinando doutrina
contrária a fé católica. Tais exemplos valem mais do que o estudo de
mil catecismos.
Não abandonemos nossa posição de combate nesta guerra espiritual!
Abraços,
Sandro de Pontes
57. Sandro de Pontes Disse:

9 julho 2011 às 14:50


José Carlos, salve Maria.
Parabéns pelo seu comentário. Deste link que você indicou eu
destacaria o seguinte dito pelo Cardeal Pie:
“(…) A Igreja, embora é claro que ainda uma sociedade visível, será
cada vez mais reduzida a proporções individuais e domésticas. Ela que,
em seus tenros dias, clamou: ‘o lugar é estreito, dai-me espaço para
habitar’, verá cada polegada de seu território sob ataque. E
finalmente a Igreja na terra padecerá verdadeira derrota: ‘foi-lhe
permitido fazer guerra aos santos e vencê-los.’ (Apocalipse 13,7) A
insolência do mal estará no ápice”.
É tão claro que esta passagem se aplica hoje que acho impossível
alguém negar tal fato, embora constate que mesmo os melhores católicos
negam e recuam horrorizados diante das conseqüências que surgem dos
princípios sedevacantistas.
E o pior é que não foi apenas o Cardeal Pie quem previu o momento
atual: existe um grande número de citações neste sentido. Até mesmo o
anti-catecismo de João Paulo II pega carona nesta tradição e a coloca
em suas páginas.
Abraços,
Sandro
58. Eduardo Disse:
9 julho 2011 às 21:29
Sandro caríssimo, salve Maria!
Apesar de discordarmos — e, creio, desta discordância estar aumentando
–, é sempre um prazer conversar contigo; faço questão de deixar isso
muito claro.
Começo pelo fim, se me permite.
O Rodrigo Maria, hoje Ir. Afonso Maria, abandonou o sedevacantismo,
mas não a sua doutrina. Ele apenas “corrigiu” sua aplicação. Ou mais
ou menos isso. Veja, se bem compreendo as coisas que leio em seu blog,
ele apenas constatou que não há heresia nos documentos do Vaticano II
e, portanto, a simples adesão a eles não caracteriza o herege etc. Mas
rejeita o tradicionalismo, não é?; e pelos mesmo motivos comuns
existentes entre sedevacantismo e ecclesiadeísmo.
O Sérgio Meneses SEMPRE foi acordista. Tanto quanto o Prof. Fedeli. O
montfortianismo é acordista (e eu, quando lá estava, também o era;
aliás, existe um tal Fratres in Unum — não com esse nome, certamente;
pois não chegamos a esses pormenores, graças a Deus! — que começou a
ser idealizado como meio de publicar textos atacando a FSSPX por sua
postura anti-acordista, caso o Professor não quisesse publicar textos
escritos conjuntamente por mim e pelo meu amigo lá). E aqui eu creio
que cabe, talvez por analogia, aquilo: “Quem não vive como crê,
acabará crendo como vive”. Todos os acordistas estam fadados a tragar
a Igreja Conciliar (seja por quais vias forem — inequivocamente ou das
maneiras mais tortuosas). Eu penso, no entanto, que no caso específico
dele haveria que considerar, digamos, traumas psicológicos provindos
dos tempos de Montfort (que, se levarmos em conta que na Ecclesia Dei
cabe um IBP, é ecclesiadeísta [mas num sentido distinto do que
costumamos usar o termo, evidentemente; daqueles que vão pelas vias
tortuosas...]).
Agora, vamos aos resto.
Quero começar esta parte dizendo que não caricaturo ninguém, Sandro; e
dizê-lo é cometer injustiça. Apenas tenho ressaltado que a hipótese do
Bispo misterioso não é irrelevante para o pensamento dalyano — e que
eu repudio (ou me inclino fortemente a isso). E o provo com a ressalva
constante que tenho feito (e que você já ironizou, ridicularizou ou
algo parecido): enquanto houver Bispos sagrados no tempo de Pio XII,
respeitemos a tese do Bispo invisível (concedo que eu possa ter me
expressado insuficientemente). O que quer dizer, aproveito para
explicâ-lo: a história da Igreja comprova a possibilidade de haver
Bispos invisíveis (o que não nego), mas não a de que os únicos Bispos
católicos sejam universalmente (de uma universalidade ao menos moral)
invisíveis — aliás, por estes dias, escrevi, em particular, para um
amigo, exatamente isso. Portanto, Sandro, aqui não há contradição em
mim.
Depois, seguindo no assunto do episcopado, você me diz que eu, uma vez
que não tenho certeza da minha posição, não posso falar nada. Veja,
vou mostrar onde você “se entrega”:
“Obrigado por este reconhecimento. Isso foi importante: ambos
reconhecemos a existências de padres com jurisdição no mundo e não
conseguimos nomear nenhum com absoluta certeza, somente de forma
genérica: nós apontamos para uma lista de no máximo cem e você para
uma lista bem maior.” (negrito meu)
Diga-me, meu caro Sandro: você tem certeza absoluta da correção de sua
posição? Em muitas coisas, amigo, as certezas morais deveriam bastar;
e, às vezes, apenas opiniões etc.
Bom, D. Lefebvre não tinha da dele e dizia que, futuramente, um Papa
inequivocamente católico iria julgar toda a questão.
Assim que, antes de mais nada, por questão de justição até, faço notar
que você põe em minha boca palavras que NÃO são minhas. Onde você leu,
nestes meus comentários, eu dizer que não é possível nomear
jurisdicionados? — Darei um exemplo: D. Moacir Silva, que irá ordenar,
desgraçadamente, 48 Diáconos Permanentes do dia 13 de agosto. — Se eu
(quase) defendo a possbilidade de mesmo os hereges não perderem seus
cargos! A minha ressalva, lembrando e seguindo D. Lefebvre, foi
justamente para deixar claro que movo-me no sentido de aderir à tese
clássica do tradicionalismo, que não se pretende como solução de
certeza absoluta nem tampouco sei se caberia propriamente dizer que
ela é de certeza moral; talvez seja apenas uma posição prudencial em
vista das enormes incertezas. Compreende as diferenças todas, Sandro
amigo?
Explico-lhe melhor: eu PRESUMO a favor das autoridades conciliares
(como lembro de sempre lhe ter dito, aliás); digo, pois, que elas
PODEM ser verdadeiramente autoridades e não que elas SÃO. Há diferença
grande e nem um pouquinho ociosa, parece-me. Porque, observe bem,
vocês dizem que é IMPOSSÍVEL que estas pessoas conservem sua
autoridade e que, portanto, elas não são legítimas; já os
tradicionalistas dizem que é POSSÍVEL que sejam e como a situação é de
uma complexidade atroz, PRESUMEM sua legitimidade mas não chegam a
afirmá-la indubitavelmente, taxativamente.
Há, pois, bastante que dizer: que a jurisdição não é absolutamente
incompatível com a heresia. Tanto não é pouca coisa que estamos
repisando este assunto até agora. Há, ainda, que dizer que uma Igreja
visível-invisível-misteriosa é incompatível com a Fé. E mais: há que
dizer que o pensamento dalyano não se apóia totalmente nesta tese, mas
encontra nela uma saída importantíssima para um problema que
provavelmente está logo ali (e não sei se se tratam de décadas). Já os
Bispos de João XXIII (que o Felipe, por exemplo, descartou), talvez
seja uma (difícil) saída, mas… Agora, que história é essa, amigo, de
as sagrações até 1968 serem válidas? Válidas são também as dos
tradicionalistas e sedevacantistas, não? A questão não é validade, mas
jurisdição; apelar para elas, penso, é dar passagem às sagrações que
vocês mesmo tentam rejeitar como (tendencialmente) cismáticas!
Ah, sim, Sandro!; quero insistir num ponto: como posso estar
caricaturando o pensamento do Daly se tento expô-lo fielmente? Observe
todos os meus comentários (incluindo os que você cita neste seu
último)! Ressalvo sempre a possibilidade dos Bispos de Pio XII etc.
Apenas, e parece-me bem claro, a hipótese do episcopado invisível não
é irrelevante: tanto é o caminho mais natural que você e o Felipe têm
se esforçado por defendê-la. E também não o caricaturo quando cito-o
justamente num trecho onde ele, digamos, insinua não haver clérigo
algum dentro da doutrina católica.
Passemos à desobediência.
Digo apenas isto: o livro do Arnaldo Xavier demonstra (ou tenta fazê-
lo) que há uma imprecisão na terminologia de não poucos teólogos,
certo? Quando se afirma que o Papa fala como doutor privado, em muitos
casos se está a dizer que ele não se pronuncia ex-cathedra,
infalivemente. E o Daly, quando afirma que é possível uma
desobediência habitual ao Papa, não faz todas essas distinções que
você faz; ele apenas exemplifica: dá o caso de um Papa cativo.
O resto, Sandro, é todo um debate longuíssimo, cansativo e não bastará
uns comentários para solucioná-lo.
Ademais, confesso-me incapaz (em diversos sentidos).
Encerro, pois, como comecei: pensar numa Igreja visível-invisível-
misteriosa é inaceitável à Fé. Enquanto houver os Bispos de Pio XII,
respeitemo-la (não a Igreja visível-invisível, óbvio; mas a
possibilidade de haver uma porção dela que não conhecemos — o que de
si mesmo já seria um milagre!). Porém, e depois?; não seria caso de
repensar o sedevacantismo?
Minha participação é toda com esse foco e não pretende grandes vôos
teológicos, amigo.
Quanto ao meu silêncio, nem sempre é fácil guardá-lo: ainda estou
vivo, sabe? Contudo, não é papel para mim, Sandro.
E receba meus escritos (mesmos os veementes) com generosidade, por
favor; pois sem dúvida alguma não quero ofender ninguém nem tampouco
os considero acatólicos.
Que a Virgem Imaculada e São José nos guardem!
Forte abraço,

In Cordibus Iesu et Mariae,

Eduardo.
59. Aruan Freitas Disse:

12 julho 2011 às 9:49


Tenho tido falta de tempo para acompanhar todo o debate, mas pelo
visto as coisas andam quentes por aqui. Acho que vou demorar alguns
dias até conseguir colocar em dia minhas leituras, mas mesmo antes
disso, peço aos debatedores que continuem vossas batalhas verbais aqui
– pois, se todos amamos a verdade, não devemos temê-la mas antes
buscá-la.

Textos essenciais em tradução inédita – CXXII

AMDGVM

EPIQUEIA

Conferencista:

John S. DALY

Se já ouviram falar da epiqueia, sem tê-la estudado seriamente, vocês


têm provavelmente a impressão um pouco vaga de que é um princípio que
autoriza, em certos casos excepcionais, a contornar a letra da lei:
por exemplo, atravessar o sinal vermelho para levar um doente ao
pronto-socorro. Isso não é inexato, mas é certamente bem incompleto.
Existem numerosos tipos diferentes de lei. Uma lei é uma ordenação da
razão em vista do bem comum promulgada por quem tem o encargo de uma
comunidade ou de uma sociedade. Sto. Tomás distingue três grandes
categorias de leis: 1. a lei natural e eterna, estabelecida por Deus
na natureza mesma das coisas que Ele criou, tal como a lei que proíbe
em toda e qualquer circunstância a mentira; 2. a lei divina positiva,
estabelecida pela livre vontade de Deus e podendo ter sido diferente,
tais como as leis que governavam o ritual do Templo sob o Antigo
Testamento, a escolha do sábado e depois do domingo como dia de culto
e de repouso, a lei que exige sob o Novo Testamento a confissão
integral de todos os pecados como condição de perdão; 3. a lei humana,
estabelecida, com pouquíssimas exceções, pela Igreja ou pelo Estado.
Já aí a questão se põe: é permitido, por uma causa excepcional,
contornar a lei natural, a lei divina positiva, ou somente a lei
humana?
E depois, quando consideramos a lei humana, outras subdivisões se
apresentam. Uma lei pode ordenar um ato, tal como a assistência à
Missa, ou pode proibir um ato, tal como comer carne sexta-feira. Uma
lei pode precisar as condições para que um ato seja válido, por
exemplo as condições para tornar-se presidente ou para casar-se. Uma
lei pode declarar a punição devida à infração de uma outra lei, e uma
lei eclesiástica pode até mesmo impor diretamente certas punições
espirituais sem processo, o que não é o caso da lei civil. Uma lei
pode declarar uma pessoa capaz ou incapaz de determinado ato: por
exemplo, a idade para se casar, a qualificação para participar de um
conclave, a jurisdição para confessar. E, é claro, quando a legislação
não é nem de Deus nem protegida por Deus, uma “lei” pode ser nula em
razão de incompetência da autoridade promulgante ou por ser injusta em
si mesma.
Mais uma vez, temos de perguntar se em todos esses casos é permitido
contemplar o direito de afastar-se da letra da lei.
Depois, admitido que seja permitido afastar-se da letra da lei, quais
são as condições que o permitem? Impossibilidade, dificuldade mais ou
menos ampla? Quem é competente para saber se as condições são
preenchidas? E até onde leva o princípio de exceção: ele escusa do
pecado diante de Deus? da punição perante os tribunais? Ele concede um
direito positivo que se possa fazer valer? (“Senhor açougueiro, eu
exijo, em virtude da epiqueia, que o senhor me venda carne para comer
esta sexta-feira, pois estou com anemia…”)
Em seguida, é preciso ter em mente que há diversos títulos que podem
ser invocados, com ou sem razão, para não respeitar a letra de uma
lei. Conflito com uma lei superior ou igual, dispensa expressa ou
presumida da autoridade, cessação da lei por diferentes causas,
suplência de jurisdição para exercer uma autoridade que não se possui
habitualmente, impossibilidade física ou moral, diversos
inconvenientes, dúvidas, erros. A epiqueia cobre quantos desses casos?
Aí estão, grosso modo, as questões às quais espero responder agora. E,
com efeito, não vou me limitar estritamente ao tema da epiqueia
propriamente dita, pois meu objetivo é um pouco mais geral: é o de
estabelecer em quais casos, por quais causas, tem-se o direito de não
fazer o que diz a letra de uma lei aparentemente obrigatória.
Mas é a epiqueia que vai predominar, e devo começar por uma definição,
o que não é tão fácil, pois é uma palavra que tem várias acepções
conexas mas distintas. Ela vem do grego e ficaria em latim
“superjustitia”: aquilo que está acima da justiça. É, com efeito,
segundo Sto. Tomás (seguindo Aristóteles), antes de tudo uma virtude
que faz parte da virtude cardeal da justiça. Mais particularmente, é
uma parte subjetiva da justiça legal, que respeita a intenção do
legislador antes que a letra da lei e que é, assim, de certo modo a
parte mais nobre da justiça legal. Ou ainda, com relação ao respeito à
lei escrita, é a virtude que modera o respeito que lhe é devido em
consciência. Ela se chama “suprajustiça” não porque ela ultrapasse
toda a justiça mas porque ela ultrapassa a justiça que consiste em
simplesmente obedecer à lei escrita.
Sto. Tomás acrescenta que a epiqueia é “como uma regra superior dos
atos humanos” – superior à lei escrita. E, desse ponto de vista, a
epiqueia aproxima-se de outra virtude cardeal: a prudência, que é a
guia das virtudes. Pois por sua natureza a epiqueia faz parte da
justiça e reside, portanto, na vontade. A epiqueia é, pois, uma
virtude. Mas a mesma palavra se emprega, por extensão, para o
princípio que permite ou exige, em certos casos, não fazer o que diz
uma lei escrita. Dizemos fazer uso da epiqueia ou invocar a epiqueia
para desobedecer, por uma causa suficiente, à letra de uma lei. Sto.
Tomás fala inclusive do “epieikes”: o homem que faz um ato de
epiqueia. E enquanto princípio segundo o qual se julga da conveniência
de afastar-se da letra de uma lei para ser mais fiel à verdadeira
justiça legal, ela habita na inteligência e depende estreitamente da
gnome, uma das partes da prudência.
Ora, a epiqueia é uma virtude, e com certeza, é preciso ser virtuoso!
Poder-se-ia então pensar que não há nada de mais louvável do que se
esquivar da obrigação de obedecer à lei escrita e que se deveria fazer
isso o mais frequentemente possível. Contudo, isso não seria virtuoso
de jeito nenhum e seria pouco conforme à doutrina de Sto. Tomás. Sto.
Tomás ensina muito claramente que somos obrigados em consciência, ou
seja sob pena de pecado, a obedecer à lei, mesmo a lei humana,
eclesiástica ou civil. As circunstâncias que permitem contornar a
esta, na sua formulação concreta, nunca serão mais do que
excepcionais.
E é a Sto. Tomás que pedirei que nos explique a razão por que é em
certos casos permitido e bom fazer aquilo que parece ser, com relação
à lei escrita, um ato de desobediência. E é igualmente Sto. Tomás quem
nos dirá as circunstâncias que permitem fazer uso da epiqueia.
Ele trata disso em dois lugares principalmente, na Suma Teológica:
primeiro na I-II à questão 96 artigo 6, onde ele se pergunta Utrum ei
qui subditur legi liceat praeter verba legis agere?, e em seguida na
II-II à questão 120, que compreende duas questões sobre a epiqueia: se
ela é uma virtude e se ela faz parte da justiça.
Na primeira passagem, ele diz que toda lei é necessariamente ordenada
ao bem comum e não tem seu poder de obrigar senão na medida em que
seja este o caso. Mas que o legislador, não podendo contemplar cada
caso em particular, passa uma lei conforme o que ocorre habitualmente.
Mas que, se surgir uma situação em que a observância da lei seria
nociva ao bem comum, não se deve observá-la – non est observanda. Pois
acontece frequentemente de aquilo que promove geralmente o bem comum,
num caso excepcional se verificar nocivo. E nesse caso cumpre obedecer
não às palavras da lei – verba legis – mas à intenção do legislador.
Pois o legislador humano não pode prever todos os casos eventuais e,
ainda que pudesse, não conviria fazê-lo, pois a lei ficaria confusa
demais.
E Sto. Tomás cita o exemplo de uma cidade sitiada onde a autoridade
faz a lei de não abrir os portões, para proteger os cidadãos contra os
inimigos exteriores. Então ele considera o caso excepcional em que um
grupo de cidadãos, importante para a guarda da cidade, encontra-se
fora e se dirige para os portões, perseguido de longe pelo inimigo.
Nesse caso, ele diz que é preciso abrir os portões, pois mantê-los
fechados seria “damnosissimum civitati” – injuriosíssimo para o bem
comum querido pelo legislador.
Ao explicar esse princípio de agir “praeter verba legis”, a principal
dificuldade à qual Sto. Tomás responde é a objeção de que não cabe ao
súdito, ao inferior, erigir-se em juiz ou intérprete da lei, mas
somente obedecer a ela. Ele faz absolutamente questão de salvaguardar
esse princípio, pois é verdadeiro, e sem ele vira anarquia. Dizer que
uma lei deve realmente visar e promover o bem comum não implica de
modo algum para Sto. Tomás que o indivíduo possa julgar a conveniência
da lei em si, ou interpretá-la, coisa reservada aos superiores.
Somente quem pode fazer uma lei pode fazer a interpretação dela,
falando propriamente. Mas, no caso da epiqueia, trata-se não de faltar
à submissão para com o legislador, mas de submeter-se antes à sua
intenção evidente que às suas palavras num caso excepcional. Assim
Sto. Tomás diz que quem usa a epiqueia não julga a lei inteira, mas um
caso particular e excepcional; e que ele não faz isso a não ser em
caso de urgência, sendo-lhe impossível recorrer ao legislador para
apresentar a este o caso especial; e que ele não o faz senão quando é
manifesto que o legislador não queria uma obediência servil às
palavras da sua lei, pois havendo dúvida são as palavras que
prevalecem, sim, ao menos no aguardo de esclarecimento por parte da
autoridade.
Seja dito de passagem que uma interpretação oficial de uma lei num
sentido mais suave que sua estrita letra, mas feita pela autoridade
competente, chama-se em geral equidade: aequitas.
Passemos ao segundo texto de Sto. Tomás, a Q 120 da II-II, consagrada
especialmente à epiqueia. Sto. Tomás dá aí as definições e explicações
que já resumi e, em seguida, ele apresenta uma ilustração diferente.
Ele diz ainda que, em certos casos, seria oposto à igualdade da
justiça e ao bem comum querido pela lei (“quod lex intendit”)
observar-lhe a letra, por exemplo: a lei estipula que se deve
restituir os depósitos, os objetos confiados, pois em geral isso é
justo, mas ocorre às vezes de uma pessoa que tem crises de alienação
mental (“furiosus”) confiar uma espada e depois pedi-la de volta
quando está em delírio, ou que alguém peça de volta um depósito para
atacar a sua pátria. Nesses casos e em casos similares, está bem
contornar as palavras da lei para seguir o que é exigido pela justiça
mesma, “justitiae ratio”, e a utilidade comum.
É interessante de observar que os dois exemplos de exercício da
epiqueia dados por Sto. Tomás bastam já para responder a certas
questões, mas não todas. Um desses exemplos refere-se a uma lei
positiva: a de restituir os depósitos, ao passo que o outro refere-se
a uma lei negativa: a que proíbe abrir os portões da cidade. Em ambos
os casos, trata-se de lei humana, mas o segundo caso – a lei de
restituir os depósitos – funda-se estritamente numa obrigação de
direito natural.
E quanto à natureza da necessidade que permite a epiqueia? Em cada
caso, vê-se que seria positivamente nocivo obedecer à letra da lei. E,
no entanto, isso não é limitativo. Com efeito, Sto. Afonso de Ligório,
que desfruta de autoridade particular em teologia moral, fala também
de uma circunstância especial que tornaria a observância da lei dura
demais (“nimis onerosa”). Vou ler-vos o texto de Sto. Afonso sobre a
epiqueia:
“A epiqueia é a exceção de um caso por causa de circunstâncias que
permitam julgar no mínimo provável que o legislador não queria que
esse caso fosse abrangido pela lei.

(…)

Para que a epiqueia seja pertinente… a lei deve cessar contrariamente,


tornando-se nociva ou demasiado árdua. É por isso que é permitido
recusar-se a devolver uma espada para o seu proprietário se ele vai
abusar dela. Mas é suficiente que a lei seja tornada dura demais…”

(Theologia Moralis, l.1, n. 201)


Estamos agora, então, em condições de afirmar que a epiqueia se aplica
quando uma circunstância excepcional torna uma lei humana nociva ou ao
menos árdua em demasia.
Poder-se-ia pensar que, em alguns desses casos, impor o respeito da
letra da lei excederia o poder do legislador, e no entanto é
praticamente certo que não é esse o pensamento de nossos teólogos.
Sto. Tomás e todos os teólogos que falam da epiqueia no mesmo sentido
afirmam que a epiqueia implica obedecer à intenção do legislador antes
que ao texto geral que ele promulgou para os casos típicos. Mas isso
parece indicar que o legislador teria tido o poder de exigir a
obediência, mas que ele não quis fazê-lo. Não se fala, em se tratando
de epiqueia, de conflito de leis ou de estrita impossibilidade física
ou moral. Fala-se de julgar com prudência que o legislador não tinha a
intenção de que a sua lei se estendesse a este ou aquele caso
excepcional. E, com efeito, a autoridade civil poderia julgar tão
necessário manter os portões da cidade fechados, a ponto de exigi-lo
mesmo que isso fizesse perder um certo número de cidadãos. Mesmo o
caso da espada do “furiosus” seria discutível.
É uma questão de vocabulário e de distinção. Não há dúvida de que
cumpre desobedecer à letra de uma lei para respeitar uma lei superior:
cuidando de um doente antes que indo à missa domingo, por exemplo.
Nenhum escrúpulo caso uma lei se torne excepcionalmente impossível:
fisicamente, por exemplo uma pessoa doente demais para ir à missa, ou
moralmente, por exemplo ter de comer carne sexta-feira por uma grave
razão médica. Esses casos são claros. Mas não está aí verdadeiramente
o que se entende por epiqueia. Entende-se o juízo prudente de que o
legislador não quis impor uma obrigação que ele teria eventualmente
podido impor. Talvez seja o momento de citar o único passo no Código
de Direito Canônico em que há menção indireta à epiqueia. Não se fala
muito dela, porque a epiqueia pertence antes à teologia moral que ao
direito canônico, mas o Cânon 2205/2, falando da imputabilidade moral
dos delitos a ser estimada pelos juízes, declara que toda
culpabilidade na infração de uma lei puramente eclesiástica é
normalmente subtraída por temor grave, pela necessidade e por um grave
inconveniente – “grave incommodum”. Segundo o uso que ficou mais ou
menos estabelecido e que parece o mais conforme às definições de Sto.
Tomás, a necessidade absoluta seria coisa diferente da epiqueia. É
sobretudo o “grave incommodum” ou uma necessidade relativa o que é
chamado de epiqueia.
Assim Sto. Afonso declara que é permitido invocar a epiqueia para
trabalhar sem estrita necessidade em dia de festa, para ganhar uma
soma muito importante de dinheiro. Não excede o poder do legislador
proibir o trabalho servil nesse caso, mas concretamente não está claro
que ele tenha querido que a lei se aplique num tal caso excepcional.
A grande dificuldade da epiqueia deve-se à necessidade de interpretar
a vontade do legislador. Perante um caso no qual iria além da
autoridade do legislador fazer obedecer à lei, tudo é simples. Pesar a
gravidade de uma obrigação é bem mais difícil. Isso é feito
considerando a finalidade da lei, a facilidade com que o legislador
dispensa dela, a prática das pessoas conscienciosas, etc. É por isso
que estão errados alguns moralistas que dizem que a epiqueia é uma
interpretação benigna da intenção do legislador. Não. A intenção do
legislador é por vezes rigorosa e severa, por boas razões, e ninguém
tem o direito de lhe atribuir uma intenção que não é a dele. A
epiqueia é o juízo prudente de que num caso específico a intenção do
legislador é mais benigna do que as palavras pelas quais ele exprimiu
sua lei geral.
Mas quem é esse legislador? Certamente pode tratar-se do chefe de
estado ou do chefe da Igreja – os legisladores humanos, mas pode-se
tratar de Deus mesmo, seja na lei natural da qual Ele é o autor
enquanto Criador? ou ao menos da lei divina positiva? Vimos que a
epiqueia existe porque uma lei é exprimida para os casos ordinários e
não leva em conta as exceções. Diz-se com frequência que o legislador
não pôde prever esta ou aquela circunstância especial. E, a esse
título, com toda a evidência cumpre distinguir o legislador divino do
legislador humano, pois Deus prevê tudo. Mas Sto. Tomás diz não
somente que o legislador não pode prever, mas que ainda que ele
pudesse, nem sempre conviria promulgar uma lei extremamente
complicada, levando em conta explicitamente todos os casos
excepcionais. E isso a priori pode muito bem se aplicar ao legislador
divino também.
Não é, pois, absurdo de se perguntar se a epiqueia pode aplicar-se à
lei divina, e numerosos teólogos puseram essa questão, nem sempre
chegando à mesma resposta.
Começaremos pela lei natural. Que é ela? Deus governa sua criação
segundo um plano eterno movendo cada criatura para seu próprio fim.
Esse plano ou lei eterna é para Sto. Tomás “ratio gubernativa totius
universi in mente divina existens” (ST I-II 91: 1, 2). As criaturas
racionais percebem, pela luz da inteligência que Deus dá a elas, se um
ato específico é conforme ou não ao fim para o qual Deus as criou.
Assim a lei natural, tal como ela se impõe à nossa consciência, é
constituída proximamente pela natureza humana e sua finalidade, e
ultimamente pela essência divina, raiz de toda a lei natural, da qual
participam as criaturas mediante o respeito à lei natural. A lei
natural nos diz: faz o bem e evita o mal, e julga um ato bom ou mau
conforme ele seja ou não seja conforme à natureza humana em suas
relações com Deus.
Notar-se-á de imediato, pois, que de fato a lei natural não é
promulgada por Deus em forma escrita ou oral, mas através da luz da
razão.
Ora, um certo número de teólogos diz que a epiqueia pode aplicar-se à
lei natural: Caetano, Navarro, Lessius, mesmo Sto. Afonso. Mas, lendo
as explicações deles, constata-se de imediato que eles distinguem.
Todos reconhecem que numerosos preceitos da lei natural – por exemplo
a interdição da mentira, da impureza, da blasfêmia – nunca admitem
exceção, por mais excepcionais que sejam as circunstâncias. Eles dizem
também que, quanto ao preceito natural que proíbe matar, roubar,
enganar, revelar os segredos, podem existir circunstâncias
excepcionais que permitam esses atos – aliás, isso é certo.
Na realidade, porém, vê-se que para falar de epiqueia nesses casos,
eles concebem a lei natural segundo sua expressão verbal nesta ou
naquela fórmula universal (“tu não matarás”) e não tal como ela é
vista pela razão. E é assim que cumpre entendê-los. Pois a vasta
maioria dos autores são formais que não pode haver epiqueia para a lei
natural em si mesma. Essa lei se estende a tudo e não falha jamais por
sua universalidade. Somente a expressão de alguns de seus preceitos
pode falhar. Mas esses preceitos não são a própria lei natural, não
são divinos, e portanto não se trata de corrigir a lei natural, mas
trata-se somente de uma formulação humana dela.
Suarez é o teólogo que mais aprofundou essa questão. Ele mostra que
não pode haver nem dispensa nem epiqueia para a lei natural, e pela
mesma razão de que essa lei não é globalmente enunciada mas se molda
às circunstâncias de cada caso conforme princípios universais que
nunca admitem exceção e que determinam que um ato é intrinsecamente
bom ou mau. Suarez discute detalhadamente à sua maneira os casos
difíceis, como o direito de esposar as suas irmãs exercido pelos
filhos de Noé, mostrando que a lei natural não admite exceção, mas que
é necessária prudência ao exprimir seus preceitos, para não cair no
absurdo de admitir exceções a uma lei fundada diretamente na própria
natureza das coisas e na lei eterna de Deus. Billuart acrescenta que a
lei natural nos é promulgada por nossa razão que jamais está ausente
e, portanto, que nunca se tem necessidade de prever uma vontade do
legislador para além dos termos de sua lei.
No meu parecer o ponto essencial é que Deus estabelece a lei natural
pelo fato mesmo de dar a cada criatura sua natureza e sua finalidade,
e que essas coisas sendo absolutamente imutáveis a lei natural não
pode falhar por generalidade excessiva. Concluo que se um autor fala
de epiqueia com relação à lei natural, ou ele entende “a lei natural”
numa acepção larga, estendendo-se a suas formulações insuficientes, ou
ele entende a palavra epiqueia de maneira bem larga, para todos os
casos excepcionais, mesmo se a exceção já está contida na lei. Sto.
Tomás não fala de epiqueia com relação à lei natural, mas ele põe a
questão utrum lex naturae mutari possit à I-II, 94, 5 e responde a ela
negativamente. Ele admite mesmo assim que a lei natural tem suas
conclusões próximas que se chamam por vezes de lei natural e que estas
podem excepcionalmente admitir mudança.
Passemos à lei divina positiva. Essa lei nos é conhecida pela
Revelação, não pela razão, pois ela não depende estritamente de nossa
natureza. Ela decorre da livre vontade de Deus posterior à Criação. E
ela mudou. O Antigo Testamento continha numerosos, numerosíssimos
preceitos positivos – de natureza moral, cerimonial e judiciária.
Essas leis em sua maioria não estão mais em vigor. Nós temos a lei do
Evangelho, que contém a obrigação universal de crer em Cristo, de se
fazer batizar, de se alimentar da Santa Eucaristia, de confessar todos
os seus pecados mortais antes de comungar, etc. Notai que a lei divina
não exige confessar-se e comungar uma vez por ano, mas exige a
confissão para poder comungar.
A lei divina positiva é uma lei promulgada em forma verbal. Nisso ela
difere da lei natural. Deus teria podido perfeitamente querer agir à
maneira dos legisladores humanos empregando fórmulas gerais e deixando
a cargo da prudência verificar se em certos casos excepcionais não
haveria que contornar a letra para respeitar sua intenção. Mas a posse
ad esse non valet illatio. Ele teria também podido perfeitamente
promulgar suas leis positivas sem possibilidade de exceção, preferindo
utilizar sua autoridade plena, para as suas leis terem aquela maior
estabilidade e dignidade que advém do fato de jamais admitirem
exceção. Qual dessas duas opções Ele escolheu?
Impossível de responder a essa pergunta sem fazer alusão a alguns
textos bíblicos. Os israelitas tinham a lei da circuncisão, mas
durante os quarenta anos no deserto eles não circuncidavam – eles não
se criam obrigados a isso – mesmo os mais piedosos. Depois os Macabeus
se acreditaram com direito de tomar armas no sábado para defender-se.
Depois há o caso do santo rei David, que comeu os pães da proposição,
citado por Nosso Senhor mesmo. Há a defesa apresentada por Nosso
Senhor de seus apóstolos que colhiam trigo no sábado para comer. E há
o fato de os teólogos em geral admitirem que é-se escusado da
integridade da confissão caso não se possa confessar-se sem difamar-se
publicamente, ou de confessar-se antes da comunhão se durante um
período prolongado se estará obrigado a ficar sem a eucaristia por
falta de confessor…
São tantos exemplos, nos quais a lei divina positiva parece ceder a
exceções e que levaram uma porção de teólogos a falar de aplicação da
epiqueia a essa lei, quantas são, porém, as provas que não colhem!
As mais graves razões tendem em sentido contrário. Para começar, há o
imenso problema de saber onde e como deter-se, uma vez que sejam
admitidas exceções à lei divina. Vai-se acabar contornando os Dez
Mandamentos a título de que se os considera por alguma razão
excepcionalmente onerosos?
Além disso, há a consideração de que, se Sto. Tomás não fala
diretamente da epiqueia com respeito à lei divina, ele tem um artigo
interessantíssimo sobre a questão: utrum praecepta decalogi sint
dispensabilia (I-II 100 8). Ora, nesse artigo Sto. Tomás diz que as
dispensas têm lugar quando ocorre algum caso particular no qual,
observando a letra da lei (“verbum legis”), se iria contra a intenção
do legislador. E é exatamente o mesmo motivo que autoriza a epiqueia,
salvo que a epiqueia é usada quando a autoridade dispensadora não está
acessível ou quando as circunstâncias são tão claras a ponto de tornar
supérflua uma dispensa. Mas o motivo é idêntico. E para Sto. Tomás não
pode haver dispensa quanto ao Decálogo, pois as exigências deste
representam a intenção mesma do divino legislador, a qual nunca pode
admitir exceção. E ele menciona expressamente o caso dos Macabeus e as
palavras de Nosso Senhor. E para ele não se trata de dispensa, nem da
epiqueia que é a interpretação da intenção do legislador contrária à
lei. Trata-se de interpretação da lei mesma, pois certas leis divinas
do Antigo Testamento são exprimidas simplesmente mas para serem
entendidas segundo seu contexto, suas relações com outras leis
divinas, etc.
A distinção pode parecer sutil entre uma interpretação da lei e uma
interpretação de que o legislador não queria que algum caso fosse
enquadrado pela lei. Mas ela é real e, do contrário, chega-se a
conclusões como a de um teólogo do Ami du Clergé: “De fato a epiqueia
in jure naturali et divino é de uso difícil, muito perigoso e
raríssimo.” (XXV, 166)
Suarez fornece refutação detalhada da ideia de epiqueia com relação à
lei divina. Ele sublinha que a interpretação da lei divina para
excluir algum caso vem, seja da evidência do sentido querido por Deus,
seja da necessidade de evitar conflito com uma lei superior. Há que
reter isso. Pode ocorrer conflito entre duas leis. Nenhum legislador
pode exigir o impossível. Obedecer à lei superior e, portanto,
esquivar-se da letra da outra lei não é epiqueia, precisamente porque
o legislador não podia exigir que fossem feitas duas coisas
simultaneamente impossíveis. Um exemplo é dado por Nosso Senhor que,
para justificar curar no sábado, observa (Jo 7, 23) que os judeus
praticavam a circuncisão no sábado, visto que a lei de circuncidar no
oitavo dia prevalecia sobre a lei que proíbe o trabalho servil.
Concretamente a impossibilidade, o conflito de preceitos, dão origem
ao direito de não respeitar a letra de uma lei, mesmo divina, mas não
há epiqueia, não há questão de o legislador divino não ter querido
impor a sua lei em tal caso por causa de uma dificuldade excepcional,
o que abre a porta inevitavelmente às ideias mais escandalosas. Pois,
aliás, a lei divina não é senão a face moral da Revelação divina,
imutável como a própria doutrina revelada.
Sto. Tomás admite duas razões pelas quais a epiqueia pode ser
necessária. 1. Porque o legislador não pode prever todos os casos. 2.
Porque, ainda que o legislador pudesse prever todos os casos, não
conviria sempre legislar em detalhe para todas as circunstâncias
excepcionais. Essa segunda razão levou alguns autores a crer que Sto.
Tomás quisesse admitir a epiqueia para a lei divina. Mas não. Ele diz
por hipótese contrária à realidade “ainda que o legislador pudesse
prever…” É evidente que, todas as vezes que Sto. Tomás fala de
epiqueia nomeadamente ou de interpretar a intenção do legislador de
que o súdito não deve obedecer a uma lei X num caso Y, ele contempla
um legislador humano.
Em II-II 97 3 ad 2, fazendo alusão a seu artigo sobre a epiqueia, Sto.
Tomás diz “sicut supra dictum est leges humanae in aliquibus casibus
deficiunt. Unde possibile est quandoque praeter legem agere…et tamen
actus non erit malus.” Vê-se, assim, que para Sto. Tomás a epiqueia
implica agir praeter legem, ao passo que, em se tratando da lei
divina, não pode haver questão senão de bem compreender e interpretar
esta lei, particularmente nos casos de conflito entre diversas
obrigações. Agir segundo a lei corretamente compreendida no texto e
contexto, levando em conta o estilo do legislador, a analogia com
outras leis, etc., não é agir praeter legem – além da lei.
Se desejarem estudar mais profundamente a relação da epiqueia com a
lei divina e os casos de exceção aparente à lei divina, vos daremos a
conhecer a distinção entre um preceito positivo que obriga sempre mas
não a todo instante, por exemplo a lei de rezar a Deus, e os preceitos
negativos que obrigam, como se diz, semper et pro semper – por exemplo
o preceito de não mentir nem odiar Deus. E se farão distinções entre a
formulação dos preceitos divinos do Antigo Testamento e do Novo, mas
por hoje vou poupá-los de tudo isso. Pois, havendo limitado a epiqueia
à lei humana, eu gostaria agora de considerar alguns outros casos em
que pode ser correto não obedecer à letra de uma lei humana.
Até onde eu sei, o súdito de uma lei em si válida pode agir
contrariamente às suas estipulações nas seguintes circunstâncias:
1. Impossibilidade física.
2. Impossibilidade moral – conflito com uma lei superior – a
obediência seria pecado. Caetano utiliza o termo epiqueia
especificamente para esse caso, mas esse emprego é inexato.
3. Epiqueia propriamente dita – quando uma lei geral seria
irrazoavelmente pesada num caso particular e excepcional.
4. Dispensa – Cânon 80 “dispensatio seu legis in casu speciali
relaxatio concedi potest a Conditore legis ab eius successore vel
Superiore, nec non ab illo cui iidem facultatem dispensandi
concesserint.”
5. Costume – Cânon 25 “consuetudo in Ecclesia vim legis a consensu
competentis superioris ecclesiastici unice obtinet.” Cânon 28
“consuetudo praeter legem”.
6. Cessação automática. Prümmer, n. 124: “Cessatio finis totalis seu
causae motivae adequatae ob quam lex lata est producit cessationem
legis. Sic e.g. quando episcopus praescripsit orationem pro
recuperanda papae sanitate, mortuo papa, oratio cessat.” Censura de
livros.
7. Permissão presumida. cf. Cânon 1176.
8. Lei não-coercitiva – Quando a lei exprime não um preceito mas um
desejo ou preferência “optandum est…”
Até aqui tratamos da questão de obedecer a uma lei ou desobedecer a
ela. Mas nem toda lei é coercitiva, ainda que seja peremptória.
Existem leis que determinam as condições de validade de determinado
ato ou que declaram inválido tal ato posto por tal pessoa ou que
privam tal pessoa de tal poder que ela, de resto, possui. Chamaremo-
las em pseudo-vernáculo, na sequela dos moralistas, de leis
irritantes. Latim: irritantes et inhabilitantes.
As leis desse gênero também podem ser excepcionalmente molestas em
certas circunstâncias especiais, eventualmente não previstas pelo
legislador. Tivesse Pio XII previsto nossas circunstâncias, ele
poderia talvez ter dito que, em caso de grande urgência para o bem da
Igreja, um homem pode ser eleito papa por sua mamãe, seu papai, sua
amiga e seus dois melhores amigos. Mas ele não disse isso. São Pio X
haveria quem sabe permitido, se ele tivesse pensado nisso, que uma
fraternidade ostentando seu nome pudesse em caso de necessidade
estabelecer uma comissão com poder de declarar autenticamente a
nulidade de matrimônios. Mas ele não fez isso.
Ora, a epiqueia nada pode nesses casos, e isso por várias razões.
Cito-as conforme o Pe. Riley (p. 387 et seq), que cita por extenso as
autoridades:
1. Quando a lei estabelece uma forma substancial para um ato, esse ato
não pode em caso algum existir sem sua forma substancial. Preterir
essa forma acarreta necessariamente a invalidade do ato. Assim como
não pode haver sacramento sem a forma designada por Nosso Senhor, por
mais grave que seja o apuro, a necessidade, cumpre dizer o mesmo de
todo ato ao qual falta a forma substancial designada pela lei.
2. Toda lei irritante ou torna a pessoa inteiramente incapaz de
realizar o ato em questão ou então torna-a incapaz de fazer um
contrato salvo segundo a forma designada pela lei. Ora, no máximo a
epiqueia pode escusar o indivíduo do preceito, mas ela nunca pode lhe
conceder o poder de agir. Ela não pode conferir a ele o poder que ele
não possui ou que a lei subtraiu dele. Uma tal concessão ou
restabelecimento de poder necessita um ato positivo. É por isso, diz
Suarez, que os teólogos afirmam comumente que uma pessoa que não tenha
a capacidade jurídica de entrar em matrimônio (por exemplo por falta
de idade) não pode em caso algum, nem mesmo para evitar algum perigo,
casar-se validamente. O próprio Sto. Afonso recusa, junto com quase
todos os autores, a ideia de que um matrimônio clandestino possa ser
válido a título de necessidade.
3. É preciso também reter que a epiqueia age no foro interno: ou seja,
que não diz respeito senão à consciência do particular. A epiqueia
escusa-o do pecado em fazer o que a lei proíbe se ele julgou
prudentemente que o legislador excluía o seu caso excepcionalíssimo.
Mas a epiqueia não adverte os seus próximos. Não se tem uma dispensa a
apresentar à polícia. Concretamente, um padre tradicionalista pode
raciocinar que, por epiqueia, ele não peca ao conservar o Santíssimo
Sacramento fora da Igreja paroquial e sem indulto, pois não se trata
aí de validade, mas no máximo de um pecado de desobediência ou de
irreverência. Em contrapartida, dispensar de um voto, admitir numa
confraria, conceder uma bênção reservada sob pena de invalidade, por
exemplo a da medalha de São Bento – a epiqueia não ajuda. Pois mesmo
se ao pretender fazer essas coisas ele estivesse escusado do pecado,
permanece todo o problema de que falta uma parte essencial para a
validade do ato.
Todo o mundo sabe que, em caso de urgência, quando de incêndio, pode-
se entrar na casa do vizinho para apagar o fogo ou para salvar as
crianças, mas que não se pode vender a casa do vizinho, por maior que
seja a necessidade – pois não se é proprietário. Em caso de guerra
civil, pode-se conservar armas de defesa em casa para proteger a
família contra um ataque, mesmo que a lei civil não o permita. Mas não
se pode proferir sentença de morte para os delinquentes e executá-los
na ausência de um ato de defesa legítimo. Nem mesmo um juiz aposentado
pode abrir um tribunal para a condenação de terroristas se o governo
legítimo falta às suas obrigações – seus julgamentos serão nulos.
Sob esse aspecto, é necessário talvez falar de dois outros princípios,
diferentes da epiqueia, mas capazes de desempenhar uma função em
alguns (não todos) desses casos. Trata-se da jurisdição de suplência,
por um lado, e depois, da cessação de determinadas leis em caso de
conflitos excepcionais com um direito.
Começo pelo segundo caso, que é mais simples e breve. Já vimos que uma
lei pode cessar de existir por decorrência de uma mudança total nas
circunstâncias que foram ocasião de promulgá-la. Uma lei pode também
cessar para uma pessoa ou para um certo número de pessoas por
decorrência de uma mudança radical de circunstâncias que faça com que
essa lei esteja em conflito com um direito superior. Um exemplo
aconteceu com referência à lei da Igreja que declara inválido o
matrimônio entre um católico e uma pessoa não batizada (Cânon 1070/1).
Ora, toda pessoa tem o direito natural de se casar. A Igreja não pode
privar alguém de seu direito natural, mas ela pode com certeza limitar
esse direito para assegurar o bem comum e é o que fez o cânon 1070.
Todavia, chegou-se a uma situação na China sob o regime comunista em
que católicos chineses encontravam-se em certas regiões tão pouco
numerosos que o matrimônio com outra pessoa católica não lhes era de
modo algum possível. Normalmente se teria pedido uma dispensa pelo
bispo… mas a partir dos anos cinquenta ele estava na prisão. O contato
epistolar diretamente com Roma teria podido bastar mas esse caminho
estava igualmente bloqueado. Diante dessas circunstâncias,
1. Consultou-se a Santa Sé e o Santo Ofício respondeu (a 27 de janeiro
de 1949) que, dadas aquelas circunstâncias, um matrimônio sem a forma
canônica e com impedimento não dispensado era, sem embargo, válido
para todo impedimento de direito eclesiástico do qual a Igreja tenha o
hábito de dispensar. Essa resposta foi aprovada pelo Papa. Ela é,
portanto, autêntica, embora particular (nunca foi publicada nas Acta
Apostolicae Sedis). Ela abrange outros detalhes, concernentes às
precauções [cautiones] a serem tomadas quando de um matrimônio misto,
que não nos interessam aqui.
2. Quando da transmissão dessa resposta ao delegado apostólico, o
Cardeal Secretário fez acrescentar a ela uma nota explicativa. Essa
nota emana igualmente do Santo Ofício, mas ela tem menor autoridade,
não sendo resposta direta e não sendo aprovada pelo Santo Padre. A
explicação diz: “Os fiéis [nas circunstâncias expostas] ficam
liberados não somente dos impedimentos de idade e de disparidade de
culto mas de todos os impedimentos de direito eclesiástico bem como de
toda forma canônica (ordinária e extraordinária). Mas o impedimento da
ordem sagrada do presbiterado e o impedimento da afinidade em linha
direta, estando consumado o matrimônio, não são suspensos mas
permanecem em pleno vigor mesmo nas circunstâncias expostas.”
3. A resposta de 27 de janeiro tendo sido impressa em diversas
revistas, levantou-se a questão de saber se as respostas constituíam
uma disposição positiva de direito para a China, ou uma interpretação
jurídica de valor geral em qualquer outro lugar e tempo em que as
mesmas circunstâncias se apliquem. Perguntou-se a Roma e eis que, em
22 de dezembro de 1949, o Santo Ofício esclareceu, dentre outros
elementos, que o decreto de 27 de janeiro era um documento misto; que
ele era uma interpretação declarativa, válida alhures, na medida em
que dizia respeito a estipulações positivas do direito que fossem
impossíveis de observar em determinadas circunstâncias extraordinárias
de algum território. Esse documento foi igualmente aprovado pelo Papa.
Ele se aplica somente à resposta de 27 de janeiro e não à explicação
que o acompanhava.
Ochoa: Leges Ecclesiasticae post Codicem Juris Canonici Editae,
Vol. 2, coll. 2020, 2093)
Encontramo-nos, portanto, perante uma clara declaração romana de que a
lei que tornava inválido um matrimônio com pessoa não-batizada, por
exemplo, ou com outros impedimentos, sofria não epiqueia mas cessação
automática nos lugares onde estivesse em conflito com o direito ao
matrimônio.
É, pois, um caso em que, embora não haja epiqueia, pode acontecer de
um ato inválido segundo a letra de uma lei ser, com efeito, válido por
causa de uma circunstância excepcional. Mas isso se deve ao fato de
que a lei positiva torna inválido um ato em si válido e de que um
direito natural prevalece sobre esta lei restabelecendo o estado
natural das coisas, pois mesmo a Igreja com sua plenitude de
autoridade sobre os batizados não tem o direito de privar alguém de
seu direito natural. Notar-se-á de imediato que esse gênero de caso
será necessariamente raríssimo e que o princípio não pode ter
pertinência nenhuma quando se trata de um ato que exige essencialmente
a autoridade para ser válido – por exemplo, o de passar uma lei.
Aqui chegamos ao problema da jurisdição. É o poder de governar mas que
se entende de maneira bem larga – o exemplo mais evidente sendo o de
que é um poder de jurisdição que deve somar-se ao poder de ordem para
um padre poder ouvir confissão. Tem-se necessidade de jurisdição, ou
então de uma autorização estreitamente análoga a ela, para passar
leis, para confessar, para dispensar de uma lei ou de um voto, para
representar a Igreja em um matrimônio, para pronunciar sentença
judiciária declarando por exemplo que tal indivíduo incorreu em tal
pena canônica ou que tal matrimônio aparente é nulo e inexistente. E
em cada caso, se fazemos um desses atos, ou mais exatamente a matéria
do ato, sem ter jurisdição, ou seja o direito, a autoridade, de fazê-
lo, o ato é nulo. A lei, a absolvição, o matrimônio, a sentença, não
passam de aparências sem realidade. E, como vimos, a epiqueia nada
pode contra isso. Não se trata de justificar em consciência algum ato
normalmente ilegal; trata-se de exercer uma autoridade ausente até
prova de sua presença e que deve ser publicamente constatável.
Claro que existe uma jurisdição civil (poder dos guardas de registrar
boletins de ocorrência), mas não vou tomar como exemplo senão a
jurisdição eclesiástica, que tem muito interesse sobretudo no estado
atual da Igreja. A jurisdição eclesiástica vem, ou de um ofício (por
exemplo, um pároco tem o direito de confessar e de casar em sua
paróquia), ou por delegação dada pela autoridade superior para um caso
X (por exemplo, a autoridade de um legado do Papa para representá-lo
para negociar uma concordata). Em cada caso possui-se a prova,
normalmente escrita, de que se detém a jurisdição de que se trata.
Pois quem pretende legislar deve poder dar prova a seus súditos de seu
direito de ligá-los.
Existe ainda uma terceira fonte de jurisdição. É a jurisdição de
suplência. Nesse caso o beneficiário não tem um ofício que lhe dê a
autoridade e ninguém lha delegou diretamente. Muito simplesmente a
Igreja declarou conceder tal jurisdição a toda pessoa que se
encontrasse em tal circunstância. O cânon 882 dá a todo padre a
jurisdição para confessar um moribundo de todos os pecados e de todas
as censuras. O cânon 207 concede jurisdição de suplência em favor de
um confessor que não tenha notado que sua concessão temporária
prescrevera.
Mas, sobretudo, há o cânon 209. Ele diz o seguinte: “em erro comum ou
em dúvida positiva e provável, de direito ou de fato, a Igreja provê a
jurisdição tanto para o foro externo quanto para o interno.”
Só esse cânon foi objeto de uma bela dissertação doutoral pelo Pe.
Miaskiewicz em 1940 e já esse autor grave e prudente se queixa de que
o cânon está em vias de tornar-se, nas mãos de uma certa escola de
intérpretes liberais, eu cito, “uma lei onipresente galopando através
do Código inteiro para anular as estipulações de toda legislação
irritante e inabilitante.”
As leis que fazem exceção a uma lei geral são de interpretação
estrita. O cânon 209 dá a jurisdição em erro comum – por exemplo, se
toda uma comunidade crê que o Pe. Lisieux é validamente nomeado novo
cura da paróquia, sendo que ele só está de passagem. O cânon dá a
jurisdição em dúvida de fato caso se tenha sólidas razões para crer
que tal jurisdição se estende a tal ato mas não se tenha certeza, caso
não se tenha certeza se tal penitente incorreu em tal censura ou não;
e por fim em dúvida de direito: será que a jurisdição dada para as
viagens de avião vale igualmente em foguete para a Lua… Sim, o Cânon
209 e os outros cânones de suplência desempenham função importante e
têm um papel particular em nossos dias. Mas a função que eles
desempenham é aquela que está expressa no Código, não uma vaga
suplência universal todas as vezes que isso resolveria as coisas. Pelo
contrário, pelo fato mesmo de o legislador mencionar alguns casos
limitados em que ele supre a uma necessidade de jurisdição que do
contrário estaria faltando, o legislador anuncia seu desejo de que
fora dessas exceções não sejam inventadas outras. Se eu dou procuração
ao meu vizinho para ele assinar em meu lugar um ato de venda do meu
carro, ele não pode valer-se dela para vender a casa também e para
fazer um testamento em seu favor…
Por mais que possa parecer desejável que a jurisdição de suplência
seja mais abundante em nosso tempo no qual resta pouca autoridade in
actu na Igreja, não há vantagem alguma em tomar seus desejos por
realidades. Em particular, cumpre, pois, rejeitar totalmente a ideia
que quereria que a suplência de jurisdição tenha lugar quase que sob
pedido. A jurisdição de suplência existe porque a Santa Sé concedeu-a
mediante um ato que permanece em vigor e do qual podem beneficiar-se
todos aqueles que se encontrem nos casos precisados. Mas não outras
pessoas.
E é preciso rejeitar a ideia, um pouco mais sutil, de que por “erro
comum” pode-se entender toda a vez que um ou dois leigos, ignorando a
necessidade de jurisdição para determinado ato, supõem que o padre
deles age normalmente anulando os votos deles – mesmo votos de
castidade. A ignorância em matéria jurídica sempre foi bastante comum,
sobretudo entre leigos, mas ignorância não é erro. Um juízo falso é
coisa diferente da simples ausência de um saber, seja esse saber
devido ou não.
É preciso admitir que Cappello admite uma concessão de jurisdição de
suplência tácita pela Santa Sé em certos casos: confissões nos
cismáticos orientais, bênção do oleum infirmorum por um simples padre
em caso de urgência geral. Cumpre admitir que o princípio da confissão
in articulo mortis mesmo a um padre sem jurisdição parece remontar,
nos teólogos, antes que toda lei positiva que conceda essa jurisdição
de suplência. Mas trata-se de um terreno difícil, insuficientemente
explorado. O sentido normal da expressão jurisdição de suplência é uma
concessão de jurisdição por parte da Igreja em virtude de uma lei
geral e escrita. Poder-se-ia igualmente aplicar a expressão a uma
concessão direta de autoridade por parte de Deus, sobretudo o poder de
pregar, ou seja de falar em seu Nome como os profetas do Antigo
Testamento e os Apóstolos e bispos do Novo. O Papa Bento XIV
(privadamente) diz que Deus não concede missão sob o NT senão pela
Igreja ou, caso contrário, que é preciso que toda outra missão seja
confirmada por milagres manifestos: creio que foi o caso da pregação
de Santa Rosa de Lima.
Posso resumir? A epiqueia permite desobedecer à letra de uma lei
humana se, num caso especial, a lei seria irrazoavelmente árdua, sem
proporção com sua gravidade, e em que se está suficientemente seguro
de que o legislador não tinha a intenção de abranger casos tais. Ela é
aplicada com grande prudência, se não se pode consultar o próprio
legislador. Ela opera caso a caso e age somente no foro interno, o que
significa que ela escusa do pecado, mas não dá um direito que alguém
possa fazer valer publicamente. A ela se somam os princípios de
interpretação da lei mesma no texto e contexto, para estabelecer o seu
real sentido, o que só pode dar uma aparência de faltar à letra da lei
divina positiva ou natural. Uma lei humana pode também cessar de
obrigar de maneira mais geral se a sua causa final não pode mais ser
esperada. Toda lei positiva pode ceder a uma lei superior ou mais
urgente em caso de conflito. Certos autores, sem muita exatidão,
alargam a palavra “epiqueia” para aplicar-se igualmente a esses casos
– uma questão de vocabulário. Nem a epiqueia nem qualquer outro
princípio que seja dão uma autoridade que falte ou tornam válido um
ato naturalmente inválido segundo a letra da lei. A única exceção vem
da suplência de jurisdição, que não se aplica a não ser em alguns
casos bem delimitados e exprimidos na lei.
Depois de falar tanto das exceções, talvez seja oportuno nos
lembrarmos de que, para além das exceções, existe sempre a regra. Ou
seja, normalmente o súdito deve obedecer à lei sob pena de pecado –
quero dizer à lei coercitiva, que dá uma ordem.
Em nossos dias, que são inegavelmente dias em que as exceções são
abundantes, rapidamente aconteceu de ser esquecida a regra. Na guerra
como na guerra. Os padres se habituam, a justo título, a fiar-se na
epiqueia para dizer a Missa em edifícios privados, para fazer as
cerimônias da Semana Santa fora da igreja paroquial, para dizer duas
ou três Missas no domingo, e um certo número dentre eles acaba se
habituando em encontrar a epiqueia sempre ao alcance para que possam
se esquivar de tudo quanto é lei, por mais débil ou mesmo inexistente
que seja o pretexto. Nomeia-se Dom Lefebvre no Cânon da Missa. Diz-se
a Missa não importa a que horas. Prescinde-se de acólito para dizer a
Missa num aposento. Lêem-se ou circulam-se livros postos no Índex – ou
então revelações privadas interditas. Observa-se o ponto de evolução
litúrgica que se julga preferível em si. Reassegura-se uma piedosa
dama que provou a sopa por erro pouco antes da Missa de que é claro
que ela pode comungar. Permite-se a todos os acólitos tocar nos vasos
sagrados. Não se cobre a cabeça para usar o barrete. Omite-se
facilmente o Breviário para poder fazer apostolado não-obrigatório.
Não se renovam com frequência as santas espécies no tabernáculo –
tabernáculo que já tem grande necessidade de epiqueia, ele próprio.
Depois, perdem-se em questões onde o direito divino toca a lei
eclesiástica – autorizam-se matrimônios mistos sem obter as garantias.
Admite-se um não-católico ou não-batizado como padrinho para não o
ofender. Vai-se um pouco mais longe. Dispensa-se de um voto, quiçá de
um voto de castidade – onde a validade está em jogo. Não se inquietam
com impedimentos ao matrimônio. Autoriza-se a recasar-se uma pessoa já
casada mas cujo primeiro matrimônio teria sido em tempos normais –
está-se persuadido disso – anulável. Daqui a pouco pode-se aplicar a
não raros padres da tradição aquilo que diz São Paulo acerca dos
pagãos: “não tendo mais a lei, eles se fazem de lei para si mesmos”.
Há os que quereriam até mesmo mesclar a ideia de epiqueia a três
questões bem graves que atualmente dividem os católicos que querem
guardar a fé nesta crise: o estatuto dos “papas” do Vaticano II, a
validade dos novos ritos sacramentais, e os padres e bispos que
dispensam os sacramentos sem terem nem sombra de missão, nem sombra de
um título vindo de Cristo pela Igreja para o fazerem.
Não temos tempo de considerar tudo isso, mas eu gostaria de fazer uma
breve menção a esse último ponto que se concretiza nas sagrações
tradicionalistas nas diferentes linhagens. Por que essas sagrações e
os padres que delas provêm suscitaram dificuldades? Será mesmo que uma
lei puramente humana limita a liberdade natural dos bispos de
reproduzir-se impondo-lhes um dever eclesiástico de esperar o mandato
do Papa? Se não houvesse nada além disso, é uma evidência que, em
nossas circunstâncias de grave necessidade, a epiqueia resolveria o
problema: nenhum legislador teria querido deixar os fiéis sem clero,
sem sacramentos; contornar-se-ia.
Mas ninguém que tenha um Q.I. que ultrapasse dois dígitos jamais
objetou uma lei puramente humana. O problema é a lei divina. Os
sacramentos pertencem a Cristo e unicamente Cristo dá, através da Sua
Igreja, o direito de administrá-los. E esse direito não é idêntico ao
poder de ordem, nem inseparável dele. O problema está em separar
voluntariamente a matéria da sucessão apostólica (o poder episcopal)
de sua forma essencial que é a jurisdição ou missão de governar a
Igreja enquanto Sucessor dos Apóstolos por causa da qual ele existe.
Face a esta dificuldade, pode-se conceber que alguém invente uma prova
que pretenda encontrar uma fonte de jurisdição de suplência para essas
sagrações e para o clero que delas depende. Poder-se-ia conceber que
alguém argumentasse que a necessidade de missão para tornar-se
ministro dos sacramentos ensinada pelo Concílio de Trento deve ser
compreendida por esta ou aquela razão de maneira contrária ao sentido
natural das palavras. Eu não estaria de acordo, mas haveria sobre o
que discutir. Quando, porém, ouve-se alguém buscar justificar “as
sagrações” por um apelo à epiqueia… não resta senão assinalar-lhe que
ele nem sequer começou a compreender a dificuldade à qual ele quereria
responder, que ele próprio nem começou a compreender o que faz a
epiqueia, e que tudo leva a crer que ele carece de competência
teológica para tomar parte seriamente no debate que nossa situação
extraordinária deve suscitar.
Para concluir esta conferência, eu gostaria de voltar à aplicação
prática da epiqueia que consiste em formar um juízo prudente de que o
caso especial não cai sob a intenção do legislador porque a aplicação
estrita da lei seria nociva ou onerosa demais, dura demais.
Ora, é perfeitamente possível que, num caso específico, o respeito
estrito da lei seja duro, excepcionalmente duro, e que no entanto o
legislador queira absolutamente que a lei seja respeitada. Consulta-se
frequentemente a Santa Sé para perguntar se em certos casos
excepcionais é lícito agir preterindo a letra de alguma lei – e muito
frequentemente a resposta é negative ou mesmo abusus corrigendus est.
Para avaliar, é preciso conhecer a gravidade da lei. Mencionei sinais
disso: gravidade do pecado contra ela, motivo, frequência e facilidade
de dispensa, punição pela infração, etc. Importa também habituar-se ao
espírito do legislador, sobretudo quando é a Igreja.
Para dominar a arte de reconhecer prudentemente quando é que a
epiqueia pode com segurança ser aplicada, nada melhor que estudar os
moralistas e casuístas aprovados pela Igreja, as respostas oficiais
das Congregações Romanas e o modo como os santos agiram quando se
encontraram em situações extraordinárias.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John S. DALY, Epiquéia (conferência), trad. br. por F. Coelho, São
Paulo, mar. 2012, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1gK
[N. do T. - Esta tradução foi expressamente autorizada pelo Autor e,
até onde eu sei, o original ainda não foi publicado em parte alguma,
tratando-se assim do primeiro trabalho do Sr. Daly que tenho a honra
de publicar com exclusividade aqui no blogue Acies Ordinata. Honra
tanto maior quanto este estudo é profundo e erudito ao mesmo tempo que
torna acessível questão tão elevada, e do mais alto interesse em
nossos dias pela luz que projeta sobre a matéria, dissipando tanta
nebulosidade que a envolve hoje quase que universalmente. Deo gratias!
Em JMJ, Felipe Coelho.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

This entry was posted on 6 março 2012 at 1:22 and is filed under
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4 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CXXII”
1. Roberto F Santana Disse:

6 março 2012 às 11:35


Texto há muito desejado, não por poucos.

Assunto difícil e que hoje, se não desconhecido, é menosprezado ou


ignorado talvez até de maneira proposital.

Uma má compreensão ou imprudência poderia trazer (e traz!) sérios


erros e acabar ferindo a integridade da Santa Igreja.

Eu, sabendo que não é a intenção do autor, muito menos a do tradutor,


não pude deixar de sentir certa tristeza e apreensão. Estamos metidos
num buraco de cinquenta anos de abusos e atropelos.

Sto. Tomás, rogai por nós.

Nós que a cada dia, felizmente ou infelizmente, nos damos conta de uma
crise que é mesmo impossível!
Parabéns por mais esse trabalho, nessa nossa época de mesmice
paralisante e mesquinhez sem fim do “tradicionalismo” no Brasil.
2. Sandra Sabella Disse:

18 março 2012 às 3:39


Salve Maria! Viva Cristo Rei!
Estimado Felipe Coelho,
Esclareço a estima que tenho a você por causa de seu caridoso e
generoso trabalho apresentado neste blog/site, assim como também
estendo-a a Sandro de Pontes.
Li esse texto de John S. Daly, que não conheço, sobre esse tema áspero
Epiquéia, que também não conhecia. Em alguns pontos aclarou outros
temas. Os exemplos citados pelo senhor Daly foram, às vezes,
chocantes, como um despertador que toca antes da hora marcada, pois eu
gostaria de dormir mais um pouquinho. Na Verdade, tocou no horário
programado; eu é que fiquei até de madrugada lendo e postando
comentários em vez de estudar, né? Mas, sozinha é difícil para mim.
Pragmaticamente, porque estou a procura de um padre católico
apostólico romano para cumprir meus deveres como fiel, farei a seguir
algumas declarações. Aí eu gostaria que você copiasse e colasse em
outro comentário digitando ao final de cada uma delas: verdadeira ou
falsa e, se possível, algum comentário corretivo. Você poderia aceitar
esse meu pedido?
De qualquer forma, aí vão minhas dúvidas – até para expressar os
termos corretos – em forma de afirmações à luz desse “Epiquéia”
postado por você – ou senhor??:
Se o último papa faleceu em 9 de outubro de 1958, bispos serão aqueles
ordenados até essa data.
E os padres serão aqueles ordenados por bispos ordenados até essa
data.
Os bispos ordenados até essa data deverão ter jurisdição, ou melhor
dizendo, diocese, por exemplo, para a crisma.
Por exemplo, o que aconteceu no priorado [?] localizado na Córsega. O
prior [?] da FSSPX chama o bispo oficial do Vaticano dessa diocese
para a crisma. Na doutrina conciliar está tudo certo e sacramentado.
Penso em Monsenhor Lefebvre, quando cassaram a aprovação de seu
Seminário, ele perdeu a jurisdição para ordenar padres, não lembro
agora a data.
E, digamos assim, a partir dessa data, não há mais padres ordenados.
Monsenhor Lefebvre perdeu a jurisdição porque reconhece a autoridade
dos papas conciliares, quando, ao contrário, deveria bradar ao mundo a
apostasia dos bispos, cardeais, etc, desde João XXIII.
É inaceitável a justificativa de que ele estava na África e não sabia
o que acontecia no Vaticano. Ou mesmo tempo, em que devemos ter
prudência no julgamento e condescender em dar-lhe o tempo necessário
para tomar pé da situação. Mas, seu movimento durante o concílio com
outros tantos bispos e assessores deveria ter sido suficiente para
isso.
Outro exemplo é a hoje conhecida como Administração Apostólica São
João Maria Vianney, que entrou em plena comunhão com a Igreja
Conciliar.
Até 1988 – ordenação dos 4 bispos em Êcone – os sacramentos
ministrados por Dom Mayer e os padres ordenados por ele eram válidos.
Puxa, isso vai longe! Enfim, à luz da epiquéia ou da jurisdição por
suplência, é impossível afirmar que existe hoje padres e bispos para
cumprir todos os sacramentos.
Talvez, meu querido à enorme distância Padre Méramo, do qual ouço o
sermão dominical na Radio Cristiandad.
Abraços fraternos em JMJ,
3. Sandra Sabella Disse:

19 março 2012 às 18:35


E também, especialmente hoje através dos especiais da Radio
Cristiandad, o guerreiro Padre Ceriani.
em comunhão de orações em JMJ
4. Sandra Sabella Disse:

19 março 2012 às 21:39


Recebi este trecho de resposta as mesmas incertezas acima apontadas há
tempos a ele, a qual Padre Méramo enviou-me a 43 minutos:
“No se olvide de la promesa del Santo Rosario, que no hay ninguna
dificultad material o espiritual que no tenga solucion si se reza el
Santo Rosario, con lo cual, aún si nos quedadmos sin Misas y sin
sacramentos sin que sea nuestra culpa, tendremos como por así decirlo
las mismas gracias de parte de Dios.

Ánimo y que Dios la bendiga.”


Amém.

Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – II

Condições para o bispo ser

Sucessor dos Apóstolos


Revmo. Pe. Johann HERRMANN (1849-1927),

Congregatio Sanctissimi Redemptoris

“Para alguém ser estabelecido Sucessor dos Apóstolos e Pastor da


Igreja, o poder de Ordem não é suficiente, sendo este sempre
validamente conferido pela ordenação. É preciso também o poder de
jurisdição, a qual é comunicada não pela Ordem mas pela missão
recebida da parte daquele a quem Cristo concedeu o supremo poder sobre
a Igreja universal.
A Sucessão Apostólica pode ser definida como segue: a pública,
legítima, solene e jamais interrompida reposição dos Apóstolos por
pessoas para governar e apascentar a Igreja no lugar deles.
Essa sucessão pode ser material ou formal. A sucessão material
consiste no fato de que nunca faltaram pessoas e de que a substituição
dos Apóstolos por elas continuou sem interrupção. A sucessão formal
consiste no fato de que essas pessoas que os substituem desfrutam
realmente da autoridade derivada dos Apóstolos e recebida da parte
daquele que a pode comunicar. Estas últimas palavras…indicam que, para
a sucessão formal, é exigida missão, a qual pode ser definida como: a
legítima assunção e deputação a assumir os papéis apostólicos em
virtude das quais sucede-se ao lugar dos Apóstolos.”
(Pe. J. HERRMANN, C.Ss.R., Institutiones Theologiæ Dogmaticæ, n.º 282;
trad. br. por F. Coelho, a partir da trad. fr. por J.S. DALY, que
acrescenta menção à seguinte consequência atual dessa doutrina:
“Eis aí por que os Fellay, Tissier e Galaretta que tais, assim como os
Dolan, Sanborn e Guérard des Lauriers que tais, não são Sucessores dos
Apóstolos, mesmo tendo o poder puramente material próprio a seu
episcopado. [Voilà donc pourquoi les Fellay, Tissier et autres
Galareta, tout comme les Dolan, Sanborn et autres Guérard des Lauriers
ne sont pas des successeurs des apôtres, tout en ayant le pouvoir
purement matériel propre à leur épiscopat.]”

http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=1117).
_____________
SOBRE A OBRA E SEU AUTOR:
“Muito mais influente, todavia, foi o tratado De theologia generali,
no primeiro volume das Institutiones theologiae dogmaticae de Herrmann
[27. O editor Emmanuel Vitte publicou uma sétima edição das
Institutiones de Herrmann em Lião e Paris em 1937], obra que,
incidentalmente, mereceu ao seu autor carta de agradecimento do
próprio São Pio X.”
(Mons. Joseph Clifford FENTON, The Teaching of the Theological Manuals
[O Ensinamento dos Manuais de Teologia], American Ecclesiastical
Review, abril de 1963, pp. 254-270, em:
http://www.catholicculture.org/culture/library/view.cfm?id=3012).
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Padre Johann HERRMANN, C.Ss.R., Condições para o bispo ser Sucessor
dos Apóstolos, excerto de suas: Institutiones Theologiæ Dogmaticæ, n.º
282.
Trad. br. anotada por F. Coelho, a partir da trad. fr. por J.S. DALY.
São Paulo, abril de 2010, blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-mb
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – III

A Jurisdição Episcopal e a Sé Romana


Mons. Joseph Clifford FENTON (1906-1969)
Uma das contribuições mais importantes à sagrada teologia em anos
recentes encontra-se no ensinamento do Santo Padre sobre a fonte
imediata da jurisdição episcopal no interior da Igreja Católica. Na
esplêndida carta encíclica Mystici corporis, publicada a 29 de junho
de 1943, o Papa Pio XII falou do poder ordinário de jurisdição dos
demais bispos católicos como algo “comunicado a eles imediatamente”
pelo Soberano Pontífice. (1) Mais de um ano antes da publicação da
Mystici corporis, o Santo Padre divulgara a mesma verdade na alocução
pastoral aos párocos e pregadores quaresmais de Roma. Nesse discurso,
ele ensinou que é do Vigário de Cristo na terra que todos os outros
pastores na Igreja Católica “recebem imediatamente a jurisdição deles
e a missão deles.” (2)
Na última edição de sua obra clássica, Institutiones juris publici
ecclesiastici, Mons. Alfredo Ottaviani declara que esse ensinamento,
que fora previamente considerado probabilior ou mesmo communis, deve
agora ser sustentado como inteiramente certo em razão do que disse o
Papa Pio XII. (3) A tese que deve ser aceita e ensinada como certa é
um elemento extremamente valioso no ensinamento cristão sobre a
natureza da verdadeira Igreja. Negar ou mesmo ignorar essa tese
impedirá, inevitavelmente, até de chegar perto da compreensão
teológica precisa e adequada da função de Nosso Senhor como o Cabeça
da Igreja e da unidade visível do reino de Deus na terra. Assim, ao
dar a esta doutrina o status de proposição definitivamente certa, o
Santo Padre beneficiou enormemente o trabalho da sacra teologia.
A tese de que os bispos derivam seu poder de jurisdição imediatamente
do Soberano Pontífice não é, de modo algum, ensinamento novo. No breve
Super soliditate, publicado a 28 de novembro de 1786, e dirigido
contra os ensinamentos do canonista José Valentino Eybel, o Papa Pio
VI censurou acerbamente Eybel pelos ataques insolentes desse escritor
aos homens que ensinavam que o Romano Pontífice é aquele “de quem os
bispos mesmos recebem a autoridade deles”. (4) O Papa Leão XIII, na
encíclica Satis cognitum, datada de 29 de junho de 1896, expôs um
ponto fundamental desse ensinamento ao reiterar, acerca dos poderes
que os demais dirigentes da Igreja têm em comum com São Pedro, o
ensinamento do Papa São Leão I de que tudo o que Deus deu a esses
outros, Ele o deu através do Príncipe dos Apóstolos. (5)
Esse ensinamento fora enunciado explicitamente num comunicado da
Igreja Romana pelo Papa Santo Inocêncio I, na carta dele aos bispos
africanos, emitida em 27 de janeiro de 417. Esse grande Pontífice
declarou que “o episcopado mesmo e todo o poder que recebe esse nome”
vêm de São Pedro. (6) A doutrina apresentada pelo Papa Santo Inocêncio
I era bastante familiar à hierarquia africana. Havia sido desenvolvida
e ensinada pelos predecessores dos homens a quem ele escrevia, na
primeira explicação sistemática e ampla do episcopado no interior da
Igreja Católica. Perto da metade do século III, São Cipriano, o Bispo
Mártir de Cartago, elaborara o ensinamento dele sobre a função de São
Pedro e da Cátedra deste como base da unidade da Igreja. (7) Santo
Optato, Bispo de Mileve e excepcional defensor da Igreja contra os
ataques dos donatistas, escrevera, em torno do ano 370, que a Cátedra
de Pedro era aquela Sé com que “a unidade deve ser mantida por todos”,
(8) e que, depois de cair, Pedro havia “recebido sozinho as chaves do
reino do céu, que deveriam ser transmitidas também (communicandas) aos
demais”. (9)
Durante os últimos anos do século IV, o Papa São Sirício afirmara a
origem petrina do episcopado na carta Cum in unum, na qual referiu-se
ele ao Príncipe dos Apóstolos como aquele “Do qual tanto o apostolado
quanto o episcopado em Cristo derivavam sua origem”. (10) Ele
introduziu esse conceito em seu escrito como algo com que os
destinatários de sua epístola já estavam perfeitamente familiarizados.
Era e continuou sendo o ensinamento tradicional e comum da Igreja
Católica.
A tese de que os bispos derivam seu poder de jurisdição imediatamente
do Romano Pontífice, em vez de imediatamente de Nosso Senhor Mesmo,
tivera longa história, e tremendamente interessante, no campo da
teologia escolástica. Santo Tomás de Aquino apresentou-a em seus
escritos, sem contudo alongar-se no tratamento dela. (11) Dois outros
escolásticos medievais de grande destaque, Ricardo de Mediavila (12) e
Durando, (13) seguiram o exemplo dele. O estupendo tratado teológico
pré-tridentino sobre a Igreja de Cristo, a Summa de ecclesia do
Cardeal João de Turrecremata, aprofundou-se na questão com riqueza de
minúcias. (14) Turrecremata elaborou a maioria dos argumentos que
teólogos posteriores empregaram para demonstrar a tese. Tomás de Vio,
Cardeal Caetano, contribuiu muito para o desenvolvimento do
ensinamento no período imediatamente anterior ao Concílio de Trento.
(15)
Durante o Concílio de Trento, a tese foi debatida pelos próprios
Padres. (16) De longe a mais incisiva apresentação da doutrina que
mais tarde seria proposta pelo Papa Pio XII foi feita no Concílio de
Trento pelo grande teólogo jesuíta Diego Laynez. (17) Sob muitos
aspectos, as quaestiones de Laynez De origine jurisdictionis
episcoporum e De modo quo jurisdictio a summo pontifice in episcopos
derivatur continuam sendo até hoje as melhores fontes de informação
teológica sobre as relações dos outros bispos na Igreja Católica com o
Romano Pontífice.
Durante o século posterior ao Concílio de Trento, três dos teólogos
escolásticos clássicos escreveram magníficas explicações e provas da
tese de que a autoridade episcopal na Igreja de Deus é derivada
imediatamente do Vigário de Cristo na terra. São Roberto Belarmino
tratou da questão com a costumeira clareza e segurança, (18) usando
abordagem um tanto diferente daquela empregada por Turrecremata e
Laynez e mais próxima da de Caetano. Francisco Suarez tratou da tese
in extenso em seu Tractatus de legibus, e apresentou certas
explicações que completaram o ensinamento do próprio Laynez. (19)
Francisco Sylvius, em suas Controvérsias, resumiu as descobertas de
seus grandes predecessores neste campo e nos deu a que provavelmente
continua sendo até hoje a mais eficaz apresentação breve do
ensinamento em toda a literatura escolástica. (20) Durante o mesmo
período, a matéria recebeu tratamento brevíssimo, mas teologicamente
acertado, pelo franciscano português Francisco Macedo em De clavibus
Petri. (21) Dois dos principais teólogos tomistas do século XVI,
Domingos Soto e Domingo Bañez, (23) igualmente, incluíram este
ensinamento em seus Comentários.
O Papa Bento XIV incluiu tratamento excelente dessa tese em sua
magnífica obra De synodo diocesana. (24) Dentre as autoridades mais
recentes que se ocuparam da questão de modo mais meritório estão os
dois teólogos jesuítas Domingos Palmieri (25) e o Cardeal Ludovico
Billot. (26) O Cardeal Joseph Hergenroether tratou do tópico com
eficácia e exatidão em sua grande obra Catholic Church and Christian
State [A Igreja Católica e o Estado Cristão]. (27)
A oposição mais importante à tese, como já se podia esperar, veio dos
teólogos galicanos. Bossuet (28) e Regnier (29) defenderam a causa
galicana nessa questão. Outros, embora, não infectados pelo vírus
galicano, opuseram-se a esse ensinamento no passado. Dignos de nota
entre esses oponentes foram Francisco de Vitória e Gabriel Vasquez.
Vitória, embora exímio teólogo, parece ter interpretado mal a questão
em pauta, e ter imaginado que de algum modo o ensinamento tradicional
envolvia a implicação de que todos os bispos houvessem sido postos em
suas sés por nomeação de Roma. (30) Vasquez, por outro lado, sentiu-se
atraído pela teoria hoje caduca de que a jurisdição episcopal seria
absolutamente inseparável do caráter episcopal, e de que a autoridade
do Santo Padre sobre seus irmãos bispos na Igreja de Cristo deveria
explicar-se pelo poder dele de remover ou alterar a matéria ou os
súditos sobre os quais essa jurisdição há de ser exercida. (31)
O ensinamento do Papa Pio XII sobre a origem da jurisdição episcopal
não é alegação de que São Pedro e seus sucessores na Sé Romana sempre
nomearam diretamente cada um dos bispos no interior da Igreja de Jesus
Cristo. Mas significa, sim, que cada um dos bispos que seja o
ordinário de uma diocese detém sua posição pelo consentimento e ao
menos a aprovação tácita da Santa Sé. Ademais, significa que o Bispo
de Roma pode, conforme a constituição divina da Igreja mesma, remover
casos particulares da jurisdição dos bispos e transferi-los para a
jurisdição dele. Finalmente, significa que todo e qualquer bispo que
não esteja em união com o Santo Padre não tem autoridade alguma sobre
os fiéis.
Este ensinamento não envolve, de maneira alguma, negação do fato de
que a Igreja Católica é essencialmente hierárquica assim como
monárquica em sua estrutura. Não entra em conflito com a verdade de
que os bispos residenciais têm jurisdição ordinária, e não jurisdição
meramente delegada, em suas próprias igrejas. Na realidade, trata-se
de explicação certamente verdadeira da origem dessa jurisdição
ordinária nos homens consagrados que governam cada uma das comunidades
individuais de fiéis como sucessores dos apóstolos e como súditos do
cabeça do colégio apostólico. Significa que o poder de jurisdição
desses homens vem a eles de Nosso Senhor, mas através de Seu Vigário
na terra, unicamente no qual a Igreja encontra seu centro visível de
unidade neste mundo.
Joseph Clifford Fenton
Universidade Católica dos E.U.A.

Washington, Capital

1. Cf. a edição da N.C.W.C. [National Catholic Welfare Council,


embrião da C.N.B. dos E.U.A. - N. do T.], n. 42.

2. Cf. Osservatore Romano, 18 de fevereiro de 1942.

3. Cf. Institutiones iuris publici ecclesiastici, 3.ª edição (Typis


Polyglottis Vaticanis, 1948), I, 413.

4. Cf. DB, 1500.

5. Cf. Codicis iuris canonici fontes, editadas pelo Cardeal Pietro


Gasparri (Typis Polyglottis Vaticanis, 1933), III, 489 ss. A
declaração do Papa São Leão I encontra-se em seu quarto sermão, o do
segundo aniversário de sua elevação ao pontificado.

6. DB, 100.

7. Cf. Adhemar D’Ales, La theologie de Saint Cyprien [A teologia de


São Cipriano] (Paris: Beauchesne, 1922), pp. 130 ss.

8. Cf. Libri sex contra Parmenianum Donatistam, II, 2.

9. Cf. ibid., VII, 3.

10. Cf. Ep.V.

11. Santo Tomás ensinou na Summa contra gentiles, Lib. IV, cap. 76,
que, para conservar a unidade da Igreja, o poder das chaves deve ser
transmitido, por intermédio de Pedro, aos outros pastores da Igreja.
Escritores subsequentes também recorreram ao ensinamento dele na Summa
theologica, IIa-IIae, q. 39, art. 3, em seu Comentário às Sentenças de
Pedro Lombardo, IV, dist. 20, art. 4, e em seu Comentário ao Evangelho
segundo São Mateus, no cap. 16, n. 2, em apoio da tese de que os
bispos derivam seu poder de jurisdição imediatamente do Soberano
Pontífice.

12. Cf. o Comentário às Sentenças, por Ricardo, Lib. IV, dist. 24.

13. Cf. D. Durandi a Sancto Porciano Ord. Praed. et Meldensis Episcopi


in Petri Lombardi sententias theologicas libri IIII (Veneza, 1586),
Lib. IV, dist. 20, q. 5, n. 5, p. 354.

14. Cf. Summa de ecclesia (Veneza, 1561), Lib. II, capítulos 54-64,
pp. 169-188. A tese de Turrecremata é idêntica àquela ensinada pelo
Papa Pio XII, embora a terminologia dele seja diferente. O Santo Padre
fala dos bispos recebendo o poder de jurisdição deles imediatamente da
Santa Sé, i.e., de Nosso Senhor através do Soberano Pontífice, já
Turrecremata fala dos bispos recebendo o poder deles de jurisdição
mediatamente ou imediatamente do Santo Padre, i.e., dele diretamente
ou de algum outro autorizado a agir em nome dele.

15. Cf. De comparatione auctoritatis Papae et concilii, de Caetano,


cap. 3, na edição de Frei Vincent Pollet dos Scripta theologica (Roma:
Angelicum, 1935), I, 26 s.

16. Cf. Sforza Pallavicini, Histoire du concile de Trente [História do


Concílio de Trento] (Montrouge: Migne, 1844), Lib. XVIII, capítulos 14
ss.; Lib. XXI, capítulos 11 e 13, II, 1347 ss.; III, 363ss.; Hefele-
Leclercq, Histoire des conciles [História dos Concílios] (Paris:
Letouzey et Ane, 1907 ss.), IX, 747 ss.; 776 ss.

17. Na edição de Hartmann Grisar das Disputationes Tridentinae de


Laynez (Innsbruck, 1886), I, 97-318.

18. Cf. De Romano Pontifice, Lib. IV, capítulos 24 e 25.

19. Cf. Lib. IV, cap. 4, in: Migne, Theologicae cursus completus
(MTCC) XII, 596 ss. Suarez toca nessa questão em seu tratado De Romano
Pontifice na Opus de triplici virtute theologica, De fide, tract. X,
seção 1.

20. Cf. Lib. IV, q. 2, art. 5, na Opera omnia (Antuérpia, 1698), V,


302 ss.

21. Cf. De clavibus Petri (Rome, 1560), Lib. I, cap. 3, pp. 36 ss.

22. Cf. In quartam sententiarum (Veneza, 1569), dist. 20, q. 1, art.


2, conclusão 4, I, 991.

23. Cf. Scholastica commentaria in secundam secundae Angelici Doctoris


D. Thomae (Veneza, 1587), in q. 1, art. 10, dub. 5, concl. 5, colunas
497 ss.

24. Cf. In Lib. I, cap. 4, n. 2 ss., in MTCC, XXV, 816 ss.

25. Cf. Tractatus de Romano Pontifice (Roma, 1878), 373 ss.

26. Cf. Tractatus de ecclesia Christi, 5.ª edição (Roma: Universidade


Gregoriana, 1927) I, 563 ss.
27. Cf. Catholic Church and Christian State (Londres, 1876), I, 168
ss.

28. Cf. Defensio declarationis cleri Gallicani, Lib. VIII, capítulos


11-15, nas Oeuvres complètes (Paris, 1828), XLII, 182-202.

29. Cf. Tractatus de ecclesia Christi, pars. II, sect. 1, in MTCC, IV,
1043 ss.

30. Cf. Relectiones undecim, in Rel. II, De potestate ecclesiae,


(Salamanca, 1565), pp. 63 ss.

31. Cf. In primam secundae Sancti Thomae (Lião, 1631), II, 31.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Mons. Joseph Clifford FENTON, A Jurisdição Episcopal e a Sé Romana,
trad. br. por F. Coelho, São Paulo, abril de 2010, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-o7
de: “Episcopal Jurisdiction and the Roman See”, The American
Ecclesiastical Review, vol. CXX, n.º 4, abril de 1949, pp. 337-342.
Cf. o original transcrito em:

http://www.strobertbellarmine.net/forums/viewtopic.php?f=2&t=207
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Uma resposta para “Luzeiros da Igreja em língua portuguesa – III”
1. Aruan Freitas Disse:

22 abril 2010 às 10:02


Excelente e oportuna tradução, Felipe!
Depois desse artigo, sinceramente duvido que alguém mergulhe nas
teorias de alguns dos bispos sedevacantistas mais controversos (são
homens casados, só para começar…) e heterodoxos de nossa região
latino-americana, que afirmavam possuir jurisdição – como Alarcón (que
ultimamente chegou a negar que Pio XII seria um papa válido), López-
Gastón (defensor árduo dos bispos casados em razão do – a meu ver,
indevidamente ampliado – estado de necessidade), dentre outros.

Textos essenciais em tradução inédita – L

A necessidade de missão divina

segundo o príncipe dos teólogos


Sã teologia, sem conjecturas
(2007)

John Daly
É verdade que o Episcopado existe por direito divino e que, por
direito divino, cada Sucessor dos Apóstolos pode ordenar padres com o
direito de exercer seu sacerdócio.
O Bispo, Sucessor dos Apóstolos, não tem necessidade de concessão
especial por parte do Papa a fim de ordenar um padre, pois ele já
possui esse poder, por direito divino, enquanto Sucessor dos
Apóstolos.
Mas donde vem que ele seja Sucessor dos Apóstolos? É porque o Papa
elevou-o a essa dignidade.
Ora, o Cardeal Billot é impossível ser mais explícito, tanto no De
Ecclesia quanto no De Sacramentis, a propósito de que todo o poder de
ordem depende, para a licitude de seu exercício, do poder de
jurisdição, e isso por direito divino.
A partir do momento em que nos apresentam um homem que recebeu a
sagração válida, mas sem o Papa tê-lo nomeado à Hierarquia como
Sucessor dos Apóstolos, encontramo-nos necessariamente perante a
questão: com base em que direito esse homem pretende exercer o poder
validamente recebido?
A única resposta admitida seria: por um direito recebido da parte do
Papa ou da parte de alguém a quem o Papa delegou esse poder.
Dado, porém, que nenhum Papa ou delegado do Papa deu esse direito aos
bispos tradicionalistas, propuseram-se outras soluções, dentre as
quais a que pretende que, por direito divino, todos os bispos teriam
não só o poder, como também o direito de sagrar e de “enviar”
[“missioner”] outros bispos; assim, somente o direito eclesiástico
restringiria esse poder ao Papa.
Só que uma enormidade dessas teria de ser respaldada por autoridades
teológicas… pois a doutrina tradicional é certamente o contrário. O
poder de nomear membros da Hierarquia pertence por direito divino
exclusivamente ao Papa, ainda que possa ser delegado por ele.
O bispo não hierárquico, sem sé nem mesmo titular, sem missão
recebida: perante a teologia e perante a Igreja, ele não tem
existência. Ele pode agir validamente, mas não licitamente. Seus atos
não são apostolado, pois ele não recebeu missão apostólica. O sopro
divino “sicut Pater me misit ego mitto vos [assim como o Pai me
enviou, Eu vos envio]” não chega até ele. E “nemo dat quod non habet
[ninguém dá aquilo que não tem]”: os padres que ele ordena estão na
categoria, clarissimamente explicitada pelo Cardeal Billot, dos que
têm o poder válido do sacerdócio sem poderem, em nenhum caso, exercê-
lo sem cometer sacrilégio. E, por essa razão, os fiéis não podem, sem
sacrilégio, aproximar-se desses padres para receber os sacramentos.
(*)
Não há aqui questão de cisma nem de excomunhão. Trata-se da ausência
da missão divina que é transmitida na Igreja a partir dos Apóstolos —
em toda a sua plenitude — à Sé Apostólica, e a partir da Sé Apostólica
— em menor grau — aos Bispos hierárquicos, e a partir dos Bispos
hierárquicos aos padres… (**)
_____________
NOTAS DO TRADUTOR:
(*) Antes de tirar conclusões de graves consequências, convém
considerar também o parecer do Rev. Pe. Belmont, no Apêndice I de seu
extenso estudo sobre o tema.
(**) Para os textos relevantes do Cardeal Billot cuja doutrina o A.
ecoa aqui, cf. os excertos de 21 a 25 de seu Florilégio sobre o
assunto, tendo em mente também as demais citações ali contidas, como a
do Concílio de Trento. Há também, do A., tradução inglesa da Tese XVI
do De Sacramentis de Billot, fonte de dois daqueles cinco trechos por
ele coligidos, a qual pretendemos ainda verter para o português, se
Deus quiser.
A presente tradução responde, ao menos em parte, às perguntas dos
amigos Rosano, Roberto e Aruan (a este devo ainda, como se vê, mais
objeções às inovações do Padre Calderón, espero que para breve), assim
como — aproveito para mencionar agora — tanto o já mencionado
Florilégio quanto a tradução citando Journet e Lenoir, que se lhe
seguiu, visavam responder às perguntas (em ordem cronológica:) dos
amigos Sérgio, Eduardo, Aruan e Sandro.
_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
John DALY, A necessidade de missão divina segundo o Príncipe dos
Teólogos. Sã teologia, sem conjecturas, 2007, trad. br. por F. Coelho,
São Paulo, fev. 2011, blogue Acies Ordinata: http://wp.me/pw2MJ-Ak
A partir de um comentário do Autor em:

Le Forum Catholique, 14-XI-2007,

http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=342549
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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3 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – L”
1. Rosano Disse:

1 março 2011 às 23:19


Felipe,
Desculpe a minha ignorância no assunto, mas de modo nenhum o artigo
acima responde as minhas, digamos assim, inquietações a respeito da
situação dos padres e bispos da FSSPX. Muito pelo contrário. A
argumentação do tal de John Lane é, desculpe dizer, ridícula. Se não é
caso de cisma ou heresia, porque é sacrilégio? Esses bispos sem
mandato “não tem existência”, e sem existência aplicam sacramentos
válidos, porém ilícitos. Ora, que não é o cisma senão, tendo poder,
age em desacordo com ele, como é o caso dos russos?

Quanto a argumentação do pe Hervel de fato é também ela carece de um


fundamento mais sólido. Em primeiro lugar, há uma certa desonestidade
intelectual por parte do pe Hervel ao debater esses problemas. Para os
bispos sem mandato, um longo estudo com multíplas citações, retirados
das mais variadas fontes e datas. Para os padres que surgiram desses
bispos (o caso dele, convém lembrar) uma simples analagia com a
situação das missas una-cum. Não há uma mísera citação de um teológo,
CDC, documento papal, nada! A desproportação de tratamento é absurda e
tendenciosa.

E mesmo a analogia proposta não serve de todo, pois o erro de


frequentar uma capela da FSSPX é duplo: primeiro por ser erigida por
“bispos que não existem” e segundo porque são missas una-cum.

Por fim, esclareço que apenas estou seguindo os raciocínios propostos


nesse blog e não apontando minha simples opinião.
Abs,
Rosano
2. Aruan Freitas Disse:

10 março 2011 às 11:34


Se me permite meter o bedelho aonde não fui chamado, caro Rosano…
Por sacrilégio deve-se entender o tratamento irreverente, injurioso ou
inadequado a um objeto, lugar ou pessoa sagrada. Os objetos em questão
– nesse caso em específico – são os graus hierárquicos do sacerdócio e
a sucessão apostólica.
Donde, é perfeitamente plausível que algo possa tornar-se sacrílego
sem necessariamente ser cismático ou herético. Embora compreendamos
claramente que o espírito motriz de um sacrílego não seja lá muito
distante das disposições espirituais de um cismático/herege, não se
pode inferir imediatamente que um sacrilégio implicaria em cisma ou
heresia – pois pode ser apenas um pecado que não viola positivamente a
unidade da fé ou de caridade da Santa Igreja.
Também a definição de cisma não se aplica perfeitamente a este caso,
dado que, primeiramente, não é necessário qualquer poder para alguém
ser cismático; basta insubordinar-se habitualmente à autoridade
licitamente estabelecida sobre si mesmo para que a
pessoa/grupo/instituição incorra em cisma. Em segundo lugar, deve-se
discutir até qual grau a ilicitude desses atos realmente existe em
cada aplicação sacramental concreta, dado que estes foram realizados
em estado de necessidade, para os quais a Igreja supre a jurisdição,
tornando assim, no ato concreto da necessidade espiritual, lícito o
que é ordinariamente ilícito.
Quanto ao argumento “cascata” do Pe. Hervel, mesmo a referida analogia
me parecendo bastante razoável, de fato o sr. está correto: seria
oportuno fundamentá-lo com maiores detalhes, com exposições e
argumentos emanados de autoridades reconhecidas no estudo de tais
temas, pois a desproporção far-se-á sentir assim que um padre tiver a
boa ventura de ler esse texto.
Peço desculpas novamente por responder questões que não me foram
dirigidas. Mas se pude trazer um pouco de luz para isso, já fico
feliz.
Sem mais,
A.J.B.F.
3. Rosano Disse:

12 março 2011 às 16:28


Aruan, obrigado pela resposta, de qq modo acredito que elas não
resposdem de modo satisfatório as minhas objeções. rosano

Textos essenciais em tradução inédita – XLIII

Pe. Hervé BELMONT

As Sagrações Episcopais

Sem Mandato Apostólico

em questão

“Unicamente o Papa institui os bispos.

Esse direito pertence a ele soberanamente,

exclusivamente e necessariamente,

pela constituição mesma da Igreja

e pela natureza da hierarquia”

Dom Adrien GRÉA,

L’Église et sa divine constitution,

Casterman 1965, p. 259.


“A Igreja sabe melhor do que eu como ela quer ser servida,

meu juízo não pesa nada perante o dela, exatamente nada,

e prefiro ficar sem fazer nada ‘super hanc petram’,

se ela assim o entender,

que ir construir sobre a areia à revelia dela.”

Pe. V.-A. BERTO,

Notre-Dame de Joie,

N.E.L., 1974, p. 222.

_____________

Índice

AS SAGRAÇÕES EPISCOPAIS SEM MANDATO APOSTÓLICO

EM QUESTÃO
PREFÁCIO
AS FILHAS DE LÓ (fev. 1997)
Retrospectiva
Complemento doutrinário
Perguntas
Conclusão
UM ABISMO INTRANSPONÍVEL: O EPISCOPADO AUTÔNOMO (jun. 1997)
Anexo I – Resposta acerca da atitude prática a adotar com respeito aos
padres ordenados por bispos sagrados sem mandato apostólico
Anexo II – Excerto da carta de apresentação ao número 5 de Les Deux
Étendards (dez. 1997)
Anexo III – Excerto de carta a alguns jovens sobre a vocação
(primavera de 1999)
Anexo IV – Excerto de carta a um moço que acaba de entrar no seminário
(outono de 1999)
Anexo V – A fé inteira, nada além da fé. Excerto de nota enviada a
alguns pais de alunos.

_____________

Prefácio
Constituição da Santa Igreja Católica, preocupação com o bem comum,
prudência exacerbada por sermos órfãos, necessidade de paciência,
primado do testemunho da fé e da retidão doutrinal… aí estão
argumentos que, em nossos tristes tempos, não tornam eficaz um
discurso, mesmo entre os católicos decididos a permanecer fiéis em
meio à terrível tempestade que se abate sobre a Santa Igreja. Preferem
ater-se à facilidade de assistência à Santa Missa, à comodidade na
recepção dos sacramentos, à perenidade das obras empreendidas…
Certamente, estes são grandes bens, mas são bens que não se pode
desejar nem obter a qualquer preço.
Será mister recorrer às sagrações episcopais sem mandato apostólico?
Esse recurso é suscetível de ser a santa vontade de Deus? Nas últimas
duas décadas, muitos responderam afirmativamente. Por aí se vê como é
necessário debruçar-se muito seriamente sobre a questão, e a presente
brochura tenta fazê-lo à luz da teologia e da prática da Igreja. Para
dizer a verdade, deveria ser impossível sequer contemplar fazê-lo de
outro modo!
Este opúsculo reúne escritos de circunstância produzidos ao longo de
vinte anos; nisso, falta-lhe unidade e expõe-se a numerosas
repetições. Em compensação, apresenta a vantagem de expor um
pensamento que vemos formar-se aos poucos, à medida que as questões se
põem e que a necessidade se faz sentir: não se trata de “música de
câmara”, trata-se de um dique edificado pouco a pouco à medida que as
vagas do recurso ao episcopado aumentam e ameaçam tudo submergir.
Poder-se-á, ainda, fazer notar que este estudo foi e continua
ineficaz, pois a quase totalidade do pequeno mundo tradicionalista
recorre a essas sagrações que boa teologia e verdadeiro sentido da
Igreja fazem julgar inaceitáveis. Aos olhos humanos, tal ineficácia é
fato certíssimo! Mas, ao olhos do Bom Deus e de Nossa Senhora, não
consiste a eficácia em permanecer fiel, quaisquer que sejam as
consequências, e em esclarecer seu próximo, na medida de suas
possibilidades?
Constituição da Santa Igreja Católica, preocupação com o bem comum,
prudência exacerbada por sermos órfãos, necessidade de paciência,
primado do testemunho da fé e da retidão doutrinal… é bem sob esta luz
que é preciso colocar-se. Isso significa que a publicação desta
brochura parece oportuna; chega mesmo a ser urgente, de tanto progride
a aceitação do episcopado sem mandato: o fato consumado, o desejo de
encontrar algum conforto sacramental, o obscurecimento do sentido da
Igreja são disso a causa. É preciso reagir e reencontrar o brilho da
santa doutrina.

As filhas de Ló
[1. Extraído do número 3 (fevereiro de 1997) da revista Les Deux
Étendards [Os Dois Estandartes], editada pela associação Grâce et
Vérité [Graça e Verdade], 27 Casquit, F—33490 Saint-Maixant.]
A crise, pela qual é misteriosamente afetada a Santa Igreja Católica,
perdura e perdura ainda, e à vista humana seu termo não aparece. São
muitos os que estimam que o recurso a sagrações episcopais [realizadas
sem nenhum mandato apostólico] é a única solução para sobreviver até o
retorno da ordem, e que essa solução é abençoada por Deus, não
obstante a lei ou a constituição da Igreja Romana. Eles já faz tempo
que passaram ao ato, a ponto de os bispos “ilegais” serem numerosos e
os haver de todos os gêneros e de todas as posições. Cada qual pode
encontrar aquele que lhe convém.
Essa via episcopal, pelo contrário, parece-nos impossível em termos de
doutrina e de um perigo temível em termos de prudência. É o que
queremos exprimir no presente parecer. Resignamo-nos a falar disso
novamente, porque não é sem grande tristeza que vemos os adeptos dessa
via ganhar terreno, pondo aos poucos os católicos perante o fato
consumado (o que não é um modo de progressão muito evangélico), por
vezes ao arrepio de toda a dignidade (não vemos um desses bispos fazer
publicidade como se faria a de uma marca de sabão?… Dom Fulano lava
mais branco?). Além disso, tememos que essa questão se torne, por um
lado, itinerário de fuga para longe da doutrina e da prática católicas
e, por outro, pomo de discórdia entre católicos que são de resto bons
amigos, pelos quais temos estima e reconhecimento. Este parecer não
tem outra ambição que a de esclarecer-lhes, pondo a questão sob a
única e verdadeira claridade: a da santa doutrina.
Este parecer não tem autoridade alguma em razão de seu autor, que não
passa de um pobre pecador. Sua única autoridade é a dos argumentos que
apresenta. Mas atenção: os argumentos são graves, enraízam-se na
doutrina perene da Igreja e em reflexão de mais de quinze anos. Essa
estabilidade não é de modo algum prova de verdade, mas, num universo
de opiniões que flutuam com os anos e os interesses [2], pode ser um
título a se fazer escutar. E atenção, ainda, à gravidade das
consequências de uma atitude na qual a salvação eterna de uns e de
outros está envolvida.
[2. Eis dois exemplos, dentre muitos outros, dessas flutuações. Quatro
meses antes de ser sagrado bispo, o Rev. Pe. Guérard des Lauriers
rejeitava toda a ideia de sagração, a propósito do Pe. Barbara, que
diziam desejoso de se fazer sagrar, e citava São Paulo: “Que cada qual
caminhe conforme a própria vocação” (I Cor. VII, 17) [audível em
Cassetiacum, n.° 1]. Em 11 de abril de 1987, Dom Lefebvre declarava em
Nantes: “Se eu sagrar um bispo sem a indispensável autorização do
Papa, serei cismático” [Monde-et-Vie, 15 de maio de 1987]. E, no
entanto, a 30 de junho de 1988, Dom Lefebvre sagrava por conta própria
quatro bispos, explicando que isso não era cismático.]
Não tendo o lazer de compor tratado sintético da questão, procederemos
em forma de retrospectiva, apresentando textos que abrangem uma
quinzena de anos, acrescentando-lhes um complemento doutrinal e a
resposta a algumas dificuldades, tirando por fim conclusão do
conjunto. O leitor benévolo quererá bem desculpar o tom um pouco
pessoal dado ao todo, mas não soubemos como evitá-lo.
Retrospectiva
A primeira ocasião de refletir precisamente sobre a natureza do
episcopado em relação à crise da Igreja foi-nos propiciada por um
curioso documento, primeira extrapolação do poder episcopal e primeira
abertura longínqua rumo às sagrações: numa ordenança do 1.º de maio de
1980, Dom Lefebvre concedia aos padres da Fraternidade São Pio X
“poderes” literalmente exorbitantes, chegando até à faculdade de dar o
sacramento da confirmação ou de dispensar de impedimentos ao
matrimônio. Tais poderes eram nulos, sem dúvida alguma, mas mostram
até que ponto os católicos estavam prontos a aceitar, sem nenhuma
reflexão, tudo o que lhes obtivesse conforto sacramental. Tivemos
assim ocasião de começar a estudar a natureza dos poderes episcopais e
as relações entre a ordem e a jurisdição. Este estudo foi publicado no
n.° 6 dos Cahiers de Cassiciacum [Cadernos de Cassicíaco]. [3. Ainda
disponíveis, assim como os números precedentes e a Cassetiacum
mencionada na nota 2 acima, na Association Saint-Herménégilde, Prieuré
La Croix-Saint-Joseph [Associação Santo Hermenegildo, Priorado Cruz de
São José], 1110 chemin du Puits du Plan, F — 06370 Mouans-Sartoux.]
Em 7 de maio de 1981 (quase simultaneamente e nas mesmas condições que
dois sacerdotes mexicanos, os padres Carmona e Zamora), o Rev. Pe.
Guérard des Lauriers, O. P., recebia secretamente a sagração episcopal
das mãos de Dom Ngo Dinh Thuc, que fora arcebispo de Hué. Tão logo
souberam dessa notícia (no mês de janeiro seguinte), os Rev.s Pe.s
Georges Vinson e Louis-Marie de Blignières e os clérigos Jacques-Marie
Seuillot, Philippe Guépin, Bernard Lucien e Hervé Belmont difundiram
uma declaração renovando sua adesão à “tese de Cassicíaco” sobre a
vacância formal da Sé Apostólica, afirmando seu total desacordo com
essa sagração, por razões teológicas e canônicas, afirmando também não
acreditarem ter havido cisma e excomunhão. Lia-se aí, particularmente,
o seguinte:
“Nestas condições, não vemos como a transmissão do episcopado ao
Reverendo Padre Guérard des Lauriers possa se justificar do ponto de
vista teológico. Não podemos, portanto, subscrevê-la de modo algum.
Nós a deploramos, em razão do perigo próximo ao qual é exposta a ordem
hierárquica na Igreja, e reprovamo-la, na medida em que está em nós
fazê-lo. Nós desaprovamos, então, todo o eventual exercício de seu
poder episcopal” [4. O texto dessa declaração foi publicado na revista
Itinéraires [N.° 261, março de 1982] e provocou reação de violência
inaudita do Padre Barbara, que difundiu um panfleto “Mort d’un
syndicat, naissance d’une secte ?” [“Morte de um sindicato, nascimento
de uma seita?”], que ele fez distribuir manu militari: esbravejava ele
aí que houvera cisma e escândalo. Pergunta (com um sorriso) [triste]:
quinze anos depois, quem permanece nas mesmas convicções? quem honra
ainda sua assinatura?]
A questão era posta aí na perspectiva correta, a da constituição da
Igreja e da natureza do episcopado.
Passam os anos. A reflexão progride, o estudo também.
Dom Castro Mayer, que entregara sua demissão de bispo de Campos,
hesita em ordenar padres sem diocese. Uma nota teológica que redigimos
em 1985 (ou 1984?), a pedido e para convencê-lo de que essas
ordenações seriam legítimas na situação presente, argumenta, entre
outras coisas, com a distinção essencial que deve ser feita entre o
padre e o bispo do ponto de vista da relação com o Corpo Místico de
Jesus Cristo, que é a Igreja. É esse argumento que será desenvolvido
num pequeno estudo redigido em 1986, em resposta a uma pergunta que se
ouve com frequência: dado que pode ser legítimo ordenar padres
ilegalmente, por que não se poderia sagrar bispos? Eis aqui o
essencial desse estudo:
« I. Dado dogmático.
a] A Ordem é um sacramento e um único sacramento (Concílio de Trento,
D. 959).
b] Nesse sacramento, há sete ordens (D. 958).
c] É por disposição de Deus mesmo (divina ordinatione) que existe, na
Igreja, hierarquia composta por bispos, padres e ministros (D. 966).
d] o bispo é superior ao padre; ele possui o poder de confirmar e de
ordenar, e esse poder não é partilhado pelos padres (D. 967).
e] Estes últimos, como os clérigos de ordem inferior, não têm poder
algum sobre essas funções: quarum functionum potestatem reliqui
inferioris ordinis nullam habent (D. 960).
f] Os bispos foram estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a
Igreja de Deus: regere Ecclesiam Dei (Atos X, 28).
II. O ensinamento de Santo Tomás de Aquino.
a] O sacramento da ordem é essencialmente ordenado à Santa Eucaristia
(Suma Teológica, supl. Q. XXXVII, aa. 2 & 4); ora, com relação à Santa
Eucaristia, o poder do bispo não é distinto do poder do padre; logo,
enquanto a ordem é sacramento, o episcopado não é uma ordem (supl. Q.
XL, a. 5).
b] Enquanto a Ordem é ofício relativo a certas funções sagradas, o
episcopado é uma ordem, pois o bispo possui poder superior ao do padre
sobre as ações hierárquicas relativas ao Corpo Místico (supl. Q. XL,
a. 5).
Santo Tomás confirma essa doutrina no seu opúsculo XVIII, c. 24: Habet
enim ordinem episcopus per comparationem ad Corpus Christi mysticum,
quod est Ecclesia… sed quantum ad Corpus Christi verum, non habet
ordinem supra presbyterum; o bispo tem ordem relativa ao Corpo místico
de Cristo, que é a Igreja…; relativamente ao Corpo físico de Cristo, o
bispo não tem ordem acima do sacerdote (in Billuart, Cursus theologiæ,
de sacramento ordinis, c. X, d. IV, a. 2, ad 4um).
c] O episcopado é estado de perfeição ativo, de tal sorte que os
bispos são, não perfecti (perfeitos) como os religiosos, mas
perfectores (aperfeiçoadores ou fazedores de perfeitos) (Suma
Teológica, IIa IIæ Q. CLXXXIV, a. 7).
III. Explicações teológicas.
O episcopado pode ser considerado de duas maneiras:
— seja adequadamente, segundo todo o poder que ele comporta
essencialmente, poder de consagrar, de absolver, de ordenar, de
confirmar e de governar; nesse sentido, o episcopado é verdadeiro
sacramento, é a plenitude do sacerdócio;
— seja inadequadamente, segundo aquilo que ele acrescenta ao simples
sacerdócio: poder de governar, de ordenar e de confirmar; nesse
sentido, o episcopado não é sacramento, mas complemento intrínseco do
sacramento da Ordem: a sagração episcopal não modifica essencialmente
o caráter sacerdotal mas estende-o a novos efeitos (cf. Billuart, loc.
cit.; Garrigou-Lagrange, de Ordine [in de Eucharistia], a. 1).
Feita essa distinção, comparemos o presbiterado (ou simples
sacerdócio) com o episcopado inadequadamente considerado.
O simples padre é primeiro que tudo e essencialmente ordenado ao Corpo
físico de Nosso Senhor Jesus Cristo – a Santa Eucaristia – e é em
razão dessa ordenação que ele possui um certo poder sobre o Corpo
Místico (absolver os pecados, gerere personam Ecclesiæ).
O bispo, enquanto é distinto do padre, é primeiro que tudo e
essencialmente ordenado ao Corpo Místico – regere personam Ecclesiæ –
e é em razão dessa ordenação que ele possui poder de ordem superior ao
do padre, superior não intensive (pois não há nada de maior que
celebrar a Santa Missa) mas extensive (estendido a novos efeitos).
Assim se explica facilmente como o Soberano Pontífice, que não possui
nenhum poder direto sobre os caracteres sacramentais, pode dar a um
simples padre o poder de confirmar (cf. Código de Direito Canônico,
782 § 2) ou de conferir certas ordens (Código, 951), ao passo que este
último não tem, por si mesmo, nenhum poder para isso (nullam
potestatem, D. 960).
O Soberano Pontífice tem a plenitude do poder na Igreja (Papa in
Ecclesia habet plenitudinem potestatis, Santo Tomás de Aquino, IIIa,
Q. LXXII, a. 11). De maneira transitória e precária, ele pode fazer um
padre participar dessa regência do Corpo Místico que é própria dos
bispos e, em razão dessa ordenação ao Corpo Místico, dar-lhe certos
poderes episcopais, isto é, adaptar a novos efeitos seu poder
sacerdotal.
Há na Igreja um só sacerdócio, que abrange dois graus diferenciados,
não segundo o poder de ordem propriamente dito – pois haveria então
dois sacerdócios especificamente distintos – mas segundo sua relação
com o Corpo Místico (com consequências quanto ao poder de ordem).
O caráter do sacramento da Ordem é uma participação no poder
sacerdotal de Cristo. Já a consagração episcopal faz o eleito
participar no poder de realeza de Cristo: é em razão desse poder que
seu poder sacerdotal é, não aumentado, mas estendido a novos efeitos,
em domínios nos quais o bispo age na qualidade de dirigente da ordem
eclesiástica.
A ordenação sacerdotal, de ordem estritamente sacramental, não pede
por si mesma alguma jurisdição, embora torne apto a isso (há padres
ordenados unicamente ad missam).
A sagração episcopal, por conferir sobre o Corpo Místico o poder de
regência de Cristo (de maneira subordinada ao poder do Papa), cria uma
exigência de jurisdição (todos os bispos são pelo menos in partibus).
IV. Consequências.
Não se pode, então, fazer o raciocínio seguinte:
Já que é lícito, na situação presente da Igreja, ordenar padres sem
incardinação e sem cartas dimissórias, pode ser lícito sagrar bispos
sem mandato apostólico; não passa de um grau a mais na aplicação da
mesma regra, que necessita de razão mais grave certamente, mas que
remonta ao mesmo princípio.
Porque a situação da Igreja é a ausência da Autoridade, e na medida em
que essa situação é reconhecida como tal – assim como o exige o
testemunho da fé –, é bem verdadeiro que é lícito ordenar assim
padres, em razão do bem da Igreja, que requer a colação dos
sacramentos contanto que a sua unidade não seja posta em perigo. Mas
não se pode raciocinar assim com relação ao episcopado, por três
razões:
1. Não há diferença de grau mas de natureza entre a transmissão
“selvagem” do sacerdócio e a do episcopado; com efeito, o caráter
“selvagem” dessas transmissões reside na relação delas com o Corpo
Místico, e é precisamente essa relação mesma que é essencialmente
distinta no sacerdócio e no episcopado.
2. Diferentemente do presbiterado, o episcopado é transmissível; ele é
assim facilmente princípio, de início, de isolamento e de desinteresse
pelo bem da Igreja, em seguida, de ruptura com ela. Isso é tanto mais
“natural” pois o bispo é por natureza um dirigente, um hierarca.
3. Não se pode conceber um “episcopado diminuído” que seria legítimo
de transmitir porque comportaria somente os poderes de ordem
(confirmação, ordenação etc.) mas seria privado de sua relação de
realeza com o Corpo Místico. Uma tal noção é um círculo quadrado, pois
é precisamente essa relação que é o constitutivo do episcopado
(inadequadamente considerado) e o fundamento de todos os poderes
próprios ao bispo. E, portanto, uma sagração sem mandato apostólico
será a usurpação de uma função hierárquica na Igreja.
V. Conclusão.
Demonstramos que o sacerdócio é de natureza essencialmente
sacramental, ao passo que o episcopado é de natureza essencialmente
hierárquica. Cremos que aí reside a solução da questão de uma sagração
episcopal fora das normas canônicas. Nenhuma suplência é possível
nesse domínio, pois tudo aí está em dependência essencial da
Autoridade, que ninguém pode arrogar para si.
Sendo o simples sacerdócio essencialmente sacramental, sua transmissão
tende por natureza à permanência da ordem sacramental na Igreja. Ora,
essa ordem sacramental não depende da Autoridade senão em seu
exercício e sua organização; logo, não é impossível contemplar uma
suplência na situação presente.
Em contrapartida, o episcopado é essencialmente hierárquico, e sua
transmissão tende, portanto, por natureza à constituição da hierarquia
eclesiástica. Dado que a ordem hierárquica está em dependência
essencial da Autoridade, nenhuma suplência é possível.
Definitivamente, o que está em causa é a própria natureza da Igreja,
posta em perigo pelo projeto de uma sagração sem mandato; uma tal
sagração, com efeito, equivale a negar nos atos sua estrutura
hierárquica divinamente estabelecida. »
Em 30 de junho de 1988, por sua vez, Dom Lefebvre sagra quatro bispos.
Ele o faz publicamente, ao mesmo tempo que protestando reconhecer
plenamente a Autoridade de João Paulo II. Estamos aqui em plena
incoerência, e é inteiramente compreensível que numerosos fiéis tenham
sido desorientados por essas sagrações. Em nota publicada nessa
ocasião, nossa preocupação é, no entanto, a de não uivar com os lobos,
mas de mostrar que a ruptura que todo o mundo proclama não está no ato
de Dom Lefebvre, mas
“situa-se então no nível da autoridade. Paulo VI e João Paulo II, que
retomou e confirmou a obra daquele, romperam com a função que eles têm
o dever de exercer e estão privados da assistência especial prometida
por Jesus Cristo a São Pedro e a seus sucessores” [5. Essa nota foi
publicada na revista Didasco.].
Em setembro de 1991, a angústia que se pode legitimamente sentir
perante a situação da Santa Igreja impele-nos a redigir um pequeno
estudo intitulado Angor Ecclesiæ. Na enumeração dos erros que fazem
estrago, inclusive, nos que fazem profissão de defender a Santa Igreja
(a liberdade religiosa, o retorno do galicanismo ou a presença do
gnosticismo), consagramos um parágrafo à inflação episcopal. Essa
proliferação de bispos é sinal indubitável do enfraquecimento do
sentido da Igreja; citávamos um estudo que estima o número deles, na
ocasião, na casa do milhar (!) e que afirma que uma lista nominal
deles contém mais de quinhentos [6. Bernard Vignot, Les Églises
parallèles [As igrejas paralelas], Cerf-Fides 1991, pp. 110-111].
Dizíamos em conclusão:
“Será possível reconhecer a Igreja una e santa nessa auto-atribuição
de funções que só podem existir em dependência essencial da
Autoridade, nessa multiplicação de grupos que não aspiram senão à sua
autonomia sacramental e eclesial? Como distinguir o que está ligado à
Igreja Católica do que não mais está?”
Enfim, no mês de julho de 1994, em Réflexions sur la situation de
l’Église [Reflexões sobre a situação da Igreja], um levantamento geral
daquilo que nos parece exigido pela fé e por seu testemunho na
situação presente, consagramos dois parágrafos à questão que nos
ocupa. Ei-los aqui, esses dois parágrafos, que se situam mais
particularmente no ponto de vista da prudência:
« A via episcopal.
A consideração da Apostolicidade, que se manifesta claramente como a
chave de um juízo fundado na fé sobre a situação da Santa Igreja,
determina-nos igualmente a permanecer em extrema reserva a respeito
das sagrações episcopais sem mandato apostólico. Numerosos católicos
veem nelas a única solução à qual é mister resignar-se, para o acesso
aos sacramentos autênticos da Igreja ser possível.
Claro que enxergamos bem que a necessidade dos sacramentos é premente
e que há aí um problema urgente ao qual não somos de modo algum
insensível, mas enxergamos com a mesma agudeza que é preciso não
atentar contra a unidade da Santa Igreja, enxergamos com inquietude os
perigos bem reais de se empenhar numa via da qual não conhecemos o
resultado e da qual é de temer que arraste seus partidários muito mais
longe do que queriam; nós enxergamos que há aí um grande risco de
perder totalmente o sentido da Igreja e de sua hierarquia, sentido que
já está bem solapado por todos os tipos de teorias “em voga” e que
fazem estrago nas inteligências católicas.
Enfim, não vemos como justificar em face da teologia católica tal
recurso às sagrações ilegais. Parece-nos que a natureza do episcopado
– que é essencialmente hierárquico na medida em que se distingue do
simples sacerdócio – faz com que só possa haver aí usurpação daquilo
que pertence exclusivamente ao Soberano Pontífice. Não pretendemos
resolver a questão, mas temos aí, de modo suficiente, elementos para
alertar do perigo e manter a reserva.
As duas linhagens.
A consideração das condições concretas em que foram realizadas as
sagrações só faz aumentar essas reservas. Duas linhagens episcopais
compartilham entre si [7] os sufrágios dos católicos. [7. Teríamos
feito melhor em escrever: “Duas linhagens episcopais se oferecem aos
sufrágios dos católicos”, pois não são raros aqueles que, com justiça,
recusam o princípio das sagrações.]
A que saiu de Dom Lefebvre tem a seu favor o caráter público, a
unidade e o caráter “sério” e limitado; mas foi feita ao arrepio da
doutrina católica, tanto nos fatos, pois feita com o reconhecimento de
João Paulo II como Soberano Pontífice (ao mesmo tempo que negando a
ele o poder de reservar para si as nomeações episcopais), quanto na
doutrina subjacente às justificativas aberrantes que acompanham as
sagrações que estão em sua origem.
A segunda linhagem é a que saiu de Dom Ngo Dinh Thuc, ex-arcebispo de
Hué; encontramo-nos aí em presença de uma proliferação de sagrações
mais ou menos clandestinas, de u’a mescla de ramos católicos e de
seitas que é por vezes muito difícil de distinguir, pois estão
inextricavelmente misturados. A situação dos ramos católicos é muito
mais coerente que a da primeira linhagem e não comporta a mesma
negação implícita da doutrina católica, mas essa multiplicação e
(semi)clandestinidade das sagrações, assim como uma certa afinidade
com movimentos duvidosamente católicos ou francamente sectários,
obrigam a ampliar a reserva de princípio que fizemos.
Essa reserva não ignora as vantagens trazidas por essas sagrações, mas
considera que a unidade da Igreja é um bem muito maior, permanente e
inalienável, e não somente de ocasião. »
Aí estão as principais etapas desta retrospectiva, etapas que mostram
a estabilidade do parecer que expomos e sua independência de toda a
questão de pessoas. Seu cerne é a expressão de uma impossibilidade
doutrinal referente à natureza mesma do episcopado.
Complemento doutrinário
O episcopado é essencialmente hierárquico, como dissemos, mostramos,
repetimos. Por sua sagração episcopal, o bispo é membro da Igreja
docente, ele participa na regência do Corpo Místico, ele chama [8] uma
jurisdição, cujas determinações e aplicação pertencem ao Papa. [8.
Havíamos escrito, quando da publicação deste artigo em Les Deux
Étendards n.°4: “exerce” em lugar de “chama”. Corrigimos esse erro na
sequência (cf. infra, nota 16). [Nota de novembro de 2000].]
Cumpre acrescentar que a recíproca é verdadeira: a jurisdição
eclesiástica é essencialmente episcopal, a hierarquia da Igreja é uma
hierarquia de bispos. Longe de nós pregar algum tipo de episcopalismo:
o Papa tem a plenitude do poder na Igreja – ele não é um bispo dentre
outros, um primus inter pares –, ele tem o primado de jurisdição, ele
é a fonte de toda a jurisdição eclesiástica. Mais precisamente, o Papa
é soberano, dotado de infalibilidade a título pessoal e da Autoridade
suprema da Igreja, porque ele é o bispo de Roma, o bispo da Igreja mãe
e mestra, o bispo dos bispos (Apascenta as minhas ovelhas, disse Nosso
Senhor a São Pedro). O Papa, tendo além disso jurisdição imediata
sobre todos os fiéis, é o bispo de cada um dos católicos (Apascenta os
meus cordeiros). O Concílio do Vaticano, ao querer caracterizar essa
jurisdição do Papa, diz que é uma jurisdição episcopal:
“Ensinamos, pois, e declaramos que a Igreja Romana, por disposição
divina, tem o primado do poder ordinário sobre todas as outras
Igrejas, e que este poder de jurisdição do Romano Pontífice, poder
verdadeiramente episcopal, é imediato… jurisdictionis potestatem, quæ
vere episcopalis est, immediatam esse” Pastor Aeternus, D. 1827, 18 de
julho de 1870.
Há, portanto, equivalência (implicação recíproca) entre episcopado e
jurisdição.
Aceder ao episcopado fora da jurisdição da Igreja é, portanto, um
atentado, não simplesmente contra a legislação da Igreja [9], mas
contra a constituição mesma da Igreja: logo, isso não é admissível
jamais. A epiqueia nunca se pode exercer contra a natureza das coisas:
isso é verdadeiro em toda a ordem natural, mas bem mais ainda no que
concerne à natureza sobrenatural da Igreja.
[9. Pode ser, por vezes, permitido passar ao largo de uma lei
positiva, mas com condições bem precisas: que seja efetivamente uma
lei positiva (pois não se pode transgredir nunca a lei natural), que o
caso em que a pessoa se encontra não tenha sido previsto pelo
legislador, que o recurso à Autoridade seja impossível, que o bem a
obter ou o mal a evitar sejam proporcionais à gravidade da lei, que
não haja escândalo do próximo. É a virtude da epiqueia, parte
subjetiva da justiça, que entra então em jogo [Cf. Santo Tomás de
Aquino, Suma Teológica, IIa IIæ, Q. CXX].]
Queira-se ou não, uma sagração episcopal é, pois, a instauração de uma
hierarquia; e, se essa sagração não é efetuada por ordem pontifícia, é
a criação de uma nova hierarquia, outra que não a da Igreja Católica.
Sinal indubitável disso é também que essas sagrações transtornam toda
a vida da Igreja e invertem a prática a que ela se atém por sua
constituição divina. Assim:
— escolhe-se ser bispo, não se é escolhido;
— escolhe-se ligar-se a tal bispo, não se o recebe da Igreja.
Perguntas
1. Mas não fizestes a mesma coisa? Fostes vós que escolhestes ser
ordenado por Dom Lefebvre! É fácil falar, agora que sois padre!
É verdade. Dom Lefebvre não era um bispo que a Igreja nos tivesse dado
[no sentido da jurisdição]… e é a triste consequência da crise
presente. Mas Dom Lefebvre era um bispo que a Igreja havia se dado a
si mesma [e, portanto, indiretamente a nós]. Ora, o problema está aí:
encontramo-nos agora em presença de bispos que a Igreja não nos deu, e
que ela nem sequer se deu a si mesma. A que título poderíamos, e mais
ainda deveríamos, reconhecê-los e nos ligarmos a eles recorrendo ao
episcopado deles?
Ser padre é uma graça imensa, mas não é, em nenhum caso, um direito.
Não se deve, pois, desejar ser padre a qualquer preço. Não se pode
desejar sê-lo de encontro à constituição da Santa Igreja; há aí
desordem grave, que não pode ser a vontade de Deus. Se uma vocação é
real, é certo que Nosso Senhor a ajudará a chegar a bom termo (quando
Ele quiser) e é mais certo ainda que Ele não quer que ela vingue não
importa como, em desprezo da natureza da Santa Igreja. De modo mais
geral, nos tempos de perturbação e de incerteza, é insensato regrar
sua conduta segundo seus próprios desejos ou segundo sua própria
perspectiva do futuro: é cair, com certeza, na ilusão e no juízo
particular. É preciso regrar sua conduta com base na doutrina, nos
princípios e na prática da Igreja. Mesmo se temos a impressão de não
avançar, não extraviamos nem a nós mesmos nem àqueles que confiam em
nós.
2. E quanto ao aspecto prudencial que anunciastes?
O aspecto prudencial foi evocado aqui e ali nos textos citados acima;
é uma evidência para quem abre os olhos e é, além disso, consequência
inelutável do aspecto teológico.
Antes de tudo, podemos dizer que somos contra as sagrações sem mandato
apostólico porque não somos a favor: em matéria tão grave, cujas
consequências podem ser incalculáveis tanto em efeitos desastrosos
quanto em extensão no tempo [não há hierarquias cismáticas que duram
há quinze séculos?], seria necessária uma certeza bem embasada e bem
sólida para passar ao largo da lei da Igreja – à qual está ligada a
mais severa das excomunhões – que estrutura sua vida hierárquica e
sacramental. Ora, essa certeza, nós não a possuímos, muito pelo
contrário.
Além disso, a proliferação das sagrações, o espírito de anarquia que
daí resultou, a dificuldade de discernir quem é católico e quem não é,
a perda da solicitude para com a Igreja universal, as estranhas
doutrinas que circulam para justificar as sagrações, tudo isso pode
encher o espírito de inquietude e de angústia: isso não é católico,
isso não é justificável, isso é fruto de uma falsa doutrina sobre a
unidade da Igreja e do episcopado, é queda em uma tentação sob
aparência de bem que lisonjeia secretamente o espírito anarquista e
presunçoso que carregamos desde o pecado original.
Em outubro de 1992, o diácono Zins publicava um número especial de sua
revista Sub tuum præsidium consagrado ao que ele chama “gentilmente”
de conluios dos “guérardo-thucistas” com as seitas.
Esse número é uma mixórdia onde é difícil de se encontrar; mas, mesmo
pondo as coisas em perspectiva, mesmo fazendo abstração dos amálgamas
prematuros e partidários que ele poderia manifestar, permanece o fato
de que não há como não ficar vivamente impressionado ou mesmo
assustadíssimo com esse mundo mais ou menos subterrâneo de sagrações e
desastres. Quantos fatos indubitáveis e escandalosos, quantas
catástrofes espirituais e humanas, que mundo dúbio repleto de
perturbações! Está aí a Igreja?
3. Não há, então, ninguém de virtuoso dentre os que aderiram [se sont
ralliés - N. do T.] ou se resignaram à via episcopal?
Claro que sim! Mas é pôr-se em má perspectiva discutir a virtude deste
ou daquele… sem falar dos riscos de juízo falso ou subjetivo. Pois a
virtude de uma pessoa, por maior que a suponhamos, não garante a
verdade dos princípios que ela professa ou aplica. Essa virtude pode
compensar por um tempo os efeitos perversos dos falsos princípios, mas
a longo prazo, seja nele seja em seus sucessores ou discípulos, esses
falsos princípios acabam dando seus frutos, e por vezes de modo tanto
mais violento quanto foram mais tempo impedidos pelas qualidades
pessoais daquele que os professa. A virtude de um homem pode dar uma
presunção favorável, mas não dispensa jamais de examinar o que ele
professa do ponto de vista da verdade, isto é, do ponto de vista da
fé, da doutrina e da prática da Igreja; foi a isso que nos esforçamos,
fazendo abstração das questões de pessoas.
4. O que propondes fazer?
Nada! O que o Bom Deus nos pede é, primeiro, sermos fiéis, custe o que
custar: “Que os homens nos considerem como os ministros de Jesus
Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, o que se requer nos
despenseiros é que cada um se encontre fiel” [10. I Cor. iv, 1]. Não
temos solução substituta, a não ser a fé que nos ensina que Nosso
Senhor cuida Ele Mesmo da perenidade de Sua Igreja: nossa preocupação
principal deve ser a de permanecer nesta Igreja, sem comprometer sua
unidade e nossa salvação por atos que atentem contra a sua
constituição, levando o testemunho da fé e nos santificando no lugar a
que o Bom Deus nos designou.
A esse respeito, ouve-se frequentemente a objeção: se não tivesse
havido sagrações, não haveria mais sacramentos… Pode-se pensar, com
igual verossimilhança, que, se não tivesse havido sagrações, Deus
mesmo as teria provido, pondo fim à crise da Igreja. Estais dizendo
que, se não tivesse havido sagrações, a crise da Igreja teria
terminado? Por que não? Fica manifesto por aí, em todo o caso, que
isso é pôr-se em má perspectiva. Não é com “E se” que se raciocina,
mas com os princípios da Igreja.
Conclusão
Queremos crer que soubemos manifestar a impossibilidade [doutrinal] e
a gravidade [prudencial] das sagrações episcopais sem mandato
apostólico. Compreender-se-á então que, como conclusão, nós afirmemos
que não queremos ter parte alguma, nem direta nem indireta, nisso que
consideramos um atentado contra a constituição da Igreja e uma via
perigosa. Em caso algum, queremos deixar crer que nós a aprovamos.
Supondo que nos enganemos (o que nos parece impossível, no caso, pois
Deus não vai contra a Sua Igreja, e não a desmente), teremos ao menos
o papel do velho rabugento que terá impedido dois ou três imprudentes
de ir depressa demais ou longe demais.
Definitivamente, a história dessas sagrações é análoga à das filhas de
Ló [11. Sobrinho de Abraão. Gênesis XIX, 30-37]. Essas infelizes,
transtornadas com o dilúvio de fogo que destruiu Sodoma e Gomorra e
com a morte da mãe, transformada em estátua de sal, acreditando que
seu pai e elas seriam os únicos sobreviventes da espécie humana,
creram-se autorizadas aos atos mais monstruosos: elas embriagaram duas
vezes o pai, a fim de assegurar-se descendência à revelia dele – pois
ele nunca teria consentido com aqueles abomináveis incestos. Assim
nasceram a raça dos moabitas e a dos amonitas, que foram inimigos
terríveis do povo de Israel. Essas duas filhas não podiam invocar a
desculpa da necessidade, pois nunca necessidade alguma autoriza a
violar a lei natural e, além do mais, elas eram joguete de uma ilusão:
o mundo continuava a existir além delas.
Do mesmo modo, há sempre ilusão e grande perigo em crer que nós somos
os únicos e que nada de bom, nada de verdadeiro, nada de autêntico
existe além de nós e de nossos amigos. Nosso temor é que os
partidários das sagrações se deixem hipnotizar por uma necessidade que
eles invocam equivocadamente como permitindo atos que a Igreja só pode
reprovar. É preciso verdadeiramente embriagar a doutrina católica
sobre a constituição da Igreja, para fazê-la admitir que as sagrações
sem mandato apostólico são legítimas. Esperamos que delas não nasçam
novas gerações de moabitas e amonitas.
Digitus Dei non est hic
Um abismo intransponível:

O episcopado autônomo
[12. Extraído do número 4 (junho de 1997) da revista Les Deux
Étendards [Os Dois Estandartes], editada pela associação Grâce et
Vérité [Graça e Verdade], 27 Casquit, F – 33490 Saint-Maixant.]
A revista Sodalitium publicou, sob a pluma do Sr. Pe. Francesco
Ricossa, [13. “Digitus Dei non est hic”, suplemento ao n.° 43 de
Sodalitium] longa refutação de nosso artigo As filhas de Ló, publicado
no n.° 3 de Les Deux étendards, artigo no qual expusemos nossa recusa
das sagrações episcopais realizadas sem mandato apostólico, assim como
os motivos dessa recusa.
A crítica de Sodalitium é severa. Nossa exposição sobre a natureza do
episcopado é qualificada ali de vincada pelo galicanismo e de tirada
do ensinamento do Vaticano II. Ai, ai, ai! Vale a pena determo-nos aí
um pouco, tanto mais que nos encontramos em presença de verdadeiro
paradoxo: nós recusamos um episcopado autônomo, apoiando-nos numa
doutrina que, se nos diz, concede demasiada autonomia ao episcopado!
O nó da questão é, pois, a natureza do episcopado, e de suas relações
com a constituição hierárquica da Igreja.
A dificuldade de tratar essas questões é grande, ao menos por três
razões.
A primeira é uma diferença na nomenclatura dos poderes da Igreja; o
Magistério [14. Mystici Corporis, 29 de junho de 1943, passim],
conforme o Santo Evangelho, distingue três poderes: ensino (ou
Magistério), santificação (ou Ordem) e governo (ou Jurisdição); o
Direito Canônico, situando-se no plano prático, e na esteira dele
alguns teólogos como Journet, distinguem somente dois: Ordem e
Jurisdição [15. Cânones 196, 948]. Cumpre, pois, atentar sempre para a
compreensão e a extensão das palavras que se emprega, sobretudo se se
passa de uma a outra, sob pena de construir um quebra-cabeça mal
ajambrado. Tanto mais que, seja qual for a nomenclatura adotada, a
jurisdição diz-se de maneira analógica nos diferentes domínios em que
se aplica.
A segunda é que a Igreja tem uma hierarquia, e essa única hierarquia
ordena-se segundo duas razões diversas: a ordem e a jurisdição.
A terceira provém do fato de Santo Tomás de Aquino não ter escrito
nenhuma obra tratando ex professo da Igreja; é preciso então ir
procurar a luz teológica noutros tratados, em particular no tratado do
sacramento da ordem.
Essas dificuldades fazem com que grande número de teólogos sobrevoem
rapidamente a questão do episcopado, com frequência só tratando do
episcopado uma vez recebida a jurisdição do Soberano Pontífice, mal
distinguindo, na dignidade e poderes dos bispos, aquilo que provém
dessa jurisdição e aquilo que provém de sua consagração episcopal.
Tanto para corrigir algumas imprecisões ou erros de linguagem de que
fomos culpado [16], quanto para mostrar que nosso tratamento do
episcopado é inteiramente clássico, e tomista, e incontestável, eis
aqui longos excertos de L’Église du Christ, son sacerdoce, son
gouvernement [A Igreja de Cristo, seu sacerdócio, seu governo] [pp.
67-79], estudo do Pe. Ch.-V. Héris, O.P., que – será mister precisá-
lo? – não é nem galicano, nem conciliar, nem influenciado pelo Pe. de
Blignières, nem está sob o império da paixão ou da amargura, nem
especialmente desejoso de atingir ou de beneficiar a quem quer que
seja, mas simplesmente preocupado em dizer aquilo que é.
[16. A principal está na página 17, onde havíamos escrito: “O bispo
[...] exerce uma jurisdição, cujas determinações e aplicação pertencem
ao Papa”. Nossa maneira de nos exprimirmos foi defeituosa; deveríamos
ter escrito: “o bispo pede uma jurisdição, cuja existência, aplicação
e determinações pertencem ao Papa”. Agradecemos ao Sr. Pe. Ricossa por
ter-nos propiciado a ocasião dessa correção.]
« o padre, com efeito, por esse caráter [sacerdotal] recebe poder
direto e imediato sobre o corpo verdadeiro de Cristo; ele pode
consagrar o pão e o vinho ao Corpo e ao Sangue de Jesus, e oferecê-los
a Deus em sacrifício, renovando o gesto do Calvário. Este é o seu
ofício próprio e principal. Desse poder sobre o corpo de Cristo na
Eucaristia, deriva para o padre o poder de santificação sobre os fiéis
pelos outros sacramentos: pois, estando encarregado do culto
eucarístico, cabe a ele preparar as almas e torná-las dignas de nele
participar. Os sacramentos são precisamente instituídos para ordenar
as almas à Eucaristia; o padre poderá então administrar esses
sacramentos, em vista de encaminhar as almas a uma união mais estreita
com Cristo no sacrifício e na comunhão eucarísticos. Há entre o poder
do padre sobre o corpo verdadeiro de Cristo e o poder sobre Seu corpo
místico a mesma ordem que entre a Eucaristia e os sacramentos: a
Eucaristia é a finalidade dos sacramentos; o poder eucarístico do
padre é também a finalidade e a razão de ser do seu poder sacramental.
Esse poder não é, pois, falando propriamente, um poder de regência, é
um poder de santificação do corpo místico, um poder de mediação
sacerdotal.
Daí que, toda a vez que os sacramentos, por sua própria natureza,
pedirem, para serem administrados validamente, não somente um poder de
santificação, mas um verdadeiro poder de regência, será exigido, para
conferi-los, algo além do simples caráter sacerdotal. É o que ocorre
com o sacramento da Penitência: [17] é o que se produz de maneira
muito mais elevada na colação dos sacramentos da Ordem e da
Confirmação. »
[17. « Conforme a observação de Santo Tomás, os fiéis penitentes são
eles próprios a matéria do sacramento da penitência, e eles não podem
ser submetidos a um julgamento - ou, noutros termos, a forma desse
sacramento não pode ser aplicada à matéria - senão por meio da
jurisdição competente. Sob esse aspecto, a absolvição está em
dependência estreita e necessária da autoridade legítima que,
unicamente ela, tem poder na Igreja de legislar e de sancionar os atos
dos fiéis. Contudo, a absolvição não é simples sentença declaratória:
ela é um ato sacramental que confere instrumentalmente a graça e que
santifica a alma ao justificá-la de suas faltas. Vista dessa
perspectiva, ela deriva unicamente do caráter sacerdotal; a jurisdição
é-lhe extrínseca, é somente uma condição absolutamente requerida.
“Todos os poderes espirituais são dados com uma certa consagração”,
lemos em Santo Tomás. “Por essa razão, o poder das chaves é dado com o
sacramento da Ordem. Mas o exercício desse poder requer matéria
apropriada, que é o povo cristão submetido por intermédio da
jurisdição. Assim também, antes da jurisdição o padre tem o poder das
chaves, mas não a faculdade de exercer esse poder” (Sum. Teol., Supl.,
q. 17, art. 2, sol. 2). » [Héris, op. cit., p. 64; o primeiro
sublinhado é nosso].]
« Não se pode esquecer, com efeito, que, ao mesmo tempo que santificam
as almas, os sacramentos, pelos três caracteres que produzem,
estabelecem uma sociedade cultual orgânica composta de simples
membros, defensores autorizados, os sacerdotes. Para constituir uma
tal sociedade e conferir a seus membros uma dignidade que os distingue
dos outros, não seria suficiente somente o poder sacerdotal de
santificação: é preciso ter um poder direto sobre o corpo místico de
Cristo, é preciso ser apto a regê-lo e a governá-lo. O batismo, é
verdade, dirigindo-se a homens que ainda não fazem parte da Igreja e
não estão submetidos à sua autoridade, não requer, por si, para ser
administrado, esse poder de regência: um simples padre pode introduzir
na Igreja a quem quer que exprima tal desejo. Mas a partir do momento
em que o homem, por seu caráter batismal, faz parte da sociedade
cultual cristã, ele está submetido imediatamente àqueles que têm
autoridade para regê-la. Por conseguinte, quando se tratar, no
interior mesmo do culto cristão, não somente de santificar as almas,
mas de elevá-las a uma dignidade que as faça participar de maneira
mais íntima do sacerdócio de Cristo, o simples padre não poderá por si
mesmo operar essa elevação. Será preciso que ele seja revestido de uma
autoridade que lhe dê poder direto e imediato sobre os membros do
culto cristão. “Pela Ordem e pela Confirmação”, escreve ainda Santo
Tomás, “os fiéis são deputados a ofícios especiais: uma tal deputação
pertence propriamente ao cabeça. É por isso que a colação desses
sacramentos pertence unicamente ao bispo que desempenha na Igreja
encargo de príncipe” (Sum. Teol., IIIa, q. 65, art. 3, sol. 2).
Notemos que não se trata aqui de simples questão de licitude: sob esse
aspecto, todo o padre, na administração dos sacramentos, está
submetido à autoridade da Igreja. É a própria validade do sacramento
que está em jogo: em razão de sua natureza especial, que é de conferir
uma certa excelência na ordem cultual, a Confirmação e a Ordem supõem,
para serem dadas validamente, um poder de regência que somente o bispo
possui.
Mais ainda, tratando-se do sacramento da Penitência, o que é
necessário, falando propriamente, é um poder de jurisdição que dê o
direito de proferir um julgamento autorizado sobre o pecador e de o
absolver. Totalmente diverso é o caso dos sacramentos da Ordem e da
Confirmação: o ato propriamente sacramental que os constitui não
confere somente a graça, mas também uma certa deputação em ofícios e
encargos do culto cristão. Para estar em posição de transmitir uma tal
deputação aos membros desse culto, não parece suficiente, então,
possuir o poder sobre o corpo eucarístico de Cristo, nem o poder de
santificação que dele deriva e que é conferido pelo caráter
sacerdotal; nem mesmo é suficiente estar investido de uma jurisdição
mais ou menos estendida, pois não se trata aqui nem de julgar nem de
sancionar. É preciso com toda a necessidade possuir, na ordem cultual
mesma, um poder hierárquico que autoriza a conferir sacramentalmente
aos membros do corpo místico um ofício ou uma função referentes ao
culto cristão. Esse poder é o poder propriamente episcopal.
Mas quer dizer, então, que o episcopado deve ser considerado
verdadeiro sacramento, assim como o presbiterado e as outras ordens
menores? Sabemos, com efeito, que o sacramento da Ordem divide-se em
várias ordens, sintetizadas todas na unidade pela referência delas ao
culto eucarístico, e, por esse fato, que as ordens inferiores são
participações da ordem suprema. Essa ordem suprema não seria
precisamente o episcopado? Numerosos teólogos modernos, na esteira de
Pedro Soto, são desse parecer. Não é esse, porém, o pensamento de
Santo Tomás: segundo o nosso Doutor, o sacramento da Ordem tem relação
direta e imediata com a Eucaristia; os poderes que ele confere
referem-se primeiramente ao corpo verdadeiro de Cristo oferecido sobre
nossos altares; é somente por derivação que o sacramento da Ordem nos
ordena ao corpo místico, visando dispor as almas para o culto divino.
Ora, com relação à Eucaristia, o bispo não possui poderes mais
estendidos que os do padre: como este, ele consagra e oferece a vítima
divina e não tem como fazer mais do que isso. O episcopado não é,
pois, como se poderia crer, o sacramento da Ordem em seu grau supremo.
Por outro lado, o episcopado investe o bispo com uma dignidade que o
ordena diretamente à regência do corpo místico. Essa dignidade é uma
consagração, porém inteiramente diferente daquela que confere o
caráter sacramental. O caráter nos consagra imediatamente a Deus e nos
une a Ele visando permitir-nos tomar parte nos atos do sacerdócio
cristão. O episcopado vota o bispo e o consagra ao corpo místico, que
é, sim, também algo de divino, pois ligado a Deus pela cabeça, isto é,
por Cristo; mas a pertença do bispo a Deus é indireta, e é antes de
tudo para o corpo místico que sua consagração o orienta. Essa
consagração dá a ele, evidentemente, um poder hierárquico, uma
dignidade de regência de primeira ordem. “Por sua promoção ao
episcopado, escreve Santo Tomás, o bispo recebe um poder que permanece
perpetuamente nele. Mas não se pode dizer que seja um caráter: pois,
pelo poder episcopal, o homem não é diretamente ordenado a Deus, mas
ao corpo místico de Cristo. Esse poder não é menos indelével que o
caráter, e é dado por meio de uma consagração” (S. Theol., supl., q.
38, art. 2, sol. 2).
Pela consagração episcopal o bispo é, pois, estabelecido
verdadeiramente chefe do corpo místico e dos membros do culto cristão.
E a partir daí ele tem a autoridade necessária para agir sobre esses
membros e instituí-los nas funções oficiais referentes ao culto. Ele
pode nomear os defensores da religião de Cristo, ele pode escolher
seus ministros e seus padres. Sem dúvida alguma, é em virtude de seu
caráter sacerdotal que ele os consagrará e lhes dará sacramentalmente
os poderes anexos ao encargo deles; mas será previamente mister que o
caráter tenha sido elevado de tal sorte que seja um caráter de chefe e
de príncipe da Igreja. É a consagração episcopal que realiza essa
elevação. Assim a realeza de Cristo eleva seu sacerdócio ao ponto de
lhe permitir exercer os seus atos com autonomia e maestria perfeitas.
[...] Conforme tudo o que dissemos até aqui, é fácil de compreender
por que ordinariamente divide-se o poder de regência do bispo em poder
de ordem e poder de jurisdição. O poder de ordem vem ao bispo, ao
mesmo tempo, do caráter sacerdotal e da consagração episcopal: é um
poder hierárquico que o estabelece chefe do culto cristão e dá a ele
direito de reger sacramentalmente os membros desse culto. Chega a
estender-se, de um certo modo, à Eucaristia, no sentido de que permite
ao bispo consagrar os objetos que têm relação com a liturgia
eucarística como os cálices, os altares, as igrejas. [...] Também
Santo Tomás não vê dificuldade em reconhecer que o episcopado é
verdadeiramente uma ordem, não no sentido sacramental da palavra, mas
no sentido em que a palavra significa grau, dignidade hierárquica.
[...] Permanece igualmente verdadeiro que o poder de jurisdição do
bispo, ao qual cumpre conectar seu poder de ensinamento, encontra-se
inteiramente distinto de seu poder de ordem. Certamente que este
último, ao conferir ao bispo uma dignidade de realeza, fazendo dele
príncipe da Igreja, cria nele uma aptidão radical para governar e para
ensinar o povo cristão. Como, porém, esse governo e esse ensinamento
só têm valor verdadeiro e eficácia real na medida em que os bispos
estão unidos ao Soberano Pontífice, é ao Papa, e a ele somente, que
incumbe conferir ao bispo o poder de jurisdição. Esse poder não está
em dependência essencial do poder hierárquico: o bispo possui-o a
partir do momento em que ele é instituído pela autoridade suprema na
chefia de uma diocese e antes mesmo de ser consagrado; ele perde-o
mesmo depois de sua consagração, a partir do momento em que aconteça
de ele se separar do Pontífice Romano, de cair no cisma. Pois uma
coisa é ensinar, legislar, julgar o povo cristão; e outra coisa é ter
controle sobre a constituição mesma do culto divino e sobre as funções
essenciais do culto. A primeira função pertence ao poder de jurisdição
dado por Cristo a Pedro e aos Apóstolos e transmitido, por via de
autêntica sucessão, ao Papa e aos bispos. A segunda função pede um
poder hierárquico conferido por via de consagração, e intimamente
ligado a esta outra consagração que é o caráter sacerdotal. O Papa e
os bispos não são simples doutores nem simples legisladores ou juízes:
eles são também consagrados hierarquicamente e sacerdotalmente. Mas,
ao passo que o Papa é superior aos bispos sob o aspecto da jurisdição,
ele é seu igual do ponto de vista da consagração hierárquica; e, ao
passo que o Papa e os bispos são superiores ao simples padre tanto
pela jurisdição quanto pelo poder hierárquico, eles não estão de
maneira alguma acima dele no que tange ao objeto próprio de seu poder
sacerdotal, a consagração eucarística. »
Essa longa citação afirma muito bem a natureza essencialmente
hierárquica do poder episcopal, tal como este é dado pela consagração
mesma: é uma regência sobre o corpo místico, é um poder de príncipe. A
jurisdição lhe é distinta, e somente pode vir do Papa, porém ela é seu
complemento intrínseco, já que necessária ao exercício do poder de
príncipe do bispo, desse poder de regência. Esse chamado à jurisdição
que a dignidade hierárquica conferida pela consagração episcopal
comporta é exprimido assim pelo Padre V. A. Berto (e é difícil de ser
mais romano do que ele foi!):
“Bispo e Igreja particular [18. Ou seja, porção (territorial) da
Igreja Católica, ou diocese.] são termos sempre e em toda a parte
correlativos. Isso é tão verdadeiro, que até hoje os bispos não
residenciais recebem o título de uma sé suprimida. Isso é tão
verdadeiro, que o Bispo dos Bispos é, ele próprio, pastor particular
da Igreja particular de Roma; a Igreja universal não é governada por
um Bispo sem diocese, ela o é pelo Bispo de Roma” [19. Pour la sainte
Église Romaine, [Pela Santa Igreja Romana] Paris, 1976, pp. 225-226.
Escrito em 1954.].
O que é bem posto em foco é que, passando do sacerdócio para o
episcopado, muda-se de ordem (passa-se da ordem principalmente
sacramental à ordem principalmente hierárquica); muda-se de objeto
primordial (passa-se do Corpo físico de Jesus Cristo para o seu Corpo
místico); muda-se de relação com a jurisdição (de acidental –
concernente ao exercício derivado do poder sacerdotal –, ela se torna
essencial – concernente ao exercício primordial do poder episcopal).
Há, portanto, diferença de natureza e não de grau entre sacerdócio e
episcopado, um abismo intransponível sem mandato explícito da
autoridade legítima e suprema da Santa Igreja Católica. A profundeza
desse abismo é manifestada também pelo fato de que a Igreja admite, e
chega a organizar, suplências para o exercício do poder sacerdotal, e
de que ela nunca admitiu suplência no que concerne ao poder
propriamente episcopal.
Nunca. Nem mesmo no caso de Santo Eusébio de Samosata que se alega.
Lamentamos muito que o Sr. Pe. Ricossa a ele se refira, pois essa
história, juntamente com algumas outras como aquela de Honório ou como
a de uma pretensa queda do Papa Libério, faz parte de um arsenal
utilizado pelos inimigos da doutrina católica (galicanos, anti-
concordatários, anti-infalibilistas, …) reciclado para o uso dos
“tradicionalistas” nos últimos vinte ou vinte e cinco anos. É
deplorável ir se abastecer num tal arsenal, de que se servem ora para
diminuir a infalibilidade ou as prerrogativas do Soberano Pontífice,
ora para tentar justificar a desobediência, ora para atentar contra a
constituição da Igreja.
Dom Guéranger já restabeleceu, em seu tempo, a justiça perante as
calúnias contra Libério ou os exageros deformantes da falta de Honório
[20]. Não temos lembrança de que ele tenha tratado de Santo Eusébio de
Samosata, mas este caso encontra-se bem exposto e analisado em dois
artigos do frade A.M. Lenoir, publicados nos números 22 e 23 de Sedes
Sapientiæ [21. Sociedade Santo Tomás de Aquino. F – 53340 Chémeré-le-
Roi]. Resulta desse estudo que Santo Eusébio observou fielmente as
leis canônicas, a vida inteira, e que a atribuição que fazem a ele de
sagrações episcopais realizadas por conta própria repousa sobre uma
única fonte histórica – Teodoreto de Ciro, no século seguinte (o
quinto) – cuja interpretação é, ainda por cima, difícil. Essa
interpretação não pode ser feita nos antípodas de toda a vida dele e,
em todo o caso, não tem como ser aquela adotada para justificar
sagrações ilegais.
[20. Cf. La Monarchie pontificale (A Monarquia pontifícia), ou ainda
Défense de l’Église Romaine (Defesa da Igreja de Roma). [acréscimo de
novembro de 2000: verificação feita, Dom Guéranger não tratou de
Eusébio de Samosata. O Pe. Ricossa anunciou no número seguinte de
Sodalitium (n.°44, julho de 1997, p. 31) que ele iria procurar um caso
histórico inegável de sagração sem mandato ulteriormente aprovada pela
Igreja... nós continuamos esperando.] [E até hoje, em setembro de
2007.]
Mantemos, portanto, integralmente o juízo que exprimimos no fascículo
precedente de Les Deux Étendards, tanto do ponto de vista doutrinal
quanto do ponto de vista prudencial. Não insistimos além disso, porque
reproduzimos em anexo a resposta que fizemos a algumas pessoas que nos
interrogaram sobre a atitude prática a observar.
O Padre Ricossa se espanta de não nos ver empregar a palavra cisma. É
muito natural. Fora de uma declaração dos interessados, com o silêncio
do direito canônico, em razão da clara intenção de muitos de não se
separar da Igreja, caberá à Autoridade, e a ela somente, decidir e
excluir. Todos já sofremos demais com um emprego indistinto e inchado
da acusação de cisma, para que nos caiba contemplar um tal
qualificativo. Isso não nos impede de pensar e de afirmar que uma
sagração episcopal sem mandato apostólico tende por natureza ao cisma:
basta-nos isso para recusá-la, para nos mantermos à margem, para nos
opormos a ela.

Anexo I
Resposta acerca da atitude prática a adotar com respeito aos padres
ordenados por bispos sagrados sem mandato apostólico
Em seguida à publicação do artigo “As Filhas de Ló” em Deux Étendards
[Dois Estandartes] n.° 3, perguntaram-nos diversas vezes que atitude
adotar com respeito a esses padres que receberam o sacerdócio das mãos
de um bispo “ilegal”. Pode-se assistir à Santa Missa que eles
celebram?
A questão só se põe, evidentemente, com relação a padres cuja
ordenação não apresenta nenhuma dúvida quanto à validade [22], que têm
a firme intenção de pertencer à Igreja Católica e nunca a abandonaram,
que professam integralmente a fé e não se arrogam nenhuma jurisdição
que seja, padres “sérios” portanto. Cumpre reconhecer que, por causa
da proliferação dos bispos e da abundância de sua descendência, é
muito difícil de se localizar; esses padres, não podendo alegar
ordenação por um verdadeiro bispo da Igreja, não trazem, tudo somado,
garantia além daquela de suas qualidades pessoais – o que é frágil, e
por vezes enganador.
[22. Será cada vez mais difícil de julgar; a certeza – que repousa já
sobre boa dose de confiança difícil de conceder – irá diminuindo. Esse
simples fato mostra por si só que a “via episcopal” não é a via da
salvação, nem sequer a da sobrevivência. Em certas linhagens
episcopais, se está na terceira ou quarta geração de sagrações, e os
intermediários, vindos por vezes não se sabe de onde, desaparecem uns
após os outros...]
Supondo então que todas essas condições estejam reunidas, permanece o
fato de que o sacerdócio desses padres foi obtido ao preço da adesão
em ato a um falso

princípio relativo à jurisdição e à unidade da Igreja, e que seu sacerdócio permanece


maculado… e o permanecerá enquanto a Igreja não os tiver sanado disso. Esse falso
princípio, essa adesão a uma falsa regra da unidade hierárquica da Igreja, marca cada
um de seus atos, assim como o una cum Johanne-Paulo marca cada missa que o contém.
Não é ao léu que fazemos essa comparação, mas antes porque há verdadeira analogia,
que se encontra logicamente no estudo do comportamento que se deve adotar. É por isso
que cremos poder repetir aqui (corrigindo-o levemente sem mudar-lhe o sentido) aquilo
que escrevemos outrora [23. Boletim Notre-Dame de la Sainte-Espérance [Nossa
Senhora da Santa Esperança], n.° 98, de julho de 1994] acerca da assistência às missas
una cum:
“A menção do Soberano Pontífice no Cânon da Missa é de particular
gravidade, primeiro em razão da santidade dessa que é a mais preciosa,
a mais solene e a mais eficaz oração de toda a liturgia da Igreja,
dessa oração que está no coração do mistério da fé. Essa menção
concerne diretamente à catolicidade do Santo Sacrifício, do
celebrante, dos assistentes; ela exprime a adesão que deve ter cada
católico ao Soberano Pontífice como regra viva da fé e como detentor
da plenitude do poder de ordem na Igreja; ela realiza (ela torna real)
nossa pertença à Igreja e nossa submissão ao Soberano Pontífice. É
assim que a Igreja sempre a entendeu.
Assim, é certíssimo que um fiel não pode fazer nenhuma cooperação
formal com o una cum Johanne-Paulo que um padre pronuncia no Cânon da
Missa, é-lhe impossível de se unir a um tal ato, que é subordinação a
uma falsa regra da fé, que é dependência sacramental proclamada para
com quem não está na cabeça dos verdadeiros sacramentos da Igreja.
É possível assistir à Missa una cum sem fazer essa impossível
(moralmente falando) cooperação formal; dito de outro modo, é possível
não prestar senão cooperação material moralmente permitida?
Parece-nos que sim, com as duas condições seguintes:
— recusar interiormente esse una cum e protestar perante Deus que
queremos nos conformar a todas as exigências da fé católica;
— ter razão grave (ou seja, proporcional) para o fazer. É bem evidente
que temer um aumento de distância ou de fadiga, querer beneficiar-se
de horários mais cômodos, ou evitar um encontro pouco simpático, não
poderiam constituir razão suficiente. Em contrapartida, a necessidade
de pôr os filhos numa escola de boa moralidade ou de não se expor a
uma perigosa privação de sacramentos pode ser essa razão grave.
Numa palavra, não deve essa assistência à missa maculada pelo una cum
ser voluntária: é preciso que não tenhamos opção. Se nos repreenderá
talvez por não sermos bastante rigorosos sobre esse ponto, mas
receamos incorrer na reprimenda de Nosso Senhor aos fariseus: “Eles
atam cargas pesadas e impossíveis de levar, e as põem sobre os ombros
dos homens, mas nem com um dedo as querem mover” [Matth. XXIII, 4].”
Eis então nossa resposta à questão inicial: NÃO, NÃO, NÃO, MAS. Não,
para não aderir a um princípio que afasta da unidade da Igreja; não,
para não aprovar o que não é conforme à doutrina católica sobre a
jurisdição e o episcopado; não, para não se extraviar e para evitar
encorajar quem quer que seja a se extraviar num caminho perigosíssimo
– e que o será cada vez mais; mas, por razões graves [24], “sob
reserva, no máximo”, para retomar uma expressão que Jean Madiran
empregou no momento da irrupção do novo ordo missæ, no aguardo de um
juízo mais aprofundado.
[24. Se se deseja comparar as razões que permitiriam assistir à missa
de um padre ordenado por um bispo sagrado sem mandato apostólico, e
aquelas que permitiriam assistir a uma missa una cum Johanne-Paulo, a
resposta é bastante indecisa. Em consideração da natureza das coisas,
seríamos mais severo no segundo caso; em consideração da gravidade das
consequências, seríamos muito mais severo no primeiro caso.]
Para ter certeza de não se afastar da Igreja, para não arriscar ir
contra ela cada vez que for preciso decidir – em razão da dolorosa
crise que ela padece – sobre algo que se aparta de sua lei ordinária,
cumpre ater-se a este princípio (que está no fundamento da “tese de
Cassicíaco”):
— afirmar e fazer tudo o que é exigido pela fé e seu testemunho, pois
a fé é indivisível;
— nada afirmar nem fazer além do que é exigido pela fé, pois o juízo
próprio, que facilmente se lhe substitui, é cego; ele não é, em nada,
regra de ação com respeito à Igreja; ele conduz ao abandono ou à
aventura, que nunca produziram nada além de injustiças e catástrofes.
O recurso ao episcopado sem mandato, não sendo possível em face da
doutrina católica, não pode ser uma exigência da fé; eis por que a
responsabilidade dos que utilizam, encorajam ou respaldam o “caminho
episcopal” parece-nos enorme. Os católicos fiéis, por mais zelosos e
corajosos que sejam, são frequentemente já corroídos pelo esquecimento
da Igreja e de sua unidade, pela indiferença para com partes inteiras
de sua doutrina, pela perda do sentido de sua autoridade; eles
verdadeiramente não têm necessidade de ser arrastados, por mais que
não se o queira admitir, à adesão a uma pseudo-hierarquia.
Aí está grande causa de tristeza e de inquietude.
Usquequo, Domine, usquequo ?… In te confido, non erubescam.

Anexo II
Excerto da carta de apresentação ao número 5

de Les Deux Étendards (dezembro de 1997)


Notar-se-á também que, neste número, a controvérsia acerca das
sagrações episcopais não é levada adiante. Para dizer a verdade, nunca
esteve em nossa intenção entregarmo-nos a uma controvérsia: somente a
necessidade de corrigir uma expressão verdadeiramente defeituosa de
nosso primeiro texto (expressão que fora acrescentada apressadamente,
no último minuto – coisa que nunca dá certo) compeliu-nos a retornar
ao assunto.
Para nós, com efeito, após longas ruminações, o caso está encerrado:
simplesmente quisemos exprimir que não se devia contar conosco para
entrar nessa aventura ou para aprová-la como quer que fosse, em
palavras ou em ato. Com efeito, de que adianta ter lutado por mais de
vinte e cinco anos contra os fermentos de dissolução da unidade da
Igreja [25] à medida que estes apareciam na realidade ou na
consciência, para entregar-se, em seguida, a esse jogo mortal? [25. A
unidade da Igreja provém de sua constituição divina, e ela é objeto de
fé: ela é, portanto, inalterável e fora do alcance da malícia dos
homens. Mas fatores perversos podem subtrair cristãos dessa unidade; é
desses fatores que queremos falar.]
De que adianta ter recusado repetidamente o que rompe a tríplice
unidade católica:
— a liberdade religiosa, a falsa concepção de Igreja ensinada no
Vaticano II, a adesão a João Paulo II [falsa regra da fé] e as
divagações dos tradicionalistas acerca do Magistério, que dissolvem a
unidade da fé;
— a reforma litúrgica de Paulo VI, o una cum e o carismatismo, que
dissolvem a unidade da ordem sacramental;
— a adesão a uma pseudo-autoridade, o conclavismo, o carismatismo
ainda e a pretensa justificação da desobediência, que dissolvem a
unidade hierárquica…;
…de que adianta, então, se é para fazermos, por nossa parte, algo de
análogo?
É a unidade hierárquica da Igreja Católica que está em causa. Essa
hierarquia é una, e ela se ordena segundo duas razões diversas: a
ordem e a jurisdição. A unidade desses dois aspectos existe no
episcopado, o único que, por instituição divina, se estabelece
simultaneamente na hierarquia de ordem e na hierarquia de jurisdição.
O episcopado é, pois, realmente o “tijolo elementar” com que está
edificada a hierarquia da Igreja. Por conseguinte, fazer um bispo é
fazer uma hierarquia; e, se esse bispo não é feito pelo Papa –
fundamento único da hierarquia católica –, é fazer uma outra
hierarquia. Disso não há escapatória.
Para exprimir a mesma coisa de modo “existencial”, podemos dizer que
na crise da Igreja a que assistimos, nessa crise que agravamos com
nossos pecados, nessa crise que sofremos, é preciso saber onde deter-
se, em matéria de decisões a tomar, de atitudes a adotar com vistas a
conservar a fé e a pertença à Igreja Católica. No que se refere a
recusar reconhecer a autoridade de Bento XVI, não há escolha a fazer:
a fé impera claramente; há apenas verificações a fazer, sérias
verificações, pois o caso é gravíssimo. O prolongamento do mesmo
imperium da fé faz com que o julgamento se limite à questão da
autoridade, deixando de lado as pessoas, seu estado, sua
culpabilidade, sua pertença à Igreja.
Mas, na atitude prática a adotar, o leque das possibilidades é amplo,
e a distância é grande entre, de um lado, a perigosa abstenção de toda
a vida sacramental e, de outro, a louca iniciativa da reunião de um
“conclave”. Perante esse leque, o pior será determinar-se conforme seu
próprio juízo. Somente a prática da Igreja e a teologia de Santo Tomás
de Aquino [26] podem dar critério de escolha seguro; e ocorre que
ambas concordam em marcar a fronteira entre o exercício do sacerdócio,
por um lado, e o acesso ao episcopado, por outro. O primeiro, de ordem
essencialmente sacramental, pode ser objeto de suplência da Igreja; o
segundo, de ordem essencialmente hierárquica, não.
[26. Eis, ademais, o que diz Santo Tomás de Aquino sobre a prática da
Igreja: “O costume da Igreja tem a maior autoridade; seu modo de agir
deve ser adotado por todos, pois o próprio ensinamento dos doutores
católicos recebe sua autoridade da Igreja. Daí que devemos ater-nos
antes à autoridade da Igreja que à autoridade de Santo Agostinho, ou
de São Jerônimo, ou de qualquer outro doutor” Suma Teológica, IIa IIæ,
q. x, a. 12, c.]
Estamos repletos de temor de que o episcopado autônomo se torne um
imenso e irreparável desastre: é por isso que não se encontrará no
presente número nada que venha a diminuir ou contradizer aquilo que já
escrevemos; ademais, a controvérsia tomou um rumo que não nos agrada
em nada, bastando como razão o fato de que se pode legitimamente
perguntar: “os pobres são evangelizados?”. É bastante evidente que
nossa oposição às sagrações episcopais “não resolve nada”; ela não tem
como objetivo trazer soluções a um problema que nos ultrapassa
infinitamente, mas assegurar a fidelidade à santa vontade de Deus pela
fidelidade à Sua Igreja: isso sempre é possível e necessário. Quanto à
angústia que se pode sofrer perante a dificuldade da vida sacramental
e a questão das vocações [27], ela é a cruz que é preciso carregar
corajosamente em união com a de Nosso Senhor.
[27. Essa questão é, de resto, inteiramente falseada se não se
distingue cuidadosamente a vocação sacerdotal e a vocação religiosa, e
se se esquece que, sobre a primeira, a Igreja ensina: “Vocari autem a
Deo dicuntur qui a legitimis Ecclesiæ ministris vocantur – São ditos
chamados por Deus os que são chamados por legítimos ministros da
Igreja” (Catecismo do Concílio de Trento, de Ordine § 1).]

Anexo III
Excerto de carta a alguns jovens sobre a vocação

(primavera de 1999)
[...] É o problema da vocação. Matéria delicadíssima, pois toca no
plano que Deus tem para cada um de nós, na intimidade que Deus quer
estabelecer conosco, na mediação da Igreja, na liberdade de cada um e
na crise da Igreja.
Para tratar da questão de modo completo, haveria que remontar à
vocação eterna do Filho de Deus e, em seguida, à vocação de Nosso
Senhor e de Nossa Senhora no mistério da Encarnação Redentora, mas
isso nos levaria longe demais, e além de minhas competências.
Começarei então pela vocação da Igreja. Anteriormente à destinação de
cada um e à vocação de alguns, há a vocação da Igreja. O plano de Deus
é de constituir para o Seu Filho único uma Igreja que lhe seja um
“pleroma”, uma plenitude, uma irradiação de glória, uma sociedade
celeste que será para ele Corpo e Esposa. É nessa eleição da Igreja
que a vocação de cada um de nós tem a sua fonte: Deus nos destina a
assumir um determinado lugar na Sua Igreja: lugar quanto ao grau de
caridade e de glória, lugar quanto a um ofício particular. A eleição a
tal grau de glória permanece misteriosa, um grande mistério da
Sabedoria infinita de Deus. Novamente, não posso me pôr a tratar
disso; minha teologia se veria rapidamente bem curta, e não é isso que
se nomeia estritamente vocação. [28. Deus tem para cada um de nós uma
vontade, que é a razão de ser de nossa criação e é a vontade de fazer-
nos participar de Sua glória. Em razão dessa vontade, Ele nos destinou
a alcançar um dado grau de glória (ou de caridade, o que no fim dá no
mesmo) e ordenou os meios necessários para tanto. Nem esse grau de
glória nem esses meios são-nos conhecidos, ou mais exatamente: Deus
no-los dá a conhecer somente quando julga isso bom. Certos meios são,
de resto, cognoscíveis pela natureza (época, lugar e família de
nascimento), mas nem sempre sabemos como vão concorrer para a obra de
Deus. Observemos de passagem que, como a vontade de Deus sempre se
cumpre, caso nós recusemos obstinadamente participar da glória de
Deus, nós participaremos dela mesmo assim, manifestando a Sua
justiça...]
A vocação em sentido estrito concerne a uma função na Igreja, e é aqui
que cumpre ler a meditação do Padre Berto: “Há entre Cristo e a Igreja
unidade de vida (é o que exprime a ideia de Corpo Místico) e
reciprocidade de amor (é o que exprime a ideia de Núpcias Místicas).
Essas duas grandes realidades sobrenaturais encontram cada qual sua
expressão nas duas instituições mais essenciais da Igreja: o
sacerdócio e a sagrada virgindade. Pelo sacerdócio, com efeito, é
Nosso Senhor que incessantemente vivifica sua Igreja, alimenta nela,
por meio dos sacramentos, a vida da graça, e a governa. Pela sagrada
virgindade, é a Igreja que, incessantemente também, se apresenta como
Esposa a Cristo seu Esposo e Lhe declara novamente sua fidelidade e
seu amor.” [29. Pe. V.-A. Berto, Pour la Sainte Église Romaine [Pela
Santa Igreja Romana], p. 166. Esse texto é extraído de um curso dado
às crianças de Nossa Senhora da Alegria, que é pura e simplesmente uma
maravilha.]
Tudo está demarcado nesse texto admirável: a origem e a distinção das
duas grandes vocações, a vocação sacerdotal e a vocação religiosa, que
são irredutíveis entre si como as duas partes do mistério da Igreja
que elas realizam. Pois, ao falarmos de vocação, cumpre distinguir
desde a origem a vocação sacerdotal e a vocação religiosa, que
apresentam mais diferença que semelhança.
À primeira se aplica a palavra de Nosso Senhor: “Não fostes vós que me
escolhestes, mas fui eu que vos escolhi a vós” (Jo. xv, 16). Essa
vocação é, pois, verdadeiro chamado, mas ainda aí cumpre não se
enganar. O chamado interior, quero dizer o desejo do sacerdócio, a
atração a ele não é senão preparatória para o único chamado que
constitui a vocação sacerdotal: o chamado da Igreja na pessoa do bispo
legítimo. É o que ensina mui claramente o Catecismo do Concílio de
Trento: “Vocari autem a Deo dicuntur qui a legitimis Ecclesiæ
ministris vocantur – São ditos chamados por Deus os que são chamados
por legítimos ministros da Igreja” (de Ordine § 1). É claro que o
bispo somente chama aqueles que se apresentam livremente, que têm as
qualidades e a ciência exigidas, que têm reta intenção; mas a vocação
propriamente dita é dada pelo Bispo, ela é o chamado que ele faz em
nome da Igreja.
À vocação religiosa se aplica esta outra palavra de Nosso Senhor: “Se
queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um
tesouro no céu; e depois vem e segue-me” (Mat. xix, 21). Aí, a vocação
está na vontade de perfeição. Essa vontade, como toda a vontade
normal, deve proceder da compreensão da inteligência: “Qui potest
capere capiat”, diz Nosso Senhor ao falar da castidade perfeita pelo
Reino de Deus, “quem pode compreender compreenda” (Mat. xix, 12). É
preciso também que essa vontade seja razoável, estável e reta; mas
permanece o fato de que a vocação religiosa consiste na vontade.
Vê-se assim, então, a diferença fundamental entre a vocação
sacerdotal, na qual a própria Igreja chama em nome de Jesus Cristo, e
a vocação religiosa, na qual Deus dá a vontade de consagra-se a Ele e
na qual a Igreja só faz organizar (aprovando e supervisionando as
ordens religiosas) a vida daqueles que respondem ao chamado geral
feito por Nosso Senhor.
A vocação, seja sacerdotal, seja religiosa, não consiste na atração
interior. Ademais, essa atração (que é uma pré-vocação) não é
principalmente uma atração sensível; ela pode ser convicção da
inteligência apesar de certa repugnância do coração. Ela desempenha um
papel, mas somente um papel preparatório. Essa pré-vocação é
necessária, seja porque leva a “provocar” o chamado da Igreja no
apresentar-se ao sacerdócio, seja porque vai arrastar a vontade e
determiná-la firmemente a consagrar-se inteiramente a Jesus Cristo.
Quem quer que tenha tido essa atração (sensível ou intelectual) e que
não mais a tenha não “perdeu a vocação” (que ele ainda não tinha); mas
pode ser que ele seja infiel a uma graça de escol que lhe reservara
Nosso Senhor. Há que refletir nisso seriamente.
Na vocação, a Santa Igreja está particularmente presente, pois se
trata do lugar de cada um na Igreja de Jesus Cristo. Nosso Senhor faz
sentir particularmente àqueles a quem Ele reserva um lugar particular
na Sua Igreja que Ele os espera; Ele os chama. Esse chamado de Nosso
Senhor tem seu cumprimento tanto na vontade que Ele dá quanto no
chamado do Bispo. Esse chamado levado a bom termo é a vocação.
Naquilo que se convencionou chamar de a crise da Igreja, o problema da
vocação, sobretudo da vocação sacerdotal, é muito mais espinhoso, e
convém dizer uma palavra sobre isso. Consagrar-se a Deus e à Sua
Igreja não pode ser virtuoso e conforme à vontade de Deus senão na
reta doutrina, nos verdadeiros sacramentos e na justa pertença à Sua
Igreja; é uma evidência. Mas então para onde ir?
— para os “São Pedro”? Lamentavelmente, a adesão a Bento XVI (falsa
regra da fé) provoca a adesão ao Vaticano II, destruidor da
inteligência da fé e portador de graves erros condenados pela Igreja,
como a liberdade religiosa, e uma falsa concepção da Encarnação e da
Igreja mesma. De resto, a aceitação dos novos sacramentos por
princípio faz duvidar legitimamente da validade de certas ordenações
sacerdotais;
— para os “São Pio X”? Lamentavelmente, a adesão a Bento XVI e a
simultânea recusa dos erros do Vaticano II conduzem a inventar
doutrinas heterodoxas que destroem a autoridade do Magistério da
Igreja e do Soberano Pontífice. De resto, é empenhar-se na via
episcopal de que passo a tratar;
— para a “via episcopal”? Lamentavelmente, as sagrações sem mandato do
Soberano Pontífice são contrárias à constituição mesma da Igreja:
“Unicamente o Papa institui os bispos. Esse direito lhe pertence
soberanamente, exclusivamente e necessariamente, pela constituição
mesma da Igreja e pela natureza da hierarquia” [30]. Bispos sem
vocação não podem dar o que não têm, e ordenam padres sem vocação;
pode-se temer muito pelo futuro…
[30. Dom Adrien Gréa, L’Église et sa divine constitution — A Igreja e
sua constituição divina, Casterman 1965, p. 259. Não é por ser Dom
Gréa (fundador, no século passado, dos Cônegos Regulares da Imaculada
Conceição) quem o diz que isso é verdade. Mas Dom Gréa resume numa
fórmula feliz a teologia e a prática sem falha da Igreja. E, ademais,
isso mostrar-vos-á que não o invento para as necessidades da causa...
coisa tão frequente em nossos tempos.]
As indicações dadas acima não passam de resumo demasiado rápido de
convicções doutrinais que eu quisera escrever com letras de sangue, de
tanto me parecem importantes. Nunca se fará nada de durável, de
frutuoso, de benéfico para a glória de Deus contra a doutrina católica
ou fora dela. Teremos sem dúvida ocasião de voltar ao assunto.
O problema é grave, portanto, mas de modo algum desesperado. É sempre
possível consagrar-se a Deus, mesmo se isso tornou-se mais difícil;
nunca houve tantos motivos para consagrar-se a Ele, para consolar Seu
coração, pelo esplendor de Sua Igreja tão desfigurada, para a imolação
de si mesmo em meio a um mundo de gozo, pela irradiação da doutrina
católica no momento em que é negada, diminuída, menosprezada por todas
as direções. Quanto ao sacerdócio, é possível almejá-lo e mesmo
preparar-se para ele de maneira longínqua, tendo o firme propósito de
nada desejar nem fazer que seja contra a doutrina católica ou a
constituição da Santa Igreja. Deus, que não abandona a Sua Igreja, não
abandonará jamais os que querem trabalhar por ela e consagrar-se a
ela.

Anexo IV
Excerto de carta a um moço que acaba de entrar no seminário (outono de
1999)
[...] Eu me interrogo hoje, e me pergunto por que aquilo que me
deveria profundamente regozijar me desola.
Ah, certamente que é verdadeiro júbilo ver uma alma empenhar-se na via
da consagração ao Bom Deus e, para tanto, renunciar ao mundo onde a
tentação permanente é de tomar parte no “caminho das três
concupiscências”, que domina e reina quase universalmente. É
verdadeiramente um júbilo ver preferir, a uma carreira terrena que
teria podido ser brilhante, uma carreira celestial começada desde aqui
embaixo. — E isso não me espanta em nada da parte de X!
Mas então por que, pelo que estou desolado? Pela perspectiva de uma
ordenação sacerdotal conferida por um bispo sagrado sem mandato
apostólico. Como já deves esperar, pois eu disse isto em tempo e fora
de tempo: meu desacordo é total, e é um desacordo fundado no que a
Igreja ensina sobre sua própria constituição, e no que a experiência
(por vezes a triste experiência) me mostrou.
Hoje, só posso repetir as mesmas coisas “mudando o tom” e apresentando
a gravidade do caso sob outra luz; mas no fundo trata-se sempre da
constituição da Santa Igreja e de nossa dependência com relação a ela.
Não quero falar nem um pouco, desta vez, da validade das ordens nos
diferentes ramos episcopais — se bem que essa questão me incomode cada
vez mais: para crer nessa validade, é preciso multiplicar os atos de
fé (humana) à medida que nos distanciamos da fonte, e que a seriedade
e catolicidade das intenções se perde na confusão. Não, mesmo sem
isso, a questão episcopal – e tudo o que dela depende – já é
suficientemente grave e preocupante.
Tratando do sacerdócio, São Paulo escreveu (Heb. v, 4): “Ninguém se
arrogue esta honra, senão o que é chamado por Deus, como Aarão”. Com
as consagrações episcopais sem mandato apostólico (CESMA, para os
íntimos), ninguém mais é chamado.
É por natureza, por instituição divina, pela constituição da Igreja,
que o Papa chama os bispos e que estes chamam os padres. Mas eis que,
com as CESMA, a cadeia é rompida; quando os bispos se atribuem o
episcopado (é bem isso o que ocorre, mesmo que eles se “deixem chamar”
por um bispo que não tem esse poder), os padres não são legitimamente
chamados. Na crise da Igreja, por mais profunda que a suponhamos, pode
muito bem ser permitido contornar uma legislação que delimita e
organiza a transmissão do sacerdócio, mas é impossível que seja
permitido ir contra a natureza das coisas.
Acrescento, além disso, se bem que eu não tenha no momento o lazer de
aprofundar a questão, que me parece que as confirmações conferidas por
um bispo-cesma apresentam problema análogo. Com efeito, esse
sacramento é ao mesmo tempo uma perfeição pessoal e uma função da
Igreja; e, se ele é sumamente útil a cada um, ele é necessário à
Igreja: o aspecto eclesial tem, pois, um primado ao menos de
necessidade na Confirmação. Para fazer uma comparação, o sacramento dá
ao confirmado armas para o combate, e constitui o exército da Igreja
ao alistá-lo a serviço da fé e da cristandade: é por isso que este é
um sacramento episcopal. Mas o que há de mais perigoso – para
continuar a comparação – que soldados sem exército? Um bispo-cesma,
não sendo chamado pelo chefe da Igreja, tem incapacidade radical (e
não uma incapacidade jurídica superável) de constituir o exército da
Igreja. Estas são questões que atormentam tão logo as formulamos
seriamente.
Eis outro aspecto das coisas igualmente grave, senão mais grave ainda:
nós pertencemos à Santa Igreja Católica, e essa pertença a uma
sociedade visível deve ser, por natureza, visível. Em razão da crise
da Igreja, essa visibilidade da pertença não mais é garantida pela
adesão ao Magistério vivo, pois esse poder (sempre presente) não mais
se exerce; nem pela submissão à jurisdição, pois a autoridade está em
falta. É, pois, ao poder de ordem que cabe realizar e garantir essa
visibilidade. Se se suprime essa terceira via, não resta mais nada
nessa matéria. A experiência o confirma: no mundo fervilhante dos
CESMA, não há mais nenhum critério objetivo de catolicidade: cada ramo
se erige “pela defesa da fé”, cada ramo é necessário “pois é o único
sério”, ninguém mais se reconhece nesses prelados-CESMA surgidos não
se sabe de onde, que aparecem e desaparecem. Então, cada qual erige
seu próprio critério: os que ele conhece e aprecia são os “únicos
bons”… Onde está a catolicidade nesse meio? Como é que a Igreja
permanece visível no sentido (real) de seus membros aderirem a ela
visivelmente, de maneira objetivamente constatável? Eu me exprimo mal,
mas a realidade é essa.
Tudo isso, eu o submeto à tua reflexão, meu caro X. E ponho-me a
desejar ainda mais fortemente que a crise da Igreja seja resolvida
antes que o irreparável te suceda. Certamente que há outros motivos, e
mais imperativos, de desejar isso: mas aí está mais um.

Anexo V
A fé inteira, nada além da fé.

Excerto de nota enviada a alguns pais de alunos.


Pois, afinal, não havemos de velar a face: encontramo-nos perante uma
questão que se põe à fé católica, à virtude teologal da fé de cada um
de nós. Essa questão pode não ser concretamente a mais urgente, mas é
impossível de não ser confrontado com ela um dia, pois o Soberano
Pontífice é a regra viva da fé católica e, portanto, é necessário
obedecer-lhe para pertencer à Santa Igreja. Foram demasiadamente
esquecidos esses dois últimos pontos, que, contudo, pertencem à
doutrina permanente, certa e mil vezes ensinada da Igreja.
Se se reconhece a autoridade apostólica de João Paulo II, o dilema é
inelutável:
— ou se adere a seu ensinamento e a seu governo, como se o deve fazer
com relação a um Papa; professa-se então doutrinas que foram
solenemente condenadas pela Igreja, admite-se a reforma litúrgica e
sacramental infestada pelo protestantismo; aceita-se os frutos
trazidos pelo Vaticano II…;
— ou se recusam erros e reformas, mas não se o pode fazer senão ao
preço de uma negação da doutrina católica sobre a autoridade e a
infalibilidade do Soberano Pontífice e da Igreja.
Não há terceira via possível, e as duas que acabo de enunciar terminam
em erros, diversos talvez mas igualmente caracterizados, e ambos
condenados pelo Magistério certo, infalível, permanente da Santa
Igreja Católica Romana. A fé católica e a doutrina certa da Igreja
conduzem, pois, a negar a autoridade de João Paulo II, a afirmar que
ele está privado dessa assistência particular de Jesus Cristo que
constitui a autoridade específica do Papa. Essa negação não é um juízo
pessoal (que seria ilegítimo) mas é devida a uma impossibilidade de
exercer a virtude da fé para com ele e sob a influência dele.
Podeis observar que não se trata de modo nenhum de um julgamento sobre
a pessoa de João Paulo II, mas simplesmente da impossibilidade, no
exercício mesmo da fé, de reconhecer a autoridade dele. De minha
parte, detenho-me aí; não quero ir além daquilo a que a fé me obriga
(pois creio ser “teologicamente” impossível ir mais longe, mas essa é
uma outra história). Por isso considero verdadeira a “tese de
Cassicíaco”, que, reconhecendo a eleição pontifical de João Paulo II e
a continuidade da sucessão apostólica que ele assegura (ele é papa
materialiter), comprova que ele está privado da autoridade pontifical
(ele não é Papa formaliter) e conclui que o testemunho da fé obriga a
abster-se de todo o ato que seja reconhecimento dessa autoridade
(principalmente, não se pode no Cânon da Missa prestar-lhe sujeição
proclamando que a Igreja Católica é una cum Johanne Paulo).
Mais ainda, em razão dessa vontade de me ater ao que é exigido pela fé
católica, e de nada fazer nem aprovar que seja contrário a ela,
oponho-me firmemente a toda a consagração episcopal realizada sem
mandato apostólico: uma tal sagração se me manifesta irremediavelmente
contrária à constituição hierárquica da Santa Igreja Católica.
Perdoai-me por ter-me alongado um pouco nesta nota e por ter dado a
ela um toque pessoal. Creio, não obstante, necessário fazer ainda uma
grave precisão concernente à importância que atribuo ao que acabo de
enunciar.
Com a graça de Deus e malgrado todas as minhas deficiências, esforço-
me em não ter posição pessoal, mas em me adequar ao máximo à doutrina
católica em toda a sua amplidão, apoiando-me nos fatos comprovados e
rejeitando deliberadamente os rumores oficiosos e as questões de
pessoas. O resultado parece-me pertencer à fé católica, e toda outra
posição se me manifesta num ou noutro ponto incompatível com a fé tal
qual a Igreja a ensina, a entende e a pratica. Essa posição é,
portanto, para mim regra de conduta imperativa, incessantemente
presente e esclarecedora, para toda a minha conduta e para tudo o que
se passa sob minha responsabilidade. Mas essa convicção não pode ter
influência além daí, senão pelos argumentos que traz e a coerência que
manifesta; ela não pode, em caso algum, substituir-se à autoridade do
Magistério e do Governo da Igreja, e portanto não me permite julgar e
condenar as pessoas que diferem de parecer. O fato de não possuir
nenhuma autoridade particular não dispensa, sem embargo, do dever de
denunciar o erro e o mal: é questão de zelo pela glória de Deus e de
caridade com o próximo, e até mesmo de justiça quando o silêncio
aparentasse aprovação. Quem vê o perigo e se cala, podendo apontá-lo
sem provocar mal mais grave, é um cão dos mais desprezíveis: um cão
mudo.
Veni Domine Jesu
Auxilium christianorum,

sanctissima Virgo Maria,

ora pro nobis!

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Hervé BELMONT, As Sagrações Episcopais Sem Mandato Apostólico
em questão, 2000, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, maio de 2010,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-r2
de: Les Sacres Épiscopaux Sans Mandat Apostolique en question [Saint-
Maixant: Grâce & vérité, 2000].
Tradução baseada no texto disponível em:

“http://ddata.over-blog.com/xxxyyy/0/18/98/43/quicumque/Les-sacres–.-
en-question.pdf”
Via o link encontrado em “L’épiscopat, encore et toujours…” [O
episcopado, ainda e sempre...], blogue Quicumque, 1.º set. 2007,
http://www.quicumque.com/article-12122190.html
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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7 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XLIII”
1. Sérgio Meneses Disse:

14 dezembro 2010 às 12:28


Salve Maria, Felipe.
Acabei de ler essa sua nova tradução sobre as sagrações sem mandato,
tema que passou a me interessar muitíssimo, recentemente. Quase não
tenho, para dizer se este é um trabalho bom ou ruim, parâmetros fora
das minhas próprias impressões subjetivas e completamente
desautorizadas. Não obstante, aos olhos de um leigo em teologia, ele
me pareceu muito preciso e rigoroso, firmando o que já havia concluído
em leituras anteriores sobre essa questão.
Certamente fugindo aos intentos do tradutor, a argumentação do Pe.
Belmont me ancorou ainda mais na convicção de que não há solução para
a crise da Igreja senão na aceitação do óbvio de que a Santa Sé jamais
esteve vacante (salvo, evidentemente, nos curtos interregnuns) neste
século e que a posição tradicionalista-lefebvrista é um desvio
doutrinário, inexoravelmente atenuado pela crise presente, que proverá
Deus perfeita solução, como outrora também foi sanada a complicada
(não-cismática por falta de pertinácia?) situação canônica dos Padres
de Campos.
Particularmente me agradou as considerações sobre a vocação, que me
parece equilibrar bem a posição dos santos dos séculos XVI e XVII com
a precisa argumentação do Padre Lahitton.
Abraço e Salve Maria,
AMDG
Sérgio
2. Aruan Freitas Disse:

14 dezembro 2010 às 16:16


“[20. Cf. La Monarchie pontificale (A Monarquia pontifícia), ou ainda
Défense de l’Église Romaine (Defesa da Igreja de Roma). [acréscimo de
novembro de 2000: verificação feita, Dom Guéranger não tratou de
Eusébio de Samosata. O Pe. Ricossa anunciou no número seguinte de
Sodalitium (n.°44, julho de 1997, p. 31) que ele iria procurar um caso
histórico inegável de sagração sem mandato ulteriormente aprovada pela
Igreja... nós continuamos esperando.] [E até hoje, em setembro de
2007.]”
No intuito de tentar trazer luz ao que Ricossa ainda não teria
provado, apresento um artigo com referências que poderão ser oportunas
para o estudo da questão das sagrações episcopais sem mandato papal.
http://www.cmri.org/96prog9.htm
3. Aruan Freitas Disse:

17 dezembro 2010 às 11:35


Há um outro artigo interessante também – portando uma coletâneamaior
de referências sobre o tema em questão – que poderá vir a interessar
os que desejem aprofundar no estudo desse assunto. Está no site do
bispo sedeplenista (tradicionalista, porém) Terence Fulham, disponível
nesse link abaixo:
http://www.olfatima.com/they_doubly_tear_down.htm
4. Sandro de Pontes Disse:

29 dezembro 2010 às 10:06


Prezado Sérgio, salve Maria.
Gostaria de comentar algo, se me permitir, sempre buscando manter a
caridade. Você escreveu:
“(…) a argumentação do Pe. Belmont me ancorou ainda mais na convicção
de que não há solução para a crise da Igreja senão na aceitação do
ÓBVIO de que a Santa Sé jamais esteve vacante (salvo, evidentemente,
nos curtos interregnuns) neste século e que a posição tradicionalista-
lefebvrista é um DESVIO DOUTRINÁRIO (…)”.
Sérgio, o que eu tenho a lhe dizer é o seguinte: cuidado com o
“óbvio”, porque nem sempre aquilo que parece óbvio de fato se
apresenta como a solução definitiva para uma situação. Por exemplo,
Cristo foi batizado por João Batista (apesar de não ser o batismo
sacramental e sim um mero ato penitencial). Mesmo assim, tal ato era
ministrado por João para que o batizado demonstrasse publicamente
arrependimento dos pecados cometidos. Ora, então, concluiríamos, ao
vermos Cristo sendo batizado, ser um tanto quanto “óbvio” que ele
tinha pecados, porque caso contrário ele não precisaria ser batizado.
Mas sabemos que não é bem assim, não é mesmo?
Outro exemplo: Cristo é Deus e Deus não pode morrer. Ora, Cristo-Deus
morreu na cruz. Então, ao vermos Cristo morrer na cruz pareceria
“óbvio” que Ele não seria o Messias. Aliás, esta não foi a lógica
daqueles que o crucificaram? “Se és o Messias, desce da cruz e te
salva para que possamos crer”, gritavam os seguidores de uma lógica
meramente humana, de uma “obviedade” que não se preocupa em ir além e
analisar aspectos espirituais, além dos naturais. E foi segundo tal
lógica que eles preferiram Barrabás a Cristo, e mataram este último, e
crendo estar agradando a Deus.
E não parece meio “óbvio” que Maria deixou de ser virgem após o
nascimento de Cristo, porque justamente o fim principal do matrimônio
é a procriação e não existe nada mais natural que relações entre
marido e esposa? Não é seguindo a regra do “óbvio” que os protestantes
defendem a heresia onde é dito que Maria não foi sempre virgem e teve
outros filhos?
Prezado, eis a mensagem que eu tenho para você: a crise que vivemos
somente se entende compreendendo e principalmente aceitando
definitivamente que a Igreja passa pela paixão, assim como Cristo
passou pela paixão um dia. Não existe outra forma de entender como os
“santos padres” podem ter promulgado supostos “direitos”, para eles
“óbvios”, como por exemplo a liberdade religiosa e de consciência,
entre outras aberrações, sendo estas tão condenadas pela Igreja em um
passado recente. Não existe outra explicação para tantas e tantas
bobagens, erros crassos e heresias escritas por estes filhos da
revolução francesa nas últimas décadas, doutrinas estas ensinadas como
se fossem autenticamente católicas.
Sérgio, Cristo disse que quando enxergássemos a abominação da
desolação sentada no lugar santo, ou seja, na cátedra de Pedro,
deveríamos fugir para a montanha, e não caminharmos em direção a ela.
Estes anti-papas que aí estão, a meu ver, preparam a vinda DO anti-
cristo (fazendo eles mesmos os papeis de anti-cristos), pois destroem
a doutrina católica, que era o que o segurava.
Os sedevacantistas buscam obedecer a Cristo e por isso estamos na
montanha, da forma como Ele mandou. Aqui do alto o ar é mais limpo e a
visão panorâmica, de forma que podemos pensar melhor e avaliar tudo o
que está acontecendo com sobriedade, com o rosário nas mãos.
Convido-o a subir a montanha conosco. Venha para cá, venha conosco.
Eis que estamos no sábado santo: a Igreja está enterrada aos olhos do
mundo, como Cristo esteve um dia. Mas ela ressuscitará, isso é
absolutamente certo. Estejamos atentos para vermos este dia, o Domingo
Santo, que se aproxima.
Abraços,
Sandro de Pontes
5. Textos essenciais em tradução inédita – L « Acies Ordinata Disse:

18 fevereiro 2011 às 18:24


[...] tradução responde, ao menos em parte, às perguntas dos amigos
Rosano, Roberto e Aruan (a este devo ainda, como se vê, mais objeções
às inovações do Padre Calderón, espero que para breve), assim como —
aproveito para mencionar agora — tanto o já mencionado Florilégio
quanto a tradução citando Journet e Lenoir, que se lhe seguiu, visavam
responder às perguntas (em ordem cronológica:) dos amigos Sérgio,
Eduardo, Aruan e Sandro [...]
6. Roberto F Santana Disse:

27 junho 2012 às 14:42


Home Alone
Segunda Temporada
Estamos prestes a ver outro capítulo negro da história católica.

Em breve, o mercado eclesiástico será inflacionado por centenas de


padres soltos, abandonados e traídos. Daí, tristes consequências
virão, pequenas capelas surgirão, fadadas à falência, as sagrações sem
mandato se alastrarão mais ainda, desencadeando uma praga que já se
alastra em progressão geométrica.

Sem o Sumo Pontífice, fonte de força e vida, esses padres e bispos


serão como lâmpadas apagadas em casa escura, a ausência do Papa é
ausência da energia elétrica que traz a amperagem que ascende tudo e
tudo faz funcionar. Uma vez cortada a força, tudo se apaga. Nessa casa
não existe baterias que acumulam energia.

No texto acima, vemos um interessante trecho:


“(…) dado que pode ser legítimo ordenar padres ilegalmente. Uma nota
teológica que redigimos em 1985 (ou 1984?), a pedido e para convencê-
lo de que essas ordenações seriam legítimas na situação presente,
argumenta, entre outras coisas, com a distinção essencial que deve ser
feita entre o padre e o bispo do ponto de vista da relação com o Corpo
Místico de Jesus Cristo, que é a Igreja. É esse argumento que será
desenvolvido num pequeno estudo redigido em 1986, em resposta a uma
pergunta que se ouve com frequência: dado que pode ser legítimo
ordenar padres ilegalmente, por que não se poderia sagrar bispos? Eis
aqui o essencial desse estudo:…”
Em: “dado que pode ser legítimo ordenar padres ilegalmente”, a palavra
“ilegalmente” já mostra o desconforto em estar fazendo o quê não pode
estar certo. Já mostra a insegurança de quem está próximo ou flerta
com a infração da lei.
Um pouco antes, em:
“Dom Castro Mayer, que entregara sua demissão de bispo de Campos,
hesita em ordenar padres sem diocese.”

“Hesita em ordenar padres sem diocese”. O valente e prudente bispo não


queria abandonar a lei, hesitou, duvidou, receou.

Ao final de uma vida de luta, no seu descanso, alguns lhe convencem.

Em sua homilia na ordenação de um padre, o Bispo fala:


“Vivemos –- ninguém nega –- uma terrível crise na Igreja, que atinge
profundamente o sacerdócio católico.
A perpetuidade do Santo Sacrifício da Missa, a administração dos
Sacramentos,

a guarda e a transmissão fiel da fé católica estão hoje séria e


gravemente ameaçadas.

Por tudo isso é inegável o gravíssimo estado de crise na Igreja.

Necessidade de padres católicos para o Santo Sacrifício, para a


doutrina.

Quando as autoridades da Igreja se recusam a dar-lhe destes padres


verdadeiramente católicos,

um bispo não pode pretender ter cumprido seu dever, se se limita a


resistir na fé, como um leigo.

Diante de Deus, de Quem recebi, na sagração episcopal, a plenitude do


poder de ordem, afirmo que,

na presente crise, não só é lícito, mas urge mesmo como dever


impostergável utilizar destes poderes para o bem das almas.

Declaro, por fim, que só realizo esta ordenação sacerdotal por sabê-la
inteiramente lícita

e de acordo com a vontade da Igreja perene. Cumpro a missão que me foi


confiada:

Tradidi…quod et accepi! Transmito o sacerdócio católico que recebi!”


Usa a palavra” lícito”, insiste no uso, parecendo querer justificar.

Poderíamos perguntar, por onde anda o último padre ordenado por Dom
Mayer? A quem serve?

Será que trouxe algum benefício à Igreja de Cristo?

Trouxe a unidade?

Já começo a ver na pessoa de Dom Mayer, defensor católico, a figura de


um Pio XII. Homens que tinham suas mentes 100% católicas, pura
doutrina, sem espaço para malícias, desconfianças, suspeitas.

Esses homens são como as abelhas. Fiéis, sempre querendo trazer o


melhor para suas colmeias (Igreja), voam longe e sempre voltam.
Corajosas, não hesitam enfrentar o inimigo, não importa o tamanho,
cravam-lhe o ferrão, mesmo que lhes custe a vida. Mas são inocentes,
querendo sempre o bem, podem pousar em dedos cheios de açúcar, dedos
de uma mão pronta para lhes esmagar.
7. Felipe Coelho Disse:

3 julho 2012 às 13:09


Caro Roberto, Salve Maria!
Espero que a minha longa demora em responder a este seu comentário
“Home Alone” não tenha sido interpretada por você como aceitação de
seus argumentos, nem com o pensamento “Esqueceram de mim?”
Você escreve:
“Em: ‘dado que pode ser legítimo ordenar padres ilegalmente’, a
palavra ‘ilegalmente’ já mostra o desconforto em estar fazendo o quê
não pode estar certo. Já mostra a insegurança de quem está próximo ou
flerta com a infração da lei.”
Errado, Roberto.
Que por vezes seja legítimo fazer coisas ilegais, contornando assim a
letra da lei para não desatender ao seu espírito, é precisamente a
definição de epiqueia.
Você parece crer que a epiqueia não exista?! Ao menos, ainda não vi
nenhum argumento preciso de sua parte — além das pinceladas
impressionistas com que pinta a questão — em respaldo da sua opinião
(logo, temerária?) de que os sacerdotes ordenados por Dom Lefebvre e
Dom Mayer não exerceriam atualmente ministério legítimo.
De todo o modo, lhe agradeço imenso por me lembrar desse texto
excelente que você cita: a carta do Rev. Pe. Belmont a Dom Mayer,
persuadindo-o eficazmente a não cessar de ordenar sacerdotes. Fico até
embaraçado de a não ter citado em nossa discussão anterior: para você
ver como toda esta questão nunca chegou a me preocupar realmente!
Enfim, vou colá-lo já, como derradeira postagem na discussão a que me
refiro. Enquanto isso, traduzo-lhe a seguir um intercâmbio pertinente
entre um lefebvrista consternado com a denúncia das usurpações da
Fraternidade pelo Rev. Pe. Belmont e esforçando-se desengonçadamente
em retorquir, e o Sr. John Daly (são deste as respostas e do são-
piodecimista as perguntas):
“– Qual a situação canônica do Sr. Belmont?

– Como segue:

– Ordenação? Por quem?

– Sim. Por Mons. Lefebvre, nomeado à Hierarquia da Igreja Católica


pelo Papa Pio XII e, portanto, Sucessor dos Apóstolos.

– Incardinação?

– Não.

– Ministério?

– Sim.

– Poder de confessar?

– Pontualmente, sim (‘per modum actus’); de maneira permanente, não.

– Poder de receber o consentimento dos cônjuges?

– Pontualmente, sim (‘per modum actus’); de maneira permanente, não.

– Bastante divertido como situação, não?

– Não. Profundamente aflitivo. Cotidianamente angustiante, penso eu.


Talvez seja falta de humor de minha parte. Sem embargo, tal é a
situação dele. Tendo sido ordenado por um Sucessor dos Apóstolos, ele
não pode recuar e voltar a ser leigo. E, não havendo Papa, ele não
pode obter uma incardinação. Como o soldado de segunda classe
abandonado a empreender a batalha sozinho pela traição de seus
oficiais.

– Digamos que é no mínimo paradoxal para quem pretende dar lições aos
outros, não?

– Se ele desse lições apoiando-se numa autoridade que lhe falta,


concedo; se ele se limita a transmitir os dizeres das verdadeiras
autoridades e a apresentar seus argumentos para a avaliação dos
leitores e eventual refutação, nego. E este último caso é a realidade.
O Sr. Pe. Belmont é o último a reivindicar autoridade que ele não
possua. Mas a autoridade não é necessária para dizer a verdade. Um dos
Padres da Igreja foi leigo.

– O mesmo se aplica, certamente, aos Srs. Zins, De Guillebon, Grossin


e outros, não?

– Você acaba de mencionar um diácono ordenado por um Sucessor dos


Apóstolos, um sacerdote ordenado por um não-sucessor dos Apóstolos, e
um tonsurado (não-oficialmente) que aspira às Ordens sem tê-las
recebido. Aí estão quatro casos diferentes.
Agora que a sua curiosidade foi satisfeita, recordemo-nos de que a
verdade é primordial. A doutrina do Sr. Pe. Belmont sobre esta questão
é católica? Você tem alguma refutação? Você enxerga alguma contradição
entre a conduta dele e os princípios dele? Caso a resposta seja sim,
explique-o com a precisão e a justeza que você tanto aprecia.”

(J. S. DALY, em 14-V-2005; fusão pelo tradutor dos dois comentários


seguintes:

http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=1078

http://sedevacantisme.leforumcatholique.org/message.php?num=1088 )
Roberto caríssimo, estendo essas últimas perguntas a você; ou então
peço que se retrate ou, ao menos, cale suas acusações inadequadamente
respaldadas; peço-lhe ainda que, se responder, certifique-se de trazer
algum argumento ou citar alguma autoridade (em tempo, estes seus
escrúpulos teriam algo a ver com um recente DVD do Sr. Gerry
Matactics, ou com leituras do Sr. Hutton Gibson?); do contrário, um
novo ditirambo repleto de metáforas fora de lugar me tentaria
fortemente à não publicação, como você facilmente compreenderá.
Abraços cordiais,

Em JMJ,

Felipe Coelho
Textos essenciais em tradução inédita – XLV

APRESENTAÇÃO DA TRADUÇÃO INGLESA,

POR J.S. DALY:


“Não há dúvida de que Dom Gréa e muitos outros escritores eminentes
pensam que é historicamente verdadeiro [que, durante a crise ariana,
dois bispos santos consagraram diversos bispos fora de sua jurisdição,
por não terem como pedir permissão a Roma]. Na realidade, porém, é
bastante duvidoso. Colo abaixo um resumo dos fatos por um amigo
historiador. Parece-me que, se a história for decidir o problema
teológico, indo contra o sentido aparente dos textos que citei dos
Papas, precisamos de um exemplo histórico inquestionável de bispo que
definitivamente não tinha jurisdição delegada, que definitivamente
consagrou sem mandato por razão grave e cujo ato foi subsequentemente
aprovado pela Igreja. A despeito de numerosas tentativas e alegações
de apresentar tais exemplos, permaneço convicto de que nenhum foi
encontrado. Eis o artigo:”

Há Precedente Histórico para Consagrações

Episcopais Sem Mandato da Santa Sé?


(2007)

por um Professor de História


.
I. Antes de tudo, uma precisão importantíssima
É certíssimo que, ao longo dos séculos, a Santa Sé permaneceu alheia à
eleição e à consagração de muitos bispos…
No entanto, essa situação absolutamente não põe em questão a
necessidade crucial do mandato apostólico. Por quê? Porque:
“E mesmo quando, como em determinados casos, na escolha de um
candidato ao episcopado, é admitido o concurso de outras pessoas ou
grupos [que não o Papa], isto acontece legitimamente somente em
virtude de uma concessão – expressa e particular – feita pela Sé
Apostólica a pessoas ou a corpos morais bem determinados, com
condições e em circunstâncias bem definidas.”

(PAPA PIO XII, Ad Apostolorum principis, 29 de junho de 1958).


[Nota do Tradutor – Cf. também:
“Este poder de conferir jurisdição, conforme a nova disciplina em uso
já há muitos séculos, confirmada pelos concílios gerais e pelas
concordatas, não pertence nem mesmo aos metropolitas; retornou à fonte
donde partira, e reside unicamente na Sé Apostólica; é hoje o Romano
Pontífice quem, em virtude de sua dignidade, pode dar bispos a cada
Igreja (são os termos do Concílio de Trento – sessão XXIV, Cap. 1, de
Reformat.). Assim, na Igreja Católica, não pode haver consagração
legítima sem o mandato apostólico.”

(PAPA PIO VI, Carta Apostólica Caritas, 13 de abril de 1791).


Citação traduzida a partir do texto integral, tornado disponível para
baixar, pelo Rev. Pe. Belmont, em: “Pie VI et la Révolution” [Pio VI e
a Revolução], blogue Quicumque, 13 jan. 2006,

http://www.quicumque.com/article-1592949.html]
.
II. Precisões ulteriores
Eis o que encontramos, da pena de Journet, no tomo I de L’Église du
Verbe Incarné [A Igreja do Verbo Encarnado], a respeito dos sujeitos
elevados ao episcopado durante os períodos de vacância da Sé
Apostólica:
Assinale-se que estamos num parágrafo intitulado “a jurisdição suprema
não pertence propriamente aos bispos”.
A referência aos sujeitos elevados ao episcopado durante vacância da
Sé Apostólica consta de uma nota (extensa), que vem ilustrar a
passagem seguinte:
“Suponhamos inclusive, como faz Caetano, que após a morte de um Papa
todos os bispos do mundo se reunissem e chegassem a um acordo num
sínodo universal: haveria universalidade jurisdicional quantitativa e
cumulativa, mas daí à universalidade jurisdicional qualitativa e
essencial do Pastor Supremo, há um abismo. Nenhuma decisão oriunda
propriamente do poder papal poderia ser tomada, por exemplo nenhuma
verdade implicitamente revelada por Cristo poderia ser explicitamente
definida [remete à nota 70].”
E, na nota 70, lê-se (concernente ao objeto da presente discussão):
“No que toca ao poder de nomear ou de instituir bispos, pertence este
ao Romano Pontífice (Cód. Dir. Can. 329, § 2 e 332, § 1). Mas Caetano
ressalta, em seu De Romani Pontificis Institutione, cap. XIII, ad. 6,
que é preciso distinguir entre o poder do Soberano Pontífice
(‘auctoritas’) e o exercício desse poder (‘executio’), exercício este
cujo modo pôde variar ao longo dos tempos. Daí que a antiga disciplina
eclesiástica deixava aos patriarcas de Alexandria e de Antioquia o
direito de eleger os bispos de suas províncias. As eleições de bispos
feitas durante a vacância da Santa Sé e consideradas válidas se
explicam dessa maneira.”

(Charles JOURNET, L’Église du Verbe Incarné, t. I, pp. 831-833 na


edição Saint-Augustin de 1998).
Ou seja:
– Journet, na esteira de Caetano, recorda que a elevação de sujeitos
ao episcopado é um poder que pertence ao Sumo Pontífice.
– Journet fala aqui de poderes que derivam propriamente do poder
pontifical.
– E o mesmo Journet martela que nenhuma decisão que derive
propriamente do poder papal pode ser tomada, nem pelo conjunto dos
bispos sem o Papa, nem – a fortiori – por um único bispo; e isso, não
em razão de simples lei eclesiástica (Journet, como ele próprio se
explica diversas vezes a esse propósito, não faz aí exposição de
direito canônico), mas em razão da própria natureza das coisas: a
saber, a constituição mesma da Igreja, que é de direito divino.
– E por isso Journet explica, na esteira de Caetano, que, se sujeitos
foram legitimamente elevados ao episcopado por simples bispos, durante
a vacância da Sé Apostólica, é em razão de delegação antecedente, por
algum(ns) Soberano(s) Pontífice(s), do exercício desse poder que
pertence por direito divino unicamente ao Soberano Pontífice.
Exatamente como para os patriarcas de Alexandria e de Antioquia.
Um dos exemplos mais conhecidos data, com efeito, do séc. XIII, na
França, durante a vacância de 1268-1271, entre Urbano IV e Gregório X.
Isso foi antes da generalização da reserva, pelos Papas dos séculos
XIV e XV, reserva esta que retira as delegações do exercício desse
poder que pertence propriamente só ao Papa (Journet dixit).
De que Papa os bispos “tradicionalistas” que consagram sem mandato
apostólico derivam uma delegação que lhes permita exercer o poder
próprio do Soberano Pontífice?
O mínimo que podemos dizer (para sermos gentil) é que o pensamento de
Journet é invocado erroneamente pelo povo do Si Si No No, fazendo o
teólogo de Friburgo dizer exatamente o contrário do que ele defende!
.
III. O caso de Santo Eusébio
Eis a única fonte (!!!) sobre a qual apoiam-se alguns, para afirmar
que Santo Eusébio de Samosata procedeu a consagrações episcopais
“selvagens”:
“Ele [o imperador Valêncio] começou relegando Pelágio à Arábia, então
relegou o pio Melécio à Armênia, por fim relegou à Trácia Eusébio,
exausto de suor por seus trabalhos apostólicos. Com efeito, depois de
saber que muitas igrejas continuavam carentes de pastores, este,
vestido de uniforme de soldado e com a cabeça coberta por turbante,
percorreu a Síria, a Fenícia e a Palestina impondo as mãos a padres e
diáconos; se havia bispos do mesmo parecer que ele, ele designava
também chefes às igrejas que precisavam disso.”

(Teodoreto, Bispo de Ciro, séc. V)


“Ele designava também chefes/cabeças às igrejas que precisavam disso.”
1 – Um tal fraseado exprime necessariamente a ideia de consagração
episcopal?
2 – Admitamos que se tratasse realmente de consagrações episcopais…
Quem disse que foram realizadas indo contra as normas canônicas
existentes na época em Síria, Fenícia e Palestina, três subprovíncias
dependentes da mesma eparquia (província eclesiástica)?
Sabemos que as normas canônicas então em vigor naquela região exigiam
que o bispo fosse sagrado e recebesse jurisdição com o assentimento
dos bispos da referida eparquia.
Ora, Teodoreto menciona o recurso de Eusébio aos bispos:
“Se havia bispos do mesmo parecer que ele, ele designava também chefes
às igrejas que precisavam disso.”
Pelo testemunho de Teodoreto de Ciro, pode-se muito bem pensar que
Eusébio não procedeu a sagrações “selvagens”. Tal testemunho – o único
– não é suficiente para provar a existência de tais sagrações
“selvagens”.
Cf. Frei A.-M. LENOIR, “Saint Eusèbe de Samosate et les consécrations
épiscopales en Syrie au IVème siècle” [Santo Eusébio de Samosata e as
consagrações episcopais na Síria no séc. IV], in: Sedes Sapientiae,
n.°s 22 e 23 (outono de 1987 e inverno de 1988).

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
“Há Precedente Histórico para Consagrações Episcopais sem Mandato da
Santa Sé?”, por um Professor de História, 2007, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2010, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-vg
.
A partir de:
– “Pauvre saint Eusèbe de Samosate !” [Pobre Santo Eusébio de
Samosata!], Le Forum Catholique, 19 nov. 2007,

http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=344462
– “Journet invoqué à tort” [Journet invocado erroneamente], Le Forum
Catholique, 19 nov. 2007,

http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=344455
– O título desta tradução foi tirado da tradução inglesa, por J. S.
DALY, em: “Necessity of Apostolic Mandate” [Necessidade do Mandato
Apostólico], Bellarmine Forums, 30 jun. 2008,

http://www.strobertbellarmine.net/forums/viewtopic.php?t=863
.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Uma resposta para “Textos essenciais em tradução inédita – XLV”
1. Textos essenciais em tradução inédita – L « Acies Ordinata Disse:

18 fevereiro 2011 às 18:45


[...] tradução responde, ao menos em parte, às perguntas dos amigos
Rosano, Roberto e Aruan (a este devo ainda, como se vê, mais objeções
às inovações do Padre Calderón, espero que para breve), assim como —
aproveito para mencionar agora — tanto o já mencionado Florilégio
quanto a tradução citando Journet e Lenoir, que se lhe seguiu, visavam
responder às perguntas (em ordem cronológica:) dos amigos Sérgio,
Eduardo, Aruan e Sandro [...]

Textos essenciais em tradução inédita – XLIV


Em atenção aos que, como eu, creem que mesmo durante a crise mais
grave que ela já conheceu, a Igreja continua a preservar uma
constituição divina inviolável:
Florilégio de textos referentes aos bispos sem Missão Apostólica e aos
padres que eles ordenam
(2007)

John Daly

1. “Consecrator dicit: Habetis mandatum Apostolicum? Respondet


Episcopus senior Assistentium: Habemus. Consecrator dicit: Legatur.
(…) Mandato per notarium perlecto, Consecrator dicit: Deo gratias.”

(Pontificale Romanum, De Consecratione Electi in Episcopum.)


2. “Em verdade, em verdade vos digo que quem não entra pela Porta no
aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador.
Mas o que entra pela porta, é pastor das ovelhas. A este o porteiro
abre e as ovelhas ouvem a sua voz, ele as chama pelo seu nome, e as
tira para fora. Quando as tirou todas para fora, vai adiante delas, e
as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Mas não seguem o
estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.”

(Evangelho segundo São João, X, 1-5).


3. “Mas…Oza estendeu a mão para a arca de Deus e susteve-a, porque os
bois escoicinhavam e tinham-na feito pender. O Senhor indignou-se
muito contra Oza e feriu-o pela sua temeridade; e caiu morto ali mesmo
junto da arca de Deus.”

(II Reis, VI, 6,7).


4. “Esses são falsos apóstolos, operários fingidos, que se
transfiguram em apóstolos de Cristo.”

(II Cor. XI, 13)


5. “Eu não enviava estes profetas, e eles corriam; não lhes dizia
nada, e eles profetizavam.”

(Jeremias XXIII, 21)


6. “Se alguém disser que os Bispos não são Superiores aos Padres; ou
que eles não detêm o poder de conferir a Confirmação e as Ordens; (…)
ou que aqueles que não são nem ordenados, nem enviados [missi]
verdadeira e legitimamente pelo Poder Eclesiástico e Canônico, mas que
vêm doutra parte, são todavia legítimos Ministros da Palavra de Deus e
dos Sacramentos: seja anátema.”

(Santo Concílio de Trento, Sessão XXIII, Cânon VII).


7. “…[N]a Igreja Católica não pode haver sagração legítima sem ser
conferida por mandato apostólico.”

(Papa Pio VI, Carta Apostólica Caritas, 13 de abril de 1791).


8. “Com efeito, os cânones sagrados, clara e explicitamente,
estabelecem que pertence unicamente à Sé Apostólica julgar da
idoneidade de um eclesiástico para a dignidade e a missão episcopal e
que pertence ao Romano Pontífice nomear livremente os bispos. E mesmo
quando, como em determinados casos, na escolha de um candidato ao
episcopado, é admitido o concurso de outras pessoas ou entes, isto
acontece legitimamente somente em virtude de uma concessão – expressa
e particular – feita pela Sé Apostólica a pessoas ou a corpos morais
bem determinados, com condições e em circunstâncias bem definidas.
Isso posto, deriva que os bispos não nomeados nem confirmados pela
Santa Sé, e até escolhidos e consagrados contra suas disposições
explícitas, não podem gozar de nenhum poder de magistério nem de
jurisdição; pois a jurisdição vem aos bispos unicamente através do
Romano Pontífice, como já tivemos ocasião de lembrar na carta
encíclica Mystici corporis…”

(Papa Pio XII, Ad Apostolorum principis, 29 de junho de 1958).


9. “O poder de jurisdição, que é conferido diretamente ao Sumo
Pontífice por direito divino, deriva aos Bispos pelo mesmo direito,
mas somente mediante o Sucessor de S. Pedro, ao qual estão
constantemente submetidos e ligados pelo obséquio da obediência e pelo
vínculo da unidade, não somente os simples fiéis, mas também todos os
Bispos.”

(Papa Pio XII, Ad Sinarum gentem, 7 de outubro de 1954).


10. “Por onde, cremos e confessamos firmemente que seja qual for a
retidão, a piedade, a santidade e a prudência de um homem, ele não
pode e não deve consagrar a Eucaristia nem confeccionar o sacrifício
do altar se não for padre regularmente ordenado por um bispo visível e
tangível…corretamente constituído nesse ofício.”

(Papa Inocêncio III, Ejus exemplo, Denz. 424).


11. Aos bispos validamente sagrados mas sem mandato apostólico, tanto
o Papa Pio VI quanto o Papa São Pio X dão o título não de Monsenhor
nem de Dom, mas de pseudo-episcopus.

(Ver Caritas, de 13 de abril de 1791, e a bula de excomunhão de Arnold


Harris Matthew, de 15 de fevereiro de 1911).
12. “Nem tampouco deve alguém tomar para si esta dignidade, ‘senão
aquele que por Deus é chamado, como o foi Aarão’ (Heb. IV, 12).
Consideram-se, porém, chamados por Deus os que são chamados pelos
legítimos ministros da Igreja; pois, daqueles que por arrogância se
intrometem como intrusos neste ministério, dizia evidentemente o
Senhor: ‘Eu não os enviava como profetas, e eles corriam’ (Ier. XXIII,
21). Não pode haver raça de homens mais infelizes e desgraçados do que
eles, nem mais perniciosos para a Igreja de Deus.”

(Catecismo do Concílio de Trento, Do Sacramento da Ordem).


13. “Essas ordenações não são reconhecidas pela Igreja; eis por que é
preciso considerar os sujeitos como leigos no que se refere aos
efeitos canônicos, incluindo aí o direito de casar-se.”

(Monitum do Santo Ofício de 8 de maio de 1959 referente ao estatuto


dos padres ordenados por um certo Giovanni Tadei, tendo este recebido
regularmente o sacerdócio mas irregularmente, numa seita, o
episcopado, cuja validade porém não era posta em dúvida.)
14. “O medo grave e a necessidade, mesmo relativos, bem como grave
perturbação [grave incommodum], como regra geral removem todo o delito
se se trata de leis puramente eclesiásticas.”

(Cânon 2205§2)
15. “Todo o poder espiritual é dado com uma certa consagração. É por
essa razão que o poder das chaves é dado com o sacramento da Ordem.
Mas o exercício desse poder requer matéria apropriada, que é o povo
cristão submetido por meio da jurisdição. Assim, antes da jurisdição o
padre possui o poder das chaves, mas não a faculdade de exercer esse
poder.”

(Santo Tomás, Suma Teológica, Suplemento, q. 17, a. 2, sol. 2).


16. “Quem de vós ousaria ocupar o ministério mesmo de um principezinho
deste mundo sem o mandato deste?”

(São Bernardo, Tract. de Convers. ad Clericos, cap. XIX.)


17. “Como é divina e sagrada, essa autoridade das Chaves, que,
descendo do céu no Romano Pontífice, dele deriva, por intermédio dos
Prelados das Igrejas, sobre toda a sociedade cristã que ela deve reger
e santificar! Seu modo de transmissão pôde variar conforme os séculos;
mas nem por isso todo o poder deixava de emanar, por pouco que fosse,
da Cátedra de Pedro. (…) Cabe então a nós, sacerdotes e fiéis,
interrogar qual a fonte donde nossos pastores hauriram o poder deles,
qual a mão que a eles transmitiu as Chaves. A missão deles emana da Sé
Apostólica? Sendo assim, eles vêm da parte de Jesus Cristo, que
confiou a eles, por intermédio de Pedro, Sua autoridade; honremo-los,
sejamos-lhes submissos. Caso eles se apresentem sem serem enviados
pelo Romano Pontífice, não nos unamos em absoluto a eles; pois Cristo
não os conhece. Ainda que estivessem revestidos do caráter sagrado
conferido pela unção episcopal, eles não são nada na Ordem Pastoral;
as ovelhas fiéis devem afastar-se deles.”

(Dom Guéranger, Ano Litúrgico, Cátedra de São Pedro em Antioquia.)


18. “Ao propor esta passagem do Evangelho aos neófitos de Pentecostes,
a Igreja queria premuni-los contra um perigo com que poderiam deparar-
se durante o curso de sua vida. No presente momento, eles são as
ovelhas afortunadas de Jesus, o Bom Pastor, e esse divino Pastor é
representado perante eles por homens que Ele próprio investiu do
encargo de apascentar os Seus cordeiros. Esses homens receberam de
Pedro a missão deles, e quem está com Pedro está com Jesus. Sucedeu,
porém, com frequência que falsos pastores introduziram-se no redil, e
o Salvador qualifica-os de assaltantes e de ladrões, pois, em lugar de
entrarem pela porta, escalaram as cercas do redil. Ele nos diz que Ele
próprio é a Porta pela qual devem passar os que detêm o direito de
apascentar as Suas ovelhas. Todo o pastor, para não ser ladrão, deve
ter recebido a missão de Jesus, e essa missão não pode vir senão
daquele que Ele estabeleceu para ficar em Seu lugar, até que Ele
próprio venha.

O Espírito Santo difundiu Seus dons divinos nas almas desses novos
cristãos; mas as virtudes que estão neles só se podem exercer de
maneira a merecer a vida eterna no seio da Igreja verdadeira. Se, em
lugar de seguirem o pastor legítimo, tiverem a infelicidade de
entregar-se a falsos pastores, todas essas virtudes tornar-se-ão
estéreis. Devem eles, então, evitar como estrangeiro aquele que não
recebeu sua missão do Mestre que, somente ele, pode conduzi-los aos
pastos da vida. Muita vez, ao longo dos séculos, houve pastores
cismáticos; o dever dos fiéis é fugir deles, e todos os filhos da
Igreja devem estar atentos à advertência que Nosso Senhor lhes dá
aqui. A Igreja que Ele fundou e que Ele conduz por Seu divino Espírito
tem por característica ser Apostólica. A legitimidade da missão dos
pastores manifesta-se pela sucessão; e, dado que Pedro vive em seus
sucessores, o sucessor de Pedro é a fonte do poder pastoral. Quem está
com Pedro está com Jesus Cristo.”

(Dom Guéranger, Ano Litúrgico, terça-feira de Pentecostes).


19. “A aproximação da consumação das núpcias do Filho de Deus
coincidirá, aqui embaixo, com um redobramento dos furores do inferno
para perder a Esposa. O dragão do Apocalipse, a antiga serpente
sedutora de Eva, vomitando como um rio sua baba imunda, desencadeará
todas as paixões para arrastar a verdadeira mãe dos viventes nessa
correnteza. Contudo, ele será impotente para contaminar o pacto da
eterna aliança; e, sem forças contra a Igreja, voltará sua fúria
contra os últimos filhos da nova Eva, reservados para a honra perigosa
das lutas supremas que descreveu o profeta de Patmos. É sobretudo
então que os cristãos fiéis deverão recordar-se das advertências do
Apóstolo e portar-se com a circunspecção que ele recomenda, dedicando
todos os seus esforços a conservar pura a inteligência não menos que a
vontade, nesses dias maus. Pois a luz não terá então de sofrer somente
as investidas dos filhos das trevas alardeando suas perversas
doutrinas; ela será talvez ainda mais diminuída e falseada pelas
falhas dos próprios filhos da luz no terreno dos princípios, pelas
procrastinações, as transações, a prudência humana dos pretensamente
sábios. Muitos parecerão ignorar na prática que a Esposa do Homem-Deus
não pode sucumbir sob o choque de força criada alguma. Se se
lembrassem de que Cristo comprometeu-se a guardar Ele próprio a Sua
Igreja até ao fim dos séculos, não creriam fazer prodígios trazendo ao
auxílio da boa causa uma política cujas concessões nem sempre serão
pesadas suficientemente na balança do santuário: sem imaginar que o
Senhor não tem necessidade, para ajudá-lo a cumprir Sua promessa, de
astúcias tortuosas; sem refletir, sobretudo, que a cooperação que Ele
condescende em aceitar dos Seus, para a defesa dos direitos da Igreja,
não pode consistir na diminuição ou na dissimulação das verdades que
constituem a força e a beleza da Esposa.”

(Dom Guéranger, O Ano Litúrgico, XX domingo depois de Pentecostes.)


20. “A Encarnação é missão do Filho de Deus ao mundo, e essa missão se
perpetua e difunde através da multiplicidade dos ministérios
eclesiásticos em todos os tempos. Como o meu Pai me enviou… Assim
como, no Antigo Testamento, os profetas e até mesmo os anjos não
intervinham jamais sem terem sido enviados, assim, no Novo, não existe
nenhum ministro da Redenção, não digo apenas sem um chamado ou vocação
que o torne apto, mas sem missão formal que o aplique à obra. E Deus
não é então menos cioso de Seu direito exclusivo de enviar. Ora, essa
missão dos ministros hierárquicos, bem como o chamado mesmo, só vêm de
Deus passando pela Igreja. (…) A distinção entre o poder de ordem e o
poder de jurisdição é fundada sobre esta necessidade permanente de
missão… Sem a missão, ao menos sob a forma elementar de uma permissão,
o poder sacerdotal, embora permanecendo válido, deixa de honrar a
Deus, deixa de oferecer sacrifício de agradável odor… (…) Nos tempos
de heresia e de cisma, é a necessidade mesma de missão que é
repudiada.”

(Rev. Pe. Humbert Clérissac, O.P., Le Mystère de l’Église [O Mistério


da Igreja].)
21. “…[T]oda a pessoa que não tem a missão por parte da Igreja
Católica, por esse mesmo fato ministra ilicitamente, e toda a pessoa
que recebe um sacramento comungando assim com o pecado do ministro,
recebe-o de modo sacrílego.”

(Cardeal Billot, De Sacramentis, tese XVI).


22. “Fora de uma comissão recebida da Igreja Católica, a administração
dos sacramentos é ilícita e sacrílega. (…) A autoridade para ministrar
os sacramentos vem toda ela da missão dada aos Apóstolos. (…) Mas a
missão apostólica encontra-se tão somente na Igreja Católica… Ainda
que seja possível, de fato, dispor dos bens de outrem sem ter recebido
dele missão para tanto, nada é mais certo do que o fato de que ninguém
dispõe legitimamente daquilo que pertence a outrem sem ser por mandato
deste. Ora, os sacramentos são bem de Cristo. Logo, não são
legitimamente ministrados senão por aqueles que têm missão da parte de
Cristo, ou seja, por aqueles aos quais provém a missão apostólica.”

(Cardeal Billot, De Sacramentis, tese XVI).


23. “Vê-se, destarte, a gravidade do erro dos polemistas que reduzem
toda a questão da sucessão apostólica à da validade das ordens.”

(Cardeal Billot, De Ecclesia, de Ordine, q. IX, p. 345)


24. “O poder de ordem separado dos princípios que tornam legítimo o
seu exercício está no mesmo estado que nas seitas de hereges e de
cismáticos.”

(Cardeal Billot, De Ecclesia, de Ordine, q. IX, p. 344)


25. “O poder de ordem depende do poder de jurisdição no que se refere
à legitimidade de seu exercício, de modo que em absolutamente nenhum
caso pode ser devidamente e licitamente exercido sem ser em
conformidade com os cânones e as estipulações da autoridade donde
emana essa jurisdição.”

(Cardeal Billot, De Ecclesia, de Ordine, q. IX, p. 339)


26. “Ainda que um homem seja divinamente separado dos outros homens, e
mesmo de seus confrades do presbiterato, pelo caráter episcopal, e
ainda que ele seja repleto de poder espiritual pela extensão
sacramental na ordenação episcopal, esse poder permanecerá para sempre
preso dentro de seu íntimo para ele; ele será incapaz de atuação
lícita e de dar seu fruto segundo a vontade de Deus sem a jurisdição e
a autoridade que lhe atribuem uma diocese e lhe dão um rebanho. E essa
jurisdição não pertence ao Bispo pelo expediente de sua sagração
episcopal, mas pela autoridade apostólica da Santa Sé.”

(Mons. Ullathorne, Ecclesiastical Discourses [Discursos


Eclesiásticos], 1876, p. 100).
27. “Nós definimos a vocação sacerdotal: a eleição e o chamado de um
sujeito ao estado eclesiástico; eleição e chamado inteiramente
gratuitos, que Deus faz desde toda a eternidade e que Ele manifesta e
intima no tempo pelo órgão dos ministros legítimos da Igreja. (…)
esses legítimos ministros da Igreja são os que têm em mãos a
jurisdição no foro externo; pois, evidentemente, o recrutamento do
clero é função do foro externo.”

(Côn. Joseph Lahitton, La Vocation Sacerdotale [A Vocação Sacerdotal],


obra cuja recomendação pela Santa Sé foi publicada – privilégio bem
excepcional – nos Acta Apostolicae Sedis, sob a data de 5 de outubro
de 1909.)
28. “Unicamente o Papa institui os bispos. Esse direito pertence a ele
soberanamente, exclusivamente e necessariamente, pela constituição
mesma da Igreja e pela natureza da hierarquia”

(Dom Adrien Gréa, L’Église et sa Divine Constitution [A Igreja e sua


Constituição Divina].)
29. “…[A] heresia da jurisdição universal de que cada bispo é
investido por sua ordenação…erro condenado pelo Concílio de Trento…”

(Tradition de l’Église sur l’Institution des Évêques [Tradição da


Igreja sobre a Instituição dos Bispos], t. III, p. 400, obra anônima
editada em Paris em 1814 e, segundo o Cardeal Wiseman, muito bem vista
pela Santa Sé sob o Papa Leão XII.)
30. “Uma sociedade cristã cujos bispos remontam aos Apóstolos somente
pelo poder de ordem, e não também pelo poder de jurisdição, não pode
pretender-se apostólica e, portanto, não pode ser a Igreja de Cristo.”

(W. Devivier, Curso de Apologética Cristã).


31. “É o Papa que dá aos Bispos a jurisdição deles, e nenhum Bispo
pode exercer seu ofício antes de ser reconhecido e confirmado pelo
Papa.”

(F. Spirago, Catecismo).


32. “Para alguém ser estabelecido Sucessor dos Apóstolos e Pastor da
Igreja, o poder de Ordem não é suficiente, sendo este sempre
validamente conferido pela ordenação. É preciso também o poder de
jurisdição, a qual é comunicada não pela Ordem mas pela missão
recebida da parte daquele a quem Cristo concedeu o supremo poder sobre
a Igreja universal. A Sucessão Apostólica pode ser definida como
segue: a pública, legítima, solene e jamais interrompida reposição dos
Apóstolos por pessoas para governar e apascentar a Igreja no lugar
deles. Essa sucessão pode ser material ou formal. A sucessão material
consiste no fato de que nunca faltaram pessoas e de que a substituição
dos Apóstolos por elas continuou sem interrupção. A sucessão formal
consiste no fato de que essas pessoas que os substituem desfrutam
realmente da autoridade derivada dos Apóstolos e recebida da parte
daquele que a pode comunicar. Estas últimas palavras…indicam que, para
a sucessão formal, é exigida missão, a qual pode ser definida como: a
legítima assunção e deputação a assumir os encargos apostólicos em
virtude das quais sucede-se ao lugar dos Apóstolos.”

(Herrmann, Institutiones Theologiae Dogmaticae, n. 282)


33. “Podemos muito bem aceitar o parecer de Toso de que a
interpretação laxista da lei do Cânon 209 [referente à jurisdição
suprida] deve-se a um desprezo das leis jurisdicionais por parte de
certos moralistas. (…) Cumpre recordar-se de que as leis
jurisdicionais são, ao menos por equivalência, leis irritantes e
incapacitantes. Por essa razão, assim como há necessidade de dispensa
para que possa casar-se uma pessoa detida por impedimento eclesiástico
dirimente, assim também a faculdade ou poder exigido que chamamos de
jurisdição é necessário para efetuar validamente um ato jurisdicional.
Os que não têm esse poder, sejam quais forem suas outras
qualificações, simplesmente não podem agir validamente. Ora, essa
jurisdição não pode ser concedida senão pela Igreja. [Na suplência de
jurisdição...] a Igreja delimita cuidadosamente a extensão da
concessão e as condições de sua eficácia. Fora desses limites, não
existe nenhum título de jurisdição. Seria vão raciocinar que, num tal
caso, o legislador não tem a intenção de que a lei jurisdicional
obrigue, em razão das circunstâncias duras e probantes do caso, se a
lei diz claramente o contrário… Não existe paridade entre as leis que
interdizem, sem mais, e aquelas das quais depende a validade…”

(F.-X. Miaskiewicz, Supplied Jurisdiction According to Canon 209 [A


Jurisdição Suprida Conforme o Cânon 209].) ”

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
J.S. DALY, Florilégio de textos referentes aos bispos sem Missão
Apostólica e aos padres que eles ordenam, 2007, trad. br. por F.
Coelho, São Paulo, dez. 2010, blogue Acies Ordinata,
http://wp.me/pw2MJ-uL
de: “FLORILÈGE DE TEXTES CONCERNANT LES ÉVÊQUES SANS MISSION
APOSTOLIQUE ET LES PRÊTRES QU’ILS ORDONNENT”,

Le Forum Catholique, 14 nov. 2007,

http://www.leforumcatholique.org/message.php?num=342628
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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2 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – XLIV”
1. Sandro de Pontes Disse:

28 dezembro 2010 às 13:08


Prezado Felipe, salve Maria.
O texto do CMRI citado pelo Aruan no outro post está em espanhol no
seguinte endereço:
http://www.cmri.org/span-96prog9.html
Neste endereço Dom Pivarunas diz o seguinte:
“(…) Durante este largo período de vacancia de la Sede Apostólica,
también ocurrieron vacancias en varias diócesis alrededor del mundo. A
fin de que los sacerdotes y fieles no qudasen sin pastores, se
eligieron y consagraron obispos para llenar las sedes vacantes. En
este tiempo hubo veintiún elecciones y consagraciones en varios
países. Lo más importante de este precedente histórico es que TODAS
ESTAS CONSAGRACIONES episcopales fueron ratificadas por el papa
Gregorio X, y, por consiguiente, afirmó su licitud”.
Ora, Felipe, se isso for verdade, então existiria sim, a menos que eu
me equivoque, o que não seria nenhuma novidade : ), o tal estado de
necessidade que justificam sagrações episcopais sem mandados papais.
Se puder, favor refutar este trecho de Monsenhor Pivarunas, já que ele
é essencial ao debate, em meu modode ver as coisas.
Abraços sempre fraternos e se eu não falar com você nos próximos dias
já lhe desejo um feliz ano novo e que estejamos juntos em 2011: juntos
na fé e na luta pela manutenção da graça santificante, que é o que
realmente importa!!!! Já o resto…pode esperar!
Sandro de Pontes
2. Textos essenciais em tradução inédita – L « Acies Ordinata Disse:

18 fevereiro 2011 às 18:24


[...] tradução responde, ao menos em parte, às perguntas dos amigos
Rosano, Roberto e Aruan (a este devo ainda, como se vê, mais objeções
às inovações do Padre Calderón, espero que para breve), assim como —
aproveito para mencionar agora — tanto o já mencionado Florilégio
quanto a tradução citando Journet e Lenoir, que se lhe seguiu, visavam
responder às perguntas (em ordem cronológica:) dos amigos Sérgio,
Eduardo, Aruan e Sandro [...]

Textos essenciais em tradução inédita – CLXIII

Intenção Sacramental e Bispos Maçônicos


Uma velha lorota sobre a ordenação

do arcebispo Dom Lefebvre


(2003)

Rev. Pe. Anthony Cekada

“As pessoas que não são teólogos nunca parecem entender quão pouca
intenção é requerida para um sacramento… A ‘intenção implícita de
fazer o Cristo instituiu’ significa uma coisa tão vaga e ínfima, que é
quase impossível deixar de tê-la – a não ser que se a exclua
deliberadamente. No tempo em que todos falavam das ordens anglicanas,
vários católicos confundiram intenção com fé. A fé não é requerida. É
heresia dizer que seja. (Foi este o erro de São Cipriano e Firmiliano
contra o qual o Papa Estêvão I [254-257] protestou.) Um homem pode ter
opiniões completamente erradas, heréticas e blasfemas sobre um
sacramento e, ainda assim, conferi-lo ou recebê-lo validamente.”
— Adrian Fortescue

The Greek Fathers

No fim da década de 1970, à medida que os padres da Fraternidade São


Pio X começaram a oferecer Missa em mais e mais cidades, certos
polemistas no movimento tradicional dos E.U.A. começaram a difundir a
história de que o fundador da Fraternidade, o arcebispo Dom Marcel
Lefebvre (1905-1991), fora ordenado tanto ao sacerdócio quanto ao
episcopado por um maçom, que as próprias ordenação sacerdotal e
consagração episcopal do arcebispo eram inválidas, e que,
consequentemente, todos os sacerdotes da FSSPX eram também
invalidamente ordenados.
O alegado maçom em questão era o cardeal Achille Liénart (1884-1973),
arcebispo de Lille (cidade natal de Dom Lefebvre), e mais tarde um dos
líderes modernistas no Concílio Vaticano Segundo (1962-1965).
O finado Hugo Maria Kellner, a hoje defunta publicação Veritas, Hutton
Gibson e alguns outros – nós os chamávamos de “os liénartistas” –
argumentavam que, dado que a maçonaria abomina a Igreja, seus adeptos
em meio ao clero naturalmente quereriam destruir o sacerdócio mediante
a subtração da requerida intenção sacramental ao conferirem Ordens
Sacras. Todas as ordenações conferidas por prelados maçônicos –
defendiam eles – tinham de ser tratadas ou como inválidas ou como
duvidosas, incluindo a ordenação sacerdotal e consagração episcopal
que o arcebispo Dom Lefebvre recebeu do cardeal Liénart.
Dado que a história da “maçonaria” ainda reemerge ocasionalmente mesmo
trinta anos depois, decidi revisitar a questão.
Como começar? A melhor maneira é esclarecendo as partes componentes do
argumento liénartista.
Pode-se fazer isso colocando-o na forma de um argumento lógico formal
chamado “silogismo” – método empregado nos manuais de teologia
dogmática. Um silogismo argumenta partindo de uma afirmação geral (por
exemplo: Todos os homens são mortais), para uma afirmação particular
(Sócrates é homem), para uma conclusão (Logo, Sócrates é mortal).
Você precisa provar tanto sua afirmação geral quanto sua afirmação
particular. Do contrário, você não prova a sua conclusão.
Ao condensarmos o argumento dos liénartistas e o colocarmos nessa
forma, obtemos o seguinte:
1. Princípio Geral: Sempre que um bispo é maçom, sua intenção
sacramental deve presumir-se duvidosa e todas as ordenações dele,
portanto, presumir-se duvidosas.
2. Fato Particular: Achille Liénart foi um bispo que era maçom.
3. Conclusão: A intenção sacramental de Achille Liénart deve presumir-
se duvidosa e todas as suas ordenações, portanto, presumir-se
duvidosas.
A suposta “prova” do ponto (2) foi mais do que adequadamente demolida
alhures. Em seu artigo de 1982 intitulado “Cracks in the Masonry”,
Rama Coomaraswamy demonstrou que todas as histórias acerca da suposta
afiliação maçônica do cardeal Liénart remontam a uma única obra,
L’Infaillibilité Pontificale do marquês de la Franquerie, um escritor
sensacionalista francês. A única fonte que o marquês dá para a
história é anônima: um ex-maçom identificado como “Sr. B…” O artigo
espirituoso e erudito de Coomaraswamy está postado em
traditionalmass.org.
Aqui, dirigiremos nossa atenção antes ao ponto (1), o princípio geral
subjacente ao argumento liénartista. Demonstrarei que ele é falso,
pois contradiz as presunções fundamentais que a lei canônica, a
teologia moral e a teologia dogmática estipulam com respeito à
validade dos sacramentos em geral, e à intenção do ministro das
Sagradas Ordens em particular. Além disso, demonstrarei que ele
contradiz a prática da Igreja no passado, e conduz a absurdos
manifestos.
1. Presunção Geral de Validade. Os sacramentos conferidos por um
ministro católico, inclusive as Ordens Sacras, devem presumir-se
válidos enquanto a invalidade não for provada. Esta é:
“a rainha das presunções, que considera válido o ato ou o contrato,
até que a invalidade seja provada.” (F. Wanenmacher, Canonical
Evidence in Marriage Cases, [Philadelphia: Dolphin 1935], 408.)
“Quando o fato da ordenação está devidamente assentado, a validade das
ordens conferidas, naturalmente, deve ser presumida.” (W. Doheny,
Canonical Procedure in Matrimonial Cases [Milwaukee: Bruce 1942]
2:72.)
2. Intenção e Ordens Sacras. Quando um bispo confere Ordens Sacras
usando a matéria e forma corretas, deve presumir-se que ele teve
intenção sacramental suficiente para confeccionar o sacramento – isto
é, no mínimo que ele “intencionou fazer o que a Igreja faz.”
Este é o ensinamento do Papa Leão XIII em seu pronunciamento sobre as
ordens anglicanas:
“Ora, se uma pessoa usou seriamente e devidamente a matéria e a forma
corretas para realizar e administrar o sacramento, essa pessoa por
esse fato mesmo presume-se ter intencionado fazer o que a Igreja faz.”
(Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896.)
O teólogo Leeming diz que essa passagem recapitula os ensinamentos dos
teólogos anteriores que
“concordaram todos que a realização exterior decorosa dos ritos
estabelece uma presunção de que a intenção certa existe… O ministro de
um sacramento presume-se intencionar aquilo que o rito significa… Esse
princípio é afirmado como doutrina teológica certa, ensinada pela
Igreja, e negá-lo seria no mínimo teologicamente temerário.” (B.
Leeming, Principles of Sacramental Theology [Westminster MD: Newman
1956], 476, 482.)
3. Heresia ou Apostasia e Intenção. A heresia, ou mesmo a completa
apostasia da fé por parte do bispo que ordena, não prejudica essa
intenção suficiente, pois a intenção é um ato da vontade.
“O erro na fé, ou mesmo a total descrença, não prejudica essa
intenção; pois os conceitos no intelecto nada têm em comum com um ato
da vontade.” (S. Many, Praelectiones de Sacra Ordinatione [Paris:
Letouzey 1905], 586.)
4. Quando a Intenção Invalida. Uma ordenação, de resto, realizada
corretamente torna-se inválida apenas se o bispo fizer um ato de
vontade de não “fazer aquilo que a Igreja faz” ou de não “ordenar esta
pessoa”.
“Uma ordenação é inválida se o ministro… ao conferi-la a alguém, faz
um ato volitivo de não ordenar aquela pessoa, pois por esse fato mesmo
ele não tem, no mínimo, a intenção de fazer aquilo que a Igreja faz —
de fato, ele tem uma intenção contrária.” (P. Gasparri, Tractatus de
Sacra Ordinatione [Paris: Delhomme 1893], 1:970.)
5. Intenção Inválida Jamais Presumida. Um bispo que confere Ordens
Sacras, no entanto, nunca é de presumir que tenha uma tal intenção de
não ordenar, até que o contrário fique provado.
“Ao realizar uma ordenação o ministro nunca é de presumir que tenha
uma intenção tal de não ordenar, enquanto o contrário não for provado.
Pois a ninguém se presume mau a não ser que ele seja provado tal, e um
ato — especialmente um tão solene quanto uma ordenação — deve ser
considerado válido, contanto que a invalidade não seja claramente
demonstrada.” (Gasparri, 1:970.)
O princípio geral proposto pelos liénartistas, porém – “Sempre que um
bispo é maçom, sua intenção sacramental deve presumir-se duvidosa e
todas as ordenações dele, portanto, presumir-se duvidosas” –,
contradiz diretamente o que precede e estabelece a presunção oposta.
Essa teoria, destarte, trata um acusado “bispo maçônico” como culpado
até que se o prove inocente. (Os sacramentos dele devem ser tratados
“como não-sacramentos”.) E o ônus da prova que ele tem de satisfazer
para absolver-se é impossível: ele tem de refutar uma dupla negativa
sobre um ato interior da vontade (“prove que você não subtraiu sua
intenção”).
Isso se choca com todos os princípios de equidade da lei civil e
canônica.
6. Nenhum Apoio na Teologia. Por essa razão, os liénartistas não são
capazes de citar nenhum canonista, teólogo moralista ou teólogo
dogmático pré-Vaticano II que proponha ou defenda a premissa maior
deles.
Em vez disso, tudo que eles apresentam são as citações padrão sobre a
maçonaria: ela conspira para destruir a Igreja, é condenada pelos
Papas, promove o naturalismo, é causa de excomunhão etc.
Isso meramente prova aquilo que ninguém contesta: a maçonaria é má.
Mas, dado que homens maus e mesmo incrédulos podem conferir
sacramentos válidos, isso não os aproxima nem um pouco de provar o
princípio que é a base de seus argumentos: “Membro da maçonaria =
sacramentos duvidosos”.
Se um tal princípio geral fosse verdadeiro, os Papas, canonistas e
teólogos nos teriam dito.
7. Nenhum Apoio na História. A desculpa que às vezes se dá para não
fornecer uma citação dessas – “não era amplamente conhecido o que
estava acontecendo [acerca do clero maçônico] até que os frutos foram
exibidos no Vaticano II” – é refutada pela história da Igreja na
França, onde muitos clérigos eram maçons. Em França antes da
Revolução:
“Há um fato irrecusável: as lojas contaram muitos e muitos
eclesiásticos… Em Caudebec, dos vinte e quatro membros da loja (*),
quinze eram padres. Em Sens, dos cinquenta, eram vinte. Cônegos,
párocos eram “Veneráveis”. Os próprios cistercienses de Claraval
tinham uma loja no convento! Saurine, futuro bispo de Estrasburgo no
tempo de Napoleão, era um dos membros dirigentes do Grande Oriente. Se
dissermos que, por volta de 1789, um quarto dos franco-maçons
franceses era de gente eclesiástica, não devemos ficar longe da
verdade…. Dentre cento e trinta e cinco bispos, não havia nas vésperas
da Revolução mais de sete ímpios e três deístas.” (H. Daniel-Rops, A
Igreja dos Tempos Clássicos. II. A era dos grandes abalos. Trad. de
Henrique Ruas. São Paulo: Quadrante 2001, 72, 83. Ver também J.
McManners, Church and Society in Eighteenth-Century France [Oxford:
University Press 1998] 1:354, 356, 420, 509.]
[(*) N. do T. – No original do livro, “À Caudebec, sur vingt-quatre
membres” etc., como na trad. br., e não “quatre-vingt”, como parece
ter lido o tradutor da edição inglesa citada no original deste estudo:
H. Daniel-Rops, The Church in the Eighteenth Century, Londres: Dent
1960, 63, 73.]
Os revolucionários maçônicos montaram sua cismática Igreja
Constitucional em 1791 com clérigos como estes, o mais proeminente
deles sendo Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, ex-bispo de Autun
e defensor da causa revolucionária.
Diferentemente do caso do cardeal Liénart, é fato consolidado que
Talleyrand era maçom: ele pertencia à loja Francs Chevaliers em Paris.
Além disso, ele provavelmente era, inclusive, um descrente. Em 25 de
janeiro de 1791, Mons. Talleyrand consagrou os primeiros bispos para a
Igreja Constitucional, e assim todos os bispos dela subsequentemente
derivaram dele suas consagrações.
Sem embargo, quando o Papa Pio VII assinou sua Concordata de 1801 com
Napoleão, ele nomeou treze bispos da hierarquia de Talleyrand para
encabeçar as dioceses católicas restauradas.
Dentre eles, o supramencionado Mons. Jean-Baptiste Saurine,
cismaticamente consagrado bispo “constitucional” de Landes em agosto
de 1791. De todas as lojas maçônicos do mundo, o Grande Oriente de
Paris em que Saurine era membro dirigente sempre foi considerada a
mais poderosa e mais anticatólica. Apesar disso, o Papa Pio VI nomeou
Mons. Saurine bispo de Estrasburgo em 1802, um posto que esse bispo
maçônico reteve até a morte, em 1813.
Assim, na França encontramos bispos maçônicos consagrando a outros
maçons bispos, a quem o Papa depois nomeia para chefiar dioceses
católicas, onde eles confirmam crianças, abençoam os santos óleos
usados para ungir os moribundos, ordenam padres e consagram outros
bispos. Se o princípio dos liénartistas estivesse mesmo correto, o
Papa não teria permitido nada disso, e teria insistido que todos os
bispos da hierarquia constitucional se sujeitassem a reconsagração sob
condição.
Prova de que um clérigo estivesse afiliado à maçonaria, ademais, não
necessariamente é prova de ateísmo ou ódio à Igreja. Dos muitos
clérigos franceses envolvidos com a maçonaria, o historiador Henri
Daniel-Rops afirma:
“E não há nenhuma razão para pensar que todos fossem, ou julgassem
ser, maus católicos. Muito pelo contrário. Deviam ser bem numerosos
aqueles que não viam qualquer incompatibilidade entre a sua fé e a sua
inscrição maçônica, e que chegavam a ter a maçonaria por uma força a
ser utilizada ao serviço da religião. Tal era o caso, na Savóia, de
Joseph de Maistre, orador da sua loja em Chambéry, o qual aspirava a
criar na maçonaria um estado-maior secreto que fizesse do movimento um
exército papal, ao serviço de uma teocracia universal.” (A Igreja dos
Tempos Clássicos. II. A era dos grandes abalos, p. 72).
Ainda que a adesão de muitos clérigos franceses à maçonaria durante a
época revolucionária fosse bem conhecida, os teólogos não trataram os
seus sacramentos como “duvidosos”.
Se bispos maçônicos houvessem verdadeiramente constituído uma ameaça à
validade dos sacramentos, esperar-se-ia encontrar teólogos,
especialmente entre os franceses, que propusessem esse argumento, ou
ao menos debatessem a questão.
Mas mesmo teólogos e canonistas franceses tais como o cardeal Billot
(De Ecclesiae Sacramentis [Roma: Gregoriana 1931] 1:195-204), S. Many
(Prael. de Sacr. Ordinatione 585-91) e R. Naz (“Intention”,
Dictionnaire de Droit Canonque [Paris: Letouzey 1953] 5:1462), que no
mais discutem um tanto longamente a intenção sacramental, nada têm a
dizer, em absoluto, acerca de sacramentos “duvidosos” de maçons.
Em seu artigo sobre a maçonaria, além disso, o único comentário de Naz
sobre os clérigos que dela são membros é notar que eles incorrem nas
penas de suspensão e perda de ofício. (“Francmaçonnerie,” 1:897-9) Ele
não diz nada sobre a pertença deles tornar “duvidosos” os seus
sacramentos.
8. Consequências Absurdas. O absurdo do princípio dos liénartistas é
demonstrado também aplicando-o (a) à hierarquia dos Estados Unidos,
onde ele tornaria duvidosas quarenta consagrações episcopais
realizadas entre 1896 e 1944, e (b) ao baixo clero na França, onde ele
tornaria duvidosos todos os batismos realizados desde o século XVIII.
(a) As consagrações episcopais nos Estados Unidos são derivadas de
Mariano cardeal Rampolla del Tindaro (1843-1913), Secretário de Estado
do Papa Leão XIII. Depois da morte de Rampolla, diz-se que entre seus
pertences de uso pessoal encontrou-se prova de que ele pertencia a uma
seita maçônica luciferiana chamada Ordo Templo Orientalis (associada
ao satanista Alistair Crowley) e frequentava uma loja maçônica em
Einsiedeln, Suíça, onde ele tirava férias.
Quarenta bispos americanos consagrados entre 1896 e 1944 derivaram
suas consagrações de Rampolla, via Mons. Martinelli (o Delegado
Apostólico) ou Rafael cardeal Merry del Val, ambos consagrados bispos
por Rampolla. (Ver Jesse W. Lonsway, The Episcopal Lineage of the
Hierarchy in the United States: 1790–1948, placa E.)
Se o princípio dos liénartistas fosse verdadeiro, todos esses bispos
teriam de ser considerados “duvidosos”, porque o papel preciso dos
bispos auxiliares numa consagração episcopal como verdadeiros “co-
consagrantes” não foi claramente definido antes de 1944.
(b) Mostrei que a maçonaria estava amplamente disseminada em meio ao
clero francês no fim do século XVIII. Se o princípio “Afiliação
maçônica = sacramentos dúbios” fosse realmente verdadeiro, aplicar-se-
ia a sacramentos conferidos por sacerdotes também. Isso tornaria
“duvidosos” todos os batismos conferidos na França desde o século
XVIII. Afinal de contas, quem sabe quais padres franceses eram “maçons
ocultos” e quais não eram?

* * * * *

Note-se, por favor, que, a despeito do que precede, eu não concedo a


alegação factual de que o cardeal Liénart realmente tenha sido um
maçom. Meu objetivo aqui é demonstrar que, tivesse o cardeal Liénart
sido realmente maçom, não se poderia por essa razão atacar a validade
dos sacramentos que ele conferiu.
O argumento liénartista, então, vai contra as presunções fundamentais
que a lei canônica, a teologia moral e a teologia dogmática estipulam
a respeito da validade dos sacramentos em geral, e da intenção do
ministro de Ordens Sacras em particular. Ele é contradito pela prática
da Igreja no passado, e finalmente desemboca em absurdos manifestos.
Numa palavra, é um argumento radicado na ignorância.

BIBLIOGRAFIA
BILLOT, L. De Ecclesiae Sacramentis. Roma: Gregoriana 1931.
DANIEL-ROPS, H. The Church in the Eighteenth Century. Londres: Dent
1960. [Trad. br.: A Igreja dos Tempos Clássicos. II. A era dos grandes
abalos. Trad. de Henrique Ruas. São Paulo: Quadrante 2001.]
DOHENY, W. Canonical Procedure in Matrimonial Cases. Milwaukee: Bruce
1942.
GASPARRI, P. Tractatus de Sacra Ordinatione. Paris: Delhomme 1893.
LEEMING, B. Principles of Sacramental Theology. Westminster MD: Newman
1956.
LEÃO XIII. Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896.
LONSWAY, Jesse W. The Episcopal Lineage of the Hierarchy in the United
States: 1790–1948.
MANY, S. Praelectiones de Sacra Ordinatione. Paris: Letouzey 1905.
MCMANNERS, J. Church and Society in Eighteenth-Century France. Oxford:
University Press 1998.
NAZ, R. “Francmaçonnerie”, Dictionnaire de Droit Canonque. Paris:
Letouzey 1953. 1:897-9.
_______. “Intention”, op. cit. 5:1462–64.
WANENMACHER, F. Canonical Evidence in Marriage Cases. Philadelphia:
Dolphin 1935.

(Carta, Agosto de 2003)

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Intenção Sacramental e Bispos Maçônicos,
2003, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, set. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vg
de: “Sacramental Intention and Masonic Bishops”,

http://www.traditionalmass.org
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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Textos essenciais em tradução inédita – CLXVI


Quão Sacerdotal é a Fraternidade São Pio X?
(11 out. 2012)

Rev. Pe. Anthony Cekada

A atual abordagem da FSPX, à questão de se é ou não é válida uma


ordenação conferida no rito novo, é exatamente o oposto dos princípios
estabelecidos pela teologia sacramental católica, e parece ter sido
este o procedimento seguido por eles no caso do Pe. Voigt.
A FSPX formula um julgamento sobre A INTENÇÃO DO MINISTRO. O prelado
que o ordenou tinha “crenças católicas”? Era de algum modo
“tradicional”, ou “conservador”? Manning [N. do T. – Dom Timothy
Manning, consagrado Bispo em 1946, mas tentou em 1978 ordenar o Dr.
Voigt com o novo rito de ordenação, de Paulo VI.] tinha essa reputação
[de conservador], então a “intenção” deve ter sido correta. Presto!, a
ordenação é válida.
Esse modo de proceder viola o princípio geral que o Papa Leão XIII
estipulou ao condenar as ordens anglicanas: “de internis Ecclesia non
judicat” (a Igreja não emite julgamento sobre coisas internas).
Se a Igreja não julga sobre coisas internas, como é que podem fazê-lo
o Pe. Fullerton e o bispo Fellay? [N. do T. - Ambos disseram ao Dr.
Voigt que ele não precisaria ser reordenado sob condição para
trabalhar com a FSPX.]
Pelo contrário, quando se trata de determinar a validade de uma
ordenação, olha-se primeiro para as coisas externas: matéria e forma.
É aqui que o problema se encontra no novo rito de ordenação sacerdotal
de Paulo VI, e foi por essa razão que o Arcebispo Dom Lefebvre disse-
me [em meados da década de 1970, em Écône] que ele considerava
duvidoso o novo rito.
Paulo VI introduziu uma mudança na versão latina da forma sacramental
essencial prescrita por Pio XII – ele removeu a palavra ut (= com a
finalidade de) que conectava as duas partes da forma em latim.
[N. do T. – O Sr. John S. Daly, num tratamento exaustivo da questão
que pretendo publicar traduzido muito em breve, traz o seguinte
exemplo dado por um finado sacerdote tradicional: “há uma grande
diferença entre a sentença: ‘Estou armado; você pode morrer’ (sem
‘ut’) e a sentença: ‘Estou armado para que você possa morrer’.”]
Isso é uma alteração substancial ou não é? O Arcebispo Dom Lefebvre
considerou que era, no mínimo, suficiente para tornar o rito duvidoso,
e para exigir ordenação condicional para os padres que o haviam
recebido.
Mas isso era a versão da forma em LATIM, e os padres na América do
Norte em sua maioria foram ordenados com as versões oficiais da forma
em INGLÊS, do I.C.E.L.: uma versão provisória e então uma versão
definitiva, que apareceu mais tarde.
A tradução provisória traduzia errado uma palavra-chave na PRIMEIRA
parte da forma (“presbyteratus”, que ela vertia como “presbiterado”.).
A tradução definitiva corrigiu esse erro de tradução, mas aí traduziu
errado outra expressão-chave na SEGUNDA parte da forma (“secundi
meriti munus”).
Assim, em acréscimo a uma palavra deletada no original em latim, há
erros de tradução na formulação em INGLÊS da forma, que suscitam mais
dúvidas quanto à sua validade.
Se o ministro de um sacramento emprega uma forma sacramental essencial
defeituosa, as “crenças católicas” dele são incapazes de compensar o
defeito. O sacramento é INVÁLIDO, e no caso de uma ordenação
sacerdotal, tem de ser reiterado, absolutamente ou sob condição,
empregando a forma correta.
É isso que deveria ter sido feito no caso do Pe. Voigt, e este deveria
ter sido o modo de proceder com TODOS os padres ordenados no novo rito
que viessem trabalhar com a FSPX. Os leigos têm o DIREITO a
sacramentos certamente válidos.
Um tal procedimento, claro está, não teria sido ótimo para quebrar o
gelo se fosse mencionado nas conversas, à mesa de negociações, entre a
FSPX e “Roma”.
Assim, a FSPX bolou a ideia de investigar a intenção dos prelados
ordenantes, “caso a caso”.
Por um lado, a FSPX poderia vender esse modo de proceder, à mesa de
negociações “romana”, dizendo não estar questionando TODAS as
ordenações no novo rito, apenas certos casos em que havia
“preocupações”.
Por outro lado, ela poderia aplacar os membros do laicato (que
corretamente se preocupam com a validade dos novos sacramentos)
dizendo: “Oh, sim, nós levamos tudo isso muito a sério, nós
‘investigamos’ cada caso, nosso Superior Geral o averigua”, etc.,
quando na realidade o procedimento todo é uma farsa baseada num falso
princípio.
A FSPX engambelou a TODOS quanto a isso – o laicato, seu baixo clero
e, sobretudo, padres bem-intencionados como o Pe. Voigt – e pôs os
leigos em risco de sacramentos inválidos toda a vez que um desses
padres opera.
Para resolver tais questões no caso do Pe. Voigt (se é que de fato ele
já não recebeu ordenação sob condição), eu recomendaria pô-lo num
avião para Londres, para uma visita discreta ao prelado favorito do
fórum Ignis Ardens.
O que quer que o próprio Pe. Voigt possa pensar da validade de sua
ordenação em 1978, o problema, lamentavelmente, é um que não
desaparecerá, e seria mais prudente corrigi-lo logo, de uma vez por
todas.

_____________
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Anthony CEKADA, Quão Sacerdotal é a Fraternidade São Pio X?,
2012, trad. br. por F. Coelho, São Paulo, out. 2012, blogue Acies
Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1xt
A partir do comentário feito pelo A. em 11 de outubro de 2012 no fórum
de discussão tradicionalista Ignis Ardens, no tópico “Re: Fr. Voight’s
Ordination, Novus Ordo or Conditional?” [Sobre a ordenação do Pe.
Voigt: Novus Ordo ou Sob Condição?]:
http://z10.invisionfree.com/Ignis_Ardens/index.php?showtopic=11067&vie
w=findpost&p=22034064
[O título é de responsabilidade do tradutor. Quem ler inglês poderá
acompanhar, no tópico linkado, as duas declarações evasivas do Dr.
Voigt em resposta às legítimas indagações dos debatedores, e os
comentários geralmente judiciosos de alguém que escreve sob o
pseudônimo “Retrad”.]
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
f.a.coelho@gmail.com

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7 Respostas para “Textos essenciais em tradução inédita – CLXVI”
1. AJBF Disse:

16 outubro 2012 às 13:53


Muito oportuna essa intervenção do Rev. Pe. Cekada!
Me lembra quão necessária ainda seria a tradução de toda a série de
argumentos do padre contra a validade das consagrações episcopais
segundo os ritos de Paulo VI – textos que ainda estão aguardando uma
digna tradução.
Sem dúvida, publicar tais textos iria colocar os sedeplenistas
lusófonos numa boca de sinuca…
2. Gederson Disse:

17 outubro 2012 às 10:44


Caro Felipe Coelho,

Salve Maria!
A atual abordagem da FSPX, quanto à questão de se é ou não é válida
uma ordenação conferida no rito novo, não é exatamente o oposto dos
princípios estabelecidos pela teologia sacramental católica e o Pe.
Voigt, de forma alguma viola o princípio geral que Leão XIII utilizou
para condenar as ordens anglicanas. Na verdade, o princípio utilizado
por Leão XIII (segundo a revista La Civiltà Cattolica serie XVI, vol.
IX, fasc. 1117, 23 dicembre 1896) é o seguinte:
“De mente vel intenzione, utpote quae per se quiddam est interius,
Ecclesia non iudicat: at quatenus extra proditur, indicare de ea
debet.”.
No mesmo artigo, o R.P. Salvatore M. Brandi S.J., afirma literalmente:
“Leão XIII feriu de morte as ordenações anglicanas, propriamente na
sua essência, demonstrando e declarando lhes nulas e inválidas por
intrínseco defeito de forma e intenção”. La condanna delle ordinazione
anglicane – R. Pe. Salvatore M. Brandi S.J. –
http://progettobarruel.zxq.net/novita/10/ordinaz_anglicane_IV.html
Das coisas internas, realmente a Igreja não julga, mas julga-lhes a a
sua manifestação exterior. Por isso entre os artigos disponibilizados
pelo Progetto Barruel sobre a “Condenação das ordens anglicanas”, o
autor (seguindo Leão XIII) discorre sobre a intenção do legislador
anglicano (Crammer) de manter o sacerdócio católico (como argumentou
Dom Williamson e o Pe Cekada fez piada). Além do que é afirmado no
artigo, São Pio V ao promulgar o Missal Romano reformado, publicou o
“De defectibus in celebratione Missae occurentibus”, onde uma parte é
dedicada aos “Defeitos de intenção”. Ora, se as coisas são como o Pe
Cekada diz, jamais a Igreja poderia julgar os defeitos de intenção.
Provavelmente o Pe Cekada não deve conhecer o De defectibus, se
conhecesse não afirmaria os absurdos que afirmou neste artigo, baseado
em um princípio, que ele conhece pela metade.
Ao ler o artigo do Pe Cekada e o artigo da La Civiltà, fiquei
impressionado com a imprudência e a temeridade, com que o Pe Cekada
julga a FSSPX, mas com que autoridade?
Fique com Deus.
Abraço
P.S.: Nos artigos da La Civiltà Cattolica, tem mais coisas
interessantes…
3. Felipe Coelho Disse:

19 outubro 2012 às 14:52


Caríssimo Gederson, Salve Maria!
Antes de tudo, devo dizer que eu preferiria lhe dizer o que segue em
correspondência privada, e só o faço assim publicamente porque você
escolheu fazer aqui um comentário em vez de me enviar um e-mail, e
sobretudo porque você publicou seu comentário também alhures, numa
lista de resistentes ao acordismo fellaysiano.
Para sua infelicidade, caro amigo, os dois últimos artigos impecáveis
do Reverendo Padre Cekada quanto aos princípios da teologia
sacramental sobre a validade dos sacramentos, refutando os desvarios
da FSPX tanto à esquerda (Fellay) quanto à direita (Williamson) a esse
respeito, foram imediatamente precedidos, neste mesmo blogue, por
outros três estudos que também tratam da questão, nos quais se
encontravam já demonstrados os princípios otimamente utilizados aqui
pelo Pe. Cekada, e refutadas as críticas que você lhe faz.
E o pior é que um deles, o segundo dessa sequência de cinco, a qual se
encontra na mesma página de rosto do blogue e apenas pouco abaixo do
artigo que você afobadamente criticou, caro Gederson, é nada menos que
um estudo do mesmo Autor sobre questão intimamente relacionada, no
qual constam os seguintes itens, que você faria bem de ter lido antes
de criticá-lo do modo como você fez e de tentar defender o
indefensável:
“2. Intenção e Ordens Sacras.

3. Heresia ou Apostasia e Intenção.

4. Quando a Intenção Invalida.

5. Intenção Inválida Jamais Presumida.”

(Rev. Pe. Anthony CEKADA, Intenção Sacramental e Bispos Maçônicos,


2003, trad. br. em: http://wp.me/pw2MJ-1vg ).
Nesses quatro breves itens, o Pe. Cekada dá as citações pertinentes do
Magistério e dos teólogos que comprovam que ele está certo também em
seus artigos mais recentes e que você, Gederson, em seu comentário:
1. julgou temerariamente o Pe. Cekada, ao acusá-lo de ignorante,
imprudente, temerário;

2. fez isso por uma ignorância da doutrina da Igreja sobre a matéria


que é sua, e não dele, de modo que tais acusações se voltam contra a
sua crítica a ele;

3. julgou apressadamente ortodoxa (seja por influência dela, seja por


não a ter entendido) a tese heterodoxa da FSPX, criticada corretamente
pelo Pe. Cekada.
Crítica esta, a propósito, para a qual não é preciso ter nenhuma
“autoridade” especial, contrariamente ao que você sugere, dado que ele
se limita a dizer a verdade e refutar o erro com base na sã teologia.
Vejamos um pouco isso mais de perto.
Você, Gederson, afirma corretamente: “Das coisas internas, realmente a
Igreja não julga, mas julga-lhes a sua manifestação exterior.”
Pois então, meu caro, é justamente isso o que o Padre Cekada está
dizendo, e não entendo de onde você tirou que ele negue esse ponto de
doutrina! E, em contrapartida, é justamente isso o que a FSPX está
negando, na prática hipócrita dela de “analisar a intenção do
ministro” para estabelecer a validade ou não dos ritos de Paulo VI
cuja forma foi alterada por este.
Onde seu erro fica mais claro, Gederson, é ao você supor que “se as
coisas são como o Pe Cekada diz, jamais a Igreja poderia julgar os
defeitos de intenção.” Será que você desconhece o seguinte ponto de
doutrina ensinado pelo próprio Leão XIII:
“Ora, se uma pessoa usou seriamente e devidamente a matéria e a forma
corretas para realizar e administrar o sacramento, essa pessoa, por
esse fato mesmo, presume-se ter intencionado fazer o que a Igreja
faz.”

(Papa LEÃO XIII, Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896, cit.


pelo Pe. Anthony CEKADA).
Ou seja, o mero uso sério e correto da matéria e forma de um
sacramento (forma esta, onde está expressada a intenção da Igreja) já
basta para gerar a certeza de que a intenção correta do ministro está
presente.
Logo, não tem cabimento investigar-lhe a intenção, “caso a caso”, como
pretende a Frat, averiguando se o ministro é católico ou herege, se é
conservador ou não, etc.
A FSPX, pelo contrário, admite que as novas formas sacramentais
alteradas por Paulo VI são ambíguas (portanto, não exprimem
univocamente a intenção da Igreja), mas julga absurdamente que
“enquanto o novo rito puder ser tomado como não excluindo o verdadeiro
sacerdócio, ele pode ainda ser usado validamente para ordenar um
verdadeiro sacerdote”, contanto que o ministro e o receptor do
sacramento tenham juntos a intenção subjetiva correta!
(O trecho em itálico é uma citação de D. Williamson feita em:
“Neblinoscopus” – http://wp.me/pw2MJ-1un –, mas os trabalhos oficiais
da FSPX em resposta ao Pe. Cekada não dizem coisa diferente, por
exemplo o do Pe. Calderón, cuja refutação aliás devo publicar em
poucos dias.)
Novamente, vem dessa falsa doutrina a suposta necessidade de
investigar a intenção subjetiva do ministro: se ele é conservador ou
não é, se é ortodoxo ou herege, etc. Falsa, porque vai contra duas
doutrinas católicas:
1) a de que a forma sacramental tem de expressar univocamente os
efeitos do sacramento para ser válida (Papa Pio XII);

2) a de que “Das coisas internas, realmente a Igreja não julga, mas


julga-lhes a sua manifestação exterior” (Papa Leão XIII, parafraseado
corretamente por Gederson Falcometa, cit. supra).
Enfim, meu caro Gederson, caso esta resposta não tenha sido suficiente
para evidenciar aquilo a que me propus, leia por favor os três estudos
anteriores que mencionei (um do Pe. Belmont, um do Sr. Daly, e o do
Pe. Cekada que citei) e, depois disso, à luz deles, releia o artigo
que você criticou, que destarte acredito que os pontos em discussão
ficarão bem mais claros para você.
Enquanto isso, deixo-lhe a citação que o Padre Cekada pôs em epígrafe
do trabalho dele que você mostrou não ter lido ainda, citação esta que
por si só já me parece suficiente para manifestar o erro da prática da
FSPX e do artigo de D. Williamson refutados nos dois últimos estudos
publicados neste blogue:
“As pessoas que não são teólogos nunca parecem entender quão pouca
intenção é requerida para um sacramento… A ‘intenção implícita de
fazer o Cristo instituiu’ significa uma coisa tão vaga e ínfima, que é
quase impossível deixar de tê-la – a não ser que se a exclua
deliberadamente. No tempo em que todos falavam das ordens anglicanas,
vários católicos confundiram intenção com fé. A fé não é requerida. É
heresia dizer que seja. (Foi este o erro de São Cipriano e Firmiliano
contra o qual o Papa Estêvão I [254-257] protestou.) Um homem pode ter
opiniões completamente erradas, heréticas e blasfemas sobre um
sacramento e, ainda assim, conferi-lo ou recebê-lo validamente.”

(Pe. Adrian FORTESCUE, The Greek Fathers

[salvo engano, disponível para baixar no site Archive.org].).


Abraços cordiais,

Em JMJ,

Felipe Coelho
4. Gederson Disse:

19 outubro 2012 às 21:43


Caríssimo Felipe Coelho,

Salve Maria!
Agradeço sua resposta. Postei o no blog e na lista aguardando algum
comentário a respeito, mas poderia tê-lo enviado em particular para
você (nisto me precipite). Quanto ao artigo e a minha resposta,
preciso dar-lhes alguns esclarecimentos. O trecho que motivou minha
resposta apressada foi o trecho:
“Esse modo de proceder viola o princípio geral que o Papa Leão XIII
estipulou ao condenar as ordens anglicanas: “de internis Ecclesia non
judicat” (a Igreja não emite julgamento sobre coisas internas).
Se a Igreja não julga sobre coisas internas, como é que podem fazê-lo
o Pe. Fullerton e o bispo Fellay? [N. do T. - Ambos disseram ao Dr.
Voigt que ele não precisaria ser reordenado sob condição para
trabalhar com a FSPX.]
Pelo contrário, quando se trata de determinar a validade de uma
ordenação, olha-se primeiro para as coisas externas: matéria e forma.”
Primeiramente (sem entrar nos méritos do motivo), o princípio
utilizado por Leão XIII* foi colocado pela metade pelo Pe Cekada, e
isto afeta o entendimento do artigo. Lendo assim, a impressão que se
tem é que a intenção é apenas uma coisa interior, que não se manifesta
exteriormente. Não existem margens para um entendimento de que a
Igreja julgue a manifestação exterior da intenção (além do julgamento
dos defeitos na forma). Pode ser um erro de leitura meu, mas foi a
impressão que tive.
Em segundo lugar, quando existe uma corrupção na forma do sacramento,
a Igreja julga a intenção do ministro que operou a mudança (um defeito
na forma, não significa necessariamente a ausência ou o defeito de
intenção de se fazer o que a Igreja sempre fez). Assim, perguntas são
formuladas para que através da manifestação interior, se avalie a
intenção do ministro. Cito como exemplo (conforme lhe disse em
particular), o caso do Papa São Zacarias**, houve um caso na
arquidiocese de Mongúcia, onde um Padre Bávaro corrompia a fórmula do
batismo, dizendo-a da seguinte forma:
“ Baptizo te in nomine patria et filia et Spiritus Sancti”
Diante da corrupção da forma, S. Bonifácio, mandou re-batizar todas
pessoas que haviam sido batizadas pelo dito Padre e encaminhou a
questão ao Papa São Zacarias, que considerou o sacramento válido,
mediante ao julgamento das intenções do ministro, que corrompeu a
forma por ignorância. Neste caso, o Papa São Zacarias, teria também
julgado coisas internas, ao se questionar quanto ao motivo pelo qual o
ministro corrompia a fórmula? Pelo trecho acima (considerando apenas a
questão do julgamento de coisas externas), parece que sim, porque as
questões estabelecidas e que são criticadas pelo Padre Cekada, por
analogia ao caso de São Zacarias, visam julgar a intenção do ministro,
exatamente por aquilo que ele manifesta exteriormente. Assim, com os
questionamentos não me parece que o Padre da FSSPX tinha a intenção de
julgar coisas interiores, mas a intenção por aquilo que o ministro
manifesta exteriormente, julgar sua intenção. Evidentemente isto
deveria ser aplicado não ao ministro, mas ao legislador do NO, e ao
que parece, foi aplicado pelos Cardeais Ottaviani e Bacci, que na nota
29 do “Breve Exame Crítico” (conforme também lhe disse em particular),
escrevem:
“Da forma como aparecem no contexto do Novus Ordo, as palavras da
consagração poderiam ser válidas em virtude das intenções do padre.
Mas, uma vez que sua validade não advém mais da força das próprias
palavras sacramentais (ex vi verborum) – ou mais precisamente, do
significado que o antigo rito da Missa conferia à fórmula – as
palavras de consagração no Novo Ordinário da Missa poderiam também não
ser válidas. No futuro os padres que não receberem formação
tradicional e que confiarem no Novus Ordo para a intenção de “fazer o
que a Igreja faz” farão consagrações válidas na Missa? Pode-se duvidar
disto”.
Em italiano a mesma nota (nº 15 na versão italiana):
“Le parole della Consacrazione, quali sono inserite nel contesto
delNovus Ordo, possono essere valide in virtù dell’intenzione del
ministro. Possono non esserlo perché non lo sono più ex vi verborum o
più precisamente in virtù del modus significandi che avevano finora
nella Messa [i due punti narrativi hanno rimpiazzato il punto a capo
della forma esplicitamenteconsacratoria, ndr]. I sacerdoti, che, in un
prossimo avvenire, non avranno ricevuto la formazione tradizionale e
che si affideranno al Novus Ordo al fine di “fare ciò che fa la
Chiesa” consacreranno validamente? È lecito dubitarne»”.
Os Cardeais Ottaviani e Bacci, afirmam coisa semelhante, pois
concedendo que as sagrações poderiam ser válidas em virtude da
intenção dos ministros, se pressupões ordenações válidas e a concessão
de que, da parte do legislador do NO, não houve a sustentação do
próprio erro ao ponto de ex indústria corromper ou rejeitar o rito
católico. No caso concreto colocado pelos ilustres Cardeais, o juízo
sobre a intenção do ministro, é formulado através de questões através
daquilo que o ministro manifesta exteriormente, mas como julgar tais
intenções, se por si mesmo para o Pe Cekada (conforme o artigo), tal
julgamento seria um julgamento somente de coisas interiores? Para ser
mais claro, pergunto a você:
As questões formuladas pelo Padre da FSSPX são para o julgamento das
manifestações exteriores ou são para o julgamento de coisas internas?
Você disse na sua resposta:
“Você, Gederson, afirma corretamente: “Das coisas internas, realmente
a Igreja não julga, mas julga-lhes a sua manifestação exterior.”

Pois então, meu caro, é justamente isso o que o Padre Cekada está
dizendo, e não entendo de onde você tirou que ele negue esse ponto de
doutrina! E, em contrapartida, é justamente isso o que a FSPX está
negando, na prática hipócrita dela de “analisar a intenção do
ministro” para estabelecer a validade ou não dos ritos de Paulo VI
cuja forma foi alterada por este”.
Você tem certeza de que é exatamente isso que o Pe Cekada esta
dizendo? Porque o Pe Cekada não usou o princípio completo, e pelo que
entendi deixa entender que uma corrupção na forma implica
necessariamente na invalidade do sacramento, por defeito tanto na
forma, como na intenção. Além disso, aquilo que os Cardeais Ottaviani
e Bacci afirmam, vai na linha do que o próprio Padre da FSSPX tenta
fazer com as perguntas e que São Zacarias fez. Estou errado? Se
estiver por gentileza e caridade, me corrija.
Quanto ao ponto em que você diz:
“Onde seu erro fica mais claro, Gederson, é ao você supor que “se as
coisas são como o Pe Cekada diz, jamais a Igreja poderia julgar os
defeitos de intenção.” Será que você desconhece o seguinte ponto de
doutrina ensinado pelo próprio Leão XIII:

“Ora, se uma pessoa usou seriamente e devidamente a matéria e a forma


corretas para realizar e administrar o sacramento, essa pessoa, por
esse fato mesmo, presume-se ter intencionado fazer o que a Igreja
faz.”

(Papa LEÃO XIII, Bula Apostolicae Curae, 13 de setembro de 1896, cit.


pelo Pe. Anthony CEKADA)”.
Meu caro amigo, desconhecia o princípio de Leão XIII, obrigado. Mas de
qualquer forma ela não demonstra um erro meu, pois falei em defeitos
da intenção, não em defeitos da forma. Ainda que o uso da forma
correta seja a manifestação incontestável da intenção de se fazer o
que a Igreja faz, mesmo na corrupção da forma, ainda é possível a
manutenção de uma correta intenção (como foi demonstrado no caso do
Papa São Zacarias). Na sua resposta fica um vácuo, pois se a pessoa
não utilizar a forma certa, como fica a intenção? O defeito na forma
implica automaticamente (e necessariamente) em defeito da intenção, e
torna inválido o sacramento?
Dados estes esclarecimentos, que você poderia ter me pedido, não me
parece que meu julgamento foi temerário, mas de qualquer forma, não
foi minha intenção julgar mal, o Pe Cekada, e se pareceu assim, peço
desculpas.
Aguardando nova resposta, me despeço.
Fique com Deus.
Abraço
Gederson
* Trecho da La civiltà que trata do princípio utilizado por Leão XIII:
“Da existência desta intenção, como adverte expressamente a Bula, a
Igreja não julga se não enquanto se manifesta externamente: De mente
vel intenzione, utpote quae per se quiddam est interius, Ecclesia non
iudicat: at quatenus extra proditur, indicare de ea debet. A Igreja
então retém e, até que se prove o contrário, quer que seja por todos
retido, que tal intenção não falte toda vez que o ministro cumpre, de
forma séria, o rito sacramental por ela prescrito, servindo-se da
matéria e da forma que ela usa. Por esta razão, em quanto a Igreja
nunca reconheceu a validade do sacramento conferido por loucos, por
bêbados ou por jogos, ela sempre aceitou o Batismo, por exemplo,
administrado por um herético ou também por um pagão, porque claramente
se baseando (Ndt.: O original italiano diz: “appalesasse”, não
encontrei o significado da palavra. As postagens do site são feitas a
partir dos textos simples do google book’s, que as vezes distorce uma
ou outra palavra) no foro externo, ele usa seriamente matéria próxima,
a devida forma sacramental.
Pela mesma razão, a Igreja nunca duvidou da validade das Ordenações
feitas pelos Bispos ímpios, heréticos ou cismáticos, aceitando aquela
dos Nestorianos, dos Monofisistas e dos outros orientais dissidentes.
Em todos estes casos, ao dizer de Santo Tomás, o ministro do
Sacramento, pelo próprio fato que deliberadamente usa de forma séria e
o rito aprovado pela Igreja, se supõe pela razão que aja como seu
representante: in verbis autem quae profert, sendo palavra da Igreja,
exprimitur intentio ipsius Ecclesiae, quae quae sufficit ad
perfectionem sacramenti, nisi contrarium exterius exprimatur”.
Mas se o herege ministro do Sacramento, a sustentar o próprio erro, ex
industria corrompe ou rejeita o rito católico, e no cumprir o
Sacramento usa uma nova forma, a qual excluí o significado da forma
católica, pode supor-se que um tal ministro tenha a intenção requerida
para a validade do Sacramento, faciendi saltem quod facit Ecclesia?
Tal nota é a questão da qual se trata, quando se discute da validade
das Ordens conferidas pelos Bispos anglicanos com o novo rito de
Eduardo VI.” La condanna delle ordinazione anglicane – R. Pe.
Salvatore M. Brandi S.J. –
http://progettobarruel.zxq.net/novita/10/ordinaz_anglicane_IV.html
** O Papa São Zacarias respondeu a São Bonifácio, em uma carta datada
de 1 julho de 746, tendo sua decisão sido incorporada pelo Decreto de
Graciano. Minha fonte italiana, a revista La Civiltà Cattolica, diz o
seguinte sobre o caso:

“Assim proposta, a questão [das ordenações anglicanas] não pode ter


outra solução, se não aquela negativa dada já com Júlio III em 1553-
1554, por Paulo IV em 1555, Clemente XI em 1704 e recentemente por
Leão XIII na sua Bula de 8 de setembro de 1896: «Si ritus immutetur,
eo manifesto consilio ut alius inducatur ab Ecclesia non receptus,
utque id repellatur quod facit Ecclesia et quod ex institutione
Christi ad naturam attinet sacramenti, tunc palam est non solum
necessariam sacramento intentionem deesse, sed intentionem immo haberi
sacramento adversam et repugnantem.»
A doutrina aqui claramente enunciada pelo reinante Pontífice, foi
proposta com menor precisão no ano de 746 pelo seu Antecessor, Papa
Zacarias. Este foi informado por dois ilustres eclesiásticos, Virgínio
e Sidônio [Tutti e due furono poscia Vescovi, il primo di Salisburgo,
l'altro di Passavia. Cf. PH. JAFFÉ,Monumenta Moguntina. Berlino 1866,
pag. 167, nota 3 e 4. ], que um tal sacerdote da sua província da
Bavária (Baioariorum) «dum baptizaret, nesciens latini eloquii,
infringens linguam» corrompia a forma, dizendo: Baptizo te in nomine
patria et filia et Spiritus Sancti, e que S. Bonifácio, Arcebispo da
Mongúcia, julgando inválido um tal Batismo, havia ele ordenado de
batizar de novo todos aqueles que daquele sacerdote fossem estados
batizados do modo predito.
Então, a este propósito o Pontífice Zacarias escreve a S. Bonifácio a
famosa carta de 1º de julho, recordada também no Decreto de Graciano
[Part. III. De Consecratione, Dist. IV, can. 86. Il testo da noi
citato è quello pubblicato dal JAFFÉnella sua Bibliotheca Rerum
Germanicarum, Tom. III, ut supra, pag. 168.]: « Sanctissime frater, si
ille qui baptizavit, non errorem introducens aut haeresim, sed, pro
sola ignorantia romanae locutionis infringendo linguam, ut supra fati
sumus, dixisset, non possumus consentire ut denuo baptizentur.»
Reconhece então o Pontífice que a dita corrupção da forma se fosse
feita, não já pela ignorância da língua, mas se bem do deliberado
propósito introducendi errorem vel haeresim, o Sacramento seria
certamente inválido. Em outros termos, reconhece o Pontífice que, na
hipótese feita, esta mudança seria um argumento de quem se si serve de
uma forma sacramental corrupta, não entende fazer com essa aquilo que
a Igreja faz com a sua.

Assim raciocina Santo Tomás, fiel intérprete da tradição católica.


Discorrendo o Santo Doutor sobre a validade da forma sacramental,
quando as determinadas palavras que a essa compõem, corrupte
proferuntur, distingue acuradamente, como já fez o Pontífice Zacarias,
os casos nos quais aquilo que ocorre por ignorância daquilo que onde
isto se faça de propósito deliberado. Nestes casos, «Dicendum, escreve
ele, quod ille qui corrupte profert verba sacramentalia, si hoc ex
industria facit, non videtur intendere facere quod facit Ecclesia; et
ita non videtur perfici sacramentum [Summa Theologica, III, P.,
quaest. 60, art. 7 ad 3.m]
Tratanto ex professo a questão da qual aqui nos ocupamos, se isto,
salva a validade do Sacramento, se pode mudar a forma acrescentando-
lhe ou retirando-lhe qualquer coisa, ensina, que: «Circa omnes istas
mutationes quae possunt in formis sacramentorum contingere, duo
videntur esse consideranda; unum quidem ex parte eius qui profert
verba, cuius intentio requiritur ad sacramentum; et ideo si intendat,
per huiusmodi additionem vel diminutionem, alium ritum inducere qui
non sit ab Ecclesia receptus, non videtur perfici sacramentum: quia
non videtur, quod intendat facere id quod facit Ecclesia [ Ibid., ao
anterior, art 8. Respondeo dicendum. ;»
Não de outra forma, sempre pensaram, segundo o que afirma o próprio
Gasparri [De la valeur des Ordinations Anglicanes, Parigi 1895, pag.
25.] , os mais ilustres teólogos, como o Cardeal De Lugo [De
Sacramentis in genere, Disp. II, num. 116. Lione 1670, pag. 32. Ivi il
De Lugo rettamente osserva, che «S. Thomas non negat universaliter
valorem Sacramenti cum intentione inducendi novum ritum, sed arguitive
infert probabiliter defectum debitae intentionis.» Istp é verdadeiro
se si considera apenas a novidade do Rito, prescindindo isto da sua
significação oposta ao rito católico], entre os antigos, e o Cardeal
D’Annibale [Summula Theologiae moralis, Vol. III, §. 241 nota 21. Roma
1892, pag. 209], entre os modernos. Este assim escreve: «Quod autem
quidam docent sacramentum non valere si minister immutaverit aliquid
accidentaliter (e a fortiori se si tratasse de uma mutação
substancial), ut novum ritum vel errorem introducat, sic accipiendum
est, quia non creditur habere intentionem faciendi quod facit
Ecclesia…. Quaestio igitur in praesumptionem recidit; et facti, non
iuris, est.»”
5. Sandra Sabella Disse:

20 outubro 2012 às 11:34


Salve Maria!
É espantoso! Não, é mais: é repugnante! Tão doutas considerações,
enquanto aquele que deve ligar o Céu e a Terra não está lá na Cátedra
de Pedro como Vigário de Cristo.
Intenções?
O “padre” ratzinger deveria ter sido expulso do concílio por qualquer
pessoa católica, e, ao contrário, foi aclamado como orientador e
grande teólogo com seu livreco já apóstata debaixo do braço. Mais,
enquanto “papa”, – serpente para “mons.” lefevre – os homens
católicos, ao invés de expulsá-lo do templo santo, ficam discutindo
sobre migalhas quando Jesus Cristo Nosso Senhor prometeu-nos o
Paraíso.
Mas, soberbamente, preferem a autonomia da discussão teologal de alto
nível entre iguais, isto é, consideram a mula-sem-cabeça é bem mais
divertido.
6. Felipe Coelho Disse:

20 outubro 2012 às 12:26


Prezada Sandra,
Longe de serem “migalhas”, essas questões que eu e meu amigo Gederson
estamos nos esforçando juntos em entender aqui (e a última resposta
dele, além de trazer objeções interessantes, é muitíssimo edificante,
e uma lição de humildade para todos, muito longe da “soberba” de que
você nos acusa), essas questões, dizia, têm repercussões muito
práticas para a nossa vida e de nossas famílias: o resultado dessas
investigações nos mostra, por exemplo, onde é que podemos encontrar
sacramentos válidos ou não.
Outra coisa que estudos assim fazem de bom, dentre muitas, é ajudar na
prática do Oitavo Mandamento, levando a evitar juízos temerários
graves como o seu, e não falo somente do já citado, mas também de você
colocar “Mons.” entre aspas antes do sobrenome Lefebvre, sendo que ele
foi um Arcebispo católico, e um de muito valor. (A não ser, é claro,
que você esteja em cruzada contra o galicismo que é chamar bispos de
monsenhor em bom português, mas não parece ser o caso…)
Isso para não falar na rudeza despropositada: já pensou se eu tivesse
a indelicadeza de chamá-la de “Sandra”, assim entre aspas, só porque
não conheço ninguém que realmente tenha certeza da sua existência como
uma pessoa real, e não algum(a) agitador(a) que escreve na internet
com pseudônimo, como aliás eu até me inclinaria em suspeitar…?
De todo o modo, o mais importante que me parece depreender-se do seu
“desabafo” é que você dá toda a mostra de que gostaria que
estivéssemos organizando algum conclave de fundo de quintal, em vez de
debater estas questões, é isso?
Nesse caso, e na hipótese de você realmente existir como uma pessoa
autêntica em suas inquietações, eis uma boa leitura excelentemente
apta a lhe tirar as escamas dos olhos:
J.S. DALY, Por que não o Conclavismo? Lino II é legítimo Papa da
Igreja Católica?, trad. br. em: http://wp.me/pw2MJ-77
De resto, caso nem esse artigo, tão erudito quanto é divertido em seu
estilo detetivesco, for suficiente para ajudá-la a sair das trevas em
que se encontra, e dado que a leitura deste blogue lhe causa
“repugnância”: nesse caso, por favor, tenha a bondade de não voltar
mais.
Que aqui é lugar de quem quer ver brilhar a sã doutrina e obter as
graças da plena confissão da fé (D. Guéranger), e não de ativistas
quixotescos nem de verberações de pseudo-profetas improvisados.
Atenciosamente,

Em JMJ,

Felipe Coelho
7. Sandra Disse:

24 outubro 2012 às 16:18


Salve Maria!

Irmãos em Jesus e Maria,

Estimado Arai Daniele, com cópia para Felipe Coelho

O nome pelo qual assino minha mensagem é meu nome de batismo. Se vier
à São Paulo, poderemos nos encontrar, como já fez o professor Carlos
Nougué.

Se feri o oitavo mandamento – falso testemunho – peço perdão a Deus


por isso. Quanto aos fatos apontados, muita informação circula na
internet, que à falta de cabeça visível na Igreja, torna impossível
hierarquizar. Vários blogs – com seus respectivos diretores
espirituais – tomam para si o estandarte da verdade.

Um pecado evidente cometido por mim foi a desesperança, portanto ao


primeiro mandamento.

No mais, reconheço e aceito que o melhor lugar da mulher é na cozinha.


Pronto! Lá vou eu arrumar encrenca agora de outra espécie.

O senhor aceitaria como modo de reparação uma recitação de rosário


dominicano completo nessa intenção ao Imaculado Coração de Maria?

Por favor, não me expulse de sua enriquecedora companhia. Melhor


fizeram os irmãos do Fratres in unum que não publicaram meu
comentário.

A Voz de Roma – V

SUPREMA SAGRADA CONGREGAÇÃO DO

SANTO OFÍCIO

Condenação do milenarismo mitigado

(Decreto de 19-21 de julho de 1944.

A.A.S., XXXVI, 1944, p. 212.)

I. Tradução em português,

seguida do original, em latim:

Nos últimos tempos, mais de uma vez se perguntou a esta Suprema


Sagrada Congregação do Santo Ofício o que se deve pensar do
Milenarismo mitigado, que ensina que o Cristo Senhor, antes do Juízo
Final, ocorra ou não antes a ressurreição de muitos justos, virá
visivelmente a esta terra para reinar.
Tendo examinado o tema na reunião plenária da quarta-feira, 19 de
julho de 1944, os Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais
encarregados de velar pela pureza da fé e dos costumes, depois de
ouvir a opinião de seus consultores, decretaram responder: o sistema
do Milenarismo mitigado não pode ser ensinado sem perigo.
E, no dia seguinte, quinta-feira, 20 do mesmo mês e ano, o Santíssimo
Senhor Nosso Pio XII, Papa pela Divina Providência, na habitual
audiência concedida ao Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Assessor
do Santo Ofício, aprovou, confirmou e mandou publicar esta resposta
dos Eminentíssimos Padres.
Dado em Roma, no Palácio do Santo Ofício, no dia 21 de julho de 1944.

[Postremis hisce temporibus non semel ab hac Suprema S. Congregatione


S. Officii quaesitum est, quid sentiendum de systemate Millenarismi
mitigati, docentis scilicet Christum Dominum ante finale iudicium,
sive praevia sive non praevia plurium iustorum resurrectione,
visibiliter in hanc terram regnandi causa esse venturum.
Re igitur examini subiecta in conventu plenario feriae IV, diei 19
Iulii 1944, Emi ac Revmi Domini Cardinales, rebus fidei et morum
tutandis praepositi, praehabito RR. Consultorum voto, respondendum
decreverunt, systema Millenarismi mitigati tuto doceri non posse.
Et sequenti feria V, die 20 eiusdem mensis et anni, Ssmus D.N. Pius
divina Providentia Papa XII, in solita audientia Excmo ac Revmo D.
Adsessori S. Officii impertita, hanc Emorum Patrum responsionem
approbavit, confirmavit ac publici iuris fieri iussit.
Datum Romae, ex Aedibus S. Officii, die 21 Iulii 1944.]

_____________

II. Comentário autorizado concomitante;

tradução seguida do original, em francês:

ERRO MILENARISTA
(in: Nouvelle Revue Théologique,

n.º 67, de 1945, pp. 239-241.)


Como dão a entender as primeiras palavras do documento, este decreto
fora precedido de uma resposta do Santo Ofício, datada de 11 de julho
de 1941, ao Arcebispo de Santiago do Chile, onde o erro milenarista
parecia propagar-se com muita força, graças – entre outras causas – a
uma renovação do interesse pelo livro “Venida del Mesías en gloria y
majestad”, obra póstuma de J. J. Ben-Ezra (pseudônimo de Manuel
Lacunza) que já havia sido posta no Índex em 1824. Essa resposta se
encontra reproduzida e comentada no número de 15 de abril de 1942 dos
“Periodica” (t. 31, p. 166-175). O decreto atual a retoma, omitindo
porém esta restrição: “secundum revelationem catholicam”, que se lia
após as palavras: “docentis scilicet”, e substituindo “corporaliter”
por “visibiliter”.
O decreto afirma, portanto, que o milenarismo (ou quiliasmo), mesmo
mitigado ou espiritual, segundo o qual Cristo retornaria de forma
visível à terra, para nela reinar, antes do juízo final, precedido ou
não pela ressurreição de certo número de justos, [o decreto afirma]
que uma tal doutrina não pode ser ensinada sem imprudência
relativamente à fé. Como a resposta de 1941 acrescentava: “Excellentia
tua enixe vigilare curabit ne praedicta doctrina sub quocumque
praetextu doceatur, propagetur, defendatur vel commendetur sive viva
voce sive scriptis quibuscumque” [N. do T. – “Vossa Excelência tratará
de vigiar com cuidado para que a mencionada doutrina não seja, sob
pretexto algum, ensinada, propagada, defendida ou recomendada, nem de
viva voz nem por tipo nenhum de escrito, seja qual for.”], o “doceri”
não deve ser entendido somente de um ensino ou pregação públicos, mas
de todo meio de propagar ou recomendar a teoria. O decreto tem,
ademais, alcance doutrinal e implica que a própria teoria não é segura
do ponto de vista da fé.
É sabido que o milenarismo, herdado do judaísmo, encontrou, nos
primeiros séculos da Igreja, ecos entre os cristãos e mesmo em certos
Padres, Papias, São Justino, Santo Ireneu, Tertuliano, Santo Hipólito
foram em graus diversos milenaristas. Mas, entre outros, Orígenes, São
Dionísio de Alexandria e, sobretudo, São Jerônimo e Santo Agostinho
opuseram-se a essa doutrina e, já “no Concílio de Éfeso, nomeia-se o
milenarismo: as divagações e os dogmas fabulosos do infeliz
Apolinário”… “Embora o quiliasmo não tenha sido qualificado de
heresia, a sentença comum dos teólogos de toda a Escola vê nele uma
doutrina ‘errônea’ à qual certas condições das idades primitivas
puderam arrastar alguns antigos Padres” (Cf. E.-B. Allo, O. P., Saint
Jean, L’Apocalipse, 3.ª edição, pp. 307-329). A fé da Igreja não
conhece senão duas vindas de Cristo e não três. O principal texto
sobre o qual se apoiam os milenaristas é o difícil capítulo 20 do
Apocalipse de São João; mas, seja qual for o seu sentido, debatido
entre exegetas, a interpretação milenarista não é mantida por nenhum
comentador católico.
G. GILLEMAN, S.I.

[Comme les premiers mots du document le laissent entendre, ce décret


avait été précédé d’une réponse du Saint-Office, en date du 11 juillet
1941, à l’Archevêque de Saint Jacques, au Chili, où l’erreur
millénariste semblait se propager assez fort, grâce, entre autres
causes, à un renouveau d’intérêt pour le livre « Venida del Mesias en
gloria y Majestad » œuvre posthume de J. J. Ben-Ezra (pseudonyme de
Manuel Lacunza) déjà mis à l’index en 1824. On trouvera cette réponse
reproduite et commentée dans le numéro du 15 avril 1942 des
« Periodica » (t. 31, p. 166-175). Le décret actuel la reprend en
omettant cependant cette réstriction : « secundum revelationem
catholicam », qui se lisait après les mots : « docentis scilicet », et
en remplaçant « corporaliter » par « visibiliter ».
Le décret affirme donc que le millénarisme (ou le chiliasme), même
mitigé ou spirituel, selon lequel le Christ reviendrait de façon
visible sur terre, pour y régner, avant le jugement dernier, précédé
ou non de la résurrection d’un certain nombre de justes, qu’une telle
doctrine ne peut être enseignée sans imprudence relativement à la foi.
Comme la réponse de 1941 ajoutait : « Excellentia tua enixe vigilare
curabit ne praedicta doctrina sub quocumque praetextu doceatur,
propagetur, defendatur vel commendetur sive viva voce sive scriptis
quibuscumque », le « doceri » ne doit pas s’entendre seulement d’un
enseignement ou d’une prédication publics mais de tout moyen de
propager ou recommander la théorie. Le décret a d’ailleurs une portée
doctrinale et implique que la théorie elle-même n’est pas sûre au
point de vue de la foi.
On sait que le millénarisme, hérité du judaïsme, trouva, dans les
premiers siècles de l’Eglise, des échos chez les chrétiens et même
auprès de certains Pères, Papias, saint Justin, saint Irénée,
Tertullien, saint Hippolyte furent à des degrés divers millénaristes.
Mais, parmi d’autres, Origène, saint Denys d’Alexandrie et surtout
saint Jérôme et saint Augustin s’opposèrent à la doctrine et déjà « au
Concile d’Ephèse, on nomme le millénarisme : les divagations et les
dogmes fabuleux du malheureux Apollinaire»... «Quoique le chiliasme
n’ait pas été noté d’hérésie, le sentiment commun des théologiens de
toute école y voit une doctrine « erronée » où certaines conditions
des âges primitifs ont pu entraîner quelques anciens Pères» (cfr E.-B.
Allo, O. P., Saint Jean, L’Apocalipse, 3e édition, p. 307-329). La foi
de l’Église ne connaît que deux avènements du Christ et non pas trois.
Le principal texte sur lequel s’appuyaient les millénaristes est le
difficile chapitre 20 de l’Apocalypse de saint Jean ; mais quel qu’en
soit le sens, discuté entre exégètes, l’interprétation millénariste
n’est retenue par aucun commentateur catholique.
G. GILLEMAN, S.I.]

_____________
Suprema Sagrada Congregação do SANTO OFÍCIO, Condenação do milenarismo
mitigado. Decreto de 19-21 jul. 1944, seguido do comentário autorizado
do Pe. Gilleman S.J.; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, ag. 2012,
blogue Acies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-1vT

CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:


f.a.coelho@gmail.com

This entry was posted on 31 agosto 2012 at 16:20 and is filed under
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2 Respostas para “A Voz de Roma – V”
1. Roberto F Santana Disse:

31 agosto 2012 às 16:48


Enfim, retoma-se o rumo.

Um documento válido, legal. Aprovado pela Santa Igreja.

Vive-se disso, somente disso.


2. Fernando Olmedo Broemser Disse:

5 setembro 2012 às 14:59


Una pregunta…algo que no PUEDE SER ENSEÑADO CON SEGURIDAD…¿Es un
ERROR?…¿LA FALTA DE CERTEZA DE UN HECHO,LO TRANSFORMA EN UN ERROR? me
parece que estamos fuera de foco y no estamos respetando el decreto
del 44,porque si se hubiera querido o realmente eso meritaba,se
hubiera prohibido como herético y con penas…..el decreto dice una cosa
y nosotros a pesar del decreto interpretamos que esa “duda” en
realidad se basa en un error de Fe….¿El Santo Oficio toleraría un
error de Fe? O algo es cierto o es Falso….la falta de seguridad en un
hecho, es la justa media, de no saber si es realmente falso ni si es
certero,aunque se tengas sospechas de uno u otro bando…aunque
literalmente a pruebas escrituristicas y exegeticas se tiende a
aceptarla como verdad…,aunque esta verdad entre en crisis con el
sistema exegético impuesto-salvando los primeros tiempos-a la
Cristiandad.Entonces que es lo que entra en crisis…¿el sistema
exegético o la “mala interpretación” literal,teniendo que buscar una
alternativa “espiritual o metafórica” para salvar nuestro sistema?…..

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