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O presente artigo visa estabelecer uma conexão inicial entre Direitos Humanos
e o Direito Tributário. Para isso, serão analisados três tópicos: o primeiro será a
definição de Direitos Humanos e do Direito Tributário, colocando em tela sua relação
e como ambos acabam convergindo; o segundo será quanto aos princípios dentro do
Direito Tributário, que servem como método de garantia de proteção do contribuinte
frente ao poder de tributar, separando-os em princípios que limitam diretamente o
poder do Estado tributar e em princípios que protegem o contribuinte desse eventual
abuso, dando atenção para os princípios da capacidade contributiva e da igualdade,
que acabam por garantir os direitos fundamentais daqueles que pagam os tributos, e
por fim, o terceiro tratará sobre a capacidade contributiva e a extrafiscalidade, bem
como a relação de ambas com um dos componentes mais fortes dos Direitos
Humanos, a dignidade humana, buscando demonstrar como essa se relaciona com
os dois institutos mencionados.
1 Introdução
1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG; Pós-graduando no curso de Gestão e
Legislação Tributária pela UNINTER. Advogado atuante nas áreas cível e tributária.
2
Mestranda em Direito pelo Centro Universitário UNINTER. Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro
Universitário UNINTER. Graduada em Direito pela Faculdade Internacional de Curitiba - FACINTER. Advogada
atuante nas áreas trabalhista, previdenciária e cível. Professora Orientadora de TCC no Centro Universitário
UNINTER.
posicionamento do tributo como contraprestação dos integrantes do Estado, no caso
os contribuintes, frente aos investimentos em áreas básicas como educação, saúde e
segurança, acabam por ligar, mesmo que de maneira inusitada, os dois ramos do
direito.
Assim, com uma análise de elementos de ambos os ramos, claramente a
existência de uma relação mais próxima pode ser encontrada, ainda mais quando
podemos citar como exemplo os princípios reguladores, citando o princípio da
vedação do confisco, e dos próprios investimentos estatais, que devem garantir a
melhoria de setores que estão ligados, inclusive, as discussões encontradas em todas
as gerações de direitos humanos. Portanto, o presente artigo vem, de maneira inicial,
unir tais pontos de intersecção e colocar que o direito tributário não é mero ramo
engessado do saber jurídico, podendo carregar consigo um caráter modificador e de
garantia dos direitos daqueles que compõem o Estado.
Para deixar tal relação, e digno começar com uma rápida tomada do conceito
de ambas áreas mencionadas. O direito tributário é aquele ligado diretamente a
capacidade do Estado de ser o agente ativo dentro da cobrança de tributos, e sua
relação com o agente passivo, no caso aqui, o contribuinte. Para Eduardo Sabbag:
Justamente esses dois pontos extremos que tornam a limitação tão difícil,
tornando a definição do limite, e os aspectos que são abordados, áreas mais
nebulosas dentro deste princípio. Ao tomar a interpretação de quem decide se tal
cobrança do Estado foi, de fato, munida de cunho confiscatório, tenta-se manter uma
flexibilidade nesse limite, optando assim por não o deixar definido, no final de tudo, o
que pode representar um perigo potencial para os direitos de quem foi afetado.
Contudo, para não deixar essa decisão puramente à deriva da mente humana, uma
escala foi criada que é justamente a do conflito entre confisco e capacidade
contributivo, encarando que aquele começa a tornar-se existente quando esta
encontra-se suprimida. Assim, por exemplo, a partir do momento que um tributo exige
de um contribuinte uma quantia que exceda sua capacidade econômico, prejudicando-
o em sua subsistência, fica claro o intuito confiscatório, mas ainda assim, a
interpretação humana continua sendo um ponto de peso sobre a legalidade, ou não,
desse tipo de cobrança.
Saindo dos princípios ligados às atitudes do Estado, entramos agora nos
princípios ligados diretamente a pessoa do contribuinte, sendo eles o da igualdade,
ou da isonomia, e do da capacidade contributiva.
O princípio da igualdade, ou da isonomia, tributária tem a premissa interessante
de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Conforme o passo de
que a igualdade é uma das premissas para a manutenção dos direitos fundamentais
e da dignidade, cabe dizer que ela se apresenta de duas maneiras diferentes: perante
a lei e na lei. Enquanto a primeira fala da igualdade como meio de dirigir as leis,
servindo muito mais a aplicadores do direito, formando uma normatividade que leve
em consideração as nuances de cada cidadão, a segunda tem a ver com a igualdade
dentro da própria norma, tratando as pessoas dentro das suas semelhanças, quando
semelhantes, e diferenças, quando as diferenças assim o exigem.
Assim, o princípio da isonomia, quando trata da igualdade dos contribuintes
dependendo do estado na qual se encontram, não vem representar o mesmo preceito
defendido pelo artigo 5º da Constituição Federal, de uma igualdade justamente
perante a lei, mas sim, uma igualdade mais especifica, onde através do artigo 150,
inciso II, também da Constituição Federal, o tipo de tratamento é definido diretamente
dentro da seara tributária. Do mesmo modo, ele também vem evitar justamente as
aberrações tributárias que aconteceram em outros momentos dentro da história do
país, como, por exemplo, as isenções de impostos que eram concedidas para
deputados, militares e magistrados durante o período ditatorial (SABBAG, 2016, P.
140).
Portanto, como a igualdade, tal qual cláusula pétrea, é um dos princípios dos
direitos e garantias fundamentais, tal qual desde a Revolução Francesa, é de se
entender como esse princípio acaba por se envolver dentro da relação Direito
Tributário e Direitos Humanos. Julgando que estes direitos são a maneira positivada
dos preceitos que regem as afirmações humanas, ao criar um dispositivo que impede
justamente que a desigualdade entre contribuintes, contemplando alguns poucos, os
“desiguais” com uma sede de vantagens que se reverteriam em onerosidade
excessivas para uma maioria que não tem esse mesmo tipo de colocação social,
assegura-se um igual tratamento e uma estabilidade no que tange a capacidade
econômica de cada um, evitando qualquer tipo de dano aos direitos sociais ou
individuais de cada cidadão.
Mas, com todo o rol de princípios ligados a limitação do poder de tributar, tanto
aqueles ligados diretamente ao Estado, quanto aqueles que protegem o contribuinte
justamente da possibilidade do abuso estatal, com certeza o mais importante é da
capacidade contributiva. Mesmo podendo ser colocada como uma ramificação do
princípio da isonomia, ela se diferencia por ser justamente a igualdade na lei, e não
perante a mesmo, tal qual o princípio do artigo 150, inciso II da Carta Magna nacional.
Segundo Sabbag:
[...]diz-se que o princípio da capacidade contributiva está profundamente
ligado ao da igualdade, mas neste não se esgota. Enquanto a isonomia avoca
um caráter relacional, no bojo do confronto entre situações jurídicas, o
princípio da capacidade contributiva, longe de servir apenas para coibir
discriminações arbitrárias, abre-se para a consecução de um efetivo ideal de
justiça para o Direito Tributário (SABBAG, 2016, p. 157)
Mas como lembra Cunha Junior (p. 1092), essa capacidade contributiva vendo
de modo objetivo, e não subjetivo, levando em consideração as manifestações de
riqueza e não a capacidade econômica real de cada contribuinte. Essa imperfeição
não afasta a importância desse princípio na relação dos direitos fundamentais e do
Direito Tributário. Ela reflete a triste dependência positivista dentro do ordenamento
jurídico, com sua constante dificuldade de transcender a norma e olha para aqueles
que estão sob seu jugo.
O mínimo existencial, parâmetro constante no artigo 7º da Constituição Federal
também é ponto importante para o auxílio da afirmação da capacidade contributiva de
cada um, colocando o salário mínimo como um dos parâmetros para conseguir definir
esse quantum essencial. Justamente esse mínimo é um dos pontos que constitui um
dos pontos que desde o início deste escrito liga os Direitos Humanos com o Direito
Tributário, que é a dignidade da pessoa. Remontando os direitos humanos de terceira
geração, quando o quesito econômico também se tornou parte a ser conservada para
manter a dignidade humana, têm-se que há um valor virtual, com base em uma se de
fatores daquele momento, que garante a sobrevivência justa de cada pessoa, sem lhe
faltar nenhum tipo de outro direito. Assim, a capacidade de contribuir de cada cidadão
se dará somente sobre o valor de riqueza superior ao mínimo vital. Fazendo o um
paralelo com o já citado dever fundamental de solidariedade, juntando com a
igualdade a nível universal, podemos considerar que qualquer valor acima do
essencial para manutenção do indivíduo, e daqueles que desse dependem, poderia
ser distribuído de maneira a auxiliar seus iguais, pois, pagando seus tributos, o Estado
poderia garantir direitos fundamentais que são de sua responsabilidade.
Porém, até onde pode ir essa relação da capacidade de cada contribuinte com
os direitos fundamentais e a garantia da dignidade da pessoa? Ainda mais: qual a
relação dessa capacidade com a extrafiscalidade, o meio da qual o Estado não visa
arrecadar, mas sim, inibir ou estimular determinados tipos de conduta, com a
razoabilidade de tributar valores obtidos além do mínimo vital? O próximo item se
dedicará a esclarecer essas relações.
Retomando o que foi colocado nos outros dois itens anteriores, os Direitos
Humanos podem ser colocados como a positivação dos direitos fundamentais, bem
como o próprio princípio da dignidade humana, buscando assim a proteção do Estado
frente a qualquer tipo de ataque que possa ser feito contra os elementos mais básicos
para a manutenção de qualidade da vida de cada pessoa componente do ente estatal
como meio de o garantir em tal posição, junto com a sua soberania e seu território. O
Direito Tributário, por sua vez, incide como direito que visa manter, regular e averiguar
o modo como são afixados, criados e até cobrados do cidadão os tributos, dever
fundamental frente a solidariedade social, visando subsidiar o próprio Estado a criar e
estabelecer políticas públicas e garantias de direitos fundamentais para todos os
cidadãos.
Com essa gama de relações tecidas até o momento, fica claro que a própria
seara tributária deve ser regulada, não permitindo abusos na hora de cobrar a
obrigação de cada indivíduo, limites também já citados através dos princípios
tributários. Com isso, a capacidade tributária se coloca como o instrumento de
destaque nessa relação entre a dignidade da pessoa quanto ao cumprimento das
obrigações tributárias e a regulação do poder estatal. A partir do momento que se
considera o mínimo vital para o viver com qualidade de vida, mesmo que de maneira
objetiva, já é um começo para solidificar a relação entre os princípios e os direitos que
devem ser protegidos. Mas a relação entre esses dois pontos, a capacidade
contributiva e a dignidade humana, é mais intricada do que isso.
A capacidade de contribuir no modelo atual do direito tributário pode ser
analisada de duas maneiras: através do dever fundamental de contribuir, dentro de
seus próprios limites mínimos, para que assim, com o montante arrecadado o Estado
poder promover os direitos humanos que são de sua obrigação, e pelo próprio direito
de contribuir, justamente, dentro e proporcionalmente de suas condições mínimas,
não atingindo assim o nível vital para garantir a existência digna do contribuinte. Isso
é visto dentro do artigo 145, em seu parágrafo 1º, onde é clara a possibilidade de fixar
de maneira pessoal e de acordo com o limite de cada contribuinte, os impostos,
podendo o Estado identificar os bens, os rendimentos e qualquer tipo de atividade
econômica exercida por aqueles que estão contribuindo, desde que respeitados seus
direitos.
Possivelmente, a maneira mais clara de entender o texto constitucional,
juntamente com o paralelo do princípio da capacidade e da dignidade da pessoa
humana, é necessária uma ótica hermenêutica sobre esse enlace. Portanto, quanto
fala-se deste tipo de olhar sobre a relação, é mister falar sobre a aplicação da
hermenêutica dentro do ordenamento em sentido amplo, que se trata justamente da
interpretação do caso, não buscando a verdade, mas sim, chegando até a verdade
existente através da análise de todos os componentes que a cercam. E essa
hermenêutica, através da chamada teoria da justiça, encontra-se quando “os tributos,
por sua vez, devem ter o seu encargo dividido entre os cidadãos de maneira equitativa
e justa” (CALIENTO, 2009, p. 25).
O Estado Democrático de Direito, possuindo como uma de suas obrigações
primordiais a garantia dos direitos fundamentais, juntamente com a hermenêutica
auferida ao princípio da capacidade contributiva impulsiona a tese de que o Direito
Tributário tem relação e pode, sim, ter sua parcela de responsabilidade para realizar
a promoção de garantias e direitos, juntamente com os Direitos Humanos,
positivações desses institutos dentro do próprio ente estatal. Importante ressaltar que,
para conseguir se chegar a todo um conjunto de casos e ligar os detalhes que possam
vir a unir duas áreas jurídicas aparentemente distantes, justamente deve se tomar
uma interpretação com seja despida de preconceitos, que vele o Direito Tributário
como mero ramo ligado a cobrança frente ao contribuinte e os Direitos Humanos como
positivação superficial de direitos e garantias. A conjuntura de que este precisa
daquele dentro do Estado Democrático de Direito é concreta, e não há por que se falar
de outra maneira.
Retomando para o artigo 145, parágrafo 1º da Constituição Federal, mesmo
estando ali a capacidade contributiva, ela não está reclusa somente àquele
dispositivo. Na verdade, a capacidade contributiva pode ser colocada como uma regra
do modelo de configuração de Estado encontrada no Brasil. Começando a colocar as
peças em ordem, quando se fala do limite em que cada contribuinte tem para cumprir
suas obrigações com o Estado, sua capacidade, deve-se levar em consideração o que
já foi levantado sobre o mínimo vital, o montante que é necessário para cada um viver
com qualidade, e tendo em vista que justamente essa qualidade faz parte da dignidade
de cada pessoa, tem-se em mãos um componente fundamental dos direitos
fundamentais, estes, por sua vez positivados dentro do Estado Democrático de Direito
pelos chamados Direitos Humanos. Junta-se a isso ainda a possibilidade de defesa
que o Direito Tributário dá ao contribuinte frente a qualquer tipo de ato abusivo ou
ilegal do Estado, cada vez mais estreita-se a relação entre os dois ramos.
O princípio da igualdade encontra-se interligado dentro de toda essa relação,
seja em sua forma horizontal, seja em sua forma vertical. Assim, quanto a primeira, o
tributo é cobrado de maneira a atingir aqueles com o mesmo tipo de capacidade,
arcando com os mesmos tipos de tributos de maneira igual, enquanto a segunda
engloba os chamados desiguais, que devem, perante sua própria diferença, pagar
tributos igualmente distintos. Assim, coloca-se a igualdade, como aproximação dos
tipos de cobrança de tributo, junto com a capacidade contributiva, onde cada tipo, seja
igualdade horizontal ou vertical, ainda deverá respeita o mínimo vital de cada
contribuinte, seja na relação entre iguais ou na relação entre desiguais.
Já quanto a extrafiscalidade, temos uma ligação maior aos deveres
fundamentais e solidários, partindo do pressuposto de que, para se manter e poder
efetivar os direitos fundamentais, é necessário o Estado ter receitas para fazer tais
investimentos. Como fala Buffon:
“Isto é, se a fiscalidade se refere a forma como o Estado arrecada tributos
para que, com isso, tenha recursos para realizar seus fins, a extrafiscalidade,
por óbvio, corresponde a uma fórmula que ocupa um espaço alternativo a
essa ideia” (BUFFON, 2009, p. 219)
3 Considerações Finais
O Direito Tributário e os Direitos Humanos, por mais improvável que possa ser
sua junção, a possibilidade de agirem juntos como meio de promover e defender os
direitos fundamentais, ela de fato existe. A positivação dos direitos de cada cidadão
frente ao Estado Democrático de Direito e a obrigações deste de assegurar e manter
estes mesmos direitos reforça a relação, ao passo que o Direito Tributário se coloca
como o veículo legal que regula o tributo e os meios de cobrança de cada cidadão,
bem como sua defesa frente aos abusos do Estado.
Infelizmente, o dever fundamental de contribuir, assegurando assim a
solidariedade, deveria ser o suficiente para manter e obrigar o Estado a assegurar o
cumprimento dos direitos fundamentais, acaba sendo hostilizando, por culpa dos
próprios aparatos de investimento e arrecadação estatal, onerando em excesso
aqueles que contribuem. Por fim, as colocações e pontos que vinculam estas duas
áreas dos direitos não se esgotam aqui, mas como início da discussão, eles podem
ser sim ligados, sofrendo, muitas vezes, com a maneira como o Estado utiliza o
arrecadado com um para garantir outro, formando assim um distanciamento que não
pode, em hipótese algum ser tolerado.
Referências