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A relação jurídica entre Direito Tributário e Direitos Humanos: a convergência

para proteção e confirmação dos direitos fundamentais e da dignidade humana

Carlos Figueiredo dos Santos1


Prof.ª Esp. Karla Knihs2
Resumo

O presente artigo visa estabelecer uma conexão inicial entre Direitos Humanos
e o Direito Tributário. Para isso, serão analisados três tópicos: o primeiro será a
definição de Direitos Humanos e do Direito Tributário, colocando em tela sua relação
e como ambos acabam convergindo; o segundo será quanto aos princípios dentro do
Direito Tributário, que servem como método de garantia de proteção do contribuinte
frente ao poder de tributar, separando-os em princípios que limitam diretamente o
poder do Estado tributar e em princípios que protegem o contribuinte desse eventual
abuso, dando atenção para os princípios da capacidade contributiva e da igualdade,
que acabam por garantir os direitos fundamentais daqueles que pagam os tributos, e
por fim, o terceiro tratará sobre a capacidade contributiva e a extrafiscalidade, bem
como a relação de ambas com um dos componentes mais fortes dos Direitos
Humanos, a dignidade humana, buscando demonstrar como essa se relaciona com
os dois institutos mencionados.

Palavras-Chave: Direito, Tributário, Humanos, Estado.

1 Introdução

Ao longo da construção política e social da humanidade, os direitos humanos,


muitas vezes representados através do princípio basilar da dignidade da pessoa
humana, vão de encontro com diversas políticas adotadas pelo próprio Estado. Uma
delas é justamente quanto aos tributos. Apesar de ideias distantes, quando o

1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG; Pós-graduando no curso de Gestão e
Legislação Tributária pela UNINTER. Advogado atuante nas áreas cível e tributária.
2
Mestranda em Direito pelo Centro Universitário UNINTER. Especialista em Direito do Trabalho pelo Centro
Universitário UNINTER. Graduada em Direito pela Faculdade Internacional de Curitiba - FACINTER. Advogada
atuante nas áreas trabalhista, previdenciária e cível. Professora Orientadora de TCC no Centro Universitário
UNINTER.
posicionamento do tributo como contraprestação dos integrantes do Estado, no caso
os contribuintes, frente aos investimentos em áreas básicas como educação, saúde e
segurança, acabam por ligar, mesmo que de maneira inusitada, os dois ramos do
direito.
Assim, com uma análise de elementos de ambos os ramos, claramente a
existência de uma relação mais próxima pode ser encontrada, ainda mais quando
podemos citar como exemplo os princípios reguladores, citando o princípio da
vedação do confisco, e dos próprios investimentos estatais, que devem garantir a
melhoria de setores que estão ligados, inclusive, as discussões encontradas em todas
as gerações de direitos humanos. Portanto, o presente artigo vem, de maneira inicial,
unir tais pontos de intersecção e colocar que o direito tributário não é mero ramo
engessado do saber jurídico, podendo carregar consigo um caráter modificador e de
garantia dos direitos daqueles que compõem o Estado.

2.1 Direito tributário versus Direitos humanos

A distância encontrada entre algumas áreas do direito é algo que notadamente


dificulta alguma interação entre as mesmas. Quando se fala em direito tributário, a
ideia que vem logo é a do direito engessado, que fica sempre sobre o jugo da
inflexibilidade de tributos. Em contraponto, quando se olha para a constante evolução
e adaptação dos direitos humanos, em todas as suas gerações, é vista a ideia de que
existe uma área do conhecimento jurídico que não consegue ficar presa dentro das
amarras dogmáticas impostas pelo positivismo kelseniano. Mas a análise que traz
diferenças tão grande entre essas duas áreas, pode aproximá-las de maneira mais
concreta do que pode ser imaginado.

Para deixar tal relação, e digno começar com uma rápida tomada do conceito
de ambas áreas mencionadas. O direito tributário é aquele ligado diretamente a
capacidade do Estado de ser o agente ativo dentro da cobrança de tributos, e sua
relação com o agente passivo, no caso aqui, o contribuinte. Para Eduardo Sabbag:

[...] o Direito Tributário é a representação positivada da ciência jurídica que


abarca o conjunto de normas e princípios jurídicos, reguladores das relações
intersubjetivas na obrigação tributária, cujos elementos são as partes, a
prestação e o vínculo jurídico (SABBAG, 2016, p. 42).
Logo, por ter relação direta com a maneira de regular as relações entre o polo
ativo e o polo passivo nas tributações, o Direito Tributário acaba estando a serviço de
ambos lados do vínculo. Isso ainda é comprovado com o fato de que ações como a
de Repetição do Indébito Tributário e a de Declaratória de Inexistência de Vínculo
Jurídico-Tributário servem diretamente ao contribuinte, o dando espaço para se
defender frente ao poder estatal, impedindo assim que erros decorrentes da máquina
pública deixem acontecer uma tributação indevida ou evitar que ocorra o dano ao
patrimônio dos que pagam tributos, em decorrência de cobranças realizadas,
equivocadamente ou não, mais de uma única vez ou de maneira equivocada.
Passando para a área que toca nos direitos humanísticos, como já abordado
inicialmente, caminha-se em uma área muito mais abrangente e flexível dentro do
conhecimento jurídico. Os direitos humanos não foram um conjunto de normais
instituídos por uma série de juristas e cientistas jurídicos. Com o destrinchar de cada
uma das suas gerações, pode-se facilmente concluir que os Direitos Humanos são
aspectos inerentes a dignidade, bem-estar e prosperidade do cidadão, conquistados
e consolidados através do tempo. Cada geração, com seu respectivo foco veio trazer
uma nova gama de diretrizes que contribuíam para o ambiente ideal de crescimento
e desenvolvimento humano. Comparato aponta em que tese a visão da pessoa como
ser, e não como mero objeto teórico ocorre:

A compreensão da realidade axiológica transformou, como não poderia


deixar de ser, toda a teoria jurídica. Os direitos humanos foram identificados
com os valores mais importantes da convivência humana, aqueles sem os
quais as sociedades acabam perecendo, fatalmente, por um processo
irreversível de desagregação.
Por outro lado, o conjunto de direitos humanos forma um sistema,
correspondente á hierarquia de valores prevalecente no meio social; mas
essa hierarquia axiológica nem sempre coincide com a consagrada no
ordenamento positivo. Há sempre uma tensão dialética entre a consciência
jurídica da coletividade e as normas editadas pelo Estado (COMPARATO,
2004, p. 26).

Portanto, falar da relação existente entre Direito Tributário, um ramo jurídico


público, mas que também presta serviços para a pessoa do contribuinte, e os Direitos
Humanos não é algo que fique fora do campo de compreensão. O fato de que ambos
ramos são distantes, não os impede de chegar em um ponto comum. Fala-se, aqui,
de como o Direito Tributário pode ter um caráter menos rígido e mais humano, frente
a exatamente essa “tensão dialética entre a consciência jurídica da coletividade e as
normas editadas pelo Estado”.
Logo, o título deste capítulo não vem trazer o sentido de embate entre as duas
áreas, mas sim, instigar o seu comparativo, imaginando como elas podem e poderiam,
em certos pontos, interagir. Essa relação ainda se expande quando falamos da função
tributária nas receitas do Estado e como elas deverão vir a ser aplicadas em retorno
para o contribuinte. Um dos motivos desse cenário é a proximidade do Direito
Tributário com o Direito Financeiro, ramo do direito que fica ligada exatamente ao
movimento de finanças da atividade estatal, não esquecendo nunca que aquele é
autônomo a este. O direito humanitário entre em cena quando existe a cobrança do
retorno do montante pago pelos que contribuem como investimentos em caracteres
básicos para a qualidade de vida.
Ponto importante nessa relação é ressaltar que a parte compulsória da
prestação tributária, que a torna obrigatória quando seu fato gerador existe e a relação
é estabelecida, não é algo que vem a ferir o quesito da dignidade humana. Em um
primeiro momento parece difícil de sustentar, já que o fato de ser obrigado a cumprir
uma relação pecuniária para o Estado, regulada pelo mesmo, parece uma grande
demonstração de abuso sobre as pessoas. Mas não se deve esquecer que, em tese,
todo o dinheiro que é arrecadado pelo ente público deve retornar para os seus
administrados, na forma de investimentos e melhorias. Logo, é muito tentador olhar
para tal obrigação com os olhos individuais de quem se sente prejudicado por ter que
arcar com algo que, aparentemente, não vai trazer um retorno direto e rápido, e essa
tentação faz esquecer que acima do “indivíduo” está a “sociedade”, logo, antes de
exercer o poder individual, há de se realizar o exercício de pensar como cidadão,
membro efetivo da constituição do ente soberano a qual pertencemos.
Em nenhum ponto deve-se concordar, também, que com base no quesito
cidadão versus indivíduo, todos os tipos de cobrança e execuções por parte do credor
tributário são válidos e corretos. O que se toca aqui é como o dever de contribuir, parte
desse segundo momento da abordagem, que justamente sai da relação comparativa
entre Direito Tributário e Direitos Humanos, e entra-se na relação mais abrangente,
onde é tecido um panorama de como, materialmente, um entra dentro de outro quanto
a maneira de ser aplicado.
Marciano Buffon coloca os deveres fundamentais como contraponto dos
direitos de mesma espécie:
Por mais paradoxal que possa parecer àqueles que concebem a cidadania
apenas sob a face dos direitos, a própria ideia de dignidade humana está
vinculada aos deveres fundamentais, pois ela “não consiste em cada um
exigir seus direitos”, mas, sobretudo, consiste em cada um assumir seus
deveres coo pessoa e como cidadão e exigir de si mesmo seu cumprimento
permanente (BUFFON, 2009, p. 84).

E ainda sobre os deveres fundamentais, encontramos Paulo Caliendo, que fala


do pensamento sistemático do direito:
O pensamento sistemático irá compreender a Constituição como a norma
jurídica mais importante no sistema jurídico, detentora de princípios, regras e
valores jurídicos. A tributação passa a ser entendida como dever fundamental
derivado do texto constitucional, e não apenas como obrigação derivada de
lei (CALIENDO, 2009, p. 145).

Justamente do ponto que os deveres existem por que vive-se em sociedade,


colocando o individualismo de cada de lado para prezar o bem estar da maioria, que
se chega a segunda conclusão esperada: se o Direito Tributário dos tributos,
auxiliando por hora os contribuintes, hora o credor, e ainda trazendo o caráter
compulsório do adimplemento das obrigações tributárias, os Direitos Humanos,
quando se tratam do bem-estar e da dignidade das pessoas, são supridos, em parte,
justamente quando a obrigatoriedade pecuniária é cumprida e o dever fundamental
do cidadão é posto em ação, devendo a segunda parte, o retorno dos valores
recolhidos como investimentos que melhoram a qualidade daqueles dos
administrados do Estado, ser fiscalizada e cobrada.
Portanto, a intersecção entre os dois direitos existe, como pode ser entendido
no apresentado até o momento, seja pelo dever fundamental, seja pelo caráter de
limitação do poder do Estado proporcionado com os métodos de defesa apresentados
pelo Direito Tributário, as duas áreas não estão distantes da maneira abissal que podia
ser imaginada, conseguindo encontrar uma intrincada, porém sólida sinergia.
Logo, com uma lógica estabelecida entre o caráter de direitos fundamentais,
ligados a valores e a dignidade da pessoa humana, partes basilares dos Direitos
Humanos, bem como a origem constitucional do Direito Tributário, que vem cuidar da
ferramenta que garante a geração de receitas, através do dever fundamental de pagar
tributos, e da aplicação dessas receitas em políticas públicas básicas e
suplementares, que constituem direitos fundamentais para aqueles que exercem o
papel de polo passivo nessa relação. Seguindo nesse contexto, cabe analisar como
os princípios do direito tributário, sejam eles constitucionais ou provenientes da
legislação extravagante, auxiliam a limitação do poder de tributar e a proteção do
contribuinte.
2.2 Garantias e Principios: a importância da manutenção dos direitos
fundamentais.

Os princípios são expressões de valores dentro do próprio ordenamento


jurídico, que acabam sendo utilizados junto com as normas como meio de limitar o
poder expresso pelo próprio estado através do quesito legal. Como aponta Sabbag
(2016, p. 61) “[...] em muitos casos, como já se viu, servem esses princípios como
verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte contra a força tributária do
Estado, assumindo a postura de nítidas limitações constitucionais ao poder de
tributar”.
Os princípios, como vão ser colocados aqui, limitam e controlam o poder do
Estado, não permitindo nenhuma espécie de atentado aos direitos dos contribuintes e
constam, principalmente, nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição Federal de 1988.
Não podemos esquecer que os direitos fundamentais que devem ser providos pelo
ente público podem ser igualmente afetados caso o mesmo resolva, de alguma
maneira sórdida, dispensar e quebrar tais limites. Nesse ponto que um dos princípios
mais básicos do ordenamento jurídico entra em movimento: o princípio da legalidade.
O Princípio da Legalidade, que tem um viés totalmente específico dentro do
direito tributário, onde acrescenta-se o “Tributária” ao nome, é o maior limitador do
poder do Estado de tributar. Como atenta Sabbag:
No plano conceitual, o princípio da legalidade tributária se põe como um
relevante balizamento ao Estado-administração no mister tributacional. O
Estado de Direito tem-no como inafastável garantia individual a serviço dos
cidadãos, implicando uma inexorável convergência – e, também,
equivalência – de ambos: se há Estado de Direito, há reflexamente, a
legalidade no fenômeno da tributação (SABBAG, 2016, p. 64).

Portanto, o Princípio da Legalidade Tributária possui a primeira barreira de


defesa dos direitos fundamentais frente a tributação estatal: não permitindo, por
exemplo, o aumento ou instituição de novos tributos, sem que haja, antes, dispositivo
legal que aprove tal ação, evita-se assim que a capacidade econômica dos cidadãos
seja afetada por novos, ou majorados, tributos. Com isso, protege-se a seara
econômica de cada um dentro da hipótese da prestação pecuniária e compulsória, o
que leva a garantia a uma qualidade de vida, não necessitando comprometer as
necessidades básicas dos individuais. No caso das alíquotas referentes a quatro
tributos (Imposto sobre Importação, Imposto sobre Exportação, IOF e o IPI), existe
uma reserva legal, permitindo a alteração das alíquotas, e não de cálculo, dos
referentes impostos.
O próximo princípio ligado a essa proteção através dos limites impostos ao
Estado através da legalidade, seria o chamado Princípio da Anterioridade Tributária,
onde a instituição ou aumento de um novo tributo se daria apenas no próximo
exercício financeiro, dando assim tempo hábil para o contribuinte organizar suas
finanças para cumprir com seu dever pecuniário. Portanto, complementa-se a ideia de
que, enquanto a legalidade vem refrear um possível abuso por porte do credor dos
tributos, prejudicando assim o acesso a alguns direitos e garantias do contribuinte, a
anterioridade assegura que, mesmo que a lei permita que a modificação ou criação
do imposto, ele ainda deverá esperar um período para, de fato entrar em vigência,
permitindo organização, e até uma possível revisão de sua constitucionalidade, caso
seja necessário. Cunha Júnior fala sobre esse princípio:
A Constituição Federal prevê, assim, no art. 150, III, b que “Sem prejuízo de
outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) III – cobrar tributos: (...) b)
no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 1095)

Se faz mister adicionar a este princípio sua modalidade chamada de Princípio


da Anterioridade Nonagesimal. Não bastando a limitação da cobrança no próximo
exercício financeiro da anterioridade em sentido amplo, sentiu-se a necessidade de
evitar artimanhas, como a de criar ou aumentar um tributo em data próxima ao início
do próximo exercício, respeitando a legalidade e a anterioridade, mas deixando o
contribuinte lesado financeiramente. Portanto, a Anterioridade Nonagesimal evita que
tal problema ocorra, protegendo e assegurando que o cidadão seja lesado frente ao
estado, provocando desconforto econômico e prejudicando na manutenção de sua
qualidade de vida, dependendo da gravidade do caso em contenda.
O quarto princípio que limita, e evita, que o Estado atente ao contribuinte e seus
direitos e garantias é o da Vedação da Confisco, que discorre justamente sobre o
limite do quanto pode ser cobrado, sem tornar a tributação algo nocivo a própria
manutenção da vida daqueles que contribuem. O próprio artigo 150, inciso IV, da
Constituição Federal deixa expresso o veto a União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios, utilizar tributos justamente com o fim de confisco.
Porém, apesar de taxativo quanto a proibição do ente público promover essa
política confiscatória, acaba se esbarrando em um problema um pouco mais
complicado do que a invasão e atentado aos direitos e a dignidade do devedor
tributário, pois surge a dúvida: qual é o limite que deve ser imposto ao que se
considera como confiscatório? Essa questão é respondida com base no intérprete da
lei naquele instante, ou seja, o confisco levará em conta outros princípios do Direito
Tributário, que serão abordados logo em seguida, como o da isonomia tributária, o da
proporcionalidade, e aquele que pode ser o mais ligado aos direitos fundamentais do
contribuinte, o da capacidade contributivo. Deve-se ainda lembrar que o confisco pode
ser confundido com a extrafiscalidade do tributo, que nesse caso, é uma hipótese
legal.
Não somente o limite, mas também até onde pode influencia o poder
confiscatório é algo que causa certo receio dentro do ordenamento jurídico. Conforme
preceitua Sabbag:
Em outras palavras, afirma-se que a linha de atuação do princípio da vedação
ao confisco se estende por dois pontos limítrofes, diametralmente opostos:
parte-se do nível ótimo de tributação, em que o tributo é possível e razoável,
chegando-se ao extremo oposto, ponto da invasão patrimonial, a partir do
qual será ela excessiva, indo “além da capacidade contributiva do particular
afetado” (SABBAG, 2016, p. 244)

Justamente esses dois pontos extremos que tornam a limitação tão difícil,
tornando a definição do limite, e os aspectos que são abordados, áreas mais
nebulosas dentro deste princípio. Ao tomar a interpretação de quem decide se tal
cobrança do Estado foi, de fato, munida de cunho confiscatório, tenta-se manter uma
flexibilidade nesse limite, optando assim por não o deixar definido, no final de tudo, o
que pode representar um perigo potencial para os direitos de quem foi afetado.
Contudo, para não deixar essa decisão puramente à deriva da mente humana, uma
escala foi criada que é justamente a do conflito entre confisco e capacidade
contributivo, encarando que aquele começa a tornar-se existente quando esta
encontra-se suprimida. Assim, por exemplo, a partir do momento que um tributo exige
de um contribuinte uma quantia que exceda sua capacidade econômico, prejudicando-
o em sua subsistência, fica claro o intuito confiscatório, mas ainda assim, a
interpretação humana continua sendo um ponto de peso sobre a legalidade, ou não,
desse tipo de cobrança.
Saindo dos princípios ligados às atitudes do Estado, entramos agora nos
princípios ligados diretamente a pessoa do contribuinte, sendo eles o da igualdade,
ou da isonomia, e do da capacidade contributiva.
O princípio da igualdade, ou da isonomia, tributária tem a premissa interessante
de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Conforme o passo de
que a igualdade é uma das premissas para a manutenção dos direitos fundamentais
e da dignidade, cabe dizer que ela se apresenta de duas maneiras diferentes: perante
a lei e na lei. Enquanto a primeira fala da igualdade como meio de dirigir as leis,
servindo muito mais a aplicadores do direito, formando uma normatividade que leve
em consideração as nuances de cada cidadão, a segunda tem a ver com a igualdade
dentro da própria norma, tratando as pessoas dentro das suas semelhanças, quando
semelhantes, e diferenças, quando as diferenças assim o exigem.
Assim, o princípio da isonomia, quando trata da igualdade dos contribuintes
dependendo do estado na qual se encontram, não vem representar o mesmo preceito
defendido pelo artigo 5º da Constituição Federal, de uma igualdade justamente
perante a lei, mas sim, uma igualdade mais especifica, onde através do artigo 150,
inciso II, também da Constituição Federal, o tipo de tratamento é definido diretamente
dentro da seara tributária. Do mesmo modo, ele também vem evitar justamente as
aberrações tributárias que aconteceram em outros momentos dentro da história do
país, como, por exemplo, as isenções de impostos que eram concedidas para
deputados, militares e magistrados durante o período ditatorial (SABBAG, 2016, P.
140).
Portanto, como a igualdade, tal qual cláusula pétrea, é um dos princípios dos
direitos e garantias fundamentais, tal qual desde a Revolução Francesa, é de se
entender como esse princípio acaba por se envolver dentro da relação Direito
Tributário e Direitos Humanos. Julgando que estes direitos são a maneira positivada
dos preceitos que regem as afirmações humanas, ao criar um dispositivo que impede
justamente que a desigualdade entre contribuintes, contemplando alguns poucos, os
“desiguais” com uma sede de vantagens que se reverteriam em onerosidade
excessivas para uma maioria que não tem esse mesmo tipo de colocação social,
assegura-se um igual tratamento e uma estabilidade no que tange a capacidade
econômica de cada um, evitando qualquer tipo de dano aos direitos sociais ou
individuais de cada cidadão.
Mas, com todo o rol de princípios ligados a limitação do poder de tributar, tanto
aqueles ligados diretamente ao Estado, quanto aqueles que protegem o contribuinte
justamente da possibilidade do abuso estatal, com certeza o mais importante é da
capacidade contributiva. Mesmo podendo ser colocada como uma ramificação do
princípio da isonomia, ela se diferencia por ser justamente a igualdade na lei, e não
perante a mesmo, tal qual o princípio do artigo 150, inciso II da Carta Magna nacional.
Segundo Sabbag:
[...]diz-se que o princípio da capacidade contributiva está profundamente
ligado ao da igualdade, mas neste não se esgota. Enquanto a isonomia avoca
um caráter relacional, no bojo do confronto entre situações jurídicas, o
princípio da capacidade contributiva, longe de servir apenas para coibir
discriminações arbitrárias, abre-se para a consecução de um efetivo ideal de
justiça para o Direito Tributário (SABBAG, 2016, p. 157)

Mas como lembra Cunha Junior (p. 1092), essa capacidade contributiva vendo
de modo objetivo, e não subjetivo, levando em consideração as manifestações de
riqueza e não a capacidade econômica real de cada contribuinte. Essa imperfeição
não afasta a importância desse princípio na relação dos direitos fundamentais e do
Direito Tributário. Ela reflete a triste dependência positivista dentro do ordenamento
jurídico, com sua constante dificuldade de transcender a norma e olha para aqueles
que estão sob seu jugo.
O mínimo existencial, parâmetro constante no artigo 7º da Constituição Federal
também é ponto importante para o auxílio da afirmação da capacidade contributiva de
cada um, colocando o salário mínimo como um dos parâmetros para conseguir definir
esse quantum essencial. Justamente esse mínimo é um dos pontos que constitui um
dos pontos que desde o início deste escrito liga os Direitos Humanos com o Direito
Tributário, que é a dignidade da pessoa. Remontando os direitos humanos de terceira
geração, quando o quesito econômico também se tornou parte a ser conservada para
manter a dignidade humana, têm-se que há um valor virtual, com base em uma se de
fatores daquele momento, que garante a sobrevivência justa de cada pessoa, sem lhe
faltar nenhum tipo de outro direito. Assim, a capacidade de contribuir de cada cidadão
se dará somente sobre o valor de riqueza superior ao mínimo vital. Fazendo o um
paralelo com o já citado dever fundamental de solidariedade, juntando com a
igualdade a nível universal, podemos considerar que qualquer valor acima do
essencial para manutenção do indivíduo, e daqueles que desse dependem, poderia
ser distribuído de maneira a auxiliar seus iguais, pois, pagando seus tributos, o Estado
poderia garantir direitos fundamentais que são de sua responsabilidade.
Porém, até onde pode ir essa relação da capacidade de cada contribuinte com
os direitos fundamentais e a garantia da dignidade da pessoa? Ainda mais: qual a
relação dessa capacidade com a extrafiscalidade, o meio da qual o Estado não visa
arrecadar, mas sim, inibir ou estimular determinados tipos de conduta, com a
razoabilidade de tributar valores obtidos além do mínimo vital? O próximo item se
dedicará a esclarecer essas relações.

2.3 A capacidade contributiva e os direitos fundamentais relacionados como


meio de proteção da dignidade humana.

Retomando o que foi colocado nos outros dois itens anteriores, os Direitos
Humanos podem ser colocados como a positivação dos direitos fundamentais, bem
como o próprio princípio da dignidade humana, buscando assim a proteção do Estado
frente a qualquer tipo de ataque que possa ser feito contra os elementos mais básicos
para a manutenção de qualidade da vida de cada pessoa componente do ente estatal
como meio de o garantir em tal posição, junto com a sua soberania e seu território. O
Direito Tributário, por sua vez, incide como direito que visa manter, regular e averiguar
o modo como são afixados, criados e até cobrados do cidadão os tributos, dever
fundamental frente a solidariedade social, visando subsidiar o próprio Estado a criar e
estabelecer políticas públicas e garantias de direitos fundamentais para todos os
cidadãos.
Com essa gama de relações tecidas até o momento, fica claro que a própria
seara tributária deve ser regulada, não permitindo abusos na hora de cobrar a
obrigação de cada indivíduo, limites também já citados através dos princípios
tributários. Com isso, a capacidade tributária se coloca como o instrumento de
destaque nessa relação entre a dignidade da pessoa quanto ao cumprimento das
obrigações tributárias e a regulação do poder estatal. A partir do momento que se
considera o mínimo vital para o viver com qualidade de vida, mesmo que de maneira
objetiva, já é um começo para solidificar a relação entre os princípios e os direitos que
devem ser protegidos. Mas a relação entre esses dois pontos, a capacidade
contributiva e a dignidade humana, é mais intricada do que isso.
A capacidade de contribuir no modelo atual do direito tributário pode ser
analisada de duas maneiras: através do dever fundamental de contribuir, dentro de
seus próprios limites mínimos, para que assim, com o montante arrecadado o Estado
poder promover os direitos humanos que são de sua obrigação, e pelo próprio direito
de contribuir, justamente, dentro e proporcionalmente de suas condições mínimas,
não atingindo assim o nível vital para garantir a existência digna do contribuinte. Isso
é visto dentro do artigo 145, em seu parágrafo 1º, onde é clara a possibilidade de fixar
de maneira pessoal e de acordo com o limite de cada contribuinte, os impostos,
podendo o Estado identificar os bens, os rendimentos e qualquer tipo de atividade
econômica exercida por aqueles que estão contribuindo, desde que respeitados seus
direitos.
Possivelmente, a maneira mais clara de entender o texto constitucional,
juntamente com o paralelo do princípio da capacidade e da dignidade da pessoa
humana, é necessária uma ótica hermenêutica sobre esse enlace. Portanto, quanto
fala-se deste tipo de olhar sobre a relação, é mister falar sobre a aplicação da
hermenêutica dentro do ordenamento em sentido amplo, que se trata justamente da
interpretação do caso, não buscando a verdade, mas sim, chegando até a verdade
existente através da análise de todos os componentes que a cercam. E essa
hermenêutica, através da chamada teoria da justiça, encontra-se quando “os tributos,
por sua vez, devem ter o seu encargo dividido entre os cidadãos de maneira equitativa
e justa” (CALIENTO, 2009, p. 25).
O Estado Democrático de Direito, possuindo como uma de suas obrigações
primordiais a garantia dos direitos fundamentais, juntamente com a hermenêutica
auferida ao princípio da capacidade contributiva impulsiona a tese de que o Direito
Tributário tem relação e pode, sim, ter sua parcela de responsabilidade para realizar
a promoção de garantias e direitos, juntamente com os Direitos Humanos,
positivações desses institutos dentro do próprio ente estatal. Importante ressaltar que,
para conseguir se chegar a todo um conjunto de casos e ligar os detalhes que possam
vir a unir duas áreas jurídicas aparentemente distantes, justamente deve se tomar
uma interpretação com seja despida de preconceitos, que vele o Direito Tributário
como mero ramo ligado a cobrança frente ao contribuinte e os Direitos Humanos como
positivação superficial de direitos e garantias. A conjuntura de que este precisa
daquele dentro do Estado Democrático de Direito é concreta, e não há por que se falar
de outra maneira.
Retomando para o artigo 145, parágrafo 1º da Constituição Federal, mesmo
estando ali a capacidade contributiva, ela não está reclusa somente àquele
dispositivo. Na verdade, a capacidade contributiva pode ser colocada como uma regra
do modelo de configuração de Estado encontrada no Brasil. Começando a colocar as
peças em ordem, quando se fala do limite em que cada contribuinte tem para cumprir
suas obrigações com o Estado, sua capacidade, deve-se levar em consideração o que
já foi levantado sobre o mínimo vital, o montante que é necessário para cada um viver
com qualidade, e tendo em vista que justamente essa qualidade faz parte da dignidade
de cada pessoa, tem-se em mãos um componente fundamental dos direitos
fundamentais, estes, por sua vez positivados dentro do Estado Democrático de Direito
pelos chamados Direitos Humanos. Junta-se a isso ainda a possibilidade de defesa
que o Direito Tributário dá ao contribuinte frente a qualquer tipo de ato abusivo ou
ilegal do Estado, cada vez mais estreita-se a relação entre os dois ramos.
O princípio da igualdade encontra-se interligado dentro de toda essa relação,
seja em sua forma horizontal, seja em sua forma vertical. Assim, quanto a primeira, o
tributo é cobrado de maneira a atingir aqueles com o mesmo tipo de capacidade,
arcando com os mesmos tipos de tributos de maneira igual, enquanto a segunda
engloba os chamados desiguais, que devem, perante sua própria diferença, pagar
tributos igualmente distintos. Assim, coloca-se a igualdade, como aproximação dos
tipos de cobrança de tributo, junto com a capacidade contributiva, onde cada tipo, seja
igualdade horizontal ou vertical, ainda deverá respeita o mínimo vital de cada
contribuinte, seja na relação entre iguais ou na relação entre desiguais.
Já quanto a extrafiscalidade, temos uma ligação maior aos deveres
fundamentais e solidários, partindo do pressuposto de que, para se manter e poder
efetivar os direitos fundamentais, é necessário o Estado ter receitas para fazer tais
investimentos. Como fala Buffon:
“Isto é, se a fiscalidade se refere a forma como o Estado arrecada tributos
para que, com isso, tenha recursos para realizar seus fins, a extrafiscalidade,
por óbvio, corresponde a uma fórmula que ocupa um espaço alternativo a
essa ideia” (BUFFON, 2009, p. 219)

Portanto, enquanto colocamos a fiscalidade, o tributo comum e regulado,


como meio de cumprir necessidades óbvias, a extrafiscalidade vem correndo de
maneira paralela, tocando outros tipos de assuntos. Muitas vezes, estes temos
tangem justamente a estímulos ou desestímulos positivados dentro da própria normal,
muitas vezes dentro do próprio texto constitucional. Essas ideias podem ter como
foco, por exemplo, a proteção de determinada parcela do meio-ambiente, direito difuso
e concernente a todos, ou até para suprir alguns gastos.
Contudo, em alguns casos a extrafiscalidade poderá entrar em conflito
justamente com os princípios concernentes a proteção do mínimo vital e das
modalidades de tributação. Contudo, nota-se que isso não incorre, necessariamente
em uma inconstitucionalidade por meio da cobrança extrafiscal. Isso ocorre por
consequência da própria cobrança extrafiscal estar constitucionalmente permitida. E
sua legitimidade ainda se torna ainda mais sólida quando estes gastos passam pela
manutenção dos direitos fundamentais, tornando-os assim necessários. Assim,
quando estes fatos se encontrarem, teremos uma extrafiscaldiade que age de acordo
com os princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Ainda devem ser
observados outros itens para afirmar a cobrança de tributo que posso ultrapassar a
capacidade contributiva, como a idoneidade da cobrança, que a medida seja a única
maneira de se realizar o pretendido, não tendo nenhum outro instrumento menos
oneroso para o contribuinte e que a lesão causada pela cobrança seja menor que os
benefícios que ele vai gerar. Logo, infelizmente, as cobranças que não fazem parte
do caráter fiscal, mas sim de sua natureza extra, contanto que estejam legitimadas
pelo próprio ordenamento jurídico, poderão vir a ser legalmente cobradas, desde que,
reforçando, respeitem aos três limitadores apresentados logo acima.
Ainda dentro da extrafiscalidade, mas estendendo-se para todo o aparato
tributário estatal, o que deve de fato ter prevalência é o próprio interesse humano.
Esse interesse vem traduzido no que pode se colocar como o cumprimento e a
garantia dos direitos fundamentais sociais, culturais e econômicos, juntamente com a
manutenção a dignidade humana com aquilo que é arrecadado e instituído no Direito
Tributário. De qualquer modo, também permanecesse do interesse humano que esses
tributos justamente se mantenham dentro dos parâmetros do limite do poder de
trabalhar, mesmo quando se tratarem de cobranças que sejam de cunho extrafiscal.
Em um último momento, é necessário colocar que, mesmo com todo o ideário
teórico apresentado, que coloca tanto os Direitos Humanos, quanto o Direito Tributário
de maneira convergente, mesmo que em muitos pontos eles apensa conseguem agir
de maneira paralela, sabe-se bem que os tributos por muitas vezes não são aplicados
da maneira que deveriam ou acabam gerando um enriquecimento desnecessário para
o Estado, como o que pode ocorrer no caso da própria extrafiscalidade, onde valores
arrecadados com destinação certa, que deveriam passar longe dos cofres públicos,
mas, por intermédio de erros e equívocos, sejam eles propositais ou não, acabam indo
justamente para os estes mesmo reservatórios para a qual eles nunca deveriam ter
sido sequer cogitados para entrar. E isso aumento com o cenário tributário nacional,
onde a própria carga tributária chegou a níveis praticamente insuportáveis para os
contribuintes. Nunca há de se esquecer que a tributação, mesmo regulada de maneira
legal, assim como o próprio direito, não serve para o Estado tão somente, mas sim ao
próprio interesse humano, e com isso deve servir aqueles que pagam e buscar a
garantia de seus direitos e de sua dignidade, e não passar longe disso.

3 Considerações Finais

O Direito Tributário e os Direitos Humanos, por mais improvável que possa ser
sua junção, a possibilidade de agirem juntos como meio de promover e defender os
direitos fundamentais, ela de fato existe. A positivação dos direitos de cada cidadão
frente ao Estado Democrático de Direito e a obrigações deste de assegurar e manter
estes mesmos direitos reforça a relação, ao passo que o Direito Tributário se coloca
como o veículo legal que regula o tributo e os meios de cobrança de cada cidadão,
bem como sua defesa frente aos abusos do Estado.
Infelizmente, o dever fundamental de contribuir, assegurando assim a
solidariedade, deveria ser o suficiente para manter e obrigar o Estado a assegurar o
cumprimento dos direitos fundamentais, acaba sendo hostilizando, por culpa dos
próprios aparatos de investimento e arrecadação estatal, onerando em excesso
aqueles que contribuem. Por fim, as colocações e pontos que vinculam estas duas
áreas dos direitos não se esgotam aqui, mas como início da discussão, eles podem
ser sim ligados, sofrendo, muitas vezes, com a maneira como o Estado utiliza o
arrecadado com um para garantir outro, formando assim um distanciamento que não
pode, em hipótese algum ser tolerado.

Referências

CALIENDO, PAULO. Direito tributário:três modos de pensar a tributação:


elementos para uma teoria sistemática do direito tributário – Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2009;

BUFFON, MARCIANO. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e


deveres fundamentais – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009;

SABBAG, EDUARDO. Manual de direito tributário – 8 ed. – São Paulo: Saraiva,


2016;

COMPARATO, FABIO KONDER. A afirmação histórica dos direitos humanos – 3


ed. ver. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2003.
JUNIOR, DIRLEY DA CUNHA. Curso de Direito Constitucional – 3 ed. ver. e
ampl. e at. – Salvador: Editora Juspodivm, 2009.

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