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Salvador
Outubro/2016
BREVE CONSIDERAÇÃO TEÓRICA SOBRE AS APROXIMAÇÕES ENTRE O
DRAMA E O PROCESSO COLABORATIVO
Resumo:
Considerando que a pedagogia do teatro e a criação teatral em grupos profissionais são duas
aplicações de uma mesma arte, o seguinte artigo compara os mais relevantes princípios do
Drama – metodologia do ensino do teatro de origem inglesa – e do processo colaborativo.
Utilizando-nos de alguns dos principais autores sobre os temas – Antonio Araújo, Beatriz
Cabral, Rafael Ary, Flávio Desgranges -, apresentamos a organização interna de ambos os
métodos estudados para estabelecer aproximações entre as duas instâncias, na tentativa de
compreender como os dois processos criativos se relacionam entre si e com a linguagem
teatral.
1
Utilizamos o destaque na palavra para diferenciar o process drama, aqui tratado, da escrita dramatúrgica. Nas
citações selecionadas, mantivemos o modelo de destaque dado pelo próprio autor.
2
Aplicação pedagógica do teatro, dentro das escolas, com crianças.
3
Aplicação profissional do teatro, dentro das casas e grupos especializados.
contrário, apresenta-se maleável para que o facilitador4, em cada situação, de maneira
específica, possa selecionar seus procedimentos e estímulos para inserir os alunos-criadores
na tensão dramática e no tema proposto.
4
Na literatura sobre drama é possível encontrar diversos termos distintos para se referir ao professor de teatro
que aplica a técnica: coordenador, líder, professor-ator, entre outros. Aqui, acolho o termo facilitador por
entender que, nessa prática, o professor atua como alguém que facilita o contato entre os alunos e o contato
desses com a linguagem teatral. Nas citações escolhidas, mantive os termos defendidos por cada um dos
autores.
As intervenções do facilitador ficam, dessa forma, restritas a coordenação do processo,
a aplicação de atividades disparadoras do criar cenicamente, a manter o foco da investigação,
a mudar a trajetória quando perceber que o caminho trilhado pela narrativa irá se esgotar
rapidamente, a sempre estimular os alunos, ludicamente, a permanecerem na situação
dramática. Percebe-se, nessa breve e sucinta descrição, que mesmo tentando horizontalizar as
relações e propiciar uma criação de grupo – deixando os alunos encarregados, inclusive, dos
elementos visuais da cena -, sua intervenção ainda é muito forte, valiosa e necessária.
A ênfase no processo, tanto pelo professor quanto pelo diretor teatral, tem por
objetivo lembrar que em qualquer tipo de atividade dramática a preocupação com a
dimensão da aprendizagem, quer do contexto, circunstâncias ou valores focalizados,
quer da linguagem cênica devem estar presentes. Em ambos os casos, se o processo
se desenvolve de acordo com as regras do meio dramático, a experiência poderá ser
considerada pela perspectiva do teatro e/ou da educação (formação do ator e/ou do
indivíduo). (CABRAL, 2012, p 17)
Mas esse processo só se dará plenamente, com envolvimento real e total dos alunos, se
o tema selecionado para tal for do interesse e do conhecimento deles. Somente com o
engajamento dos participantes será possível manter a tensão dramática e toda a aprendizagem
proveniente dela. Além de estar no domínio de interesse deles, o tema também precisa ser
convincente, tanto no tratamento dado a história, quanto nos personagens que ela suscita.
O pré-texto, por sua vez, é a forma como o tema é apresentado aos alunos. É o
primeiro contato dos alunos com o princípio da narrativa, ao mesmo tempo em que é o que
norteia todo o processo criativo e a ele oferece personagens, climas, tensões, acontecimentos.
Pretende envolver os alunos, emocional e intelectualmente, na história que será dramatizada –
e, para isso, há várias formas comumente usadas no drama: estímulo composto, contação de
história, professor-personagem, entre outros. Em outras palavras, o pré-texto é aquilo que “vai
ativar e dinamizar o contexto e as situações do Drama, sugerindo papéis e atitudes aos
participantes, além de apresentar os antecedentes da ação e propor o engajamento do grupo
nas tarefas e papéis necessários ao desenvolvimento da narrativa.” (DESGRANGES, 2006, p
126)
Os episódios, então, são os fragmentos da narrativa maior que vão sendo construídos
sequencialmente durante o processo. No dia a dia da sala de aula, novas atividades são
propostas pelo facilitador para que os alunos deem andamento na criação e façam com que a
narrativa caminhe. Assim,
Por fim, é relevante destacarmos, caso ainda não tenha sido esclarecido, que o texto
dramático, no process drama, é inteiramente construído pelos participantes. Raramente
chegam aos alunos textos completos ou scripts, e, quando chegam, passam por adaptações e
acabam servindo apenas como estímulo inicial para uma criação própria na qual os
participantes se reconheçam enquanto autores.
constitui num modo de criação em que cada um dos integrantes, a partir de suas
funções artísticas específicas, tem espaço propositivo garantido. Além disso, ela não
se estrutura sobre hierarquias rígidas, produzindo, ao final, uma obra cuja autoria é
dividida por todos. (ARAÚJO, 2008, apud CONCÍLIO, 2010, p 1)
Pensando dessa forma, um resumo possível para essa diferenciação é pensar que as
pessoas envolvidas nos espetáculos que podem ser encaixados como “modo funcionalista de
proceder” preocupam-se apenas com a obra finalizada e em circulação, visando uma captação
de dinheiro maior ou um apelo midiático para a produção de determinado encenador. O
processo colaborativo, por outro lado, como o nome anuncia, prima pelo processo – que passa
a ser tão ou mais importante que a obra finalizada.
Nessa corrente de princípios, o criar é visto não como um direito que é concedido a
alguém, mas como uma necessidade do artista – só assim poderá existir o teatro que se deseja.
Esse procedimento exigiria, então, artistas capazes de criar de forma abundante, ou que
estejam dispostos a aprender.
4. Dramaturgia autoral.
Essa formação do artista e do humano também não pode deixar de ser tocada no
âmbito educacional do teatro. Aproveita-se que as crianças têm uma tendência natural pelo
agrupamento (como todo ser humano, na verdade, até que isso seja tolhido) e utiliza-se essa
característica na linguagem teatral para desenvolver um processo criativo que compartilhe
saberes.
E, uma vez que se valoriza o coletivo, o contato, a fricção e a troca de saberes, parece
natural que se valorize também o processo de criação sobre o produto final. O que está em
jogo, tanto no drama quanto no processo colaborativo, é que não há a possibilidade de trocar
sensações, percepções e críticas se não há o tempo de maturação necessário à experiência, se
o espetáculo precisa ficar pronto em um mês. Para criar uma apresentação dentro desses
parâmetros é necessário um tempo para que o grupo ganhe confiança entre os participantes,
para que se sintam à vontade com a criação, para que o tema reverbere neles, para que os
primeiros improvisos gerem resultados, para a chegada das primeiras propostas dos núcleos
criativos, para os primeiros debates sobre as propostas, para um novo processo de criação...
Esse tempo, que também não deve ser apressado ou o resultado final não será
satisfatório, precisa ser vivido. Mas ele só cabe dentro de uma perspectiva que veja no
processo sua razão de existir. Que entenda a pesquisa da narrativa e da linguagem como fonte
necessária de vida para um espetáculo (ou mesmo uma mostra parcial, se pensamos na
escola). Se há essa perspectiva de valorização da descoberta processual da linguagem própria
do grupo, o tempo dilatado pode deixar de ser um problema.
A divisão determinada das funções, deixando claro para todos quem será o (ou os)
responsável pela iluminação, pela cenografia, pelo figurino, pela interpretação, pela
dramaturgia, pela encenação, etc., permite, primeiro, que haja alguém constantemente
preocupado com esse aspecto e, depois, que a sua responsabilidade diante da criação grupal se
torne consciente – principalmente no caso do ensino com crianças.
Ao mesmo tempo, o ato de escolher alguém para ser responsável por um ou outro
elemento é um ato de confiança e um ato de solução de problemas. Quando essa pessoa é
selecionada delega-se a ela o poder de decidir qualquer impasse que diga respeito a sua área e
que não possa ser resolvido coletivamente, o que só acontece porque todo o grupo percebeu
que esta pessoa tem uma aptidão para lidar com aquele elemento. Delegar responsabilidades
ao outro e assumir responsabilidades para si também é um aprendizado constante.
Referências
ARY, Rafael. Princípios para um processo colaborativo. Revista Cena, Porto Alegre, n 18, p
1-7, 2015.
ARAÚJO, Antonio. O processo colaborativo como modo de criação. Revista Olhares, São
Paulo, n 1, p 48-51, 2009.
CABRAL, Beatriz. Drama como método de ensino. São Paulo: Hucitec, 2012.
CONCÍLIO, Vicente. A pedagogia do teatro em processos colaborativos: o caso do Grupo
XIX de Teatro. In: VI Congresso de Pesquisa e Pós-graduação em artes cênicas, 6º, 2010.
Anais, ABRACE, 2010.