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Na Área Metropolitana de Lisboa há quase cem títulos de transporte. Com o fim dos passes
sociais, multiplicaram-se passes de geometria variável que só compensam para
movimentos pendulares e que atingem preços exorbitantes. Em Sintra, o passe que dá para
CP, Scotturb, Carris e Metro chega aos 146 euros mensais. Para quem viva em Palmela, o
passe que inclui Fertagus, Carris, Metro e TST é mais do que 170 euros. Quando sabemos
que quem vive nas periferias mais distantes e usa os transportes públicos são as pessoas
com menos recursos, percebemos que estamos perante preços proibitivos. Ainda por cima,
em muitos casos, em troca de maus serviços.
O preço do Passe L123 é de 70 euros e a maioria dos passes intermodais está acima dos
50 euros. Segundo um inquérito divulgado pela Câmara Municipal de Lisboa (de onde vêm
estes dados que aqui deixo), a população residente na Área Metropolitana de Lisboa está
disponível a pagar 33 euros. A enorme diferença entre o que as famílias podem pagar e o
preço praticado tem este resultado: os passes que custam mais do que 70 euros deveriam
abranger 34% da população de Lisboa, apenas são usados por 1% e correspondem a 5%
das vendas. Os passes são demasiado caros. E são demasiado caros para quem vive mais
longe do centro, geralmente mais pobre, que mais precisaria deles e que menos os usa.
O investimento preparado pelo Governo e pelas câmaras de Lisboa e Porto é das melhores
notícias políticas do último ano. Conseguir baixar para 30 euros o Navegante (para Lisboa)
e para 40 euros o passe para a restante Área Metropolitana teria um efeito revolucionário na
mobilidade na região onde vive mais de um quarto da população portuguesa. Isto
significaria uma redução de 40 a 100 euros de quem vem de Sintra ou de Vila Franca de
Xira e de 50 a 120 euros de quem vem da margem sul do Tejo. No Porto, que conheço pior,
imagino um impacto semelhante.
Em defesa desta medida, a Câmara de Lisboa estima que poderíamos estar perante uma
poupança de 150 euros por agregado familiar na aquisição do passe e, caso decidissem
transferir do carro para o transporte púbico, muito acima dos 200 euros por mês. O que
corresponde a menos 175 mil toneladas de emissão CO2 por ano, menos seis mil viaturas
importadas por ano, menos 75 milhões de litros de combustível, num ganho económico e
social de 600 milhões de euros anuais em troca de um investimento de 60 a 65 milhões de
euros em Lisboa, 20 a 25 milhões no Porto e cinco milhões no resto do país. As contas
poderão ser otimistas, mas ninguém consegue negar que estamos perante um investimento
com enorme retorno, como prova a estratégia usada na generalidade das grandes cidades
europeias.
O apoio aos passes sociais de quem vive nas periferias de Lisboa e do Porto é um
apoio aos mais pobres. Gastam três horas por dia a chegar e ir para o trabalho e são
obrigados a despender uma parte muito substancial dos seus magros rendimentos
para se deslocarem todos os dias. O país tem para com eles o mesmo dever de
solidariedade que tem para com que quem vive em zonas de difícil acesso
Surgiu, a propósito disto, uma estranha polémica: se este investimento deveria ser pago
pelo Estado central ou exclusivamente pelas autarquias envolvidas. No caso, estamos a
falar apenas dos movimentos intermunicipais, já que os intramunicipais serão integralmente
pagos pelas câmaras. O ministro do Ambiente já disse que, a ser incluída no Orçamento do
Estado, tal medida abrangerá todo o país.
As pessoas que vão ser beneficiadas por esta medida não são as que ganham com a
centralidade das duas maiores cidades. Essas, ou vivem nos centros das cidades ou usam
carro. São os prejudicados, que pagam os custos da centralidade sem usufruir dos seus
benefícios. O apoio aos passes sociais de quem vive nas periferias de Lisboa e do Porto é
um apoio aos mais pobres. É nestas zonas, aliás, que vive grande parte da população mais
carenciada do país que não tem de pagar pela demagogia simplista que olha para lisboetas
e portuenses como uma casta de privilegiados. Para além de lidarem com o aumento
galopante do preço da habitação, gastam três horas por dia a chegar e ir para o trabalho e
são obrigados a usar uma parte muito substancial dos seus magros rendimentos para se
deslocarem todos os dias. O país tem para com eles o mesmo dever de solidariedade que
tem para com quem vive em zonas mais remotas de difícil acesso. Uns e outros pagam o
preço de dificuldades de mobilidade.
Acontece que o investimento não pode ser feito exclusivamente pelos municípios. Só em
Lisboa são 18 e isso e é impossível de operacionalizar a partilha de custos dos movimentos
intermunicipais. Se houvesse regiões administrativas a coisa fazia-se e as transferências
teriam em conta as especificardes de cada região. Na realidade, poderíamos distribuir o
dinheiro de forma justa e deixar que cada região definisse as suas prioridades.
Curiosamente, são os mesmos que se opuseram a esta reforma estrutural absolutamente
central os que mais depressa recorrem à demagogia regionalista que explora o
ressentimento de quem se sente abandonado. Com um problema: no interior ainda há
alguma elite local que fala em nome das populações, nas periferias pobres de Lisboa e do
Porto só há mesmo pobres sem capacidade para se fazerem ouvir à mesa do Orçamento.