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Resenhas

sendo um observatório privilegiado de Nos anos de 1960, os periódicos nuidade que representa, das contradi-
todas as evoluções e todas as revolu- testemunham o aumento das revoltas ções do discurso.
ções que ocorrem nos conteúdos, nas contra a escola, a família, o poder, a au- Hoje, no Brasil, com a significati-
formas, nos objetivos e nos ideais de toridade...; o Maio de 1968 é tratado va consolidação dos grupos de pesquisa
educação, de ensino e da formação”. pela maioria das revistas. Esse apoio vai em história da educação, e com a cria-
Assim, os eventos que marcaram esse refletir-se nos anos de 1970, quando ção de associações e da Sociedade Bra-
período, como, por exemplo, a Segunda muitos periódicos adotam uma atitude sileira de Pesquisadores em História da
Guerra Mundial e o Maio de 1968, in- revolucionária ou provocativa, abordan- Educação, espera-se que esta resenha
fluenciam profundamente a produção do temas até então tabus “ sexo, drogas, estimule tanto a organização de um re-
dos periódicos. Do total de periódicos aborto etc.”, falando da má qualidade de pertório da imprensa de educação e de
inventariados nesse período, mais de vida dos jovens, dos desempregados, da ensino, a partir do século XIX, por es-
1.200, 182 aparecem antes da Segunda solidão, do suicídio (idem). tados da federação, estudos do ciclo de
Guerra. Essa guerra, para a autora, Um grupo de periódicos gira em vida de periódicos pedagógicos, isto é,
“provocou uma desorganização mate- torno do espaço escolar, com o objetivo da sua produção, do seu ideário e de
rial e humana nas redações das revistas, de ajudar, formar, informar e orientar os sua recepção no meio educacional. Com
um espaçamento das publicações, uma pais, estudantes e adultos. Assim, as a ampliação da pesquisa em história da
perda de assinantes; no entanto, pou- revistas de educação familiar, destina- educação, torna-se imprescindível a rea-
cos periódicos deixaram de circular de- das no passado às mães de família, ago- lização de um estado da arte que anali-
finitivamente”. Assinala que, por outro ra se dirigem aos pais. A escolarização e se os estudos que utilizam a imprensa
lado, o controle político e a censura fo- a formação de alunos portadores de de- de educação e de ensino como fonte e
ram mínimos, o que possibilitou maior ficiências – físicas ou mentais – é outro como objeto de investigação.
liberdade aos editores, principalmente conjunto significativo de periódicos,
na zona livre da França. que passam a agir em favor da infância Referência bibliográfica
O grande contingente de publica- inadaptada. Muitos títulos de periódi-
ções, no período da Segunda Guerra e no cos também são destinados à formação CATANI, Denice Bárbara; BASTOS,
período imediato ao seu fim, é editado profissional, em todos os ofícios e com Maria Helena Camara. Apresentação.
por movimentos ou associações da ju- diferentes destinatários: pais, educado- In: CATANI, Denice Bárbara; BASTOS;
ventude – laicos ou cristãos. Esses perió- res, professores, trabalhadores. Outro Maria Helena Camara (Orgs.). Educa-
dicos destinam-se a públicos diferentes, conjunto importante de periódicos são ção em revista. A imprensa periódica e a
de acordo com a idade, sexo, formação as publicações internacionais (por história da educação. São Paulo:
escolar, profissão, com o objetivo de exemplo, da Organização das Nações Escrituras, 1997. p. 5-10.
Unidas para a Educação, a Ciência e a
[...] reconstrução de uma nação nova Cultura – UNESCO, da Aliança France- Maria Helena Camara Bastos
sobre valores fortes: tolerância, ami- sa etc.), com o objetivo tanto de incen- Professora de história da
tivar a cooperação internacional como educação Pontifícia Universidade
zade, auxílio mútuo. Através dessa
de manter contato com o pessoal Católica do Rio Grande do Sul
imprensa, pretendia-se agrupar e
expatriado, favorecer as trocas pedagó- E-mail: mhbastos@pucrs.br
enquadrar os jovens, [...] propondo gicas, de educação comparada e diver-
atividades de lazer saudáveis, incul- sos sistemas educativos.
cando valores morais, ao mesmo O estudo do lugar da imprensa
tempo em que abrir seus horizontes. pedagógica no discurso social, as estra- DUTRA, Luiz Henrique de Araújo.

Assim, a palavra “descoberta” é um


tégias editoriais ante os fenômenos edu- Oposições filosóficas; a epistemolo-
cacionais e sociais revelam-se, assim, ri- gia e suas polêmicas. Florianópolis:
tema recorrente: descoberta huma-
cos de informações ao pesquisador para Editora da UFSC, 2005, 191p.
na, descoberta dos jovens dos ou-
o resgate do discurso pedagógico, das
tros países, descoberta científica, práticas educacionais, do cotidiano es-
descoberta da natureza e do espaço colar, do grau de submissão dos profes- O livro mostra-se um valioso
que nos rodeia. (Caspard-Karydis, sores aos programas e às instruções ofi- apoio para quem se encontra no pro-
2000, p. 11 e p. 17) ciais, da ideologia oficial e do corpo cesso de construção de metodologia de
docente, da força de inovação e conti- pesquisa. Trata-se de cuidadosa revisão

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da filosofia da ciência, por meio de mum, compartilhada, e o enunciado de mo lógico se tornou a primeira filo-
oposições filosóficas. A bibliografia re- uma tese: viver pelas aparências “con- sofia da ciência profissionalizada e
úne 130 títulos, enquadrados em uma siste em seguir as manifestações da na-
moderna, deixando para trás as idéi-
divisão didática para a caracterização tureza (inclusive de seu próprio corpo) e
as de filósofos tradicionais, como
das tradições e dos sistemas filosófi- os costumes da sociedade em que se
cos, como mostrarei a seguir. vive (inclusive suas leis e as conseqüên- Platão, Aristóteles e Kant, e pas-
Em primeiro lugar, contrapõe o cias morais que elas acarretam)” (p. 36). sando a ser um domínio específico
ceticismo metodológico e o pirronismo É a diafonia (as vozes discordantes) que de discussão sobre a ciência, centrado
ao dogmatismo, considerando não estabelece o caráter teórico e no tratamento de problemas
existir “uma forma auto-refutatória de dogmático. epistemológicos, e não em doutri-
ceticismo, que coincidiria com a ima- Raciocínio similar é encontrado
nas filosóficas previamente elabo-
gem vulgarizada do cético”. O que na distinção de Quine sobre “enuncia-
radas. (p. 66)
existe é uma “forma metodológica que dos observacionais (aqueles que pos-
deriva da estratégia argumentativa dos suem apenas termos de observação) e
filósofos modernos” (p. 21). Ela é ex- enunciados teóricos (aqueles que tam- Em terceiro lugar, o autor discute o
pressa na atitude dubitativa de Descar- bém possuem algum termo que não naturalismo, doutrina relacionada ao ca-
tes: se “a qualquer momento nossas pode ser considerado significativo ape- ráter problemático da epistemologia: se
opiniões podem ser motivo de dúvida, nas com referência a observações)” (p. “ao estudar o conhecimento humano e as
o mais prudente é, de antemão, duvidar 37). Considerado o salto temporal, a ciências, a epistemologia apenas descre-
de todas elas”. São reconstituídos argu- possibilidade de atualizar a perspectiva ve os fenômenos cognitivos, como a físi-
mentos que levaram ao “ceticismo a cética tem como ponto crucial o pro- ca faria com os fenômenos do movimen-
respeito do mundo exterior”, centrados blema de “saber se as evidências de to” (p.75); ou se está lidando com algo
no solipsismo: qualquer tipo – experimentais ou não – que escapa ao domínio da natureza,
são suficientes para abraçar ou para como processos lógicos e não naturais.
[...] a hipótese da realidade abandonar uma teoria” (p. 43). Essa doutrina opõe-se ao fundacionismo,
Uma segunda tradição abordada pois este quer encontrar conceitos primi-
mental do eu e de que o mundo seria,
pelo autor é o positivismo de Comte e tivos e inatacáveis do sistema do saber
antes de tudo, uma representação de
positivismo do Círculo de Viena. To- humano, e um método para inferir todos
cuja veracidade não estamos certos. os demais conceitos. Associa-se a uma
mando o positivismo como o grande
Assim, o problema é aquele da reali- opositor das doutrinas metafísicas, o “concepção axiomática do saber, que é
dade do mundo físico, do mundo ex- autor apresenta o positivismo de típica da lógica e dos diversos ramos da
terior, o mundo fora da mente. Para Auguste Comte, mas sua ênfase recai matemática” (p. 78), e ao procedimento
a teoria do conhecimento desde en- sobre a postura instrumentalista de que pode ser tomado como “uma regra
Carnap e Neurath. Carnap concentra-se correta” (p. 80). Mas como se corrige
tão, provar a realidade de um mundo
na questão da construção dos objetos, uma regra, até que essa seja uma regra
extramental seria um desafio episte-
projetando uma construção lógica do correta?
mológico lançado pelo ceticismo aos Os naturalistas procuram solu-
mundo para uma ciência unificada e
filósofos. Esta é uma das formas pe- Neurath deu especial destaque ao tema ções falibilistas para compreender o
las quais o ceticismo é debatido pe- das leis. Das críticas ao neopositivismo conhecimento humano e as ciências
los filósofos até hoje. (p. 30) (ou positivismo lógico, ou empirismo empíricas, e criticam a concepção tra-
lógico), a partir dos anos de 1960, dicional e normativa do conhecimento
É retomado o debate sobre o ceti- emergem diversas filosofias da ciência como “crença verdadeira e justificada”
cismo pirrônico que “não nega as apa- alternativas, associadas aos críticos (p. 83). É reconstruído o argumento de
rências, isto é aquelas experiências ime- como Quine, Kuhn, Hanson e Popper. Hume para o tratamento de crenças so-
diatas de sentir ou pensar” (p. 35), mas Como afirma Dutra: bre a constituição e o funcionamento
diferencia a expressão das experiências do mundo, por meio da experiência e
em relação à enunciação de uma tese da observação. O tratamento não é ló-
Entretanto, foi por desafiar a
sobre essas experiências. Adota um cri- gico: “nossa abordagem para discutir e
filosofia tradicional e adotar seus
tério pragmático de demarcação entre a avaliar o conhecimento humano deve
critérios tão estritos que o positivis- ser semelhante a nossa abordagem para
manifestação de uma experiência co-

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compreender outros processos natu- monista, segundo a qual todos os pro- doutrina das faculdades (sensibilida-
rais” (p. 86). O hábito pode ser descri- cessos de que tratam a filosofia e a de, entendimento e razão), a distinção
to por meio de “uma hipótese empírica ciência são partes da mesma natureza entre conhecimento empírico e conhe-
plausível” e não por meio de demons- material do mundo” (p. 130). cimento racional e a demarcação entre
trações lógicas (p. 89). Destaca-se a As versões do behaviorismo ca- as “questões de fundamentos do pen-
epistemologia naturalizada de Quine, racterizadas são: behaviorismo samento em geral e a descrição do
pela qual o autor defende uma nova definicional (que pode ser encontrado mundo da experiência, de acordo com
epistemologia, “que seria a associação em Carnap); behaviorismo analítico os padrões epistemológicos ditados
de ramos da psicologia empírica e lin- (que pode ser encontrado em Gilbert pela filosofia” (p. 160). Apresenta o
güística” (p. 91). Ryle), behaviorismo programático (o tema dos juízos (sintéticos e analíti-
Dutra analisa ainda o instrumen- da psicologia experimental). É apre- cos, operações mentais) e problemati-
talismo (em diversas versões), com- sentado o debate entre crença e com- za a idéia de investigação apenas
preendido como uma concepção segun- portamento, retomando-se o debate como operações mentais. Os
do a qual os enunciados teóricos das com os filósofos modernos (a compa- pragmatistas negam a dicotomia pre-
ciências não podem ser verdadeiros ração de estados mentais com estados sente na idéia segundo a qual se pode
nem falsos, porque não podem corres- físicos) e os empiristas britânicos (opo- “ou agir sem pensar ou pensar sem
ponder a estados de coisas (p. 101). sição a idéias inatas). agir” (p. 167). É com esse princípio
Opõe-se ao realismo, mas os enuncia- Tem, ainda, um panorama das que o pragmatismo nega a separação
dos podem ser considerados instrumen- concepções da filosofia contemporânea tradicional entre teoria e prática.
tos teóricos de predição; essa postura é (Carnap e Quine), em termos empiris- “Dewey fundamenta sua teoria na
denominada instrumentalismo episte- tas, “uma crença é uma disposição do concepção adaptacionista (de tipo
mológico, associada a “uma interpreta- indivíduo, uma disposição para a ação, darwinista) segundo a qual há conti-
ção literal dos enunciados teóricos” (p. ou, mais precisamente, para agir de de- nuidade entre o natural e o social” (p.
102). A posição exemplar é aquela sus- terminada maneira” (p. 139). Invoca-se 168). A investigação é definida como:
tentada por Bas van Fraassen em seu o debate entre internalismo (a ação e o
empirismo construtivo. conhecimento são explicados com refe- [...] a transformação controla-
Ainda que de modo simplificador, rência a entidades e processos mentais, da e dirigida de uma situação
a metafísica pode ser conceituada identificados com fenômenos indeterminada (de dúvida) em uma
como “a questão sobre a realidade do neurofisiológicos) e externalismo (o outra de tal forma determinada de
mundo exterior”, e a ontologia como conhecimento e o comportamento são
modo a converter os elementos da si-
“uma parte da metafísica, ou aquela explicados com referência a fatores
tuação original em um todo unifica-
disciplina que se ocupa do ser, do ente ambientais) (p. 146). E o debate sobre
e do que há”. É da questão ontológica intencionalidade, remetendo-se aos do em suas distinções constitutivas e
que se ocupam os instrumentalistas e “assuntos tipicamente humanos, que relações (uma situação de crença –
os realistas. As considerações são ex- são os temas das ciências sociais em ou assertibilidade garantida). (p. 171)
postas, detalhadas e também resumidas geral”. Os intencionalistas afirmam
em um quadro esquemático, distinguin- que “os behavioristas até hoje foram O leitor poderá obter mais infor-
do-se dois tipos de realismo (as teorias incapazes de lidar com a intencionali- mações sobre Luiz Henrique de Araújo
científicas são verdadeiras ou falsas, as dade” (p. 151). Dutra apresenta, entusi- Dutra em <www.cfh.ufsc.br/~lhdutra>,
entidades inobserváveis existem ou não asticamente, o behaviorismo inclusive sobre o livro de sua autoria,
no mundo) e a oposição a cada um de- teleológico de Rachlin para uma con- Epistemologia da aprendizagem (Rio
les (instrumentalismo e ficcionismo). traposição. de Janeiro: DP&A, 2000), no qual abre
A quinta tradição discutida no li- Finalmente, o autor apresenta um canal com a pedagogia.
vro é o behaviorismo situado em oposi- uma discussão sobre o pragmatismo.
ção ao mentalismo, que deriva da posi- Caracteriza a epistemologia kantiana
ção dualista (Descartes), sobre a enquanto “a forma mais bem acabada Gesuína de Fátima Elias Leclerc
composição do ser humano: corpo e do intelectualismo (ou racionalismo) Doutoranda no Programa de
alma, como substâncias distintas. A ao qual os pragmatistas se opõem” Pós-Graduação em Educação da
partir desse prisma, o behaviorismo (p. 159), enfatizando a teoria de inves- Universidade Federal da Paraíba
“implicaria em uma concepção tigação elaborada por Dewey. Expõe a E-mail: gesuína.leclerc@terra.com.br

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