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2008 121
RESUMO
Introdução
U
ma das fundamentais preocupações da psicologia social, a partir da dé-
cada de 70, é elaborar uma compreensão a respeito do homem que
garanta seu caráter social e historicamente construído1. Esta discipli-
na tem procurado um diálogo com outras disciplinas das ciêncas humanas,
em especial, a filosofia, buscando fundamentar tanto a partir do ontológico,
por palavras, que por sua vez, designam objetos, e o significado da palavras é
o objeto. De acordo com esta perspectiva, na medida em que reconhecemos
o sentido da sentença, somos obrigados a procurar objetos no mundo que
cumpram as funções de significado da palavra.
A partir de uma perspectiva holista, o que autor põe em questão, além de
fazer uma crítica do ponto de vista empírico, é o caráter lógico-semântico que
estrutura afirmações filosóficas, através de frases descritivas que têm a preten-
são de verdades, sempre que possível, absolutas. A principal crítica é relativa à
noção de linguagem privada, centro do erro mais grave da filosofia metafísica,
segundo a qual o significado das palavras designa objetos, de forma que no
âmbito privado “as expressões de uma linguagem adquirem o seu sentido na
base do estabelecimento de uma ‘misteriosa’ ligação entre os seus termos e os
objetos que eles denotam”2.
Frases com caráter descritivo que têm a pretensão de verdades assumem um
perfil filosófico, provocando no leitor ou ouvinte uma impressão de obviedade,
do tipo “é isso mesmo!”. Frases como, por exemplo, “só eu posso sentir as minhas
dores” é típico deste jogo de linguagem, provocando grandes desastres no âmbito
das regras gramáticas e também no âmbito das discussões epistemológicas e onto-
lógicas, às quais a filosofia tem prestado seus serviços ao longo dos séculos e, mais
recentemente, a psicologia autorizada pelo dito ”discurso científico”.
Wittgenstein via o ser humano como uma unidade psicofísica, e não uma
anima ligada a um corpo, pois, são seres humanos em sua totalidade, e não
mentes, que percebem e pensam, desejam e agem, sentem alegria ou tristeza.
Segundo Wittgenstein, tanto os cartesianos quanto os empiristas concebiam
o interno como algo “privado”, algo que só é verdadeiramente conhecido pelo
sujeito por introspecção. Entretanto, o autor nega que a introspecção seja uma
faculdade do “sentido interno”, ou uma fonte de conhecimento de qualquer
tipo de experiência privada , vendo o homem como um ser vivo no fluxo da
vida3. Enquanto behavioristas (que pensam que inferimos o interno a partir
do externo) e cartesianos (que afirmam o contrário) representaram a conduta
ZILHÃO, A. “Porque é Que a Minha Mão Direita Não Pode Oferecer Dinheiro à
2
o que está se passando consigo mesmo (muito embora seja possível perceber,
por exemplo, que tal dor é sintoma de angina, ou que tal intenção é indeco-
rosa). “Eu pensei que tinha dores, mas estava enganado” não faz sentido; 4.
não existe isso de se verificar o que foi dito olhando-se mais de perto (o que
fazemos, em determinados casos, é refletir mais um pouco), nem há a com-
paração daquilo que se tem (uma dor, um pensamento, uma emoção) com
paradigmas de correção ou precisão descritiva; 5. como já foi dito, não existe
aqui conhecimento ou ignorância, certeza ou dúvida, mas apenas indecisão:
“Não estou certo sobre o que farei” não significa que tenho a intenção de fazer
algo, mas ainda tenho de descobrir o quê; pelo contrário, significa que ainda
não me decidi. Segundo Hacker4 nada disto significa que não haja descrições
de estados psicológicos. O que faz que uma forma verbal seja a descrição de
um estado psicológicos é o contexto enunciação, o discurso que a antecedeu,
o tom de voz do falante e seus propósitos.
Insistente na veracidade da sua tese, o opositor poderia argumentar
que “outra pessoa poder ter uma dor igual à minha, mas não IDÊNTICA”.
Ora, uma afirmação deste tipo também não resolve o problema, pois pres-
supõe aí um critério de identidade. Vejamos: em primeiro lugar, o opositor
compreende DOR como um objeto, uma coisa, como moeda, mesa, cadeira
etc. Então, os critérios para identificação das dores, minhas e alheias, seria
o espírito, assim para um objeto qualquer, o espaço, tamanho, forma etc.
Mas o critério de identificação não pode ser o espírito, logo não há critério
de identidade e, portanto, a frase não pode ter caráter de verdade descritiva.
As palavras nem sempre designam objetos, e DOR não é um objeto, é uma
palavra que, sem dúvida tem um significado, mas o significado de uma pa-
lavra não é um objeto.
Em síntese, aquelas duas sentenças têm pretensões descritivas que nunca
são cumpridas. Grande parte das teses filosóficas que servem de base para a
psicologia, e que dizem respeito aos estados psíquicos, sofrem do mesmo tipo
de mal: uma aparência descritiva, com caráter de verdade filosófico-científica,
mas que são realmente vazias de conteúdo descritivo e carentes do ponto de
vista lógico-semântico. Todas as sentenças que pretendem indicar a tese da
privacidade têm estas características.
Ibid., p.40.
4
Litaiff, Aldo e Maheirie, Kátia
126 Wittgenstein e Sartre: breves aproximações acerca das críticas à possibilidade das linguagens privadas
5
WITTGENSTEIN, L. J. J. Investigações filosóficas: Os pensadores. São Paulo: Nova
Cultural, 1989, p.109.
Cardernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura e humor, no 37, p. 121-133, 2º sem. 2008 127
7
SARTRE, J. P. El ser y la nada. Buenos Aires: Losada, 1983.
Cardernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura e humor, no 37, p. 121-133, 2º sem. 2008 129
10
SARTRE, J.-P. El ser y la nada, p.18 e 28.
11
SARTRE, J.-P. “Uma Idéia Fundamental da Fenomenologia de Husserl: a Intencionalida-
de”. In: Situações I. Lisboa: Publicações Europa-América, 1968, p. 31.
Cardernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura e humor, no 37, p. 121-133, 2º sem. 2008 131
13
MAHEIRIE, K. e K. França, “Vygotski e Sartre: Aproximando Concepções Meto-
dológicas na Construção do Saber Psicológico”. Psicologia & sociedade, n. 19, v. 1,
p. 23-29, jan/abr 2007.
Cardernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura e humor, no 37, p. 121-133, 2º sem. 2008 133
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WITTGENSTEIN AND SARTRE: REFLECTIONS ON THE CRITI-
QUE OF THE NOTION OF A ‘PRIVATE WORLD’ OR ‘PRIVATE MIND’