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setembro de 2006
abem
Do discurso utópico ao
deliberativo: fundamentos,
currículo e formação docente para
o ensino de música na escola
regular
Resumo. Este ensaio discorre sobre a transposição de preceitos “utópicos” da educação musical
para as deliberações curriculares, discutindo-se os conceitos fundantes da disciplina e as
possibilidades do fazer musical na escola regular. Como partir de uma concepção de currículo
rizomática para uma proposta curricular concreta sem que se perca o sentido da flexibilidade, da
oportunidade e do encontro? O artigo pretende contribuir para o debate acerca das questões
relativas à prática da educação musical na escola regular propondo um modelo de currículo semi-
aberto, cujos conteúdos são declarados em uma matriz curricular experimental. Esta é ilustrada por
meio de relatos e está sendo testada em um programa de formação continuada para professores de
música não especialistas que atuam em escolas regulares.
Abstract. This paper argues about the transposition between “utopian” principles for music education
and curricular decisions, discussing the funding concepts of the discipline and the possibilities of
music making in schools. How to jump from a rhizomatic conception of curriculum to a concrete
curricular proposal without losing the sense of flexibility, opportunity and encounter? It aims at
contributing to the debate about questions related to the practice of music education in schools
proposing a semi-opened model of curriculum, which contents are declared in an experimental
curriculum matrix. This is illustrated by reports and is being tested in a non-specialist in-service
teacher training program.
A música enquanto disciplina curricular enfren- descompasso entre a concepção teórica dos docu-
ta cotidianamente o desafio de (re)construir sua iden- mentos oficiais e a prática da educação musical
tidade e resgatar sua credibilidade, ambas abaladas enquanto disciplina no contexto das escolas regula-
desde a Lei 5692/71. Embora a Lei de Diretrizes e res. Questões relativas à qualificação do corpo do-
Bases 9394/96 (Brasil, 1996) tenha trazido a pro- cente e aos pressupostos teóricos e metodológicos
messa da volta do ensino da Arte na educação bási- norteadores dessa prática são amplamente discuti-
ca, é improvável que algumas distorções sejam das na literatura recente (Abem, 2004; Beineke, 2004;
corrigidas em curto prazo. Observamos um sonoro Bellochio, 2003; Figueiredo, 2004; Hentschke; Del
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FRANÇA, Cecília Cavalieri. Do discurso utópico ao deliberativo: fundamentos, currículo e formação docente para o ensino de música
na escola regular. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 15, 67-79, set. 2006.
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Ben, 2003; Santos, 2005, entre outros). Enquanto fase prescritiva do processo, e o avaliativo e o cien-
isso, vemo-nos em longos “compassos de espera” tífico, relativos à sua fase descritiva.
por concursos e contratação de corpo docente es-
pecialista. Paralelamente, crescem, tanto em número Os níveis utópico e deliberativo, que compõem
quanto em vitalidade, as iniciativas independentes a fase prescritiva do planejamento educacional, des-
por parte de diretores e professores unidocentes com crevem a educação como ela deveria ser. O discur-
formação musical de nível médio que tomam para si so utópico define-se como idealista, pois parte da
a responsabilidade de colocar a música no contexto reflexão sobre qual modelo de educação seria prati-
escolar. cado em condições de trabalho ideais. Com o res-
paldo da filosofia, psicologia e sociologia são vis-
Em sintonia com essa realidade, concebemos lumbrados objetivos gerais que projetam o pleno de-
o Projeto Cultural Maria Fumaça,1 um programa de senvolvimento humano. Esse nível de discurso
formação continuada que tem como meta contribuir desconsidera – propositalmente – a viabilidade de
para otimizar a prática pedagógico-musical de pro- se concretizar tais objetivos, pois apenas os projeta
fessores não especialistas que atuam em progra- como desejáveis para todos os indivíduos. Um
mas musicais nas escolas regulares. O projeto é referencial assim distanciado do contexto específi-
conjugado com uma pesquisa observacional exten- co de ação permite que a prática educacional se
siva nas escolas e cujos dados deverão iluminar todo norteie por ideais mais elevados.
o programa. Nossa meta de médio prazo é delinear
um modelo semi-aberto de currículo respaldado por Ao se aproximar da prática, deve-se então
fundamentos conceituais e teóricos contemporâne- considerar a viabilidade de se atingir aqueles ideais
delineados anteriormente. Aportamos no nível
os. Ao longo do curso serão elaborados e testados
deliberativo, onde são traçadas diretrizes educacio-
estratégias, atividades e repertórios potencialmente
nais mais imediatas. Aqui é preciso adaptar aquele
capazes de promover experiências musicalmente
referencial utópico às condições reais do contexto
significativas que possam otimizar a aprendizagem
onde ocorrerá a ação educacional, perguntando-se
dos alunos. A partir da definição de princípios e fun-
“o que é (o melhor) possível (a) ser feito neste con-
damentos que subsidiem a ação educacional, os
texto específico?” Esse nível de discurso, compro-
professores serão encorajados a traçar planejamen-
metido, portanto, com a realidade da sala de aula, é
tos contextualizados e comprometidos com o de-
de caráter mais pragmático e circunstancial. O dis-
senvolvimento de seus alunos, partindo da apropria-
curso utópico agora é filtrado pelas peculiaridades
ção do seu ambiente sociocultural para a ampliação
contextuais, adquirindo tantas formas quantas práti-
dos seus horizontes musicais.
cas existam. Estas serão incorporadas nas propos-
O projeto fundamenta-se em uma triangulação tas curriculares e nos programas e planejamentos
teórica entre contribuições da filosofia da educação de ensino específicos.
(Walsh, 1993), da educação musical (Swanwick, Poder-se-ia questionar a legitimidade do dis-
1999) e da metodologia da educação musical (Fran- curso utópico, uma vez que este dificilmente será
ça, 2003a; Swanwick, 1979; Swanwick; Taylor, 1982). atingido em sua plenitude. Sabemos que, na maio-
Esse referencial, que representa a concepção ideo- ria das vezes, as condições de trabalho são bem
lógica, artística e pedagógica do projeto, é apresen- diferentes daquelas idealizadas. Entretanto, não é
tado a seguir. possível delinear um planejamento transformador no
nível deliberativo sem aquela referência utópica. Esse
O modelo de Walsh como referencial
plano idealizado deve permanecer em perspectiva,
filosófico-educacional
como um ponto de fuga para onde nossos esforços
Paddy Walsh (1993, p. 52-62), filósofo da edu- deverão ser dirigidos. Sem esse ideal claro em men-
cação, propõe uma teoria educacional que sistema- te, esvazia-se o sentido da luta pela melhoria da
tiza diferentes perspectivas a partir das quais pode- educação em todos os níveis: acostumamo-nos com
mos abordar e refletir sobre a educação. Em um a noção de menos-valia e acomodamo-nos às pre-
modelo teórico multidisciplinar, o autor distingue qua- cárias condições em que se encontra a nossa disci-
tro formas de discurso2 em torno da ação educacio- plina nas escolas. O discurso utópico não é alheio à
nal: o utópico e o deliberativo, correspondentes à realidade. Ao contrário, projeta a realidade ideal, aque-
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1
Curso de Extensão “Projeto Cultural Maria Fumaça: Educação Musical na Escola Regular”, da Escola de Música da UFMG.
2
Define-se discurso como uma forma de investigação, discussão e exposição (Walsh, 1993, p. 52-53) que apresenta características
próprias e inerentes ao seu respectivo campo teórico.
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la que acreditamos ser o direito de todos e o dever discutimos os conceitos fundantes da disciplina e
dos provedores da educação. Portanto, esses dois as possibilidades do fazer musical na escola. Em
níveis prescritivos, utópico e deliberativo, são seguida apresentamos uma matriz curricular experi-
simbióticos e complementares: enquanto o primeiro mental para o ensino fundamental, ponto de partida
é mais distanciado, o segundo é mais orientado para no nosso projeto. Posteriormente, a metodologia de
a ação em contextos específicos. trabalho é exemplificada. Não pretendemos abarcar
todos os problemas conceituais ou procedimentais
A contrapartida dos níveis prescritivos é da disciplina, mas, antes, contribuir para o debate
estabelecida através de contínua reflexão e avalia- acerca de alguns questionamentos que nos cercam.
ção dos resultados alcançados, tarefa dos níveis
descritivos do discurso educacional: o avaliativo e o Rizomas e matrizes
científico. Se os níveis prescritivos descrevem a edu-
cação como ela deveria ser, os níveis descritivos a A celebrada imagem do rizoma é uma notável
apresentam como ela é. O avaliativo analisa e julga metáfora da contemporaneidade. O termo, empres-
a ação educacional dentro do seu contexto, tendo tado da botânica (um tipo de caule que cresce hori-
em vista sua aferição imediata. É conectado ao nível zontalmente passando por diferentes pontos subter-
deliberativo, no qual são traçados os objetivos a se- râneos) e ampliado pelos filósofos Deleuze e Guattari
rem alcançados; esses dois níveis interagem e se (1996), passou a integrar vários dialetos, do cinema
redefinem continuamente. Já o discurso científico é à cibernética e – por que não – à música (Borges;
comprometido com a busca de explicações para os Fontes, 2005; Kreinz, 2004, entre outros).
resultados atingidos (ou não) na transação educaci-
A metáfora do rizoma tem como fundamento
onal. Aqui têm lugar os estudos sistematicamente
a multiplicidade. Sugere uma rede de idéias com inú-
conduzidos acerca de situações de ensino problema-
meras possibilidades que podem se conectar a ou-
tizadas, em busca de respostas e (re)direcio-
tras em direções múltiplas conforme oportunidades
namentos. Essas duas formas de discurso, avaliativo
lhe apareçam. É antes um processo que um produ-
e científico, descrevem a ação educacional de ma-
to, aberto, alterável, modificável, sempre em cons-
neiras diferentes: o primeiro, vinculado ao contexto
trução. Acima de tudo, comporta diferentes entra-
da ação educacional; o segundo, de forma mais dis-
das e permite fazer conexões criativas, uma vez que
tanciada e objetiva.
um ponto pode conduzir a qualquer outro, sem obe-
Os quatro níveis de discurso sobre a educa- decer a uma direção fixa ou previsível.
ção propostos por Walsh (1993) são inter-relaciona-
Trazida para a educação, essa imagem proje-
dos e se realimentam dinamicamente. Paulatinamen-
ta um currículo flexível, apto a aceitar diversas confi-
te, contribuições filosóficas reiteram ou redefinem os
gurações pedagógicas. Ou seja, rizoma simboliza
ideais educacionais do nível utópico. Fracassos per-
uma concepção curricular aberta. Ao contrário da vi-
cebidos no nível avaliativo provocam revisões no ní-
são do ensino como uma “árvore do saber”, que
vel deliberativo. Descobertas no nível científico po-
engessa os conteúdos em listas hierárquicas e cris-
dem mudar o curso dos níveis prescritivos – e assim
talizadas, compartimentalizando-os, o pensamento
por diante. Somente a clareza quanto às diferentes
rizomático provoca ligações não lineares entre os
formas de se pensar a educação permite-nos con-
conteúdos, convidando à experimentação.
ceber um projeto educacional mais consistente e,
ao mesmo tempo, considerar contextos específicos A idéia do rizoma acabou ancorando na praia
por meio do estabelecimento de objetivos construídos da educação musical. Weichselbaum (2002) e San-
reflexiva e coletivamente. No nosso projeto de aper- tos (2001) discutem questões curriculares a partir
feiçoamento profissional, cada professor será desa- de incursões ao pensamento rizomático. A chama-
fiado a reavaliar sua prática a partir do entendimento da do XI Simpósio Paranaense de Educação Musi-
de fundamentos e princípios gerais que norteiam a cal, em 2005, intitulado “Por uma Educação Musical
educação musical contemporânea (discurso utópi- Rizomática”, propôs uma reflexão sobre um “currí-
co), procurando contextualizar tal embasamento, culo aberto, que se deixa revelar nas brechas, nas
formatando seu planejamento cotidiano (nível linhas de fuga, e que faz emergir possibilidades que
deliberativo) de forma crítica e criativa. escapam a qualquer controle”.
Este presente texto se concentra na etapa Mas se por um lado um currículo fechado
prescritiva do processo educacional, uma vez que ameaça engessar o planejamento, por outro, uma
os níveis descritivos – avaliativo e científico – cons- postura radicalmente rizomática pode esvaziar um
tituirão objeto de estudo no decorrer da pesquisa. programa educacional. Temo que a nova moda, se
Partimos de algumas reflexões sobre o currículo, não compreendida na sua essência, faça dos pro-
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fessores sujeitos errantes, nômades em um mar de des de planejamento didático, denotando que é pos-
rizomas, perdidos. Enquanto educadores musicais, sível transitar livremente – rizomaticamente – pelos
trabalhamos incansavelmente no sentido de cons- pontos de interseção entre as modalidades e os con-
truir nossa identidade epistemológica. Nossa disci- ceitos fundantes a partir de vários pontos de entrada
plina tem conteúdos, técnicas e procedimentos pró- (esse processo será ilustrado nas atividades descri-
prios, consistentes e coerentes. É preciso ter algum tas mais adiante). Através do envolvimento ativo com
norte, ou ficaremos a vagar sem propósito num ema- obras musicais próprias ou da literatura, os alunos
ranhado vale-tudo. É preferível pensar não em um desenvolvem progressivamente a sua compreensão
currículo instável, mas em um flexível, arejado. Não musical, bem como competências funcionais (técni-
um professor nômade, mas alerta o suficiente para cas) que viabilizam a participação musical ativa.
aproveitar oportunidades de aprendizado em todo
lugar. Não em controle, mas direção, para assegurar Os conceitos fundantes
a aprendizagem de conteúdos e procedimentos fun-
Materiais sonoros, caráter expressivo e forma
damentais da nossa disciplina.
constituem as dimensões primordiais e cumulativas
Dessas questões decorrem importantes im- do discurso musical (Hentschke, 1993; Swanwick,
plicações curriculares e metodológicas. Como partir 1994). Nesta presente reflexão, optamos por nos refe-
desta concepção rizomática (utópica) para uma pro- rir a esses elementos como conceitos fundantes da
posta curricular (deliberativa) sem perder o sentido disciplina. Pela centralidade que estes assumem na
da flexibilidade, da oportunidade, do encontro? Acre- literatura contemporânea, entendemos que podem ser
dito ser possível achar um ponto de equilíbrio entre considerados pilares de uma proposta curricular – ou
ambas. No nosso projeto de formação de professo- seja, os seus conceitos estruturadores. Freqüente-
res, os diversos elementos musicais são apresenta- mente observamos programas de educação musical
dos através de uma metodologia que parte da per- resumidos aos tradicionais “parâmetros” musicais (leia-
cepção corporal, sensorial e afetiva, da reação, rea- se: altura, duração, timbre, intensidade), tidos como
lização e criação, para posterior representação (grá- ponto de partida e chegada de todo um trabalho de
fica, contemporânea e tradicional) e abstração percepção, raramente musical. Dentro de programas
conceitual e teórica, legado de expoentes como assim constituídos, poucas são as oportunidades que
Dalcroze, Willems, Orff e Schafer. Às citadas contri- os alunos têm de avançar além de uma mera execu-
buições, agregamos a matriz que Swanwick (1994, ção soletrada de tais elementos.
p. 161) apresenta ao final de seu Musical Knowledge,
Uma vez dominados os ditos padrões, suas
adaptada na Figura 1, abaixo.
possibilidades expressivas devem ser vivenciadas na
apreciação de peças estrategicamente selecionadas
Figura 1: Matriz de Swanwick: “Uma estrutura para o
currículo de música”
e em propostas de criação e performance (França,
2003a). Nessas ocasiões, aqueles elementos ga-
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bemos uma matriz curricular experimental para o Tópico 2: Modos rítmicos básicos e noções
ensino fundamental de música (1a à 4a série). En- de compasso
quanto a primeira é sintética, econômica e de natu- Perceber e realizar o pulso.
reza procedimental, a nossa expressa um exercício
Diferenciar entre música com e sem pulso regular.
necessário no dia-a-dia da escola: explicitar, de for-
ma detalhada, habilidades cognitivas (expressas nos Identificar e realizar o acento métrico (apoio).
verbos “identificar”, “associar”, “reconhecer”, “criar”, Classificar o acento métrico como binário, ternário
etc.) e conteúdos a elas associados. Não a procla- ou quaternário.
mamos exaustiva, nem definitiva ou original. Espe- Distinguir entre músicas com e sem anacruse.
ramos, sim, provocar o diálogo, admitindo revisões e
Perceber e realizar a divisão do pulso.
eventuais mudanças de curso. A matriz representa
um mapa de possibilidades e deve ser encarada a Diferenciar entre divisão binária e ternária do pulso.
partir de uma concepção rizomática, pois permite Perceber e realizar o ritmo real.
múltiplas entradas e linhas de fuga – tanto quanto a Produzir gráficos proporcionais de ritmo real.
matriz de Swanwick. Os diversos tópicos se entrela- Identificar o ritmo real a partir da notação gráfica.
çam e se encadeiam, permitindo incursões recípro-
cas. A matriz está organizada em seis temas que se Distinguir entre os modos rítmicos básicos.
desdobram em vários tópicos. Essa organização é Reconhecer os modos rítmicos básicos no re-
meramente didática e permite, especialmente ao pertório de apreciação e de performance.
professor iniciante, visualizar o território da nossa Criar arranjos a partir dos modos rítmicos.
disciplina. Colabora para traçar percursos que visi-
tem os diversos conteúdos sem compartimentalizá-
Tópico 3: Tempo
los. Isso é especialmente favorecido mediante a ado-
ção da estratégia de projetos, que consistem em Identificar e realizar variações de andamento.
atividades que se desdobram em várias etapas que Associar andamentos variados a eventos, obje-
conectam rizomaticamente diferentes tópicos, ex- tos, fenômenos naturais, animais e outros.
plorando diversos aspectos dos conceitos fundantes. Classificar eventos e objetos do meio social e da
natureza conforme o andamento.
MATRIZ CURRICULAR PARA O ENSINO
FUNDAMENTAL DE MÚSICA (1a à 4a SÉRIE) Identificar e realizar variações de agógica.
Associar variações de andamento a mudanças
TEMA 1: DURAÇÃO de caráter e à forma.
Criar climas expressivos a partir de indicações
Tópico 1: Curto e longo de andamento.
Diferenciar entre sons curtos e longos, não pro-
porcionais e proporcionais. Tópico 4: Padrões rítmicos básicos
Realizar sons curtos, longos e silêncio sob re- Diferenciar e realizar pulsos de som e de silêncio.
gência.
Associar pulsos de som e de silêncio à repre-
Registrar graficamente seqüências de sons cur- sentação gráfica.
tos, longos e silêncio.
Identificar figuras rítmicas e suas pausas.
Realizar sons curtos, longos e silêncio a partir
Associar gráficos de som e de silêncio às se-
da notação gráfica.
qüências rítmicas.
Identificar sons curtos e longos presentes no co-
Reconhecer e realizar seqüências rítmicas com
tidiano e na natureza.
semínima e pausa de semínima.
Reconhecer padrões de sons curtos, longos e
Compreender e realizar a relação de dobro e de
silêncio e associá-los à notação gráfica.
divisão do pulso.
Reconhecer padrões de sons curtos e longos no
Reconhecer e realizar seqüências rítmicas com
repertório de apreciação e de performance.
duas colcheias, semínima, mínima e suas pausas.
Criar peças explorando sons curtos, longos e si-
Identificar o número de pulsações contido nas
lêncio.
seqüências rítmicas (base semínima).
Criar audiopartituras utilizando notação gráfica de
Reconhecer padrões rítmicos conhecidos no re-
sons curtos e longos, não proporcionais e pro-
pertório de apreciação e de performance.
porcionais.
Criar frases musicais com os padrões rítmicos
básicos.
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Listar e ordenar seqüências de terças. tos ou motivos que se encadeiam em estruturas mais
Distinguir entre seqüências de terças ascenden- complexas). Gradualmente, conteúdos apreendidos
tes e descendentes. vão conduzindo a novos conteúdos, as conexões se
tornam mais consistentes e as atividades mais ela-
Associar seqüências de terças à escrita gráfica.
boradas tecnicamente.
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do através de atividades com bola, batimentos cor- escola regular. Iniciamos o projeto Maria Fumaça com
porais, jogos com cartões e cartelas (Mares Guia; a proposta de sonorização de uma “viagem de trem
França, 2005), exercícios orais e escritos. A direcio- de ferro” a partir da visualização de uma foto. Diver-
nalidade sonora também deve ser vivenciada primei- sos timbres vocais, corporais e de outras fontes so-
ramente de forma sensorial, através de movimentos noras foram combinados em texturas variadas. Ex-
corporais conjugados com a vocalização e percep- ploramos a questão expressiva dos andamentos lento
ção de subidas e descidas, cuja grafia será desco- e rápido, do acelerando e do rallentando, conjuga-
berta pelos alunos. Em seguida, esta será trabalha- dos com a movimentação corporal. Em seguida,
da através de atividades e jogos de leitura e reco- apresentamos a canção (o arranjo original do CD) e
nhecimento (Mares Guia; França, 2005). A aprecia- passamos à aprendizagem e performance da mes-
ção de peças que exploram subidas e descidas na ma. No primeiro momento, focalizamos os aspectos
sua escrita – como Rapsody in Blue, de Gerswhin, estruturais e expressivos do arranjo: a forma (intro-
Odeon, de Nazareth, o terceiro movimento do Quin- dução, repetições, com destaque para a modulação,
teto em Mi Bemol, de Schumann, e outras – é funda- e coda), as variações de andamento, o caráter vi-
mental para a compreensão das possibilidades ex- brante e ao mesmo tempo doce da peça.
pressivas desses elementos. Da mesma forma, a
criação a partir desses elementos possibilita sua Conduzimos, então, uma apreciação mais
aplicação musical imediata. Oportunamente, os dois analítica na qual os alunos foram provocados a per-
temas – nomes de notas e alturas – são associados ceber timbres, texturas, melodia e acompanhamento
na performance de canções como O Sabiá, de e a descobrir o movimento melódico ascendente e
Carmem Mettig, e Minha Canção, de Chico Buarque, descendente de cada frase da melodia. Em segui-
que preparam o caminho para a percepção do perfil da, pedimos que registrassem no quadro o gráfico
melódico da canção Maria Fumaça. de cada frase (habilidade já trabalhada anteriormen-
te), a partir do qual realizamos atividades de leitura e
O relato que se segue é derivado da nossa reconhecimento. A etapa seguinte consistiu da en-
pesquisa observacional em uma turma de segunda toação da melodia com os nomes das notas e com
série (atualmente correspondente à terceira) de uma diferentes tônicas3 e da escrita e leitura relativas no
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Lembramos que a utilização de diferentes “chefes” (tônicas) não é possível dentro da metodologia de solfejo do “Dó Móvel”.
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pentagrama. A percepção rítmica foi trabalhada sen- unânime foi “achei chato”. Tal reação negativa dos
sorial e graficamente a partir da diferenciação entre alunos desencadeou decisões pedagógicas que pro-
os padrões de sons curtos e longos. Após essa eta- piciaram uma experiência muito mais rica do que a
pa analítica, retornamos à performance da canção, proposta inicial de apreciação, e que se desdobrou
iluminada pela compreensão dos diversos elemen- em um projeto que se estendeu por várias aulas.
tos musicais que transformaram um mero pentacorde
em uma “viagem” ricamente musical. Complementa- Coincidentemente, o motivo inicial da peça é
mos o projeto com a apreciação de outras peças formado por um familiar “fá#, ré, si, sol, mi”, terças
que tinham em comum essa temática, incluindo O descendentes correspondentes às notas nas cinco
Trenzinho do Caipira, de Villa-Lobos. linhas da clave de sol – essa foi a porta de entrada
para a obra de Brahms. Os alunos “tiraram” esse
Inúmeros temas e tópicos da nossa matriz motivo de ouvido e o escreveram no pentagrama.
curricular foram trabalhados: curto e longo, tempo, Constatada a familiaridade com o tema de Brahms,
direcionalidade sonora, timbre, caráter expressivo, passaram a trabalhar numa composição a partir da-
cultura musical, forma, textura, melodia e acompa- quelas cinco notas. Delas derivaram dois acordes:
nhamento, notação gráfica e notas musicais (inclu- si menor (“si, ré, fá#”) e mi menor (“mi, sol, si”). Uma
indo solfejo relativo). O projeto permitiu trabalhar os aluna, ao piano, encontrou dificuldade para deslocar
conceitos fundantes de forma integrada, partindo da a mão entre os dois acordes. Assim sendo,
criação (sonorização) para a apreciação e perfor- (rizomaticamente) aprenderam sobre inversão de
mance da canção. Esse processo pode ser visualizado acordes: “mi, sol, si” transformou-se em “si, mi, sol”;
na matriz de Swanwick (1994) – Figura 3, abaixo. dessa forma, a pequena pianista manteria o mesmo
baixo (si) para os dois acordes. Estes foram alterna-
dos sob a melodia das cinco notas descendentes,
Figura 3: Percurso do Projeto Maria Fumaça
repetidas duas vezes, finalizando-se com acordes
também no registro agudo. O caráter dessa peque-
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mitir através do texto o vigor da experiência e o im- al das cinco notas, com o qual passamos à compo-
pacto causado em todos nós. Aquela primeira im- sição (2) com caráter expressivo semelhante ao do
pressão negativa foi transmutada pela compreensão Intermezzo. Finalizado o tema, passamos à criação
e apropriação de um dicionário expressivo intimista, das variações (3), que foram organizadas em uma
delicado, quase dramático. A experiência de compo- estrutura mais complexa, que rendeu várias experi-
sição com as mesmas notas utilizadas por Brahms, ências de performance, entre ensaios e apresenta-
não obstante a simplicidade técnica composicional ções (4). Retornamos a Brahms (5), culminando com
e instrumental empregada, construiu uma relação a poderosa experiência do (re)conhecimento, a sen-
afetiva e de empatia com aquela obra e seu criador, sação de ouvir as “nossas” terças se desdobrando
de quem os alunos quiseram aprender sobre a vida, em longas em profundas melodias.
obra e estilo. Nosso Tema e Variações foi batizado
em sua homenagem. Praticamente todos os temas e tópicos da
nossa matriz curricular foram visitados nesse proje-
Figura 5: Percurso do Projeto Homenagem a Brahms
to: modos e padrões rítmicos, tempo, compasso,
direcionalidade sonora, grave e agudo, padrões me-
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Recebido em 27/02/2006
Aprovado em 10/04/2006
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