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N19 | Novembrodez0% Urdimento CRETE kee aU orca teas Ber ee er a Vee Bo Observado uma proliferacio de uso de coisas, objtos, talhaem vasios trabalhes de danca experimental e peyformanceartrecentes, proponho nove teses preliminares sobre tal fendmeno, Partindo do cenceito de disposi” emGiorgo Agamben, e da suaexpansio para la dos limites com os quais Michel Foucault o havia definido, fecoemcomo Agamben diagnostica uma onipoténciano ceme do dispostyfe que determina a subptividade contempordnes como essencialmente subjugada ao jugo de objetoo-digpoaiifs Extraio desta nocio, por via da obra de Fred Moten emestudes da performance ¢ estudos criticos de raca, anecessidade de um movimento de co-liberacio de sujeitose objetos desse modo de supicio 20 digosit Com Karl Marxe Guy Debord, sssocio essa liberagio a uma rejeigdo do objeto como dsposity-mercadaria, e procuro a afumagio objetiva-subjetiva da eis. Invocando um paralelo como devir-animal que alguma dangae performance buscam desde os anes 1960, preponho um devir-cist na danca.e performance recente, onde tanto objetes como suites se libertam dojugo do iisposti-mercadoria e de nodes de instrumentalizagio. Neste devi-oist na danga, = ‘teorias de Mario Pemiola e Silvia Benso sf fundamentais, PALAVRAS-CHAVE: Dispositiv, desi, danga experimental, performance, subjetividade PU (Observed a proliferation in the use of things, objects, stufin various recents experimental dance works and performance at, prop ose nine preliminaries thesis on ‘this phenomenon Based on the concept of "disposi in Giorgio Agamben, and ont, expansion beyond the limits with which Michel Foucault had previously defined this concept, focus on how Agamben diagnoses an omnipotence atthe heart of dispositifs ‘which determines contemporary subjectivity as essentially subjugated to the yoke of object disposi. I extract from this notion, trough Fred Moten's workin performance studies and ential race studies, the need for aco-iberation of both subjects and objects fromsuch dsposty'subjection. With Kai Marc and Guy Débord I associate this liberation, ‘to arejection of the object ax commodity-digosif seeking an affirmation ofthe thing atthe object level as well as atthe level of subjectivity. Invoking a parallel with the >ecoming-arimal that same dance and performance seek since the 1960s, propose a Decoming-thing in recent dance and performance, where both objects and subjects are released from the yoke of the commodity-disp ositif and from instrumentalization In this ‘becoming thingin dance, Maio Pemiolas and Silvia Benso's theories are fundamental KEYWORDS: Disosif aming-Hing, experimental dance, performance, subjectivity. arta eh rk en pg ‘sc py, ete tte cence ene 0 fe een de ke 2, ‘entra tug eat Cntmpeay Pee rte (Bek tego Chak, 89) Oh enn beled seer Uses Pen 00 Te Semen rane ee, 208) ‘eta dead de oye de gk cE de UES. ovanagessoorcolss e RroRUANCE ma Urdimento 0. Um interesse em objetos, bem como uma proliferago incrivel de coisas em obras recentes de danga, de performance de instalagdo caracterizam a cena artistica na atualidade. Proponho que um dos efei- tos desse investimento e dessa proliferagio € 0 deslocar das nogdes de sujeito e objeto, performer e arte, em detrimento de uma ligago profunda entre performatwidnde & coisidade. Oferego nove variagies teéricas preliminares sobre tal fendmeno, o qual acredito ser menos estético do que politico. L Variagao do dispositive Em um ensaio recente, Giorgio Agam- ben (2009) fez uma proposta intrigante: 0 mundo como 0 conhecemos e, particular mente, o mundo contemporaneo, é dividi- doem dois grandes dominios: “organismos -vivos” de um lado, e “dispositiver”' do ou- tro. De acordo com 0 fildsofo italiano, € a partir do confronto entre essas duas esferas que um terceiro elemento emerge: “subje- tividade”. No entanto, nessa trindade, os dispositives levam vantagem: “Chamarei de dispositive literalmente qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturas, orientar, determinar, interceptar, modelas, controlar ou assegurar os gestos, comportamentos, opinides ou discursos dos seres viventes” (Agamben, 2009, p. 14, grifo meu). Estranhamente poderosa, essa “qualquer coisa” dotada com as capacida- des de capturar, modelar e controlar ges- tos e comportamentos corresponde, certa- mente nfo por acaso, & definigo daquela invengo estética-disciplinar da moderni- dade por exceléncia, a coreografia, Disc plina que pode ser entendida precisamente como um dispositive (ou aparato) de arptura de gestos, de mobilidade, de disposigdes e de tipos de corpos, de intengdes e de incli- nagdes corporais, com o intuito de os co- locar a servigo de espetaculares exibigdes de corpos em presenga (e de corpos como presenga, amarrados a todo um sistema de N19 | Novernbrodez0% presentificago da presenga).” Contudo, & medida que Agamben prossegue listando uma série de dispositivos, torna-se claro que a sua concepgao do termo vai muito além da nogio de dispositive como um sis- tema geral de controle e se aproxima, ao invés, de um entendimento de dispositi- vo como especifica coisa-que-comanda. De Tato, a listagem de Agamben revela uma percepsao quase parandica do mundo, onde o que predomina é a onmpoténcia das coisas. Ampliando a nogio de “dispositif’ que Foucault nos deixara, Agamben con clui: “N&o somente, portanto, as prisdes, 0s manicbmios, o Panéptico, as escolas, a confissao, as fébricas, as disciplinas, as medidas junidicas, e assim por diante (cuja conexdo com o poder é num certo sentido evidente), mas também a caneta, a escritu- ra, a literatura, a filosofia, a agricultura, 0 cigarro, a navegagéo, os computadores, os telefones celulares [..J’ (2009, p.14). 2 Variagao sobre a variagao do dispositive E como se a lista que Agamben nos oferece de dispositivos de comando/con- twole pudesse seguir infinitamente — j& que entre canetas e cigarros, computad o- res ¢ telefones celulares a quantidade de objetos que podem ser entendidos como controlando e comandanda nassos gestos ¢ habites, nossos desejos e movimentos, é limitada apenas pela sua disponibilide- de no mundo - particularmente na “fase extrema do desenvolvimento capitalista em que vivemos”, caracterizado por uma “grande acumulagéo e proliferagio de dispositivos” (2009, p.5).Em outras pala- ras: ao produzirmos abjetos, produzimos dispositivos que subjugam e diminuem a nossa propria capacidade de produzir sub- etividades nado subjugadas. Na medida em produzimos objetos acabamos sendo produzidos por eles. Na luta entre o vivo € 0 inorgdnico, nao é apenas como se obje- tos estivessem assumindo ocomando-éa prépria subjetividade que se torna algo de “objetal’: “hoje nao ha sequer um unico emis de genre einen rege ang de semmaigntt gto pa nd epee N19 | Novernbrodez0% instante em que a vida dos individuos nfo modelada, contaminada ou controlada por algum dispositivo” (Agamben, p. 15). E neste sentido que a definigfo de Agam- ben de dispositive como instrumento de controle se torna dtil para investigar 0 re- cente surgimento e predominio de objetos em algumas danas experimentais. Em primeiro lugar, porque desvela a perfor matividade das coisas; e em segundo lu gar, porque, dado que adanca possui uma selagdo intima com as questées politica e ética da obediéncia, dos gestos governa. dos, dos movimentos determinados, n&o 2 de admirar entio que a danca (mas fam- bém a arte de performance, gracas a sua verve politicamente aberta e, particular mente, a sua preocupagio sobre como ob- jetos provocam acées) deva se aproximar de objetos — ja que os objetos parecem es- tar governando nossa subjetividade, pare- com estar nos subjetivando, direcionando estos e compos, sob a funcio dispositive. Mas quem sabe, talvez haja algo mais do que apenas controle... 3. Variagao mercadoria Karl Marx observou que, se a atividade humana é capaz de estabelecer mudangas na matéria transformando-a em objetos de ‘uso (por exemplo, tornando um bloco de madeira em uma mesa), 0 capitalismo faz com que os objetos sustentem uma trans formagao suplementas, “magica’ ou itt comporen, onde tudo que é feito para o uso de seres humanos é transformado imedia- tamente em “uma coisa muito estranha” para usar a expresso do proprio Marx) chamada de mercadoria. Guy Débord no tow como neste modo peculiar de transfor mado, “cbtemos o principio do fetichismo da mercadoria, a dominagio da sociedade por coisas cujas qualidades so ‘ao mesmo tempo perceptiveis e imperceptiveis pelos sentidos”” (Débord, 1994, p. 26). Débord to mou este principio de dominagao e usou-o para definir a nossa “sociedade do espe taculd’, que nfo é uma sociedade feita de espetaculos, mas uma onde “o espetaculo corresponde ao momento historico em que OVARMGOES SOBRE COISAS E PERFORMANCE Urdimento a mercadoria completa a sua colonizagio da vida socitl, Nao é apenas que a relagao de merca- dorias é agora facil de se ver; o mundo que vemos é o mundo da mercadoria“(Débord, p-29, grifo meu).O destino politico da mer- cadoria (muito préximo, como vemos, da nogdo de dispositive de Agamben) é, enti, completar 0 seu dominio total sobre a vida social, sobre a vida das coisas, mas tambem sobre a vida somatica, uma vez que a sua dominancia se inscreve profundamente nos corpos. De fato, a mercadoria domina nfo s6 0 mundo das coisas, mas também a esfera do perceptivel, do imperceptivel, do sensivel e do infre-sensivel, o dominio do desejo, até mesmo 0 dominio dos sonhos. A mercadoria governa, e por isso mesmo ela rege mesmo as proprias possibilidades de se imaginar o que seria governamentali- dade, Além disso, a mercadoria regula nfo apenas sujeitos, mas também a propria vida dos objetos, a vida da matéria- a vida da vida e da vida das coisas. Sob seu dominio, seres humanos e coisas encontram a sua ca- pacidade de abertura para infinitas poten- cialidades esmagadas ou substancialmente diminuidas. Mesmo sendo a mercadoria um objeto material, seu poder se constitui por impedir que coisas sejam detndas em paz, Ow seja: que coisas possam existir fora de regimes de instrumentalidade, de uso, e de mercantilizagao total do mundo (incluindo afetos). De fato, a transformagao incorporal de uma coisa em mercadoria correspon- de ao seu aprisionamento em um dnico (¢ frenético) destino: tomarse um objeto uti- litario anexado a toda uma economia de excesso, regida por um modo espetacular de _aparigao_e demandando firmemente e sempre 0 “uso corretd” de objetos. Esse objeto vinculado ao capital esta fatalmen- te direcionado (desde a sua concepsio) a0 caixote de lixo, de preferéneia num prazo inferior a seis meses, quando ele se torna- 4 novamente mera coisa, ou seja, matéria sem valor para o capital, sem significasio, sem propésito a ndo ser apenas ser. O ca- pital chama a esses objetos: lixo, Perante tal sistema, talvez a contra-forga dos objetos (sua resisténcia) resida exatamente em ser € querer ser mera coisa. Urdimento 4. Variagao despossessio Proponho que objetos, quando libertos, de utilidade, valor de uso, valor de trocae significacdo revelam a sua capacidade libe- radora, a sua capacidade de escapar total- mente de dispositivos de captura, Livres, objetos deveriam ganhar outro nome pro- prio: ndo mais “objets”, ndo mais “dispo- sitivd’, no mais “mercadoria”, nfo mais “xd” mas simplesmente coisa. Fred Moten, ao teorizar sobre a “resistencia do objets” que a performance radical negra sempre ativa, observa: “Enquanto a subjetividade é definida pela posse que o sujeito tem de simesmo e dos seus objetos, ela é perturba: da por forgas despossessivas que os objetos exercem— de tal forma que o sujeito parece ser possuido (infundido, deformado) pelo objeto” (Moten, 2003, p.1).Chamo essa for- ga des-possessiva e deformadora que todo objeto exerce sobre 0 sujeito de “coisa”. Talves tenhamos de extrair algo dessa for. sa despossessiva, aprender de que maneira sujeitos e objetos podem se tornar menos sujeitos e menos objetos e mais coisa, 5. Variagao descolonizadora Como poderia a poténcia performa- tiva-deformativa das coisas_desencadear ‘etores de subjetivacdo alheios aos diag- nésticos de Agamben e Debord sobre a subjetividade e objetividade contemporé- neas, que as definem como existindo ex: clusivamente sob o signo da submissio € da resignaco diante da forza controladora ¢ imperialista de objetos, mercadorias ow dispositives? Como podemos descoloni- zar a sutura violenta de objetos ¢ sujeitos efetuada pela violéncia irracional do co- lonialismo, do capitalismo e do racismo (entendidos todos estes fendmenos como constitutives ao dispositive mercadoria)? Lembremo-nos aqui de Aimé Césaire, em seu Discurso sobre 0 Coloniatismo, apontan- do como 0 colonialismo nfo procura nada mais do que “coisificar” (“chosifiquer”) 03 sujeitos que subjuga (Césaire 1972). Mas talves seja importante lembrar que o colo- nialismo (¢ o capitalismo) transforma sujei- tos menos em “coisd” do que em propria: N19 | Novernbrodez0% mente mercadorias: objetos com valor de ‘uso e valor de troca destinados ao descarte. Ambos sistemas se aliam na violéncia que exercem sobre humanos e matérias, 0 or ganico e 0 inorgénico, tornando-os a todos em instrumentos, equipamentos, bens para consumo.Entio, como descolonizar? No fi nal de seu ensaio, Agamben prope a“’pro- fanacad” como um ato de resistencia que “restauraria a coisa para o uso livre dos ho- mens” (p.18). Considero tal solugio, onde “homens” afirmam o seu poder sobre “coi sad”, utilizando-as como bem entenderem, inaceitavel. A violéncia de tal proposicéo exclui o reconhecimento de uma alteridade radical nas coisas - como sugere Silva Ben- 50 no seu livro The Face of Things. Alterida- de essa que exige um cwidado ou atengao radicais para com 0 inorganico, para com 0 aneste. Vejo algumas dancas recentes reco- ahecerem exatamente a necessidade de se estabelecer uma “ética das coisad” (Benso). Tal ética implica conviver com coisas sem forga-las a um constante utilitarismo.E por isso que na danca mais recente onde os ob- jetos so centrais, eles ado edo ubilizados como elementos significantes, nem como representantes do sujeito da enunciagéo ow do corpo que danca. Muitas vezes, em pe- as como Este Corpo que me Ocupa (de Jo&o Fiadeiro, 2008); ou My Prioate Hymalaia (de Ibrahim Quraishi, 2009); ou Sold...? (de Ar tana Cordero, 2008) vemos que objetos (por vezes, centenas deles) aparecem simples- mente para instaurar situagdes puramente seferenciais, onde dangarinos e coisas de- finem entre si um mero (porém essencial) “estaraorladd’ - uma relacho de coisa fom coisa totalmente livre de utilitarismo, significagdo e dominagao. Por isso, quem sabe, até livre de “arte”.® 6. Variagao ética Comoseenvolvercomaética, a postica eapolitica que aalteridade radicaldacoisa propie? Como ativar o que Silva Benso chamou de “atitude ontolégica cujas im- plicagdes demarcam uma ética de reco. nhecimento da complexidade das coisas € 5 nn ie debs sun perpen din ae (ee 200) nd epee N19 | Novernbrodez0% de sua alusdo ao ato de escuta, cuidado & atengdo com a sua alteridade?” (p. 146). Uma resposta possivel é dizer que, talves, um devircoisa néo seja um destino tao fuim assim para a subjetividade. Quando olhamos ao redor, certamente parece ser uma opgdo melhor do que continuar a vir ver ea ser sob o nome de “humand’. A “coisa” nos lembra que organismos vivos, 0 inorganico, e aquele terceiro produsido pelo seu confronto chamado “subjetivir dade”, todos necessitam ser libertados da forga subjugadora chamada dispositive- mercadoria — forga que esmaga a todos num modo da vida empobrecido, ou tris te, ou déeil, ou limitado, ou utilitério. E uma coisa (ou seja, a “coisidade” em qual quer objeto e sujeito) pode realmente nos oferecer vetores e linhas de fuga longe da soberania imperialista de dispositives co lonizadores. Para tal, as coisas teriam que ser deixadas em paz, permitindo-lhes as- sim afirmarem-se coisa, mais uma vez - de forma a combater ativamente a sua suje so a um regime particularmente detes- tavel do objeto (0 regime do dispositivo- mercadoria) e um regime particularmente detestavel do sujeito (o regime da pesso- alidade-espetaculo) que aprisionam am- bos, objetos e sujeitos, em uma prisdo mé- tua. Talvez alguma danga recente tenha se preocupado justamente com esta tarefa de Iubertag&o matua: das coisas e dos corpos, das subjetividades e dos objetos. Nese mittuo e necessario esforgo, talvez preci semos seguir o conselho de Mario Pernio™ ae “colocar nossa confianca nao no divi. no ow no humano, mas no modo de ser da coisa” (Perniola, 2004, p.110} 7. Variagao anti-pessoal Mark Franko nos lembra da forga cons titutiva do “pessoal” na danga da Renas- cenga, uma forga que podemos ver atra- vessando toda a histéria da danga teatral ocidental: “A pessoa do bailarino é 0 defi- nitivo e dnico objeto de louvore censurana danga. E por isso que “o corpo que danga deve por sua vez apresentar o admiravel eu para louvor e indicar tal exibigo como OVARMGOES SOBRE COISAS E PERFORMANCE Urdimento louvavel, provocar elogios” (Franko, 1986, p- 22). Consequéncia desse elemento fun- damental e constitutive da personalidade edo auto-centramento da danga é um blo- queio do eventual desejo do dangarino em se tornar coisa, em tornar-se animal — pois que ofuscado pela necessidade imperiosa de constantemente afirmar e reafirmar a sua personalidade, melhor, a sua pessoali- dade, e 0 sew eu. Na década de 1990 e inicio dos anos 2000, algumas expeniéncias im- portantes de Vera Mantero, Boris Charmatz eXavier LeRoy, dentre outros, parecem ter privilegiado um deviranimal como uma linha de fuga para a danga. Recentemente, Marcela Levi e Lucia Russo criaram uma pega extraordinaria, Naturcea Monstruosa, onde o devir animal surge como plano de imanéncia poético-coreografico. (O Butoh teve um impulso politice-performativo si- milas, um deviranimal como rejeigéo do humano e da pessoa, Hijikata: “Eu adoro costelas, mas, mais uma vez, considero as costelas de um co superiores & minha”), Parece-me que neste momento, uma linha- de-fuga pode ser encontrada nas dangas que investem num devircoisa. Tal devir € fundamental para que se encontrem re- gimes outros de visibilidade para a danga, para o dancarino, regimes onde nem o ob- jeto nem a pessoa ocupem mais o centro, sejam o centro centrado da danga. Assim, outros espagos sao inventados, envolvendo o espectador, dissolvendo o paleo, moven- do distingdes. Um desses novos regimes de visibilidade é a danca-instalagio, onde “o horizonte aberto das instalages” leva exa- tamente & “diss olugao espacial da obra de arte” (Perniola, p. 103), destruindo o traba- Iho como objeto de arte para revelar o tra- balho como uma tage coisa. Aqui, podemos nos lembrar da formulagao de Heidegger sobre a performatividade das coisas: a coi- sa, antes de tudo, agrega. 8. Variagao linha-de-fuga E claro que objetos sempre estiveram pretentes na danga. Rosalind Krauss nota: “um grande nimero de escultores euro- peus e americanos pér-guerra se interessa- Urdimento ram igualmente pelo teatro e pela experi- éncia estendida do tempo que parecia ser parte das convengées do paleo. A partir deste interesse surgiram algumas escultu- ras para serem usadas como acessérios em produgdes de danga e de teatro, algumas para funcionar como performers substi- tutos, outras para agir como geradores de efeitos cénicos no paleo “(Krauss, 1981, p. 204, grifo meu). Porém, atualmente, nfo é escultura criada por artistas visuais que ve- mos surgindo em obras de danga - mas tra- Iha, que coreégrafos arrastam para o paleo, nao exatamente para fazer uma cena, mas para criar um ambiente. Além disso, essas tralhas s&o utilizadas de modo totalmente diferente da forma como Krauss havia des- erito 0 uso de esculturas em eventos tea trais e de danga. Hoje, objetos aparecem, mas n&o como “aderegos” (ou “properties” = como objetos cénicos so chamados, de modo sevelador, em Inglés), nem como geradores de “efeitos cénicos”, ou como “pesformers substitutos” (ie., como mario- netes). Ao invés, vemos hoje em dia uma série de trabalhos onde objetos e compos ocupam espace lado a lado e .. as vezes, pouco mais acontece. Esse simples ato de colocar coisas em sua quietude, imobilida- de e concreta coisidade ao lado de corpos, nao necessariamente junto com os dangari- nos, mas lado a lado, resulta em um evento substancial: sublinha a estreita linha que simultaneamente separa e une corpos & coisas, delineia uma zona de indiscernibili- dade entre o corporal, o subjetivo ea coisa. Tal operagdo ndo é duchampiana, no sen- tido de querer afirmar 0 objeto cotidiano como arte, apos o objeto ter sido assinado por um artista ow trazido para um contexto de arte. Ao invés, esta operagao pretende afiemar o objeto como coisa, e assim libertar a coisa capturada no objeto, aprisionada que fora pela raz&o instrumental e pelos dis- positives artisticos. Investir em coisas, nfo como substitutos do corpo, nem como ele- mentos significantes ou representativos de uma narrativa, mas como parceiros, como entidades co-extensivas no campo da ma- téria, é ativar uma mudanga fundamental N19 | Novernbrodez0% nna relagio entre objetos e seus efeitos esté- ticos (na danga, no teatro, nas artes visuais, na performance e na instalagio). Esta mu- danga corresponde a ativagao politica da coisa, para que esta possa fazer aquilo que de melhor faz: despojar abjetos e sujeitos de suas armadilhas chamadas “dispositi- vd", “‘mercadoria’, “pessoa” e “eu”. 9. Variagao dacitagao final ‘Postanto, quando eu me dou como coisa, nfo me refiro de modo algum a me oferecer A exploragio ¢ beneficio dos ou ros. Eu no me ofereco para o outro, mas ao movimento impessoal que, ao mesmo tempo, desloca o outro de si mesmo e per mite que ele, por sua vez, se dé como coisa eme acolha como coisa” (Perniola, p. 109 nd epee N#19|Noverbrode2012 Urdimento REFERENCIAS AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. Sovereign power and bare life, Meridian. Stanford, Calif: Stanford University Press, 1998. Cali “Wnt is an apparatus?” and other essays, Meridian, crossing aesthetics. Stanford, tanford University Press, 2009. BENSO, Silvia. The face of things: a different side of ethics, SUNY series in contemporary continental philosophy. Albany, N.Y. State University of New York Press, 2000. CESAIRE, Aimé. Discourse on colonialism, New York: MR, 1972. DEBORD, Guy. The society of the spectacle, New York: Zone Books, 1994. FRANKO, Mark. The dancing body int Renaissance choreography (c. 1416-1589). Birmingham, Ala: Summa Publications, 1986. JOHNSON, Barbara. Persons and things. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2008. 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