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O lado bom de nao saber Reconhecer o desconhecimento so- bre certas coisas é sinal de inteligéncia e um passo de para a mudanga. ivo. Uma das coisas mais inteligentes que um homem e uma mulher podem saber é saber que no sabem. Alis, 86 € possivel caminhar em diregao & exceléncia se voce souber que nao sabe algumas coisas. Porque h4 pessoas que, em vez de ter humildade para saber que nao sabem, fingem que sabem, Pior do que nao saber é fingir que sabe. Quando vocé finge que sabe, impede um planeja- mento adequado, impede uma ago coletiva eficaz. Por isso, a expressdo “no sei” € um sinal de absoluta inteli- gencia. Essa é uma regra basica da vida: quando vocé esta no fundo do pogo, a primeira coisa que precisa para sai de 14 € parar de cavat. E a pa que continua cavando é, a0 ndo saber, fingit que sei, Fingit para quem? Nao existe auto- engano. Isso significa que quando alguém uum sinal de inteligencia. Aliés, a pessoa humilde é capaz MARIO SERGIO CORTELLA, » deter di gente que néo tem dtivida. Gente que nao tem dtivida néo 6 capaz de inovar, de reinventar, nio & capaz de fazer de outro modo, Gente que nao tem diivida s6 ¢ capaz de re- petir. Cuidado com gente cheia de certeza. Num mundo de velocidade e mudanca, imagine se voc® ou eu somos cheios de certeza a dificuldade que isso nos carrega. Claro, voce nao pode ser alguém que s6 tem chivida, mas nao té- las € sinal de tolice. “Ser que estou fazendo do melhor modo? Da maneira mais correta? Sera que estou fazendo aquilo que deve e pode ser feito?” $6 seres que artiscam erram, Nao confunda erro com a, ¢ isso € motor da mudanga. Cuidado com negligéncia, desatengio e descuido, Ser capaz de artiscar € uma das coisas mais inteligentes para mudar. Vocé niio tem de temer o erro. Tem de temer a negligéncia, a desatengao € 0 descuido, Erro é para ser corrigido, nfo para ser puni- do. O que se pune € negligencia, desatencao e descuido. Quem inventou a lampada elétrica de corrente continua foi Thomas Edison, sabemos. © que nem sempre se tem ideia é que ele fer 1.430 experiéncias antes de chegar Tampada que deram errado, Ele inclusive registrou: inven- tei 1.430 mados de nfo fazer a lampada. Porque € muito importante também saber 0 que nao fazer. Ele aprendeut que o fracasso nfo acontece quando se erra, mas quando se desiste face a0 erro. Nenhum e nenhuma de nés é capaz de fazer tudo cer- to.0 tempo todo de todos os modos. Por isso, voce s6 co- nhece alguém quando sabe que ele erra, ¢ quando ele erra e nao desiste. E dizem: ah, 6 por isso que a gente aprende 30 (QUAL EA TUA O8RA? com os erros? Nao, a gente nao aprende com os ertos. A gente aprende com a corregao dos ertos. Se a gente apren- desse com os erros, 0 melhor método pedag6gico seria er rar bastante. (E bom lembrar que todo cogumelo é comes- tivel. Alguns apenas uma vez.) Num mundo competitivo, para caminhar para a ex- celéncia é preciso fazer o melhor, no lugar de, vez ou ou- tra, contentar-se com o posstvel. E isso exige humildade e exige que coloquemos em dtivida as préticas que j4 tinha- mos. Porque se as préticas que tinhamos e temos no dia a dia fossem suficientes, estarfamos melhores. Para ser capaz de uma mudanga cada vez mais signifi- cativa e positiva € necess4rio ter humildade. $6 quem acha que ja sabe acaba caindo na armadilha perigosa que é nao dar passos adiante. De onde vem a palavra “humildade”? De humus, que € terra fértil e, na origem, significa o “solo sob nés”. Em ‘outras palavras, htimus é 0 nfvel em que nés estamos. A palavra “humildade” é a mesma da origem humus, da qual deriva a palavra “humano”, Cada homem e cada mulher tem omesmontvel de dignidade, de possibilidade de agéo. No Livro do Genesis, os hebreus registraram frase atribu- da a Javé quando expulsou o casal primordial repreen- deu Adio: “No suor do teu rosto comers 0 pao, até vol tares ao solo, pois dele foste tirado. Sim, é p6 € a0 po voltaras” (Gn 3,19): “Do p6 viemos, 20 pé voltaremos”. Isso significa que estamos todos no mesmo nfvel. Humil- dade, humano, hiimus — estamos no mesmo nivel em re- lagao A nossa dignidade. Existem pessoas que néo tém essa MARIO SERGIO CORTELLA a percepstio, elas no conseguem aproveitar as oportunida des porque no tém humildade, Qual 0 contrério de humildade? Arrogéncia. Gente arrogante € gente que acha que jé sabe, que acha que nao precisa aprender, que costuma dizer: “Hi dois modos de fazer as coisas, o meu ou o errado. Escolha voce”. Gente arrogante nao ouve discordancia e nfo conse- gue crescer. Nés somos um animal arrogante. Hé pessoas que se recusam & mudanga porque acham que jé esto prontas. “Pode deixar, eu sei o que eu fago”, dizem com relativa frequéncia. Uina das fases mais perigosas da vida de nos- s0s filhos 6 quando eles tém 15 anos, 16 anos, porque se acham invulnerdveis, que nada vai acontecer a eles. Fi- cam arrogantes em excesso. “Cuidado, filho.” Ele respon- de: “Pai, pode deixar, eu sei o que eu fago”. Ou: “Filha, olha la”. A resposta: “Pode deixar, sso nunca aconteceu’, E aquele que se considera invulnerdvel, ele pode se arris- care se machucar, pois essa arrogancia ¢ tipica da idade. E perigosfssima! ‘Arrogancia é um perigo porque ela altera inclusive a nossa capacidade de aprender com o outro, de entrar em sintonia. Bons mésicos nao fazem uma boa orquestra a me- nos que eles tenham sintonia. E essa sintonia vem quando as pessoas respeitam a atividade que 0 outro faz e querem atuar de forma integrada. Se hé uma coisa que liquida uma onquestra ¢ arrogancia Por que com empresa seria diferente? Estoque de conhecimento Educacao continuada pressupée a capacidade de dar vitalidade as competéncias, as habilidades, ao perfil das pessoas. O fato de nunca sabermos tudo, ao mesmo tempo € de todos os modos, nao significa que nada saibamos. A clissica frase socratica “s6 sei que nada sei” indica mais a humildade de saber-se individualmente ignorante em quase tudo do que declaracio de incapacidade absoluta. Certa ver, fui perguntado como trataria a educagio corporativa se fosse lider de uma empresa. A educagio cor- porativa seria uma questdo prioritéria, mas no exclusiva. Afinal de contas, uma empresa precisa ter sustentabili- dade de sua lucratividade, rentabilidade, produtividade competitividade. A sustentabilidade nesses quatro t6picos advém de uma série de fatores: competéncia que ela de- senvolve dentro do mercado, 0 tipo de produto com o qual ela lida, a capacidade de planejamento estratégico, mas depende também essencialmente do modo como ela ma- [MARIO SERGIO CORTELLA 98 neja o estoque de conhecimento que dentro dela atua, que estd exatamente nos colaboradores. Hoje, 0 trabalho das pessoas no pode mais ser entendido como commodity. Por isso, eu, Se presidente de empresa fosse, faria da formagao continuada algo prioritétio, porque € nisso que se dé hoje a diferenciacao no que se refere ao conjunto das organiza- ges. Essa educagdo continuada pressupde a capacidade de dar vitalidade & ago, as competéncias, as habilidades, ao perfil das pessoas. E isso, entre outras coisas, traz uma mul- tiplicidade de elementos, desde treinamentos até cursos de formagao e especializagies. E também a formagao da sensi- bilidade, que é uma coisa central atualmente no mundo do trabalho, isto 6, a facilitagio de atividades que envol- vam a sensibilidade estética no campo da miisica, da poe- sia, das artes plisticas, de maneira que aquele ou aquela que atue em uma empresa tenha inclusive um prazer gran- de pela estrutura de conhecimento em seus miiltiplos ni- veis. Eu faria isso como presidente. Alids, as empresas que esto indo céleres em direcdo ao futuro so aguelas em que o presidente faz isso. Se a lideranga nao estiver volta- da para dar uma prioridade a essa temstica da formacio continua, o maximo que ela ter € sucesso extemporénco, HG uma discussio nese ponto, em que alguns argu- mentam que o fato de a empresa investir em cursos néo significa necessariamente que ela vai estar mais bem pre- parada. Teria de ter aplicabilidade. Eu digo que a relagao no € direta. Mas o inverso € direto. Isto é, investit em cursos, em formagio, néo significa que a empresa estaré M4 (QUAL E 4 TUA OBRAP mais bem preparada porque nao é automatico. O contré- rio € automético: no investir na formagdo implica uma perda significativa da competéncia e da qualidade, Ha uma classica frase que diz: “Se vocé nao acredita que educagio um bom investimento, tente investir em ignorancia”. Nao existe uma relagdo direta, linear, entre formagSo ¢ aumen- to de competitividade, porque isso nfio € algo isolado que se coloque num ponto de vista exclusivo. Por isso, observo que um presidente precisa dar prioridade, mas no exclu- sividade, porque isso dependerd também dos equipamen- tos que se tem, da postura dentro do mercado, da capaci- dade de andlise de cenérios futuros ¢ assim por diante, Se assim fosse, as melhores estruturas de organizac&o seriam as universidades, afinal de contas, elas lidam 0 tempo todo com pesquisa, com educagdo continuada etc., ¢ nfo ne- cessariamente as universidades so as melhores organiza- es em termos de sustentabilidade. Hoje, no mundo do trabalho, fala-se menos na for- macdo de um generalista e mais na formagiio de um mul- tiespecialista. Nao se trata apenas de uma diferenciagdo de linguagem. £ menos uma pessoa que esteja voltada para uma visio apenas genérica das coisas, mas aquele ou aquela que ganha autonomia para construir uma nova competéncia. Isto é, a clissica expresso usada pelo filé- sofo norte-americano que trabalhou na 4rea de educa- cdo, John Dewey, que nos primérdios do século XX dizia: “£ preciso aprender a aprender”. Aquele ou aquela que aprende a aprender ganha autonomia. Por isso no se pode atuar no campo empresarial apenas para formacdo estra- ees eaceaeiaaaas VARIO SERGIO CORTELLA 35 ségica, porque ela trabalha num prazo mais dilatado. Tam- bém niio se pode ser imediatista e trabalhar apenas para a semana seguinte com uma formacio especifica e, portan- to, focada e limitada, E preciso equilibrar as duas coisas. A palavra “equilibrio” tem a ver com balanga, “libra equilibrar a balanea é colocar os pratos em sua condigao de uso mais adequado. Uma empresa que nfo pense na formagao de um mul- tiespecialista fratura a condigéo de ir adiante com maior perenidade. Afinal de contas, a velocidade da alteragao dos processes produtivos, dos conhecimentos, dos nichos de mercado é tamanha que a questo nao € estar o tempo todo partindo, mas preparado para partir. Vocé ndo tem de format uma pessoa para estar continuamente de partida para outro lugar. Ela tem de estar de prontidao, em estado de aptidio pata partir para uma outra diregio, se assim for necessério. E formar pessoas para a autonomia exige que elas desenvolvam a sensibilidade, a capacidade de acumu- lacdode conhecimento ¢ informagio, a capacidade de apro- priar-se desse conhecimento e dar a ele aplicabilidade. Nao basta que isso saia apenas do mundo da erudigéo, néo é para formar eruditos, é formar pessoas que tenham condi- ges de ter um conhecimento que tenha eficiéncia. Aristételes chamatia isso de causa eficiente. Nao bas- ta uma causa formal, é preciso ter uma causa eficiente, diria cle, que dé resultado. E empresas vivem de resulta- dos, que sao obtidos a partir da condigao de competéncia que ela carrega. Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagio (CIP) ‘(Camara Brasileira do Livro, SE Brasil) Sergio ‘2 cua obra? : inguietagtes propositvas sobre gestio, i 2002. ISBN 978-85.3263579.2 1 AdministagSo 2. Euien 3. Lideranga L Titulo. on-7261 cpD-100 ari Sergio Cortes. 18. cd. Petipolis, RJ: Voces, Indices para ctélogosisterastico: L-Filsofia 100 Mario Sergio Cortella Qual é a tua obra? % Inquietagdes propositivas sobre gestdo, lideranga e ética

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