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FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
Belo Horizonte
2017
1. CASO PRÁTICO
Há alguns anos, Caio e sua esposa, Semprônia, decidiram alienar o imóvel urbano em
que residiam a Tício, com o qual celebraram contrato de compra e venda por escritura
pública, devidamente registrada. Contemporaneamente a esse negócio, previu-se que os
alienantes permaneceriam no imóvel, gratuitamente, por prazo indeterminado. Passados 12
meses da aquisição, Tício resolve vender o imóvel a Públio, o que foi feito por instrumento
público, também regularmente registrado. Contudo, ao pretender tomar posse efetiva de sua
nova casa, Públio encontra resistência por parte de Caio e Semprônia, os quais foram por ele
notificados repetidas vezes para deixar o imóvel. Com efeito, o casal alega o desconhecimento
da alienação por parte de Tício e a ausência de notificação deste último para desocupação do
imóvel, razão pela qual sua recusa não seria ilegítima, cabendo-lhes, ademais, defesa
possessória caso sua situação viesse a ser novamente molestada por Públio.
2. QUESTÃO (A)
2.1 Conceitos
1
CC/2002, art. 579.
detêm a posse direta, por terem o exercício de fato do imóvel urbano (CC. art. 1.197),
enquanto Tício tem a posse indireta, por ser o proprietário e ter cedido temporariamente o uso
da coisa aos comodatários.
O comodato prevê ao comodatário o dever de restituição do bem findo o prazo
contratual definido. Contudo, no caso em questão, foi acordado que Caio e Semprônia
ficariam no imóvel por prazo indeterminado e, por isso, aplicar-se-ia o estabelecido no art.
397, parágrafo único, do Código Civil, em que, nos contratos sem termo final, o
inadimplemento se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Pela alienação do imóvel urbano, Públio subroga-se nas obrigações do comodante,
Tício e, assim, torna-se legitimado para findar o contrato de comodato mediante resilição
unilateral, a fim de possuir o imóvel adquirido. Realizadas as notificações extrajudiciais, o
casal não poderia, portanto, alegar o desconhecimento da alienação ou a ausência de
notificação para desocupar o imóvel, que passou a ser de dever do novo proprietário e não
mais de Tício.
Existe a aquisição derivada da posse (posse civil ou jurídica), em que a transmissão da
posse se dá por força da relação jurídica, sem que seja necessária a apreensão material da
coisa. Públio adquire a propriedade e os direitos decorrentes dela, no caso, a posse indireta
que era exercida por Tício.
2.1.3 Usufruto
O princípio do absolutismo se caracteriza pelo fato de que no campo dos direitos reais
o poder de agir sobre a coisa é classificado como erga omnes, ou seja, é oponível a toda a
coletividade, que deve se abster de molestar o titular do bem. Tal característica se diferencia
fortemente do que acontece no direito das obrigações, em que não existe o poder jurídico
oponível a toda coletividade, apenas surgindo a faculdade jurídica ao credor de exigir uma
atuação positiva ou negativa de seu devedor.
Em decorrência do princípio do absolutismo, faz-se necessário o da publicidade para
os bens imóveis, uma vez que o direito erga omnes só se torna possível se a propriedade for
ostentada publicamente. Nesse sentido, o conhecimento de todas as informações que possam
produzir efeitos a terceiros faz com que os registros sejam cada vez mais valorizados como
fonte de publicidade e segurança jurídica, sendo resguardado pelo art. 1227 do CC.
Assim, vale ressaltar que no caso em questão o imóvel foi devidamente registrado
cumprindo a formalidade necessária para que se declare proprietário tanto Tício, no primeiro
momento, quanto Públio, o comprador final que deseja ter a posse do bem adquirido.
Nesse sentido, a partir do momento em que Públio notifica os comodatários para que
se retirem do bem e estes se negam a praticar tal ato, estes passam a deter uma posse injusta
do bem. Isso porque, ao agir desta maneira comportam-se em desconformidade aos seus
deveres como comodatários, esbulhando o bem de Públio.
Dessa maneira, a medida que praticam tal esbulho, caberia a Públio ingressar com a
ação possessória cabível, qual seja a de reintegração de posse, uma vez que este detinha a
posse indireta do bem e objetivava o restabelecimento de seu poder fático sobre este. Assim,
Públio passou a ser o titular do direito de propriedade e possuidor indireto, o que lhe confere
legitimidade para interpor ação possessória.
3. QUESTÃO (B)
3.1.1 Composse
O art. 1.199 do Código Civil vigente, correspondente ao art. 488 do Código Civil de
1916, prevê a possibilidade de duas ou mais pessoas possuírem coisa que se encontra em
estado de indivisão, podendo cada uma delas exercer sobre o bem atos possessórios, desde
que estes não excluam os dos outros compossuidores - ou seja, há simultaneidade de atos de
domínio sobre a coisa, exprimidos pelo exercício da posse de cada um de seus titulares.
Entende Savigny que “a composse, como domínio, se desfaz com a divisão do imóvel,
e essa divisão, na composse, pode ocorrer pela ocupação consentida entre os compossuidores.
Assim, desde que não tire a possibilidade de outro possuidor praticar ato de posse na coisa
comum, pode o compossuidor localizar-se em área certa delimitada, passando de
compossuidor a possuidor. Desde que seja possível a cada um possuir em exclusividade, sem
ofensa a posse, outrossim, em exclusividade, de outro, ou mesmo a posse indiscriminada dos
outros sobre o restante do imóvel, ela pode existir legitimamente. Para tanto se exige a divisão
física do bem em comum e a concordância das partes”.
Da mesma forma que a posse exclusiva pode ser classificada como justa ou injusta, de
boa ou má fé, nova ou velha, a posse exercida conjuntamente também pode ser rotulada
segundo esses critérios, de modo que cada um dos compossuidores poderá, frente aos demais
e a terceiros, propor ação para defender o que lhe é de direito, tendo em vista a natureza de
sua posse sobre o bem, e a natureza da posse dos demais. Neste sentido já decidiu, inclusive, o
Tribunal de Justiça de São Paulo, em apelação cível de n.º 50.960, ao tratar de ação de
manutenção de posse nos casos de posse exercida simultaneamente por marido e mulher:
3.1.2 Esbulho
O esbulho se caracteriza pela perda injusta do poder fático sobre a coisa por aquele
que a possuía. Não decorrerá, necessariamente, de violência, podendo se dar por qualquer um
dos vícios objetivos enumerados no art. 1.200 do Código Civil, quais sejam, violência,
clandestinidade e precariedade. Ocorre esbulho, por exemplo, quando, findo o contrato de
empréstimo, o bem dado em comodato não é devolvido pelo comodatário. Diferencia-se da
turbação na medida em que esta apenas prejudica o exercício da posse, não a suprimindo de
todo. Isso, no entanto, não implica dizer que para que se verifique o esbulho é preciso que o
proprietário ou o possuidor fique privado do uso da totalidade do bem, mas sim que fique
totalmente impedido do uso de parte dele, visto que o esbulho pode ser tanto total quanto
parcial - o que ocorre quando o possuidor é excluído de qualquer parcela de seu poder de fato
sobre a coisa, mesmo que reste intacta a disponibilidade sobre vultuosa fração do bem, nas
palavras do doutrinador Nelson Rosenvald.
As ações que se destinam a cessar a turbação e o esbulho são, respectivamente, no
campo das ações possessórias, as de manutenção e reintegração de posse (art. 560, CPC),
devendo o esbulhado, no caso da reintegração, comprovar a atualidade da posse ao tempo do
esbulho.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 5, Direito das coisas. 12ª ed. São
Paulo 2017
CHAVES, Cristiano; e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Reais. v. 5, 11ª ed.,
Salvador: Jus Podium, 2015.