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vMios artistas a iniciar reflexões profundas sobre suas identidades como artistas.

numa sociedade tão


O Auto-Retrato na (da) Arte Contemporânea peculiar quanto a brasileira. As indagações sobre o lugar que o artista poderia ou deveria ocupar no
contexto da história e da história da arte começam a surgir como problema justamente nesse perloclo.
"(... ) o alegorista não inventa ;magens. confisca-as ... E em suas mãos a imagem se torna uma outra
coisa (a/los =outra + agoreuei = falar).· Completando essa situação, vivia-se também no Brasil a crescente precessão. no dia-a-dia, das
Craig Owens imagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa. Seu poder avassalador era, j~ naquele
momento, capaz de destruir. por completo, todos os pressupostos conceituais e eruditos do que seria
arte, artista, e o papel de ambos nessa sociedade em profunda transformação.
O estudioso norte-americano Benjamin H.D. Buchloh, ao historiar os antecedentes dos procedimentos
alegóricos da arte contempor~nea. surgidos no início do século XX. encontrará uma concomitância entre a
Dentro desse contexto, as duas obras que inauguram uma nova situação para a arte brasileira são a série Diário
prática de montagem, na literatura, no cinema e nas artes visuais., e uma série de textos que teorizam sobre
de um Artisra Brasileiro, 1975, de Anna Bella Geiger.' e a série de auto-retratos, de 1976, de Marcello N"ltsehe.
aqueles procedimentos. Entre eles. o autor atentar~ para a importância dos escritos pelo filósofo alemão
Waher Benjamin. significativos para a compreensão dessas técnicas de montagem na arte contemporànea.
No trabalho de Nitsche- um conjunto. originalmente, de 14 auto-retratos• -.o artista representa-se
em cada quadro (e no vídeo) dentro de um determinado "estilo" da história da arte moderna. Pintou-
Pautado em Walter Benjamin. Buchloh identificar~ o car~ter alegórico do procedimento da
se como impressionista, expressionista, concretista, "body-artista", etc.
montagem, afirmando que nele estariam contemplados alguns dos principies b~sicos da alegoria:
"(. ..) apropriaç~o e desgaste de significado, fragmentação e justaposição dialetal de fragmentos. e
No momento em que os conceitos de artista como demiurgo e como condutor da sociedade (por ser
separação de significante e significado".'
a "antena" da humanidade) eram colocados totalmente em dúvida e quando a arte estava
... Apropriação. fragmentação, justaposição, cisão entre significante e significado ... Todos esses elementos completamente fragilizada pelos novos meios de concepção/produção/reprodução de imagem. o
estão presentes na produção apresentada na exposição, que reúne cerca de 50 auto-retratos produzidos único lugar onde Nitsche parece encontrar algum refúgio- e um mini mo de identidade- é a própria
nos últimos 25 anos, nas mais dive""s mídias, entre as quais a fotografia. o xerox, o vídeo e o CD-ROM. história da arte ou a história dos estilos artísticos.

Essas obras têm em comum o fato de, na maioria dos casos, os autores se utilizarem de registros De maneira desesperada, Nitsche passa a ver-se, ou a procurar-se, no ámbito daquela história
(fotogr~ficosou filmicos) dos próprios corpos, realizados por terceiros, para produzirem seus "auto- particular, que. de alguma maneira, justificava sua própria existência profissional.'
retratos". M aqueles que não se utilizam desse expediente, preferindo construir os próprios registros,
tendem a manipular as imagens de seus corpos de maneira tão radical e objetiva, como se elas fossem Por outro lado, observando as poses escolhidas pelo artista para auto-retratar-se, percebe-se.
meras imagens de seres anônimos, sem nenhuma conexão maior com seus autores. igualmente, que ele se aninha numa tradição de poses preestabelecidas para o retrato- tradição que,
a partir do momento do aparecimento da fotografia como instrumento de identificação policial,
~ justamente nessa atitude dos artistas com a própria imagem - seja esta tomada por ele ou por passou a estar não mais ligada apenas à glorificação do sujeito, mas também à sua repressão.•
outrem - que reside o primeiro indice alegórico das obras aqui apresentadas: nelas as imagens são
apropriadas. descontextualizadas. justapostas a outras imagens, transformando-se em discursos Nessa série de retratos, Nitsche parece trancafiado dentro da história da arte e. nesse conjunto de
ambíguos. com significados velados. repletos de mistérios. auto-retratos, sua imagem se desloca uma série de vezes. Atuando em estilemas os mais diversos, a
série não deixa de ser uma alegoria do panico diante de um futuro aparentemente sem perspectivas.

Por trM da concepção de alegoria apontada por Buchloh, estariam as idéias do filósofo alemão sobre as
pr~ticas alegóricas no barroco europeu, originadas do impacto do capitalismo. Tais práticas. por sua vez, Na série Diário de um Artista, após eleger cenas fotográficas onde aparecem grandes nomes cia nisiória
estariam muito próximas daquelas usadas pelos artistas modernos e contemporàneos, ligadas ã da arte moderna, Anna Bel la Geiger insere imagens de si própria. Por meio da reprodução xerográfica,
apropriação de imagens já prontas. ã colagem e ã fotomontagem. Como afirma Buchloh, para Benjamin: a artista "naturaliza " aquela fotomontagem, tornando-se "Intima· de artistas como Duchamp,
Lichtenstein, Warhol e outros. Geiger- mulher, judia. filha de imigrantes e artista brasileira- busca. por
"(. ..)a rígida imanência do barroco. sua tendência ã sofisticação, conduz ã perda do sentido utópico meio da história da arte (como Marcello Nitsche). encontrar o seu "lugar" , dentro do estreito mundo
e antecipatório do tempo histórico e d~ lugar a uma experiência do tempo estática e quase conceblvel da arte moderna internacional - branca, masculina, protestante, européia e norte--americana.
em termos de espaço. O desejo de atuar e produzir, e a idéia de um exercicio político, se desvanecem
por trás de uma atitude geral predominante de contemplação melancólica. O mundo dos objetos Se Nitsche opera essa busca de um espaço que o identifique na história da arte pelo drama -
materiais, assim como a percepção geral do caráter efêmero do mundo durante o barroco, revela sua perpassando os principais estilemas da história da arte - . Geiger prefere operar pela comédia, pela
decadencia com a transformação dos objetos em mercadorias, fenômeno que se produziu com o paródia, pensando sua imagem de maneira irônica. como uma mercadoria intercambiável. dentro de
estabelecimento da produção capitalista. Esta desvalorização do objeto, sua divisão em valor de uso uma visão mundana e propositadamente superficial da história da arte.
e em valor de troca. e o fato de sua função ser, em última instancia, a de atuar exclusivamente como
produtor de valor de troca, afeta profundamente a experiência do individuo ... "'
Apesar das mudanças políticas ocorridas no Brasil ao longo das últimas três décadas. a situação do
Essa associação da alegoria com o objeto entendido como mercadoria ganha um forte sentido quando nos artista na sociedade local. no geral, apenas se agravou. Se, nos anos 70, ele saia da cena pública (onde
lembramos que, ao atuar com uma imagem j~ pronta de si mesmo- descontextualizando-a e mudando seu atuara com alguma força na década anterior), dando lugar aos !cones da cultura de massa. hoje o
significado original-, os artistas presentes nesta exposição estariam operando dentro do universo da alegoria artista se mantém confinado nos espaços restritos do circuito de arte. operando questões com pouca
(como definido acima por Benjamin Buchloh), vendo a própria imagem como um objeto já afastado de si ou nenhuma resson~ncia imediata no campo social.
mesmo, uma mercadoria passível de ser eleita como emblema de uma dada situação, real ou fictlcia.•
ilhados no circuito, muitos desses artistas - a exemplo de Nitsche e Geiger - operam as próprias
Caberia agora indagar sobre os motivos que teriam levado esse número expressivo de artistas locais a imagens, por apropriação ou pelo deslocamento para contextos outros. quase sempre impensáveis no
se interessar pela apropriação de imagens, sobretudo daquelas do próprio corpo, para a constituição momento em que foram concebidas.
de montagens em fotografia digital. vídeo, CD-ROM, etc., entendidas como "auto-retratos" .
Embora todos os auto-retratos presentes nesta mostra- pela própna natureza dos mesmos- trafeguem
por vários nichos de significado, podemos estabelecer três eixos de tipologia. Em primeiro lugar, estão
Dentro da recente história da arte brasileira, os anos 70 são extremamente significativos porque foi quando agrupados artistas que- ao lado das séries de Marcello Nitsche e Anna Bella Geiger- parecem encontrar,
certos artistas começaram a se dar conta de alguns problemas fundamentais para a arte do pais e do mundo. nas imagens e formas criadas pela história da arte (em seus aspectos mais amplos), uma espécie de porto
seguro para as aspirações dos artistas. No segundo conjunto, figuram artistas cujas montagens de auto-
Em primeiro lugar, eles assumiram a consciência de que, devido ao clima de repressão política e social retratos têm como parametro imagens dos meios de comunicação de massa, denunciando a presença
imperante no Brasil naquela época, eram muito limitados (na verdade quase inexistentes) os espaços massacrante dessa iconografia em nosso cotidiano. Já no terceiro, incluem-se aqueles que buscam nas
de atuação do artista numa esfera mais ampla da sociedade. Ilhados pelo clima claustrofóbico criado fotos que lhes foram feitas no decorrer de suas vidas a base para seus auto-retratos de adultos. ..
pela -censura oficial e pela autocensura, esses artistas iriam buscar mecanismos para continuar
produzindo obras contundentes, embora não mais explicitamente contrárias ao status quo. ~ nesse
momento, como sertl visto, que surgirão as primeiras grandes alegorias sobre a situação do artista e No primeiro eixo poderiam ser arroladas as obras de Albano Afonso, Lau Caminha Aguiar, Sandra
das artes visuais no Brasil, no último quartel do século passado. Cinto, Rochelle Costi, Gabriel Figueiredo, Jac Leirner, Simone Michelin, João Modé, Fábio Noronha.
Gustavo Rezende, Edgard de Souza e Márcia Xavier.
Aliadas a essa situação local e circunstancial. as artes visuais viviam, tanto no Brasil quanto no exterior, um
perfodo de profundo refluxo e autoquestionamento. Eram colocados em dúvida todos os pressupostos Albano Afonso apresenta fotos apropriadas, retratando, respectivamente, os ateliês de Branrusi e de Matis:se,
que, até então, bem ou mal. dirigiam a atuação dos artistas mais participativos. Tal situação obrigaria
ao lado de uma fotografia do próprio estúdio e de uma quarta, em que o artista se auto-retrata em seu


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ambiente de trabalho. A justaposição das quatro imagens completa um auto-retrato aparentemente anti logo Por sua vez, Eli Sudbrack, em seu vídeo Just Like a Movie Star, parece adequar-se- não sem uma forte
àqueles de Anna Bella Geiger. Porém, se no trabalho da artista mais velha, o veio é a ironia e mesmo o dose de ironia - aos estereótipos dos fcones mais visfveis da cultura de massa, deixando de lado o
deboche, na seqüência proposta por Albano percebe-se um desejo de ver-se incluido naquela tradição. Tal papel de "artista plástico" para abraçar o papel de pop star- um tipo de produto muito mais palatável
desejo de pertencer, de fundir-se numa trad1ção especifica. cujo maior interesse não está propriamente na para o consumo rápido das massas ...
obra do artista, mas na sua persona e no cendrio em que atua, ganha foros de extrema dramaticidade.
Complementando a participação desse artista na exposição, será apresentado um mostruário de
lau Caminha Aguiar, por sua vez, em seu zootrópio Auto-Retrato Diante da Utopia e da Entropia (2000), cartões-postais de Sudbrack em situações as mais estereotipadas. transpostas digitalmente para fotos
acopla uma série de auto-retratos (reproduções de sua cabeça vista de frente e de trás). buscando- dentro onde aparecem os grandes cartazes que povoam e poluem a paisagem da cidade de São Paulo.
da história dos 1nstrumentos mecânicos de reprodução do mov1mento humano ou animal - o locus de
encontro entre sua 1magem e as ferramentas necessàrias para o desenvolvimento de uma poética cinemãtica.
No terceiro eixo que complementa essa série de montagens aqui apresentadas estão, como foi dito, os
Na montagem da série Noites de Esperança (2000), que Sandra Cinto apresenta nesta exposição, a trabalhos de artistas que se apropriam de retratos deles próprios feitos por alguém, para álbuns de familia.
artista irã buscar na iconografia tradiCional das esculturas de Pieta as bases para o seu sensivel São auto-retratos de profundo interesse não apenas estético, como também psicológico e sociológico.
comentano de fundo autobiográfico, com profundas preocupações de cunho social.
Em termos cronológicos, o mais antigo deles é Mulheres Iluminadas {1988), de Rosàngela Rennó, em
Já Rochelle Cost1, Gabnel Figueiredo e Márcia Xavier, por meio da fragmentação da imagem dos que a artista aparece ao lado de sua irmã, em Copacabana, quando criança. Dentro do contexto da
proprios corpos, parecem querer redefinir certos postulados da tradição da colagem, em alegorias série a que pertence {Pequena Ecologia da Imagem, do início da carreira de Rennó}, Mulheres
dramaticas, emblemas contundentes da situação do anista nos dias de hoje. representa uma tentativa de resgate poético de uma infância encarada já como um outro tipo de
parto seguro, de paraiso perdido, diante das expectativas sombrias do futuro.
Rochelle rouba. seqüestra a prôpria imagem, criando ritmos de cores e formas que discutem, de
maneira completamente original, a questão da autoria. De quem é o retrato, quem é o autor ou o O mesmo espirito percebido no trabalho de Rennó é sentido na foto A Travessia Dificil {2000), de
modelo? Onde termina o retrato para se iniciar o auto-retrato? Sandra Cinto. A infância. aqui, parece ser o espaço da felicidade cega, de confiança absoluta no devir.
Mesmo na "caixa de memória" de Nazareth Pacheco. em que o bebê mutilado pelas cirurgias parece
Marcia Xavier, fotografando-se sem se ver, reconstrói seu corpo a partir de fragmentos que. justapostos, confiante em sua inocência, apresenta-se, de novo, a infância como espaço de felicidade sem limites,
aludem a destroços destituidos de qualquer identidade. O que representam aquelas formas. a não ser sempre quando revisto pelo olhar do adulto.
módulos. objetos, mercadorias dispostas numa ordem que nega qualquer condição de subjetividade?
Igualmente no livro de artista de Alex Hamburger as imagens do artista-poeta quando jovem são
Gabnel Figueiredo, por sua vez - e de maneira extremamente discreta -, propõe uma outra pontuações precisas e líricas de um espaço de tranqüilidade perdida com o crescimento.
possib11idade para se pensar a fotografia (digital ou não) como documento de uma ausência: o corpo
do artista - e do espectador - dá-se pelo vazio formado entre os sinais de um corpo visto de cima e Fábio Carvalho brinca. em Espelho Mnêmico (1998), com as relações metafóricas entre fotografia e
visto de baixo (o corpo do artista). Na busca da imagem do artista. o espectador encontra a si mesmo .. espelho, como se fixasse neste último os vários momentos de sua transformação de criança em adulto ...

Fabio Noronha, contrapondo-se ao uso cada vez mais comum da fotografia digitalizada, desenvolve seu Talvez o único trabalho em que a imagem do artista quando jovem é revista com um grau de
auto-retrato de maneira extremamente singular, aproximando-se conceitualmente da produção de Marcello perversidade pouco percebido nos trabalhos com esse teor seja o CD-ROM de Clarissa Borges
Nitsche aqui apresentada. Num primeiro momento. o artista fotografa seu próprio rosto, cuidando para que Fotografica Memória (2000). Nele, o corpo da artista quando garotinha é explorado pelo olhar do
certas deformações de enquadramento sejam bastante valorizadas. Na seqüência, propõe que uma artista espectador que reage às possibilidades do meio como um voyeur culpado ao perceber o quanto de
realize dez reproduções de seu auto-retrato fotográfico. apropriadas pelo artista para o desenvolvimento do sensualidade pode existir no corpo de uma criança, quando não tomamos consciência de que aquilo
trabalho final. Contra a frieza do meio fotográfico, digital ou não, o artista, então, impõe o aspecto cálido que estamos vendo aos poucos não é, de fato, o corpo de um adulto, mas de um quase-bebê.
do desenho a mão livre pautado- ironicamente!- numa imagem fotográfica. Auto-retrato, tornado retrato,
tornado de novo autcrretrato, uma ciranda onde o artista e a história das técnicas são os únicos parâmetros.
Sobre o que falam todos esses trabalhos. além do confinamento a que o artista plástico foi relegado nessas
Em Retrato do Artista Quando Jovem (1998), Gustavo Rezende estabelece como base estilística para últimas décadas? Sobre o que falam esses trabalhos. a não ser sobre a crise do sujeito nessa passagem de
a produção desse seu auto-retrato os retratos do primeiro renascimento europeu. J.i Edgard de Souza. milênio, um sujeito destituído de qualquer crença em projetos que restituam a crença no devir?
João Modé e, de novo, Gustavo Rezende, com a peça O Enigma de Thompson Clark e os Pesadelos
de Mark (1998). viajam - por meio do processo de digitalização da imagem fotográfica - pela Imersos no universo autocentrado das imagens que lhes confere legitimidade como artistas e enquanto
iconografia artistica européia, entre a Idade Média e o barroco, duplicando, triplicando as próprias indivíduos. mais do que nunca, esses artistas e essas obras chamam a atenção para o impasse profundo da arte
imagens em soluções técnicas aparentemente simples. mas de forte apelo visual e simbólico. nos dias de hoje, ilhada e sem possibilidade aparente de recompor uma linha de atuação menos comprometida
consigo mesma e sua história e mais antenada com o que vai pela cabeça e pelo coração do outro.
Cumpre aqui ressaltar que os auto-retratos dos três artistas, embora concebidos a partir de imagens
produzidas por eles próprios, passam por um sofisticado processo de "manipulação digital" , no qual E é nesse contexto que o trabalho Auto-Retratos (2000), de Paulo Gaiad, pode servir de contraponto.
as diversas imagens que os compõem são trabalhadas como imagens já prontas, desprovidas do Ao invês de se apropriar de retratos que outros fizeram dele. o artista se apropria de depoimentos.
estatuto meramente indiciai (primeira caracteristica de toda e qualquer imagem fotográfica) para em que pessoas das mais diversas origens e profissões testemunham sobre suas vidas. A partir desses
ganharem um caráter simbólico fundamental, que só amplia o alcance das alegorias que estabelecem. depoimentos, Gaiad cria interpretações do mesmo, transformando esse processo num grande auto-
retrato que se nutre não de sí mesmo, mas do outro ...
Ainda dentro desse contexto- mas, ao mesmo tempo, já fazendo a ponte para um segundo eixo em que as
alegorias surgem em fotos dos artistas realizadas por terceiros em outros momentos de suas vidas -. destaca-
se o video de Simone Michel in O Intervalo entre as Coisas (1998), da série A Noiva Descendo a Escada . O video Tadeu Chiarelli
junho- julho 2001
reproduz uma foto onde estão representadas três crianças: dois garotos ladeando uma menina (a própria
artista), que, por meio de um processo de animação, acena para o espectador. Sob as três figuras, lêem-se os
nomes (da esquerda para a direita): Muntadas. Michelin e Marinetti. Igualmente, num procedimento muito
próximo àquele usado por Geiger nos trabalhos presentes nest:l mostra, Michelin se inclui no contexto de uma
história da arte "futurista", ligada às novas tecnologias, "colocando-se" ao lado de dois dos principais nomes
intemadonais ligados àquela vertente (Marinetti, ícone das propostas transformadoras da modernidade do
século XX; Muntadas, um dos lcones internacionais de uma arte politizada e ligada às novas tecnologias). BIBUOGRAFIA
AOES, Oawn. Photomont~. London: Thames and Hu<hcn, 1996. 176 p.
CHIARELLI, Tadeu. Constdera(ôes sobre o uso de imagens de segunda gera(ao na arte (onwmporanH. In; IMAGENS de S{'9undagera<;c\o. s.ao
A obra Pulmão, de Jac leirner, entra aqui como um comentaria extremamente irônico ao conceito de Paulo: Museu de Arte Contemporanea da Unive!"lidade de 5.io Paulo, 1987. 23 p, il. p&b.
arte como arena de extravasamento da "interioridade" do artista, como uma certa história da arte COELHO NETTO. Jo!oé Teü.;eira. Semióf'icol, inforrn.a(do e comunicaoç.Jo: dtagrama da tt'Ofla do Signo. 4 ed. 5.\o Paulo: ~rspe<tiva, 1996. 224 p.,
pretendeu ler o fato artistico ... i!. (Debates).
OEL R!O, V1ctor. El efrcto Photoshop. Lápiz. Revista Internacional de Arte. Madnd, ano 20. n. 169-170, p. 100.107.
OUBOtS, Phihppe. o .JI'O forogt.lfteo ~ ourros e.'l.Saios. Fotografia Renato L. Testa; design de capa Fernando Cornac(hia; tradU(ao Mariroa
Appenzeller. 3 ~- Campin.s: Papir..a, 1999. 362 p., 11. p&b., color. (Oflelo de arte e fOimaJ.
No eixo das montagens que trabalham com auto-retratos acoplados ao universo da cultura de massas, KOSINSICI, Oorothy tOrg .). El artiSra y I.J c.lmara: dt ~as a Pi(a5SO. B~bao: GuggenM<n, 2000.
encontram-se os trabalhos de Gustavo Rezende e Eli Sudbrack. OWENS, Craig. Th~ allegon(al 1mpulse: toward a ti"I!OfY of postrnodem.sm. In: WALUS. Bnan. IE~.). A!f atrer modemism; rethinkifHJ
representation. Nt">N York: lhe Ntw MI.IHum of Cont~mpC>I'af) Att Boston: O. R. GOdu'\e, 1984. 461 p.. 11.
De Rezende, a obra Hero (2000)- composta de tr@s fotografias digitalizadas, seccionadas e dispostas em PHOTOPlAY: obras da The Chase Maohanan Colle<:tion. Organllat;;.lo Lisa Phillips; tradut;;~ Clittord E. t.anders. New Yont: ~ Chase Manhanan
Corporation. 1993. 200 p., il.
triedros que, por sua vez, se movem por meio de um motor- refaz um tipo de cartaz publicitário bastante
PICAZO, Gloria; RIBALTA. Jotge. fndiktenc.i.J y lif19ui.JridMJ:. la fotografia em el pens.lmitnto artiStKo COO~J)OfaMO. Barcelor\a: Museu d"Art
vislvel em algumas ruas de SAo Paulo. Nela, o artista é visto como um atleta na ação de nadar, ou como Conttmporani de Barcelona, 1997.
um modelo publicit.lrio de alguma academia de gin.istica. Rezende aqui, propositadamente, deixa de lado SCHNEIOER, Norbert. A arte do rerraro. Tradut;;.ao Teresa CuM>Io. Co!bnia: Taschen. 1997. 180 p.
qualquer interesse de revelar-se como sujeito, tornando-se mais uma imagem de consumo rápido.

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