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BARBIER, Renée. A pesquisa-ação. Tradução de Lucie Didio.

Brasília: Liber
Livro Editora, 2007. p. 03 - 36. ISBN: 85-98843-01-6 (Série Pesquisa, v.3).

Tradução Lucie Didio

Ser do pulo. Não ser do festim, seu epílogo. René Char

O que foi compreendido não existe mais,


O pássaro confundiu-se com o vento;
O céu, com sua verdade;
O homem, com sua realidade.
Paul Eluard

Age
porque tu sabes
A vida não tem fronteiras
Busca porque tu trazes
O símbolo no qual fervilha o sentido.

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO - página12
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA - página 13
INTRODUÇÃO - página 17
CAPÍTULO 1 - HISTÓRICO DA PEsQUISA-AçÃo - página 25
1. O período de emergência e de consolidação - página 25
2. O período de radicalização política e existencial - página 31
CAPÍTULO 2 - A NOVA PEsQUISA-AÇÃO E SEU QUESTIONAMENTO
EPISTEMOLÓGICO - página 37
1. A antiga pesquisa-ação: uma metodologia experimental para a ação - página 38
2. A diversidade dos tipos de pesquisa-ação – página 41
2.1 As pesquisas-ações de inspiração lewiniana ou neolewiniana- página 41
2.2 A consulta-pesquisa de inspiração analítica ou socioanalítica - página 42
2.3 A ação-pesquisa - página 42
2.4 A experimentação social - página 43
3. Psicologia experimental e mudança social - página 45
4. Crítica da sociologia positivista pela nova pesquisa-ação - página 49
4.1 As hipóteses relativas à ciência, ao conhecimento e à mudança - página 53
4.2 O processo de pesquisa - página 54
4.3 A metodologia e os instrumentos de pesquisa - página 56
4.4 O novo papel do sociólogo - página 56
5. A nova pesquisa-ação - página 57
CAPÍTULO 3 - A PEsQUISA-AçÃo EXISTENCIAL, INTEGRAL, PEsSOAL
E COMUNITÁRIA - página 63
1. A pesquisa-ação existencial - página 66
Uma arte - página 67
De rigor clínico - página 69
Desenvolvida coletivamente - página 70
Com o objetivo da adaptação relativa de si ao mundo - página 71
2. Pesquisa-ação existencial e pesquisa-ação integral - página 73
2.1 Um modelo aberto da pesquisa-ação - página 74
2.2 A pesquisa-ação integral de André Morin (1992) - página 77
CAPÍTULO 4 - As NOÇÕES-ENTRECRUZADAS EM PESQUISA-AçÃo -
página 85
1. A complexidade - página 87
2. A escuta sensível - página 93
2.1 A escuta sensível e multirreferencial não é um rótulo social - página 95
2.2 A escuta sensível e multirreferencial não é a projeção de nossas angústias ou
de nossos desejos - página 96
2.3 A escuta sensível e multirreferencial não está assentada sobre a interpretação
dos fatos - página 96
2.4 A escuta sensível se apóia sobre a totalidade complexa da pessoa: os cinco
sentidos - página 98
2.5 A escuta sensível e multirreferencial é, primeiramente, uma presença
meditativa - página 99
3. O pesquisador coletivo e sua escrita - página 103
3.1 O pesquisador coletivo - página 103
3.2 A escrita coletiva - página 105
4. A mudança - página 106
5. Negociação e avaliação - página 110
6. Do processo - página 111
6.1 Os processos e suas lógicas - página 113
7. Da autorização - página 114
CAPÍTULO 5 - O MÉTODO EM PESQUISA-AçÃo - página 117
1. A identificação do problema e a contratualização - página 119
2. O planejamento e a realização em espiral - página 121
3. As técnicas da pesquisa-ação - página 125
3.1 A observação participante predominantemente existencial (OPE) - página 126
3.2 A técnica do diário de itinerância - página 132
4. A teorização, a avaliação e a publicação dos resultados - página 143
REFERÊNCIAS BmLIOGRÁFIcAS - página 147
SOBRE O AUTOR/SOBRE A TRADUTORA - página 159
APRESENTAÇÃO
A Série Pesquisa tem como seu terceiro volume um rico texto de René Barbier
sobre a pesquisa-ação, trazendo uma visão que avança em relação às premissas
dessa modalidade investigativa da realidade social tal como se apresentou na
primeira metade do século passado. Oferece um bom histórico sobre a pesquisa-
ação, trazendo questionamentos epistemológicos importantes, propondo uma
nova perspectiva que o autor chama de pesquisa-ação existencial/integral,
fazendo uso da escuta sensível, da idéia de pesquisador coletivo, da
complexidade. Contribui com a elucidação do método em pesquisa-ação, dentro
da perspectiva em que se posiciona.
O texto coloca-se no escopo desta série, no sentido de contribuir para o
desenvolvimento de atitudes e formas de ação investigativas na área educacional,
que tragam para essa área contribuições consistentes. Nesse sentido, muitas
perspectivas no trato da pesquisa ainda serão desenvolvidas nos próximos textos,
oferecendo um leque de possibilidades formativas aos que desejarem conviver
com a pesquisa educacional, quer como autor-produtor, quer como autor-
consumidor.
Bernardete Angelina Gatti - Coordenadora da Série Pesquisa

PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

O século 20 assistiu à institucionalização definitiva da sociologia no mundo e nas


suas múltiplas tendências teóricas e metodológicas. A pesquisa-ação se inscreve
neste desdobramento histórico da sociologia tendo, por um lado, como
preocupação, a revolução epistemológica e por outro a eficácia política e social.
A dimensão do transtorno epistemológico não foi de imediato percebida pelos
sociólogos. Eles avaliaram, durante um longo tempo, a pesquisa-ação como uma
corrente secundária dentro da sua área disciplinar. A pesquisa-ação parecia muito
próxima da psicossociologia, distanciando-se assim da suposta "pureza" das
obras dos grandes fundadores como Durkheim, Marx ou Max Weber. Os
franceses, particularmente, possuem o gosto pela reflexão teórica e depreciam o
mergulho na pesquisa de campo. Numerosas obras de apresentação da
sociologia, ainda hoje, não mencionam a pesquisa-ação. Se o Manuel des
sciences sociales de Madeleine Grawitz (Dunod) oferece-lhe um lugar privilegiado,
outros como Méthodes en Sociologie (PUF) de Raymond Boudon ignoram-na
totalmente. Inútil, ainda hoje, procurar esta orientação teórica nos cursos atuais
(2002) de sociologia da educação (nas licenciaturas em ciências da educação)
nas universidades francesas. Ora, sabe-se que existem inúmeras experiências de
inovação pedagógica nas escolas, nos colégios e nas universidades que se
prestam à abordagem da pesquisa-ação, sem contar projetos realizados no
campo do trabalho social. Regra geral, somente entre os psicossociólogos
encontramos uma maior difusão desta metodologia, o que viemos a confirmar
recentemente na publicação da Revue lnternationale de Psychosociologie que
consagrou uma edição à pesquisa-ação.
Eu comecei a desenvolver a pesquisa-ação pedagógica no início dos anos 70. Na
época, meu diretor de tese JeanClaude Passeron, não tendo grande inclinação
para trabalhar seguindo a metodologia da pesquisa-ação, teve a inteligência de
me confiar um contrato de pesquisa que o Ofício FrancoAlemão da Juventude
havia negociado com ele. Dentro dos quadros daquela grande organização
binacional, eu realizei meus principais trabalhos de pesquisa-ação durante 20
anos. Foi mediante a ação mesmo que eu descobri, pouco a pouco, a que ponto a
pesquisa-ação impunha uma outra visão das ciências humanas e da sociedade.
A pesquisa-ação obriga o pesquisador de implicar-se. Ele percebe como está
implicado pela estrutura social na qual ele está inserido e pelo jogo de desejos e
de interesses de outros. Ele também implica os outros por meio do seu olhar e de
sua ação singular no mundo. Ele compreende, então, que as ciências humanas
são, essencialmente, ciências de interações entre sujeito e objeto de pesquisa. O
pesquisador realiza que sua própria vida social e afetiva está presente na sua
pesquisa sociológica e que o imprevisto está no coração da sua prática. Mais e
mais ele percebe que as metodologias tradicionais em ciências sociais devem ser
retomadas, desenvolvidas e reinventadas sem cessar no âmbito da pesquisa-
ação. Esta não exclui os sujeitos-atores da pesquisa. O pesquisador descobre que
na pesquisa-ação, que eu denomino pesquisa-ação existencial, não se trabalha
sobre os outros, mas e sempre com os outros. Ele não apresenta sozinho seu
relatório de pesquisa ao solicitante da pesquisa (laboratório de pesquisa, órgão
público etc), sem antes o ter apresentado ao seu grupo de pesquisa de campo,
principal interessado. Quando possível, ele o redige coletivamente.
O trabalho de implicação do pesquisador em ação o conduz, inelutavelmente, a
reconhecer sua parte fundamental na vida afetiva e imaginária de cada um na
sociedade. Ele descobre todos os reflexos míticos e poéticos, assim como o
sentido do sagrado freqüentemente dissimulado nas atividades mais banais e
cotidianas. Para emprestar sentido às formas de socialidade encontradas e para
partilhá-las e discuti-Ias, ele precisa reinventar uma outra sociologia da ação que
não exclui o que Michel Maffesoli denomina a razão sensível. Este é o motivo pelo
qual eu acredito que a pesquisa-ação é a metodologia específica de uma teoria
mais abrangente que eu nomeio como Abordagem transversal, a escuta sensível
em ciências humanas (paris: Anthropos, 1997).
A abordagem transversal reconhece a importância primordial do imaginário
tridimensional (pulsional, social e sacra!) que ultrapassa as categorias
classificatórias habituais em ciências humanas. Dentro da perspectiva da
complexidade, tão cara a Edgar Morin, ela desenvolve uma teoria da escuta-ação
deste imaginário nos planos científico, filosófico e poético. A abordagem
transversal inventa instrumentos concretos de pesquisa como a observação
participante existencial e o jornal de itinerância. Ela requer do pesquisador ser
mais que um especialista: por meio da abertura concreta sobre a vida social,
política, afetiva, imaginária e espiritual, ela faz um convite para que ele seja
verdadeiramente, e talvez, tão simplesmente, um ser humano (Krishnamurti, Le
courrier du livre, 2000).

René Barbier - Paris, maio de 2002.

INTRODUÇÃO

Há mais de cinqüenta anos, surgiu uma abordagem específica em Ciências


Sociais, denominada pesquisaação, e foi desenvolvida no mundo, notadamente a
partir dos Estados Unidos. Em 1986, por ocasião de um colóquio no Institut
National de Recherche Pédagogique (INRP), os pesev.Iisadores partiram da
seguinte definição: "Trata-se de pesquisas nas quais há uma ação deliberada de
transformação da realidade; pesquisas que possuem um duplo objetivo:
transformar a realidade e produzir conhecimentos relativos a essas
transformações" (Hugon, Seibel, 1988, p. 13). Uma concepção clássica da
pesquisaação consiste em pensar que essa nova metodologia somente é um
prolongamento da pesquisa tradicional em Ciências Sociais.
Uma outra concepção, mais radical, dá lugar a uma revolução epistemológica
ainda a ser amplamente explorada.
O objetivo desta obra visa mostrar a pertinência dessa segunda perspectiva. A
pesquisa-ação não é uma simples transfiguração metodológica da sociologia
clássica. Ao contrário, ela expressa uma verdadeira transformação da maneira de
conceber e de fazer pesquisa em Ciências Humanas.
Veremos que, ao enveredar por esse caminho, a pesquisa-ação conduz a uma
nova postura e a uma nova inscrição do pesquisador na sociedade, pelo
reconhecimento de uma competência em busca de técnicos do social. Nessa
perspectiva, a pesquisa-ação toma-se existencial e passa a perguntar sobre o
lugar do homem na natureza e sobre a ação organizada para dar-lhe um sentido.
Ela se define, então, em sua relação com a complexidade da vida humana,
tomada em sua totalidade dinâmica, e não mais se justifica diante da relação do
desconhecido que lhe revela a finitude de toda existência. A pesquisa-ação pode
se afirmar, nesse extremo, como transpessoal e ir além, ao mesmo tempo que as
integra, das especificidades teóricas das Ciências Antropossociais e dos diferentes
sistemas de sensibilidades e de inteligibilidades propostos pelas culturas do
mundo. Entrar numa pesquisa-ação sob essa perspectiva obriganos a percorrer
diversos campos de conhecimento e a falar uma linguagem científica dotada de
um certo poliglotismo. A abordagem multirreferencial dos acontecimentos, das
situações e das práticas individuais e sociais (Ardoino, Barbier, 1993) constitui a
maior referência a isso.
O pesquisador em pesquisa-ação não pode mais se definir simplesmente como
"sociólogo" ou "psicossociólogo". Sua competência múltipla ultrapassa
consideravelmente esse tipo de classificação monodisciplinar ligada a um
pensamento chamado de aristotélico por Kurt Lewin (1972). No decorrer de sua
prática, ele é às vezes sociólogo, ou psicossociólogo, ou filósofo, ou psicólogo, ou
historiador, ou economista, ou inventor, ou militante, etc. Ele descobre as áreas do
conhecimento de um pensamento galileano aceito em sua plenitude significante.
O pesquisador desempenha, então, seu papel profissional numa dialética que
articula constantemente a implicação e o distanciamento, a afetividade e a
racionalidade, o simbólico e o imaginário, a mediação e o desafio, a autoformação
e a heteroformação, a ciência e a arte.
O pesquisador em pesquisa-ação não é nem um agente de uma instituição, nem
um ator de uma organização, nem um indivíduo sem atribuição social; ao
contrário, ele aceita eventualmente esses diferentes papéis em certos momentos
de sua ação e de sua reflexão. Ele é antes de tudo um sujeito autônomo e, mais
ainda, um autor de sua prática e de seu discurso. O processo de autorização -
tomar-se seu próprio autor - segundo Jacques Ardoino (1977) leva-o juntamente
com outros a formarem, na incompletude, um grupo-sujeito no qual interagem os
conflitos e os imprevistos da vida democrática.
Nisso, a pesquisa-ação é eminentemente pedagógica e política. Ela serve à
educação do homem cidadão preocupado em organizar a existência coletiva da
cidade. Ela pertence por excelência à categoria da formação, quer dizer, a um
processo de criação de formas simbólicas interiorizadas, estimulado pelo sentido
do desenvolvimento do potencial humano.
Temos certeza de que podemos fazer com que os estudantes do primeiro e do
segundo ciclos de Ciências Sociais, bem como os nossos colegas preocupados
com uma abertura interdisciplinar, compreendam nossa concepção radical da
pesquisa-ação nas páginas que se seguem.

As novas ciências antropossociais

Se não se espera, não se encontrará o inesperado, que é impenetrável e


inacessível.
Heráclito de Éfeso

Hoje os pesquisadores em Ciências Humanas e Sociais percebem os limites cada


vez mais evidentes da cientificidade tradicional de suas disciplinas, desde o
momento em que eles estudam os problemas cruciais da sociedade atual. Talvez
esses limites tenham a ver com a maneira pela qual os filósofos do Ocidente,
como Hegel, quiseram ignorar a inteligibilidade da relação com o mundo dos
demais povos, particularmente dos do Sul. Nessa perspectiva, é provável que
nossa cientificidade esteja fundada sobre o desequilíbrio do funcionamento, como
a sinergia dos dois hemisférios do cérebro, como afirma Rachei Desrosiers-
Sabbath, a partir de suas pesquisas sobre criatividade que suscitam um outro tipo
de aprendizagem. Paul Watzlawick (1986) tem razão em novamente conceder um
lugar essencial ao hemisfério direito que assegura a percepção holística dos
elementos na comunicação terapêutica. Tobie Nathan, em Etnopsiquiatria, propõe
- como ponto de partidaa loucura dos outros para tratar o conjunto de dados das
relações interculturais em nossa sociedade (1986). Na verdade, todos os
cientistas, formados à moda ocidental, deveriam praticar uma arte expressiva para
permanecer abertos ao mundo. Não será Jean-Pierre Changeux que vai nos
contradizer já que nos propôs uma reflexão recente, de alcance filosófico, sobre a
criação em Raison et plaisir (1994).
Após um sem-número de pesquisas, em Sociologia, em História, em Economia ou
em Psicologia, empreendidas com vivacidade e eficácia e freqüentemente com
meios não negligenciáveis nos grandes laboratórios, os problemas permanecem
ainda obscuros, alienando as pessoas e os grupos neles envolvidos com tanta
força ainda, que se pensava poder, enfim, dispor de uma solução com
conhecimento de causa. O que nos dizem, na verdade, as Ciências
Antropossociais tradicionais sobre a "exclusão" social e o fracasso escolar, sobre
a relação pedagógica em sua dimensão afetiva, sobre a emoção ligada à
sexualidade ou sobre as dificuldades de entendimento entre pais e filhos? Em que
elas prevêem, mesmo sem muita nitidez, a evolução das tensões sociais? Elas
não são nem mais, nem tampouco menos eficazes do que as ciências ditas
"duras" que se chocam contra o lado imprevisível das catástrofes naturais, como
os terremotos, por exemplo, (Califórnia, janeiro de 1994), ou que não sabem o que
é "cientificamente" o fogo, os segredos da vida de uma árvore ou a natureza
essencial da água.
Diante dessa constatação desenganada da ação pouco eficaz das ciências do
homem e da sociedade, muitos pesquisadores sensibilizaram-se e reconsideraram
sua maneira de explorar a realidade psicológica e social. Estou impressionado
com o espírito do que eu chamarei as "novas ciências antropossociais" que
tendem a reconhecer um lugar cada vez mais importante à sensibilidade da ação
humana (Barbier, 1994). Não se pode ignorar a sensibilidade, enquanto fato social.
Ela está inserida na evolução das relações sociais contemporâneas que
desvalorizam a violência privada (vingança, crueldade e código de honra das
sociedades arcaicas) e supervalorizam o poder do Estado e o imaginário da
insegurança, como o demonstraram Norbert Elias em La civilisation des moeurs,
na história das mentalidades, ou Gilles Lipovetsky em L' ere du vide, apoiando-se
nas teses de Pierre Clastres.
Já há muito tempo, uma primeira corrente em Ciências Sociais havia se
distanciado da Sociologia clássica de tendência francamente positivista, propondo
uma sociologia do acontecimento ou da cotidianidade, uma sociologia e uma
antropologia do sentido simbólico da vida, uma sociologia da socialidade, na qual
a dimensão dionisíaca da vida coletiva não esteja excluída da pesquisa.
Reconhecem-se aí os trabalhos realizados pelas equipes de Edgar Morin, de
Henri Lefebvre, de Gilbert Durand, de Roger Bastide, de Georges Balandier, de
Georges Lapassade, de Jean Duvignaud ou de Michel Maffesoli, sem contar os de
todos os etnólogos que seguiram sem restrições esse rumo - as obras da coleção
"Terre Humaine" de Jean Malaurie, editadas pela Plon. O etnólogo Pascal Dibie,
por exemplo, propôs uma interessante pesquisa sobre a etnologia do quarto de
donnir (1987). A filosofia e a história das religiões desempenharam igualmente um
papel nada desprezível graças às correntes fenomenológicas (Henri Corbin,
Mircea Eliade, Rudolphe Otto). Mais recentemente sociólogos, como Vincent de
Gaulejac e Shirley Roy, não hesitàram em desenvolver um pólo de "sociologia
clínica", em âmbito mundial, a partir de pesquisas implicadas (1993). Georges
Bertin, JeanMarie Brohm, Louis Vincent Thomas abrem a Antropologia para o
corpo, para a morte, para o imaginário, para o sagrado. Outros, seguindo a
corrente de Oscar Lewis e de Franco Ferrarotti, sempre mais chegados à
pedagogia, à ecoformação e à formação experiencial dos adultos ou do trabalho
social, fizeram literalmente emergir um campo de pesquisa fecundo em tomo das
"histórias de vida" (Daniel Bertaux, Guy Bonvallot, Maurizio Catani, Dominique
Cottereau, Bemadette Courtois, Pierre Dominicé, Pascal Galvani, Christine Josso,
Jean-Louis Le Grand, Guy de Villers, Gaston Pineau). Eles prolongam, com isso, a
teoria da implicação, há muito tempo preconizada e teorizada não só pelos
teóricos da análise institucional ou da pesquisa-ação (René Barbier, Michel
Bataille, Patrick Boumard, Henri Desroche, Jean Dubost, Matthias Finger, Jacques
Guigou, Rémi Hess, René'Lourau, Antoine Savoye, Patrice Ville, e pelos
canadenses Jacques Grand'Maison, Gabriel Goyette e Michelle Lessard-Hébert,
André Morin, Anne-Marie Thirion ou pelos americanos Gerard I. Susman e Roger
Evered, etc.) como também pelos "companheiros de estrada", mais
"psicossociólogos" (Jacques Ardoino, Jacky Beillerot, Eugene Enriquez, Florence
Giust-Desprairies, Michel Lobrot, André Lévy, Gérard Mendel, Max Pages). Outros
sociólogos parecem igualmente aderir ao reconhecimento do sensível em suas
abordagens (Jean-Pierre Pourtois ou Régine Sirota).
De minha parte, estou convencido do caráter totalmente indispensável desse tipo
de pesquisa desde minhas primeiras pesquisas-ações para o Office Franco-
Allemand pour Ia Jeunesse, com Max Pages, nos meados dos anos 70. Mas,
como eu já o havia pressentido - durante esses anos de participação ativa numa
comunidade de trabalho na Bretanha, fundada por Bemard Besret e por cristãos
contestadores, ambiente onde eu intervinha com a fúria de um sociólogo agnóstico
dos anos 70 - essa concepção de sociologia clínica deixa um pouco no escuro a
parte do homo religiosus (Mircea Eliade), a da "vida simbólica" (Carl Gustav Jung)
e ipso facto uma grande parte de uma necessária "abordagem multirreferencial"
(Jacques Ardoino) cujas fronteiras ainda bastante desconhecidas ampliei a partir
daí (Barbier, 1992). Com essa abertura polifônica, uma sociologia clínica abre-se,
então, para uma verdadeira sensibilização na abordagem mitopoética da vida coti-
diana. Sem caírem num misticismo fora dos caminhos científicos, teóricos como
Edgar Morin ou, mais recentemente, Henri

Desroche, com sua revista Anamnese, Michel Maffesoli, com sua revista Sociétés,
ou ainda Jean-Marie Brohm e Louis Vincent Thomas, com seu Galaxie
anthropologique, não hesitam em sustentar a necessidade dessa "brecha" na
pesquisa em Ciências Antropossociais.

CAPÍTULO 1
HISTÓRICO DA PESQUISA-AÇÃO

À força de lembrar o essencial em nome do urgente, acaba-se por esquecer a


urgência do essencial.
Edgar Morin

É difícil compreender os desdobramentos atuais da pesquisa-ação sem voltar a


seus fundamentos históricos (Hess, 1983). Sem se prender excessivamente à fase
inicial da pesquisa-ação, destacam-se, em função de seu processo de
radicalização epistemológica, dois períodos:
1) o período - mais americano - de emergência e de consolidação entre os anos
que precedem a Segunda Guerra Mundial e os anos 60;
2) o período de radicalização política e existencial, mais europeu e canadense,
desde o final dos anos 60 até nossos dias.

1. O período de emergência e de consolidação

Como toda disciplina científica, a pesquisa-ação não nasce espontaneamente. Ela


tem suas raízes num passado mais ou menos distante.
Seria preciso, sem dúvida, desenterrar as raízes nos métodos de investigação
propostos pelos pesquisadores em Ciências Sociais do século 19 e do primeiro
quartel do século 20. Penso na obra L' enquete ouvriere, de Karl Marx, que, em
seu tempo, incitava os operários das fábricas a refletirem sobre suas condições de
vida, respondendo a uma sondagem, concebida como um instrumento militante,
por meio de um questionário. Penso ainda nas monografias sobre os orçamentos
familiares dos operários europeus de Frédéric Le Play, as quais inauguravam os
primeiros esboços de uma sociologia qualitativa. Na Europa e, mais
particularmente, na França, foi a escola sociológica de Émile Durkheim que
triunfou, eclipsando os le playsianos e seus seguidores que trabalhavam em
monografias, como o demonstraram com muita propriedade Antoine Savoye e
Bemard Kalaora. A partir daí, os fatos sociais serão considerados como objetos, e
as estatísticas tornar-se-ão o auxiliar indispensável de toda investigação
sociológica. Em verdade, na Alemanha não ocorreu o mesmo graças à influência
de uma forte tendência filosófica em Ciências Sociais. Autores como Wilhelm
Dilthey, Georg Simmel, Ferdinand Tonnies, Alfred Vierkandt ou Max Weber
mantiveram firme a necessidade de compreender as situações sociais antes de
explicá-Ias. Nos Estados Unidos, a Escola de Chicago, em concorrência com as
universidades de Nova York e da FIladélfia, vai desenvolver uma linha de pesquisa
original e implicacional relacionada com os problemas sociais urbanos da primeira
metade do nosso século (Coulon, 1991). A industrialização massiva e a migração
demográfica de pessoas, provindas do exterior ou do Sul em direção às cidades
do Norte, com seu séquito de delinqüência juvenil e de problemas de
sociabilidade, suscitam uma demanda social de Ciências Humanas eficazes,
produzidas por técnicos sociais (social workers) os quais, cada vez mais, formar-
se-ão nas universidades. Inspirados pela Escola de Chicago, os Chicago Area
Projects fazem com que as pessoas do bairro participem da realização do
programa de ajuda social. Assim, os sociólogos de campo identificam os
moradores dotados de liderança na comunidade e formam pessoal qualificado. O
ideal é recrutar autóctones como trabalhadores sociais voluntários, mesmo se a
formação qualificante recebida venha a constituir com o tempo (ou após muito
tempo) um grupo profissional cada vez menos proveniente desse bairro. Um dos
métodos inventados em Chicago nessa época - as lifes stories - ressurgirá nos
anos 50-60 sob a forma de "história de vida" em Ciências Sociais, tanto nos
Estados Unidos (Oscar Lewis) quanto na Europa, após o declínio do empirismo
abstrato (os "questionários de opinião") e do reino da "suprema teoria" de Talcott
Parsons, como o incitava Charles Wright Mills em 1969. O período entre-guerras
assiste, igualmente nos Estados Unidos, ao aparecimento de uma corrente de
Psicologia Industrial, chamada "human relations", de Elton Mayo a Roethlisberger
que prepara o terreno para uma participação mais ativa dos membros de uma
organização. Na França ou na Suíça, emerge - não antes dos anos 70 - uma
corrente de "história de vida" no CNRS, com Daniel Bertaux, e em formação de
adultos nas universidades, com Pierre Dominicé, Christine Josso ou Gaston
Pineau. Na Alemanha, a pesquisa-ação será mais política e, na Inglaterra, ela se
abrirá cada vez mais para os técnicos, redefinindo assim a especificidade desse
tipo de pesquisa.
Costuma-se geralmente sustentar que a pesquisaação teve origem com Kurt
Lewin, psicólogo de origem alemã, naturalizado americano, durante a provação da
Segunda Guerra Mundial. Alguns pensam, entretanto, que John Dewey e o
movimento da Escola Nova, após a Primeira Guerra Mundial, constituíram um
primeiro tipo de pesquisa-ação pelo ideal democrático, pelo pragmatismo e pela
insistência no hábito do conhecimento científico tanto nos educadores como nos
educandos (Thirion, 1980). Georges Lapassade atribui a criação do termo
pesquisa-ação ao antropólogo John Collier que propôs que as descobertas de tipo
etnológico, feitas nos EUA sobre os indígenas das reservas, fossem utilizadas no
benefício de uma política favorável a estes (Lapassade, 1991, p. 143).
Retomemos a Kurt Lewin. Personagem surpreendente, imaginativo e caloroso,
esse professor da Universidade de Berlim, especialista em Psicologia Gestalt,
fugindo do nazismo desde 1933, chegou aos Estados Unidos onde adotaria a
nacionalidade e a mentalidade coletiva. Lewin vai desenvolver a Action-Research,
tentando resolver problemas levantados pelo antisemitismo, pela implantação de
usinas nas regiões rurais com uma mão-de-obra pouco afeita ao ritmo de trabalho
das cidades do norte, como a de Harwoorl Manufacturing Corporation em 1939.
Cita-se, com muita freqüência, a célebre pesquisa de Kurt Lewin (1965), no tempo
de penúria da Segunda Guerra Mundial, durante a qual o governo americano
havia envidado esforços para tentar convencer as donas-de-casa americanas a se
abastecerem de pedaços de carne de baixo preço (coração de boi, testículos,
tripas), tradicionalmente pouco apreciados por esse tipo de público. A explicação
psicossociológica e sociocultura1 da inibição alimentar que resulta da pesquisa
não permite conhecer as razões talvez mais inconscientes, em termos de
fantasmatização sexual, como bem o observou Didier Anzieu. Mas ela permitiu à
pesquisa-ação apoiar-se na ação dos grupos e na necessidade de fazer com que
as pessoas participem na sua própria mudança de atitude ou de comportamento
num sistema interativo. Como afirmava Kurt Lewin:Quando nós falamos de
pesquisa, subentendemos ActionResearch, quer dizer, uma ação em um nível
realista sempre seguida por uma reflexão autocrítica objetiva e uma avaliação dos
resultados. Uma vez que o nosso objetivo é aprender rapidamente, nunca teremos
medo de enfrentar nossas deficiências. Não queremos ação sem pesquisa, nem
pesquisa sem ação (citado por Marrow, 1972). Do mesmo modo, com sua equipe
do Bureau des Services Stratégiques (OSS), ele critica as questões do moral das
populações nas nações inimigas e nos Estados Unidos, nas técnicas de guerra
psicológica, no tipo de comando eficaz...
Desde 1946, um pouco antes de sua morte (1947), Kurt Lewin descobre a
importância do Training Group por ocasião de um trabalho de treinamento na
mudança pessoal.
A morte prematura de Kurt Lewin interrompe seus trabalhos, que serão retomados
pelos seus alunos e por outros pesquisadores. Os estudos de Action-Research
multiplicam-se depois da guerra. Na esfera industrial, eles se voltam para as
decisões do grupo, a auto-organização, a formação dos quadros, a modificação
dos estereótipos, a resistência à mudança. A pesquisa-ação se abre para o
trabalho social, restabelecendo desse modo com os trabalhos da Escola de
Chicago, pelo exame do comportamento dos bandos de adolescentes, a influência
das leis sobre a mudança social (numerus clausus nas universidades em relação
aos judeus), a integração dos vendedores negros, a solidariedade de grupo, a
integração nos prédios residenciais. Podem ser enumerados, portanto, quatro
tipos de Action-Research:
1) A Action-Research diagnóstica - visa produzir planos de ação encomendados. A
equipe de pesquisadores intervém numa situação existente (motim racial, ato de
vandalismo), estabelece um diagnóstico e recomenda medidas saneadoras.
2) A Action-Research participativa - envolve, desde o início, no processo da
pesquisa, os membros da comunidade em perigo (estudo de Northtown, perto de
Nova York, sobre o auto-exame das atitudes discriminatórias de uma comunidade
de 40 mil habitantes em 1948).
3) A Action-Research empírica - consiste em acumular os dados das experiências
de um trabalho cotidiano nos grupos sociais semelhantes (por exemplo, clubes de
jovens rapazes). Esse tipo de pesquisa vai levar ao desenvolvimento gradual de
princípios mais gerais, como já o demonstrou a medicina clínica.
4) A Action-Research experimental - exige um estudo controlado da eficácia
relativa das diferentes técnicas utilizadas em situações sociais aproximadamente
idênticas.
Se Kurt Lewin dava habitualmente ênfase ao pólo "pesquisa" na sua concepção,
pouco a pouco, o pólo "ação" tomar-se-á mais importante.
A pesquisa-ação orienta-se para uma participação crescente das populações
envolvidas. Passa-se de pesquisador a interventor e a agente da mudança com a
corrente praxiológica do "planned change" (Bennis, Chen, Benne). Jacques
Ardoino (1989) lembra as diferentes perspectivas da pesquisa-ação no decorrer de
seu desenvolvimento:
- Uma perspectiva axiológica, visando amenizar o sofrimento humano, ao trabalhar
as disfunções sociais e ao privilegiar as formas de gestão democrática.
- Uma perspectiva praxiológica que otimiza a ação e facilita a decisão.
- Uma perspectiva metodológica, dividida entre uma clínica de situações sociais,
ainda em estado inicial, e uma opção francamente experimentalista.
- Uma perspectiva epistemológica que, já em Kurt Lewin, propõe uma teoria do
campo e do contexto e uma oposição entre um modo de pensamento aristotélico e
um modo de pensamento galileano.
No pós-guerra, a pesquisa-ação vai ser disseminada no Japão (J. Misumi); na
Inglaterra (Tavistock Institute com ElliottJaques e a socioanálise na Glacier Metal,
Jaques, 1972), F. Emery, H. Bridger, E. Trist; na Alemanha (Heinz Moser, Otto
Lüdemann); na França (ANDSHA, ARIP), Jacques Ardoino, Jean Dubost, E.
Enriquez, André Lévy, M. Pages, J. C. Rouchy. Mas é no Canadá, na Inglaterra e
na França, a partir dos anos 70, que se acentua a tendência mais radical.

2. O período de radicalização política e existencial

Numerosas obras descrevem a história, os fundamentos e a metodologia da


pesquisa-ação. Ao lêIas, podemos crer que esta corresponde a um mosaico de
abordagens mais ou menos reproduzi das dos procedimentos científicos
clássicos. Se for verdadeiro que a pesquisa-ação pode ser aparentemente
conciliada, enquanto simples pesquisa empírica, com os métodos de pesquisa
tradicional, o mesmo não ocorre quando é posta no plano da reflexão
epistemológica. A pesquisa-ação supõe uma conversão epistemológica, isto é,
uma mudança de atitude da postura acadêmica do pesquisador em Ciências
Humanas. Quando a pesquisa-ação se toma cada vez mais radical, essa
mudança resulta de uma transformação da atitude filosófica do pesquisador
envolvido com respeito à sua própria relação com o mundo. Talvez se deixe
penetrar pela pergunta do poeta Yves Bonnefoy: "é o conceito o artesão de uma
fuga?" É o caso nas pesquisas-ações existenciais quando elas não se limitam a
ser modismos. Aposto que essa abertura revolucionária em direção a uma
pesquisa-ação integral está ainda em seus primórdios e conduzirá, na próxima
década, a uma pesquisa-ação transpessoal, ao mesmo tempo eminentemente
pessoal e comunitária, reunindo os três pólos integrados do ser humano (corpo,
alma e espírito: o imaginário pulsional, o imaginário social e o imaginário sacral).
[Nota: 1]
Muitos estudantes tratam uma pesquisa sob o ponto de vista de uma simples
interpretação metodológica, um novo gadget [Nota: 2] científico, acreditando que
"fazer pesquisaação" é estar na moda. Às vezes, eles hesitam entre o método de
história de vida e a pesquisa-ação e fazem sua escolha em função de inclinações
preferentemente imaginárias. Eles não se dão conta de que, tanto para a
pesquisa-ação quanto para a história de vida, trata-se de lançar um outro olhar
sobre a cientificidade das ciências do homem e da sociedade. O pesquisador não
deve fazer irrefletidamente sua escolha, porque há riscos institucionais e pessoais,
caso siga esse caminho:
- Riscos institucionais para aqueles que se preocupam com a carreira acadêmica.
Ainda atualmente a pesquisa-ação está longe de ser o melhor caminho para ser
rapidamente bem-sucedido no mundo acadêmico. Eu sempre recomendo aos
estudantes pouco arrojados trilharem caminhos mais clássicos e seguirem uma via
monodisciplinar bem balizada por uma autoridade intelectualmente irrepreensível
no universo da comunidade científica. A pesquisa-ação não convém nem aos
"mornos", nem aos aloprados, nem aos espíritos formalistas, nem aos estudantes
preguiçosos.
- Riscos pessoais porque a pesquisa-ação, na sua intersubjectividade, leva
inevitavelmente o pesquisador para regiões de si mesmo que ele, sem dúvida, não
tinha vontade de explorar.
Veremos, nesta obra, os resultados desse tipo de problemática.
Somente nos anos 70 é que a retlexão sobre a natureza mesma da pesquisa-ação
deu uma guinada mais radical.
Na Alemanha, com Heinz Moser (1975, 1977), a pesquisa-ação toma-se
nitidamente mais engajada e "emancipatória" numa perspectiva de uma filosofia
próxima à Escola de Frankfurt - de Jürgen Habermas em particular (Dubost,
Lüdemann, 1977). O problema da pesquisa-ação não é uma nova lógica de
pesquisa a conquistar, mas a de uma nova estratégia que se distancia da
pesquisa experimental porque esta contém intrinsecamente uma lógica artificial
quanto à realidade dotada de vida.
Na França, na mesma época, procuro levantar um conjunto de questões na
mesma direção, propondo a teoria da pesquisa-ação institucional numa linha
teórica que articula a sociologia de Pierre Bourdieu e de Jean-Claude Passeron, a
pesquisa-ação lewiniana e a psicossociologia francesa, a teoria marxista
minoritária de Henri Lefebvre, de Comelius Castoriadis, de Lucien Goldmann e a
teoria da análise institucional de René Lourau e de Georges Lapassade (Barbier,
1977). Resultante de uma tese de sociologia inteiramente monográfica, essa
teorização permanece ainda aquém de uma abertura mais multirreferencial em
Ciências Humanas a qual eu proporei quinze anos mais tarde em Approche
transversale (1992, 1996).
Na Suíça, Matthias Finger (1981) fundamenta-se não só no interacionismo
simbólico de Henri Blumer e nas teses de Jürgen Habermas, mas também nas
proposições de Heinz Moser, para levar a reflexão epistemológica o mais longe
possível no sentido de uma predominância da reflexividade coletiva (o "Diskurs")
no encaminhamento da pesquisa-ação. Ele radicaliza o ponto de vista mais
clássico da pesquisa-ação desenvolvida no projeto "Rapsódia" (Allal, Cardinet,
Perrenoud, 1979).
Na Bélgica, os pesquisadores organizam um colóquio sobre as "Metodologias e
Práticas da PesquisaAção" em Bruxelas, em dezembro de 1980 (Revue..., 1981b).
Na linha da intervenção institucional, os sociólogos institucionalistas ou da
cooperação e os psicossociólogos franceses (Jacques Ardoino, Patrick Boumard,
Henri Desroche, André de Péretti, Jean Dubost, Eugene Enriquez, Rémi Hess,
Georges Lapassade, Guy Le Boterf, André Lévy, René Lourau, Gérard Mendel,
Max Pages, etc.) discutem igualmente o lugar mais ou menos marginal da
pesquisa-ação no âmbito das Ciências Sociais.
Os americanos Gerard I. Susman e Roger D. Evered, desde 1978, numa
perspectiva radical, formalizam sem compromissos as diferenças essenciais entre
as ciências positivas e a pesquisa-ação. Já desde 1965, com I. L. Horowitz e o
movimento dos "radical caucuses", a sociologia americana radicaliza-se ao
denunciar o projeto "Camelot" que propõe enviar pesquisadores em Ciências
Sociais nas zonas "turbulentas" do mundo para estudar os movimentos de
contestação política. Saül Alinsky desenvolve, em trabalho social, um método de
intervenção eficaz, como Danilo Do1ci já o havia realizado na Itália; e Alfred Mac
Clung Lee, no seu Humanistic Sociology (1973), abre o caminho à sociologia de
intervenção (Hess, 1981, p. 117-133). Na América Latina, a sociologia radical uniu-
se ao militantismo revolucionário com Camilo Torres, Luis A. Costa Pinto,
Florestan Femandes, Orlando Fals Borda, e, do mesmo modo, com a "pedagogia
dos oprimidos" de Paulo Freire, em educação popular (Barbier, 1977, p. 51-58).
Por seu turno, os sociólogos britânicos, com Lawrence Stenhouse, John Eliott e
Clem Adelman, propõem uma reatualização de uma "nova pesquisaação" por
meio de seus trabalhos em etnografia da escola que Peter Woods aprofundou
(1990). Nelly P. Stromquist, que trabalha no Canadá, opõe sistematicamente a
sociologia clássica à pesquisa-ação. Wilfred Carr e Stephen Kemmis (1983)
definem a pesquisa-ação como uma forma de pesquisa efetuada pelos técnicos a
partir de sua própria prática (Lapassade, 1989). Eles fazem coro com as teses
defendidas há tempo por Ruth Canter-Kohn e a problemática dos "sábios do
interior" de Patrick Boumard (1989). Os anos 80 levantam a questão sobre uma
pesquisa-ação existencial (Barbier, 1983), ao mesmo tempo em que ela surge
com toda sua diversidade, um tanto caótica (Goyette, LessardHébert, 1987;
Hugon, Seibel, 1988).
No Quebec, a pesquisa-ação empreendida pelos técnicos se diz "integral" com
André Morin, numa linha teórica ligada aos "sistemas abertos em tecnologia
educativa" de Constantin Fotinas (1992) e de Henri Desroche. Isso não impede
que outros pesquisadores do mesmo país desenvolvam pesquisas-ações muito
mais "lewinianas" e experimentais (Lessard- Hébert, 1991; Revue..., 1981a).
Embora Raymond Boudon não diga uma palavra sobre a pesquisa-ação na
reedição de 1976 de sua obra Les méthodes en Sociologie (coleção "Que sais-
je?"), ela já parece, entretanto, entusiasmar muitos pesquisadores. Em 1993,
Madeleine Grawitz consagra-lhe um longo capítulo em seu Manuel des sciences
sociales (9. ed.). Em 1987, Jean Dubost (1987, p. 140), ao término de uma longa
investigação, propõe uma primeira definição da pesquisa-ação: "ação deliberada
visando a uma mudança no mundo real, engajada numa escala restrita, englobada
por um projeto mais geral e submetendo-se a certas disciplinas para obter efeitos
de conhecimento ou de sentido". Enfim, em setembro de 1995, sai um "Que sais-
je ?", de Jean-Paul Resweber, pela editora PUF, que apresenta a problemática
sobre a pesquisa-ação numa perspectiva global, mas sem verdadeiramente
afmnar sua natureza de ruptura epistemológica com as ciências sociais instituídas.
Nota 1 – página 32:. Que está revestido de um caráter sagrado, que foi
sacralizado, oposto a profano (N.T.).
Nota 2 – página 32:. Gadget, palavra americana, que significa dispositivo novo,
dotado de poder mágico, capaz de resolver todos os problemas (N.T.).

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