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CONTADORES DE HISTÓRIAS

1. INTRODUÇÃO

Por Uma Arte de Contar Histórias

“Ah, como é importante na formação de qualquer criança ouvir muitas histórias... Escutar histórias é o início da
aprendizagem para ser um leitor, e ser leitor é ter todo um caminho de descobertas e de compreensão do
mundo, absolutamente infinito...”
“O primeiro contato da criança com um texto é feito, em geral, oralmente. É pela voz da mãe e do pai, contando
contos de fada, trechos da Bíblia, histórias inventadas tendo a gente como personagem, narrativas de quando
eles eram crianças e tanta, tanta coisa mais... Contadas durante o dia, numa tarde de chuva ou à noite, antes
de dormir, preparando para o sono gostoso e reparador rico, embalado por uma voz amada... É poder rir, sorrir,
gargalhar com as situações vividas pelos personagens, com a idéia do conto ou com o jeito de escrever de um
autor e, então, poder ser um pouco cúmplice desse momento de humor, de gozação.”
“Ler histórias para as crianças, sempre, sempre... É suscitar o imaginário, é ter a curiosidade respondida em
relação a tantas perguntas, e encontrar outras ideias para solucionar questões - como os personagens
fizeram... - é estimular para desenhar, para musicar, para teatralizar, para brincar... Afinal, tudo pode nascer de
um texto.”
“O significado de escutar histórias é tão amplo... É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos
conflitos das dificuldades, dos impasses das soluções, que todos atravessamos e vivemos, de um jeito ou de
outro, através dos problemas que vão sendo defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelos
personagens de cada história (cada um a seu modo...) E assim esclarecer melhor os nossos ou encontrar um
caminho possível para a resolução deles... É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções
importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação, o medo, a alegria, o pavor, a impotência, a insegurança e
tantas outras mais, e viver profundamente isso tudo que as narrativas provocam e suscitam em quem as ouve
ou as lê, com toda a amplitude, significância e verdade que cada uma delas fez (ou não) brotar...”
“É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser,
outras regras, outra ética, outra ótica... É ficar sabendo História, Geografia, Filosofia, Direito, Política,
Sociologia, Antropologia, etc. ..., sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de
aula... Porque, se tiver, deixa de ser Literatura, deixa de ser prazer, e passa a ser didática, que é um outro
departamento (não tão preocupado em abrir todas as compotas da compreensão do mundo)...”
“Ouvir e ler histórias é também desenvolver todo o potencial crítico da criança. É poder pensar, duvidar, se
perguntar, questionar... É se sentir inquieto, cutucado, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se
pode mudar de idéia... É saber criticar o que foi lido ou escutado e o que significou... É ter vontade de reler ou
deixar de lado de vez...”
“É ficar fissurado querendo ouvir de novo mil vezes ou saber que detestou e não querer mais nenhuma
aproximação com aquela história tão chata ou tão boba ou tão sem graça... É formar a opinião, é ir formulando
os próprios critérios, é começar a amar um autor, um gênero, uma idéia, e daí ir seguindo por essa trilha e ir
encontrado outros e novos valores (que talvez façam redobrar o amor pelo autor ou viver uma decepção... Mas
isto tudo faz parte da vida).”
“Ouvir histórias é ficar conhecendo escritores - e daí ser importantíssimo dizer à criança o título do que está
escutando e seu autor (se for material recolhido da cultura popular, se for autor desconhecido, que se diga
também...). faz parte da formação saber quem nos disse coisas bonitas, ou encantadas, ou maravilhosas, ou
chatas, para que a referência fique e o caminho esteja aberto para continuar mergulhando nos textos de quem
se admira, para "dar uma colher de chá" a quem não nos envolveu tanto num primeiro contato ou para desistir
(ou adiar para um outro momento da vida...) a proximidade com um escrevinhador que nos desagradou ou
decepcionou...”
“Para contar uma história, é preciso saber como se faz... Afinal, nela se descobrem palavras novas, se depara
com a música e com a sonoridade das frases, dos nomes... se capta o ritmo, a cadência do conto, fluindo como
uma canção... E para isso, quem conta tem que criar o clima de envolvimento, de encanto... saber dar as
pausas, o tempo para o imaginário de cada criança construir seu cenário, visualizar os seus monstros, criar os
seus dragões, "adentrar pela sua floresta, vestir a princesa com a roupa que está inventando, pensar na cara
do rei. .. e tantas coisas mais...”
“E se forem as ilustrações do livro feitas por um desenhista, dar o tempo para que todos vejam (ou os que
preferem caminhar na sua própria e pessoal ilustração, que fechem os olhos...). E quando a criança for
manusear sozinha o livro, que o folheie bem folheado, que olhe tanto quanto queira, que brinque com o seu
formato, que se delicie em retirá-Io da estante (reconhecendo-o sozinha... seja em casa ou na escola) que vire
página por página, ou que pule algumas, para reencontrar aquele momento especial que estava buscando...”
“Se a criança não lê é porque não estão lhe contando histórias ou não lhe estão apontando caminhos para o
desfrute de bons e belos textos... Que existem (tantos...) e são fáceis de achar... Literatura é arte, Literatura é
prazer... Que a escola encampe esse lado e deixe as cobranças didáticas para os departamentos devidos... E,
1
nesse sentido, ela faz parte do leque de educação artística, e não da Língua portuguesa... Uma das atividades
mais fundantes, mais significativas, mais abrangentes e mais suscitadoras de tantas outras, é a que decorre do
2
ouvir, do ler uma boa história...”

2. ORIGENS E HISTÓRICO

Contar histórias: uma história muito antiga

Efetivamente, deve ser esta a primeira manifestação artística surgida depois da linguagem articulada, por
causa dos poucos elementos e materiais que precisa: em princípio, somente o domínio da oralidade
expressiva.
Um contador de histórias, em todo tempo e lugar, encontrou quem o escutasse. Nas sociedades tribais
primitivas essa atividade não possuía uma finalidade exclusivamente artística: tinha um caráter funcional
decisivo, pois os contadores de histórias eram os que conservavam e transmitiam a história e o conhecimento
acumulado pelas gerações, as crenças, os mitos, os costumes e valores a serem preservados pela
comunidade. Durante séculos, foi através da realidade que a cultura popular se manteve, sem pergaminhos ou
iluminuras, mas memória viva.
Como atividade artística, com normas e técnica passíveis de serem transmitidas a todos, a prática de contar
histórias se desenvolveu no fim do século passado, sobretudo nos países nórdicos, anglo-saxãos e,
posteriormente, nos latino-americanos. Esta prática se estendeu e ainda hoje aparece reduzida a um tempo
cronológico, "a hora do conto", nas escolas e bibliotecas.
A narração oral é uma forma de comunicação que se alimenta da história e da ficção, integrando a palavra aos
gestos. É nesta economia de recursos que está a força de sua expressão: o ouvinte forma com o contador de
histórias as duas faces de uma unidade, pois ele deve recriar na sua imaginação o que lhe contam, com isso,
transforma a emissão em recepção, conformando a mensagem.
O contador de histórias também se forma; é aquele que conhece as técnicas para narrá-Ias por tê-Ias
aprendido de maneira expressa e voluntária e deve possuir, além disso, domínio de idioma e base cultura
sólida, isto é, perceber a complexidade do mundo, as diferentes manifestações da cultura e poder expressá-Ias
em uma imagem fluida, ágil e densa para seus ouvintes.
Por esta razão, o contador de histórias tradicional é uma pessoa vivida. Ou no caso contemporâneo, atrás de
toda narração de contos se encontra um perfil básico e essencial: um grande leitor.

3. NATUREZA DA NARRAÇÃO ORAL

Cabe dizer que o contador de histórias não conta só contos no sentido restrito do termo. Ele também narra
fábulas, lendas, mitos, capítulos de novelas e romances, desde que apresentem uma estrutura seqüencial
completa. Como a maioria dos textos que tratam do assunto, com a palavra conto englobamos aqui as
diferentes categorias.
A narração oral tem o poder de evocar emoções, de transportar a imaginação, de tomar real a fantasia. É uma
arte que se conserva viva, na medida em que viabiliza pela palavra em sua condição mais simples, a oralidade,
a memória do mundo.
Os "contadores" populares narram, geralmente, seus próprios relatos e aqueles que lhe chegam pela tradição
oral, com eficácia e encanto de maneira intuitiva, com suas próprias técnicas, e que dificilmente poderão
transmitir a outros, pois, de!as, não têm consciência.
Hoje um contador de histórias conhece essas técnicas para contar por havê-Ias aprendido de forma expressa e
voluntária, o que exige um manejo amplo do idioma, e, como já dissemos, muita leitura.

3.1. A Narração Oral e a Representação

A narração oral e a declamação se nutrem da poesia, mas é imprescindível não confundir ambas as
expressões. O contador de histórias não trabalha com poema, e sim com prosa. Não se pode, como o
declamador, repetir de forma tão idêntica a atuação; cada ocasião implica sempre numa experiência
espontânea e natural, com ênfase, cortes e encaixes especiais na narração básica. Nada impede, no entanto,
que uma seqüência narrativa se apresente com a estrutura do poema, com versos e rimas.
O ator centra sua atividade no ato da representação; mesmo quando considera a existência real do público,
sua forma é a encenação.
No caso do contador de histórias, a opção fundamental é a de narração, e aí prepondera a presença explícita
do ouvinte e a comunicação. Por isso, no primeiro caso, os diálogos predominam; no segundo se fortalece o

1
Considero importantíssimo o trabalho com a contação de histórias não somente nas aulas de educação
artística, mas de todas as áreas, pois sendo a oralidade a base do processo de leitura e escrita, deve ser um
compromisso de todas as áreas.(considerações da professora Eusdete de Jesus Trabach Gobetti).
2
Fanny Abramovich: Educadora, Crítica de Literatura Infantil e Escritora. In: Fazendo artes, n° 8. Rio de
Janeiro, Funarte, 1980.
estilo indireto. O ator se utiliza de objetos, de maquiagem, vestuário, cenário. O contador normalmente só
dispõe de seus recursos corporais.
O ator de apresentar, fazer-se presente. O contador deve evocar: a atividade está no passado, e já se encontra
terminada no momento de sua narração.

3.2. A Narração Oral e a Narrativa

O contista escreve contos e o contador narra contos. O contador de histórias sintetiza o relato, lhe dá força e...
vida!
O contista possui só as palavras para apresentar os acontecimentos, o contador de histórias dispõe de voz,
gestos, pausas, silêncios, movimentos, expressões.
O conto escrito é concebido para ser produzido e consumido na intimidade, em diferentes momentos; a
narração oral é concebida para ser compartilhada.

4. ESTRATÉGIAS

4.1. Organização da Sessão

a) Duração:
Normalmente, quando é para crianças pode se estender entre 45 e 60 minutos; para adultos de uma hora a
hora e meia. Os contadores de histórias devem estar sempre atentos para o caso em que seja preciso recortar
uma sessão se o público dá sinais de cansaço. Os contos podem ser de curtíssima duração, mas o tempo
médio é de quatro a seis minutos..

b) Tipos de Contos:
É aconselhável fazer uma alternância dos contos: alegres e dramáticos, curtos e longos, populares e literários.
Este equilíbrio faz o sucesso da atividade.

c) Local:
Normalmente é possível contar para até 300 pessoas sem maior esforço e sem microfone. Se o lugar é ao ar
livre, deverá se procurar uma árvore ou pedra que sirva de fundo. Em espaços fechados, preferivelmente se
disporão as cadeiras em semicírculo, procurando que as filas sejam mais largas que profundas. Narrar-se-á o
mais perto possível do público, evitando palcos e elementos que possam perturbar a comunicação (como
janelas ou espelhos atrás do contador de histórias).
Antes da sessão é necessário examinar o espaço onde se vai contar, provar a acústica, conhecer os ruídos do
ambiente, o espaço de mobilidade de que se pode dispor. O contador deverá preparar-se e acondicionar-se ao
local de maneira a suprir as falhas e aproveitar os aspectos favoráveis.

d) Os Convidados:
Nas sessões infantis dá excelentes resultados incluir mágicos, palhaços, adivinhações e jogos participativos,
pois um dos aspectos mais interessantes da narração oral é a possibilidade de integrar diferentes
manifestações artísticas, não só a música e contos, mas também poesia, pintura, personagens caracterizados.
Fica mais dinâmico o ritmo da sessão incorporando-se um convidado, é claro que depois que ficou
estabelecido que a natureza do espetáculo é a narração de hist6rias, e não um show de variedades. E, na
medida do possível, com intervenções intercaladas com os contos para que o resultado da atividade seja
harmonioso. Mas há casos em que se corre o risco das intervenções atrapalharem de tal forma, que se torna
difícil retomar a atenção do público; neste caso prefere-se deixar para o final a intervenção dos convidados.

4.2. Aspectos Técnicos da Sessão

a) O OLHAR
É fundamental olhar nos olhos das pessoas, como se estivesse contando para aquele ouvinte: o olhar
estabelece a comunicação imediatamente. Não se deve flutuar sobre os ouvintes ou passar roçando os olhos
em todos e em ninguém: o olhar do contador deve ater-se nos olhos das pessoas sem exagerar, para não
perturbá-Ias.

b) A VOZ
Este ponto merece um curso específico, pois é o elemento fundamental da narração oral. Diremos somente
que é requisito cuidar da dicção - ela deve ser impecável, pronunciando-se todas as letras de cada palavra:
evitar falar muito lento, para não adormecer o auditório, mas também não tão rápido, para não adormecer as
palavras. Falar alto para ser ouvido sem esforço na última fila. As pausas são necessárias, cuidando sempre
para que não sejam prolongadas. As inflexões, mudanças, entonações, jogos de voz, enriquecem a narração:
ao contrário, uma voz monótona desvia o interesse; o tempo psicológico do conto tem mais peso que o tempo
cronológico.
c) A IMAGEM
A comunicação com o público começa desde que se chega ao local, e não no momento de narrar. É
conveniente chegar com meia hora de antecedência para conversar com os primeiros que chegam sobre suas
leituras e interesses, suas experiências de ouvintes e atividades afins. O vestuário, a maneira de sentar-se, os
gestos, mesmo antes do espetáculo, tudo é comunicação. É prioritário que a linguagem seja cuidadosamente
pensada a todo momento para os que - ao contrário dos tradicionais contadores - não vivem desta palavra
habitualmente.

d) DIÁLOGO
É muito importante começar com um pequeno diálogo antes das histórias: por exemplo, explicar a experiência,
dizer como nasceu o grupo, de que vão tratar os contos da sessão, porque se escolheu o tema, se o tema
coincide com algum acontecimento importante.
Também é importante, ao terminar os contos, explicar que não se trata de um encontro casual e o porquê.
Fazer perguntas ao público, estar preparado para responder e ser respondido. E, sobretudo, programar e
anunciar o próximo encontro, para não deixar a sessão em suspenso. Uma boa alternativa é fazer o diálogo
antes do último conto, para que a sessão termine em pleno desfrute da fantasia, e que as pessoas saiam tendo
esta como última imagem da sessão.

Bibliografia de Apoio:
1) TAHAN, Malba. A arte de contar histórias. Rio de Janeiro: Conquista, 1957.
2) COELHO, Betty. Contar histórias: uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1986.

5. O CONTO: SUA ESTRUTURA E SELEÇÃO

5.1. Seleção do Conto

O trabalho de pesquisa é o que toma mais tempo e dedicação do contador de histórias. Existem muitas
variantes da escolha do conto das quais é preciso cuidar: o gosto pessoal, o público, o espaço, etc.

a) Motivação
O primeiro aspecto a ser considerado é a motivação: se o contador não sente algo especial pelo conto, é
preferível não contá-lo, porque não podemos dar o que não temos. Porém, às vezes, quando contamos com
fins específicos - como o conto terapêutico - devemos trabalhar com textos que são indicados, e aí somos
obrigados a fazer um esforço e contar com o maior desempenho e vontade.

b) Adequação
Além disso, o conto deve ser adequado ao público, é necessário conhecer a quem se vai contar. Saber as
idades e os interesses do ouvinte. De todo modo, em espaços públicos, não sendo possível prever o perfil do
ouvinte, há que se variar a seleção segundo diferentes idades, interesses, experiências.

c) Mensagem
A mensagem do conto também tem papel importante na hora da escolha. Ela deve ter uma tensão positiva,
que permita a reflexão do ouvinte; que se desdobre em significados amplos, ao invés de se reduzir a um
recado específico.

e) Credibilidade
A credibilidade tem um papel fundamental, todo conto deve ser verossímil e provável dentro da fantasia. O
narrador deve fazer com que acreditem em sua história, e para conseguir isto, toda a seqüência deve ser
coerente, além do aspecto emotivo da emissão que precisa ser preservado como se a história "atravessasse" o
narrador.

5.2. Estrutura do Conto

A estrutura do conto é também um fator importante. Existem ótimos contos modernos que não correspondem à
estrutura tradicional (introdução, desenvolvimento, clímax e conclusão), com seqüências cronológicas, porém,
ao menos no começo, é preferível escolher contos que tenham esta estrutura tradicional, até que o contador
tenha pleno domínio técnico da narração, para constituir o ritmo e as marcação próprios de um conto moderno.
A palavra conto é aqui utilizada em sentido amplo: conto, relato, mito, lenda, fábula, crônica.

a) Apresentação
A apresentação não faz parte do conto. Nela o contador apresentará o autor, o título, e, se for necessário
algumas informações sobre sua origem (no caso de uma lenda indígena, por exemplo).
b) Introdução
Deve ser clara e precisa, criando a ação. Geralmente as primeiras palavras indicam se é uma história
verdadeira (“Quando eu nasci... "), um conto de fadas ("Era uma vez... "), uma lenda ("Naquela aldeia... “), um
conto de amor ("Nunca se viu um amor o lindo... “).
É importante lembrar que a introdução tem a mesma importância que o fim do conto.

c) Desenvolvimento
É nesta parte que se resolvem todas as dúvidas do público para a compreensão da trama, por isso é
necessário não omitir detalhes. O desenvolvimento deve ter clareza e uma seqüência lógica que faça fluir o
conto com harmonia.

d) Clímax
Este é o ponto culminante do conto. O contador deve dar muita ênfase e entonação neste momento, deve ter
capacidade de poder transmitir toda a emoção desse instante.

e) Conclusão
Deve ser rápida e clara. A voz e a entonação não deve cair. Se o conto tem alguma mensagem, esta deve ser
deixada a cargo do entendimento do público, cabendo ao narrador dar-Ihes os elementos.

Bibliografia de Apoio
GOTLIEB, Nadia. O Conto. São Paulo: Ática, 1989.
GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. São Paulo: Cultrix, 1973.
PROPP, Wladimir. A morfologia do Conto Maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

6. PREPARAÇÃO, MONTAGEM E NARRAÇÃO DO CONTO

6.1. A análise
Uma vez escolhido o conto, passamos ao trabalho de preparação. A primeira coisa será a análise, o que
facilitará a aprendizagem. A primeira leitura deve ser rápida, do principio ao fim, atenta. Com essa primeira
leitura devemos ter capacidade para fazer um resumo limitado só ao eixo central: onde está o clímax? Quais
são os personagens principais? Em que ambiente se desenvolve a ação? Depois, se o conto é complexo,
convém separar as diferentes seqüências.

6.2. A Aprendizagem
Deve-se conhecer o conto a fundo, lê-Io muitas vezes, imaginar as situações visualizando os quadros. Mas não
pode, de jeito algum, ser decorado: isto destrói a naturalidade e acaba com a apresentação, caso seja
esquecida uma frase e impeça o contador de continuar a história.

6.3. A Memória
Já dissemos que o conto decorado destrói a naturalidade e a espontaneidade é imprescindível à narração oral.
É importante para o contador ter capacidade de improvisar nos momentos em que for necessário, ajustando
uma palavra, informando um detalhe esquecido. No entanto, é preciso levar em conta, o estilo único do autor
que não pode ser diluído no estilo do contador ou pasteurizado na narração linear dos contos tradicionais.

6.4. O Esquema
É preciso ter bem claro o esqueleto do conto, ter uma visão objetiva e suas sucessivas etapas. Isto nos dará
segurança e tranqüilidade na hora de contar, pois as macro seqüências permitirão o domínio do conteúdo,
enquanto o contador se ocupa em atender à forma do conto.

6.5. Seleção de Gestos e Vozes


Esta seleção não pode ser deixada para o momento de contar: temos que ensaiar com antecedência os
gestos, movimentos e vozes que vamos usar. Se podemos fazer várias vozes, muito bem, mas é preferível
contar com uma só voz para todos os personagens (mudando, evidentemente, os matizes, entonação, volume)
a confundir as vozes ou começar com várias e abandoná-Ias logo. Ter livres as mãos de objetos que não vão
ser utilizados e não colocá-Ias nos bolsos ou atrás das costas ou cruzadas no peito, a menos que seja útil à
história.
Deve-se eliminar os movimentos de pêndulo ou repetitivos, que desviem a atenção ou que contradigam nossas
palavras. Tampouco podemos insistir em gestos e posturas inúteis para os contos.

6.6. Outros elementos


A expressão corporal é importante, pois acentua a troca dos personagens com a mudança das expressões do
rosto e atitudes diversas do contador. Os acessórios a serem usados devem ser mínimos (um guarda-chuva,
uma corda, um chapéu, isso se o conto pedir).
Se possível, os contadores devem apresentar-se com uma roupa de tons claros, com uma cor em comum, sem
acessórios que possam dispersar a atenção do público.

6.7. A Naturalidade
O contador deve escapar das sofisticações, vozes afetadas, excessivas dramatizações ou tons de
superioridade. A falta de espontaneidade e naturalidade diminui efeito realista e sincero do conto, e dificultará a
"entrada" do ouvinte na história. Mas a naturalidade não deve empurrar a "falar" ao conto em vez de "contar” o
conto; a entonação é diferente do falar cotidiano.

6.8. A Visualização das Imagens


É importante para o contador visualizar as imagens do conto que está sendo narrado, para, assim, passar ao
público a sensação de testemunha dos fatos, do lugar e dos acontecimentos.

7. O PÚBLICO

7.1. Preparação
Quando o contador de história prepara seu trabalho, o perfil do público é um elemento imprescindível. Para que
o espetáculo aconteça, o público precisa estar no local, e principalmente - preparado para ouvir histórias.
Deve-se evitar contar histórias para um público desavisado, por exemplo: numa festa, numa reunião de café.
Poderia inclusive passar uma imagem de desrespeito ao ofício de contador de histórias.

7.2. Platéia
O número de pessoas é importante, pois se o grupo for pequeno pode ocorrer que a sessão não tenha uma
boa receptividade e se passe uma impressão ruim do que é ouvir histórias. Mesmo assim, quando o público for
pouco, mas foi ao local para ouvir histórias, o contador deve fazê-Io.
Por outro lado, quando o público é numeroso e há a necessidade de se usar um microfone, deve-se ficar
atento, pois há o risco de se perder a essência da narração oral e da relação interpessoal.

7.3. Público Infantil


Cada público tem um interesse diferente. No momento da escolha do conto, os contadores devem também
levar em consideração a idade do público.
Para o público infanto-juvenil pode se pensar em faixa etária para se ter uma idéia dos interesses, porém isto
não precisa ser muito rígido em relação às classificações abaixo:

* De 3 a 6 anos corresponde à idade realista: a criança necessita de objetos, personagens e situações


conhecidas. Os contos devem ser curtos, muita ação, pouca descrição e repetição, vocabulário leve. O uso de
gestos, mímica e onomatopéias são muito adequados, assim como estilo direto em 1ª pessoa.

* De 7 a 9 anos é a idade fantástica: começam a ter consciência do bem e do mal, negativo e positivo. As
fadas, duendes e dragões são muito convincentes.

* De 10 a 12 anos é a idade heróica: preferem os contos de heróis com cavalheiros valentes; eles se
identificam com esses tipos de personagens.

* A partir dos 13 anos é a idade romântica, a idade que precede a adolescência. E uma idade difícil, inclusive
por que ele teme também ser considerado infantil. Por outro lado, começa o interesse pelo sexo oposto e o
despertar da consciência política e social.

7.4. Público Juvenil


Para o público jovem pode-se contar qualquer tipo de história, embora se deva levar em conta (e aproveitar) a
"idade romântica". O contador, neste caso, tem condições de ampliar o repertório, escolher contos de
aventuras, ficção, humor, tragédia, tudo dependendo das circunstâncias e das características do grupo.

7.5. O Público Adulto


O público adulto está pronto a ouvir de tudo. Claro, sempre existem aspectos diferentes quanto ao perfil de
público que devem ser considerados em cada circunstância, pelo contador, que deve ter sensibilidade para
perceber esses momentos.

8. PARA QUE CONTAR HISTÓRIAS?


Por vários motivos: para recrear, proporcionar prazer, mas, é obvio, nenhum conto resulta só nisso. Num conto,
bem contado, aprecia-se a beleza da língua bem articulada, o vocabulário, a postura, aprende-se a ouvir e a se
concentrar, estimula-se a imaginação, abre-se caminho à leitura, aprende-se a compartilhar emoções,
descobre-se tradições culturais e tantas outras manifestações da vida íntima e social dos homens.
Os contos têm sido utilizados principalmente para as finalidades abaixo enumeradas, sem que se reduza a
elas.

8.1. Recreação
O primeiro objeto é o lúdico, um elemento que não pode faltar. A fantasia tem uma força muito grande sobre os
seres humanos, e foi através das narrações orais que o homem experimentou compartilhar o prazer,
sensações, alegria e beleza. E é essa função que os contadores de histórias assumem hoje nos auditórios,
como assumiam nas praças e mercados, os contadores tradicionais.

8.2. Percepção
Através da seqüência narrativa a criança começa a entender o mundo ao seu redor, a idéia de tempo, as
relações sociais, a complexidade dos conflitos e a interpretação dos sentidos.

8.3. Educação Formal


Através da narração oral, pode-se motivar os alunos e discutir, pesquisar, se envolver com determinada idéia
ou tema.
Na área da Literatura Infantil e do ensino da língua materna, a narração oral facilitará e abrirá o caminho à
leitura. Através da prática de narração do conto, o professor poderá, dentre outras coisas, assinalar ao
estudante informações sobre o autor, a época, o estilo, a cultura e as características sociais que ali aparecem,
ampliando, assim, o universo do ouvinte.
Cabe ao professor, com seus conhecimentos e experiência, saber tirar maior partido da narração oral, sem
esquecer que o conto não dever ser convertido em lição, seja de estudos, seja de moral.
A narração de contos também pode ter outros desdobramentos, como por exemplo: na introdução de uma aula
de geografia ou história, narrar As viagens de Marco Polo, como abertura para o estudo das navegações e dos
descobrimentos.

8.4. Educação Informal


O conto também é um elemento muito eficaz na educação informal, independente dos centro educacionais.
Os contos podem ser aproveitados nos campos de saúde, educação ambiental, desde que o conto não se
restrinja ao recado, mas permaneça ressoando como uma mensagem que ultrapasse o momento e seu uso
utilitário imediato.

8.5. Terapia
Embora ouvir história possa ser terapêutica, o conto como terapia é atividade diferente do contar histórias num
hospital como simples lazer e distração. Nem todo conto narrado em um hospital é necessariamente
terapêutico: isto depende da situação do paciente, das condições e preparo do próprio contador.
Estudos psicológicos e psicanalíticos têm revelado que os contos narrados, por exemplo, às pessoas que vão
se submeter a uma cirurgia, funcionam como uma forma de aliviar a tensão, de deixá-Ias mais confiantes,
quanto ao resultado da operação. O conto não vai curar, mas provavelmente ajudará de modo positivo o
paciente, na medida em que pode organizar idéias, extravasar emoções, realizar uma catarse.
No pós-operatório, o conto pode ajudar diretamente na recuperação e no processo de restabelecimento do
paciente. O envolvimento com a magia da ficção aliviará e permitirá ao paciente elaborar sua recuperação de
modo mais reconfortante.

8.6. lntegração Cultural


Ler e contar apresentam, em verdade, visões de mundo, de valores, dos conflitos humanos e sociais, da
história do mundo em diferentes épocas e culturas. Isto permite a contemplação, a reflexão e a análise.

9. EXERCÍCIOS SUGERIDOS

Para preparação do Contador de histórias.

1ª SESSÃO
1) Ritual do Círculo - exercício de integração dos participantes do grupo.
2) Palavra-chave - escolha, por parte dos participantes, de uma palavra , capaz de romper com as
paredes do real e abrir-se ao imaginário.
3) Telefone sem fio - retomada da brincadeira infantil para exemplificar com "quem conta um conto
aumenta um ponto".
4) Passar a bola - treinamento de reflexos, da improvisação e da lógica na seqüência de uma história que
se conta de um participante para o outro.
5) Esta é a sua vida - narração de um fato marcante na vida pessoa de cada participante tendo em vista a
prática de relato de uma história vivenciada.

2ª SESSÃO
1) A palavra é narrativa - tempestade central em torno do conceito de narrativa apontando para as
estruturas básicas do discurso.
2) Era uma vez... - rememoração de contos populares da infância, visando recuperar afetivamente os
contos que marcaram a experiência de ouvir histórias.

3ª SESSÃO
1) Gesto-chave - traduzir a palavra-chave escolhida na véspera em gestualidade.
2) Quebra-cabeça - identificação das seqüências estruturais do conto escolhido.
3) Ver e dizer - a partir da palavra criar uma imagem e reconstruí-Ia em palavras.
4) De primeira - exercício para estimular a naturalidade e capacidade na complementação de frases
diversas.
5) Que ofício dar a ela? - brincadeira envolvendo a linguagem gestual.
6) Berrante - imitação de ruídos e vozes para modular as inflexões do contador.
7) Você decide - solucionar dramaticamente uma situação apresentada que exija desdobramento criativo.

4ª SESSÃO
1) Viagem - com música, usar uma sequência oral que permita à imaginação criar um clima propício ao
relaxamento.
2) Tenha a palavra - os alunos contam suas histórias selecionadas.

5ª SESSÃO
1) Chave mestra - com gestos e voz proceder à saudação e abertura dos trabalhos, articulando palavras
e gestos selecionados anteriormente.
2) Olho vivo - comunicação no círculo entre os participantes a partir da força do olhar.
3) A pleno vapor - exercícios respiratórios para ampliar o alcance e o domínio da emissão de ar na
pronúncia das palavras.

6ª SESSÃO
1) Mapa da mina - sem música, mostrar técnicas ligeiras de relaxamento que permitam alcançar
tranquilidade e segurança para as apresentações.

10. BILIOGRAFIA GERAL

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil; gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989.
BENJAMIN, Walter. O narrador. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1982. (Coleção Os Pensadores).
CHAVES, Otília. A arte de contar histórias. Rio de Janeiro Confederação Evangélica do Brasil, 1952.
COELHO, Betty. Contar histórias, uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1986.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil e juvenil. São Paulo: Quíron, 1985.
DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986.

(Oficina de Contadores de Histórias – Grupo Morandubetá.


Material utilizado no PRÓ-LER: UFES, 1990.)

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