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Capítulo 2.

RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS

Ciro Torres

INTRODUÇÃO

A realização de ações de caráter social não é uma prática tão recente no meio

empresarial. Entretanto, foi durante o período que se estendeu do final dos anos 60

ao início da década de 70 – tanto nos Estados Unidos da América (EUA) quanto em

parte da Europa – que uma atuação mais voltada para o social ganhou destaque,

basicamente como resposta às novas reivindicações de alguns setores da sociedade

que levaram para o universo das empresas diversas demandas por transformação na

atuação corporativa tradicional, ou seja, aquela voltada estritamente para o econômico.

Essa maior atenção em relação ao comportamento das empresas privadas – tanto

comerciais quanto industriais – surgiu no contexto das reivindicações pela ampliação

da participação, como, por exemplo, durante o fortalecimento, no período citado, do

movimento sindical e estudantil europeu, nas lutas pelos direitos civis norte-americanos
Welfare State ou Estado de bem-
e nas manifestações contra as armas químicas utilizadas na Guerra do Vietnã. Certas
estar social pode ser entendido
denúncias e o boicote às empresas envolvidas de alguma forma com aquele devastador
como o conjunto de práticas e

conflito bélico na Ásia foram determinantes para o início de uma mudança na prática
instituições compensatórias

e na cultura empresarial nos EUA e em outros países do globo.


desenvolvidas a partir da Segunda

Guerra Mundial, tendo o Estado Dessa forma, pode-se dizer que uma preocupação com a característica que reveste a

como agente principal na garantia atividade empresarial aparece, de forma inicial e com suas múltiplas conotações, a partir

da universalidade de direitos, bens do final dos anos 60 nos EUA e em parte da Europa.

e serviços. Na década de 80, com o


Outro fator determinante para o entendimento e a localização de todo esse processo
crescimento do desemprego e a
de entrada das empresas no universo das ações de caráter social efetivo foi a crise do
crise econômica, este modelo de
Welfare State situada na metade da década de 70.
Estado assistencial mostra sua
A partir desses acontecimentos, a intervenção dos agentes privados passou a ser vista
incapacidade de proporcionar as

de outra maneira: “A crise econômica e o crescimento do desemprego que atingiram


garantias sociais compensatórias,

a Europa na década de 80 contribuíram para que a empresa começasse a ser valorizada


necessárias para se contrapor aos

malefícios causados pelo mercado pela sua capacidade de salvaguardar o emprego – valor essencial da socialização na

capitalista. sociedade contemporânea. O papel da empresa vai além do econômico: ademais de

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provedora de emprego, é também agente de estabilização social” (Kirschner, 1998,

p. 20 e 21).

Nesse período, a atuação social por parte dos agentes privados e a própria questão

da responsabilidade das corporações diante dos problemas sociais e ambientais

começaram a destacar-se, tanto em práticas quanto em discursos.

No Brasil, as sementes dessa mudança já podem ser notadas na “Carta de Princípios

do Dirigente Cristão de Empresas”, publicada em 1965 pela Associação de Dirigentes

Cristãos de Empresas do Brasil (ADCE Brasil), que, já nessa época, utilizava o termo

responsabilidade social das empresas.

Contudo, foi somente a partir do final dos anos 80 que uma pequena parcela de
1) Como exemplo de instituições que
empresas que atuam no Brasil passou a intensificar e a institucionalizar o discurso em
surgiram nesse período, podemos

relação às questões sociais e ambientais, realizando também, em escalas diversas,


citar o Grupo de Institutos

Fundações e Empresas (Gife, criado


ações sociais concretas.

em 1989 e formalizada como Por outro lado, o período que vai do final dos anos 80 até o fim dos anos 90 tornou-se

organização em 1995); a Fundação palco do nascimento e da consolidação de importantes fundações, institutos e organizações

Abrinq pelos Direitos da Criança


da sociedade civil ligados ao meio empresarial e tendo como foco a questão da ética, em

(fevereiro de 1990); e o Instituto


particular o chamado comportamento empresarial ético e responsável (1).
Ethos de Responsabilidade Social
Durante os anos 90, algumas empresas passaram a divulgar periodicamente – nos
(junho de 1998).
chamados relatórios ou balanços sociais anuais – as ações concretas realizadas em

relação à comunidade a sua volta, ao meio ambiente e ao seu próprio corpo de

funcionários. Primeiramente, sob a forma de documentos internos e, num segundo

momento, pelos meios de comunicação e da divulgação da própria publicidade


A Campanha contra a Fome,
corporativa.
coordenada pelo sociólogo Herbert
Dessa forma, a década de 90 destaca-se como o período do surgimento e do cresci-
de Souza, o Betinho, teve seu
mento de diversas instituições, que se formalizam para atuar de maneira relativamen-
apogeu durante os anos de 94, 95

te orgânica e institucionalizada no âmbito da chamada responsabilidade social corpo-


e 96. Caracterizava-se pela

rativa. Essa nova postura de tornar-se “socialmente responsável” também começava –


descentralização das ações de

de diversas maneiras – a ser praticada pelas próprias empresas. Este duplo movimento –
doação de alimentos não perecíveis

e pela discussão de questões como: de organizações e fundações, por um lado, e de empresas, por outro – intensificou-

direitos de cidadania, participação e se a partir de 1993, sob influência da Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria,

solidariedade. que promoveu a aproximação de diversas organizações empresariais e empresários

130
com este relevante aspecto da questão social brasileira: a fome.

No final dos anos 90, o tema ganhou maior visibilidade, quando algumas organiza-

ções não-governamentais (ONGs) começaram a utilizar mais intensamente o termo

responsabilidade social corporativa e passaram a incentivar nas empresas, além dos

chamados balanços ou relatórios sociais, a realização de ações em relação ao meio

ambiente, à educação, à saúde e à igualdade de oportunidades – principalmente na

questão de gênero e de portadores de deficiência.

2.1. Do nascimento da idéia e desenvolvimento das primeiras ações à consolidação da

responsabilidade social das empresas

Para entendermos a atuação social das empresas e o seu efetivo papel na sociedade,

torna-se necessário caminharmos até o final do século XIX, quando o discurso ético

passa a acompanhar mais de perto as idéias liberais e democráticas, clamando por

maior igualdade de direitos e oportunidades para que todos os indivíduos pudessem

desenvolver suas capacidades. Assim, estamos assumindo neste trabalho que parte

2) No livro de Gleuso Duarte e José dos democratas liberais identificava o elemento “liberal” como a igual liberdade de

Dias, Responsabilidade social: a todos os indivíduos em desenvolver suas capacidades, e não como a liberdade de o

empresa hoje, encontramos, na mais forte poder eliminar o mais fraco, segundo as regras do livre mercado.

página 41: “Segundo Howard


Assim, entendemos que esse processo de envolvimento de empresas e empresários

Bowen (31, 40), cuja obra é um


com ações sociais concretas tem parte das suas origens nas idéias de democracia

marco no campo da Responsabilida-


liberal que buscavam, conforme “(...) John Stuart Mill e os liberal-democratas éticos
de Social da Empresa, as primeiras
que o acompanharam em fins do século XIX e inícios do século XX, uma sociedade
manifestações desta idéia surgiram
empenhada em garantir que todos os seus membros sejam igualmente livres para
no início do século, em trabalhos de
concretizar suas capacidades” (Macpherson, 1978, p. 9).
Charles Eliot (1906), Arthur Hakley
Já no início do século XX encontramos as primeiras, e obviamente isoladas, mani-
(1907) e John Clark (1916). Tais

festações de parte do pensamento empresarial e acadêmico que procuravam não limitar a


idéias, porém, não tiveram maior

atuação das empresas na busca incessante do lucro a qualquer preço e referiam-se


aceitação nos meios acadêmicos e

empresariais, onde deviam soar –


a um outro papel que as instituições privadas, tanto comerciais quanto industriais,

considerada a época – como deveriam cumprir (2).

heresias socialistas”. Essas novas idéias, ou essa nova forma de pensar e agir, foram imediatamente asso-

131
ciadas, de forma pejorativa, ao pensamento socialista à época – que foi significativa-

mente representativo em parte da Europa no início do século XX. Essas idéias foram

combatidas veementemente pela maioria dos empresários e pelo pensamento capita-

lista mais conservador, hegemônico nos meios acadêmicos durante o período citado.

Observa-se que a chamada responsabilidade social das empresas nos países conside-

rados como os mais desenvolvidos e democráticos do globo não é um assunto novo.

Desde o início do século XX, registram-se manifestações concretas a favor desse

tipo de comportamento. Nos anos 20, a idéia de uma atuação social mais efetiva

por parte das empresas privadas reapareceu. Esta porém, continuou não obtendo

maior aceitação pela maioria dos empresários e intelectuais. E o ”(...) mesmo acon-

teceu às idéias do inglês Oliver Sheldon que, em 1923, defendeu a inclusão entre as

preocupações da empresa, de outros objetivos além do lucro dos acionistas” (Duarte,

1996, p. 41).

Contudo, somente nos anos 40, em parte da Europa, foi que se registrou o primeiro

apoio empresarial explícito e significativo – parte dos empresários ingleses do setor

industrial – à necessidade de as corporações atuarem com responsabilidade em relação

aos seus funcionários e contribuírem de forma efetiva para o bem-estar da sociedade:

“Em 1942, a idéia aparecia num manifesto subscrito por 120 industriais ingleses,

onde se afirmava sem rodeios: ‘A responsabilidade dos que dirigem a indústria é

manter um equilíbrio justo entre os vários interesses do público como consumidor,

dos funcionários e operários como empregados e dos acionistas como investidores.

Além disso, dar a maior contribuição possível ao bem-estar da nação como um todo”

(Duarte, idem) (3).


3) Cabe observar que uma certa
A partir da segunda metade dos anos 60 nos Estados Unidos da América (EUA) e em
ênfase na questão do consumidor

parte da Europa ocidental – particularmente na França e na Inglaterra –, uma parcela


aparece recorrentemente

da sociedade iniciou uma efetiva cobrança por um comportamento socialmente


no discurso de SER de alguns

empresários contemporâneos, no
responsável no âmbito das empresas. A resposta ao crescimento dos movimentos

qual, em geral, se confunde de sociais e às lutas pelos direitos civis não tardou a chegar: diversas empresas americanas

forma recorrente – e européias iniciaram uma sensível mudança na forma de lidar com a matéria-prima

intencionalmente ou não – a idéia utilizada, com os consumidores e fornecedores e também com seus trabalhadores.

de cidadão com a de consumidor. Nos anos 70, algumas empresas perceberam a importância estratégica de dar

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publicidade às ações sociais realizadas. Assim sendo, foi nessa mesma década de 70

que se consolidou em alguns países da Europa a necessidade de realização periódica

e divulgação anual dos chamados balanços ou relatórios de atividades sociais.

Nos EUA, dos anos 20 até o início da década de 50, a questão da responsabilidade

social das empresas não despertou maior interesse, tanto nos empresários quanto na

sociedade como um todo. Todavia, cabe destacar o livro de Howard Bowen, Social

Responsibilities of the Businessman, publicado em 1953, que é considerado o marco

inicial do entendimento e da sistematização da responsabilidade social das empresas.

A partir dessa obra, o tema começava a se difundir, alcançando as universidades e

uma parcela crescente do empresariado norte-americano. Na mesma década, o assunto

difundiu-se pelos meios empresariais e acadêmicos norte-americanos.

O início dos anos 60 nos EUA registra uma popularização do tema da atuação ética e

responsável por parte das empresas. Essa idéia acabou ganhando terreno na sociedade

norte-americana por conta de uma série de programas de televisão dirigidos por

Joseph McGuire que se tornaram um livro em 1963.

O repúdio da população à Guerra do Vietnã (1964-1973) deu início a um movimento

de boicote à aquisição dos produtos e das ações na bolsa de valores daquelas empresas

que, de alguma forma, estavam ligadas ao conflito bélico na Ásia. Essas manifestações,

aliadas às lutas pelos direitos civis norte-americanos, trouxeram novos e determinantes

fatores para essa questão: a participação popular, a opinião pública e a cobrança por

parte da sociedade de uma nova postura empresarial.

Diversas instituições da sociedade civil, como igrejas e associações, passaram a denunciar

o uso de armamentos de extermínio em massa que dizimavam comunidades inteiras

e afetavam negativamente o meio ambiente, colocando em risco a própria

sobrevivência e o futuro do homem no planeta – principalmente as armas químicas,

entre elas o napalm. A Guerra do Vietnã provocou um grande desgaste político para

os governos Nixon e Ford. Da mesma forma, afetou negativamente a imagem das

empresas que se beneficiaram economicamente daquele episódio.

Como uma reação, que em parte se devia às pressões de um segmento mais organi-

zado da sociedade norte-americana, que exigia uma postura ética e um novo tipo de

ação empresarial em relação às questões sociais e ambientais, algumas empresas daque-

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le país passaram – além de verdadeiramente começar a mudar suas práticas e a forma

de relacionar-se com funcionários, consumidores e o meio ambiente – a prestar conta

anualmente de suas ações sociais e ambientais, como forma de justificar-se. Essas

empresas buascavam, assim, uma transformação positiva de sua imagem diante de

consumidores, acionistas e da sociedade em geral.

A ação das organizações da sociedade civil norte-americana, em um movimento por

ampliação e efetivação da cidadania – por intermédio de associações, universidades,

sindicatos, instituições de caridade e clubes de investidores –, influenciou de forma

direta e indireta a prática e o discurso de muitas empresas e empresários daquele país.

Todas essas transformações ocorridas no âmbito das empresas relacionam-se, de

alguma forma, aos movimentos sociais da década de 60. As lutas pela garantia dos

direitos civis, com a busca de igualdade de direitos e o fim da discriminação racial pelo

movimento negro norte-americano; a luta das mulheres para conquistar seu espaço e

os movimentos de contestação na Europa possuem dois grandes marcos no final da

década: a Marcha pela Paz em abril de 1967 nos EUA, com o seu slogan make love,

not war; e o movimento de Maio de 1968 na França, com o seu é proibido proibir.

Porém, foi somente no período que vai do final dos anos 60 até o início dos anos 70

que surgiu nos EUA um verdadeiro e substancial incremento na preocupação das

empresas em relação ao social e ao ambiental. Dessa preocupação nasce o interesse e

a necessidade de prestar informações ao público em geral sobre as atividades

desenvolvidas, tanto no campo social quanto na área ambiental.

A resposta das empresas norte-americanas, elaborando e divulgando relatórios com in-

formações de caráter social para dar satisfação à sociedade e tornar públicas as suas ações

sociais politicamente corretas, resultou no que se denomina atualmente de Relatório de

Atividades Sociais ou Balanços Sociais. Apesar de essa novidade ter nascido nos EUA,

nunca existiu naquele país uma legislação que obrigasse essas empresas a realizarem anual-

mente esse tipo de relatório. Talvez por isso e pelas características do liberalismo econômi-

co daquela nação, a nomenclatura a respeito seja bastante variada: social audit, social

balance sheet, social accountability, social responsibility report, social report.

As empresas norte-americanas foram as pioneiras na prestação de contas ao público.

Porém a França foi pioneira na obrigatoriedade da elaboração do balanço social: o

Bilan Social francês. A partir dos anos 70, principalmente como resultado das pres-

134
sões sociais e econômicas daquele período – as transformações ocorridas após o mo-

vimento estudantil de maio de 1968 –, as empresas francesas deram início à publica-

ção de quadros e relatórios contendo dados relacionados à gestão de pessoal e às

condições sociais no universo do trabalho. Esses quadros passaram a acompanhar as já

tradicionais demonstrações financeiras e contábeis.

A idéia da responsabilidade social nas empresas popularizou-se na Europa durante os

anos 70. Foi a partir dessa idéia e das novas práticas desenvolvidas que em 1971 a

companhia alemã Steag produziu uma espécie de relatório social, um balanço das

suas atividades sociais. Porém, o que pode ser classificado como um balaço social

propriamente dito – nos moldes do que se entende por isso atualmente – foi o balanço

realizado pela empresa Singer, na França, em 1972. Este pode ser classificado como o

primeiro balanço social da história das demonstrações anuais corporativas.

Na França, as várias experiências realizadas – aliada a uma efetiva cobrança da sociedade –

consolidaram a necessidade de uma avaliação mais sistemática e regular por parte das

empresas no âmbito social. Foi assim até 12 de julho de 1977, quando é aprovada a

Lei n 77.769, que tornava obrigatória a realização de balanço social anual para todas
o

as empresas com mais de setecentos funcionários. O número de funcionários passou

para trezentos, a partir de 1982 (Duarte, 1986).

Alguns países da Europa seguiram os passos franceses e passaram a exigir de suas

empresas, por legislação própria e de forma obrigatória, a elaboração do balanço

social. Além da França, a divulgação anual do balanço social também tornou-se

obrigatória na Bélgica a partir de 1986 e em Portugal na primeira metade da década

de 90 (Tinoco, 1984; Freire, 1999).

Para melhor ilustrar a questão da responsabilidade social das empresas na Europa,

cabe citar o caso da empresa inglesa de cosméticos The Body Shop. Com sua primeira

loja criada em 1976 por Anita Roddick, em Brighton, na Inglaterra, esta empresa de

produtos ditos “naturais”, vem desde o final dos anos 70 atuando de maneira ostensiva

na luta pela defesa do meio ambiente na Europa e defendendo as florestas tropicais

de diversos países do globo. A empresária Anita Roddick financia entidades sociais e

ambientais, convoca seus funcionários e consumidores para boicotes contra empresas

e organiza manifestações contra países que devastam o meio ambiente. Em 1996, a

The Body Shop já operava com 1.366 lojas em 64 países, e seus lucros foram de 53

milhões de dólares, num volume de vendas de 349 milhões (Kotler, 1997).

135
Dessa forma, pode-se observar que foi a partir dos anos 80 que diversas organizações

começaram a trabalhar sistematicamente com o tema da responsabilidade social das

empresas e a ter efetiva preocupação com o meio ambiente, tanto nos EUA quanto
4) As informações sobre estas

na Europa. Cabe destacar a atuação de entidades como o Business for Social Respon-
instituições foram recolhidas via

sibility (BSR) nos EUA; e o Council on Economic Priorities Accreditation Agency


Internet em: http://

www.cepaa.org,
(CEPAA, SAI atualmente), que atua tanto num continente quanto no outro; e a orga-

http://www.sa-intl.org, http:// nização Accountability, na Inglaterra (4).

www.accountability.org.uk. A CEPAA, uma organização não-governamental norte-americana que atualmente se

A relação completa de denomina Social Accountability International (SAI), merece um destaque especial pelo

endereços dos sites relacionados trabalho realizado durante o fim do anos 90 e por estar iniciando sua atuação também

com a nossa disciplina encontra- no Brasil.

se no final desta unidade. Não

deixe de visitar e conhecer todos A Social Accountability 8000 (SA 8000), normatização desenvolvida em 1997, certifica

os sites indicados! empresas – após um longo processo de auditoria, nos rigorosos moldes da ISO 9000 –

que demonstram, segundo os critérios de auditoria e verificação dessa entidade,

proficiência nas suas relações sociais internas e na forma de relacionamento e tratamento

dos seus funcionários e fornecedores. A SA 8000 estabelece como critério uma série

de itens relacionados com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, acordos de

Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, as resoluções da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), bem como toda a legislação do país, onde se encontre

a empresa auditada. No Brasil, quatro empresas já possuem a certificação SA 8000: a Cesg,

uma consultoria de São Paulo; a De Nadai, do ramo de alimentação industrial; a indústria

sucroalcooleira Santa Elisa e a AFL/Alcoa, que fabrica peças automotivas. A Bahia

Sul Celulose e a Avon do Brasil estão em processo de obtenção do certificado.

Sendo assim, no contexto dos mais recentes acontecimentos relacionados ao tema,

podemos ressaltar as manifestações da sociedade em detrimento de algumas empresas

que sofreram denúncias por intermédio dos meios de comunicação, recebendo o título

de não-responsáveis ou não-éticas – categoria que acaba nascendo ao mesmo tempo

que o seu oposto: RSE, RSC ou Empresa Socialmente Responsável. Essas empresas têm

sido acusadas, entre diversas questões, de destruir o meio ambiente e de utilizar maté-

rias-primas que não se adequam à preservação da vida no planeta; de aparecerem

136
relacionadas com algum tipo de violação dos direitos humanos; de se encontrarem

ligadas à utilização de trabalho escravo ou à falta de liberdade associativa; e/ou de se

encontrarem explorando a miséria de determinados povos ou, principalmente, de es-

tarem relacionadas à utilização do trabalho infantil – exploração da mão-de-obra de

crianças e jovens.

Alguns acontecimentos recentes ilustram muito bem essa questão. Cabe aqui citar

dois exemplos: o caso da companhia de petróleo Shell, na Nigéria, em 1995, e o da

marca de material esportivo Nike, durante a Copa do Mundo de 1998, na França.

A gigante anglo-holandesa Royal Dutch Shell sofreu um enorme boicote nos EUA, na

segunda metade dos anos 90. Entidades realizaram campanhas para que os motoris-

tas não abastecessem seus veículos nos postos Shell, por esta encontrar-se envolvida e

apoiar a tortura e a morte de duas lideranças na Nigéria (Ken Saro-Wiwa e John

Kpuinen), que por questões ambientais e étnicas se opunham à permanência da em-

presa petroleira naquele país africano, conforme amplamente noticiado pela impren-

sa mundial à época.

Outro caso mais recente foi o boicote sofrido pela empresa de material esportivo

Nike, que teve sua marca associada à exploração de mão-de-obra infantil na Ásia,

durante os jogos do Campeonato Mundial de Futebol. Entidades de defesa dos direitos

humanos denunciaram que as bolas e as chuteiras utilizadas na Copa da França de 98

eram fabricadas por crianças na Indonésia, em condições subumanas. Desde então, a

Nike vem enfrentando denúncias de que explora trabalho infantil na Ásia.

No festival de cinema norte-americano, Sundance Film Festival, um dos cineastas,

interessado na questão da defesa dos direitos humanos, registrou em um dos seus

filmes esta questão sem rodeios: “(...) o único presidente de grande corporação foi

Phil Knight, da Nike, que conseguiu ser pego em flagrante por Moore. (...) No filme,

Moore, depois de longa espera, consegue falar com Knight e pergunta a ele, na lata:

– Você não tem problema de consciência? Sabe como vivem seus empregados na

Indonésia? Um ‘não é bem assim’ é a única resposta que Moore consegue receber,

enquanto mostra ‘os empregados de Knight’ na Indonésia: crianças subnutridas,

137
descalças, fabricando os tênis Nike vendidos em todo o mundo” (extraído do jornal

O Globo – O Globo On Line, em 14/4/98).

Alguns meses depois, a imprensa anunciava os problemas econômicos enfrentados

pelas empresas que atuam na Ásia, que, no caso da fabricante de material esportivo

Nike, juntaram-se ao peso das denúncias: “(...) Em Nova York, a baixa acentuada do

índice Dow Jones foi causada, em boa parte, pelas expectativas de queda nos lucros

das empresas e bancos com negócios na Ásia. A situação já fez uma vítima: o diretor

financeiro da Nike, Robert Falcone, apresentou ontem sua demissão, depois que os

problemas asiáticos levaram a prejuízos e a uma queda no preço das ações da Nike na

bolsa. A empresa acumula cerca de US$ 1,4 bilhão em estoque de produtos, e está

tendo que vender mais barato para poder escoá-los no mercado...” (O Globo,

Economia, em 5/9/98).

Tudo indica que não foi simplesmente por acaso que em 1999 o jogador de futebol

brasileiro conhecido à época como “Ronaldinho” – patrocinado pela Nike e principal

“garoto propaganda” dessa marca ao redor do mundo – assumiu o “cargo” de

embaixador do Unicef para as crianças do planeta.

5) Segundo os resultados da A partir desses exemplos, podemos levantar uma questão: qual é o limite entre a

pesquisa “Responsabilidade social efetiva mudança de mentalidade e ação em relação à sociedade e ao meio ambiente –

e ética da administração” (Robbins


que algumas empresas verdadeiramente adotam ou deveriam adotar – e a propaganda

e Coulter, 1998), realizada com


e o marketing puro e simples, visando a distanciar a imagem da empresa de algum
aproximadamente 2 mil
acontecimento ou denúncia que poderia afetar negativamente o consumo e o valor
consumidores norte-americanos,
agregado da marca?
mais de 65% dos entrevistados

Recentes transformações nos hábitos de consumo e de cobrança por parte dos con-
(dois terços) “(...) afirmaram que

sumidores mais conscientes – que passam até por recomendações da conservadora


trocariam de marca para um

fabricante que apoiasse uma causa Organização Mundial do Comércio (OMC) e dos organismos internacionais mais com-

em que acreditassem, enquanto um prometidos com os direitos humanos, como, por exemplo, a Organização Internacio-

terço [cerca de 35%] era mais nal do Trabalho (OIT) e o Unicef – vêm acontecendo tanto nos EUA quanto na Europa.

influenciado pelo ativismo social de


As campanhas pelo fim do uso de casacos de pele e de couro, bem como as maciças

uma empresa do que por seus


campanhas pela não utilização de animais como cobaias podem ser citadas como
anúncios”.
exemplos (5).

138
A própria queda do consumo de atum na Europa, a partir do boicote promovido por

entidades ecológicas que preservam os golfinhos – para evitar que estes acabem

morrendo nas redes das indústrias pesqueiras –, serve como outro caso exemplar. Esse

fato levou determinadas empresas a adotarem formas alternativas de pesca do atum.

A preocupação – pelo menos em discurso – com essa questão encontra-se registrada

nas embalagens dos produtos beneficiados por empresas que consideram a preservação

dos golfinhos um dado relevante e podem ser verificadas em qualquer gôndola de

supermercado. Tornaram-se comuns, mesmo no Brasil, inscrições do tipo “Nós

protegemos os golfinhos” nas latas desse peixe e o uso de um selo internacional

denominado “Dolphin Safe”, que identifica as indústrias pesqueiras preocupadas com

a defesa dos golfinhos.

2.2. A responsabilidade social das empresas e o balanço social no Brasil

Os primeiros e isolados discursos em prol de uma mudança de mentalidade empresarial

no Brasil já podem ser notados em meados da década de 60. E nesse sentido, a “Carta

de Princípios do Dirigente Cristão de Empresas”, publicada em 1965, é um marco

histórico incontestável do início da utilização explícita do termo “responsabilidade

social” diretamente associado às empresas e da própria relevância do tema relacionado

à ação social empresarial no país – mesmo que ainda limitado ao mundo das idéias e

se efetivando apenas em discursos e textos, o tema já fazia parte da realidade de uma

pequena parcela do empresariado paulista.

Observem com atenção um trecho da Carta: “As crises e tensões do mundo contemporâneo

devem-se a que as instituições econômico-sociais vigentes se afastaram dos princípios

cristãos e das exigências da justiça social e que os antagonismos de classe, os aberrantes

desníveis econômicos, o enorme atraso de certas áreas do país decorrem, em parte, de

não ter o setor empresarial tomado consciência plena de suas responsabilidades sociais”

(“Carta de Princípios do Dirigente Cristão de Empresas”, 1965).

139
Esta idéia, que começou a ser discutida e difundida ainda nos anos 60 após a criação

da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE), demorou até a segunda

6) A ata de fundação da ADCE data metade dos anos 70 para difundir-se amplamente. As principais manifestações estavam

de 29 de março de 1961, conforme


concentradas no Estado de São Paulo – fato que se explica pela importância econômica

se pode constatar em: ADCE.


e política daquele estado, que reúne, desde o início da industrialização brasileira, as
A história de um ideal: a ADCE no
maiores empresas e entidades de representação empresarial do país (6).
Brasil – 1961-1996, São Paulo,

Em 1977, o tema mereceu destaque a ponto de ter sido o assunto central do 2


o

Edicon, 1997.

Encontro Nacional de Dirigentes de Empresas promovido pela ADCE. A responsabilidade

das empresas e dos empresários diante das questões sociais também foi o tema do

“Plano de Trabalho 77/78” da União Internacional Cristã de Dirigentes de Empresas

(Uniapac), que chegava a identificar o balanço social e a gestão social da empresa,

7) Desde o início dos anos 60, a com ênfase num viés mais participativo, como eficientes instrumentos que deveriam

Consultec, empresa formada por ser utilizados pelas empresas no efetivo cumprimento da responsabilidade dessas ante

Luiz Antônio da Silva Pinto, Jorge


a sociedade.
Oscar de Mello Flores e Roberto
Todavia, a conjuntura nacional daquele período não era propícia para idéias de trans-
Campos, técnicos ligados ao

formação e mudança, seja de mentalidade, seja de ação. A idéia de responsabilidade


antigo BNDE, realizava um

social nas empresas, que já motivava algumas discussões desde os anos 60, também vai
“balanço social” para empresas

multinacionais e alguns grupos sofrer com a falta de liberdade e as restrições impostas pela ditadura militar pós-1964 (7).

nacionais, basicamente um
Entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80, com a crise do modelo de desenvol-

instrumento interno de avaliação


vimento baseado na ação e na proteção estatais, o próprio papel das empresas e a
de impacto e análise de risco,
postura dos empresários ante o mercado e a sociedade entraram em processo de
para implantação e expansão no

redefinição e reestruturação. Dessa forma, pode-se compreender o quanto essa prá-


país (Flores, 1999).

tica – e este recorrente discurso – de ação social por parte das empresas está relacio-

nada, ao mesmo tempo, com a reestruturação do Estado, com uma renovação do

empresariado nacional no Brasil e com o processo de substituição das ações compensa-

tórias. Já no contexto dos EUA e da Europa, relaciona-se à crise do Estado de Bem-Estar

Social, o Welfare State assistencial, que buscava garantir integralmente o bem-estar de

todos os cidadãos.

140
Cabe aqui um destaque sobre o primeiro tipo de relatório que aborda aspectos sociais

e de recursos humanos e que se tornou obrigatório para todas as empresas que

atuam no Brasil. Na década de 70, durante a ditadura militar, foi criada pelo Decreto

Lei n 76.900, de 1975, a Relação Anual de Informações Sociais (Rais): um relatório


o

obrigatório para todas as empresas e que dava – e dá ainda hoje – conta das informa-

ções sociais relacionadas aos trabalhadores nas empresas. Compulsório para todos os

empregadores, independentemente do número de empregados, refere-se a uma

série de informações laborais específicas e consolida números que se encontram tam-

bém em outros documentos da empresa. Apesar de mais antigo que o obrigatório

Balanço Social francês, as informações contidas na Rais são muito inferiores, tanto

qualitativa quanto quantitativamente (Freire, 1999).

Os anos 80, a participação e o fortalecimento da questão

A situação sociopolítica e econômica entrou em processo de mudança a partir do

final dos anos 70 no Brasil, durante o período da Abertura Política, que se consolidou

durante os anos 80, no período da chamada Redemocratização. Este período marca

também a falência do modelo intervencionista de caráter estatal.

Nesse período, os sindicatos fortaleceram-se, e diversas organizações da sociedade

consolidaram-se, aumentando o poder de pressão em relação a diversas instituições,

incluindo-se as empresas.

A sociedade passou por áureos períodos de participação, organização e atuação efetiva –

das greves do ABC paulista à promulgação da Carta de 1988: abertura, diretas já,

redemocratização e o movimento constituinte. Também merecem destaque as lutas

relacionadas às questões étnicas e raciais, as conquistas feministas, os embates dos

ambientalistas durante toda a década de 80 e as cobranças pelo cumprimento

dos avanços da nova Constituição.

A sociedade passou por um amplo processo de transformação. Pressionados interna e

externamente, transformavam-se também empresários e empresas. No entanto, cabe

141
ressaltar que o novo e principal fator desse período – que acabou influenciando e

transformando também o discurso e a ação de parte do setor empresarial – foi o

8) Para um melhor entendimento de crescimento da participação (8).

todas as etapas de renascimento da


Nesse contexto, devemos buscar entender a importância e o papel das Organizações
sociedade civil durante o processo
da Sociedade Civil (OSCs) na construção, difusão e consolidação de todo um discurso
de abertura e redemocratização em
ético, de responsabilidade social e ambiental. Ou seja, uma moral e uma prática relativas
nosso país, ler o livro organizado por

ao social que, em determinado momento, se torna bastante ampla e passa a influenciar


Alfred Stepan, Democratizando o

Brasil, da editora Paz e Terra. a sociedade como um todo, incluindo-se os empresários e suas corporações. Assim,

pode-se destacar o papel estratégico das ONGs e das OSCs como atores no processo

de construção e reprodução da chamada responsabilidade social corporativa a partir

da metade dos anos 80.

A discussão em torno da atuação social das empresas e da construção de uma ética

empresarial acabou tendo conseqüências concretas: muitas empresas começaram a

investir em áreas sociais, tradicionalmente ocupadas somente pelo Estado. Na tentativa

de adaptar-se aos novos tempos, cambiaram também algumas formas tradicionais de

se relacionar com funcionários e fornecedores, iniciando, ao mesmo tempo, mudanças

na atuação em relação ao meio ambiente e às comunidades mais próximas.

A partir do momento em que essas novas ações/discursos começaram a aumentar

e tornaram-se significativas, surgiu a necessidade – e, obviamente, o interesse – de

torná-las públicas, ou seja, dar maior visibilidade e publicidade às ações sociais e

ambientais realizadas pelas empresas. Para isso, começaram a ser utilizados relatórios

regulares. Alguns desses documentos de periodicidade anual foram chamados de

Relatório de Atividades Sociais. Posteriormente, alguns evoluíram em forma e conteúdo

e – em uma clara alusão ao balanço contábil e financeiro da empresa – começaram a

receber a denominação, que se vem tornando cada vez mais usual nos últimos anos:

Balanço Social.

“Mas, afinal, em breve e leve abordagem, que é o Balanço Social? De maneira muito

simples – um instrumento colocado nas mãos dos empresários para que possa refletir,

medir, sentir como vai a sua empresa, o seu empreendimento, no campo social. Este

142
é um tema atual. Este é um tema de desafio. Este é um tema que, queiramos ou não,

irá crescer e implantar-se cada vez mais”. Dessa maneira, direta e eficaz, é colocada a

questão pelo professor Ernesto Lima Gonçalves em seu pioneiro livro de 1980.

No ano de 1984, foi publicado o primeiro relatório de cunho social de uma empresa

brasileira: o relatório de atividades sociais da Nitrofértil, empresa estatal que se situava

no pólo petroquímico de Camaçari, Estado da Bahia. Esse documento registrava as

ações internas realizadas e o processo participativo desenvolvido na empresa durante

aquele período e recebeu o nome de Balanço Social da Nitrofértil.

Esse balanço social é considerado o primeiro documento brasileiro do gênero a carre-

gar essa denominação. Nesse mesmo período, meados da década de 80, também foi

publicado o balanço social da Femaq (empresa de São Paulo) e o relatório de ativida-

des sociais do Sistema Telebrás. Decorridos seis anos da realização do balanço pionei-

ro, o Banco do Estado de São Paulo (Banespa) produziu e tornou público um relató-

rio completo, denominado Balanço Social do Banespa, divulgando as ações sociais

realizadas. O Banespa realizou seu balanço social em 1992, porém este foi publicado

somente nos primeiros meses de 1993. Nos anos subseqüentes, diversas empresas

passaram a publicar anualmente seus balanços sociais, a partir do incremento da

realização de ações sociais e ambientais concretas. Algumas prioridades, atitudes,

valores e, principalmente, os discursos – como se pode constatar – começaram a

mudar no universo empresarial a partir da década de 90.

Os anos 90: a consolidação da responsabilidade social das empresas e do balanço

social no Brasil

A partir de 1993, empresas de diversos setores passaram a realizar efetivas ações

sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que começaram a divulgar de maneira

mais ostensiva – inclusive nos meios de comunicação – um perfil mais responsável e hu-

mano. Foi no início dos anos 90 que a realização anual de relatórios sociais e ambientais

143
iniciou um processo de aceitação e disseminação no meio empresarial. Assim, a partir

dessa época, os chamados balanços sociais anuais passaram a fazer parte da realidade

de um número cada vez maior de corporações.

Esse também foi um importante período de consolidação da mudança de mentalida-

de de uma parcela do empresariado nacional, no qual novas lideranças empresariais

passaram a defender um capitalismo de cunho mais social, buscando, inclusive, maior

diálogo com representantes dos trabalhadores. Esses novos empresários dos anos 90

estão cada vez mais atentos aos problemas ambientais e sociais. Eles passaram a levar

em consideração, de forma crescente, a questão da ética e da responsabilidade social

e ambiental na hora de tomar decisões.

Foi nesse ambiente de mudança de mentalidade, a partir de reuniões realizadas em

São Paulo ao final dos anos 80, que uma parcela do empresariado paulista, preocu-

pada mais intensamente com a inserção de suas empresas no universo das ações

sociais – ainda que com um enfoque mais filantrópico –, criou o Grupo de Institutos,

Fundações e Empresas (Gife).

Fundado em 1989, somente em 25 de junho de 1995 o Gife se formalizou como

uma associação e instituiu-se como pessoa jurídica. Em 1999, ou seja, dez anos depois

do seu nascimento, já contava com oitenta organizações, sendo considerado, duran-

te toda a década de 90, uma das instituições de maior destaque e atuação em relação

às questões ligadas à responsabilidade social das empresas no Brasil.

Deve-se ressaltar aqui a importância do Gife para o desenvolvimento das ações sociais

realizadas no âmbito empresarial brasileiro, cabendo também igual destaque aos even-

tos relacionados ao Prêmio Eco – criado em 1983 e consolidado a partir de 1986 –,

desenvolvido pela Câmara Americana de Comércio, em São Paulo (AmCham/SP).

Diversas organizações estiveram – e outras ainda estão – diretamente ligadas à história

da ação social no mundo empresarial. Algumas delas, estão relacionadas diretamente

com o nascimento, o crescimento e a difusão da responsabilidade social das empresas

no Brasil, tornando-se necessário destacar algumas das iniciativas marcantes: as pionei-

ras ADCE e a Fundação Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social (Fundação

144
Fides, que na década de 80 possuía o nome de Instituto de Desenvolvimento Empresa-

rial – IDE); o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (Pnbe); o próprio Gife, acima

citado; a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (criada e mantida pela Associação

Brasileira das Indústrias de Brinquedos, Abrinq); o Instituto Brasileiro de Análises Sociais

e Econômicas (e a luta contra a Aids, no início dos anos 90; a campanha da Ação da

Cidadania, em 93/94 e 95, e depois o projeto Balanço Social das Empresas, a partir de

1997); e o mais novo integrante dessa lista – que possui porém uma das mais importan-

tes e intensas atuações neste campo – o Instituto Ethos de Responsabilidade Social,

criado pelo empresário Oded Grajew em junho de 1998.

Dessa forma, pode-se afirmar que foi a partir do início dos anos 90 que algumas

empresas passaram a desenvolver ações sociais concretas, sistemáticas e como uma

estratégia empresarial. Investindo e atuando de maneira cada vez mais intensa nesse

novo campo, a operacionalização dessas ações foi, muitas vezes, institucionalizada e

colocada a cargo de profissionais. Paralelamente a esse processo – e em decorrência

dele –, essas empresas começaram a divulgar sistematicamente as ações realizadas em

relação à comunidade, ao meio ambiente e aos próprios funcionários.

Assim, podemos inferir que todo esse processo se deu por uma conjunção de interesses

pessoais de alguns empresários; cobrança por parte da sociedade organizada; disputas

de poder; e da necessidade do meio empresarial de adaptar-se às transformações

nacionais e globais.

Nesse sentido, os anos 90 aparecem como palco da disputa por novos modelos de

desenvolvimento, retirada do Estado de setores tradicionais de atuação, reafirmação

dos valores liberais e de mercado, novas práticas corporativas e uma nascente e

crescente renovação do pensamento empresarial no Brasil.

Se essas preocupações e atuações corporativas no âmbito social tornaram-se uma

questão econômico-financeira, relacionada à sobrevivência empresarial e ligada a uma nova

visão estratégica de longo prazo, não podemos esquecer o lado ético e humano que

essas práticas de responsabilidade social envolvem ou, potencialmente, ajudam a

desenvolver.

145
Portanto, não é sem motivo que ocorre nesse período um grande fortalecimento e

difusão – tanto no meio empresarial quanto no meio acadêmico e de algumas

organizações da sociedade – do termo Responsabilidade Social das Empresas (RSE)

e dos seus correlatos: empresa socialmente responsável, ética nas empresas, balanço

social das empresas, filantropia empresarial, empresa cidadã, etc. Ao mesmo tempo

em que surgem, entre outras, idéias e expressões como: “Fazer o bem faz bem”;

“Fazer o bem é a alma do negócio”; “Transformando a frieza dos números em qualidade

de vida”.

O balanço social das empresas e a consolidação da idéia de empresa cidadã

Múltiplos e complexos são os fatores que contribuíram para o amadurecimento da

idéia de cidadania empresarial e de publicação de balanço social na cultura das orga-

nizações brasileiras. Entre eles merecem destaque: a pressão por parte das agências

internacionais de fomento e as campanhas de várias instituições de preservação da

natureza para que as empresas privadas e públicas reduzissem o impacto ambiental; a

Constituição de 1988, que representou um grande avanço tanto em questões sociais


9) Apesar da Constituição de 1988
quanto ambientais; o exemplo e o resultado de programas educacionais, esportivos,
ter assegurado conquistas político-

ambientais e de apoio cultural de grandes empresas multinacionais como a Xerox, a


econômicas e socioambientais,

C&A, a Coca-Cola, o McDonalds, entre outras; e, por último, mas não menos impor-
cabe registrar o fato de que uma

considerável parcela do grande tante, a atuação, nos últimos anos, de empresas nacionais como: Banco do Brasil,

empresariado nacional se Usiminas, Inepar, Petrobras, Natura, Azaléia e O Boticário, por exemplo (9).

empenhou, durante o período de


Contudo, foi a partir de 1997 que diversas organizações passaram a trabalhar de

elaboração da Carta de 1988, em


maneira ostensiva com esse tema, realizando seminários, pesquisas, palestras e cursos,
barrar avanços sociais e ambientais,
principalmente sobre balanço social. Algumas poucas obras acadêmicas e livros
apoiando, de diversas maneiras,

começam a aparecer. Ao mesmo tempo, muitas empresas começaram a desenvolver,


parlamentares de centro-direita que

de maneira mais sistemática, ações sociais e ambientais concretas e passaram a divulgar


compunham, apesar dos vários

partidos de direita, o partido de anualmente o Balanço Social. Como exemplo podem ser citadas algumas empresas

fato chamado “centrão”. que, já em meados de 1997, realizaram seus BSs por conta da campanha iniciada por

146
Betinho: Inepar, Usiminas, Cia. Energética de Brasília, Light, Mills, entre outras, conforme

Gazeta Mercantil, 6 de junho de 1997 e em 3 de junho do mesmo ano (10).

10) Utilizamos aqui o ano de 1997 Desde o final dos anos 80, o sociólogo Herbert de Souza começou a ter contato com

como marco, pois foi a partir do alguns empresários dispostos a fazer doações e a apoiar campanhas como a luta

artigo “Empresa pública e cidadã”,


contra a Aids e as ações em favor das crianças e dos adolescentes, como, por exemplo,

do sociólogo Herbert de Souza,


a criação da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia, fundada em 1987) e
publicado no jornal Folha de S.
durante a campanha Se Essa Rua Fosse Minha, que ocorreu em 1991. Contudo, nesse
Paulo, em 26 de março de 1997,
primeiro momento, a participação dos empresários envolveu um caráter muito mais
p. 2., Caderno 2, que esse debate foi

pessoal e filantrópico do que propriamente uma transformação das práticas e dos


recolocado na mídia, gerando, em

um primeiro momento, respostas princípios das empresas e das organizações envolvidas.

concretas, tanto diretas quanto A partir de 1993, a Campanha contra a Fome e a Miséria, criada por Betinho e desen-

indiretas: grandes empresas


volvida pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), tornou-se

engajaram-se na campanha pelo


uma referência. Esta acabou também promovendo a aproximação entre setores do
balanço social; lançamento do
empresariado nacional e uma questão premente no Brasil: a fome e a miséria. Essa
modelo de balanço social criado no
campanha, na fase de maior intensidade, mobilizou diversas empresas públicas e pri-
Ibase em junho de 1997, que vem

vadas em todo o país, entre 1993 e 1995.


sendo amplamente utilizado por

grandes empresas; um amplo

seminário nacional, promovido pela As primeiras organizações empresariais privadas a aproximarem-se de maneira

Abamec em novembro de 97; o institucional, apoiando a Campanha contra a Fome – que desde o seu início contou com

projeto de lei na Câmara Federal, da uma ampla participação de empresas públicas e estatais como Petrobras, Banco do

deputada Marta Suplicy. Logo em Brasil, Furnas e Caixa Econômica Federal, organizadas a partir de 1994 no Comitê das

seguida nasce uma nova OSC para Empresas Públicas no Combate à Fome (Coep) –, foram a Fundação Abrinq e o Pensamento

tratar exclusivamente de RSE – Nacional das Bases Empresariais (PNBE).

a partir das afinidades do então

empresário Oded Grajew com o


Foi a experiência do então coordenador da Campanha contra a Fome, a partir do contato

tema e com algumas idéias do


com muitas empresas e empresários, que gerou e fortaleceu a idéia de que uma ação
sociólogo –, o Instituto Ethos de
social e ambiental mais efetiva por parte das empresas públicas e, principalmente, das
Responsabilidade Social.
empresas privadas – de maneira independente, mas não se opondo às ações do Estado –

era não só desejável como deveria ser incentivada.

147
Dessa forma, a questão da responsabilidade social das empresas e da publicação anual

do balanço social ganhou destaque na mídia e uma intensa visibilidade nacional quando

11) O amplo debate pelos jornais: o sociólogo Herbert de Souza escreveu o artigo “Empresa pública e cidadã”, em março

no dia 29/3/97, o empresário de 1997. Esse artigo desencadeou um amplo debate, durante aquele e outros períodos,

Ricardo Young, do PNBE, escreveu


nos jornais do país (11).

um texto com algumas críticas às


A partir desse debate e da ampla repercussão nacional sobre o tema, o Instituto Brasi-
idéias de balanço social do
leiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), tendo à frente a imagem nacionalmen-
sociólogo Herbert de Souza.

te reconhecida de Betinho, lançou em 16 de junho de 1997 uma campanha pela


Em 7 de abril do mesmo ano,

Betinho escreveu novo artigo, na


divulgação anual do Balanço Social das Empresas, declarando que este seria o “pri-

mesma Folha de S. Paulo, meiro passo para uma empresa tornar-se uma verdadeira empresa cidad㔠(12).

respondendo a Ricardo Young. O lançamento da campanha pela publicação do Balanço Social deu-se no Centro

De março a novembro de 1997,


Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, e contou com o apoio de diversas

encontramos em vários jornais


lideranças empresariais, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – autarquia do
diversos artigos abordando o tema
Ministério da Fazenda responsável pela fiscalização das atividades das empresas nas
da Responsabilidade Social das

bolsas de valores – e do jornal Gazeta Mercantil.


Empresas, e, mais especificamente,

Esse evento também contou com a participação e o apoio de empresas – Xerox do


sobre Balanço Social: Evelyn

Ioschpe (FSP, 1/4/97); Luís Nassif Brasil, Banco do Brasil, Grupo Gerdau, Banco do Nordeste, Glaxo Wellcome, Light e

(FSP, 16/5/97); Marta Suplicy (FSP, Usiminas, entre outras – e de algumas instituições de representação empresarial, como,

10/6/97); Sérgio Foguel (FSP, 23/6/


por exemplo, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a Associação

97); Vladimir Rioli (FSP, 16/7/97);


Brasileira de Mercado de Capitais (Abamec) e a Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Fernando Motta (GM, 4/8/97) e
Durante os meses seguintes, essa campanha alcançou uma grande repercussão em
Eliseu Martins (GM, 18/9/97) são

várias partes do país e desdobrou-se em uma série de debates e seminários, tendo


alguns exemplos.

como objetivo principal “(...) chamar à atenção dos empresários e de toda a socieda-

de para a importância e a necessidade da realização anual do balanço social em um

modelo único e simples”.

Esse modelo tem algumas particularidades que valem a pena ser destacadas: a) foi
12) Cabe registrar que, como visto
criado a partir da iniciativa de uma ONG, cobrando transparência e efetividade nas
anteriormente, a idéia original do

ações sociais e ambientais das empresas; b) separa as ações e os benefícios obrigatórios


Balanço Social não foi de Betinho e

nem sequer nasceu no Brasil.


dos realizados de forma voluntária pelas empresas; c) é basicamente quantitativo; e

148
Contudo, o grande mérito do d) ser for corretamente preenchido, pode permitir a comparação entre diferentes

sociólogo criador do Ibase foi


empresas e uma avaliação da própria corporação ao longo dos anos.

recolocar o tema na agenda


O modelo de balanço social apresentado anteriormente foi desenvolvido no Ibase,
nacional e ampliar a discussão para
em parceria com técnicos, pesquisadores e diversos representantes de instituições
amplos setores da sociedade, a
públicas e privadas. Este foi concebido e concluído ainda durante o primeiro semestre
partir de 1997.

de 1997, como resultado de inúmeras reuniões e debates. A estratégia adotada por

Herbert de Souza foi a de criar um modelo básico, mínimo e inicial, construído à base

do consenso e que pudesse ser lançado rapidamente. Por exemplo, na polêmica

questão racial, o formulário do BS seguiu para a gráfica com o item “n de negros


o

que trabalham na empresa” e “% de cargos de chefia ocupados por negros”. Quando

alguns empresários envolvidos no processo declararam que não realizariam BS com

essas informações e retirariam o apoio à campanha, Betinho convenceu o grupo a retirar,

ainda que provisoriamente, este item.

Em um primeiro momento, esse modelo de balanço social contou com o apoio e a

recomendação da CVM, por meio de uma instrução normativa nunca publicada, que

indicava que as empresas de capital aberto deveriam realizar balanço social anualmente.

Outro apoio decisivo, ainda que indireto, foi o da Agência Nacional de Energia Elétrica

(Aneel), reguladora das empresas do setor, que recomendou a realização de Balanço

Social nesse mesmo modelo. Dessa forma, torna-se claro o motivo pelo qual a relação

das empresas que realizam balanço social anualmente ser composta, na sua maioria,

por empresas de capital aberto e por empresas do setor elétrico.

A legislação sobre balanço social

Foram esses diversos eventos e artigos relacionados ao tema, realizados durante 1997,

que motivaram a então deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do

Estado de São Paulo, Marta Suplicy, a apresentar na Câmara dos Deputados, em maio

do mesmo ano, o Projeto de Lei n 3.116/97 que versava sobre balanço social e
o

responsabilidade social das empresas no Brasil. Esse projeto visava a tornar obrigatória,

149
para todas as empresas com mais de cem funcionários, a divulgação anual de Balanço

Social, conforme diversos critérios especificados no texto e tomando por base o modelo

francês de balanço social.


13) No município de São Paulo/SP, a

Resolução n
o
005/98 “Cria o Dia e o A justificativa apresentada no projeto acrescenta que: “Elaborar o Balanço Social é

Selo da Empresa Cidadã às um estímulo à reflexão sobre as ações das empresas no campo social. O Balanço

empresas que apresentarem Social estimulará o controle social sobre o uso dos incentivos fiscais e outros mecanismos

qualidade em seu Balanço Social


de compreensão de gastos com trabalhadores. Ajudará na identificação de políticas de
e dá outras providências”. A autoria
recursos humanos e servirá como parâmetro de ações dos diferentes setores e instâncias
é da vereadora Aldaíza Sposati (PT).
da empresa no campo das políticas sociais” (Projeto de Lei n 3.116/97, Câmara dos
o

Esta Resolução está em vigor e já

Deputados, Brasília, 14 de maio de1997).


premiou diversas empresas na

cidade de São Paulo. No município Esse projeto foi assinado por outras duas deputadas federais: Sandra Starling, do PT

de Santo André/SP, o Projeto de Lei de Minas Gerais, e Maria da Conceição Tavares, do PT do Estado do Rio de Janeiro,

004/97 tornou-se a Lei n 7.672, de que, assim como a deputada Marta Suplicy, por motivos diversos, não retornaram à
o

18 de junho de 1998, de autoria


Câmara. Assim, o projeto foi arquivado sem chegar a passar pelas comissões necessárias
do vereador Carlinhos Augusto,
para sua total tramitação e posterior votação no plenário.
“(...) cria o Selo Empresa Cidadã às
Em 1999, o deputado Paulo Rocha, do PT do Estado do Pará, apresentou um projeto
empresas que instituírem e

versando sobre o mesmo tema. Basicamente, foi o mesmo projeto realizado


apresentarem qualidade em seu

Balanço Social e dá outras anteriormente, sendo até mesmo citado como referência principal. Até o momento

providências”. No município de de conclusão deste trabalho, o projeto encontrava-se em tramitação na Comissão de

Porto Alegre/RS, a Lei n 8.118/98, Economia, Indústria e Comércio da Câmara Federal.


o

de autoria do vereador Hélio


Durante os anos de 1997 e 1998, alguns projetos que versavam sobre balanço social
Corbelini (PSB), “(...) cria o Balanço
e responsabilidade social das empresas foram apresentados em vários municípios
Social das empresas estabelecidas
brasileiros, como, por exemplo, na capital de São Paulo; em Santo André/SP; em
no âmbito do município de Porto

Porto Alegre/RS; em Santos, também no Estado de São Paulo; em João Pessoa, na


Alegre e dá outras providências”.

Esta lei foi sancionada em 5/1/98 e Paraíba; e em Uberlândia/MG. Porém, de todos os projetos apresentados, o que merece

publicada, em 9/1/98, no Diário maior destaque foi o realizado na Cidade de São Paulo pela vereadora Aldaíza Sposati.

Oficial. No município de João E isso se dá não só pela importância que a capital paulista apresenta, mas também

Pessoa/PB, o Projeto de Resolução


pelos avanços apresentados por esse projeto, que foi um dos principais motivadores
n 004/98, do vereador Júlio Rafael,
o

de todos os outros apresentados nos vários municípios brasileiros supracitados (13).

150
“(...) institui o Selo Herbert de Souza Aprovado em 23 de outubro de 1998, o Projeto n.º 39/97, que cria o dia e o “Selo

às empresas que apresentarem Empresa Cidadã do Município de São Paulo”, transformou-se na Resolução n
o
05/98,

qualidade em seu Balanço Social e


que estabelece, em nível municipal, 25 de outubro como o Dia da Empresa Cidadã,

dá outras providências”. E, por fim,


concedendo um selo/certificado para toda a empresa que apresentar qualidade em
no município de Uberlândia/MG, a
seu balanço social anual. Essa Resolução também constituiu uma comissão para dar
Câmara Municipal de Uberlândia
encaminhamento aos trabalhos, especificar um modelo de BS e julgar as empresas
instituiu em novembro de 1999 o

merecedoras do citado selo. Já em meados de 1999, o processo encontrava-se em


“Selo Empresa Cidadã”. Outras

fase de implementação. Em outubro de 1999, 25 empresas receberam esse Selo.


informações podem ser obtidas no

site do Balanço Social: Em 2001, esse número cresceu para 32 corporações que atuam na cidade de São

http://www.balancosocial.org.br. Paulo (14).

A responsabilidade social das empresas na definição de alguns executivos e empresários

Para compreender a atualidade desse tema, cabe observar e analisar as declarações

de alguns empresários e de pessoas ligadas ao pensamento empresarial contemporâneo


14) A comissão do prêmio Empresa

no Brasil, buscando diversas definições de responsabilidade social da empresa e de


Cidadã da Cidade de São Paulo é

seus termos semelhantes, como, por exemplo, responsabilidade social corporativa.


composta por representantes

de empresas, do poder público, de As declarações aqui incluídas servem, ao mesmo tempo, para ilustrar algumas questões

sindicatos e de organizações da levantadas anteriormente e para complementar nossas aulas e debates durante essa

sociedade civil, como, por exemplo, etapa do curso.

Fiesp, Abrinq, Câmara Municipal,


Inicialmente, podemos observar a significativa declaração do diretor-presidente do

Prefeitura, PNBE, CUT, Instituto


Grupo Odebrecht. Quando questionado, Emílio Odebrecht afirmou que a
Ethos, Ibase, Abong e CIEE.
responsabilidade social das empresas consiste: “(...) em primeiro lugar, na criação

permanente de novas oportunidades de trabalho. A busca de maior produtividade e

o aprimoramento emocional e humano dos funcionários é que asseguram a

competitividade da empresa em um mundo cada vez mais globalizado. Estamos

convencidos, também, de que as ações das empresas devem ultrapassar os limites de

suas obrigações legais, razão pela qual as Empresas Odebrecht, desde a sua fundação,

contribuem com programas educativos e educacionais nas comunidades onde atuam”

(Revista Brasil Sempre, ano I, n 2, fevereiro de 2000, página 13).


o

151
Essas declarações, que demonstram a visão de um significativo representante do

empresariado nacional, vão ao encontro de um pensamento conservador muito

semelhante ao da “Escola de Chicago”, que atribui à empresa, primordialmente, o

papel social de gerar empregos, bens e serviços para a sociedade e ao mesmo tempo

maximizar a remuneração dos acionistas.

Já a presidenta da Companhia Siderúrgica Nacional, Maria Silvia Bastos Marques,

afirmou, na entrevista em questão, que “(...) a responsabilidade social precípua da

empresa é a busca do lucro”. Porém, segundo ela: “Observa-se que a busca do lucro

pelas empresas, numa visão contemporânea, está condicionada a padrões éticos de

comportamento, no que diz respeito aos mais diferentes públicos. Entretanto, este

papel, apesar de essencial, ainda é insuficiente. (...) As empresas, como agentes

relevantes e integrados a esta sociedade, têm sido peça fundamental deste esforço,

como pode ser constatado através dos balanços sociais, que já se tornaram usuais no

país” (idem, página 12).

O empresário Oded Grajew, que se destacou nos últimos anos dentro do universo de

atuação social das empresas e se vem dedicando, exclusivamente, desde 1998, ao

Instituto Ethos de Responsabilidade Social – uma instituição mantida por mais de

quinhentas empresas, dedica-se, pelo menos em discurso, exclusivamente ao fomento

da ética e da postura socialmente responsável no meio empresarial. Para ele, a

responsabilidade social empresarial: “(...) é uma forma de gestão empresarial que

envolve a ética em todas as atitudes. Significa fazer todas as atividades da empresa e

promover todas as relações – com seus funcionários, fornecedores, clientes, com o

mercado, o governo, com o meio ambiente e com a comunidade – de uma forma

socialmente responsável. Ética não é discurso, é o que se traduz em ação concreta. Na

hora de escolher um produto, um processo de fabricação, uma política de recursos

humanos, o que fazer com o lucro da empresa; qualquer decisão deve ser pautada

por estes valores” (Revista Você S.A., ano II, n 15, setembro de 1999).
o

Segundo o diretor do Great Place to Work Institute no Brasil, José Tolovi Jr.,

responsabilidade social das empresas “(...) é uma questão de estratégia, que não se resume

apenas a dar dinheiro a quem precisa. Responsabilidade social é a soma das ações

152
internas e externas de uma companhia, o produto daquilo que faz dentro e fora dos

portões. Do lado de fora, as empresas hoje colaboram com escolas, creches e até

mesmo prefeituras.(...) Do lado de dentro da empresa, a responsabilidade social pode

ser traduzida pelo cuidado que se tem com os funcionários. Uma empresa socialmente

responsável respeita seus empregados, considera suas características individuais e seu

anseios de desenvolvimento. (...) Cultiva um ambiente em que a credibilidade e a

confiança são tão fundamentais que se tornam um meio para o desenvolvimento dos

negócios” (Revista Exame/As Melhores Empresas Para Você Trabalhar, ano 33, n 17,
o

1999, página 38).

Dessa forma, cabe também perceber como a questão da “performance da empresa” –

em que, obviamente, se pode ler lucro, imagem, produtividade, vendas, etc. – aparece

na explicação do que é responsabilidade social, nas palavras do presidente da Shell do

Brasil, David Pirret. Para ele: “A responsabilidade social corporativa está intrinsecamente

relacionada com o compromisso da empresa de que suas ações se traduzam em

benefícios econômicos, sociais e ambientais para as comunidades onde atuam, além

da maximização da sua performance e do fornecimento de produtos e serviços de

qualidade aos seus consumidores” (Revista Brasil Sempre, ano I, n 2, fevereiro de 2000,
o

página 16).

Para o vice-presidente do império das comunicações brasileiras, as Organizações Globo,

José Roberto Marinho, a responsabilidade social das empresas “(...) deve ser entendida

como uma atitude ética permanente e proativa do empresariado consciente de seu

papel na transformação da sociedade e no desenvolvimento economicamente

sustentável do país” (idem, página 17).

Para o presidente da General Motors do Brasil e membro do Fórum de Líderes da Gazeta

Mercantil, André Beer, a responsabilidade social corporativa resume-se a uma “(...) conduta

ética e legalmente correta em relação a todos os elementos sociais com os quais ela

convive e no desafio de buscar o equilíbrio ecológico; respeitar o ser humano; buscar a

melhoria de produtividade; lidar com pressões e demandas globais; equilibrar a ética com

a função econômica da empresa; e conceber e implantar parcerias sociais” (idem).

A partir das declarações apresentadas, podemos afirmar que as questões relacionadas

153
à competitividade, à qualidade e à produtividade – em última instância, o lucro e a

sobrevivência da empresa a longo prazo – se configuram como os fatores prioritários

na justificativa e nos discursos de responsabilidade social aqui enunciados.

Por outro lado, a realização de ações que visam de alguma forma a compensar a ausência

ou deficiências do Estado em garantir bem-estar para toda a sociedade – principal-

mente na resolução dos problemas que afetam diretamente os custos, a sobrevivência

e o lucro das empresas, como, por exemplo: falta de segurança, mão-de-obra des-

qualificada e mercados consumidores cada vez menores – configuram-se como os prin-

cipais fatores motivadores dessa “nova” postura socialmente responsável. E, sem dúvida,

influenciam significativamente na própria decisão de divulgar anualmente os chama-

dos relatórios ou balanços sociais.

Sendo assim, cabe ressaltar que os anos 90 marcaram a consolidação dessa mudança

do discurso e do comportamento das empresas no Brasil: nota-se um incremento das

ações sociais e ambientais realizadas pelo setor privado, bem como o surgimento e o

fortalecimento de diversas instituições privadas, de interesse público, ligadas ao meio

empresarial. Contudo, devemos observar que nem tudo são flores: muitos interesses

estão em jogo e a “bandeira” da chamada “responsabilidade social empresarial” é

hasteada por muitos, porém com diferentes intenções, díspares relações de poder

e com os objetivos mais diversos.

2.3. Sites relacionados com a nossa disciplina

http://www.balancosocial.org.br

http://www.ibase.br

http://www.fides.org.br

http://www.gife.org.br

http://www.ethos.org.br

http://www.sa-intl.org

http://www.bsr.org

http://www.empresacidada.org

154
2.4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Contabilidade e Atuária, Faculdade de Economia e Administração, Universidade

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